o federalismo no brasil

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Caderno do IPEA sobre a relação dos entes federados no Brasil. A distribuição das atribuições de cada ente, sua capacidade de arrecadação e o impacto desse arranjo institucional para a implementação de políticas públicas.

TRANSCRIPT

  • Alexandre Manoel Angelo da SilvaAristides Monteiro NetoCarlos Antonio Brando

    Danilo Jorge VieiraJos Carlos Gerardo

    Jos Raimundo de Oliveira VergolinoMara Jimena Garca Puente

    Ricardo IsmaelRobson Dias da Silva

    Vctor Ramiro Fernndez

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    CAPACIDADES ELIMITAES

    GOVERNATIVASEM DEBATE

    Misso do IpeaAprimorar as polticas pblicas essenciais ao desenvolvimento brasileiropor meio da produo e disseminao de conhecimentos e da assessoriaao Estado nas suas decises estratgicas.

    GOVERNOSESTADUAIS NOFEDERALISMO

    BRASILEIRO

    OrganizadorAristides Monteiro Neto

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  • O livro convida o leitor a um debate amplo e consistente sobre os rumos do federalismo brasileiro, na expectativa de que no s o pas seja capaz de inverter a trajetria recente em que a pactuao ficou em segundo plano, mas tambm de que a cooperao alicerce fundamental de um federalismo democrtico possa ganhar fora.

    No seu conjunto, as anlises apresentadas conformam subsdio importante para a discusso sobre a reconstituio do Estado brasileiro depois dos anos neoliberais: uma tarefa que ainda requer espao na agenda estratgica nacional. De fato, trata-se de um debate para o qual a leitura dessa trajetria recente, seguida pela organizao federativa brasileira, com um olhar atento para todos os seus entes, faz-se fundamental. Incluem-se aqui os governos estaduais, que, segundo autores deste volume, ficaram na antessala da Federao.

    Tal debate no pode ser conduzido sem um olhar atento s grandes desigualdades regionais que seguem dominando e marcando o Brasil dos tempos atuais, mesmo aps o esforo despendido para ampliar conquistas sociais, cujos resultados tiveram impactos positivos nas regies mais pobres do pas. Nos prximos anos, contudo, quando se impuser a discusso sobre a competitividade da economia brasileira e sobre a realizao de investimentos em infraestrutura econmica via concesses ao setor privado, entre outros temas, ser exigida a considerao da herana de padres muito distintos nas diversas regies do pas. E, neste contexto, deve emergir ainda a discusso sobre o papel a ser desempenhado por cada ente federado.

    Este livro traz insumos importantes a esse debate, em uma abordagem que ousa fugir das leituras hegemnicas. Por isto mesmo, uma contribuio instigante e inovadora.

    Tania Bacelar de AraujoProfessora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

    e membro do Conselho de Orientao do Ipea

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    OrganizadorAristides Monteiro Neto

    CAPACIDADES ELIMITAES

    GOVERNATIVASEM DEBATE

    GOVERNOSESTADUAIS NOFEDERALISMO

    BRASILEIRO

  • Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Marcelo Crtes Neri

    Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

    PresidenteSergei Suarez Dillon Soares

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalLuiz Cezar Loureiro de Azeredo

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos dos Santos

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e AmbientaisRogrio Boueri Miranda

    Diretora de Estudos e Polticas Setoriaisde Inovao, Regulao e InfraestruturaFernanda De Negri

    Diretor de Estudos e Polticas Sociais, SubstitutoCarlos Henrique Leite Corseuil

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves

    Chefe de GabineteBernardo Abreu de Medeiros

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

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    OrganizadorAristides Monteiro Neto

    CAPACIDADES ELIMITAES

    GOVERNATIVASEM DEBATE

    GOVERNOSESTADUAIS NOFEDERALISMO

    BRASILEIRO

    Braslia, 2014

  • Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2014

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    Governos estaduais no federalismo brasileiro : capacidades e limitaes governativas em debate / organizador : Aristides Monteiro Neto. Braslia : Ipea, 2014. 326 p. : il., grfs., mapas color.

    Inclui Bibliografia.ISBN: 978-85-7811-209-7

    1. Governo Estadual. 2. Federalismo. 3. Governabilidade4. Guerra Fiscal. 5. Relaes Intergovernamentais. 6. Desenvolvimento Regional. 7. Brasil. I. Monteiro Neto, Aristides. II. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

    CDD 352.0981

  • SUMRIO

    APRESENTAO ........................................................................................7

    PREFCIO ..................................................................................................9

    INTRODUO ..........................................................................................13

    PARTE I REFLEXES SOBRE UMA AGENDA DE PESQUISA PARA O FEDERALISMO BRASILEIRO

    CAPTULO 1GOVERNOS ESTADUAIS NO FEDERALISMO BRASILEIRO: CAPACIDADES E LIMITAES NO CENRIO ATUAL .....................................21Aristides Monteiro Neto

    PARTE II ANLISE DAS CAPACIDADES ECONMICO-FISCAIS

    CAPTULO 2FEDERALISMO E AUTONOMIA FISCAL DOS GOVERNOS ESTADUAIS NO BRASIL: NOTAS SOBRE O PERODO RECENTE (1990-2010) ...................63Jos Raimundo de Oliveira Vergolino

    CAPTULO 3DVIDAS ESTADUAIS, FEDERALISMO FISCAL E DESIGUALDADES REGIONAIS NO BRASIL: PERCALOS NO LIMIAR DO SCULO XXI .....119Alexandre Manoel Angelo da Silva Aristides Monteiro NetoJos Carlos Gerardo

    CAPTULO 4A GUERRA FISCAL NO BRASIL: CARACTERIZAO E ANLISE DAS DISPUTAS INTERESTADUAIS POR INVESTIMENTOS EM PERODO RECENTE A PARTIR DAS EXPERINCIAS DE MG, BA, PR, PE E RJ ...............145Danilo Jorge Vieira

  • PARTE IIIANLISE DAS CAPACIDADES POLTICO-INSTITUCIONAIS

    CAPTULO 5GOVERNOS ESTADUAIS NO AMBIENTE FEDERATIVO INAUGURADO PELA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988: ASPECTOS POLTICOS E INSTITUCIONAIS DE UMA ATUAO CONSTRANGIDA ...........................183Ricardo Ismael

    CAPTULO 6SOBRE DESENVOLVIMENTO, PLANEJAMENTO E DESAFIOS PARA A PACTUAO MULTIESCALAR NO FEDERALISMO BRASILEIRO ................213Carlos Antonio Brando

    CAPTULO 7RELAES INTERGOVERNAMENTAIS NA CHINA: CARACTERSTICAS E TRAJETRIA RECENTE ..............................................233Robson Dias da Silva

    CAPTULO 8CAPACIDADES NODAIS DO ESTADO E ESTRATGIAS DE DESENVOLVIMENTO: UMA PERSPECTIVA LATINO-AMERICANA ...........263Vctor Ramiro FernndezMara Jimena Garca Puente

    PARTE IVCONSENSOS E DISSENSOS NO DEBATE ATUAL

    CAPTULO 9FEDERALISMO SEM PACTUAO: GOVERNOS ESTADUAIS NA ANTESSALA DA FEDERAO ....................................................................291Aristides Monteiro Neto

    NOTAS BIOGRFICAS .....................................................................325

  • APRESENTAO

    O debate sobre as relaes federativas no Brasil, por fora do processo particular de descentralizao preconizado na Constituio de 1988, ficou muito voltado para a relao governo federal e municpios. A agenda de investigao poltica e socioeconmica centrou-se nos aspectos da democratizao de poder e de recursos em direo aos entes governamentais municipais.

    Passados quase 25 anos de consolidao dessa trajetria federativa municipalista, e por fora da prpria retomada do crescimento econmico do pas, a relevncia do campo de investigao relacionado aos estudos sobre os governos estaduais vem se impondo. sabido que, em fins dos anos 1990, por um lado, recaiu sobre esses governos parte importante do ajustamento macroeconmico, com a renegociao das dvidas estaduais e a conteno da ao fiscal por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas, por outro lado, passaram a ser pressionados para assumir maiores responsabilidades de execuo de polticas, como na educao e na sade, sem o correspondente nvel de recursos.

    Convivem, os governos estaduais, desde a dcada dos 1990, com uma trajetria de duro e necessrio ajustamento em suas capacidades de desenho e implementao de trajetrias de desenvolvimento sejam estas capacidades as econmico-fiscais, sejam as poltico-institucionais necessrias ao atendimento de polticas pblicas estratgicas. De maneira preocupante, entretanto, ainda neste incio da dcada de 2010, tais restries se fazem muito presentes e, em muitos casos, vm impedindo que os entes estaduais sejam capazes de capturar mais intensamente estmulos do ciclo ascendente do investimento na economia brasileira.

    Eis, portanto, um conjunto de vetores poltico-institucionais a ser devidamente compreendido em sua natureza de maneira a no permitir que se instale uma traje-tria definitiva de enfraquecimento do papel dos governos estaduais no federalismo brasileiro. Os artigos deste livro tratam destas questes e de como elas esto sendo enfrentadas pelo arranjo federativo vigente. Seu objetivo, portanto, colocar luzes sobre o posicionamento atual de um ator relevante, a esfera estadual de governo, para o sucesso ou fracasso na implementao de polticas pblicas no pas.

    Com mais este trabalho, o Ipea sente-se cumpridor de seu dever de contribuir para a investigao, o debate e a proposio de polticas pblicas de alto nvel para o desenvolvimento nacional.

