o facebook e o branco no rosto

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Facebook e o branco no rosto Oi, leitores! Nossa personagem para este episódio é uma mulher extremamente bondosa, generosa, caridosa, entre outras coisas que terminam em “osa”. O nome dela é meio exótico: Laica. Eu queria lhes ajudar, claro entrei no Google para ver o significado do nome, mas as explicações são tão complexas, tem até a carta do tarot... — que achei melhor pular essa parte. Laica “entrou” no Facebook. A “ficha” dela estava lá há séculos, mas praticamente sem nenhuma informação, sem recados, sem mural.... Ela ainda está aprendendo a usar o programa. Foi nesse aprendizado, se perdendo nas páginas, perfis, sugestões de amigos... que ela encontrou “um espaço para foto em branco”. Foi assim que ela se lembrou do “branco no rosto”. Há alguns anos, Laica costuma visitar um guru mato-grossense, que ela conheceu numa de suas viagens para o Pantanal. Ela se lembrava, em detalhes, de várias características, físicas e não-físicas, do seu amigo. A qualquer momento que quisesse, ela podia rever o cotovelo, o braço com cicatrizes, os dentes, os lábios, a unha da mão, o cabelo, a barriga, os poucos pêlos no peito, o pulso com relógio... todo o formato do corpo, roupas, sapatos, todo o ambiente em que ele atendia ... menos o rosto. Ela podia sentir toda a presença dele, a energia dele, o tom de voz... mas não conseguia se lembrar do rosto: “dava um branco” no rosto. A cada visita presencial era uma surpresa rever a face do guru, especialmente os olhos! Parecia sempre que era a primeira vez, inédito, emocionante. É claro que isso a deixava intrigada, muito intrigada! E essa agonia durou mais de cinco anos, seis, sete... nossa, muito tempo! Ela não tinha nenhuma foto dele. Pois bem, há duas semanas, ao entrar no Facebook, Laica procurou seu velho e querido amigo, que para “ela não tinha rosto”, era como aquele espaço em branco para foto, meio fantasma, meio espírito, meio mistério... (Putis, ela mesma passou anos sem colocar a foto dela!) Dá uma decepção! Você tem a expectativa de reencontrar alguém que talvez você nem reconheça mais, ao cruzar pelas ruas, pelos corredores do shopping... E quando você clica no perfil, encontra aquele espaço em branco. É melhor ver uma foto de 1500, como quase todo mundo faz! Eu sei que, pra quem tem mais de 40, geralmente são os filhos que criam a página, preenchem os dados, postam mensagens, fazem e acontecem... É claro que muitas vezes se esquecem de avisar o que estão aprontando em seu nome... e com sua imagem... com as melhores das intenções, obviamente! - Sim, mas o que houve com Laica? Dá pra terminar a história? - Dá!

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crônica sobre o Facebook

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Page 1: O Facebook e o Branco no Rosto

Facebook e o branco no rosto

Oi, leitores!

Nossa personagem para este episódio é uma mulher extremamente bondosa,

generosa, caridosa, entre outras coisas que terminam em “osa”. O nome dela é meio

exótico: Laica.

Eu queria lhes ajudar, claro — entrei no Google para ver o significado do

nome, mas as explicações são tão complexas, tem até a carta do tarot... — que achei

melhor pular essa parte.

Laica “entrou” no Facebook. A “ficha” dela estava lá há séculos, mas

praticamente sem nenhuma informação, sem recados, sem mural.... Ela ainda está

aprendendo a usar o programa. Foi nesse aprendizado, se perdendo nas páginas, perfis,

sugestões de amigos... que ela encontrou “um espaço para foto em branco”. Foi assim

que ela se lembrou do “branco no rosto”.

Há alguns anos, Laica costuma visitar um guru mato-grossense, que ela

conheceu numa de suas viagens para o Pantanal. Ela se lembrava, em detalhes, de

várias características, físicas e não-físicas, do seu amigo.

A qualquer momento que quisesse, ela podia rever o cotovelo, o braço com

cicatrizes, os dentes, os lábios, a unha da mão, o cabelo, a barriga, os poucos pêlos no

peito, o pulso com relógio... todo o formato do corpo, roupas, sapatos, todo o ambiente

em que ele atendia ... menos o rosto.

