o estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Direito Belo Horizonte 2010 O ESTATUTO JURÍDICO DOS ESCRAVOS NA CIVILÍSTICA BRASILEIRA Mariana Armond Dias Paes Professor orientador: Dr. Giordano Bruno Soares Roberto

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Page 1: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Direito

Belo Horizonte

2010

O ESTATUTO JURÍDICO DOS ESCRAVOS NA CIVILÍSTICA BRASILEIRA

Mariana Armond Dias Paes

Professor orientador: Dr. Giordano Bruno Soares Roberto

Page 2: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Direito

Belo Horizonte

2010

O ESTATUTO JURÍDICO DOS ESCRAVOS NA CIVILÍSTICA BRASILEIRA

Mariana Armond Dias Paes

Monografia de conclusão de curso

apresentada como requisito parcial para

obtenção do grau de bacharela em Direito

pela Universidade Federal de Minas

Gerais, sob orientação do Professor Dr.

Giordano Bruno Soares Roberto.

Page 3: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

Ao Jeferson, companheiro de lutas.

Page 4: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

Agradeço aos meus orientadores, de

ontem e de hoje, professores Mônica

Sette Lopes e Giordano Bruno Soares

Roberto, pelo apoio neste início de

trajetória acadêmica.

E, também, a Mariana Sousa Bracarense,

Roberta Maia Gresta, Bruno Martins

Soares, João Vítor Rodrigues Loureiro e

Mateus Morais Araújo por estarem

sempre comigo.

Page 5: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

Por obrigação de ofício, historiadores

sociais são profanadores.1

1 CHALHOUB, S.; PEREIRA, L. A. M. “Apresentação”, p. 7.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO p. 01.

LOURENÇO TRIGO DE LOUREIRO p. 03.

1. Trigo de Loureiro e a obra de Mello Freire p. 03.

2. Pressupostos básicos p. 04.

2.1. O Direito Natural p. 05.

2.2. A capacidade civil p. 07.

3. Os escravos enquanto pessoas p. 07.

4. O Direito Romano p. 09.

5. Os cidadãos brasileiros p. 10.

6. O escravo ante o Direito Civil p. 10.

7. Os escravos e as coisas p. 12.

8. Conclusões p. 14.

ANTONIO JOAQUIM RIBAS p. 16.

1. A produção bibliográfica de Ribas p. 16.

2. Escravo-pessoa p. 17.

2.1. Direito Natural e Direito Positivo p. 17.

2.2. Capacidade p. 18.

2.3. Domínio e poder p. 20.

3. Escravo-coisa? p. 20.

4. A Lei do Ventre Livre p. 22.

5. Conclusões p. 23.

AGOSTINHO MARQUES PERDIGÃO MALHEIRO p. 24.

1. A relevância jurídica e política da obra de Malheiro p. 24.

2. O escravo ante o Direito Civil p. 26.

3. A reaquisição da liberdade p. 29.

4. Conclusões p. 31.

CANDIDO MENDES DE ALMEIDA p. 33.

1. A importância da obra do autor na difusão do Direito Civil p. 33.

2. Considerações preliminares p. 34.

3. Os serviços do escravo p. 35.

4. A religião e a liberdade como ato de graça p. 38.

5. Conclusões p. 39.

CONSIDERAÇÕES FINAIS p. 40.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS p. 45.

1. Fontes primárias p. 45.

2. Fontes secundárias p. 47.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

1

INTRODUÇÃO

A partir da década de 1980, houve significativa ampliação do campo temático

pesquisado pelos historiadores da escravidão brasileira. Tal expansão baseou-se em

uma nova perspectiva: o escravo não é mais visto como vítima passiva do sistema

escravista, mas como agente histórico construtor de seu próprio universo social e

cultural. A partir de novas opções metodológicas, os historiadores da escravidão no

Brasil vêm tentando refutar a antiga historiografia, que tendia a considerar o escravo

como coisa, como mero sujeito passivo nas relações sociais. Busca-se a releitura de

fontes já analisadas e a utilização de fontes antes consideradas de menor importância,

com o intuito de identificar como os cativos atribuíam suas próprias significações ao

processo histórico. Assim, o negro, no Brasil oitocentista, deixa a categoria de

dominado, sem qualquer margem de autonomia, e passa a ser considerado sujeito

histórico ativo, construtor de sua própria história.

Neste contexto acadêmico, a releitura de fontes históricas oriundas do Poder

Judiciário ganhou novo fôlego. O estudo das relações sociais escravistas e do processo

histórico de abolição da escravatura passou a ser feito, também, a partir da ótica do

Direito. Com base nas obras de Edward Palmer THOMPSON2 e Eugene D. GENOVESE3,

muitos historiadores passaram a ver o Judiciário como um campo para as lutas

travadas entre os diversos atores históricos, no qual os resultados são imprevisíveis:

podem ser favoráveis tanto aos “de cima” quanto aos “de baixo”.

Em vista dessa recente revisão historiográfica, diversas questões se põem à

História do Direito, dentre as quais se destaca o estatuto jurídico dos escravos no

Brasil do século XIX: o ordenamento jurídico brasileiro considerava os escravos como

coisas, pessoas ou ambos?

Fernando Henrique CARDOSO iniciou o capítulo III de sua obra Capitalismo e

escravidão no Brasil meridional com a seguinte afirmação:

Do ponto de vista jurídico é óbvio que, no sul como no resto do país, o

escravo era uma coisa, sujeita ao poder e à propriedade de outrem, e, como

tal, “havido por morto, privado de todos os direitos” e sem representação

2 Entre outras, THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores.

3 Por exemplo, GENOVESE, E. D. A terra prometida.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

2

alguma.4 A condição jurídica de coisa, entretanto, corresponde à própria

condição social do escravo.5

Ora, não parece tão óbvio que a condição jurídica dos escravos no Brasil

oitocentista fosse de coisa, ou seja, de meros objetos nas relações sociais e,

especificamente, nas relações jurídicas. O intenso debate historiográfico sobre a

questão aponta que o estatuto jurídico dos escravos no ordenamento jurídico

brasileiro do século XIX era bem mais complexo do que a simples redução conceitual

dos cativos à categoria de coisa.6 Assim, um estudo aprofundado e sistemático sobre o

estatuto jurídico dos escravos no século XIX torna-se de central importância, pois

representaria uma considerável contribuição às novas pesquisas que procuram fazer

um contraponto à “teoria do escravo-coisa”.

A bibliografia historiográfica e jurídica é nebulosa a respeito do estatuto

jurídico ocupado pelos negros. Há correntes que buscam provar que os escravos eram

coisa, enquanto outras afirmam que eram pessoa. Contudo, não houve qualquer

esforço sistemático de investigar o tema nos limites disciplinares da História do

Direito. Desse modo, a presente pesquisa busca preencher uma lacuna, contribuindo,

assim, para um melhor entendimento sobre a ordem jurídica imperial.

O presente trabalho, ao se basear em consultas a fontes primárias do período,

busca se desvencilhar do modo como é feita tradicionalmente a História do Direito no

Brasil. Mais do que elencar leis e juristas importantes sem maior cuidado com as

fontes consultadas, procura-se compreender o fenômeno jurídico enquanto reflexo das

relações sociais de uma época.

A presente pesquisa visa, portanto, contribuir para os estudos da escravidão,

por meio da análise da obra de civilistas brasileiros de grande destaque no século XIX.

Assim, investigo se os jurisconsultos do Brasil Império consideravam os negros cativos

como coisa, pessoa, ambos ou, ainda, se eram silentes a esse respeito. Optei por

analisar somente a doutrina jurídica, deixando de lado, por ora, a legislação e a

jurisprudência.

4 Aqui, o autor inseriu uma nota de rodapé, na qual fez referência à obra A escravidão no Brasil,

do jurista Agostinho Marques Perdigão MALHEIRO.

5 CARDOSO, F. H. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional, p. 161.

6 Ver CHALHOUB, S. Visões da liberdade; LARA, S. H. Campos da violência e PAIVA, E. F.

Escravidão e universo cultural na colônia.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

3

LOURENÇO TRIGO DE LOUREIRO

1. TRIGO DE LOUREIRO E A OBRA DE MELLO FREIRE

Durante a primeira metade do século XIX, o compêndio adotado nas aulas de

Direito Civil das academias jurídicas de Olinda e de São Paulo era a obra Instituições

de Direito Civil Português7, do jurisconsulto português Paschoal José de MELLO FREIRE.8

No ano de 1851, veio a lume a primeira edição das Instituições de Direito Civil

Brasileiro, elaborada pelo então professor substituto da Faculdade de Olinda, Lourenço

Trigo de LOUREIRO. As Instituições, de LOUREIRO, foram adotadas oficialmente como

compêndio até o final do Império, substituindo, assim, a obra de MELLO FREIRE.9

Passarei à análise dos títulos e das notas introdutórias da primeira (1851), da

segunda (1857) e da terceira (1861) edições da obra.

A primeira edição possui o seguinte título: Instituições de Direito Civil

Brasileiro, extraídas das Instituições de Direito Civil Lusitano do exímio jurisconsulto

português Paschoal José de Mello Freire, na parte compatível com as instituições da

nossa cidade, e aumentadas nos lugares competentes com a substância das leis

brasileiras.

Percebe-se, portanto, uma referência expressa à obra de MELLO FREIRE,

tomada como base do trabalho de LOUREIRO. Também na nota introdutória, há menção

ao jurisconsulto português, uma vez que o autor afirmou seguir o sistema das

Instituições de Direito Civil Português, extraindo daí tudo que tivesse aplicação no

Direito Brasileiro e completando com leis brasileiras o que fosse necessário.10

Conforme afirmou Giordano Bruno Soares ROBERTO11, ao tomar por base o

texto de MELLO FREIRE, LOUREIRO tornou-se mais um comentador da obra do

7 Os títulos das obras analisadas neste trabalho, bem como as citações delas extraídas, tiveram

sua ortografia adaptada às normas vigentes.

8 Os cursos jurídicos criados em Olinda e São Paulo foram inicialmente regidos pelos Estatutos

do Visconde da Cachoeira, os quais determinavam que as aulas deveriam ser ministradas com o auxílio de compêndios. Assim, grande parte das aulas eram dedicadas à leitura e à explicação do compêndio adotado. Sobre a previsão do uso de compêndios nas academias jurídicas do Império, ver ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, pp. 69-71, 166.

9 ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, pp. 167-168.

10 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I.

11 ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, p. 168.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

4

jurisconsulto português, contribuindo, assim, para perpetuar a influência coimbrã

sobre o ensino jurídico brasileiro.

Na segunda edição, há a supressão do nome de MELLO FREIRE do título da

obra, que passou a se chamar Instituições de Direito Civil Brasileiro. Segunda edição

mais correta e aumentada, oferecida, dedicada e consagrada a Sua Majestade

Imperial o Senhor Dom Pedro II.

Na nota introdutória, porém, permaneceu a referência ao autor português.

LOUREIRO afirmou que, ainda que MELLO FREIRE possa ser considerado fundador da

jurisprudência brasileira, sua obra apresenta forte influência de doutrinas absolutistas,

que não se coadunavam com a monarquia constitucional brasileira. Portanto, era de

extrema urgência que fosse elaborada nova obra para o ensino do Direito Civil

brasileiro, o que poderia se dar de duas maneiras: ou reunindo em corpo novo

doutrinas sobre essa matéria ou “retocando” as Instituições de Direito Civil

Português.12 E o autor optou pela segunda.

Na terceira edição, enfim, desapareceu qualquer menção a MELLO FREIRE, tanto

no título (Instituições de Direito Civil Brasileiro. Terceira edição mais correta, e

aumentada, e oferecida, dedicada, e consagrada à Sua Magestade Imperial o Senhor

Dom Pedro II), quanto na nota introdutória. Nessa, o autor passou a impressão de que

o trabalho era integralmente seu. Inclusive, fez diversas alusões à dificuldade de

elaborar a obra e aos sacrifícios que ela lhe custou.13 Ora, mesmo que, na terceira

edição, LOUREIRO não tenha explicitado, como antes, a influência das idéias de MELLO

FREIRE na sua obra, elas se mostram de maneira decisiva.

Para melhor compreender a influência do autor coimbrão na obra de LOUREIRO,

especificamente em relação ao estatuto jurídico dos escravos, valer-me-ei da versão

portuguesa das Instituições de Direito Civil Português, traduzida, em 1966 e 1967, por

Miguel Pinto de Meneses.

Dentre as obras de LOUREIRO, selecionei para análise a primeira (1851), a

segunda (1857) e a terceira (1861) edições das Instituições de Direito Civil Brasileiro.

As edições de 1871 e de 1884, publicadas após a morte do autor, não foram utilizadas

por serem iguais à terceira.