    A todos, boa leitura!

    Sergei Suarez Dillon SoaresPresidente do Instituto de Pesquisa

    Econmica Aplicada (Ipea)

  • PREFCIO

    O Brasil, pas continental, magnificamente diverso e absurdamente desigual, se organiza como uma Federao Trina desde a Constituio Federal de 1988 (CF/88). No deixa de ser uma ousadia da Assembleia Nacional Constituinte, poca, ter acatado as presses do movimento municipalista e concedido autonomia aos muni-cpios, considerados o elo mais frgil de uma Federao que emergia de longa fase de ditadura, na qual a centralizao de recursos e de poder na Unio predominara, reafirmando herana centralizadora que vem da formao do Estado brasileiro.

    Assim, em um pas onde cerca de 70% dos municpios tm menos de 20 mil habitantes e quase 90% tm menos de 50 mil habitantes tendo a esmagadora maioria destes base econmica reduzida, pelo que dependem fundamentalmente de transferncias de outros entes para se financiar e onde as enormes desigual-dades regionais permanecem sendo trao marcante se instala uma Federao em que os trs entes federados tm autonomia, embora suas realidades sejam profundamente distintas.

    Paralelamente, o constituinte escutou o clamor da sociedade por maior descentralizao das polticas pblicas e promoveu movimento de transferncia de atribuies para o ente municipal, especialmente no caso das polticas sociais. Isto sem deixar de construir um edifcio complexo, ao partilhar atribuies entre vrios entes federados, mesmo focando na tendncia municipalizao.

    Nesse contexto, no de estranhar que as discusses recentes sobre o arranjo federativo brasileiro se concentrem nas atribuies e no desempenho do elo forte a Unio e do elo mais numeroso e mais beneficiado pelas mudanas introduzidas pela CF/88: o municpio.

    O livro Governos estaduais no federalismo brasileiro: capacidades e limitaes governativas em debate, coordenado por Aristides Monteiro, escapa desta armadilha e enxerga outro foco importante de preocupao: a esfera estadual, que ficou muito fragilizada no texto constitucional e no ambiente brasileiro das ltimas dcadas.

    Exatamente ao longo dessas dcadas, quando, apesar da persistncia de forte endividamento do setor pblico, o pas conseguiu melhorar seu ambiente macroeconmico em especial domar a hiperinflao e ousou avanar no campo das polticas sociais, enfrentando a pobreza absoluta e melhorando a renda das camadas mais pobres da populao em ritmo superior ao experimentado em outros momentos de sua histria, o esforo do constituinte no resiste e se assiste a um retorno ao fortalecimento da Unio. O livro reafirma esta trajetria.

  • 10 Governos Estaduais no Federalismo Brasileiro: capacidades e limitaes governativas em debate

    O governo central, em nome da busca da estabilizao econmica, na dcada de 1990, e da ampliao das polticas sociais, no incio do sculo XXI, aumentou significativamente a carga tributria nacional que passou de 25% antes do Plano Real para 36% presentemente , ao mesmo tempo em que centrou a ampliao das receitas tributrias nas contribuies federais, tipo Contribuio de Interveno do Domnio Econmico (Cide), Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira (CPMF), Contribuio Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), entre outras, fugindo sempre da partilha de seus resultados com os demais entes federados.

    Mais recentemente, tal trajetria recentralizadora comea a ser questionada e a discusso sobre o pacto federativo vigente ganha espao na agenda nacional. O conjunto de captulos que integra este livro busca contribuir para fazer avanar este debate.

    Uma das originalidades do livro, que rene contribuio de diversos estudiosos, seu foco em um ente que ficou um tanto esquecido tanto pelo constituinte de 1988 como nos tempos atuais: os governos estaduais.

    Partindo de reflexes sobre as capacidades e limitaes desse ente federado no perodo recente, a coletnea vai inserindo o leitor em questes como a capacidade econmico-financeira dos estados, os limites de sua autonomia e as dificuldades asso-ciadas herana de um perodo de forte endividamento que a maioria dos governos estaduais do pas vivenciou e vivencia, entre outras condicionantes da sua atuao. Uma anlise muito estimulante coloca seu foco em aspectos poltico-institucionais para concluir pelo carter constrangido da ao dos governos estaduais no Brasil das ltimas dcadas. Desse conjunto de anlises emerge, de forma cristalina, o diagnstico da situao atual dos estados:

    Comprimidos, de um lado, pela expanso dos gastos em polticas sociais (educao, sade, previdncia e assistncia social), pelas regras de renegociao do endividamento (e seus encargos) junto ao governo federal e, de outro lado, pela estabilidade da trajetria das fontes de recursos prprios (Imposto sobre Circulao de Mercadoria e Servios ICMS) e reduo dos montantes de transferncias constitucionais (Fundo de Participao dos Estados FPE), os governos estaduais se veem limitados em suas capacidades para desenhar e implementar trajetrias de desenvolvimento em seus territrios (Monteiro Neto, cap. 9).

    Outra discusso instigante a que trata da guerra fiscal travada, sobretudo, custa da receita do ICMS e que se tornou prtica frequente nas dcadas recentes como instrumento de atrao de investimentos privados uma funo que os governos estaduais assumiram ao mesmo tempo em que a Unio recuou na prtica de polticas regionais explicitamente voltadas para o combate s desigualdades inter-regionais.

  • 11Prefcio

    Alis, esse um dos pontos fortes deste livro: como acontece em geral, o conjunto de anlises no abstrai que em um pas como o Brasil no apenas os entes municipais so muito heterogneos na sua capacidade de financiamento e de atuao. Os entes estaduais tambm o so, e esta heterogeneidade uma das facetas da enorme desigualdade regional brasileira. Basta lembrar que dois teros do produto interno bruto (PIB) do pas so gerados em apenas cinco estados do Sudeste e do Sul: So Paulo liderando com 31% Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paran, enquanto as nove Unidades da Federao (UFs) que integram o Nordeste respondem apenas por 13,5% da produo nacional, mesmo abrigando 27% da populao do pas.

    Um dos captulos destaca que:

    As Unidades da Federao de baixa dotao de recursos per capita so justamente aqueles de mais baixo nvel de desenvolvimento e situam-se, regra geral, na regio historicamente com padres de bem-estar mais baixos do pas, o Nordeste. Da que os recursos transferidos pelo sistema de partilha fiscal, ademais de no serem sufi-cientes, em seus montantes, para igualar nacionalmente padres de acesso a polticas pblicas, no tm sido capazes de modificar a dinmica do investimento dentro da regio menos desenvolvida: os recursos pblicos transferidos para as regies menos desenvolvidas tendem a retornar, via comrcio inter-regional, para as regies mais desenvolvidas do pas (Monteiro Neto, cap. 09).

    O livro convida para um debate mais amplo e consistente sobre os rumos do federalismo brasileiro na expectativa de que o pas seja capaz de inverter a trajetria recente em que a pactuao ainda ficou em segundo plano e a cooperao alicerce fundamental de um federalismo democrtico possa ganhar fora.

    No seu conjunto, as anlises apresentadas so subsdio importante ao debate sobre a reconstituio do Estado brasileiro depois dos anos neoliberais. Uma tarefa que ainda requer espao na agenda estratgica nacional. Um debate para o qual a leitura da trajetria recente, seguida pela organizao federativa brasileira, com um olhar atento para todos os seus entes, fundamental. Inclusive os governos estaduais, que segundo autores do presente livro ficaram na antessala da Federao.

    Um debate que no pode ser feito sem focar as grandes desigualdades regionais que seguem dominando e marcando o Brasil dos tempos atuais, mesmo aps o esforo feito de ampliar conquistas sociais, cujo resultado teve impactos positivos nas regies mais pobres do pas. Porm, nos prximos anos, quando se impuser a discusso sobre a competitividade da economia brasileira, sobre a realizao de investimentos em infraestrutura econmica via concesses ao setor privado, entre outros temas, vai se exigir a considerao da herana de padres muito distintos nas diversas regies do pas. E, neste contexto, a discusso sobre o papel a ser desempenhado por cada ente federado deve emergir.

  • 12 Governos Estaduais no Federalismo Brasileiro: capacidades e limitaes governativas em debate

    Este volume traz insumos importantes a este debate, em uma abordagem que ousa fugir das leituras hegemnicas. Por isto mesmo, uma contribuio instigante e inovadora. Boa leitura!

    Tania Bacelar de Arajo Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro

    do Conselho de Orientao do Ipea

  • INTRODUO

    Os captulos que compem este livro problematizam diferentes perspectivas do federalismo contemporneo sob a tica de seus entes estaduais. Conquanto o caso brasileiro tenha se revestido de maior centralidade, dois dos captulos trazem ele-mentos acerca das relaes intergovernamentais na China e na Amrica Latina de maneira a contribuir com o debate. A literatura recente do federalismo brasileiro tem dado pouca ateno ao ente subnacional do governo estadual, preocupada que est com a descentralizao fiscal e de atribuies em direo aos municpios. No entanto, o que se nota com frequncia que a instncia federativa dos governos estaduais foi sistematicamente negligenciada e, em certo sentido, reprimida em suas capacidades de desenvolver e implementar estratgias de polticas pblicas em seus territrios ao longo das ltimas duas dcadas.

    Se a Constituio de 1988 props originalmente um novo federalismo desta vez de carter descentralizado, opondo-se centralizao poltica e fiscal do perodo ditatorial (1964-1985) e com o reconhecimento da importncia do ente municpio no arranjo federativo brasileiro , esta orientao, entretanto, no se manteve nas dcadas seguintes.

