o espirito

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CARLOS BERNARDO GONZÁLEZ PECOTCHE ;etâÅáÉÄ<

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LIVRO ESPLÊNDIDO. LEIA UM POUCO E VERÁS A PROFUNDIDADE DO PENSAMENTO DA LOGOSOFIA.

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logoso

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Bern

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Peco

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RAU

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Tal como declara num dos últimoscapítulos deste livro, ao estabelecer-senele a conexão direta com seu espírito,serviu-se tão-só do haver que estehavia acumulado e de sua constanteassistência. Eis, pois, sua fonte e aorigem de sua sabedoria, que por suaexpressa vontade se acha à disposiçãodaqueles que desejam nutrir-se com osvalores nela contidos. O ESPÍRITO

A grandeza e a profundidade do pen-samento logosófico tem inquietado nãopoucas vezes a opinião pública, desejosade conhecer as fontes em que GonzálezPecotche plasmou sua sabedoria. Estelivro assinala o momento oportuno derevelar o segredo, já que seu conteúdomesmo ajudará a compreendê-lo.

O pensamento do criador daLogosofia é absolutamente original, oque quer dizer que González Pecotchenão bebeu em fonte alguma. Sendoainda muito jovem, teve a certeza de quehaveria de realizar a Obra Logosófica,cujas projeções concebeu com a maisclara visão, tanto em seus conteúdoscomo em seu método. Essa mesmacerteza foi justamente o que motivousua primeira grande renúncia, já que suaenorme capacidade mental lhe haveriapermitido alcançar qualquer títuloacadêmico, bastando-lhe querê-lo; é quede modo algum deveria mesclar o frutode sua própria herança com os conheci-mentos oficiais.

C A R L O S B E R N A R D O G O N Z Á L E Z P E C O T C H E

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A Logosofia já deixou reiteradamenteexpresso que não há outro intermediárioentre Deus e o homem que seu próprioespírito, com quem deve vincular-se e aquem deve oferecer a direção de sua vida.Alcança-se essa finalidade enriquecendo aconsciência por meio do conhecimentotranscendente, pois só assim pode ohomem compreender qual é sua missão ecomo está constituído seu ser imaterial,seu próprio espírito, agente que respondeao influxo da eterna Consciência Universale leva consigo, através dos tempos, o signocósmico da existência individual.

ISBN 978-85-7097-046-6

9 7 8 8 5 7 0 9 7 0 4 6 6www.editoralogosofica.com.br

Page 2: O espirito

O ESPÍRITO

A grandeza e a profundidade do pen-samento logosófico tem inquietado nãopoucas vezes a opinião pública, desejosade conhecer as fontes em que GonzálezPecotche plasmou sua sabedoria. Estelivro assinala o momento oportuno derevelar o segredo, já que seu conteúdomesmo ajudará a compreendê-lo.

O pensamento do criador daLogosofia é absolutamente original, oque quer dizer que González Pecotchenão bebeu em fonte alguma. Sendoainda muito jovem, teve a certeza de quehaveria de realizar a Obra Logosófica,cujas projeções concebeu com a maisclara visão, tanto em seus conteúdoscomo em seu método. Essa mesmacerteza foi justamente o que motivousua primeira grande renúncia, já que suaenorme capacidade mental lhe haveriapermitido alcançar qualquer títuloacadêmico, bastando-lhe querê-lo; é quede modo algum deveria mesclar o frutode sua própria herança com os conheci-mentos oficiais.

Tal como declara num dos últimoscapítulos deste livro, ao estabelecer-senele a conexão direta com seu espírito,serviu-se tão-só do haver que estehavia acumulado e de sua constanteassistência. Eis, pois, sua fonte e aorigem de sua sabedoria, que por suaexpressa vontade se acha à disposiçãodaqueles que desejam nutrir-se com osvalores nela contidos.

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Bern

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onzá

lez

Peco

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RAU

MSO

Lo E

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Tal como declara num dos últimoscapítulos deste livro, ao estabelecer-senele a conexão direta com seu espírito,serviu-se tão-só do haver que estehavia acumulado e de sua constanteassistência. Eis, pois, sua fonte e aorigem de sua sabedoria, que por suaexpressa vontade se acha à disposiçãodaqueles que desejam nutrir-se com osvalores nela contidos. O ESPÍRITO

A grandeza e a profundidade do pen-samento logosófico tem inquietado nãopoucas vezes a opinião pública, desejosade conhecer as fontes em que GonzálezPecotche plasmou sua sabedoria. Estelivro assinala o momento oportuno derevelar o segredo, já que seu conteúdomesmo ajudará a compreendê-lo.

O pensamento do criador daLogosofia é absolutamente original, oque quer dizer que González Pecotchenão bebeu em fonte alguma. Sendoainda muito jovem, teve a certeza de quehaveria de realizar a Obra Logosófica,cujas projeções concebeu com a maisclara visão, tanto em seus conteúdoscomo em seu método. Essa mesmacerteza foi justamente o que motivousua primeira grande renúncia, já que suaenorme capacidade mental lhe haveriapermitido alcançar qualquer títuloacadêmico, bastando-lhe querê-lo; é quede modo algum deveria mesclar o frutode sua própria herança com os conheci-mentos oficiais.

C A R L O S B E R N A R D O G O N Z Á L E Z P E C O T C H E

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A Logosofia já deixou reiteradamenteexpresso que não há outro intermediárioentre Deus e o homem que seu próprioespírito, com quem deve vincular-se e aquem deve oferecer a direção de sua vida.Alcança-se essa finalidade enriquecendo aconsciência por meio do conhecimentotranscendente, pois só assim pode ohomem compreender qual é sua missão ecomo está constituído seu ser imaterial,seu próprio espírito, agente que respondeao influxo da eterna Consciência Universale leva consigo, através dos tempos, o signocósmico da existência individual.

