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    Allan Kardec

    Contm

    A EXPLICAO DAS MXIMAS MORAIS DO CRISTO, SUA CONCORDNCIA COM O ESPIRITISMO E SUA APLICAO S DIVERSAS POSIES DA VIDA

    F inabalvel somente a que pode encarar a razo face a face, em todas as

    pocas da Humanidade.

    Traduo de Evandro Noleto Bezerra

    O Evangelhosegundo oEspiritismo

  • Sumrio

    Prefcio ..............................................................................................11

    Introduo .........................................................................................13I Objetivo desta obra. II Autoridade da Doutrina Esprita. Controle universal do ensino dos Espritos. III Notcias histricas. IV Scrates e Plato, precursores da ideia crist e do Espiritismo. Resumo da doutrina de Scrates e Plato.

    Captulo I No vim destruir a Lei ...................................................37As trs revelaes: Moiss, o Cristo, o Espiritismo: 1 a 7. Aliana da Cincia e da Religio: 8. Instrues dos Espritos: A Nova Era: 9 a 11.

    Captulo II Meu Reino no deste mundo .....................................45A vida futura: 1 a 3. A realeza de Jesus: 4. O ponto de vista: 5 a 7. Instrues dos Espritos: Uma realeza terrestre: 8.

    Captulo III H muitas moradas na casa de meu Pai .......................51Diferentes estados da alma na erraticidade: 1 e 2. Diferentes categorias de mundos habitados: 3 a 5. Destinao da Terra. Causa das misrias terrenas: 6 e 7. Instrues dos Espritos: Mundos inferiores e mundos superiores: 8 a 12. Mundos de expiaes e de provas: 13 a 15. Mundos regeneradores: 16 a 18. Progresso dos mundos: 19.

    Captulo IV Ningum poder ver o Reino de Deus se no nascer de novo ..............................................................................................61

    Ressurreio e reencarnao: 1 a 17. A reencarnao fortalece os laos de famlia, ao passo que a unicidade da existncia os desfaz: 18 a 23. Instrues dos Espritos: Limites da encarnao: 24. Necessidade da encarnao: 25 e 26.

    Captulo V Bem-aventurados os aflitos............................................73Justia das aflies: 1 a 3. Causas atuais das aflies: 4 e 5 Causas anteriores das aflies: 6 a 10. Esquecimento do passado: 11. Motivos de resignao: 12 e 13. O suicdio e a loucura: 14 a 17. Instrues dos Espritos: Bem e mal sofrer: 18. O mal e o

  • remdio: 19. A felicidade no deste mundo: 20. Perda de pessoas amadas. Mortes prematuras: 21. Se fosse um homem de bem, teria morrido: 22. Os tormentos voluntrios: 23. A desgraa real: 24. A melancolia: 25. Provas voluntrias. O verdadeiro cilcio: 26. Dever-se- pr termo s provas do prximo?: 27. Ser lcito abreviar a vida de um doente que sofra sem esperana de cura?: 28. Sacrifcio da prpria vida: 29 e 30. Proveito dos sofrimentos para outrem: 31.

    Captulo VI O Cristo Consolador ...................................................99O jugo leve: 1 e 2. Consolador prometido: 3 e 4. Instrues dos Espritos: Advento do Esprito de Verdade: 5 a 8.

    Captulo VII Bem-aventurados os pobres de esprito .....................105O que se deve entender por pobres de esprito: 1 e 2. Aquele que se eleva ser rebaixado: 3 a 6. Mistrios ocultos aos sbios e aos prudentes: 7 a 10. Instrues dos Espritos: O orgulho e a humildade: 11 e 12. Misso do homem inteligente na Terra: 13.

    Captulo VIII Bem-aventurados os que tm puro o corao ..........117Deixai vir a mim as criancinhas: 1 a 4. Pecado do pensamento. Adultrio: 5 a 7. Verdadeira pureza. Mos no lavadas: 8 a 10. Escndalos. Se a vossa mo motivo de escndalo, cortai-a: 11 a 17. Instrues dos Espritos: Deixai vir a mim as criancinhas: 18 a 19. Bem-aventurados os que tm os olhos fechados: 20 e 21.

    Captulo IX Bem-aventurados os que so mansos e pacficos.........129Injrias e violncias: 1 a 5. Instrues dos Espritos: A afabilidade e a doura: 6. A pacincia: 7. Obedincia e resignao: 8. A clera: 9 e 10.

    Captulo X Bem-aventurados os que so misericordiosos ..............135Perdoai para que Deus vos perdoe: 1 a 4. Reconciliao com os adversrios: 5 e 6. O sacrifcio mais agradvel a Deus: 7 e 8. O cisco e a trave no olho: 9 e 10. No julgueis para no serdes julgados. Aquele que estiver sem pecado atire a primeira pedra: 11 a 13. Instrues dos Espritos: Perdo das ofensas: 14 e 15. A indulgncia: 16 a 18. permitido repreender os outros, notar as imperfeies de outrem, divulgar o mal dos outros?: 19 a 21.

    Captulo XI Amar o prximo como a si mesmo.............................147O mandamento maior. Fazermos aos outros o que gostaramos que os outros nos fizessem. Parbola dos Credores e dos Devedores: 1 a 4. Da a Csar o que de Csar: 5 a 7. Instrues dos Espritos: A lei de amor: 8 a 10. O egosmo: 11 e 12. A f e a caridade:

  • 13. Caridade para com os criminosos: 14. Deve-se expor a vida por um malfeitor?: 15.

    Captulo XII Amai os vossos inimigos ...........................................159Retribuir o mal com o bem: 1 a 4. Os inimigos desencarnados: 5 e 6. Se algum vos bater na face direita, apresentai-lhe tambm a outra: 7 e 8. Instrues dos Espritos: A vingana: 9. O dio: 10. O duelo: 11 a 16.

    Captulo XIII No saiba a vossa mo esquerda o que d a vossa mo direita .......................................................................................171

    Fazer o bem sem ostentao: 1 a 3. Os infortnios ocultos: 4. O bolo da viva: 5 e 6. Convidar os pobres e os estropiados. Dar sem esperar retribuio: 7 e 8. Instrues dos Espritos: A caridade material e a caridade moral: 9 e 10. A beneficncia: 11 a 16. A piedade: 17. Os rfos: 18. Benefcios pagos com ingratido: 19. Beneficncia exclusiva: 20.

    Captulo XIV Honrai a vosso pai e a vossa me .............................191Piedade filial: 1 a 4. Quem minha me e quem so meus irmos?: 5 a 7. Parentela corprea e parentela espiritual: 8. Instrues dos Espritos: A ingratido dos filhos e os laos de famlia: 9

    Captulo XV Fora da caridade no h salvao ..............................201De que precisa o Esprito para se salvar. Parbola do Bom Samaritano: 1 a 3. O mandamento maior: 4 e 5. Necessidade da caridade, segundo Paulo: 6 e 7. Fora da Igreja no h salvao. Fora da verdade no h salvao: 8 e 9. Instrues dos Espritos: Fora da caridade no h salvao: 10.

    Captulo XVI No se pode servir a Deus e a Mamon ....................209Salvao dos ricos: 1 e 2. Preservar-se da avareza: 3. Jesus em casa de Zaqueu: 4. Parbola do Mau Rico: 5. Parbola dos Talentos: 6. Utilidade providencial da riqueza. Provas da riqueza e da misria: 7. Desigualdade das riquezas: 8. Instrues dos Espritos: A verdadeira propriedade: 9 e 10. Emprego da riqueza: 11 a 13. Desprendimento dos bens terrenos: 14. Transmisso da riqueza: 15.

    Captulo XVII Sede perfeitos ........................................................225Caractersticas da perfeio: 1 e 2. O homem de bem: 3. Os bons espritas: 4. Parbola do Semeador: 5 e 6. Instrues dos Espritos: O dever: 7. A virtude: 8. Os superiores e os inferiores: 9. O homem no mundo: 10. Cuidar do corpo e do esprito: 11.

  • Captulo XVIII Muitos os chamados, poucos os escolhidos .............. 239Parbola do Festim das Bodas: 1 e 2. A porta estreita: 3 a 5. Nem todos os que dizem: Senhor! Senhor! entraro no Reino dos cus: 6 a 9. Muito se pedir a quem muito recebeu: 10 a 12. Instrues dos Espritos: Dar-se- quele que tem: 13 a 15. Reconhece-se o cristo pelas suas obras: 16.

    Captulo XIX A f transporta montanhas ......................................251Poder da f: 1 a 5. A f religiosa. Condio da f inabalvel: 6 e 7. Parbola da Figueira que Secou: 8 a 10. Instrues dos Espritos: A f: me da esperana e da caridade: 11. A f divina e a f humana: 12.

    Captulo XX Os trabalhadores da ltima hora ...............................259Instrues dos Espritos: Os ltimos sero os primeiros: 1 a 3. Misso dos espritas: 4. Os obreiros do Senhor: 5.

    Captulo XXI Haver falsos cristos e falsos profetas ......................265Conhece-se a rvore pelo seu fruto: 1 a 3. Misso dos profetas: 4. Prodgios dos falsos profetas: 5. No creiais em todos os Espritos: 6 e 7. Instrues dos Espritos: Os falsos profetas: 8. Caractersticas do verdadeiro profeta: 9. Os falsos profetas da erraticidade: 10. Jeremias e os falsos profetas: 11.

    Captulo XXII No separeis o que Deus uniu ................................277Indissolubilidade do casamento: 1 a 4. Divrcio: 5.

    Captulo XXIII Estranha moral .....................................................281Odiar pai e me: 1 a 3. Abandonar pai, me e filhos: 4 a 6. Deixar aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos: 7 e 8. No vim trazer a paz, mas a diviso: 9 a 18.

    Captulo XXIV No ponhais a candeia debaixo do alqueire .............. 291Candeia sob o alqueire. Por que Jesus fala por parbolas: 1 a 7. No procureis os gentios: 8 a 10. No so os que gozam de sade que precisam de mdico: 11 e 12. Coragem da f: 13 a 16. Carregar sua cruz. Quem quiser salvar a vida, perd-la-: 17 a 19.

    Captulo XXV Buscai e achareis ....................................................301Ajuda-te, que o Cu te ajudar: 1 a 5. Olhai os pssaros do cu: 6 a 8. No vos inquieteis pela posse do ouro: 9 a 11.

    Captulo XXVI Dai de graa o que de graa recebestes ..................... 307Dom de curar: 1 e 2. Preces pagas: 3 e 4. Mercadores expulsos do templo: 5 e 6. Mediunidade gratuita: 7 a 10.

  • Captulo XXVII Pedi e obtereis .....................................................313Qualidades da prece: 1 a 4. Eficcia da prece: 5 a 8. Ao da prece. Transmisso do pensamento: 9 a 15. Preces inteligveis: 16 e 17. Prece pelos mortos e pelos Espritos sofredores: 18 a 21. Instrues dos Espritos: Maneira de orar: 22. Felicidade que a prece proporciona: 23.