    A partir de 1994, a necessidade de levar adiante o plano de estabilizao macroeconmica exigiu do governo central a recentralizao de recursos em sua esfera, de maneira a conduzir as polticas fiscal e monetria com vistas estabili-dade macroeconmica. A desvinculao de recursos da Unio (DRU) em 1994, a expanso das contribuies federais no conjunto da carga tributria e a renegociao das dvidas pblicas estaduais entre 1997 e 2000 foram medidas do governo central limitadoras da atuao e do poder dos demais entes subnacionais.

    Na dcada de 2000, a agenda do governo central voltou-se firmemente para o alargamento da poltica social. Era chegada a vez de, depois de realizada a estabilidade macroeconmica, fazer o Estado brasileiro caminhar para a resoluo das graves iniquidades sociais prevalecentes em sua sociedade. Tendo que executar polticas de combate pobreza e de reduo das desigualdades, o governo central continuou a operar e, em alguns casos, precisou intensificar a centralizao de recursos fiscais e de definio de polticas em detrimento dos entes subnacionais.

    Um elemento novo, contudo, diferenciou a performance de atuao do governo central em uma e outra dcada. Nos anos 1990, as medidas de poltica econmica, em ambiente de restrio da interveno estatal e em ambiente externo, geraram baixo crescimento econmico em todo o pas. J nos anos 2000 principalmente a partir de 2004 , a orientao da poltica foi conduzir

  • 14 Governos Estaduais no Federalismo Brasileiro: capacidades e limitaes governativas em debate

    o pas para ritmos mais elevados de crescimento econmico por meio de maior interveno governamental.

    Da que, em cada um dos perodos, os governos subnacionais e, em parti-cular, os estaduais tiveram que se adaptar s condies prevalecentes do arranjo macroeconmico de maneira a, eventualmente, operar suas estratgias de atuao.

    sobre os modos de adaptao, superao e convvio dos governos estaduais com as condies ditadas pelas regras do federalismo do governo central que os captulos deste livro refletem.

    O tema mais geral resultante da pesquisa realizada no Ipea, com apoio de vrios parceiros e consultores em instituies e universidades brasileiras, intitulada O que Podem os Governos Estaduais no Brasil? Trajetrias de desenvolvimento no Brasil contemporneo: diagnstico, limites e possibilidades em Unidades da Federao escolhidas (1990-2010). A pesquisa traz contribuies significativas para a compreenso, de um lado, das limitaes e capacidades de construo e implementao de estratgias de desenvolvimento por parte dos governos estaduais. De outro lado, permite tambm compreender que, em federalismos centralizados, os governos subnacionais tendem a resistir a processos de cooperao federativa, pois costumam entender este chamado como regras de imposio federativa.

    REVISITANDO O DEBATE FEDERATIVO: A CONTRIBUIO DO CONCEITO DAS CAPACIDADES GOVERNATIVAS

    A discusso sobre a repartio de poderes na Federao, quando vista por econo-mistas, tende a privilegiar sua dimenso fiscal. Deste modo, uma extensa literatura nacional tem apontado para a existncia de um pndulo centralizao/descen-tralizao no federalismo brasileiro a partir da maior ou menor capacidade de extrao de recursos fiscais por parte do governo central em relao aos governos subnacionais. O debate tende a operar com elementos dicotmicos para explicar relaes entre governos central-subnacionais num jogo de soma zero: quando um ganha, outro perde. Neste ambiente essencialmente competitivo, o federalismo apresenta baixa capacidade de alianas e jogos democrticos. Em outra vertente, mais aproximada aos cientistas polticos, a literatura tende a dar mais destaque centralizao/descentralizao poltica e de polticas pblicas e menos s questes fiscais. Neste quadro de prevalncias das regras da poltica (e dos partidos), as relaes intergovernamentais so orientadas por motivaes partidrias e de acumulao de poder poltico, e pouca ateno dada aos fatores que definem dinamicamente a repartio de recursos.

    So dois mundos analticos para a compreenso do federalismo com poucas interfaces entre si. As anlises e os resultados nestes dois mundos isolados tendem a se tornar parciais e pouco aprofundados, pois desconhecem, cada qual a seu modo,

  • 15Introduo

    a fora e as motivaes da outra parte. Nesta pesquisa, tentou-se reconhecer estas dificuldades, e percorrer um caminho de resoluo que conduziu necessidade do conceito de capacidades governativas, as quais so constitudas ora pelas capaci-dades econmico-fiscais, ora pelas poltico-institucionais prevalecentes nas esferas de governo. Ao utilizar este conceito de capacidades em sentido amplo, a investigao das relaes intergovernamentais ganha em compreenso da realidade atual.

    As contribuies apresentadas neste livro esto organizadas para espelhar esse ordenamento conceitual referente s capacidades governativas. O livro tem incio com o captulo Governos estaduais no federalismo brasileiro: capacidades e limitaes no cenrio atual, de Aristides Monteiro Neto, que problematiza uma agenda de pesquisa com vistas compreenso das relaes federativas que envolvem, subor-dinam e delimitam o papel dos governos estaduais no federalismo brasileiro atual.

    Esse primeiro captulo tem o carter de delimitar e apontar questes centrais ao entendimento das relaes federativas, as quais so mais bem desenvolvidas nos captulos seguintes. Com o objetivo de operar o tratamento analtico para o caso brasileiro dos dois conjuntos de capacidades governativas, o livro foi ento organizado em quatro partes, de maneira a trazer tona o recorte proposto. Assim, o captulo inicial constitui a parte I do documento: Reflexes sobre uma agenda de pesquisa para o federalismo brasileiro.

    Na parte II, Anlise das capacidades econmico-fiscais, os temas da autonomia fiscal, do endividamento, da capacidade de investimento e da dinmica da guerra fiscal so investigados de maneira a compor, cada qual, um painel da situao atual por que passam os estados da Federao.

    No primeiro captulo da parte II, Federalismo e autonomia fiscal dos governos estaduais no Brasil: notas sobre o perodo recente (1990-2010), o professor Jos Raimundo Vergolino realiza um obstinado retrato da situao do grau de autonomia ou, alternativamente, de dependncia fiscal e financeira dos estados, com um amplo recorte regional. medida que analisa os ndices de autonomia fiscal, o autor apresenta a dinmica e as especificidades econmicas que tem enfrentado cada regio frente ao cenrio mais amplo dos desequilbrios regionais de desenvolvimento. Conclui pela lenta recuperao da capacidade de autonomia dos estados, mesmo em meio a um cenrio benigno de crescimento entre 2006-2010, e aponta que, nas regies Norte e Nordeste, as Unidades da Federao so fortemente dependentes de recursos constitucionais para prover suas polticas pblicas, derivando da uma situao de pouca iniciativa para o desenho de estratgias originais de polticas.

    No captulo 3, Dvidas estaduais, federalismo fiscal e desigualdades regionais no Brasil: percalos no limiar do sculo XXI, os autores Alexandre Manoel da Silva, Aristides Monteiro Neto e Jos Carlos Gerardo procedem a uma ampla investigao de amarras e limitaes atuao dos governos estaduais provocadas pelo endividamento

  • 16 Governos Estaduais no Federalismo Brasileiro: capacidades e limitaes governativas em debate

    junto Unio. Apresenta-se e discute-se o peso da dvida nas receitas estaduais e, de maneira indita, foram calculados os subsdios recebidos ou pagos por estado da Federao em funo dos parmetros pactuados originalmente com a Unio para a renegociao do endividamento. Uma questo que permeia a anlise a dos possveis efeitos benignos do processo de renegociao da dvida realizado ainda em fins dos anos 1990 sobre a retomada da capacidade de investimento pblico dos governos estaduais. Os resultados demonstram que os recursos estaduais de investimento, nesta dcada de 2000, pouco cresceram relativamente ao padro observado na dcada anterior. Na mdia do pas, eles permanecem prximos a 1% do produto interno bruto (PIB) por toda a dcada, com pequenos acrscimos nesta proporo em fases de alta do ciclo econmico. Conclui-se que as amarras construdas para reorganizar as finanas estaduais ainda operam, quinze anos depois do pacto de renegociao, fortes restries sobre os governos estaduais.

    O captulo 4, A guerra fiscal no Brasil: breve caracterizao e anlise das dispu-tas interestaduais por investimentos em perodo recente, de Danilo Jorge Vieira, traz uma importante contribuio para a compreenso da dinmica da guerra fiscal no Brasil. Com base em experincias estaduais, o autor aponta para um quadro de permanncia das razes da competio interestadual por investimentos priva-dos, entre elas a ausncia de polticas nacionais de desenvolvimento territorial e a situao estrutural de debilidade fiscal com que se deparam os governos estaduais. Ambos so fatores que, instalados no pas desde a crise fiscal-financeira do Estado nos anos 1980, permanecem irresolvidos, contribuindo para a configurao de um comportamento federativo competitivo e predador dos governos estaduais, e como uma das poucas estratgicas para atrair empreendimentos privados (capital e empregos) para seus territrios.