Ela podia sentir toda a presença dele, a energia dele, o tom de voz... mas não

conseguia se lembrar do rosto: “dava um branco” no rosto.

A cada visita presencial era uma surpresa rever a face do guru, especialmente

os olhos! Parecia sempre que era a primeira vez, inédito, emocionante.

É claro que isso a deixava intrigada, muito intrigada! E essa agonia durou mais

de cinco anos, seis, sete... nossa, muito tempo! Ela não tinha nenhuma foto dele.

Pois bem, há duas semanas, ao entrar no Facebook, Laica procurou seu velho e

querido amigo, que para “ela não tinha rosto”, era como aquele espaço em branco para

foto, meio fantasma, meio espírito, meio mistério...

(Putis, ela mesma passou anos sem colocar a foto dela!) Dá uma decepção! Você

tem a expectativa de reencontrar alguém que talvez você nem reconheça mais, ao

cruzar pelas ruas, pelos corredores do shopping... E quando você clica no perfil,

encontra aquele espaço em branco.

É melhor ver uma foto de 1500, como quase todo mundo faz!

Eu sei que, pra quem tem mais de 40, geralmente são os filhos que criam a

página, preenchem os dados, postam mensagens, fazem e acontecem... É claro que

muitas vezes se esquecem de avisar o que estão aprontando em seu nome... e com sua

imagem... com as melhores das intenções, obviamente!

- Sim, mas o que houve com Laica? Dá pra terminar a história?

- Dá!

Page 2: O Facebook e o Branco no Rosto

Ela acessou o perfil do guru, ainda com aquela agonia do “sem rosto”, do

mistério... e para sua surpresa, imensa surpresa, não tinha quase nenhuma informação:

nome... gênero... (Sabe que gênero estava lá? Eu acho que não foi ele que preencheu

aquilo... Masculino? Desde quando? Ele sempre foi tão assumido.)

E Foto, foto, foto! Uma foto de 1500! Tudo bem, é melhor que nada!

Laica ficou tão satisfeita, tão aliviada mental e espiritualmente. Sua

deficiência “memorial” foi superada. Agora era “olho no olho”.

Em poucos minutos ela fez uma viagem astral (não sei bem o que é isso... mas

meus amigos exotéricos* sempre usam essa expressão... me parece que é um tipo de

sonho acordado, um deslocamento mental, espiritual, energético...) e revisitou todo o

enredo com o amigo guru, dessa vez encarando, penetrando naquele olhar.

Gente, isso aqui é um texto de brincadeira... ela não faz essas coisas não...

vodu, vampiragem... Relaxa! Ela só se vingou um pouquinho por tanto anos com um

branco no rosto!

A segunda página está acabando, e eu tenho que trabalhar... já vou concluir!

Pois bem, na semana seguinte, muito feliz com as recentes descobertas no

Facebook, ela resolveu dar uma outra encarada no guru.

Muito confiante, ela procurou o perfil, toda preparada para mais uma sessão

de “agora você vai ver, acabou o mistério, seu olhos estão nas minhas mãos...” E sabem

o que aconteceu?

Trocaram a foto!

E os leitores perplexos perguntam:

- Não é possível! Tiraram o rosto?

- Sua agonia vai voltar? Que sacanagem... quem fez isso?

- Dá pra encarar com outra parte do corpo?

E a escritora, generosa, explica:

Não, gente, Deus é grande! E o “santo de Laica” também! Mesmo sendo a laica,

ele não larga “ela”: protege, abençoa, consola, dá força...

- Só botaram uma de óculos escuros!

Ficou até bonitinho! Ray-ban, chique... como os maiôs Catalinas e as sungas

Pierre Cardin. Tudo de 1500!

Mas é melhor que nada!

Obs.: as imagens utilizadas nesta crônica são do Facebook.

* A palavra esotérico é escrita corretamente com a letra “s”. Laica usa exotérico com

a letra ”x” para realçar seus amigos esotéricos e exóticos, ao mesmo tempo.