    Captulo XXVIII Coletnea de preces espritas ..............................327Prembulo: 1.

    I Preces gerais ............................................................................. 329Orao dominical: 2 e 3. Reunies espritas: 4 a 7. Para os mdiuns: 8 a 10.

    II Preces para si mesmo ................................................................ 339Aos anjos da guarda e aos Espritos protetores: 11 a 14. Para afastar os Espritos maus: 15 a 17. Para pedir a corrigenda de um defeito: 18 e 19. Pedido para resistir a uma tentao: 20 e 21. Ao de graas pela vitria alcanada sobre uma tentao: 22 e 23. Para pedir um conselho: 24 e 25. Nas aflies da vida: 26 e 27. Ao de graas por um favor obtido: 28 e 29. Ato de submisso e de resignao: 30 a 33. Num perigo iminente: 34 e 35. Ao de graas por haver escapado a um perigo: 36 e 37. hora de dormir: 38 e 39. Prevendo a morte prxima: 40 e 41.

    III Preces pelos outros ................................................................... 351Por algum que esteja em aflio: 42 e 43. Ao de graas por um benefcio concedido a outrem: 44 e 45. Pelos nossos inimigos e pelos que nos querem mal: 46 e 47. Ao de graas pelo bem concedido aos nossos inimigos: 48 e 49. Pelos inimigos do Espiritismo: 50 a 52. Por uma criana que acaba de nascer: 53 a 56. Por um agonizante: 57 e 58.

    IV Preces pelos que j no so da Terra .......................................... 358Por algum que acaba de morrer: 59 a 61. Pelas pessoas a quem tivemos afeio: 62 e 63. Pelas almas sofredoras que pedem preces: 64 a 66. Por um inimigo que morreu: 67 e 68. Por um criminoso: 69 e 70. Por um suicida: 71 e 72. Pelos Espritos arrependidos: 73 e 74. Pelos Espritos endurecidos: 75 e 76.

    V Preces pelos doentes e obsidiados ................................................ 368Pelos doentes: 77 a 80. Pelos obsidiados: 81 a 84.

    Nota Explicativa ..............................................................................375

    ndice Geral ....................................................................................381

  • PREFCIO

    Os Espritos do Senhor, que so as virtudes dos Cus, qual imenso exrcito que se movimenta ao receber as ordens do seu comando, espa-lham-se por toda a superfcie da Terra e, semelhantes a estrelas cadentes, vm iluminar os caminhos e abrir os olhos aos cegos.

    Eu vos digo, em verdade, que so chegados os tempos em que todas as coisas devem ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido para dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos.

    As grandes vozes do Cu ressoam como sons de trombetas, e o cnti-co dos anjos se lhes associam. Homens, ns vos convidamos ao divino con-certo. Tomai da lira; que vossas vozes se unam e que, num hino sagrado, elas se estendam e vibrem de um extremo a outro do Universo.

    Homens, irmos a quem amamos, estamos juntos de vs. Amai-vos, tambm, uns aos outros e dizei do fundo do corao, fazendo as vontades do Pai, que est no Cu: Senhor! Senhor! e podereis entrar no Reino dos cus.

    O Esprito de Verdade

    Nota A instruo acima, transmitida por via medinica, resume ao mesmo

    tempo o verdadeiro carter do Espiritismo e o objetivo desta obra; por isso foi

    colocada aqui como prefcio. [Allan Kardec.]

  • INTRODUO

    I Objetivo desta obraAs matrias contidas nos Evangelhos podem ser divididas em cinco

    partes: os atos comuns da vida do Cristo; os milagres; as predies; as palavras que serviram de base para o estabelecimento dos dogmas da Igreja; e o ensino moral.

    Se as quatro primeiras partes tm sido objeto de controvrsias, a ltima permaneceu inatacvel. Diante desse cdigo divino, a prpria in-credulidade se curva. o terreno onde todos os cultos podem reunir-se, a bandeira sob a qual todos podem abrigar-se, quaisquer que sejam suas crenas, porque jamais constituiu matria das disputas religiosas, sempre e por toda parte suscitadas pelas questes dogmticas. Alis, se o discutis-sem, as seitas nele teriam encontrado sua prpria condenao, visto que a maioria delas se agarra mais parte mstica do que parte moral, que exige de cada um a reforma de si mesmo.

    Para os homens, em particular, aquele cdigo uma regra de condu-ta que abrange todas as circunstncias da vida pblica e privada, o princ-pio de todas as relaes sociais que se fundam na mais rigorosa justia. , finalmente e acima de tudo, o roteiro infalvel para a felicidade vindoura, o levantamento de uma ponta do vu que nos ocultava a vida futura. essa parte que ser o objeto exclusivo desta obra.

    Todo o mundo admira a moral evanglica; todos lhe proclamam a sublimidade e a necessidade, mas muitos o fazem por confiana, baseados no que ouviram dizer ou sobre a f em algumas mximas que se tornaram proverbiais. Poucos, no entanto, a conhecem a fundo e menos ainda so os que a compreendem e sabem deduzir as suas consequncias. A razo disso est, em grande parte, na dificuldade que apresenta a leitura do

  • Introduo

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    Evangelho, ininteligvel para grande nmero de pessoas. A forma aleg-rica e o misticismo intencional da linguagem fazem com que a maioria o leia por desencargo de conscincia e por dever, como leem as preces, sem as entender, isto , sem proveito. Os preceitos de moral, disseminados aqui e ali, intercalados no conjunto das narrativas, passam despercebidos; torna-se, ento, impossvel compreend-los inteiramente e deles fazer ob-jeto de leitura e meditaes especiais.

    verdade que j foram escritos tratados de moral evanglica; toda-via, a apresentao em estilo literrio moderno lhe tira a singeleza primiti-va, que constitui, ao mesmo tempo, o seu encanto e autenticidade. D-se o mesmo com as sentenas isoladas do contexto, reduzidas sua mais sim-ples expresso proverbial; j no passam de aforismos, destitudos de parte do seu valor e interesse, pela ausncia dos acessrios e das circunstncias em que foram enunciadas.

    Para prevenir esses inconvenientes, reunimos nesta obra os artigos que podem constituir, a bem dizer, um cdigo de moral universal, sem distino de culto. Nas citaes, conservamos o que til ao desenvol-vimento da ideia, suprimindo unicamente o que no dizia respeito ao assunto. Alm disso, respeitamos escrupulosamente a traduo original de Sacy, bem como a diviso em versculos. Mas, em vez de nos atermos a uma ordem cronolgica impossvel, e sem vantagem real em semelhante assunto, as mximas foram agrupadas e classificadas metodicamente, se-gundo a natureza de cada uma, de modo que possam ser deduzidas umas das outras, tanto quanto possvel. A indicao dos nmeros de ordem dos captulos e dos versculos permite que se recorra classificao vulgar, caso seja necessrio.

    Esse, entretanto, seria um trabalho material que, por si s, teria apenas utilidade secundria. O essencial era coloc-lo ao alcance de to-dos, mediante a explicao das passagens obscuras e o desdobramento de todas as consequncias, tendo em vista a aplicao dos ensinos s diversas situaes da vida. Foi o que tentamos fazer, com a ajuda dos Espritos bons que nos assistem.

    Muitos pontos do Evangelho, da Bblia e dos autores sacros em geral s so ininteligveis, parecendo alguns at irracionais, por falta da chave que nos faculte compreender o seu verdadeiro sentido. Essa chave est completa no Espiritismo, como j puderam convencer-se os que o

  • Introduo

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    estudaram seriamente, e como todos o reconhecero melhor ainda, mais tarde. O Espiritismo se encontra por toda parte na Antiguidade e nas di-ferentes pocas da Humanidade. Em toda parte encontramos os seus ves-tgios: nos escritos, nas crenas e nos monumentos. por isso que, se ele rasga horizontes novos para o futuro, projeta luz no menos viva sobre os mistrios do passado.

    Como complemento de cada preceito, acrescentamos algumas ins-trues escolhidas dentre as que os Espritos ditaram em vrios pases e por diferentes mdiuns. Se essas instrues tivessem emanado de uma fonte nica, poderiam ter sofrido uma influncia pessoal ou do meio, ao passo que a diversidade das origens prova que os Espritos do seus ensinos por toda parte e que ningum goza de qualquer privilgio a esse respeito.1

    Esta obra para uso de todos. Dela cada um pode colher os meios de conformar sua conduta pessoal moral do Cristo. Os espritas nela encon-traro, alm disso, as aplicaes que lhes dizem respeito de modo especial. Graas s relaes estabelecidas, daqui em diante e de maneira permanen-te, entre os homens e o mundo invisvel, a lei evanglica, ensinada a todas as naes pelos prprios Espritos, j no ser letra morta, porque todos a compreendero e sero incessantemente compelidos a p-la em prtica, a conselho de seus guias espirituais. As Instrues dos Espritos so verda-deiramente as vozes do Cu que vm esclarecer os homens e convid-los prtica do Evangelho.

    II Autoridade da Doutrina Esprita

    Controle universal do ensino dos Espritos

    Se a Doutrina Esprita fosse de concepo puramente humana, no teria como garantia seno as luzes daquele que a houvesse concebido. Ora,

    1 Nota de Allan Kardec: Poderamos dar, sem dvida, sobre cada assunto, maior nmero de comuni-caes obtidas num grande nmero de cidades e centros espritas, alm das que citamos, mas qui-semos, antes de tudo, evitar a monotonia das repeties inteis e limitar a nossa escolha s que, tanto pelo fundo quanto pela forma, se enquadravam mais especialmente no contexto desta obra, reservando para publicaes posteriores as que no puderam caber aqui.

    Quanto aos mdiuns, abstivemo-nos de nome-los. Na maioria dos casos, no os designamos a pe-dido deles prprios e, assim sendo, no convinha fazer excees. Os nomes dos mdiuns, ademais, no teriam acrescentado nenhum valor obra dos Espritos. Mencion-los seria apenas satisfazer ao amor-prprio, coisa a que os mdiuns verdadeiramente srios no ligam a menor importncia. Compreendem que o seu papel, por ser meramente passivo, o valor das comunicaes em nada lhes reala o mrito pessoal, e que seria pueril envaidecerem-se de um trabalho intelectual a que prestam apenas o seu concurso mecnico.

  • Introduo

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    ningum, neste mundo, poderia ter a pretenso de possuir, sozinho, a ver-dade absoluta. Se os Espritos que a revelaram se tivessem manifestado a um s homem, nada lhe garantiria a origem, pois seria preciso acredi-tar, sob palavra, naquele que dissesse ter recebido deles os seus ensinos. Admitindo-se absoluta sinceridade de sua parte, quando muito poderia ele convencer as pessoas de suas relaes; conseguiria sectrios, mas nunca chegaria a congregar todo o mundo.