2. PRESSUPOSTOS BÁSICOS

Antes de passar à análise propriamente dita da condição jurídica do escravo

na obra de LOUREIRO, é mister esclarecer dois pressupostos básicos, presentes nas

12 LOUREIRO, L. T. de. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I.

13 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

5

Instituições de Direito Civil Brasileiro: o primeiro deles se refere à conceituação de

Direito Natural; e o segundo, à definição de capacidade civil.

2.1. O Direito Natural

Antes de expor as concepções de LOUREIRO acerca do Direito Natural, é

importante elucidar qual era o conceito de pessoa para os jusnaturalistas da época.

Para tanto, valer-me-ei da obra Elementos de Direito Natural Privado, elaborada por

Pedro Autran da Matta ALBUQUERQUE, lente titular da cadeira de Direito Natural da

Faculdade de Direito de Olinda e contemporâneo de LOUREIRO.

Para ele, Direito Natural é o complexo de direitos e deveres fundados na

natureza racional do homem. Como ente racional e livre, o homem é fim em si

mesmo, sendo, portanto, pessoa, e não coisa. Nesse sentido, pessoas são entes

dotados de razão e liberdade, ainda que momentaneamente privados dessas

faculdades. Aquele que está privado do uso da razão ou da liberdade não deve ser

tratado como coisa, o que configuraria lesão.14

O direito primigênio, do qual todos os outros derivam, é o direito à liberdade,

continuou ALBUQUERQUE. Tal direito não se pode perder ou renunciar, pois tem seu

fundamento no caráter essencial do homem: ser pessoa. Por mais miserável que seja

o estado em que o homem se encontra, sempre haverá ações por meio das quais o

direito à liberdade poderá ser exercido. O direito primigênio é igual para todos, ao

contrário dos direitos adquiridos, que são diversos e desiguais.15

ALBUQUERQUE definiu, ainda, “estado” como o complexo de direitos que

competem ao indivíduo em certa relação jurídica. Divide-se em: estado de natureza,

que diz respeito aos indivíduos considerados simplesmente como homens; estado civil,

que é o complexo dos direitos civis dos membros de uma mesma sociedade; e estado

político, que engloba os direitos políticos dos cidadãos.16

Todos os homens – concluiu o autor – têm a mesma origem e, portanto,

devem ser considerados iguais. Essa igualdade está no fato de que todos os direitos

devem ser respeitados. Ela não perde seu valor ante as desigualdades oriundas dos

estados, uma vez que o homem nunca perde sua essência.17

14 ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, pp. 2-3, 5-6, 9-10, 19-20, 24.

15 ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, pp. 18-19, 27-28, 45-47.

16 ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, p. 27.

17 ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, pp. 28-30.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

6

O autor afirmou também que a escravidão, enquanto injusta restrição à livre

disposição da pessoa, constitui-se lesão.18

A escravidão era veemente condenada por ALBUQUERQUE, pois representava

uma submissão do direito a motivos políticos e utilitários:

É esta uma verdade jurídica [é condição da ocupação que o objeto seja coisa,

e não pessoa], que, por sua evidência imediata, parece que se não devera

referir em um compêndio da ciência filosófica do direito; mas que entre

nações cultas foi questionada e combatida. Mas qual será a tese jurídica, que

se tenha conservado incólume de impugnação? Qual a injustiça, que se não

possa defender com razões de utilidade, ou por motivos políticos? Assim deve

acontecer, sempre que o direito for pesado na balança da utilidade ou da

política. Mas, atendendo-se unicamente ao direito, não pode o homem, sendo

pessoa, ser objeto de aquisição para outro homem, nem ser nivelado com as

coisas, destinadas naturalmente aos nossos usos.19

Ademais, considerava nulo o pacto pelo qual se adquire o domínio do locador

de serviços e a possibilidade de dele dispor como se fosse coisa. Entretanto, conforme

ALBUQUERQUE, se a escravidão for entendida como o estado de quem se obriga a

prestar todos os serviços física e moralmente possíveis, em proveito de outrem, ela

pode subsistir juridicamente e ser objeto de pacto válido.20

Também para LOUREIRO, o Direito Natural decorre das naturezas moral e física

do homem e do fim para o qual ele foi criado. Portanto, as leis derivadas do Direito

Natural poderiam ser reconhecidas pela luz da razão e moveriam a vontade humana

na busca por uma convivência pacífica.21 Ao enunciar exemplos de direitos

considerados naturais, o autor elencou o direito de dispor livremente da propriedade

real (com exceção da disposição por testamento, que é tida como um direito civil), o

direito de contratar, o direito de adquirir por qualquer meio que não seja exclusivo dos

cidadãos brasileiros e o direito de demandar judicialmente.22

O Direito Natural, tanto para LOUREIRO quanto para ALBUQUERQUE,

compreenderia uma vasta gama de direitos e obrigações, oriundos da própria natureza

humana.

18 ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, p. 30.

19 ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, p. 42.

20 ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, p. 124.

21 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, p. 10.

22 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 13; 2ª ed. Tomo I,

pp. 17-18; 3ª ed. Tomo I, p. 47.

Page 13: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

7

2.2. A capacidade civil

Para LOUREIRO, possui capacidade civil plena (aptidão para exercer direitos e

obrigações civis) aquele que goza de todas as qualidades pessoais do homem livre e

cidadão.23 Nesse sentido, o autor mencionou, ao longo de sua obra, três situações

diversas nas quais podem se encontrar as pessoas. Primeiramente, há os possuidores

da capacidade civil plena, ou seja, os homens livres e cidadãos. Também existem

aqueles que não são dotados de capacidade civil plena, mas possuem a expectativa de

adquiri-la. Destes, são exemplos os menores. A terceira categoria é composta por

aqueles que não possuem capacidade civil plena e tampouco têm qualquer expectativa

de vir a adquiri-la. São estes os escravos. Ao longo da análise, referir-me-ei a essas

categorias como, respectivamente, capazes, incapazes e não capazes.

Tem-se, já nestes pressupostos, uma primeira caracterização da condição

jurídica do escravo: era pessoa, portador de direitos naturais e sem qualquer

expectativa de aquisição da capacidade civil. As minúcias desta condição peculiar são

consideradas adiante.

3. OS ESCRAVOS ENQUANTO PESSOAS

LOUREIRO iniciou a terceira edição das Instituições afirmando que o direito, no

seu sentido objetivo, refere-se às pessoas, às coisas ou às ações. Todos os direitos e

obrigações do homem na sociedade civil provêm de qualidades, condições ou

circunstâncias que formam sua personalidade e seu estado.24 É de se considerar mais

atentamente esta distinção entre personalidade e estado.

Na segunda e na terceira edições, há uma conceituação expressa de pessoa:

pessoa é todo ser capaz de exercer direitos e contrair obrigações.25 Infere-se também

que dentro do conceito de pessoa estão compreendidos todos os homens26 e as

pessoas jurídicas. Na primeira edição, por sua vez, não está expresso o conceito de

pessoa adotado pelo autor, mas os direitos da personalidade são entendidos como

23 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, p. 14.

24 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, pp. 29-30.

25 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, p. 2; 3ª ed. Tomo I, p.

30.

26 MELLO FREIRE afirmou que o Direito Português não fazia qualquer diferenciação entre os

vocábulos pessoa e homem. MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 163, p. 10. LOUREIRO, ao longo de toda sua obra, usou ambas as palavras indiscriminadamente.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

8

toda faculdade ou poder jurídico que nascem da qualidade de homem27, conceituação

extraída da obra de MELLO FREIRE.28

Nesse sentido, existe nítida diferenciação entre personalidade e estado, pois

um homem, na sociedade civil, poderia ser considerado de acordo com os diversos

estados que possui.29 Os três principais estados do homem são: liberdade, cidade e

família.30

Assim, conquanto LOUREIRO tenha afirmado, na segunda e na terceira edições,

que todo homem é capaz de direitos e, portanto, que todo homem pode ser

considerado pessoa, a distinção entre estados criava uma desigualdade fundamental

entre os homens: na sociedade civil, os direitos dos homens variavam de acordo com

a posição e o estado que ocupavam, uma vez que o estado civil era diferente do

estado natural. Neste, os homens seriam iguais em direitos, enquanto naquele, não.31

Logo, a personalidade se divide conforme os estados, em personalidade civil e

personalidade natural.

A escravidão consiste na ausência dos estados de liberdade, cidade e

família.32 Na primeira edição, baseando-se em MELLO FREIRE, LOUREIRO afirmou que o

estado do homem é natural ou civil, sendo este dividido em estado de liberdade,

cidade e família.33 A mudança de estados civis sob a comum personalidade natural é

exemplificada abaixo:

Se o estado do testador se muda em outro incompatível com a capacidade

civil, como se é reduzido à servidão em que d’antes estava (…); o testamento

27 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 2.

28 MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 163, p. 10.

29 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, pp. 30-31.

30 MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 163, p. 10. LOUREIRO, L. T.

Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 2; 3ª ed. Tomo I, p. 31.

31 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 2-3; 3ª ed. Tomo I,

pp. 31-32.

32 Nesse sentido, a mudança de estado de uma pessoa pode acarretar a perda de certos

direitos. LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 103. MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 164, pp. 124-125.

33 MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 164, p. 139. LOUREIRO, L. T.

Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 110.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

9

irrita-se, ou perde toda sua força; porquanto cai no caso em que não podia

começar (…).34

Conseqüentemente, o escravo é claramente considerado pessoa pelo autor.

Tal afirmativa é corroborada pelo fato de que LOUREIRO, seguindo em parte a

classificação de MELLO FREIRE, considerou que as pessoas se dividem em livres e

escravos.35

4. O DIREITO ROMANO

Em relação ao Direito Romano, fonte subsidiária do Direito Civil brasileiro à

época, os escravos eram considerados homens sujeitos ao domínio de outros homens,

ainda que contra a natureza, que os criou todos livres e dotados de direitos e

deveres.36 LOUREIRO afirmou, ainda, que, no Direito Romano, os escravos não eram

pessoas, mas coisas, uma vez que não eram dotados de direitos e eram equiparados

aos animais domésticos.37

Por direito romano os escravos não eram pessoas, mas coisas; porquanto

não eram capazes de direitos, e eram equiparados aos animais domésticos…

As nossas leis porém suavizaram muito a sua condição.38

Outras diferenciações foram feitas pelo autor no que concerne à condição

jurídica do escravo no Direito Romano e no Direito Pátrio.

Entre os Romanos, em uma terceira acepção, a família compreendia também

os escravos, ainda que eles não lhe pertencessem senão como coisas: esta

terceira acepção tem aplicação entre nós não só aos criados, considerados

como pessoas, senão também aos nossos escravos, os quais também

34 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 180; 2ª ed. Tomo I,

p. 244; 3ª ed. Tomo II, p. 26. MELLO FREIRE, no parágrafo correspondente de sua obra, também tratou a escravidão como um estado. MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v. 165, pp. 121-122.

35 MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 163, p. 10. LOUREIRO, L. T.

Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 2; 2ª ed. Tomo I, pp. 2-3; 3ª ed. Tomo I, pp. 31-32.

36 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 3-4; 3ª ed. Tomo I,

p. 33.

37 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, p. 5; 3ª ed. Tomo I, p.

35.

38 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, p. 5; 3ª ed. Tomo I, p.

35.

Page 16: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

10

consideramos, não como coisas, mas como pessoas, ainda que privadas do

direito de liberdade, cidade, e família.39

Vê-se que a diferenciação entre o Direito Romano e o Direito Brasileiro quanto

à condição do escravo reforçam a compreensão de que o escravo era juridicamente

pessoa. Civilmente submetida a outrem, é certo, mas, sem dúvida também,

naturalmente dotada de direitos.

5. OS CIDADÃOS BRASILEIROS

De acordo com LOUREIRO, todos os homens livres em solo brasileiro são

cidadãos brasileiros ou estrangeiros. Os cidadãos, por sua vez, nascem ou fazem-se

pela manumissão, pelo domicílio ou pela naturalização. Também afirmou que são

cidadãos brasileiros os que nascem de pais ingênuos ou libertos. Fazem-se cidadãos

brasileiros pela manumissão os que, sendo escravos nascidos no Brasil, obtêm sua

liberdade pela alforria (libertos). Os direitos dos cidadãos dividem-se em políticos e

civis.40

Por meio desses enunciados, é possível concluir que o escravo e seus filhos

não são considerados cidadãos brasileiros e, portanto, não possuem direitos políticos.

O estado de liberdade é condição para o gozo da cidadania brasileira.

6. O ESCRAVO ANTE O DIREITO CIVIL

Em todas as edições examinadas, aparece a seguinte definição de Direito

Civil:

Os direitos civis são aqueles, que requerem autoridade do direito civil, e que

competem a todos os cidadãos, que reúnem as qualidades exigidas pelo

mesmo direito civil para o bom exercício deles.41

Nesse sentido, uma vez que os escravos não possuíam a qualidade de

cidadãos, eles não desfrutavam de direitos civis e tampouco tinham expectativa de

adquiri-los enquanto não gozassem do estado de liberdade. O livre exercício dos

39 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 15-16. O trecho foi

ligeiramente modificado nas edições posteriores: 2ª ed. Tomo I, pp. 20-21; 3ª ed. Tomo I, pp. 50-51.