    A parte III, Anlise das capacidades poltico-institucionais, comea com o captulo de autoria do professor Ricardo Ismael, denominado Governos estaduais no ambiente federativo inaugurado pela Constituio Federal de 1988: aspectos polticos e institucionais de uma atuao constrangida. Seu foco o campo das relaes poltico-institucionais do federalismo brasileiro que contribuem para a limitao poltica da atuao dos governos estaduais. Chama ateno para o crescente fortalecimento das iniciativas polticas do governo federal e para a inibio dos governos estaduais no cenrio fede-rativo. Neste sentido, retoma as caractersticas fundamentais do federalismo brasileiro com essncia pendular (perodos histricos de centralizao poltica e fiscal na Unio seguidos de retorno descentralizao), isto , sem uma orientao de estabilidade constitutiva. Conclui com uma preocupao que merece ser destacada:

    A opo por uma ao mais seletiva do governo federal nos prximos anos e um papel mais efetivo dos governos estaduais na produo de polticas pblicas depen-dem da disposio de ambas as partes, e da capacidade do Congresso Nacional de definir os contornos desse federalismo. No ser possvel, e nem desejvel, retornar

  • 17Introduo

    aos anos de 1980, quando alguns enxergaram um federalismo de governadores. Mas tambm no se pode deixar prosperar alguns aspectos presentes nas duas d-cadas anteriores, como a desconfiana permanente em relao aos gastos estaduais, e um cenrio federativo no qual no se sabe onde comeam e nem onde terminam os poderes da Unio.

    O captulo 6, de autoria do professor Carlos Antonio Brando, intitulado Sobre desenvolvimento, planejamento e desafios para a pactuao multiescalar no federalismo brasileiro, apresenta uma abordagem singular para o tema do federalismo. Sua preocupao est no planejamento como elemento de pactuao do federalismo, com o objetivo de produzir orientaes sobre o territrio nacional, visando redu-o das desigualdades regionais. A noo de escalaridade ou de escalas territoriais como representaes de escalas de poder tem papel crucial na anlise, pois revigora a anlise do federalismo brasileiro ao pensar sobre este como possibilidade de pac-tuao poltica em vrias escalas de territrio-poder. Para o autor, empreender as pactuaes escalares no atual momento da democracia brasileira , a um s tempo, ampliar a ideia de federalismo (de relaes intergovernamentais) e promover as demandas cidads a um degrau mais alto na orientao das aes do Estado. O autor aponta em suas concluses: Arenas, instncias e mbitos de coordenao de interesses, dilogos e consensos devem ser construdos e reelaborados, dando voz e poder articulativo magnfica riqueza da diversidade socioespacial brasileira.

    O captulo 7, Relaes intergovernamentais na China: caractersticas e trajetria re-cente, de autoria do professor Robson Dias da Silva, trouxe para o projeto uma reflexo sobre o padro de relaes intergovernamentais na China, pas que vem se destacando j h trs dcadas por acelerado crescimento econmico e forte intervencionismo estatal. Teria o caso chins algo a ensinar para o Brasil sobre a conduo das relaes entre entes de governo? Em primeiro lugar, preciso esclarecer que a China no um pas federado, mas, segundo alguns autores, no perodo mais recente, as relaes que tm se estabelecido entre autoridades dos governos central e subnacionais podem ser configuradas como um caso de federalismo no declarado. Com base na literatura investigada, o autor afirma que: Observa-se na China considervel autonomia nas decises das escalas de governo abaixo do poder central, embora todas devam estas coadunadas e justificadas aos interesses e ao projeto nacional.

    Segue o captulo 8, Capacidades nodais do Estado e estratgias de desenvolvi-mento: uma perspectiva latino-americana, de autoria dos professores argentinos Vctor Ramiro Fernndez e Mara Jimena Garcia Puente, que consiste em um estudo gentilmente realizado para compor esta coletnea sobre capacidades estatais. Neste sentido, traz contribuio relacionada discusso do conceito de capacidades nodais de Estado e da premncia dos estados latino-americanos em particular, da Argentina em reorganizar o Estado a partir dos subconjuntos de capacidades institucionais e espaciais conformadoras do que se pensa como capacidade estatal. Concretamente, como afirmam os autores, o objetivo do trabalho :

  • 18 Governos Estaduais no Federalismo Brasileiro: capacidades e limitaes governativas em debate

    formular uma ferramenta capaz de dar conta da relevncia de desenvolver um Estado com capacidades para conformar internamente um nvel de coerncia institucional e espacial, que possibilite operar externamente tanto na forma disciplinar quanto cooperativa para produzir, no cenrio latino-americano, processos de acumulao mais endgenos, dinmicos e descentralizados.

    O trabalho alerta, ainda, para o reconhecimento da necessria dimenso espacial-territorial das aes do Estado, sem a qual as relaes entre as escalas de poder no territrio, se no azeitadas, tendem a provocar dificuldades intranspo-nveis ao desenvolvimento.

    Por fim, na parte IV do livro (Consensos e dissensos no debate atual), o captulo Federalismo sem pactuao: governos estaduais na antessala da Federao, de Aristides Monteiro Neto, traz uma abordagem-sntese do conjunto das contribuies proble-matizadas no livro. Sem pretender realizar uma discusso da contribuio especfica de cada captulo no se constitui, portanto, em resumo de ideias , este trabalho discute uma sntese para compreenso das relaes entre a Unio e os governos es-taduais no Brasil hoje. Aponta para o percurso de centralizao fiscal, poltica e de polticas pblicas na rbita do governo central, com o esperado cerceamento do papel dos governos estaduais. Descortina que, mesmo em face de um quadro generoso em termos econmicos no perodo 2005-2010 no pas, os governos estaduais no tiveram ampliao de suas receitas prprias em magnitude esperada. Disto resultou que as ofertas recebidas do governo federal para a colaborao em programas de investimento (como o Programa de Acelerao do Crescimento PAC) levaram a reaes contrrias e inesperadas nos governos estaduais, dado que estes passaram a se defrontar com dificuldades em oferecer suas contrapartidas para os projetos em andamento. Sem protagonismo na elaborao de polticas pblicas e com restries fiscais consolidadas desde a renegociao das dvidas em fins dos anos 1990, os governos estaduais passaram a ver a crescente atuao do governo federal como limitao sua prpria atividade.

    Este livro, por certo, no traria reflexes to importantes sobre o federalismo brasileiro dos dias atuais se no pela presena, dedicao e esforo de cada um dos autores aqui presentes e parceiros do projeto O que Podem os Governos Estaduais no Brasil? Diagnstico, limites e possibilidades de atuao, financiado pelo Ipea. Os professores Victor Ramiro e Maria Jimena Puente gentilmente se dispuseram a contribuir desde um ponto de vista argentino e latino-americano sobre a ideia de capacidades governativas. Agradeo a todos pela inestimvel contribuio intelectual ao projeto, e ao Ipea, na pessoa do Diretor da Diretoria de Estudos e Polticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do instituto, Rogrio Miranda, pelo acolhimento do projeto e por assegurar os recursos para sua realizao.

    Aristides Monteiro NetoOrganizador

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    PARTE IREFLEXES SOBRE UMA

    AGENDA DE PESQUISA PARA O FEDERALISMO BRASILEIRO

  • CAPTULO 1

    GOVERNOS ESTADUAIS NO FEDERALISMO BRASILEIRO: CAPACIDADES E LIMITAES NO CENRIO ATUAL1,2

    Aristides Monteiro Neto3

    1 INTRODUO

    O objetivo deste estudo explorar o campo de investigao relacionado com limites e possibilidades com que se defrontam os governos estaduais para construir e implementar trajetrias de desenvolvimento para suas populaes e territrios. No centro desta discusso est o debate sobre a natureza e as caractersticas do federalismo brasileiro. Este, em meio a movimentos histricos de centralizao e descentralizao de recursos e de atribuies entre governos, passa, desde a Constituio Federal de 1988 (CF/1988), por uma fase de centralizao de receitas e de comando no governo federal. Tal fase combina perda de importncia relativa dos governos estaduais e maior papel dos governos municipais.

    Na teoria do federalismo, a ideia da descentralizao ou de seu oposto, a centralizao alcana um status de grande reconhecimento, uma vez que o campo da investigao da mudana e da transformao por que passam as estru-turas dos governos. A descentralizao pode ser avaliada pelo seu aspecto vertical, isto , pelas relaes entre os governos central e subnacionais, e tambm pelo seu aspecto horizontal, isto , pelas relaes territoriais ou regionais.

    No Brasil, as fortes desigualdades regionais de bem-estar e de desenvolvimento econmico so aspecto de extrema relevncia para o entendimento do pacto federa-tivo. Sua existncia e persistncia investem-se de elementos de grande tenso sobre as relaes polticas e tendem a gerar constantes presses para a ocorrncia de uma situao pendular (sem estabilidade) no federalismo brasileiro. Neste captulo, ser dada, sempre que possvel, nfase a este aspecto da dimenso horizontal das relaes

    1. Este estudo produto das discusses e das anlises empreendidas no mbito da pesquisa O que podem os governos estaduais no Brasil: trajetrias de desenvolvimento comparadas, desenvolvida sob coordenao do autor na Diretoria de Estudos e Polticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do Ipea. O autor agradece, pelo papel importante na reflexo e nos apontamentos de vrios assuntos aqui tratados, aos professores, consultores da pesquisa, Jos Raimundo Vergolino, da Faculdade Guararapes (Recife-PE); Ricardo Ismael, da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); e Robson Silva, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); bem como a Alexandre Manoel da Silva, Tcnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Os erros remanescentes so de inteira responsabilidade do autor.2. Este captulo foi publicado anteriormente em novembro de 2013, na coleo Texto para Discusso do Ipea, nmero 1.894.3. Tcnico de Planejamento e Pesquisa da Dirur do Ipea.

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    federativas e de suas implicaes sobre os avanos e dificuldades permanentemente observados nas relaes intergovernamentais na ltima dcada.