    Quis Deus que a nova revelao chegasse aos homens por um ca-minho mais rpido e mais autntico; por isso encarregou os Espritos de irem lev-la de um polo a outro, manifestando-se por toda parte, sem conferir a ningum o privilgio exclusivo de lhes ouvir a palavra. Um ho-mem pode ser enganado, pode enganar-se a si mesmo; j no ser assim, quando milhes de criaturas veem e ouvem a mesma coisa: uma garan-tia para cada um e para todos. Alm disso, pode fazer-se que desaparea um homem, mas no se pode fazer que desapaream as coletividades; po-dem queimar-se os livros, mas no se podem queimar os Espritos. Ora, ainda que se queimassem todos os livros nem por isso a fonte da Doutri-na deixaria de conservar-se menos inesgotvel, pela razo mesma de no estar na Terra, de surgir em toda parte e de poderem todos dessedentar-se nela. Na falta de homens para difundi-la, haver sempre os Espritos, que atingem a todos e aos quais ningum pode atingir.

    So, pois, os prprios Espritos que fazem a propaganda, com o au-xlio dos inmeros mdiuns que eles vo suscitando de todos os lados. Se tivesse havido apenas um intrprete, por mais favorecido que fosse, o Espiritismo mal seria conhecido. E mesmo esse intrprete, qualquer que fosse a classe a que pertencesse, teria sido objeto das prevenes de muita gente e nem todas as naes o teriam aceitado, ao passo que os Espritos, comunicando-se em toda parte, a todas as seitas e a todos os partidos, so aceitos por todos. O Espiritismo no tem nacionalidade, no faz parte de nenhum culto particular, nem imposto por nenhuma classe social, visto que qualquer pessoa pode receber instrues de seus parentes e amigos de alm-tmulo. Era preciso que fosse assim, para que ele pudesse conclamar todos os homens fraternidade. Se no se mantivesse em terreno neutro, teria alimentado as dissenses, em vez de apazigu-las.

    Essa universalidade no ensino dos Espritos faz a fora do Espiritis-mo; a reside tambm a causa de sua to rpida propagao. Ao passo que

  • Introduo

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    a palavra de um s homem, mesmo com o concurso da imprensa, levaria sculos para chegar ao conhecimento de todos, eis que milhares de vozes se fazem ouvir simultaneamente em todos os pontos da Terra, proclamando os mesmos princpios e transmitindo-os aos mais ignorantes, como aos mais sbios, a fim de que ningum seja deserdado. uma vantagem de que no havia gozado ainda nenhuma das doutrinas surgidas at hoje. Se o Espiritismo, portanto, uma verdade, no teme o malquerer dos homens nem as revolues morais, nem as perturbaes fsicas do globo, porque nada disso pode atingir os Espritos.

    No essa, porm, a nica vantagem que resulta da sua excepcional posio. O Espiritismo nela encontra poderosa garantia contra os cismas que pudessem ser suscitados, quer pela ambio de alguns, quer pelas con-tradies de certos Espritos. Tais contradies, certamente, so um esco-lho, mas que traz consigo o remdio ao lado do mal.

    Sabe-se que os Espritos, em consequncia da diferena entre as suas capacidades, acham-se longe de possuir individualmente toda a verdade; que no dado a todos penetrar certos mistrios; que o saber de cada um deles proporcional sua depurao; que os Espritos vulgares no sabem mais que os homens, e at menos que certos homens; que h entre eles, como entre os homens, presunosos e pseudossbios, que julgam saber o que ignoram; cultores de sistemas, que tomam por verdades as suas ideias; enfim, que s os Espritos da categoria mais elevada, os que j esto completamente desmaterializados, se encontram libertos das ideias e preconceitos terrenos. Mas tambm sabido que os Espritos engana-dores no tm escrpulo em tomar nomes que no lhes pertencem, a fim de tornarem aceitas as suas utopias. Da resulta que, com relao a tudo que esteja fora do mbito do ensino exclusivamente moral, as revelaes que cada um possa receber tero carter individual, sem cunho de auten-ticidade; que devem ser consideradas como opinies pessoais de tal ou qual Esprito e que seria imprudente aceit-las e propag-las levianamente como verdades absolutas.

    O primeiro controle , incontestavelmente, o da razo, ao qual preciso submeter, sem exceo, tudo o que venha dos Espritos. Toda teoria em notria contradio com o bom senso, com uma lgica rigo-rosa e com os dados positivos que se possui, deve ser rejeitada, por mais respeitvel que seja o nome que traga como assinatura. Esse controle,

  • Introduo

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    porm, em muitos casos ficar incompleto, em razo da insuficincia de conhecimentos de certas pessoas e da tendncia de muitos a tomar a pr-pria opinio como juzes nicos da verdade. Em semelhante caso, o que fazem os homens que no depositam absoluta confiana em si mesmos? Vo buscar o parecer da maioria e tomar por guia a opinio desta. Assim se deve proceder com relao ao ensino dos Espritos, que nos fornecem, eles mesmos, os meios de consegui-lo.

    A concordncia no que ensinam os Espritos , pois, o melhor controle, mas preciso ainda que ocorra em determinadas condies. A menos segura de todas quando o prprio mdium interroga vrios Espritos acerca de um ponto duvidoso. Evidentemente, se ele estiver sob o imprio de uma obsesso ou lidando com um Esprito mistificador, este lhe pode dizer a mesma coisa sob diferentes nomes. Tambm no h garantia suficiente na conformidade que apresente o que se possa obter por diversos mdiuns, num mesmo Centro, pois eles podem estar todos sob a mesma influncia.

    A nica garantia sria do ensino dos Espritos est na concordncia que exista entre as revelaes que eles faam espontaneamente, por meio de grande nmero de mdiuns estranhos uns aos outros, e em diversos lugares.

    Compreende-se que no se trata aqui das comunicaes relativas a interesses secundrios, mas das que se referem aos prprios princpios da Doutrina. Prova a experincia que, quando um princpio novo deve ser revelado, ele ensinado espontaneamente em diversos pontos ao mesmo tempo e de modo idntico, se no quanto forma, pelo menos quanto ao fundo. Se, portanto, aprouver a um Esprito formular um sistema excn-trico, baseado unicamente nas suas ideias e fora da verdade, pode ter-se a certeza de que tal sistema ficar circunscrito e cair diante da unanimidade das instrues dadas de todas as partes, como j demonstraram numerosos exemplos. Foi essa unanimidade que fez tombar todos os sistemas parciais que surgiram na origem do Espiritismo, quando cada um explicava os fe-nmenos sua maneira, e antes que se conhecessem as leis que regem as relaes entre o mundo visvel e o mundo invisvel.

    Tal a base sobre a qual nos apoiamos, quando formulamos um princpio da Doutrina. No porque esteja de acordo com as nossas ideias que o temos por verdadeiro. No nos colocamos, absolutamente, como rbitro supremo da verdade e a ningum dizemos: Crede em tal coisa,

  • Introduo

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    porque somos ns que vo-lo dizemos. Aos nossos prprios olhos, a nossa opinio no passa de uma opinio pessoal, que pode ser verdadeira ou falsa, visto no nos considerarmos mais infalvel do que qualquer outro. Tambm no porque um princpio nos foi ensinado que o consideramos verdadeiro, mas porque recebeu a sano da concordncia.

    Na posio em que nos encontramos, recebendo comunicaes de perto de mil centros espritas srios, disseminados pelos mais diversos pon-tos do globo, estamos em condies de observar sobre que princpio se estabelece a concordncia. Essa observao que nos tem guiado at hoje e tambm ela que nos guiar nos novos campos que o Espiritismo chama-do a explorar. assim que, estudando atentamente as comunicaes vindas de diversos lados, tanto da Frana quanto do estrangeiro, reconhecemos, pela natureza toda especial das revelaes, que ele tende a entrar por um novo caminho e que lhe chegou o momento de dar um passo para adiante. Essas revelaes, formuladas s vezes com palavras veladas, frequentemente tm passado despercebidas a muitos dos que as obtiveram. Outros se jul-garam os nicos a possu-las. Tomadas isoladamente, no teriam para ns nenhum valor; s a coincidncia lhes confere gravidade. Depois, chegado o momento de serem entregues publicidade, cada um se lembrar de haver obtido instrues no mesmo sentido. esse movimento geral que obser-vamos e estudamos, com a assistncia dos nossos guias espirituais, que nos auxilia a julgar da oportunidade de fazermos ou no alguma coisa.

    Esse controle universal uma garantia para a unidade futura do Es-piritismo e anular todas as teorias contraditrias. a que, no futuro, se encontrar o critrio da verdade. O que determinou o xito da Doutrina formulada em O livro dos espritos e em O livro dos mdiuns foi que em toda parte todos puderam receber diretamente dos Espritos a confirmao do que esses livros contm. Se de todos os lados os Espritos tivessem vindo contradiz-la, h muito tempo esses livros j teriam experimentado a sorte de todas as concepes fantsticas. Nem o apoio da imprensa os salvaria do naufrgio, ao passo que, mesmo privados desse apoio, no deixaram eles de abrir caminho e de avanar rapidamente. que tiveram o apoio dos Espritos, cuja boa vontade no s compensou, como tambm superou o malquerer dos homens. Assim suceder a todas as ideias que, emanando dos Espritos ou dos homens, no possam suportar a prova desse controle, cujo poder ningum pode contestar.

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    Suponhamos, portanto, que alguns Espritos queiram ditar, sob qualquer ttulo, um livro em sentido contrrio; suponhamos mesmo que, com inteno hostil, visando desacreditar a Doutrina, a malevolncia suscitasse comunicaes apcrifas; que influncia poderiam exercer tais escritos, se, de todos os lados, eles fossem desmentidos pelos Espritos? da adeso destes ltimos que nos devemos garantir, antes de lanar, em seu nome, um sistema qualquer. Do sistema de um s ao de todos, h a distncia que vai da unidade ao infinito. Que podero conseguir os argumentos dos detratores, sobre a opinio das massas, quando milhes de vozes amigas, oriundas do Espao, chegam de todas as partes do Uni-verso, combatendo-os tenazmente no seio de cada famlia? A esse respeito, j no foi a teoria confirmada pela experincia? Que feito de todas essas publicaes que deveriam, pretensamente, aniquilar o Espiritismo? Qual a que ao menos lhe deteve a marcha? At agora no se tinha encarado a questo sob esse ponto de vista, um dos mais graves, incontestavelmente. Cada um contou consigo, sem contar com os Espritos.

    O princpio da concordncia tambm uma garantia contra as alte-raes que, em proveito prprio, pretendessem introduzir no Espiritismo as seitas que dele quisessem apoderar-se, acomodando-o sua vontade. Quem quer que tentasse desvi-lo do seu objetivo providencial fracassaria, pela ra-zo muito simples de que os Espritos, em virtude da universalidade de seus ensinos, faro cair por terra qualquer modificao que se afaste da verdade.

    De tudo isso ressalta uma verdade capital: a de que aquele que qui-sesse opor-se corrente de ideias, estabelecida e sancionada, poderia, cer-tamente, causar uma pequena perturbao local e momentnea; nunca, porm, dominar o conjunto, mesmo no presente, e menos ainda no futuro.