40 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 10-12; 2ª ed. Tomo

I, pp. 13-14, 16; 3ª ed. Tomo I, pp. 43-44, 46.

41 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 12; 2ª ed. Tomo I, p.

16; 3ª ed. Tomo I, p. 46.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

11

direitos civis dependia, ainda, da capacidade, do juízo e do discernimento42 e, aos

escravos, faltava a capacidade.

Na segunda e na terceira edições, ao tratar das pessoas intestáveis43,

LOUREIRO diferenciou novamente a capacidade natural da capacidade civil. Os escravos

foram classificados como intestáveis por falta de capacidade civil.44 Contudo, ainda

que civilmente não capazes, eram dotados de capacidade natural, o que os habilitava

para o exercício de outros direitos, que não os civis, na ordem jurídica.

A diferenciação entre direitos civis e direitos do homem, ou direitos naturais,

aparece ainda uma vez ao afirmar o autor que a perda daqueles, não acarreta a perda

destes.45 Sobre a perda dos direitos civis, LOUREIRO acrescentou, na primeira edição,

que a Constituição admitia a pena de morte civil, ou escravidão da pena46, por meio

da qual o cidadão era privado de todos os direitos civis e políticos e considerado como

estranho à comunidade política brasileira.47 Sendo a redução à escravidão uma

espécie de morte civil, corrobora-se o entendimento segundo o qual o escravo é não

capaz, ou seja, é pessoa não dotada de qualquer tipo de direito civil e, também, sem

qualquer expectativa de adquiri-los enquanto sujeita ao domínio de outrem.

Há, ainda, diversos exemplos de que o retorno à escravidão, depois de ter

havido a manumissão, acarreta a perda de direitos civis. Dentre eles podemos

mencionar a perda do pátrio poder quando o escravo, depois de manumitido, é

novamente reduzido à escravidão48 e a designação de tutor ao menor quando o pai

42 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 158-159; 3ª ed.

Tomo I, pp. 193-194.

43 Entende-se por intestável aquele que está proibido de testar.

44 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 204-206; 3ª ed.

Tomo II, pp. 28-30. Na primeira edição, as pessoas proibidas de testar o são por falta de capacidade intelectual, física ou civil. Os escravos são elencados na terceira categoria: não podem testar por falta de capacidade civil. LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 158-159. MELO FREIRE, por sua vez, afirma que não há que se falar em escravos intestáveis, uma vez que a escravidão foi abolida de Portugal. Contudo, tal afirmativa se encontra no parágrafo referente aos intestáveis por falta de capacidade civil. MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v. 165, pp. 93-94.

45 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 13; 2ª ed. Tomo I,

pp. 17-18; 3ª ed. Tomo I, pp. 47-48.

46 MELLO FREIRE afirma que escravidão da pena significa reduzir os prisioneiros à escravidão.

MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 164, pp. 34-35.

47 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 13.

48 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 39-40; 2ª ed. Tomo

I, pp. 56-57; 3ª ed. Tomo I, pp. 88-89.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

12

liberto perde a alforria49. Também o usufruto se perde pela revogação da alforria por

ingratidão.50

Pode-se, ainda, destacar o fato de que os escravos não podiam ser tutores,

visto que a tutoria era um múnus público, que requeria da pessoa a quem era

cometido o livre gozo e exercício de todos os direitos civis. O escravo a quem o

testador libertou na disposição de última vontade pode ser nomeado tutor, desde que

possua as demais qualidades necessárias para o bom desempenho da tutoria, o que,

para o autor, raramente se acharia em algum dos nossos escravos.51

Outro ponto interessante é que o escravo não podia ser testemunha, salvo se

fosse tido, geralmente, por livre, o que demonstra que a idéia de liberdade estava

intimamente ligada à de capacidade civil.52

7. OS ESCRAVOS E AS COISAS

A conceituação jurídica de coisa expressa na obra de LOUREIRO é:

Em sentido jurídico dizem-se coisas, ou bens, tudo aquilo, que, servindo de

utilidade aos homens, pode ser submetido ao seu poder, e por isso mesmo

ser objeto de direitos exclusivos.53

Por coisas entende-se tudo o que faz parte do nosso patrimônio (…).54

Já o conceito apresentado por MELLO FREIRE é:

Para nós as coisas são aqui tudo aquilo que aumenta os nossos bens e

patrimônio (…).55

49 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, p. 127; 3ª ed. Tomo I,

p. 160.

50 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 98.

51 MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 164, pp. 115-116. LOUREIRO, L.

T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 95-96; 2ª ed. Tomo I, pp. 128-129; 3ª ed. Tomo I, pp. 161-162.

52 MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v. 165, p. 87. LOUREIRO, L. T.

Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 152-153; 2ª ed. Tomo I, pp. 211-212; 3ª ed. Tomo II, pp. 33-34.

53 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, p. 198. Na edição

anterior, não estava presente a palavra “exclusivos”: 2ª ed. Tomo I, p. 164.

54 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 117.

55 MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v. 165, p. 39.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

13

LOUREIRO afirmou que algumas coisas podem ser classificadas como

semoventes. Porém, o único exemplo dado pelo autor foi o dos animais.56 A nosso ver,

isso se dá em razão de os juristas da época, levando em conta a dignidade da pessoa

humana, entenderem que a expressão “semoventes”, presente no artigo 191 do

Código Comercial, não deveria compreender os escravos.57

Ao longo das Instituições, no entanto, os escravos foram tratados como bens

em diversos momentos. Dentre eles, é importante destacar: o feto da escrava é

considerado um bem acessório58; os escravos empregados nos engenhos de açúcar e

que não podem deles separar-se sem interrupção dos trabalhos são considerados

coisas imóveis por destino59; na compra e venda de escravos, incide o imposto da

siza60; os escravos são considerados bens do evento e, quando achados, devem ser

devolvidos à Fazenda Provincial61; por acessão natural (tudo que é resultado natural

do que é nossa propriedade), o filho da escrava pertence ao dono da mãe, sem se

indagar quem é o pai ou dono desse62; os escravos podem ser devolvidos ou ter seu

preço corrigido caso apresentem vício redibitório63.64

…se foi legada uma escrava com seus filhos, ou um escravo ordinário com os

seus vicários, isto é, com os escravos, que lhe estão sujeitos, e morre a

escrava, ou o escravo ordinário, os filhos da escrava, e os escravos vicários,

56 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 165-166; 3ª ed.

Tomo I, pp. 199-200.

57 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social, p. 74.

58 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, p. 169; 3ª ed. Tomo I,

p. 203.

59 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, p. 205.

60 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 176-177; 3ª ed.

Tomo I, pp. 210-211.

61 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 131-132; 2ª ed.

Tomo I, pp. 191-192; 3ª ed. Tomo I, pp. 233-234.

62 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 133; 2ª ed. Tomo I,

pp. 194-195; 3ª ed. Tomo I, pp. 236-237.

63 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, pp. 194-195; 3ª ed.

Tomo II, pp. 216-219.

64 Nos parágrafos correspondentes da obra de MELO FREIRE, não há menção aos escravos e

quando o há, é para afirmar que o instituto não mais se aplica em razão da abolição da escravidão em Portugal. MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v. 165, pp. 60-61, 63.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

14

cedem em proveito dos legatários (…), porque os filhos não são naturalmente

acessões da mãe, nem os escravos vicários acessões dos ordinários.

Pelo contrário, se foi legado um escravo com seu pecúlio, ou uma fazenda

rural com os seus instrumentos; nem o pecúlio, nem os instrumentos são

devidos, porque são coisas acessórias, cuja condição é extinguirem-se, se se

extingue a coisa principal.65

O tratamento do escravo como coisa, em diversos momentos da obra,

justifica-se pela ausência de capacidade civil. Ademais, estavam sob o domínio de

outrem. O cativo, enquanto pessoa, estava sujeito, em algumas situações, ao poder

heril, que conferia ao senhor a possibilidade de alugá-lo e vendê-lo. Porém, é

importante ressaltar que o escravo não estava sujeito a esse poder em todos os

aspectos da vida jurídica, vez que, enquanto pessoa, era dotado de diversos direitos e

era capaz de contrair obrigações.

8. CONCLUSÕES

A partir da análise da primeira, da segunda e da terceira edições de

Instituições de Direito Civil Brasileiro, de LOUREIRO, e da obra que lhe serviu de base,

Instituições de Direito Civil Lusitano, de MELLO FREIRE, pode-se concluir que, para

LOUREIRO:

Escravo é pessoa que, por estar sujeita a outrem, não é dotada de capacidade civil e é

tratada como coisa em situações específicas.

Desenvolvendo essa definição podemos chegar a algumas conclusões

complementares.

Conforme o autor afirmou, expressa e contundentemente, em diversos pontos

de sua obra, o escravo é pessoa perante o Direito Civil vigente no século XIX. Tal

compreensão se dava em razão, principalmente, da atribuição ao escravo da qualidade

de homem, ente capaz de adquirir direitos e contrair obrigações. Daí, temos que o

escravo era dotado de personalidade jurídica natural, o que lhe propiciava o exercício

de inúmeros direitos naturais (categoria bastante abrangente à época).

65 LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, pp. 43-44; 3ª ed.

Tomo II, p.65. No texto correspondente na primeira edição, outro exemplo dado de coisa acessória que não é devida com a extinção da coisa principal é a fazenda rural com seus instrumentos e utensílios. LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 25-26. Os trechos mencionados são extremamente parecidos com o parágrafo correspondente da obra de MELLO FREIRE. MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v. 165, pp. 148-150.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

15

A escravidão, caracterizada pela sujeição de uma pessoa a outra, é

considerada um estado, passível, portanto, de modificação. Tal estado impedia que o

escravo gozasse de capacidade civil. Ele tampouco era civilmente incapaz, uma vez

que não havia qualquer expectativa de que usufruísse de direitos civis enquanto

permanecesse no estado de escravidão.

LOUREIRO não classificou o escravo como coisa em momento algum. Contudo,

ele é tratado como tal em diversas situações. Esse tratamento se explica pela

ausência de capacidade civil e pela sujeição ao domínio de outrem. O escravo,

enquanto pessoa, estava sujeito, em algumas situações, ao poder heril, qual seja, o

poder que dispunha o senhor de alugá-lo e vendê-lo.

É importante ressaltar que o escravo não estava sujeito ao poder heril em

todos os aspectos da vida jurídica. Enquanto pessoa, era dotado de diversos direitos e

era capaz de contrair obrigações.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

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ANTONIO JOAQUIM RIBAS

1. A PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DE RIBAS

Antonio Joaquim RIBAS publicou dois livros de Direito Civil: Curso de direito

civil brasileiro e Da posse e das ações possessórias segundo o direito pátrio

comparado com o direito romano e canônico. Também elaborou diversos pareceres

sobre temas como direito das sucessões, casamento e sobre os projetos de Código

Civil apresentados por Augusto Teixeira de FREITAS e Joaquim Felício dos SANTOS.66

A primeira edição do Curso de direito civil brasileiro veio a lume em 1865.

Contudo, a obra foi concluída bem antes, pois foi adotada como compêndio na

Faculdade de Direito de São Paulo em 1862. Sua principal característica é a

prevalência de temas da teoria geral do Direito Civil. Também destaca-se a forte

influência que o autor recebeu da tradição jurídica germânica, principalmente de

Friedrich Carl von SAVIGNY.67

Da posse e das ações possessórias segundo o direito pátrio comparado com o

direito romano e canônico, impresso em 1883, reúne artigos que RIBAS havia

publicado, desde 1875, no periódico O Direito.68

Neste capítulo, optei por analisar apenas o Curso de direito civil brasileiro, por

ser a obra fundamental do autor. Ademais, por ter sido adotada como compêndio na

Faculdade de Direito de São Paulo, tal obra foi de fundamental importância para a

formação de grande parte dos juristas brasileiros. Serão utilizadas a primeira edição,

de 1865, e a segunda edição, de 1880. A terceira edição, de 1905, e a quarta edição,

de 1915, não foram consultadas por terem sido publicadas após a morte do autor, em

1890.

66 ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, pp. 314-321.

67 ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, pp. 314-318.

STRENGER, I. Da dogmática jurídica, pp. 127-159.

68 ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, pp. 318-319.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

17

2. ESCRAVO-PESSOA

2.1. Direito Natural e Direito Positivo

Ao discorrer sobre os elementos constitutivos do direito, RIBAS conceitua

pessoa como o sujeito no qual reside o direito, ou seja, o sujeito que exerce a

faculdade de obrar.69 A pessoa é o ente capaz de adquirir e exercer direitos.70

Mais adiante, afirma que homens são seres dotados, pela natureza, de

racionalidade e liberdade71. Tais seres são constituídos pessoas pela própria natureza.