    Adicionalmente, deve ser posto que quando se considera o tema da descentraliza-o no federalismo se est discutindo ora descentralizao fiscal, ora descentralizao de polticas pblicas, ora descentralizao poltica, ou uma mistura dos trs tipos (Rodden, 2005). Para as discusses que se seguem, a nfase se dar na descentralizao fiscal e de polticas pblicas.4

    Tem sido reconhecida na literatura a situao de maior fragilidade no quadro federativo brasileiro do ente regional do governo, isto , o governo estadual ou intermedirio (Prado, 2012). Este passou a ter um papel minorado, nas ltimas duas dcadas, quanto sua participao no gasto e na receita nacionais. A capa-cidade de uso livre e autnomo de receitas foi fortemente limitada pela expanso das transferncias fiscais do governo federal na forma de recursos vinculados. Os oramentos estaduais passaram a se caracterizar por rigidezes, na medida em que aqueles recursos so aplicados exclusivamente para agendas centralmente predefinidas.

    O gasto pblico estadual tem, por razes bvias, papel decisivo na explicao das trajetrias de desenvolvimento elaboradas pelos governos estaduais. De um lado, o gasto corrente oferece indicaes do perfil de atividades escolhidas para serem objeto de recursos mais frequentes da coletividade com vistas permanente melhoria de seus nveis de bem-estar, em especial nas reas de educao, sade e segurana. Um componente importante do gasto corrente so as despesas com custeio da mquina pblica estadual e com servidores pblicos, necessrias para fazer o servio pblico funcionar e que, nos governos estaduais, notabilizam-se como expresso da prpria proviso do servio pblico sociedade.

    De outro lado, o gasto em investimento tem o potencial de revelar as escolhas mais estratgicas feitas pelas administraes pblicas estaduais de maneira a tornar a economia local mais competitiva, ou a criar e atrair novos setores produtivos para esta economia, promovendo sua transformao estrutural.

    Parte da literatura corrente e dos documentos de poltica sobre as economias estaduais tende a enfatizar algumas proposies mais visveis sobre como as administraes estaduais organizam seus esforos para a promoo do crescimento econmico e a melhoria do bem-estar de sua coletividade, conforme exposto a seguir.

    4. Para uma anlise da dimenso poltica natureza, causas e consequncias no atual federalismo brasileiro, ver Arretche (2012), em que se exploram os porqus da centralizao das decises e dos recursos no governo da Unio, bem como os porqus de os governos subnacionais, principalmente os estaduais, no terem oferecido resistncia a esta tendncia centralizadora.

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    1) Buscam ampliar e acelerar o investimento em infraestrutura (estradas, aeroportos, saneamento e abastecimento, comunicaes etc.), visando a uma elevao da produtividade do setor produtivo existente e atrao de capitais novos para a economia estadual.

    2) Desenvolvem esforos para investir em educao e em formao de capital humano altamente qualificado como base para a atrao de capitais privados dos setores de alta tecnologia, caracterizados pelos altos salrios pagos a sua mo de obra e pelos elevados ritmos de inovao.

    3) Buscam realizar uma combinao das duas proposies anteriores, isto , envidar esforos para tornar suas economias mais produtivas e atrativas ao capital produtivo por meio de ampliao de oferta atualizada de infraestrutura e de capital humano.

    Para alcanar estes intentos, os governos estaduais precisam, tanto quanto o governo da Unio, possuir ou construir, em cada momento, instrumentos e ins-tituies para promover modificaes estruturais nas economias e nos patamares de bem-estar. Assim, os governos subnacionais precisam estar dotados do que ser denominado aqui capacidades governativas: o amplo conjunto de meios e recursos econmicos e financeiros (capacidades econmico-fiscais) e os recursos polticos e institucionais (capacidades institucionais) para promover o desenvolvimento.

    claro que os governos estaduais no atuam sozinhos, e parcela dos recur-sos necessrios ao seu desenvolvimento obtida junto Unio, como parte do sistema de reparties constitucionais de recursos do modelo federativo vigente. As relaes federativas constituem, portanto, um poderoso campo de investigao das capacidades governativas, s vezes apontando para modelos federativos mais cooperativos, outras vezes para modelos mais competitivos.

    de interesse do estudo avaliar quais proposies tm se tornado foras explicativas mais presentes em experincias de governos estaduais brasileiros aqui consideradas. Como ser demonstrado adiante, os anos 1990 caracterizaram-se por fortes mudanas institucionais, as quais representaram transformaes em marcos legais que regiam as relaes entre capital e trabalho no Brasil e levaram extino de instituies e empresas produtivas estatais federais e subnacionais, bem como a uma forte orientao da economia brasileira para ligar-se s correntes internacionais de comrcio e das finanas privadas.

    Para os governos estaduais, o processo de ajustamento levado a efeito pela poltica macroeconmica dos anos 1990 resultou em estreitamento de suas ca-pacidades de orientar e coordenar o desenvolvimento em seus territrios. Para conduzir a renegociao das ento elevadas dvidas dos estados, o governo federal imps um forte ajustamento econmico-financeiro, o qual inclua a venda de ativos

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    produtivos (bancos estaduais e empresas estatais) e a conteno de gastos pblicos em custeio com forte represso do gasto com pessoal e em investimento. Em outra perspectiva, o governo federal imps aos governos estaduais um dolo-roso processo de limitao de suas atividades, arbitrando, de modo unilateral, o tamanho adequado que caberia doravante aos governos estaduais no federalismo brasileiro. A aprovao da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000 tornou-se o coroamento do processo de ajustamento.

    O ajustamento realizava, logo de incio, uma conjugao difcil de ser articu-lada e superada mediante mecanismos prprios dos governos subnacionais: elevada restrio fiscal; elevado comprometimento de receitas com os encargos da dvida; e baixo crescimento econmico.

    Esse quadro de restries permaneceria por mais alguns anos ao longo da dcada de 2000, apenas sendo paulatinamente superado com a retomada do cres-cimento econmico a partir de 2005 em nveis superiores aos da dcada anterior.

    Pode-se questionar em que medida a mudana nas taxas estaduais mdias de crescimento econmico, em comparao ao padro da dcada de 1990, teve como base o ajustamento das finanas pblicas dos governos estaduais.

    Alternativamente, pode-se perguntar se teriam sido outras as causas do cresci-mento observado. Uma possvel explicao seria a reorientao da poltica macro-econmica empreendida pelo governo federal, que teve rebatimentos expressivos sobre os governos estaduais. Voltou-se a ativar o investimento governamental e o privado este ltimo com aumento do crdito pblico, especialmente na indstria e na construo civil e o gasto com polticas sociais foi, destacadamente acrescido.

    Vrias so as proposies a exigir investigao acurada e revisitao. Entre-tanto, o cerne das preocupaes est no entendimento a ser construdo acerca dos caminhos possveis, bem como dos meios, instrumentos e recursos disponveis ou passveis de serem mobilizados por um federalismo brasileiro mais cooperativo. Algumas delas, as quais sero mais bem desenvolvidas no decorrer da pesquisa, podem ser explicitadas como a seguir descrito.

    Dcada de 1990:

    1) Um federalismo descentralizador, de carter municipalista, incentivado pelas determinaes da Constituio Cidad de 1988, reduziu a esfera de atuao dos governos estaduais no concerto das relaes federativas brasileiras.

    2) O ajustamento fiscal e financeiro imposto pelo governo federal aos governos estaduais como forma de retomada da estabilidade macroe-conmica levou a srias dificuldades para a construo de trajetrias estaduais de desenvolvimento.

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    3) O clima institucional de permanentes reformas (privatizaes, novos marcos regulatrios, reforma administrativa etc.) criou espao para a inibio de iniciativas ou estratgias de investimento produtivo dos governos estaduais e da sua retrao.

    4) Do ponto de vista das relaes horizontais desigualdades regionais o enfraquecimento e a destruio de instrumentos voltados ao desenvolvi-mento regional criaram paralisia institucional e poltica, impedindo que o debate e a busca de novas alternativas tivessem espao para florescer.

    Dcada de 2000:

    1) A retomada do crescimento econmico nesta dcada, resultado em parte do cenrio internacional benigno e em parte de uma poltica nacional de investimentos mais assertiva, possibilitou o ambiente favorvel para que governos estaduais retomassem o investimento pblico. Em que medida este ambiente favorvel foi explorado pelos governos estaduais e com que intensidade o foi, se que foi, so questes que merecem ser devidamente investigadas.

    2) Sabendo-se que a LRF significou um ponto culminante de um processo duro de ajustamento das dvidas dos estados, cabe perguntar qual a situao atual dos estados no que toca capacidade de endividamento.

    3) A despeito das condies macroeconmicas e das polticas de crdito go-vernamental mais propcias ao investimento, a guerra fiscal consolidou-se e continuou a ser intensamente utilizada pelos estados da Federao como estratgia de atrao de investimentos. Tal comportamento precisa ser mais investigado na situao presente do federalismo brasileiro.

    4) Processos de construo e aplicao de estratgias de desenvolvimento esto em curso nos governos estaduais? Quando existirem, qual tem sido sua orientao predominante: a infraestrutura econmica, a social, ou ambas? Polticas que visam antecipao de trajetrias portadoras de futuro, como as de cincia, tecnologia e inovao (C,T&I), esto em curso nos governos estaduais?