    Tambm ressalta que as instrues dadas pelos Espritos sobre os pontos ainda no elucidados da Doutrina no constituiro lei, enquanto essas instrues permanecerem isoladas; que elas no devem, por conse-guinte, ser aceitas seno sob todas as reservas e a ttulo de informao.

    Da a necessidade da maior prudncia em dar-lhes publicidade; e, caso se julgue conveniente public-las, s devem ser apresentadas como opinies individuais, mais ou menos provveis, mas necessitando, em to-dos os casos, de confirmao. essa confirmao que se deve aguardar, antes de apresentar um princpio como verdade absoluta, a menos que se queira ser acusado de leviandade ou de credulidade irrefletida.

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    Os Espritos superiores procedem em suas revelaes com extrema sabedoria. No abordam as grandes questes da Doutrina seno gra-dualmente, medida que a inteligncia est apta a compreender verda-des de ordem mais elevada e quando as circunstncias so propcias emisso de uma ideia nova. por isso que eles no disseram tudo desde o comeo, e ainda no o disseram at hoje, jamais cedendo impacin-cia de pessoas muito apressadas que querem colher os frutos antes que amaduream. Seria, pois, suprfluo querer avanar o tempo designado a cada coisa pela Providncia, porque, ento, os Espritos realmente srios negariam o seu concurso. Os Espritos levianos, porm, pouco se preo-cupando com a verdade, respondem a tudo; por isso que, sobre todas as questes prematuras, h sempre respostas contraditrias.

    Os princpios acima no resultam de uma teoria pessoal: so a con-sequncia obrigatria das condies em que os Espritos se manifestam. evidente que, se um Esprito diz uma coisa num lugar, enquanto milhes de outros dizem o contrrio em outro lugar, a presuno de verdade no pode estar com aquele que o nico ou quase o nico a ter tal opinio. Ora, pretender algum ter razo contra todos seria to ilgico da parte de um Esprito, quanto da parte dos homens. Os Espritos verdadeiramente sbios, se no se sentem suficientemente esclarecidos sobre uma questo, nunca a resolvem de modo absoluto; declaram que apenas a tratam do seu ponto de vista e aconselham que se aguarde a confirmao.

    Por grande, justa e bela que seja uma ideia, impossvel que con-gregue, desde o incio, todas as opinies. Os conflitos que da decorrem so consequncia inevitvel do movimento que se opera; eles so mesmo necessrios para maior realce da verdade e convm que se produzam desde logo, para que as ideias falsas prontamente sejam postas de lado. Os esp-ritas que alimentarem quaisquer temores a esse respeito podem, portanto, ficar perfeitamente tranquilos. Todas as pretenses isoladas cairo, pela for-a das coisas, diante do grande e poderoso critrio do controle universal.

    No ser opinio de um homem que se aliaro os outros, mas voz unnime dos Espritos; no ser um homem nem ns, nem qualquer outro que fundar a ortodoxia esprita; tampouco ser um Esprito que venha impor-se a quem quer que seja: ser a universalidade dos Espritos que se comunicam em toda a Terra, por ordem de Deus. Esse o carter essencial da Doutrina Esprita; essa a sua fora, a sua autoridade. Quis Deus que a

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    sua lei se assentasse em base inabalvel, e foi por isso que no lhe deu por fundamento a cabea frgil de um s.

    Diante de to poderoso arepago, que no conhece manobras nem rivalidades ciosas, nem seitas, nem naes, que viro quebrar-se todas as oposies, todas as ambies, todas as pretenses supremacia individual; que nos quebraramos ns mesmos se quisssemos substituir os seus decre-tos soberanos pelas nossas prprias ideias. S Ele decidir todas as questes litigiosas, impor silncio s dissidncias e dar razo a quem a tenha. Dian-te desse imponente acordo de todas as vozes do Cu, que pode a opinio de um homem ou de um Esprito? Menos do que a gota dgua que se perde no oceano, menos do que a voz da criana que a tempestade abafa.

    A opinio universal, eis o juiz supremo, o que se pronuncia em lti-ma instncia. Ela se forma de todas as opinies individuais. Se uma destas verdadeira, apenas tem na balana o seu peso relativo. Se falsa, no pode prevalecer sobre todas as demais. Nesse imenso concurso, as individuali-dades se apagam, o que constitui novo insucesso para o orgulho humano.

    O conjunto harmonioso j se esboa. Este sculo no passar sem que ele resplandea em todo o seu brilho, de modo a dissipar todas as incertezas, porque, daqui at l, potentes vozes tero recebido a misso de se fazerem ouvir para congregar os homens sob a mesma bandeira, uma vez que o campo se ache suficientemente lavrado. Enquanto isso no se d, aquele que flutua entre dois sistemas opostos pode observar em que sentido se forma a opinio geral: o indcio certo do sentido em que se pronuncia a maioria dos Espritos, nos diversos pontos em que se comunicam, e um sinal no menos certo de qual dos dois sistemas prevalecer.

    III Notcias histricasPara bem se compreenderem certas passagens dos Evangelhos, ne-

    cessrio que se conhea o valor de vrias palavras neles frequentemente empregadas e que caracterizam o estado dos costumes e da sociedade ju-dia naquela poca. J no tendo para ns o mesmo sentido, essas palavras muitas vezes tm sido mal-interpretadas, causando isso uma espcie de in-certeza. A compreenso de seu significado explica, alm disso, o verdadeiro sentido de certas mximas que, primeira vista, parecem singulares.

    Samaritanos Aps o cisma das dez tribos, Samaria tornou-se a ca-pital do reino dissidente de Israel. Destruda e reconstruda vrias vezes,

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    ela foi, sob o domnio romano, a sede administrativa da Samaria, uma das quatro divises da Palestina. Herodes, chamado o Grande, a embelezou com suntuosos monumentos e, para lisonjear Augusto, deu-lhe o nome de Augusta, em grego Sebaste.

    Os samaritanos estiveram quase sempre em guerra com os reis de Jud. Averso profunda, datando da poca da separao, perpetuou-se en-tre os dois povos que evitavam todas as relaes recprocas. Os samarita-nos, para tornarem mais profunda a ciso e no terem de vir a Jerusalm pela celebrao das festas religiosas, construram para si um templo parti-cular e adotaram algumas reformas. Somente admitiam o Pentateuco, que continha a lei de Moiss, e rejeitavam todos os outros livros, que a esse foram depois anexados. Seus livros sagrados eram escritos em caracteres hebraicos da mais alta antiguidade. Aos olhos dos judeus ortodoxos, eles eram herticos e, portanto, desprezados, anatematizados e perseguidos. O antagonismo das duas naes tinha, pois, por nico princpio a divergn-cia das opinies religiosas, embora suas crenas tivessem a mesma origem. Eram os protestantes daquele tempo.

    Ainda hoje se encontram samaritanos em algumas regies do Medi-terrneo oriental, particularmente em Nablus e em Jaffa. Observam a lei de Moiss com mais rigor que os outros judeus e s se casam entre si.

    Nazarenos Nome dado, na antiga lei, aos judeus que faziam voto ou perptuo ou temporrio de guardar perfeita pureza. Eles se comprome-tiam a observar a castidade, a abster-se de bebidas alcolicas e a conservar a cabeleira. Sanso, Samuel e Joo Batista eram nazarenos.

    Mais tarde, os judeus deram esse nome aos primeiros cristos, por aluso a Jesus de Nazar.

    Esse foi tambm o nome de uma seita hertica dos primeiros sculos da Era Crist, a qual, do mesmo modo que os ebionitas,2 de quem adotava certos princpios, misturava as prticas mosaicas com os dogmas cristos. Essa seita desapareceu no sculo quarto.

    Publicanos Assim eram chamados, na antiga Roma, os cavalheiros arrendatrios das taxas pblicas, encarregados da cobrana dos impostos e das rendas de toda natureza, quer na prpria Roma, quer nas outras partes do Imprio. Assemelhavam-se aos arrendatrios gerais e arrematadores de taxas do antigo regime na Frana e que ainda existem em algumas regies.

    2 N.E.: Membros de uma seita judaica da Palestina e Sria.

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    Os riscos que eles corriam faziam que se fechassem os olhos para as rique-zas que muitas vezes adquiriam e que, da parte de muitos, eram fruto de exaes e de lucros escandalosos. O nome publicano se estendeu mais tarde a todos os que administravam o dinheiro pblico e aos agentes subalter-nos. Hoje esse termo se emprega em sentido pejorativo para designar os financistas e os agentes pouco escrupulosos de negcios. Diz-se s vezes: vido como um publicano, rico como um publicano, com referncia a uma fortuna de m procedncia.

    De toda a dominao romana, o imposto foi o que os judeus acei-taram com mais dificuldade e o que causou mais irritao entre eles. Dele resultaram vrias revoltas, fazendo-se do caso uma questo religiosa, por ser considerado contrrio lei. Formou-se at um partido poderoso, em cuja chefia estava um certo Jud, apelidado o Gaulonita, que estabelecera como princpio o no pagamento do imposto. Os judeus tinham, portan-to, horror ao imposto e, em consequncia, a todos os que se encarregavam de arrecad-lo. Da a averso que votavam aos publicanos de todas as cate-gorias, entre os quais podiam encontrar-se pessoas muito estimveis, mas que, em virtude de suas funes, eram desprezadas, assim como as pessoas de suas relaes e confundidos na mesma reprovao. Os judeus de desta-que consideravam um comprometimento ter intimidade com eles.

    Portageiros Eram os arrecadadores de baixa categoria, incumbi-dos principalmente dos direitos de entrada nas cidades. Suas funes correspondiam mais ou menos dos empregados de alfndega e rece-bedores de direitos de barreira. Compartilhavam da repulsa dirigida aos publicanos em geral. Essa a razo por que, no Evangelho, encontra-se frequentemente o nome de publicano associado expresso gente de m vida. Tal qualificao no implicava a de debochados ou vagabundos; era um termo de desprezo, sinnimo de gente de m companhia, indignas de conviver com pessoas distintas.

    Fariseus (Do hebreu parasch = diviso, separao.) A tradio constitua parte importante da teologia dos judeus. Consistia numa com-pilao das interpretaes sucessivas dadas sobre o sentido das Escrituras e tornadas artigos de dogma. Entre doutores, constitua assunto de discus-ses interminveis, na maioria das vezes sobre simples questes de palavras ou de formas, no gnero das disputas teolgicas e das sutilezas da escols-tica da Idade Mdia. Da nasceram diferentes seitas, cada uma das quais

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    pretendia ter o monoplio da verdade, detestando-se cordialmente entre si, como acontece quase sempre.