Assim, nota-se que, para o autor, a idéia de pessoa está intimamente relacionada à

racionalidade e à liberdade, características atribuídas aos homens pela natureza.

Contudo, em alguns casos, a lei pode se opor à natureza e despojar certos homens da

sua pessoalidade.72

Bem ao gosto do jusracionalismo, RIBAS admite a existência de um direito

natural (também chamado de direito racional, pelo autor), e de um direito positivo.

Tanto um quanto o outro podem dotar os homens de pessoalidade. Assim, o autor

classifica as pessoas em duas ordens: pessoas naturais, dotadas de pessoalidade pelo

direito natural, e pessoas jurídicas, dotadas de pessoalidade pelo direito positivo.73

Considerando-se apenas o direito racional, todo homem é pessoa e toda

pessoa é homem.74 Assim, os escravos, por serem homens, são seres dotados de

pessoalidade. Ademais, com base no jurisconsulto romano Eneo Domitius ULPIANUS, o

autor afirma que a escravidão é contrária ao direito natural.75 Outro ponto da obra

que comprova que os escravos eram tidos como dotados de pessoalidade pelo direito

natural é a classificação das pessoas naturais quanto ao estado de liberdade: elas

podem ser livres ou escravas.76

69 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 1; 2ª ed. Tomo II, pp. 18-19.

70 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 6; 2ª ed. Tomo II, p. 25.

71 A liberdade é um conceito fundamental em toda a obra de RIBAS. Para o autor, ela é a

essência do homem; sendo o direito à liberdade circunscrito pela lei. RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, p. 5.

72 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 2; 2ª ed. Tomo II, p. 19.

73 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 6; 2ª ed. Tomo II, p. 25.

74 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 8; 2ª ed. Tomo II, p. 28.

75 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 50; 2ª ed. Tomo I, pp. 52-53.

76 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 25-26; 2ª ed. Tomo II, pp.

46-48.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

18

Contudo, no âmbito do direito positivo, a questão da pessoalidade delineia-se

de maneira diversa.

[…] as pessoas são em geral os sujeitos do direito; mas também podem

figurar como objeto, somente em relação a alguns de seus atos, em virtude

de estipulação filha de sua própria vontade, ou em virtude de sua posição no

seio do organismo humanitário (relações de família), ou pela inação em

relação a todos os direitos existentes no seio da humanidade.

[…] as coisas em geral são os objetos dos direitos, e como tais se consideram

tanto os seres a quem a natureza negou a pessoalidade, como os que foram

dela privados pela lei, violentando-se a natureza; mas que também às coisas

pode a lei ligar uma pessoalidade de pura criação sua, e então podem ser

sujeitos de direitos. 77

Os escravos foram privados, pela lei, de sua liberdade e, conseqüentemente

perderam a pessoalidade outrora atribuída pelo direito racional. Porém, apenas por

meio da análise deste trecho, não se pode concluir que, perante o Direito Civil, os

escravos possuíam o estatuto jurídico de coisas, vez que, em outro trecho da obra, o

autor ressalta que os cativos foram privados até certo ponto de sua qualidade de

pessoa.78 Assim, RIBAS implicitamente admite que os cativos não podem ser

totalmente reduzidos ao estatuto jurídico de coisas, vez que não foram totalmente

despojados de sua pessoalidade. A lei não pode abolir de maneira absoluta a

pessoalidade que foi atribuída aos homens pela natureza:

A pessoalidade natural é um fato independente da lei e que lhe é imposto;

fato que ela apenas reconhece e regula, mas que, embora algumas vezes o

tenha tentado, não pôde abolir, nem absolutamente desconhecer.79

2.2. Capacidade

Segundo RIBAS, o conceito de pessoa encerra em si diversos significados. A

pessoa é sempre um ente capaz de direitos, mas essa capacidade varia de acordo com

diferentes situações. Os vários graus de capacidade são chamados, pelos juristas, de

estados. São eles: liberdade, cidade e família. A perda de algum destes estados

equivale a uma forma de restrição da capacidade civil; sendo a perda de liberdade a

restrição máxima da capacidade. É importante ressaltar que, considerando-se o

77 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 5; 2ª ed. Tomo II, p. 22.

78 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 8-9; 2ª ed. Tomo II, p. 28.

79 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 108; 2ª ed. Tomo II, p. 134.

Page 25: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

19

estado de liberdade, o autor classifica as pessoas em livres e escravas. Ora, é patente

que os escravos são considerados pessoas, ainda que não dotados de capacidade civil

em razão da ausência do estado de liberdade.80

Na segunda edição do Curso de direito civil brasileiro, RIBAS estabelece uma

diferenciação entre capacidade natural e capacidade civil. A capacidade natural

consiste no pleno uso da razão e da liberdade na produção do consentimento do

agente. Dentre os que não possuem capacidade natural, o autor elenca os infantes, os

dementes, os ébrios e os irados. Não há qualquer menção aos escravos. A capacidade

civil, por sua vez, consiste em ser a pessoa perfeita e independente. Novamente, não

há qualquer menção aos cativos. Porém, o autor afirma que não são dela dotados os

que estão sujeitos ao poder paterno ou marital ou os que estão sob tutela ou

curatela.81 Ora, os escravos estavam sujeitos ao domínio e ao poder dos senhores, em

situação, de certa forma, análoga aos exemplos explicitados pelo autor. Daí, pode-se

concluir que os cativos eram dotados de capacidade natural, vez que eram pessoas

pelo direito natural, mas não gozavam de capacidade civil. Interpretando-se este

ponto da argumentação do autor, pode-se concluir que a restrição feita pelo direito

positivo à pessoalidade natural do escravo manifestava-se justamente na não

concessão de capacidade civil aos cativos.

Apesar de não serem dotados de capacidade civil, extrai-se da obra que,

tanto no Direito Romano quanto no Direito Brasileiro, o ordenamento jurídico

reconhecia, em diversos casos, a atuação de escravos na esfera civil. Exemplo deste

reconhecimento é a possibilidade de os escravos atuarem como mandatários de

pessoas jurídicas que detinham sua propriedade.82 Havia também a possibilidade de

aos escravos ser transmitida a propriedade.83

Neste ponto, pode-se enunciar uma conclusão preliminar sobre como RIBAS

entendia o estatuto jurídico dos escravos: para ele, os cativos eram pessoas não

dotadas de capacidade civil. Isto em razão da restrição que o direito positivo impôs à

sua pessoalidade natural. Esta restrição do direito positivo não era absoluta, vez que

apenas retirava a capacidade civil dos cativos, sem reduzi-los à condição de coisas.

80 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 25-27; 2ª ed. Tomo II, pp.

46-49.

81 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, pp. 344-345.

82 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 148-149; 2ª ed. Tomo II, pp.

179-180.

83 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 149; 2ª ed. Tomo II, p. 180.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

20

2.3. Domínio e poder

No Direito Romano, os senhores eram dotados da dominica potestas, que

impunha ao escravo uma dupla sujeição: ao dominium e à potestas. Por isso, os

cativos eram considerados, ao mesmo tempo, como coisa e como pessoa. Porém, para

RIBAS, a instituição da escravidão não despessoalizava inteiramente o escravo, pois a

incapacidade dos cativos não era absoluta, mas sujeita a restrições.84

Fortemente influenciado por SAVIGNY e sua Escola Histórica, RIBAS adota, ao

longo de toda a obra, a idéia de historicidade do direito. Essa característica foi de

grande importância na definição do estatuto jurídico dos cativos:

À proporção, porém, que o direito estrito se foi aproximando do racional, foi-

se restringindo a dominica potestas, e paralelamente alargando a capacidade

dos escravos, esta instituição reconhecida como oposta à natureza, e à

liberdade como faculdade natural.85

No Direito Brasileiro, os direitos do senhor sobre o escravo também

constituíam-se em domínio e poder. Em relação ao domínio, o autor considerava o

escravo como coisa. Em relação ao poder, possuía estatuto jurídico de pessoa.

Portanto, o senhor não podia exercer sobre o escravo o império ilimitado que tinha

sobre as coisas.86

RIBAS afirmou, ainda, que:

Em geral o Direito Penal considera o escravo como pessoa, quando o julga

apto para servir de agente ou paciente de qualquer delito; e o Direito

Administrativo, quando lhe concede certa proteção, ou o sujeita a certas

restrições, que só podem referir a pessoas.87

3. ESCRAVO-COISA?

Conforme exposto, em diversos momentos, RIBAS afirmava que os escravos,

ainda que privados da liberdade pelo direito positivo, conservavam parte da

84 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 29; 2ª ed. Tomo II, pp. 50-

51.

85 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 29-30; 2ª ed. Tomo II, p.

51.

86 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 30-31; 2ª ed. Tomo II, p.

52.

87 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 31; 2ª ed. Tomo II, p. 52-53.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

21

pessoalidade que lhes fora conferida pelo direito racional. A lei não podia sujeitar, de

maneira absoluta, o cativo ao império do senhor, vez que aquele era homem e não

mera coisa. Contudo, em um dado momento da obra, o autor se contradisse:

Não tratamos agora do caso em que, contrariando a natureza, atraímos para

essa esfera a pessoalidade inteira de outros entes livres, e estabelecemos

sobre eles o nosso império absoluto, porque então ficam eles

despessoalizados, reduzidos ao estado de coisas, e denominam-se

escravos.88

Apesar dos diversos momentos em que aos escravos é reconhecido o estatuto

jurídico de pessoas, em alguns pontos da obra são tratados como coisas. Ao tratar da

classificação das coisas em divisíveis e indivisíveis, RIBAS afirma que, ainda que o

escravo não seja divisível de fato, o é de direito, pois pode ser dividido idealmente e

cada parte pertencer a um senhor diferente.89 Outros exemplos são: o parto das

escravas, que era considerado pelo autor como coisa naturalmente acessória90; os

escravos tidos como bens do evento, quando achados sem que se soubesse quem era

o seu dono91; os cativos classificados como coisas não fungíveis92.

Contudo, a atribuição da condição de coisa aos cativos não é a regra ao longo

da obra. Muito mais fortes são os argumentos do autor no sentido de demonstrar a

pessoalidade natural dos escravos. Além de ser bastante clara a classificação dos

escravos como pessoas, há ainda o reconhecimento da prática de certos atos da vida

civil pelos escravos. Assim, nem mesmo perante o Direito Civil os cativos poderiam ser

categoricamente considerados coisas.

88 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 377; 2ª ed. Tomo I, p. 327.

89 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 206; 2ª ed. Tomo II, p. 242.

90 Neste ponto, RIBAS afirmou que, tendo em vista a dignidade humana, as escravas não eram

destinadas a dar crias, e sim a servirem. O autor afirmou, ainda, que os jurisconsultos brasileiros não classificavam os filhos das escravas como frutos, mesmo que sobre eles recaíssem o domínio dos senhores das mães. RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 209-212; 2ª ed. Tomo II, pp. 245-247.

91 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 285. Na segunda edição, o

autor modificou seu posicionamento e afirmou que os escravos abandonados por seus senhores eram declarados livres pela Lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre). RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, pp. 326-327.

92 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, p. 349.

Page 28: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

22

4. A LEI DO VENTRE LIVRE

Com o advento da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, conhecida como

Lei do Ventre Livre, a segunda edição do Curso de direito civil brasileiro de RIBAS

sofreu algumas modificações no que concerne à regulamentação do instituto da

escravidão.

Dentre elas, a mais relevante para o tema em questão é a afirmação de que o

escravo era dotado de um “começo de pessoalidade civil” em razão do reconhecimento

pela referida lei do direito dos cativos de adquirir bens para a formação de pecúlio

com o fim de conquistar sua alforria.93 Esta afirmação encontra-se em um parágrafo

inserido no texto da segunda edição. Contudo, não há qualquer desenvolvimento

sobre este “começo de pessoalidade civil”. Os demais parágrafos do capítulo

permaneceram inalterados em relação à primeira edição. Assim, neste trabalho, este

“começo de pessoalidade civil”, simplesmente enxertado na segunda edição, não será

considerado na definição de RIBAS sobre o estatuto jurídico dos escravos. Porém, não

deve ser desprezado seu significado político: ao final do século XIX e, principalmente

após a Lei do Ventre do Livre, a luta dos escravos em prol da concessão de direitos se

torna progressivamente mais intensa. Nesse sentido, era cada vez mais difícil para os

juristas negar-lhes a condição de sujeitos ativos na formação do ordenamento jurídico

brasileiro. O reconhecimento, ainda que de forma lacônica, de um “começo de

pessoalidade civil”, na segunda edição da obra, demonstra que RIBAS, assim como os

demais juristas brasileiros oitocentistas, estavam cedendo às reivindicações dos

cativos por direitos.94

Outra importante modificação enunciada pelo autor é a qualificação como

ingênuos de todos os filhos de mulheres escravas que nascessem após a data da

entrada em vigor da lei. Tal reconhecimento significou um grande ganho para a

população negra e parda, pois os ingênuos, ao contrário dos libertos, podiam exercer

direitos políticos.95

A Lei de 1871, em seu artigo 4º, §9º, também determinou a impossibilidade

de revogação da alforria por ingratidão.96 Anteriormente, havia intensa divergência

entre os juristas da época sobre a recondução do liberto ao estado de escravidão com

base no título 63, § 7º do Livro IV das Ordenações Filipinas. Na primeira edição da

93 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, p. 53.