    2 O CONTEXTO INTERNACIONAL: GLOBALIZAO E ENFRAQUECIMENTO DO ESTADO-NAO

    As sociedades contemporneas atriburam ao Estado nacional a importante tarefa de organizar e produzir o sentido e a direo do desenvolvimento em seus territrios. Pode-se afirmar que para operar esta tarefa os Estados nacionais devem ser capazes de elaborar esforos em duas instncias social e politicamente representativas: a autonomia e a homogeneidade. No primeiro caso, o da autonomia, o Estado nacional

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    deve ser autnomo e efetivamente capaz de conduzir a direo e o sentido do desenvolvimento para seus cidados frente a obstculos frequentemente impostos por outras naes no cenrio geopoltico.

    No segundo caso, a homogeneidade se refere qualidade que o Estado- nao deve ter para operar atributos universais para o conjunto dos seus cidados. Do Estado-nao espera-se que possa conduzir polticas universais em seu territrio de igualao ou equiparao das condies de cidadania (polticas educacionais, de sade etc.), polticas de desenho e manuteno das condies para o desenvolvimento econmico (macroeconmicas: preos, juros, cmbio etc.), bem como as de dotao equnime no territrio das infraestruturas para o moderno desenvolvimento econ-mico (polticas regionais).

    A histria de constituio dos modernos Estados-nao tem sido a histria de construo e efetivao destes atributos eminentemente nacionais para seus cidados. Na esfera econmica, por exemplo, as polticas produtivas de fortale-cimento da indstria ou da agropecuria ou ainda das exportaes representam a criao de espaos de autonomia produtiva para produtores nacionais frente a concorrentes externos.

    A expanso dos interesses capitalistas, entretanto, traz de forma frequente con-tradies operao dos Estados-nao, na medida em que aqueles permanentemente tm extrapolado as fronteiras dos Estados nacionais em busca de novos horizontes e territrios para acumulao. Marx e Engels haviam observado o carter cosmopolita do capital e adiantaram, j em fins do sculo XIX, os germes da globalizao.

    A caracterstica mais marcante da globalizao que a percepo dos interesses exclusivamente nacionais se torna mais difusa. Os interesses dos agentes econ-micos, polticos ou sociais se dirigem cada vez mais para outros territrios. O raio de atuao das empresas produtivas e financeiras, para alm do mercado nacional, tambm o mercado internacional. H, no contexto atual, entrecruzamentos de interesses dos cidados em vrios territrios simultaneamente, interesses que se expressam no somente nos negcios econmicos mas nas mais variadas esferas das atividades humanas, como a poltica, a cultura, o meio ambiente etc. No por outra razo, a capacidade do Estado nacional em operar a determinao do desenvolvimento nacional tem cada vez mais sido minada e enfraquecida.

    Se no plano geral das naes a globalizao afeta a todos, h, contudo, circuns-tncias especficas e determinadas mediadoras da posio das naes na hierarquia de poderes econmicos, polticos e sociais prevalecente no capitalismo mundial. Mais fortemente desde os anos 1970 e 1980, movimentos bruscos e frenticos agitam os pases, conduzindo a uma reduo de suas capacidades estatais: a in-ternacionalizao acelerada das empresas multinacionais e do sistema financeiro.

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    Esse processo, comandado inicialmente pelas empresas norte-americanas, em sua busca de expanso na Europa, na sia e na Amrica Latina, disseminou-se como padro para as empresas produtivas e financeiras nas demais partes do mun-do. Tendo sido fonte de grande expanso econmica no mundo capitalista, sua contnua busca por mercados cada vez mais transnacionais passou a exigir que os governos nacionais aceitassem alguma reduo de autonomia sobre as operaes financeiras e produtivas das grandes empresas em seus territrios.

    Nesse contexto, os governos nacionais passam a operar polticas de desenvol-vimento macroeconmicas, industriais ou sociais sob novo registro conceitual e instrumental: tem sido papel primordial dos governos nacionais nesta nova etapa do capitalismo no mais realizar polticas de desenvolvimento mas to somente zelar para a manuteno do endividamento pblico em patamares baixos e estveis, de maneira a garantir ao sistema financeiro que as condies para a rentabilidade de seus negcios no sejam afetadas. Quaisquer alteraes na poltica econmica que mudem os parmetros de lucratividade e os ganhos dos mercados financeiros privados tm como resposta uma desestabilizadora fuga de capitais.

    A experincia de administrao da demanda agregada (demand management), que teve curso aps a Grande Crise de 1929 e atingiu seu auge no ps-Segunda Guerra, entre 1945 e 1975, resultou num dos mais prsperos e estveis perodos de expanso do capitalismo a idade de ouro do capitalismo. A possibilidade de utilizar de maneira ativa e planejada o dficit pblico para atingir nveis pre-determinados de emprego e renda foi uma caracterstica determinante dos nveis e das taxas de crescimento observadas no mundo desenvolvido e em vrios pases em desenvolvimento. Com a progressiva desregulamentao financeira prevale-cente nas economias globalizadas desde os anos 1990, este raio de manobra foi substancialmente reduzido.

    A expanso dos ativos financeiros na riqueza global rompeu com o padro de canalizao dos recursos financeiros para a expanso da riqueza produtiva.

    Uma grande diferena com relao ao perodo anterior, da idade de ouro do ca-pitalismo, que as poupanas, nesta etapa atual da riqueza financeira, no so mais transformadas em crditos bancrios para o financiamento de atividades produtivas, pelo contrrio, se transformam em valores a serem manipulados pelos mercados de ativos. Ou seja, as poupanas privadas no se transformam, inequivocamente, em acrscimo de demanda agregada. Seu caminho mais tortuoso, sendo elas canali-zadas mais rotineiramente para a alimentao de bolhas de ativos (Monteiro Neto, 2005, p. 26).

    As decises de gastos em investimento e consumo para crescimento da eco-nomia passam a depender fortemente das flutuaes e das expectativas geradas no mercado financeiro, seara em que os governos no tm mais como interferir.

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    As variveis de demanda agregada essenciais para o crescimento econmico tornam-se instveis e reticentes ao controle da poltica econmica e, neste contexto, a capa-cidade de interveno governamental mngua.

    As dificuldades impostas por esta macroeconomia da riqueza financeira para que os governos nacionais empreendam trajetrias de crescimento so crescentes. Elas parecem no recuar mesmo em face de crises sistemticas, como as que se abateram no Mxico, em 1995; na sia, em 1997; na Rssia, em 1999; na Argen-tina, em 2001; e mais recentemente, em 2008, nos mercados financeiros globais, tendo como epicentro os Estados Unidos e se espalhando para a Europa e o Japo.

    Nos pases desenvolvidos, o que sobrou ao Estado para operar a criao de condies necessrias ao aumento do poder de concorrncia de suas corporaes multinacionais. Nos pases em desenvolvimento, onde as bases para o financiamento do desenvolvimento so frgeis, os Estados esto relegados posio passiva de promoo das condies necessrias atrao de capitais dos pases desenvolvidos.

    Os canais pelos quais se opera a reduo das capacidades estatais nacionais em pases em desenvolvimento, como o caso do Brasil, podem ser identificados como relacionados com: i) os crescentes vazamentos comerciais e financeiros para o exterior; ii) as presses para a existncia de uma taxa de cmbio artificialmente valorizada; e iii) as restries ampliao da base fiscal dos governos.

    No primeiro caso, as presses para que os pases em desenvolvimento realizem abertura comercial e financeira resultam em maiores vazamentos de renda para o exterior, ora na forma de maiores importaes de bens e servios, ora na forma de maior endividamento das empresas privadas e dos governos junto ao mercado financeiro. Neste contexto, parte da demanda agregada nacional transferida para o exterior sem que se tenha algum controle da situao.

    No segundo caso, como a liberalizao das importaes tende a ser financiada por entradas de capitais internacionais (os dficits comerciais), a valorizao da taxa de cmbio associada tende a prejudicar a competitividade sistmica do setor produtivo nacional, e a entrada de capitais tende a contaminar a dvida pblica de forma permanente.

    Finalmente, a base fiscal dos governos tende a ser enfraquecida pela acen-tuada concorrncia comercial e financeira. Quanto mais integrados os mercados financeiros se tornam, mais a poltica econmica nacional se torna refm da fuga de capitais quando o nvel de impostos de um dado pas se torna mais alto que a mdia de seus concorrentes.

    Esses canais de expresso da lgica financeira sobre a poltica econmica tm tambm repercusses sobre as finanas e as estratgicas de desenvolvimento dos governos subnacionais.

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    3 ENQUADRAMENTO DO PAS AO NOVO CONTEXTO EXTERNO

    3.1 Ajustamento, reformas e baixo crescimento

    O Estado brasileiro vem passando por diversas e significativas transformaes desde a crise dos anos 1980. Aquilo que inicialmente era apenas crise econmico-financeira em funo do colapso provocado pelo endividamento externo levou, ao longo da dcada, a processos inflacionrios crnicos, esgaramento da capacidade fiscal e, por consequncia, a uma acentuada perda e reduo dos meios para financiar o desenvolvimento.

    Esse quadro geral de dificuldades veio a condicionar as proposies descen-tralizadoras do federalismo proposto na CF/1988. Representativa de um conjunto de anseios democrticos e de tentativas de superao das amarras centralizadoras do sistema poltico do perodo ditatorial (1964-1985), a Constituio Cidad propugnava para o federalismo brasileiro maior descentralizao poltica e de re-cursos. A prpria admisso dos municpios como entes federados como inovao desta Constituio j representava tais mudanas. Passar-se-ia a ter um quadro de relaes federativas com maior protagonismo dos governos subnacionais.