    Entre essas seitas, a mais influente era a dos fariseus, que teve por chefe Hillel, doutor judeu nascido na Babilnia, fundador de uma escola clebre, onde se ensinava que s se devia depositar f nas Escrituras. Sua origem remonta a 180 ou 200 anos antes de Jesus Cristo. Os fariseus foram perseguidos em diversas pocas, especialmente sob Hircano3 soberano pontfice e rei dos judeus , Aristbulo4 e Alexandre, rei da Sria. No entanto, como este ltimo lhes restituiu as honras e os bens, os fariseus recobraram seu poder e o conservaram at a runa de Jerusalm, no ano 70 da Era Crist, quando ento o seu nome desapareceu, em consequncia da disperso dos judeus.

    Os fariseus tomavam parte ativa nas controvrsias religiosas. Servis observadores das prticas exteriores do culto e das cerimnias, cheios de um zelo ardente de proselitismo, inimigos dos inovadores, afetavam gran-de severidade de princpios, mas, sob as aparncias de meticulosa devoo, ocultavam costumes dissolutos, muito orgulho e, acima de tudo, excessiva nsia de dominao. Para eles, a religio era mais um meio de chegarem a seus fins, do que objeto de f sincera. Da virtude s guardavam a osten-tao e as exterioridades, embora exercessem, com isso, grande influncia sobre o povo, a cujos olhos passavam por santas criaturas. Essa a razo por que eram muito poderosos em Jerusalm.

    Acreditavam, ou, pelo menos, fingiam acreditar na Providncia, na imortalidade da alma, na eternidade das penas e na ressurreio dos mortos. (Cap. IV, item 4.) Jesus, que prezava sobretudo a simplicidade e as qualidades do corao, que, na lei, preferia o esprito que vivifica, letra, que mata, se aplicou, durante toda a sua misso, a lhes desmascarar a hipocrisia, transformando-os, em consequncia disso, em seus inimigos obstinados. por isso que eles se ligaram aos prncipes dos sacerdotes para amotinar o povo contra Jesus e elimin-lo.

    Escribas Nome dado, a princpio, aos secretrios dos reis de Jud e a certos intendentes dos exrcitos judeus. Mais tarde, foi aplicado especial-mente aos doutores que ensinavam a lei de Moiss e a interpretavam para

    3 N.E.: Hircano I ou Joo Hircano, sumo sacerdote e rei dos judeus (134-104 a.C.). Expandiu e levou a sua terra, a Judeia, independncia.

    4 N.E.: Rei da Judeia (67-63 a.C.). Foi envenenado por Pompeu.

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    o povo. Faziam causa comum com os fariseus, de cujos princpios partilha-vam, bem como da antipatia que aqueles votavam aos inovadores. Por isso Jesus os confundia na mesma reprovao.

    Sinagoga (Do grego synagog = assembleia, congregao.) S ha-via na Judeia um nico templo, o de Salomo, em Jerusalm, onde se celebravam as grandes cerimnias do culto. Os judeus para l se dirigiam todos os anos, em peregrinao para as festas principais, como as da Ps-coa, da Dedicao e dos Tabernculos. Por ocasio dessas festas que Jesus viajou algumas vezes para l. As outras cidades no possuam templos, mas sinagogas, edifcios nos quais os judeus se reuniam aos sbados para fazer preces pblicas, sob a chefia dos ancies, dos escribas ou doutores da lei. Nelas tambm se faziam leituras tiradas dos livros sagrados, seguidas de ex-plicaes e comentrios, a que cada um podia tomar parte. por isso que Jesus, sem ser sacerdote, ensinava aos sbados nas sinagogas.

    Desde a runa de Jerusalm e a disperso dos judeus, as sinagogas, nas cidades por eles habitadas, servem-lhes de templos para a celebrao do culto.

    Saduceus Seita judia, que se formou por volta do ano 248 antes de Jesus Cristo, assim chamada por causa de Sadoque, seu fundador. Os saduceus no acreditavam na imortalidade da alma nem na ressurreio, nem nos anjos bons e maus. Entretanto, acreditavam em Deus, mas, nada esperando aps a morte, s o serviam tendo em vista recompensas tempo-rais, ao que, segundo eles, se limitava a sua providncia. Assim, a satisfa-o dos sentidos constitua para eles o objetivo essencial da vida. Quanto s Escrituras, atinham-se ao texto da lei antiga, no admitindo nem a tradio, nem qualquer interpretao. Colocavam as boas obras e a obser-vncia pura e simples da lei acima das prticas exteriores do culto. Eram, como se v, os materialistas, os destas e os sensualistas da poca. Essa seita era pouco numerosa, embora contasse em seu seio importantes persona-gens; tornou-se um partido poltico oposto constantemente aos fariseus.

    Essnios ou Esseus Seita judia, fundada por volta do ano 150 antes de Jesus Cristo, ao tempo dos macabeus, e cujos membros, habitando uma espcie de mosteiro, formavam entre si um tipo de associao moral e re-ligiosa. Distinguiam-se pelos costumes brandos e pelas virtudes austeras, ensinavam o amor a Deus e ao prximo, a imortalidade da alma e acredi-tavam na ressurreio. Viviam em celibato, condenavam a escravido e a guerra, punham em comunho os seus bens e se entregavam agricultura.

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    Contrrios aos saduceus sensuais, que negavam a imortalidade, bem como aos fariseus de rgidas prticas exteriores e de virtudes apenas aparentes, nunca os essnios tomaram parte nas querelas que dividiram essas duas seitas. Seu gnero de vida se assemelhava ao dos primeiros cristos, e os princpios da moral que professavam levaram algumas pessoas a supor que Jesus fizera parte dessa seita, antes do comeo de sua misso pblica. cer-to que o Mestre deve t-la conhecido, mas nada prova que se houvesse fi-liado a ela, sendo, pois, hipottico tudo quanto se escreveu a esse respeito.5

    Terapeutas (Do grego therapeuts, formado de therapeuein, servir, cuidar, isto : servidores de Deus ou curadores.) Eram sectrios judeus contemporneos do Cristo, estabelecidos principalmente em Alexandria, no Egito. Tinham muita relao com os essnios, cujos princpios adota-vam, aplicando-se, como esses ltimos, prtica de todas as virtudes. Sua alimentao era extremamente frugal. Devotados ao celibato, contempla-o e vida solitria, constituam uma verdadeira ordem religiosa. Flon, filsofo judeu platnico, de Alexandria, foi o primeiro a falar dos terapeu-tas; considerou-a uma seita do Judasmo. Eusbio, So Jernimo e outros Pais da Igreja pensam que eles eram cristos. Fossem judeus ou cristos, o que evidente que, do mesmo modo que os essnios, eles representam o trao de unio entre o Judasmo e o Cristianismo.

    IV Scrates e Plato, precursores da ideia crist e do Espiritismo

    Do fato de haver Jesus conhecido a seita dos essnios, seria errneo concluir-se que Ele colheu nessa seita a sua doutrina e que, se tivesse vivido noutro meio, teria professado outros princpios. As grandes ideias jamais irrompem de sbito. As que se baseiam na verdade sempre tm precursores que lhes preparam parcialmente os caminhos. Depois, quando chegado o tempo, Deus envia um homem com a misso de resumir, coordenar e completar os elementos esparsos e, com eles, formar um corpo de doutri-na. Desse modo, no surgindo bruscamente, a ideia, ao aparecer, encon-tra espritos predispostos a aceit-la. Assim aconteceu com a ideia crist

    5 Nota de Allan Kardec: A morte de Jesus, supostamente escrita por um irmo essnio, uma obra com-pletamente apcrifa, escrita para servir a determinada opinio. Ela traz em si mesma a prova da sua origem moderna.

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    que foi pressentida muitos sculos antes de Jesus e dos essnios, e da qual Scrates e Plato foram os principais precursores.

    Scrates, assim como o Cristo, nada escreveu, ou, pelo menos, no deixou nenhum escrito. Como Ele, teve a morte dos criminosos, vtima do fanatismo, por ter atacado as crenas estabelecidas e colocado a virtude real acima da hipocrisia e do simulacro das formas; numa palavra, por ter combatido os preconceitos religiosos. Do mesmo modo que Jesus foi acusado pelos fariseus de corromper o povo com os ensinamentos que lhe ministrava, Scrates tambm foi acusado pelos fariseus do seu tempo j que sempre os houve em todas as pocas de corromper a juventude, por proclamar o dogma da unidade de Deus, da imortalidade da alma e da vida futura. E assim como s conhecemos a doutrina de Jesus pelos escritos de seus discpulos, s conhecemos a de Scrates pelos escritos de seu discpulo Plato. Julgamos conveniente resumir aqui os pontos de maior relevo, para mostrar a concordncia deles com os princpios do Cristianismo.

    Aos que considerarem esse paralelo uma profanao e pretendam que no pode haver paridade entre a doutrina de um pago e a do Cristo, responderemos que a doutrina de Scrates no era pag, pois tinha como objetivo combater o paganismo; que a doutrina de Jesus, mais completa e mais depurada que a de Scrates, nada tem a perder com a comparao; que a grandeza da misso divina do Cristo no pode ser diminuda com isso; que, alm disso, se trata de um fato da Histria, que no pode ser su-primido. O homem chegou a um ponto em que a luz emerge por si mesma de sob o alqueire. Est maduro bastante para encar-la. Tanto pior para os que no ousem abrir os olhos. chegado o tempo de se considerarem as coisas de modo amplo e elevado, no mais do ponto de vista mesquinho e acanhado dos interesses de seitas e de castas.

    Alm disso, essas citaes provaro que, se Scrates e Plato pressen-tiram a ideia crist, tambm se encontram em sua doutrina os princpios fundamentais do Espiritismo.

    Resumo da doutrina de Scrates e Plato

    I. O homem uma alma encarnada. Antes da sua encarnao, existia unida aos

    tipos primordiais, s ideias do verdadeiro, do bem e do belo; separa-se deles, en-

    carnando e, recordando o seu passado, mais ou menos atormentada pelo desejo

    de voltar a ele.

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    No se pode enunciar mais claramente a distino e a independn-cia entre o princpio inteligente e o princpio material. , alm disso, a doutrina da preexistncia da alma; da vaga intuio que ela guarda de um outro mundo, a que aspira; da sua sobrevivncia ao corpo; da sua sada do mundo espiritual, para encarnar, e da sua volta a esse mesmo mundo, aps a morte. , finalmente, o germe da doutrina dos anjos decados.

    II. A alma se transvia e se perturba, quando se serve do corpo para considerar

    qualquer objeto; tem vertigem, como se estivesse bria, porque se prende a coisas

    que esto, por sua natureza, sujeitas a mudanas; ao passo que, quando contempla

    a sua prpria essncia, dirige-se para o que puro, eterno, imortal, e, sendo ela

    da mesma natureza, permanece a ligada, por tanto tempo quanto possa. Cessam

    ento os seus transviamentos, pois que est unida ao que imutvel e a esse estado

    da alma que se chama sabedoria.

    Assim, o homem que considera as coisas de baixo, terra a terra, do ponto de vista material, vive iludido. Para as apreciar com justeza, preciso v-las do alto, isto , do ponto de vista espiritual. A verdadeira sabedoria deve, portanto, de algum modo, isolar a alma do corpo, para ver com os olhos do Esprito. o que ensina o Espiritismo. (Cap. II, item 5.)