94 Sobre a luta dos escravos por direitos, ver CHALHOUB, S. Visões da liberdade e GRINBERG,

K. Liberata, a lei da ambigüidade.

95 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, pp. 49-50.

96 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, p. 50.

Page 29: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

23

obra, Ribas, favorável à restrição do instituto da escravidão, foi contrário à

possibilidade de revogação da alforria por ingratidão.97

5. CONCLUSÕES

Com base na primeira e na segunda edições do Curso de direito civil

brasileiro, pode-se concluir que, para RIBAS:

Escravo era pessoa natural, que teve sua pessoalidade reduzida pelo direito positivo,

vez que não gozava de capacidade civil absoluta, mas tampouco estava sujeito ao

império absoluto do senhor como estavam as coisas.

Conforme exposto, em algumas partes da obra, RIBAS considera os escravos

como coisas. Porém, essas passagens excepcionais não podem servir de base para a

generalização do estatuto jurídico de coisa dos cativos. É muito mais presente, ao

longo da obra, as argumentações do autor favoráveis à pessoalidade do escravo. A

sua pessoalidade natural é inegável, vez que o direito natural não faz distinção entre

os homens. Contudo, essa pessoalidade natural foi restringida pelo direito positivo,

que retirou dos escravos o estado de liberdade e, consequentemente, a capacidade

civil. Ademais, a pessoalidade natural existente no escravo impedia o domínio

absoluto do senhor sobre o mesmo, que o reduziria à mera condição de coisa.

97 RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 28-29.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

24

AGOSTINHO MARQUES PERDIGÃO MALHEIRO98

1. A RELEVÂNCIA JURÍDICA E POLÍTICA DA OBRA DE MALHEIRO

MALHEIRO pode ser considerado o jurista oitocentista que tratou de maneira

mais sistemática e aprofundada o instituto da escravidão no Brasil.

Sua aproximação com as questões concernentes à escravidão começou já no

período em que freqüentava os bancos da Faculdade de Direito de São Paulo (1844-

1849), durante o qual teve contato com os arrazoados produzidos pelo pai,

conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que abordarvam problemas jurídicos

envolvendo os cativos.99

A escravidão foi tema que permeou toda a vida profissional de MALHEIRO.

Enquanto membro efetivo e, posteriormente, presidente (1861-1866) do Instituto dos

Advogados Brasileiros – IAB, MALHEIRO constantemente levantou discussões jurídicas

relacionadas à escravidão.100 Ilustrativo foi o discurso proferido em 1863, já como

presidente do IAB, que versou sobre a legitimidade da propriedade constituída sobre o

escravo, a natureza de tal propriedade, a justiça e a conveniência da abolição da

escravidão.101

Durante o período em que representou Minas Gerais na Assembléia Geral

(1869-1872), destacou-se pelo intenso debate que travou contra o projeto de reforma

do elemento servil apresentado pelo Gabinete Rio Branco, que foi aprovado em 28 de

setembro de 1871 e ficou conhecido como a Lei do Ventre Livre. 102

Ademais, é de se supor que MALHEIRO também tenha travado intenso debate

sobre questões jurídicas advindas do regime escravocrata nos outros diversos cargos

98 Este capítulo toma como base DIAS PAES, M. A. “Perdigão Malheiro e a escravidão no Brasil”.

99 PENA, E. S. Pajens da casa imperial, p. 255.

100 Sobre os debates travados no âmbito do IAB e que envolviam questões relacionadas ao

elemento servil, ver PENA, E. S. Pajens da casa imperial.

101 Este discurso encontra-se transcrito em MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 2, pp.

257-265.

102 Sobre a atuação de MALHEIRO nos debates parlamentares em torno da Lei de 1871, ver PENA,

E. S. Pajens da casa imperial, pp. 253-359.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

25

jurídicos e políticos que ocupou: Advogado do Conselho de Estado, Curador dos

africanos livres e Procurador dos Feitos da Fazenda Nacional.103

Enquanto abolicionista, MALHEIRO é considerado moderado e conservador: era

contra a abolição imediata e favorável ao pagamento de indenizações aos senhores de

escravos. Acreditava que a abolição deveria dar-se de forma lenta e gradual, por meio

da progressiva substituição do trabalho escravo pelo livre. Ademais, a emancipação

deveria ocorrer em algum momento propício e ser coordenada pelo Estado, pois só

assim seriam garantidas a ordem e a segurança da sociedade, preocupações centrais

do autor.

É possível afirmar, com tranqüilidade, que a obra de MALHEIRO exerceu

enorme influência no direcionamento das medidas adotadas pelo Estado em prol da

abolição da escravatura. Seu ensaio A escravidão no Brasil, elaborado nos anos de

1866 e 1867, é a única obra jurídica do período que busca abranger, de forma

sistemática e completa, o instituto da escravidão. Nela há análise de temas como o

direito que regia as relações dos escravos negros, apontamentos sobre a escravidão

indígena e um plano para se promover a libertação dos cativos. Ademais, o fato de o

autor ter ocupado cargos políticos importantes contribuiu para a propagação de suas

idéias e para a grande influência exercida no debate jurídico da época. Vale lembrar

que o projeto que culminou na Lei do Ventre Livre foi intensamente inspirado na obra

do jurista mineiro.104

Os discursos proferidos pelo autor ao longo de sua atuação jurídica e política e

seu ensaio A escravidão no Brasil também foram largamente utilizados pela

historiografia. Entretanto, muitas das análises feitas com base em sua obra, acabaram

por se mostrar descontextualizadas e deturpadas.105 Atualmente, alguns historiadores

vêem resgatando a obra de MALHEIRO e procuram dar aos argumentos jurídicos do

autor um tratamento mais crítico e consistente, a fim de produzirem novas

interpretações acerca da escravidão durante o século XIX.106

Nesse sentido, o presente trabalho não poderia prescindir de uma análise

profunda da obra de MALHEIRO. Para tanto, valer-me-ei da primeira parte da obra A

103 Para maiores informações biográficas, ver CARNEIRO, E. “Perdigão Malheiro”; GILENO, C. H.

Perdigão Malheiro e as crises do sistema escravocrata e do Império e PENA, E. S. Pajens da casa imperial.

104 Sobre o fato de MALHEIRO ter votado contrariamente ao projeto de 1871, apesar dos pontos

de contato entre o mesmo e sua obra, ver PENA, E. S. Pajens da casa imperial, pp. 253-359.

105 Pode-se citar como exemplos CARDOSO, F. H. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional

e IANNI, O. As metamorfoses do escravo.

106 Exemplos desses novos historiadores são CHALHOUB, S. Visões da liberdade e PENA, E. S.

Pajens da casa imperial.

Page 32: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

26

escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social, na qual se encontra o núcleo

central da argumentação jurídica do autor acerca da escravidão negra. A segunda e a

terceira partes da obra foram analisadas, porém, não consta aqui nenhuma referência

a elas, pois tratam de assuntos que extrapolam o objeto sob análise: a segunda traça

um histórico da escravidão indígena no Brasil e a terceira expõe o projeto do autor

para a emancipação gradual dos cativos. As demais obras107 tratam de diversos temas

jurídicos e, ainda que discorram sobre o instituto da escravidão, seguramente não o

farão do modo completo e abrangente como o assunto é tratado em A escravidão no

Brasil, obra fundamental do autor sobre a escravidão brasileira.

Por fim, valho-me também de trechos do discurso proferido por MALHEIRO em

1863, uma vez que o mesmo apresenta de maneira sucinta os argumentos jurídicos

que serão, futuramente, melhor elaborados pelo autor em A escravidão no Brasil.

Muito provavelmente, tais argumentos também estarão presentes em outros discursos

proferidos pelo autor no IAB ou durante sua atuação parlamentar. Contudo, a análise

dos mesmos aumentaria consideravelmente o âmbito de abrangência deste trabalho.

2. O ESCRAVO ANTE O DIREITO CIVIL

A fim de analisar o instituto da escravidão ante a legislação civil, MALHEIRO

partiu da premissa de que as normas que regiam as relações dos escravos entre si,

com seus senhores e perante terceiros eram uma exceção ao Direito Civil comum.

Segundo o autor, a escravidão era, juridicamente, um instituto fictício, pelo

qual um sujeito subordinado ao poder (jus postestatis) de um senhor é equiparado a

coisa por estar, também, sob o domínio (jus dominii) daquele mesmo senhor.

Por isso que o escravo é reputado coisa, sujeito ao domínio (dominium) de

seu senhor, é por ficção da lei subordinado às regras gerais da propriedade.

Enquanto homem ou pessoa (acepção lata), é sujeito ao poder do mesmo

(potestas) com suas respectivas conseqüências.108

Partindo desta definição de escravo e da premissa básica de que este instituto

tinha efeitos excepcionais na ordem civil, MALHEIRO procurou demonstrar que o direito

de propriedade sobre os cativos não era absoluto, mas relativo. Suas limitações

decorreriam do fato de que os escravos seriam entes humanos, equiparados a coisas

107 Índice cronológico dos fatos mais notáveis da história do Brasil desde seu descobrimento em

1500 até 1849 (1850), Manual do Procurador dos Feitos (1859-1870), Comentário à Lei sobre sucessão dos filhos naturais (1857), Reforma hipotecária (1865), Manual do Código Penal (1883) e Consultas sobre várias questões de Direito (1884).

108 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 69.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

27

somente em razão de uma ficção legal. Tais argumentos já são encontrados em seu

discurso proferido no IAB no ano de 1863:

É certo, senhores, que, constituído o homem em propriedade de outro,

sujeito ao domínio deste, foi, por uma ficção do legislador civil, equiparado às

coisas.109

Conforme MALHEIRO, no Direito Romano, a princípio, o exercício do poder de

propriedade do senhor sobre o escravo era absoluto. Contudo, ele teria sido

sucessivamente restringido devido ao reconhecimento de que o cativo não era

rigorosamente coisa, que havia nele uma pessoa.110 As pessoas teriam passado,

então, a ser classificadas em livres e escravas. Na análise dos efeitos civis dos atos

praticados por estas últimas, dever-se-ia ater à qualidade de homem, ser inteligente e

livre.111

Em Roma, principalmente, com o progresso da jurisprudência, no tempo da

república, com o aperfeiçoamento e melhoramento da legislação no tempo

dos imperadores, no escravo já se não via uma coisa propriamente dita, mas

um homem, um ente pela natureza igual aos homens livres, e até mesmo

uma pessoa. Foi modificado o jus potestatis, e o jus dominii, que sobre o

escravo tinha o senhor; e por uma lei de Antonio Pio era punido aquele que

sem justa causa matasse o seu escravo. A este foram conferidos certos

direitos de família; de propriedade; de queixa e defesa, ainda contra o

próprio senhor.112

O autor afirmou que, em várias situações, os direitos de propriedade

deveriam sofrer restrições, pois tais regras eram, muitas vezes, incompatíveis com os

direitos e deveres do escravo enquanto ente dotado de personalidade. A escravidão

era vista como um estado no qual se deveria sempre buscar a conciliação entre o

direito de propriedade e o direito de liberdade, decorrente da personalidade.113

109 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 2, p. 261.

110 Em algumas passagens de sua obra, MALHEIRO afirmou que há no escravo uma pessoa, ao

invés de considerá-lo como sendo ente dotado de pessoalidade. Supõe-se, portanto, que o autor concebia a pessoa como composta de um suporte (hipóstase) ao qual era infundida sua natureza humana. Sobre as origens históricas do conceito de pessoa, ver STANCIOLI, B. Renúncia ao exercício de direitos da personalidade ou como alguém se torna o que quiser.

111 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 58-59.

112 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 2, pp. 261-262.

113 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 59.