    Olhando retrospectivamente, entretanto, no foi isso que ocorreu. Do ponto de vista das relaes federativas, o pndulo tendeu para uma reconcentrao de poderes polticos, institucionais e financeiros no mbito do governo da Unio, como se ver a seguir. As razes para esta centralizao esto fortemente relacionadas com as tarefas de reorganizao do Estado brasileiro (finanas, gesto, planejamento etc.) para levar adiante a tarefa do desenvolvimento em contexto de dificuldades macroeconmicas de grande monta (Arretche, 2012; Amaral Filho, 2012; Oliveira, 2007).

    Na dcada de 1990, depois de vrias tentativas malogradas de conter o processo inflacionrio, o Plano Real, em 1994, enfim obteve xito na estabilizao da economia. Comeou-se uma nova era na vida nacional, na qual a estabilidade econmica passou a ser acompanhada de profundas reformas institucionais, sendo as mais representativas as seguintes: abertura produtiva e financeira com mudanas acentuadas nos regimes de comrcio e investimento estrangeiro; ousada agenda de privatizaes de empresas estatais; e medidas de controle dos gastos pblicos com punies mais fortes para os governos estaduais e municipais. Foi objetivo geral da poltica governamental reorientar o desenvolvimento brasileiro para um modelo mais globalizado, aberto s correntes de comrcio e investimento internacionais, mais apoiado pelo setor privado e com um papel menor e mais indireto do Estado, em contraposio ao modelo desenvolvimentista anterior, com mais interveno governamental e mais fechado para o exterior.

    Para os governos estaduais, o processo de ajustamento no perodo ps-Real no se revelou fcil. A perda de receitas inflacionrias que se seguiu ao controle do processo inflacionrio, aliada expanso do endividamento em cenrio de altas taxas de juros, resultou em estrangulamento das contas pblicas na grande maioria dos estados da Federao.

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    A partir de 1997, o governo federal comea a levar adiante um modelo de ajustamento que culminaria na aprovao da LRF (Lei Complementar no 101) em 2000. A Unio federalizou as dvidas estaduais e exigiu, em contrapartida, que os governos estaduais e municipais (principalmente das grandes capitais) privatizassem bancos e empresas sob seus domnios, de maneira a abater parte da dvida e, em prazo mais longo, desobrigar os estados a manter gastos correntes que de outro modo seriam necessrios. Em adio, a Unio proibiu concesses de financiamentos por parte de instituies financeiras federais para os estados da Federao que no tivessem contrato para reequacionamento de suas dvidas.

    Forte disciplina fiscal passou a ser imposta aos governos estaduais desde ento. O peso crescente dos encargos da dvida renegociada, a perda de instrumentos de fi-nanciamento do desenvolvimento e a aguerrida concorrncia de importados sobre bens domsticos tiveram impactos nocivos sobre o crescimento econmico e sobre o padro de implementao de polticas pblicas na maioria das Unidades da Federao (UFs).

    A tabela 1 evidencia que o perodo de mais intensas reformas liberais na forma de ajustes na poltica macroeconmica e nas contas pblicas, entre 1995 e 2002, ao longo dos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi aquele em que as taxas de expanso do produto interno bruto (PIB) do Brasil e de suas macrorregies foram mais fracas desde pelo menos a dcada de 1960.

    TABELA 1Brasil e regies: taxas anuais de crescimento1 do PIB (fases histricas de crescimento entre 1960 e 2010)(Em %)

    Regies

    Desenvolvimentismo2 Reformas do EstadoNovo

    desenvolvimentismo

    1960-1989Auge 1

    1960-1979Declnio

    1980-19891990-2002

    Governo Collor/Itamar 1990-1994

    Governo FHC (I e II) 1995-2002

    Governo Lula I

    2003-2006

    Governo Lula ( I e II) 2003-2010

    Norte 9,5 8,7 8,8 2,4 4,2 2,9 6,0 7,7

    Nordeste 5,9 5,9 3,5 2,8 2,1 3,6 5,3 5,2

    Sudeste 6,2 8,0 2,4 2,3 1,8 1,4 4,9 4,2

    Sul 6,4 7,8 3,4 2,3 3,8 1,7 1,2 4,0

    Centro-Oeste 8,5 11,5 5,4 5,1 5,4 5,1 2,8 5,9

    Brasil 6,4 7,9 3,1 2,6 2,5 1,9 4,2 4,2

    Fonte: IBGE/Contas regionais (dados brutos).Notas: 1 Taxas de crescimento obtidas por ajustamento de uma funo exponencial.

    2 O modelo desenvolvimentista de transformao da economia e da sociedade brasileira teve seu incio na dcada de 1930 e, grosso modo, perdurou at fins dos anos 1980. Para as reflexes empreendidas neste captulo, aceita-se uma quebra no rigor conceitual associado a esse termo e utiliza-se correntemente o perodo que vai de 1960 a 1989 a fase de ouro da interveno estatal na questo regional como representativa do desenvolvimentismo no seu aspecto espacial.

  • 31Governos Estaduais no Federalismo Brasileiro: capacidades e limitaes no cenrio atual

    O crescimento foi muito elevado em todas as regies do pas durante o perodo desenvolvimentista (1960-1989), notabilizado pela expanso do gasto pblico, bem como pela mais intensa montagem e utilizao de um aparato empresarial estatal para levar adiante a integrao nacional por meio de infraestruturas nacionais de transportes e comunicaes. Posteriormente, a crise deste modelo, ainda nos anos 1980, iniciou uma fase de desacelerao e desorganizao das finanas pblicas, comprometendo seriamente o gasto pblico em investimento.

    Em 1970, o Estado brasileiro, nas trs esferas de governo, realizou o expressivo montante de 10,1% do PIB em investimento, estando 5,3% do PIB a cargo das administraes pblicas e 4,7% a cargo de empresas estatais. Em 1985, a crise das finanas pblicas estava instalada, levando a uma queda drstica do investimento pblico. Neste ltimo ano, o Estado realizou 6,8% do PIB em investimento, sendo 2,6% das administraes pblicas e 4,2% das empresas estatais (Monteiro Neto, 2005).

    No ano de 2000, quando os governos estaduais se ajustavam LRF, o investi-mento pblico nacional chegou a um dos seus patamares mais baixos, de 3,2% do PIB nacional. Com a parcela das empresas estatais sendo dramaticamente encolhida para 1,1% do PIB, o restante, 2,1% do PIB, coube s administraes pblicas.

    No incio dos anos 2000, o sistema empresarial pblico brasileiro havia sido reduzido por meio de um dos mais agressivos programas de privatizao do mundo poca. Deste modo, a capacidade estatal de operar o sentido do desenvolvimento havia retrocedido para prximo situao de capacidades institucionais prevalecente no pas antes da dcada de 1950.

    O balano das privatizaes de empresas pblicas brasileiras, realizado por Pinheiro (1999), apontou que entre 1990 e 1999 foram privatizadas 119 empre-sas estatais brasileiras dos governos federal e estaduais , com a arrecadao de US$ 70 bilhes e a transferncia para o setor privado de US$ 16,6 bilhes em dvi-das pblicas. O xito do programa de privatizaes do governo brasileiro mereceu o seguinte comentrio deste autor:

    Esses valores fazem da privatizao brasileira uma das maiores em todo o mundo por exemplo, at 1997, as receitas totais com a privatizao em todos os pases da [Orga-nizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico] OCDE somavam US$ 153,5 bilhes. (...). A maior parte do que permaneceu no setor estatal [referindo-se ao Brasil] deve ser privatizada em 1999-2000. H apenas 10 anos, nem mesmo o mais otimista dos liberais poderia prever um resultado to favorvel (Pinheiro, 1999, p. 178).

    O Estado brasileiro, para alm de seu sistema empresarial estatal, conta com o instrumento do crdito bancrio pblico para financiar o desenvolvimento. Na ausncia de empresas estatais ou na hiptese de seu encolhimento, instituies finan-ceiras estatais podem, a qualquer tempo, ser utilizadas com maior ou menor intensidade para operar trajetrias de crescimento e modernizao do setor produtivo nacional.

  • 32 Governos Estaduais no Federalismo Brasileiro: capacidades e limitaes governativas em debate

    Em particular, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), cuja atuao tem se notabilizado como o principal instrumento do desenvolvimento do pas desde os anos 1950, quando foi criado, fornece elemen-tos para a compreenso das dificuldades e dos avanos por que vm passando os instrumentos do Estado brasileiro devotados ao desenvolvimento nestas ltimas dcadas. Em 1980, este banco emprestou ao sistema produtivo recursos da ordem de 1,71% do PIB nacional. Tal patamar no se sustentou nos anos seguintes em face da crise das finanas pblicas, chegando em 1990 a financiar apenas 0,66% do PIB deste mesmo ano. Com o controle do processo inflacionrio e a maior estabilidade macroeconmica, o banco passou a financiar 1,16% do PIB em 1995, 2,31% do PIB em 1997 e 2,13% do PIB em 2000.

    A melhoria da atuao do banco foi bastante expressiva ao longo dos anos 1990, permitindo que a oferta de crdito ao setor produtivo nacional fosse reto-mada a nveis mais saudveis. Entretanto, mesmo com a melhoria obtida em 2000, o pas somente voltava a atingir o mesmo patamar relativo visto em meados dos anos 1970, quando teria atingido seu auge: entre 1975, 1976 e 1977, a mdia de recursos do BNDES como proporo do PIB esteve em 2,5%.

    Se nas dcadas de 1970 e 1980 a oferta de recursos do BNDES visava ampliao do capital produtivo nacional por meio do financiamento de novas plantas industriais (greenfield), nos anos 1990 os recursos do banco voltaram-se para financiamento do processo de privatizao, agricultura de exportao, infra-estrutura e servios principalmente turismo e shopping centers.