    III. Enquanto tivermos o nosso corpo e a alma se achar mergulhada nessa corrup-

    o, nunca possuiremos o objeto dos nossos desejos: a verdade. Com efeito, o cor-

    po nos suscita mil obstculos pela necessidade em que nos achamos de cuidar dele.

    Alm disso, ele nos enche de desejos, de apetites, de temores, de mil quimeras e de

    mil tolices, de maneira que, com ele, impossvel sermos sbios, ainda que por um

    instante. Mas se no nos possvel conhecer puramente coisa alguma, enquanto

    a alma nos est ligada ao corpo, de duas uma: ou jamais conheceremos a verdade

    ou s a conheceremos aps a morte. Libertos da loucura do corpo, conversaremos

    ento, lcito esperar, com homens igualmente libertos e conheceremos, por ns

    mesmos, a essncia das coisas. Essa a razo por que os verdadeiros filsofos se exer-

    citam em morrer, e a morte no lhes parece terrvel de modo algum.

    Est a o princpio das faculdades da alma obscurecidas em razo dos rgos corpreos, e o da expanso dessas faculdades depois da morte. Mas no se trata aqui seno de almas de escol, j depuradas; o mesmo no se d com as almas impuras. (O cu e o inferno, Primeira parte, cap. II; Segunda parte, cap. I.)

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    30

    IV. A alma impura, nesse estado, encontra-se oprimida e se v de novo arrastada

    para o mundo visvel, pelo horror do que invisvel e imaterial. Erra, ento, em

    torno dos monumentos e dos tmulos, junto aos quais j se tm visto tenebrosos

    fantasmas, como devem ser as imagens das almas que deixaram o corpo sem esta-

    rem ainda inteiramente puras, que ainda conservam alguma coisa da forma ma-

    terial, o que faz com que a vista humana possa perceb-las. No so as almas dos

    bons, mas as dos maus, que se veem foradas a vagar nesses lugares, onde arrastam

    consigo a pena da primeira vida que tiveram e onde continuam a vagar at que

    os apetites inerentes forma material de que se revestiram as reconduzam a um

    corpo. Ento, sem dvida, retomam os mesmos costumes que durante a primeira

    vida constituam o objeto de suas predilees.

    No somente o princpio da reencarnao se acha a claramente ex-presso, mas tambm o estado das almas que ainda se mantm sob o jugo da matria descrito tal qual o mostra o Espiritismo nas evocaes. Mais ainda: dito que a reencarnao num corpo material consequncia da impureza da alma, enquanto as almas purificadas se encontram isentas de reencarnar. O Espiritismo no diz outra coisa, acrescentando apenas que a alma, que tomou boas resolues na erraticidade e que possui conhecimentos adquiri-dos, traz, ao renascer, menos defeitos, mais virtudes e ideias intuitivas do que tinha na sua existncia precedente. Assim, cada existncia marca para ela um progresso intelectual e moral. (O cu e o inferno, Segunda parte, Exemplos.)

    V. Aps a nossa morte, o gnio (damon, demnio) que nos fora designado durante

    a vida, leva-nos a um lugar onde se renem todos os que tm de ser conduzidos

    ao Hades, para serem julgados. As almas, depois de haverem estado no Hades o

    tempo necessrio, so reconduzidas a esta vida em mltiplos e longos perodos.

    a doutrina dos anjos da guarda ou Espritos protetores, e das reen-carnaes sucessivas, aps intervalos mais ou menos longos de erraticidade.

    VI. Os demnios ocupam o espao que separa o cu da Terra; constituem o lao

    que une o Grande Todo a si mesmo. No entrando nunca a Divindade em co-

    municao direta com o homem, por intermdio dos demnios que os deuses

    se relacionam e conversam com ele, quer durante a viglia, quer durante o sono.

    A palavra damon, da qual fizeram o termo demnio, no era, na Antiguidade, tomada em mau sentido, como nos tempos modernos. No designava exclusivamente seres malfazejos, mas todos os Espritos em geral,

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    dentre os quais se destacavam os Espritos superiores, chamados deuses, e os menos elevados ou demnios propriamente ditos, que se comunicavam diretamente com os homens. O Espiritismo tambm afirma que os Es-pritos povoam o Espao; que Deus s se comunica com os homens por intermdio dos Espritos puros, encarregados de transmitir suas vontades; que os Espritos se comunicam com eles durante a viglia e durante o sono. Substitu a palavra demnio pela palavra Esprito e tereis a Doutrina Espri-ta; ponde a palavra anjo e tereis a doutrina crist.

    VII. A preocupao constante do filsofo (tal como o compreendiam Scrates e

    Plato) a de tomar o maior cuidado com a alma, menos pelo que respeita a esta

    vida, que no dura mais que um instante, do que tendo em vista a eternidade. Se

    a alma imortal, no ser prudente viver visando eternidade?

    O Cristianismo e o Espiritismo ensinam a mesma coisa.

    VIII. Se a alma imaterial, ela deve passar, aps esta vida, para um mundo igual-

    mente invisvel e imaterial, do mesmo modo que o corpo, decompondo-se, volta

    matria. Importa somente distinguir bem a alma pura, verdadeiramente imaterial,

    que se alimente, como Deus, de cincia e pensamentos, da alma mais ou menos

    maculada de impurezas materiais, que a impedem de elevar-se para o divino e a

    retm nos lugares de sua passagem pela Terra.

    Como se v, Scrates e Plato compreendiam perfeitamente os di-ferentes graus de desmaterializao da alma. Insistem na diversidade de situao que resulta para elas da sua maior ou menor pureza. O que eles diziam, por intuio, o Espiritismo o prova com os inmeros exemplos que nos pe sob as vistas. (O cu e o inferno, Segunda parte.)

    IX. Se a morte fosse a dissoluo completa do homem, seria muito vantajosa para

    os maus, pois se veriam livres, ao mesmo tempo, do corpo, da alma e dos vcios.

    Aquele que adornou sua alma, no de ornatos estranhos, mas com os que lhe so

    prprios, s esse poder aguardar tranquilamente a hora da sua partida para o

    outro mundo.

    Em outros termos, equivale a dizer que o materialismo, que pro-clama o nada para depois da morte, anula toda responsabilidade moral posterior e, por conseguinte, um estmulo ao mal; que o mau tem tudo a ganhar do nada. Somente o homem que se despojou dos vcios e se en-riqueceu de virtudes, pode esperar com tranquilidade o despertar na outra

  • Introduo

    32

    vida. O Espiritismo nos mostra, por meio de exemplos que diariamente nos pe sob os olhos, quanto penoso para o mau o passar desta outra vida, a entrada na vida futura. (O cu e o inferno, Segunda parte, cap. I.)

    X. O corpo conserva bem impressos os vestgios dos cuidados de que foi objeto

    e dos acidentes que sofreu. D-se o mesmo com a alma. Quando despojada do

    corpo traz evidentes os traos do seu carter, de suas afeies e as marcas que lhe

    deixaram todos os atos de sua vida. Assim, a maior desgraa que pode acontecer

    ao homem ir para o outro mundo com a alma carregada de crimes. Vs, Clicles,

    que nem tu, nem Plux, nem Grgias podereis provar que devamos levar outra

    vida que nos seja til quando estivermos do outro lado. De tantas opinies diver-

    sas, a nica que permanece inabalvel a de que mais vale receber do que cometer

    uma injustia e que, acima de tudo, devemos cuidar, no de parecer, mas de ser

    homem de bem. (Colquios de Scrates com seus discpulos, na priso.)

    Encontramos aqui outro ponto capital confirmado hoje pela expe-rincia: o de que a alma no depurada conserva as ideias, as tendncias, o carter e as paixes que teve na Terra. Esta mxima: mais vale receber do que cometer uma injustia, no inteiramente crist? Jesus exprimiu o mes-mo pensamento, por meio desta figura: Se algum vos bater numa face, apresentai-lhe a outra. (Cap. XII, itens 7 e 8.)

    XI. De duas uma: ou a morte uma destruio absoluta ou a passagem da alma

    para outro lugar. Se tudo deve extinguir-se, a morte ser como uma dessas raras

    noites que passamos sem sonhar e sem nenhuma conscincia de ns mesmos.

    Todavia, se a morte apenas uma mudana de morada, a passagem para um lugar

    onde os mortos devem reunir-se, que felicidade a de l encontrarmos aqueles a

    quem conhecemos! O meu maior prazer seria examinar de perto os habitantes

    dessa outra morada e de distinguir l, como aqui, os que so dignos dos que se

    julgam como tais e no o so. Mas tempo de nos separarmos, eu para morrer, vs

    para viverdes. (Scrates aos seus juzes.)

    Segundo Scrates, os homens que viveram na Terra se encontram aps a morte e se reconhecem. Mostra o Espiritismo que continuam as re-laes que se estabeleceram entre eles, de sorte que a morte no nem uma interrupo nem a cessao da vida, mas uma transformao, sem soluo de continuidade.

  • Introduo

    33

    Se Scrates e Plato tivessem conhecido os ensinos que o Cristo da-ria quinhentos anos mais tarde e os que agora do os Espritos, no teriam falado de outro modo. No h nisto nada que deva surpreender, se consi-derarmos que as grandes verdades so eternas e que os Espritos adiantados devem t-las conhecido antes de virem Terra para onde as trouxeram; que Scrates, Plato e os grandes filsofos daqueles tempos bem podem, depois, ter sido dos que secundaram o Cristo na sua misso divina, e que foram escolhidos para esse fim precisamente por se acharem, mais do que outros, em condies de lhe compreenderem as sublimes lies; que, final-mente, podem hoje fazer parte da pliade dos Espritos encarregados de ensinar aos homens as mesmas verdades.

    XII. Nunca se deve retribuir uma injustia com outra injustia, nem fazer mal a nin-

    gum, seja qual for o mal que nos tenham causado. Poucos, no entanto, admitiro

    esse princpio, e os que se desentenderem a tal respeito devem apenas desprezar-se

    mutuamente.

    No est a o princpio da caridade que prescreve no se retribua o mal com o mal e se perdoe aos inimigos?

    XIII. pelos frutos que se conhece a rvore. preciso qualificar toda ao se-

    gundo o que ela produz: qualific-la de m, quando dela provenha o mal; de boa,

    quando d origem ao bem.

    Esta mxima: pelos frutos que se conhece a rvore, se encontra muitas vezes repetida textualmente no Evangelho.

    XIV. A riqueza um grande perigo. Todo homem que ama a riqueza no ama a si

    mesmo nem ao que seu; ama a uma coisa que lhe ainda mais estranha do que

    o que lhe pertence. (Cap. XVI.)