Page 34: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

28

É essencial e da maior importância ir firmando estas idéias; porquanto

teremos ocasião de ver que, em inúmeros casos se fazem exceções às regas

e leis gerais da propriedade por inconciliáveis com os direitos ou deveres do

homem-escravo, com os princípios de humanidade, e naturais. E assim

veremos que é, de um lado, errônea a opinião daqueles que, espíritos fortes,

ainda que poucos, pretendem entre nós aplicar cegamente e sem critério ao

escravo todas as disposições gerais sobre a propriedade, bem como, de outro

lado, não o é menos a daqueles que, levados pela extrema bondade do seu

coração, deixam de aplicar as que devem sê-lo; apesar de que, em tal

matéria, é menos censurável o procedimento dos últimos. Em todas as

questões, sobretudo e com especialidade nas que se referem ao estado de

livre ou escravo, deve-se temperar com a maior equidade possível o rigor das

leis gerais, sem todavia ofender um direito certo, líquido, e incontestável de

propriedade, resguardando-o tanto quanto seja compatível com a garantia e

favor à liberdade. Nesta conciliação está toda a dificuldade.114

O senhor tinha, de acordo com MALHEIRO, o direito de retirar do trabalho

escravo todo o proveito possível, devendo, em compensação, realizar certas

obrigações: alimentá-lo, vesti-lo e curá-lo, não se esquecendo jamais de que nele

existe um ente humano. Pela mesma razão, tampouco poderia exigir que ele

praticasse atos criminosos, ilícitos ou imorais. Assim, do direito de propriedade,

conciliado com a personalidade, decorreriam limitações e deveres ao senhor.115

Assim, o escravo, enquanto homem, não poderia ser considerado objeto de

comércio. A expressão semoventes, empregada no artigo 191 do Código Comercial116,

não deveria, portanto, se entendida como permissiva de tal entendimento. A despeito

do ordenamento jurídico ainda autorizar, à época, a escravidão, o escravo não teria

114 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 59.

115 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 69-70.

116 Artigo 191 da Lei nº 556 de 25 de junho de 1850:

“O contrato de compra e venda mercantil é perfeito e acabado logo que o comprador e o vendedor se acordam na coisa, no preço e nas condições; e desde esse momento nenhuma das partes pode arrepender-se sem consentimento da outra, ainda que a coisa se não ache entregue nem o preço pago. Fica entendido que nas vendas convencionais não se reputa o contrato perfeito senão depois de verificada a condição (artigo nº 127).

É unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeito móveis e semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso; compreendndo-se na classe dos primeiros a moeda metálica e o papel moeda, títulos de fundos públicos, ações de comanhias e papéis de créditos comerciais, contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor seja comerciante.”

Page 35: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

29

chegado a ser degradado a tal ponto a se equiparar aos animais irracionais, estes sim

objetos de comércio.

Embora o escravo fosse objeto venal, sujeito a preço ou valor, todavia os

Jurisconsultos, por dignidade humana, decidiram que – o homem não era

objeto, de comércio; nem denominavam comerciantes (mercatores) os que

faziam profissão de comprar e vender escravos, e sim mangones ou

venalitiarii, os quais eram mal vistos na sociedade.

Entre nós, podemos igualmente dizer que o escravo, como homem, não é

objeto de comércio; e assim se deve entender o nosso Código Comercial no

art. 191.117

Na argumentação do autor, a limitação máxima ao direito de propriedade

advém do direito de liberdade. Partindo do pressuposto de que os cativos também são

pessoas, a interpretação das regras de direito deveria sempre levar em consideração a

liberdade. Em favor da mesma, muitas situações poderiam, inclusive, ser solucionadas

contra o rigor do direito.118

Ao tratar do usufruto de escravos, MALHEIRO utilizou a idéia de dignidade

humana, corolário da personalidade, para demonstrar a relatividade do exercício do

direito de propriedade.

… ora, as escravas não são destinadas para dar filhos, e só para trabalhar. É

uma razão de dignidade humana, pela qual repugna igualar a mulher,

embora escrava, a uma jumenta ou outro animal semelhante.119

3. A REAQUISIÇÃO DA LIBERDADE

Ao tratar da questão da manumissão, o autor afirmou que, pela Lei Divina,

todos os homens nascem livres.

Não assim, quando se trata de liberta-lo; aqui essa propriedade fictícia,

odiosa mesmo, desaparece; a lei humana que a consagra por um abuso

inqualificável cede o lugar à lei Divina, à lei do Criador, pela qual todos

117 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 74.

118 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 67-69.

119 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 80.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

30

nascem livres; já não é rigorosamente uma questão de propriedade, e sim de

personalidade.120

Assim, o escravo não adquiriria a liberdade por meio da alforria, pois, pela

sua natureza humana, sempre a teria conservado. Ele teria sido vítima do arbítrio da

lei positiva e teria tido, por esse meio, sua liberdade suspensa, conservando-a, porém,

em estado de latência. A manumissão foi vista, portanto, como a reintegração do

cativo ao gozo de sua liberdade e capacidade civil.121

E, pois, direi, com Wallon, que a propriedade do escravo é apenas um direito

ou posse dos seus serviços, do seu trabalho. O homem nele é reconhecido

existir sempre, ainda pelos direitos dos povos contemporâneos que neste

século mantêm a escravidão. A liberdade natural o escravo a conserva. O

exercício civil, a capacidade civil somente lhe é tolhida; mas pela

manumissão é-lhe restituída, como o era já entre os povos da

antiguidade.122

Por meio da alforria, o senhor renunciaria a seu direito de propriedade sobre o

escravo. A concessão da liberdade significaria a perda do domínio e do poder outrora

exercidos e, consequentemente, a restituição do alforriado ao seu estado natural de

livre.123

No caso das alforrias concedidas sob condição, MALHEIRO considerava que o

statuliber124 readquire a liberdade no momento da concessão. É o exercício pleno de

tal direito, e não o direito em si, que ficaria adiado ou suspenso até o implemento da

condição.125

O jurisconsulto considerava, ainda, que a renúncia ao direito de propriedade,

que se dava por meio da concessão da manumissão, era irrevogável. Isto porque, com

a revogação da alforria, um cidadão ver-se-ia privado de toda a sua personalidade e

dos direitos inerentes a ela, algo que afetaria profundamente a sociedade civil e o

Estado.

120 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 101.

121 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 117-121.

122 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 2, p. 262.

123 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 117-121.

124 Statuliber era o escravo que tinha sua alforria concedida mediante o cumprimento de uma

condição. Sobre a sua posição no ordenamento jurídico, ver MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 114-121.

125 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 117-121.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

31

Pela manumissão, o escravo fica restituído à sua natural condição e estado

de homem, de pessoa, entra para a comunhão social, para a cidade, como

diziam os Romanos sem nota mesmo da antiga escravidão.

É então que ele aparece na sociedade e ante as leis como pessoa (persona)

propriamente dita, podendo exercer livremente, nos termos das leis, como os

outros cidadãos, os seus direitos, a sua atividade, criar-se uma família,

adquirir plenamente para si, suceder mesmo ab intestato, contratar, dispor

por atos entre vivos ou de última vontade, praticar enfim todos os atos da

vida civil, à semelhança do menor que se emancipa plenamente.126

Neste trecho, pode-se perceber que a personalidade é colocada em função da

liberdade. É a liberdade que faz do escravo pessoa.

4. CONCLUSÕES

A partir da análise da primeira parte de A escravidão no Brasil e do discurso

proferido no IAB, em 1863, é possível concluir que a definição jurídica que MALHEIRO

dá para o escravo é a seguinte:

Escravo é pessoa equiparada a coisa em razão de uma ficção legal.

Esta conceituação é composta por três elementos centrais: ficção, coisa e

pessoa.

A ficção é o elemento que permite ao autor tratar da posição que os escravos

ocupam no ordenamento jurídico sem, no entanto, reduzi-los à simples categoria de

coisa. A pergunta “eram os escravos coisas ou pessoas?” encontra, portanto, na ficção

jurídica sua resposta imediata.

Os escravos, tampouco, eram considerados coisas, estas últimas sujeitas ao

domínio (jus dominii) de um senhor e sobre as quais incidia um direito de propriedade

absoluto.

A despeito da equiparação dos escravos às coisas por uma ficção legal, eles

são considerados pessoas.

Ocorre que os elementos constitutivos do conceito de pessoa não estão

explícitos na obra de MALHEIRO. Infere-se, entretanto, que pessoa é tida, ao longo do

ensaio, como ente dotado de personalidade.

A recomposição da definição de personalidade pode ser feita por meio de um

cotejamento de vários argumentos utilizados pelo autor. O Direito Romano assume

importância central em sua argumentação, uma vez que é utilizado como fonte

subsidiária ao Direito positivo pátrio. O autor não apresenta uma definição explícita de

126 MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 141.

Page 38: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

32

personalidade baseada no Direito Brasileiro e, embora, busque no Direito Romano

elementos que possam reconstituir esse conceito, é o Direito Natural que assume

caráter decisivo para a sua visão de pessoa.

A personalidade é colocada em função da liberdade humana. Enquanto

equiparados por ficção às coisas, os cativos têm a sua liberdade suspensa. O escravo

não a perde em nenhum momento e é ela que o faz pessoa. O autor admite,

finalmente, que tal direito é adquirido pela Lei Natural, tendo em vista que todos

nascem livres e iguais.

Page 39: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

33

CANDIDO MENDES DE ALMEIDA

1. A IMPORTÂNCIA DA OBRA DO AUTOR NA DIFUSÃO DO DIREITO CIVIL

Samuel Rodrigues BARBOSA,127 em artigo intitulado “Complexidade e meios

textuais de difusão e seleção do Direito Civil Brasileiro pré-codificação”, afirma que o

Direito Civil Brasileiro anterior ao Código de 1916 pode ser considerado complexo por

diversas razões. Dentre elas, o autor destaca: os inúmeros atos legislativos existentes

não formavam um sistema; o Direito Civil era mediado por praxistas; havia a

possibilidade de remissão ao direito codificado e legislado de outros países.128

Neste contexto, os livros escritos por juristas constituíam importante meio de

difusão do Direito Civil. Dentre as diversas obras que circularam no meio jurídico

brasileiro, o autor destaca as de Candido Mendes de ALMEIDA e as de Augusto Teixeira

de FREITAS. Os comentários de ALMEIDA não devem ser apenas tomados como mais

uma edição das Ordenações: ante a complexidade do Direito Civil oitocentista, eram,

ao lado do Auxiliar jurídico, importantes respostas à atuação dos juristas no foro. As

abundantes notas de rodapé do autor, além de remeterem a diversos atos legislativos,

também expunham o posicionamento de diversos doutrinadores, discorriam sobre a

história de determinados institutos jurídicos, davam notícia de jurisprudência sobre os

mais diversos temas e indicavam como cada dispositivo seria melhor interpretado.129

Bem se vê como a edição das Ordenações de Cândido Mendes retrata a

complexidade do direito civil nos Oitocentos (fontes legisladas portuguesas,

brasileiras e de outras “Nações polidas”; estilos e arestos que remontam ao

Antigo Regime; a mole da literatura do jus commune, da civilística do século

XIX). Ao mesmo tempo, e o mais importante para o argumento, constitui

uma verdadeira biblioteca que simplifica e organiza essa complexidade, uma

127 BARBOSA, S. R. “Complexidade e meios textuais de difusão e seleção do Direito Civil

Brasileiro pré-codificação”, p. 365.

128 Sobre a história da codificação, ver ROBERTO, G. B. S. Introdução à história do direito

privado e da codificação. Sobre as dificuldades que os jurisconsultos brasileiros encontraram na elaboração de um Código Civil, ver GRINBERG, K. Código Civil e cidadania.

129 BARBOSA, S. R. “Complexidade e meios textuais de difusão e seleção do Direito Civil

Brasileiro pré-codificação”, pp. 365-369.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

34

caixa de ferramentas para o prático, servindo como substituto da biblioteca

de babel do direito comum europeu, cara e de difícil acesso.130

Ora, uma vez que os comentários de ALMEIDA ao Código Filipino podem ser

considerados importante meio de difusão do Direito Civil Brasileiro oitocentista, o

posicionamento acerca do estatuto jurídico dos escravos, aí esboçado, teria alcançado

um considerável número de juristas da época. Ademais, o autor ocupou diversos

cargos políticos, inclusive o de senador, o que teria contribuído fortemente para a

relevância que suas concepções acerca do elemento servil no foro.

Assim, para identificar a construção do estatuto jurídico dos escravos na obra

de ALMEIDA, valho-me da décima quarta edição do Código Filipino ou ordenações e leis

do Reino de Portugal: recompiladas por mandado d’El Rei D. Filipe I, segundo a

primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra de 1821 – adicionada com diversas notas

filológicas, históricas e exegéticas, em que se indicam as diferenças entre aquelas

edições e a vicentina de 1747, a origem, desenvolvimento e extinção de cada

instituição, sobretudo as disposições hoje em desuso e revogadas; acompanhando

cada parágrafo sua fonte, conforme os trabalhos de Monsenhor Joaquim José Ferreira

Gordo e dos Desembargadores Gabriel Pereira de Castro e João Pedro Ribeiro; e em

aditamento a cada livro a respectiva legislação brasileira concernente às matérias

codificdas em cada um, sendo de quotidiana consulta, além da bibliografia dos

jurisconsultos que têm escrito sobre as mesmas ordenações desde 1603 até o

presente. Analisei apenas o livro quarto, no qual se encontram as disposições de

Direito Civil.