    O BNDES passou, portanto, a estimular a expanso dos setores que mais apelos tinham ao capital internacional: mais ligados a correntes de comrcio e a retornos de curto e mdio prazos, como so a hotelaria e os shopping centers. Os investimentos cujos retornos de longo prazo so menos atrativos para os capitais financeiros internacionais, em funo dos riscos, foram preteridos nesta lgica de operao da instituio.

    O pas assistia expanso tmida do principal instrumento de financiamento do crdito produtivo nos anos 1990 e ao direcionamento de recursos para ativida-des de baixo poder multiplicador sobre as demais atividades econmicas. Assim, um importante elemento da poltica econmica brasileira era capturado apenas para atender aos interesses de curto prazo dos circuitos do capital financeiro que se instalavam avidamente no pas.

    Todo o esforo de reduo do endividamento pblico federal e de encilhamento fiscal sobre os estados, entretanto, surtiu pouco efeito do ponto de vista do controle geral das contas pblicas ao final do governo FHC. As polticas monetria (juros altos) e cambial (sobrevalorizao da moeda) permanentemente pressionavam para cima o endividamento pblico. A poltica fiscal passou, neste contexto, a seguir de modo passivo os ditames dos desequilbrios externos.

  • 33Governos Estaduais no Federalismo Brasileiro: capacidades e limitaes no cenrio atual

    Na mensagem presidencial de FHC ao Congresso Nacional em 2002, a constatao deste fracasso da poltica em reduzir a dvida pblica fica evidente, embora no seja admitida pelo governo.

    A deteriorao dos resultados fiscais decorreu de uma piora significativa do resultado primrio do setor pblico consolidado (de um supervit mdio de 2,94% entre 1991 e 1994, para um dficit mdio de 0,13% do PIB, entre 1995 e 1998) e do aumento das despesas com juros reais, que cresceu de 3,32% para 4,83% em igual perodo. A dinmica da dvida pblica sofreu ainda os efeitos da incorporao de passivos antes no reconhecidos, os chamados esqueletos. Essa dinmica tornou-se insustentvel no contexto das crises externas do binio 1997-1998, que provocaram elevao dos juros domsticos e queda do PIB (Brasil, 2002, p. 279).

    No era, portanto, o gasto corrente, nomeadamente o de pessoal, o maior gerador de desequilbrios nas contas pblicas durante o perodo mas as polticas de juros elevados, para a atrao de capitais; e de sobrevalorizao cambial, para a con-teno da inflao. Tais polticas, ao contaminarem de modo permanente a dvida pblica, passaram a exigir que a poltica fiscal se tornasse estruturalmente restritiva.

    Com a conta de juros sobre a dvida pblica aumentando e se tornando uma frao cada vez mais elevada do PIB, sinais negativos estavam sendo dados para que a classe empresarial se animasse a realizar inverses produtivas na economia brasileira do perodo. Basicamente se pode afirmar que os recursos governamentais a ttulo de pagamento de juros ao setor privado (empresas e famlias) podem ter trs destinaes possveis, as quais reduzem a eficcia do gasto sobre o produto interno: i) uma parte tende a se dirigir ao exterior, por meio do sistema financeiro, em busca de aplicaes alternativas em outros mercados; ii) outra frao retorna ao governo como refinanciamento da dvida pblica, aumentando ainda mais seu estoque; e iii) uma terceira parte da renda de juros vem a ser utilizada por seus detentores, o estrato mais rico da populao, na forma de consumo suntuoso, materializado por importaes de bens e servios. Num modelo estruturalmente aberto, com maior participao de setores dedicados s finanas rentistas, par-te expressiva da demanda efetiva passou a destinar seus estmulos ao exterior. As decises de investimento do sistema empresarial se tornaram mais volteis e de curto prazo, inviabilizando projetos de grande envergadura e de longa maturao, principalmente os de infraestrutura.

    No Brasil dos anos 1990, a conjugao de todos estes fatores restritivos, em sua maior parte construdos pela poltica macroeconmica, resultou em baixo nvel de atividade econmica, elevao da dvida pblica e esgaramento de relaes federativas.

    Chegada a dcada de 2000, a situao federativa passou a se distensionar. Como resultante do prprio crescimento da economia brasileira, foi expandida a base de tributao e de arrecadao. Por seu turno, a Unio, que continua a desempenhar

  • 34 Governos Estaduais no Federalismo Brasileiro: capacidades e limitaes governativas em debate

    um papel mais importante na distribuio total de receitas, passou a ter uma relao mais aproximada com os governos municipais do que com os estaduais para a execuo de polticas pblicas, principalmente aquelas das reas de sade, educao e assistncia social. Os governos estaduais tm, em certo sentido, mantido o quadro geral de menor capacidade prpria de induo do desenvolvimento em seus territrios herdado da dcada anterior: sem empresas estatais e sem bancos estaduais de desenvolvimento, a implementao de estratgias de desenvolvimento sem a colaborao estreita do governo e dos recursos da Unio tornou-se uma tarefa mais difcil. Criar um ambiente, nas economias subnacionais, propcio atrao de investimentos empresariais privados restou como a opo mais tangvel.

    3.2 Redemocratizao poltica e novo federalismo: a agenda da CF/1988

    O processo constituinte que se estabeleceu a fim de fortalecer o ambiente poltico- democrtico e reorientar o Estado brasileiro para a sada da crise econmico-fiscal e para a refundao das bases do desenvolvimento foi crucial para o desenrolar da institucionalidade federativa que se consagraria nas dcadas posteriores. A afirma-o da poltica social tornou-se o elemento de redeno das mazelas histricas da sociedade brasileira por meio do fortalecimento do oramento social no conjunto do oramento nacional, devotado para a sade, a educao e a seguridade social.

    Inicialmente, o movimento federativo propugnado pela CF/1988 foi de descentralizao de recursos federais em direo a governos subnacionais, mas de maneira mais evidente os governos municipais foram os grandes beneficiados por este movimento. Os governos estaduais, por sua vez, permaneceram, como at hoje, com participao relativa nas receitas pblicas no mesmo patamar de 1988.

    Nos anos 1990, principalmente depois da implementao do Plano Real (1995), tornou-se muito evidente o fortalecimento da posio da Unio na estru-tura federativa brasileira. A carga tributria (CT) teve uma trajetria de expanso muito acentuada, saltando de 29,76% do PIB, em 1995, para 33,18%, em 2000; 37,37%, em 2005; e somente vindo a reduzir-se no final da dcada, ao atingir 33,56% do PIB em 2010. Concorreu para esta expanso o avano da participao da Unio no total, a qual passou de 20,01% do PIB, em 1995, para 22,97%, em 2000; 26,18%, em 2005; e 23,46%, em 2010 (tabela 2).

  • 35Governos Estaduais no Federalismo Brasileiro: capacidades e limitaes no cenrio atual

    TABELA 2Brasil: descentralizao vertical (1990, 1995, 2000, 2005, 2010)(CT total e por ente federativo, em % do PIB)

    Anos escolhidosCT total

    (% do PIB) (A)

    CT por ente federativo Proporo da Unio no

    total (B/A)(%)

    Proporo dos estados

    no total (C/A)(%)

    Proporo dos municpios

    no total (D/A)(%)

    Unio (% do PIB)

    (B)

    Estados (% do PIB)

    (C)

    Municpios (% do PIB)

    (D)

    1990 30,50 20,53 9,02 0,95 67,31 29,57 3,11

    1995 29,76 20,01 8,32 1,43 67,23 27,95 4,80

    2000 33,18 22,97 8,69 1,52 69,22 26,19 4,58

    2005 37,37 26,18 9,62 1,57 70,04 25,75 4,20

    2010 33,56 23,46 8,47 1,63 69,90 25,23 4,85

    Fonte: Ministrio da Fazenda.

    O caminho de recentralizao de recursos ou de seu comando pela Unio em detrimento dos governos estaduais foi pavimentado ao longo do perodo entre 1990 e 2010, quando se fortaleceram as aes do governo federal visando, inicialmente, estabilizao macroeconmica e depois ampliao da poltica social.

    Fica evidente a partir dos dados elencados na tabela 2 que a expanso da CT total se d mais pelo avano da participao da Unio e menos dos estados e muni-cpios. Os governos estaduais registram reduo relativa ao longo das duas ltimas dcadas: em 1990, logo depois da promulgao da Carta Constitucional, os estados contribuam com 29,57% da CT nacional e chegam a 2010 a 25,23% daquele total da CT nacional, passando por redues sucessivas de sua capacidade de gerar CT.

    Quanto ao que ocorreu com a participao dos municpios na CT nacional, o movimento aqui no foi to grave como na esfera estadual, uma vez que, vistos conjuntamente, os municpios ampliaram sua participao relativamente situ-ao prevalecente no incio da dcada de 1990. Entretanto, h anos em que sua participao relativa no bolo tributrio se reduz em relao ao ano anterior, como em 2000 e 2005. O ponto relevante desta discusso, contudo, ressaltar que foi a esfera federal que ampliou, de modo permanente, entre 1990 e 2010, sua partici-pao no crescente bolo tributrio nacional, e que este avano relativo se fez pelo recuo da participao da esfera estadual, em maior grau, e pelo recuo, apenas em alguns anos do perodo, da parcela dos municpios naquele montante tributrio.

    Como ser visto mais detalhadamente a seguir, alm das perdas relat