    XV. As mais belas preces e os mais belos sacrifcios agradam menos Divindade

    do que uma alma virtuosa que faz esforos para se lhe assemelhar. Seria grave se os

    deuses dispensassem mais ateno a essas oferendas, do que nossa alma. Dessa

    maneira, os maiores culpados poderiam conquistar os seus favores. Mas no: s

    os verdadeiramente justos e retos, por suas palavras e atos, cumprem seus deveres

    para com os deuses e para com os homens. (Cap. X, itens 7 e 8.)

  • Introduo

    34

    XVI. Chamo homem vicioso a esse amante vulgar, que ama o corpo mais do que

    a alma. O amor est por toda parte na Natureza, convidando-nos ao exerccio da

    nossa inteligncia; ns o encontramos at mesmo no movimento dos astros. o

    amor que enfeita a Natureza com os seus ricos tapetes; ele se orna e fixa morada

    onde encontra flores e perfumes. ainda o amor que d paz aos homens, calma ao

    mar, silncio aos ventos e sono dor.

    O amor, que h de unir os homens por um lao fraternal, uma consequncia dessa teoria de Plato sobre o amor universal, como Lei da Natureza. Tendo dito Scrates que o amor no nem um deus, nem um mortal, mas um grande demnio, isto , um grande Esprito que preside ao amor universal, essa proposio lhe foi imputada como crime.

    XVII. A virtude no pode ser ensinada; vem por dom de Deus aos que a possuem.

    quase a doutrina crist sobre a graa, mas, se a virtude um dom de Deus, um favor e, ento, pode perguntar-se por que no concedida a todos. Por outro lado, se um dom, no h mrito para aquele que a possui. O Espiritismo mais explcito, dizendo que aquele que possui vir-tude a adquiriu por seus esforos, em existncias sucessivas, despojando-se pouco a pouco de suas imperfeies. A graa a fora que Deus concede a todo homem de boa vontade para se livrar do mal e fazer o bem.

    XVIII. H uma disposio natural em todos ns: a de nos apercebermos muito

    menos dos nossos defeitos, do que dos alheios.

    Diz o Evangelho: Vedes o cisco no olho do vosso vizinho, e no vedes a trave que est no vosso. (Cap. X, itens 9 e 10.)

    XIX. Se os mdicos so malsucedidos na maior parte das doenas, que tratam

    do corpo, sem tratarem da alma. Ora, no se achando o todo em bom estado,

    impossvel que uma parte dele passe bem.

    O Espiritismo fornece a chave das relaes existentes entre a alma e o corpo e prova que um reage incessantemente sobre o outro. Abre, assim, um novo caminho Cincia; ao lhe mostrar a verdadeira causa de certas afeces, faculta-lhe os meios de as combater. Quando levar em conta a ao do elemento espiritual na economia, a Cincia fracassar menos.

    XX. Todos os homens, a partir da infncia, fazem muito mais mal do que bem.

  • Introduo

    35

    Essa sentena de Scrates toca na grave questo da predominncia do mal na Terra, questo insolvel sem o conhecimento da pluralidade dos mundos e da destinao da Terra, habitada apenas por uma frao mnima da Humanidade. Somente o Espiritismo lhe d soluo, desenvolvida logo adiante, nos captulos II, III e IV

    XXI. H sabedoria em no acreditares que sabes o que ignoras.

    Isso vai endereado s pessoas que criticam aquilo de que desco-nhecem at mesmo os primeiros termos. Plato completa esse pensamen-to de Scrates, dizendo: Tentemos, primeiro, torn-las, se for possvel, mais honestas nas palavras; se no o forem, no nos preocupemos com elas e no procuremos seno a verdade. Tratemos de instruir-nos, mas no nos injuriemos. assim que devem proceder os espritas com relao aos seus contraditores de boa ou m-f. Se Plato revivesse hoje, encontraria as coisas mais ou menos como no seu tempo e poderia usar da mesma linguagem. Scrates tambm se depararia com pessoas que zombariam da sua crena nos Espritos e que o qualificariam de louco, assim como ao seu discpulo Plato.

    Foi por haver professado esses princpios que Scrates se viu ri-dicularizado, depois acusado de impiedade e condenado a beber cicuta. Tanto certo que, as grandes verdades novas, ao levantarem contra si os interesses e os preconceitos que ferem, no podem estabelecer-se sem luta e sem fazer mrtires.

  • CAPTULO I

    No vim destruir a Lei As trs revelaes: Moiss, o Cristo, o Espiritismo Aliana da

    Cincia e da Religio Instrues dos Espritos: A Nova Era

    1. No penseis que Eu tenha vindo destruir a lei ou os profetas: no os vim des-

    truir, mas cumpri-los: porque, em verdade vos digo que o cu e a Terra no passa-

    ro, sem que tudo o que se acha na lei esteja perfeitamente cumprido, enquanto

    reste um nico iota e um nico ponto. (Mateus, 5:17 e 18.)

    Moiss2. H duas partes distintas na lei mosaica: a Lei de Deus, promulgada no

    monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar, estabelecida por Moiss. Uma invarivel; a outra, apropriada aos costumes e ao carter do povo, se modifica com o tempo.

    A Lei de Deus est formulada nos dez mandamentos seguintes:

    I. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei do Egito, da casa da servido. No te-

    reis diante de mim outros deuses estrangeiros. No fareis imagem esculpida, nem

    figura alguma do que est acima no cu, nem embaixo, na Terra. No os adorareis

    e nem lhes prestareis culto soberano.

    II. No pronunciareis em vo o nome do Senhor, vosso Deus.

    III. Lembrai-vos de santificar o dia do sbado.

    IV. Honrai a vosso pai e a vossa me, a fim de viverdes longo tempo na terra que

    o Senhor vosso Deus vos dar.

    V. No matareis.

  • Captulo I

    38

    VI. No cometereis adultrio.

    VII. No roubareis.

    VIII. No prestareis falso testemunho contra o vosso prximo.

    IX. No desejareis a mulher do vosso prximo.

    X. No cobiareis a casa do vosso prximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem

    o seu boi, nem o seu jumento, nem qualquer das coisas que lhe pertenam.

    Essa Lei de todos os tempos e de todos os pases, e tem, por isso mesmo, carter divino. Todas as outras so leis que Moiss estabeleceu, obrigado a manter, pelo temor, um povo naturalmente turbulento e indis-ciplinado, no qual tinha ele de combater arraigados abusos e preconcei-tos, adquiridos durante a escravido do Egito. Para imprimir autoridade s suas leis houve de lhes atribuir origem divina, assim como fizeram todos os legisladores dos povos primitivos. A autoridade do homem precisava apoiar-se na autoridade de Deus, mas s a ideia de um Deus terrvel podia impressionar homens ignorantes, nos quais o senso moral e o sentimento de uma justia reta estavam ainda pouco desenvolvidos. evidente que aquele que inclura, entre os seus mandamentos, este: No matareis; no fareis mal ao prximo, no poderia contradizer-se, fazendo da extermi-nao um dever. As leis mosaicas, propriamente ditas, tinham, pois, um carter essencialmente transitrio.

    O Cristo3. Jesus no veio destruir a Lei, isto , a Lei de Deus; veio cumpri-

    -la, ou seja, desenvolv-la, dar-lhe o verdadeiro sentido e adapt-la ao grau de adiantamento dos homens. por isso que se encontra, nessa lei, o princpio dos deveres para com Deus e para com o prximo, que cons-titui a base da sua doutrina. Quanto s leis de Moiss propriamente ditas, Ele, ao contrrio, as modificou profundamente, quer na substncia quer na forma. Combatendo constantemente o abuso das prticas exteriores e as falsas interpretaes, no podia faz-las passar por uma reforma mais radical, do que as reduzindo a esta nica prescrio: Amar a Deus acima de todas as coisas e ao prximo como a si mesmo, e acrescentando: a esto toda a lei e os profetas.

  • No vim destruir a Lei

    39

    Por estas palavras: O cu e a Terra no passaro sem que tudo esteja cumprido at o ltimo iota, Jesus quis dizer que era necessrio que a Lei de Deus fosse cumprida, isto , praticada na Terra inteira, em toda a sua pureza, com todos os seus desdobramentos e consequncias. Realmente, de que serviria haver estabelecido aquela lei, se ela devesse constituir privilgio de alguns homens ou mesmo de um s povo? Sen-do todos os homens filhos de Deus, todos, sem distino, so objeto da mesma solicitude.

    4. Mas o papel de Jesus no foi o de um simples legislador moralis-ta, sem outra autoridade que a sua palavra. Ele veio dar cumprimento s profecias que haviam anunciado o seu advento. Sua autoridade decorria da natureza excepcional do seu Esprito e da sua misso divina. Veio en-sinar aos homens que a verdadeira vida no a que transcorre na Terra, e sim no Reino dos cus; veio ensinar-lhes o caminho que conduz a esse reino, os meios de eles se reconciliarem com Deus e de pressentirem esses meios na marcha das coisas por vir, para a realizao dos destinos humanos. Entretanto, no disse tudo, limitando-se, a respeito de muitos pontos, a lanar o germe de verdades que, segundo Ele prprio declarou, ainda no podiam ser compreendidas. Falou de tudo, mas em termos mais ou menos explcitos. Para apanhar o sentido oculto de certas pa-lavras suas, era necessrio que novas ideias e novos conhecimentos lhes trouxessem a chave, e essas ideias no podiam surgir antes que o esprito humano houvesse alcanado um certo grau de maturidade. A Cincia tinha de contribuir poderosamente para a ecloso e o desenvolvimento de tais ideias. Era preciso, pois, dar tempo Cincia para progredir.

    O Espiritismo5. O Espiritismo a cincia nova que vem revelar aos homens, por

    meio de provas irrecusveis, a existncia e a natureza do mundo espiritual e as suas relaes com o mundo corpreo. Ele no-lo mostra no mais como coisa sobrenatural, mas, ao contrrio, como uma das foras vivas e sem cessar atuantes da Natureza, como a fonte de uma multido de fenmenos at hoje incompreendidos e, por isso mesmo, relegados para o domnio do fantstico e do maravilhoso. a essas relaes que o Cristo faz aluso em muitas circunstncias, e por isso que muitas coisas que Ele disse perma-

  • Captulo I

    40

    neceram ininteligveis ou foram falsamente interpretadas. O Espiritismo a chave com o auxlio da qual tudo se explica com facilidade.

    6. A lei do Antigo Testamento est personificada em Moiss; a do Novo Testamento est personificada no Cristo. O Espiritismo a Terceira Revelao da Lei de Deus, mas no tem a personific-la nenhuma indivi-dualidade, porque fruto do ensino dado, no por um homem, mas pelos Espritos, que so as vozes do Cu, em todos os pontos da Terra, e por uma multido inumervel de intermedirios. , de certa maneira, um ser cole-tivo, formado pelo conjunto dos seres do mundo espiritual, cada um dos quais traz aos homens o tributo de suas luzes, para lhes tornar conhecido esse mundo e a sorte que os espera.