Neste capítulo, analisarei também o discurso proferido por ALMEIDA na 90ª

Sessão do Senado, em 26 de setembro de 1871, sob a presidência do Senhor

Visconde de Abaeté, que versava sobre o estado servil.

Também consultei o Auxiliar jurídico: apêndice às Ordenações Filipinas.

Contudo, nesta obra, o autor não discorre sobre o estatuto jurídico dos escravos.

2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Os comentários de ALMEIDA ao Código Filipino, ao contrário das outras obras

analisadas neste trabalho, não expõem de maneira sistemática o estatuto jurídico dos

escravos no ordenamento brasileiro. As menções ao instituto da escravidão são

esparsas ao longo do texto e, em grande parte das vezes, o autor apenas apresenta o

posicionamento de doutrinadores como Augusto Teixeira de FREITAS e Antônio Pereira

130 BARBOSA, S. R. “Complexidade e meios textuais de difusão e seleção do Direito Civil

Brasileiro pré-codificação”, p. 369.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

35

REBOUÇAS, escusando-se de evidenciar suas próprias concepções acerca do tema.

Contudo, por meio da análise do conjunto dos comentários do autor ao livro quarto do

Código Filipino, procurarei identificar como o jurista classificava os escravos: coisas,

pessoas ou ambos.

Antes de adentrar na análise da obra, é importante evidenciar que as

concepções jurídicas de ALMEIDA foram fortemente influenciadas pela religião católica.

Membro do Partido Conservador, em diversos momentos defendeu arduamente, no

Parlamento, os dogmas da Igreja Católica. O historiador José Honório RODRIGUES

destaca a sua atuação na Questão Religiosa, na qual se sobressaiu como advogado

dos bispos de Olinda e Pará contra a influência da Maçonaria no governo imperial.131

Ora, senhores, ninguém estava mais ligado à Igreja do que Cândido Mendes,

não porque daí lhe pudessem vir arranjos, proveitos e vantagens, mas

porque nenhum brasileiro até então e mesmo até hoje reuniu tão

perfeitamente e em tão alta escala estas duas qualidades – a de um grande

doutor sem capelo e a de um profundo teólogo sem batina.132

As obras jurídicas não devem ser consideradas como textos transcendentes,

apartados da realidade social e das convicções íntimas de seus autores. Assim, é

necessário considerar a influência dos dogmas religiosos na concepção de ALMEIDA

acerca do estatuto jurídico dos escravos. Ao longo deste capítulo, demonstrarei como

a religião teve forte presença nas considerações do autor sobre o instituto da

escravidão.

3. OS SERVIÇOS DO ESCRAVO

No título LXXXI, do livro quarto do Código Filipino133, ALMEIDA é contundente

ao afirmar:

não são os escravos entre nós olhados como coisas, como era entre os

Romanos.134

Ora, uma vez que não eram coisas e tampouco foram classificados, ao longo

da obra, em outra categoria, pode-se inferir que, para ALMEIDA, os escravos eram

pessoas, ainda que não gozassem dos mesmos direitos que as pessoas livres.

131 RODRIGUES, J. H. “Introdução”, pp. 17-54.

132 SÁ VIANA, M. A. S. “Elogio histórico de Cândido Mendes de Almeida”, p. 524.

133 Neste capítulo, todas as referências ao Código Filipino remetem ao livro quarto.

134 ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 909.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

36

Nos comentários ao título IV, ALMEIDA aponta que, para FREITAS, os escravos

poderiam ser vendidos com cláusula de não serem libertados. Porém, o jurisconsulto

não concorda com este posicionamento por considerar a referida cláusula imoral, vez

que contrária às instituições religiosas e políticas da sociedade brasileira, bem como

ao § 10 da Lei de 18 de agosto de 1769 (Lei da Boa Razão).135 Isto porque o senhor

135 Dispõe o § 10 da Lei de 18 de agosto de 1769:

Porquanto ao mesmo tempo me foi também presente, que da sobredita generalidade supersticiosa das referidas Leis chamadas Imperiais se costumam extrair outras regras para se interpretarem as minhas Leis nos casos ocorrentes: entendendo-se que estas Leis Pátrias se devem restringir quando são correctorias do direito Romano: e que onde são com ele conformes se devem alargar, para receberem todas as ampliações, e todas as limitações, com que se acham ampliadas, e limitadas as regras contidas nos textos, dos quais as mesmas Leis Pátrias, se supõe, que foram deduzidas, seguindo-se desta inadmissível jurisprudência. Primeiramente não poderem os meus Vassalos ser governados, e os seus direitos, e domínios seguros, como o devem estar, pelas disposições das minhas Leis, vivas, claras, e conforme ao espírito nacional, e ao estado presente das coisas destes Reinos. Em segundo lugar ficarem os direitos, e domínios dos mesmos Vassalos vacilando entregues às contingentes disposições, e às intrincadas confusões das Leis mortas, e quase incompreensíveis daquela República acabada, e daquele Império extinto depois de tantos séculos: e isto sem que se tenham feito sobre esta importante matéria as reflexões, que eram necessárias, para se compreender por uma parte, que muitas das Leis destes Reinos, que são correctorias do Direito Civil foram assim estabelecidas, porque os sábios Legisladores delas se quiseram muito advertida e providentemente apartar do Direito Romano com razões fundamentais muitas vezes não só diversas, mas contrárias às que haviam constituído o espírito dos textos do Direito Civil, de que se apartaram; em cujos termos quanto mais se chegarem as interpretações restritivas ao Direito Romano, tanto mais fugirão do verdadeiro espírito das Leis Pátrias. E sem se advertir pela outra parte, que muitas outras das referidas Leis Pátrias, que parecem conformes ao Direito Romano; ou foram fundadas em razões nacionais, e específicas, a que de nenhuma sorte se podem aplicar as ampliações, e limitações das segundas das sobreditas Leis; ou adotaram delas somente o que em si continham de Elbica, de Direito Natural, e de boa razão: mas de nenhuma sorte as especulações, com que os Consultos Romanos ampliaram no Direito Civil aqueles simples, e primitivos princípios, que são inalteráveis por sua natureza. Em consideração do que tudo mando outrossim, que as referidas restrições, e ampliações extraídas dos textos do Direito Civil, que até agora perturbaram as disposições das minhas Leis, e o sossego público dos meus Vassalos, fiquem inteiramente abolidas, para mais não serem alegadas pelos Advogados, debaixo das mesmas penas acima ordenadas, ou seguidas pelos Julgadores, debaixo da pena de suspensão de seus Ofícios até minha mercê, e das mais, que reservo o meu Real arbítrio. (ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro III, pp. 725-736.)

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

37

não era dono do corpo do escravo, mas apenas dos seus serviços. O objeto de compra

e venda não era o homem, mas o seu trabalho.136 Assim, o escravo seria pessoa e não

coisa, esta sim objeto de compra e venda.

Esta propriedade é tão respeitável como a das coisas, porque o escravo

moderno, nos países cristãos, não têm o característico dos romanos; aqui só

se vendem serviços, ali também se comprava o corpo, estava sujeito ao uso

e ao abuso, o que faz uma grande diferença, pois propriamente não é o

homem que se vende, mas as suas obras, o seu trabalho.137

Em diversos momentos do livro quarto do Código Filipino, os escravos são

equiparados a coisas, bestas, bens semoventes, dentre outros. Nestas disposições, há

poucos comentários de ALMEIDA. Contudo, deve-se sempre ter em mente que o autor

entendia essas equiparações com base na idéia de que o que estava sendo equiparado

às coisas eram os serviços do escravo, não o seu corpo. A interpretação correta dos

dispositivos é aquela que entende que os serviços do escravo, e não o escravo em si,

eram objetos de compra e venda138, padeciam de vícios redibitórios139, eram objetos

de depósito140, podiam ser dados em penhor141.

Ao comentar o título LXXXI, que dispõe sobre as pessoas que não podem

testar, ALMEIDA afirmou que, para fazer testamento, é necessário ter capacidade

natural e capacidade civil.142 Infelizmente, o autor não desenvolveu de maneira mais

aprofundada essa distinção. Porém, podemos arriscar algumas constatações. Um

pouco mais adiante no comentário a este título, o autor afirma que o escravo não está

elencado dentre as pessoas que podem testar. Contudo, com a autorização do seu

senhor, podia o escravo fazer testamento, vez que não era coisa. Ora, sendo o

escravo pessoa, a ele é inerente a capacidade natural. Entretanto, não pode fazer

testamento porque não é dotado de capacidade civil, que somente pode ser suprida

com a autorização do senhor. É possível concluir, assim, que, para o autor, o escravo

é pessoa não dotada de capacidade civil.

136 ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 781.

137 ALMEIDA, C. M. “O estado servil”, p. 292.

138 ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, pp. 779.

139 ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, pp. 798-

800.

140 ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 842.

141 ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 850.

142 ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 908.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

38

Outra linha de argumentação conduz à constatação de que ALMEIDA

considerava os escravos pessoas e não coisas. Com base em FREITAS, afirmou que não

há, no direito brasileiro, a servidão da pena. Ora, o servo da pena era entendido pelo

autor como aquele condenado que ficava privado de praticar atos da vida civil e perdia

todos os direitos constitutivos da pessoa. A destruição da personalidade do

condenado, reduzido à escravidão, fazia com que este passasse a ser considerado

coisa. Esse instituto estava presente no Direito Português, fortemente influenciado

pelo Direito Romano. A servidão da pena, espécie de redução à escravidão, não era

admitida no Brasil por ser deveras infamante ao réu, considerado coisa após a

condenação.143 Assim, constata-se que o autor repudia a idéia da classificação de

seres humanos na categoria de coisas.

4. A RELIGIÃO E A LIBERDADE COMO ATO DE GRAÇA

Fortemente influenciado pelos dogmas católicos, o autor afirma, em diversos

momentos, que as causas de liberdade devem ser consideradas “causas pias”,

expressão que remete à idéia de caridade para com os escravos.144 Assim, os

escravos gozariam de liberdade em razão de uma atitude de graça de seus senhores.

O historiador Sidney CHALHOUB, em sua obra Visões da liberdade, constata

que, ao final do século XIX, havia entre os proprietários de escravos a percepção da

falência de sua política de domínio. Os senhores procuravam ocultar o fato de que a

concessão de alforrias não era mais uma prerrogativa exclusivamente sua. Com a

intensificação dos debates acerca da questão servil, tornou-se imperioso rediscutir a

política de domínio e controle social sobre os cativos. Entre os membros da classe

proprietária, a alforria adquiriu, assim, um caráter solene, capaz de conservar o

simbolismo de uma política de dominação que agonizava.145

Nesta linha, a concepção de ALMEIDA, da alforria como um ato de caridade,

possuía uma dimensão histórica: poderia ser considerada como uma maneira de

reafirmar os laços de dependência entre senhores e escravos. É possível afirmar que,

neste trecho dos comentários, está expresso um dos aspectos da mentalidade

senhorial: nas relações paternalistas, caracterizadas por dependência e subordinação,

vigentes entre senhores e escravos, cabia àqueles proteger seus cativos.

143 ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, pp. 910-

911.

144 ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, pp. 790,

859, 870.

145 CHALHOUB, S. Visões da liberdade, pp. 131-143.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

39

A abolição da escravidão no Império também é vista pelo autor como uma

causa de humanidade, uma medida de caridade. No discurso proferido perante o

Senado em 26 de setembro de 1871, na sessão em que se discutia o projeto de lei

que seria promulgado como a Lei do Ventre Livre, ALMEIDA afirmou:

A proposta, Sr. Presidente, é uma medida de caridade, é uma lei de amor e

de confraternização […].146

5. CONCLUSÕES

Por meio da análise dos comentários de ALMEIDA ao livro quarto do Código

Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal e do seu pronunciamento no Senado

do Império, em 26 de setembro de 1871, pode-se que concluir que, para o jurista:

Escravo é pessoa, vez que o senhor não é dono do seu corpo, mas apenas de seus

serviços.

Ainda que de maneira pouco sistemática, o autor deixa evidente, ao longo da

obra que os escravos não podem ser considerados coisas. Esta concepção contrapõe-

se ao Direito Romano, que não considerava os cativos como seres dotados de

pessoalidade. Ora, esta postura demonstra que ALMEIDA compartilhava dos preceitos

enunciados no § 10 da Lei da Boa Razão, que procurava dar primazia ao direito

nacional, relegando a lei romana a uma posição subsidiária. Os comentários do autor

ao Código Filipino demonstram que ele procurava dar um caráter nacional ao direito

português, que aqui deveria vigorar até o advento de um Código Civil brasileiro. Esta

tentativa de adequar institutos estrangeiros à realidade nacional fica patente nos

dispositivos concernentes à escravidão. Enquanto no texto da lei os escravos eram

tratados como meras coisas, nos seus comentários, o autor procurava demonstrar que

aos cativos não deveria ser negado o estatuto de pessoas. A legislação portuguesa foi,

a todo momento, adaptada à realidade brasileira, na qual os cativos gozavam de uma

autonomia tal que lhes permitia atuar na ordem jurídica.

Ademais, a formação cristã do autor também exerceu forte influência na

definição do estatuto jurídico dos escravos. Enquanto filhos de Deus,147 os cativos não

podiam ter sua condição de pessoa totalmente ignorada pela ordem jurídica. Reduzi-

los a condição de coisa contrariaria os preceitos humanitários da fé católica, nos quais

o autor depositava sua confiança.

146 ALMEIDA, C. M. “O estado servil”, p. 282.

147 ALMEIDA, C. M. “O estado servil”, p. 286.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

40

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de adentrar às considerações finais propriamente ditas, é necessário

elucidar os pressupostos metodológicos que nortearam esta pesquisa desde a escolha

do tema até a redação final do trabalho. Para tanto, retomo a epígrafe:

Por obrigação de ofício, historiadores sociais são profanadores.

Procurei guiar-me, em todo o trabalho, pelas orientações da história social.

Assim como CHALHOUB, adotei esta postura metodológica por teimosia e por opção

política.148 Coloquei-me a tarefa de profanar a obra dos civilistas oitocentistas em

busca da constatação de que os escravos não eram meros sujeitos passivos da ordem

jurídica brasileira. A idéia era desbravar suas obras sem muitas cerimônias; sem a

admiração quase religiosa que os operadores do direito costumam ter pelos grandes

homens. Mais uma vez citando CHALHOUB: a idéia era analisar a civilística brasileira

“despudoradamente”.149

Para tanto, adotei um pressuposto materialista de análise: as obras jurídicas

são um problema histórico. A literatura jurídica não é transcendente. Tampouco é

autônoma em relação ao contexto social no qual está inserido seu autor. Deve ser

entendida como testemunho histórico, permeada pelas relações sociais de seu tempo.

Ao analisá-las, é preciso inseri-las no processo histórico.150 É necessário buscar a

lógica social do texto.151

Autores e obras literárias são acontecimentos datados, historicamente

condicionados, valem pelo que expressam aos contemporâneos.152

Assim como suas obras, os juristas também devem ser situados no

movimento histórico. Como afirma António Manuel HESPANHA, os juristas são

permanentemente expostos à crítica social e, portanto, adotam como estratégia de

defesa a “desdramatização” da natureza política de suas decisões. Com o fim de

148 CHALHOUB, S. Cidade febril, p. 9.

149 CHALHOUB, S e PEREIRA, L. A. M. “Apresentação”, p. 7.

150 Para THOMPSON, o estudo dos fenômenos históricos deve ser pautado pela análise das ações

humanas dentro de contextos históricos específicos. Ver THOMPSON, E. P. A formação da classe

operária inglesa e Costumes em comum.

151 CHALHOUB, S; PEREIRA, L. A. M. “Apresentação”, pp. 7-9.

152 CHALHOUB, S; PEREIRA, L. A. M. “Apresentação”, p. 9.

Page 47: O estatuto jurídico dos escravos na civilística brasileira

O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

41

despolitizar suas intervenções, apresentam suas argumentações como se fossem

baseadas exclusivamente na técnica e na ciência, como se fossem distanciadas dos

conflitos sociais. É construída uma imagem dos juristas como acadêmicos neutros,

com preocupações meramente teóricas e abstratas.153 Ora, cabe, portanto, ao

historiador elucidar as questões políticas subjacentes à atuação dos juristas e

demonstrar que o direito, enquanto fenômeno histórico, não está apartado das

relações sociais.

Partindo, portanto, deste pressuposto materialista de análise, que considera

os juristas e suas obras como problemas históricos, situados no tempo e no espaço,

passarei às considerações finais, aqui apenas esboçadas, porquanto preliminares.

Conforme já elucidado na introdução deste trabalho, a historiografia recente

vem demonstrando que os escravos não eram meros agentes passivos no processo

histórico. Ao contrário: eram sujeitos que, por meio de suas experiências e de sua

herança cultural, atribuíam significados próprios ao contexto que os circundava e às

suas práticas sociais. Essa multiplicidade da experiência social também se refletia no

âmbito do direito: diferentes grupos sociais atribuíam significados diversos ao

ordenamento jurídico. Assim, o direito também era um campo de disputas entre os

“de baixo” e os “de cima”.

Desde a revisão historiográfica ocorrida após 1980, têm surgido relevantes

pesquisas que procuram demonstrar como os escravos valiam-se do ordenamento

jurídico brasileiro oitocentista para escapar às agruras da escravidão.154 Dentre elas,

mais uma vez destacaremos Visões da liberdade, de CHALHOUB, na qual o historiador

demonstra que a abolição da escravatura foi resultado da atuação dos cativos em

busca da liberdade por meio de vias já institucionalizadas, dentre as quais se destaca

fortemente o Judiciário.

Na obra Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII, Eduardo França

PAIVA demonstra que as alforrias, largamente concedidas em testamentos, eram

percebidas de maneira diferente por senhores e escravos. Enquanto para estes eram

um modo de resistência, um meio para amenizar o processo de desumanização

imposto pelo sistema escravista; para aqueles, eram uma forma de coerção, uma

153 HESPANHA, A. M. Cultura jurídica européia, pp. 32-33.

154 Sobre direito e escravidão ver AZEVEDO, E. “O direito dos escravos”, Orfeu de carapinha e

“Para além dos tribunais”; CHALHOUB, S. Visões da liberdade; GRINBERG, K. Liberata, a lei da ambigüidade, O fiador dos brasileiros e “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX”; MAMIGONIAN, B. G. “O direito de ser africano livre”; MATTOS, H. M. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico; MENDONÇA, J. M. N. Entre a mão e os anéis; PENA, E. S. Pajens da casa imperial e “Burlas à lei e revolta escrava no tráfico interno do Brasil meridional, século XIX”; SILVA, C. M. Processos-crime.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

42

tentativa de manter vivo o instituto da escravidão. Freqüentemente, os cativos não

buscavam romper com o sistema escravista, mas se valiam de estratégias de

resistência pragmática para alcançar a liberdade. Neste contexto, a resistência pela

adaptação ao próprio sistema permeava institutos jurídicos como as alforrias e

coartações155, concedidas pelos senhores em vida ou por meio de testamentos.

Também Keila GRINBERG, em Liberata, a lei da ambigüidade, demonstra como

os escravos se valeram de ações de liberdade para se livrar das agruras do cativeiro.

No âmbito do Judiciário, os cativos procuravam a resolução de seus conflitos

individuais. Contudo, sua atuação acabou tendo fortes reflexos políticos na luta pela

abolição. Ora, neste contexto, no qual os cativos valiam-se frequentemente do

ordenamento jurídico oitocentista na luta pela libertação, os juristas não poderiam ter

passado incólumes. A realidade social da época, necessariamente, exerceu intensa

influência em suas obras.

Outro ponto importante, que deve ser levado em conta nesta análise, é que,

cada vez mais, as pesquisas históricas têm demonstrado que, no meio urbano, os

escravos gozavam de uma grande dose de autonomia.156

A massa escrava participava ativamente das trocas mercantis das cidades

mineiras, prestando serviços de toda sorte e consumindo parcela do que era

oferecido. A mobilidade característica do sistema em zonas urbanas permitia

a construção de uma eclética rede de relações pessoais e comerciais da qual

os escravos participaram com certa astúcia, extraindo dela, por exemplo, o

pecúlio necessário para a autocompra. Quanto mais dinâmica fosse a

economia maiores seriam as oportunidades de, sobretudo de maneira

informal, nela buscar o valor das alforrias.157

Longe dos olhares atentos do feitor, era mais fácil ao escravo ter margem de

manobra para agir em prol de sua liberdade e autonomia. Tal situação não teria

escapado às vistas dos juristas oitocentistas, que estavam largamente concentrados

nos núcleos urbanos, principalmente em razão das funções que exerciam na

administração pública.

A atuação dos escravos no meio social, principalmente nos núcleos urbanos,

negava peremptoriamente sua condição de coisa. Eram pessoas, que agiam dentro de

155 A coartação era um direito costumeiro que possibilitava ao escravo, durante um período de

tempo acordado entre ele e seu senhor, formar um pecúlio para saldar sua dívida e conquistar a

liberdade. Sobre o tema, ver PAIVA, E. F Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII.

156 Ver ALGRANTI, L. M. O feitor ausente; KARASCH, M. C. A vida dos escravos no Rio de

Janeiro.

157 PAIVA, E. F. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII, p. 79.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

43

uma considerável margem de autonomia. Ante tal situação, não havia como os

juristas negarem a pessoalidade do escravo e simplesmente reduzi-los à categoria

teórica de coisa. A civilística do século XIX não poderia negar aos cativos o estatuto

jurídico de pessoas, vez que eles eram sujeitos dotados de experiências e tradições

históricas particulares.

A tentativa de interpretar a lei e adequa-la à realidade social está presente

em todas as obras analisadas. Ao longo de sua leitura, pude constatar que a

legislação, principalmente a portuguesa, tendia a considerar os cativos como coisas,

como meros bens semoventes. Contudo, ao interpretar as leis civis, os juristas

acabavam tendo que promover sua melhor adequação à realidade social e acabavam

por amenizar esta condição dos cativos. Negavam-lhes decididamente a condição de

bens. A legislação era reinterpretada para melhor adequação a uma realidade fática na

qual aos escravos não era negada a pessoalidade.

Ademais, aos juristas era possível reconhecer nos cativos a condição de

pessoa, mesmo que isto fosse contrário aos interesses senhoriais. De acordo com José

Murilo de CARVALHO, o Estado Imperial foi marcado por uma dialética da ambigüidade:

era mantido pelas rendas geradas pelos proprietários de terras e de escravos, mas

funcionava por meio de uma burocracia que não era necessariamente composta por

pessoas ligadas aos interesses agrários; o que teria permitido certa liberdade de ação

à elite política.158 Assim, os juristas poderiam defender certas idéias que iriam de

encontro aos desígnios dos proprietários de escravos, dentre elas a afirmação de que

os cativos eram pessoas e não coisas.

Conclui-se, portanto, que a luta empreendida pelos escravos com vistas a

amenizar as agruras sofridas na escravidão também teve reflexos na civilística

brasileira do século XIX. Os juristas não poderiam negar aos cativos um estatuto

jurídico que era, a todo tempo, por eles afirmado pelas suas experiências originais.

Conforme afirmado no início deste capítulo, o que desenvolvi aqui é um

esboço. Muito trabalho ainda deve ser feito no âmbito das pesquisas em História do

Direito com o fim de melhor elucidar quais eram os significados atribuídos ao

ordenamento jurídico pelos diversos agentes históricos e como eles atuavam na sua

construção.

Muito ainda está por fazer. Mas fica a recomendação: a História do Direito

deve ser pautada por pressupostos materialistas de análise. Não é mais possível

considerar os juristas e suas obras como entes transcendentes, que não sofrem

qualquer condicionamento do contexto social no qual estão inseridos. Assim, termino

158 CARVALHO, J. M. A construção da ordem /Teatro de sombras. pp. 229-236.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

44

com mais uma lição de CHALHOUB e PEREIRA, que, espero, fique martelando na cabeça

dos historiadores do direito:

A cada autor e obra o “seu tempo” e o “seu país”.159

159 CHALHOUB, S; PEREIRA, L. A. M. “Apresentação”, p. 9.

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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. FONTES PRIMÁRIAS

ALBUQUERQUE, Pedro Autran da Matta. Elementos de direito natural privado.

Pernambuco: Tipografia Imparcial, 1848.

ALMEIDA, Cândido Mendes de. “O estado servil”. In: BASTOS, Aurélio Wander (org.).

Senador Cândido Mendes: pronunciamentos parlamentares (1871-1873). 2 v.

Brasília: Senado Federal, 1982, pp. 274-305.

. Auxiliar jurídico: apêndice às Ordenações Filipinas. 2 v. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 1985. [Edição fac-similar].

. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal: recopiladas por

mandado d’El Rei D. Filipe I, segundo a primeira, de 1603, e a nona, de

Coimbra de 1821 – adicionada com diversas notas filológicas, históricas e

exegéticas, em que se indicam as diferenças entre aquelas edições e a

vicentina de 1747, a origem, desenvolvimento e extinção de cada instituição,

sobretudo as disposições hoje em desuso e revogadas; acompanhando cada

parágrafo sua fonte, conforme os trabalhos de Monsenhor Joaquim José

Ferreira Gordo e dos Desembargadores Gabriel Pereira de Castro e João Pedro

Ribeiro; e em aditamento a cada livro a respectiva legislação brasileira

concernente às matérias codificdas em cada um, sendo de quotidiana

consulta, além da bibliografia dos jurisconsultos que têm escrito sobre as

mesmas ordenações desde 1603 até o presente. 4 v. Brasília: Senado

Federal, 2004. [Edição fac-similar].

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