    7. Assim como o Cristo disse: No vim destruir a Lei, mas cumpri--la, o Espiritismo diz igualmente: No venho destruir a lei crist, mas dar-lhe cumprimento. Nada ensina em contrrio ao que ensinou o Cristo, mas desenvolve, completa e explica, em termos claros para todo mundo, o que foi dito apenas sob forma alegrica. Vem cumprir, nos tempos pre-ditos, o que o Cristo anunciou e preparar a realizao das coisas futuras. Portanto, o Espiritismo obra do Cristo, que Ele mesmo preside, assim como preside, conforme igualmente o anunciou, regenerao que se ope-ra e prepara o Reino de Deus na Terra.

    Aliana da Cincia e da Religio8. A Cincia e a Religio so as duas alavancas da inteligncia hu-

    mana; uma revela as leis do mundo material e a outra as do mundo moral. Ambas, porm, tendo o mesmo princpio, que Deus, no podem contradi-zer-se. Se fossem a negao uma da outra, uma necessariamente estaria em erro e a outra com a verdade, porque Deus no pode querer destruir a sua prpria obra. A incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas ordens de ideias provm apenas de uma observao defeituosa e de um excesso de exclusivismo, de um lado e de outro. Da um conflito que deu origem incredulidade e intolerncia.

    So chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo ho de receber o seu complemento; em que o vu lanado intencionalmente so-bre algumas partes desse ensino tem de ser levantado; em que a Cincia, deixando de ser exclusivamente materialista, tem de levar em conta o

  • No vim destruir a Lei

    41

    elemento espiritual; em que a Religio, deixando de ignorar as leis org-nicas e imutveis da matria, essas duas foras Cincia e Religio apoiando-se uma na outra, marcharo combinadas e se prestaro mtuo concurso. Ento, no mais desmentida pela Cincia, a Religio adquirir inabalvel poder, porque estar de acordo com a razo e j no se lhe pode-r opor a irresistvel lgica dos fatos.

    A Cincia e a Religio no puderam entender-se at hoje porque cada uma, encarando as coisas do seu ponto de vista exclusivo, repeliam-se mutuamente. Era preciso alguma coisa para preencher o vazio que as se-parava, um trao de unio que as aproximasse. Esse trao de unio est no conhecimento das leis que regem o mundo espiritual e suas relaes com o mundo corpreo, leis to imutveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existncia dos seres. Uma vez constatadas pela experincia essas relaes, fez-se uma nova luz: a f dirigiu-se razo, a razo nada encontrou de ilgico na f, e o materialismo foi vencido. Mas nisso, como em todas as coisas, h pessoas que ficam atrs, at serem arrastadas pelo movimento geral que as esmaga, se tentam resistir-lhe, em vez de o acompanharem. toda uma revoluo moral que neste momento se opera e trabalha os espritos. Aps uma elaborao que durou mais de dezoito sculos, chega ela sua plena realizao e vai marcar uma Nova Era para a Humanidade. As consequncias dessa revoluo so fceis de prever; deve produzir ine-vitveis modificaes nas relaes sociais, s quais ningum ter fora para se opor, porque esto nos desgnios de Deus e resultam da lei do progresso, que uma Lei de Deus.

    Instrues dos Espritos

    A Nova Era9. Deus nico, e Moiss o Esprito que Ele enviou em misso

    para torn-lo conhecido no s dos hebreus, como tambm dos povos pagos. O povo hebreu foi o instrumento de que Deus se serviu para se re-velar por Moiss e pelos profetas, e as vicissitudes por que passou esse povo destinavam-se a impressionar os olhos dos homens e a fazer cair o vu que lhes ocultava a Divindade.

  • Captulo I

    42

    Os mandamentos de Deus, dados por intermdio de Moiss, con-tm o germe da mais ampla moral crist. Os comentrios da Bblia, porm, restringiam-lhe o sentido, porque, praticada em toda a sua pureza, no a teriam ento compreendido. Mas nem por isso, os dez mandamentos de Deus deixavam de ser uma espcie de frontispcio brilhante, qual farol des-tinado a iluminar a estrada que a Humanidade devia percorrer.

    A moral ensinada por Moiss era apropriada ao estado de adianta-mento em que se encontravam os povos que ela se propunha regenerar, e esses povos, semisselvagens quanto ao aperfeioamento da alma, no te-riam compreendido que se pudesse adorar a Deus de outro modo que no por meio de holocaustos nem que se devesse perdoar a um inimigo. A inteligncia deles, notvel do ponto de vista da matria e mesmo das artes e das cincias, era muito atrasada em moralidade e no se teria convertido sob o imprio de uma religio inteiramente espiritual. Era-lhes necessria uma representao semimaterial, tal como ento a oferecia a religio he-braica. Os sacrifcios, pois, lhes falavam aos sentidos, enquanto a ideia de Deus lhes falava ao esprito.

    O Cristo foi o iniciador da moral mais pura, da mais sublime: a mo-ral evanglico-crist, que h de renovar o mundo, aproximar os homens e torn-los irmos; que h de fazer brotar de todos os coraes humanos a caridade e o amor do prximo e estabelecer entre os homens uma soli-dariedade comum; de uma moral, enfim, que h de transformar a Terra, tornando-a morada de Espritos superiores aos que hoje a habitam. a lei do progresso, qual a Natureza est submetida, que se cumpre, e o Espiritismo a alavanca de que Deus se utiliza para fazer com que a Hu-manidade avance.

    So chegados os tempos em que as ideias morais ho de desenvolver--se para que se realizem os progressos que esto nos desgnios de Deus. Tm elas de seguir a mesma rota que percorreram as ideias de liberdade, suas precursoras. Porm, no se deve acreditar que esse desenvolvimento se faa sem lutas. No, aquelas ideias precisam para atingirem a maturidade, de abalos e discusses, a fim de que atraiam a ateno das massas. Uma vez isso conseguido, a beleza e a santidade da moral tocaro os espritos, e eles se dedicaro a uma cincia que lhes d a chave da vida futura e lhes abre as portas da felicidade eterna. Moiss abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o Espiritismo a concluir. Um Esprito israelita. (Mulhouse, 1861.)

  • No vim destruir a Lei

    43

    10. Um dia, Deus, em sua inesgotvel caridade, permitiu que o homem visse a verdade transpor as trevas. Esse dia foi o do advento do Cristo. Depois da luz viva, as trevas voltaram. Aps alternativas de ver-dade e obscuridade, o mundo novamente se perdia. Ento, semelhantes aos profetas do Antigo Testamento, os Espritos se puseram a falar e a vos advertir. O mundo est abalado em seus alicerces; o trovo ribombar. Sede firmes!

    O Espiritismo de ordem divina, pois se assenta sobre as prprias Leis da Natureza e, crede, tudo o que de ordem divina tem um objetivo grande e til. O vosso mundo se perdia; a Cincia, desenvolvida custa do que de ordem moral, mas conduzindo-vos ao bem-estar material, revertia-se em proveito do Esprito das trevas. Como sabeis, cristos, o corao e o amor devem marchar unidos Cincia. O Reino do Cristo, ah! passados dezoito sculos e apesar do sangue de tantos mrtires, ainda no veio. Cristos, voltai para o Mestre, que vos quer salvar. Tudo fcil quele que cr e ama; o amor o enche de inefvel alegria. Sim, meus fi-lhos, o mundo est abalado; os Espritos bons j vo-lo disseram bastante. Curvai-vos ao sopro precursor que anuncia a tempestade, a fim de no serdes derrubados, isto , preparai-vos e no vos assemelheis s virgens loucas,6 que foram apanhadas desprevenidas chegada do esposo.

    A revoluo que se prepara antes moral do que material. Os gran-des Espritos, mensageiros divinos, sopram a f, a fim de que todos vs, obreiros esclarecidos e ardorosos, faais ouvir a vossa humilde voz, pois sois o gro de areia, mas, sem gros de areia, no haveria montanhas. Assim, pois, que estas palavras Somos pequenos no tenham sentido para vs. A cada um a sua misso, a cada um o seu trabalho. A formiga no constri o seu formigueiro e animlculos no elevam con-tinentes? Comeou a nova cruzada. Apstolos da paz universal, e no de uma guerra, modernos So Bernardos, olhai e marchai para frente; a lei dos mundos a lei do progresso. Fnelon. (Poitiers, 1861.)

    11. Santo Agostinho um dos maiores vulgarizadores do Espiri-tismo. Manifesta-se quase por toda parte, e encontramos a razo disso na vida desse grande filsofo cristo. Ele pertence vigorosa falange dos Pais da Igreja, aos quais a cristandade deve os seus mais slidos alicerces. Como vrios outros, foi arrancado ao paganismo, ou melhor, impiedade 6 N.E.: Ver MATEUS, 25:1 a 13.

  • Captulo I

    44

    mais profunda, pelo fulgor da verdade. Quando, entregue aos maiores excessos, sentiu na sua alma aquela estranha vibrao que o fez voltar a si e compreender que a felicidade no estava alhures nem nos prazeres enervantes e fugidios; quando, afinal, no seu caminho de Damasco, ele tambm ouviu a santa voz que lhe clamava: Saulo, Saulo, por que me persegues? exclamou: Meu Deus! meu Deus! perdoai-me, eu creio, sou cristo! E desde ento se tornou um dos mais firmes sustentculos do Evangelho. Podemos ler, nas notveis confisses que esse eminente Esprito nos deixou, as palavras ao mesmo tempo caractersticas e profticas que pronunciou aps ter perdido Santa Mnica: Estou convencido de que minha me vir visitar-me e me dar conselhos, revelando-me o que nos espera na vida futura. Que ensinamento nessas palavras e que brilhante previso da futura doutrina! por isso que, hoje, vendo chegada a hora da divulgao da verdade que ele outrora j havia pressentido, se constituiu seu ardoroso propagador e, por assim dizer, se multiplica para responder a todos os que o chamam. Erasto, discpulo de Paulo. (Paris, 1863.)

    Nota Ser que Santo Agostinho vem demolir o que edificou? Certamente que

    no, mas, como tantos outros, ele v com os olhos do esprito o que no via como

    homem. Sua alma, desprendida, entrev novas claridades; compreende o que antes

    no compreendia. Novas ideias lhe revelaram o verdadeiro sentido de certas pa-

    lavras. Na Terra, julgava as coisas de acordo com os conhecimentos que possua,

    mas, quando uma nova luz brilhou para ele, pde apreci-las mais judiciosamente.

    Por isso teve de abandonar a crena que alimentara, nos Espritos ncubos e scu-

    bos, e o antema que havia lanado contra a teoria dos antpodas. Agora, que o

    Cristianismo lhe aparece em toda a sua pureza, pode ele, sobre alguns pontos, pen-

    sar de modo diverso do que pensava quando vivo, sem deixar de ser um apstolo

    cristo. Pode, sem renegar sua f, fazer-se o propagador do Espiritismo, porque

    nele v o cumprimento do que fora predito. Proclamando-o hoje, nada mais faz

    do que conduzir-nos a uma interpretao mais acertada e lgica dos textos. D-se

    o mesmo com outros Espritos que se encontram em posio semelhante.