ISBN 978-85-7097-046-6

9 7 8 8 5 7 0 9 7 0 4 6 6www.editoralogosofica.com.br

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ESPÍRITOC A R L O S B E R N A R D O G O N Z Á L E Z P E C O T C H E

Page 5: O espirito

ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES DO AUTOR

Intermedio Logosófico, 216 págs., 1950. (1)

Introducción al Conocimiento Logosófico, 494 págs., 1951. (1) (2)

Diálogos, 212 págs., 1952. (1)

Exégesis Logosófica, 110 págs., 1956. (1) (2) (4)

El Mecanismo de la Vida Consciente, 125 págs., 1956. (1) (2) (4)

La Herencia de Sí Mismo, 32 págs., 1957. (1) (2) (4)

Logosofía. Ciencia y Método, 150 págs., 1957. (1) (2) (4)

El Señor de Sándara, 509 págs., 1959. (1)

Deficiencias y Propensiones del Ser Humano, 213 págs., 1962. (1) (2) (4)

Curso de Iniciación Logosófica, 102 págs., 1963. (1) (2 (4) (6)

Bases para Tu Conducta, 55 págs., 1965. (1) (2) (3) (4) (5) (6)

El Espíritu, 196 págs., 1968. (1) (2) (4) (7)

Colección de la Revista Logosofía (tomos I(1), II(1), III), 715 págs., 1980.

Colección de la Revista Logosofía (tomos IV, V), 649 págs., 1982.

(1) Em português. (2) Em inglês.(3) Em esperanto. (4) Em francês. (5) Em catalão.(6) Em italiano.(7) Em hebraico.

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Page 6: O espirito

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ESPÍRITO

2a Reimpressão da 6a EdiçãoEditora Logosófica

2008

C A R L O S B E R N A R D O G O N Z Á L E Z P E C O T C H E

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Título do originalEl EspírituCarlos Bernardo González Pecotche

Revisão da traduçãoJosé Dalmy Silva Gama

Projeto GráficoAdesign

Produção GráficaAdesign

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

González Pecotche, Carlos Bernardo, 1901-1963.O espírito / Carlos Bernardo González Pecotche

(Raumsol) ; [revisão da tradução José Dalmy SilvaGama]. – São Paulo : Logosófica, 2008.

Título original: El espíritu2ª reimpr. da 6. ed. de 2003.ISBN 978-85-7097-046-6

1. Espírito 2. Logosofia I. Título

CDD – 128.2

07-9672 – 149.9

Índices para catálogo sistemático:

1. Espírito : Filosofia 128.22. Logosofia : Doutrinas filosóficas 149.9

Copyright da Editora Logosófica

www.editoralogosofica.com.brwww.logosofia.org.brFone/fax: (11) 5584 6648Rua General Chagas Santos, 590-A, SaúdeCEP 04146-051 – São Paulo – SP – Brasil,da Fundação Logosófica (Em Prol da Superação Humana) Sede central: SHCG/NORTEQuadra 704 – Área de Escolas CEP 70730-730 – Brasília – DF – Brasil

Vide representantes regionais na última página. EDITORA AFILIADA

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Quando a investigação se detém nas fronteiras domundo transcendente, é porque o saber comum é insufi-ciente para penetrar nele. A ciência deve elevar as vistasacima de sua rigidez consuetudinária, para entroncarnas grandes concepções da Sabedoria Universal.

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Não escapará aos que leiam este livro que seu con-teúdo faz parte de um plano concebido pela sabedorialogosófica para que o ser humano penetre triunfalmentenos arcanos de sua existência e descubra a verdade,incontroversa e inobjetável, de tudo quanto lhe interessaconhecer sobre si mesmo e sobre o mundo metafísico.

É sabido que não há pior inimigo da liberdade depensar que as próprias limitações, e limitações são, emparticular, os preconceitos e o temor provenientes deidéias inculcadas, que impedem o livre raciocínio esufocam todo impulso do sentir, ansioso sempre demaior amplitude para os nobres reclamos do coração.

Felizmente, são muitas as pessoas dispostas a exer-cer o direito inalienável de ser donas e senhoras de suavontade, de sua inteligência e de sua sensibilidade; em

ADVERTÊNCIA

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CARLOS BERNARDO GONZÁLEZ PECOTCHE RAUMSOL

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poucas palavras, capazes de dispor de sua vida e de man-

ter o próprio destino sob a dependência única e exclusi-

va de si mesmas.

O ESPÍRITO, como todos os livros logosóficos, deve

ser lido com a disposição de encontrar, em meditadas lei-

turas, conhecimentos que ampliem e enriqueçam a vida.

E isso deverá cumprir-se com clara noção da importân-

cia de que se reveste tal indicação.

Finalmente, destacamos que os vocábulos de fundo,

utilizados neste livro, representam conteúdos logosóficos

que diferem dos que estão em uso. Sugerimos, pois, bus-

car em nossa bibliografia a acepção que lhes atribuímos;

por exemplo, ao mencionarmos o termo “consciente”,

dever-se-á entender que nos referimos ao estado de ple-

nitude que infunde um novo e vibrante fulgor na vida.

Comumente se pensa e se atua em virtude de um

rápido processo mental que se verifica nas imediações da

consciência. Todavia, ninguém poderia dizer que é cons-

ciente em todos os instantes de sua vida, e de modo espe-

cial quando se trata de sua evolução e destino.

A Logosofia expressa que a consciência é a essência

viva dos conhecimentos que a integram, o que dá idéia de

que, quanto mais conhecimentos assimila, maior é a ati-

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O ESPÍRITO

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tude consciente do indivíduo. Mas isso não chega nuncaa motivar o funcionamento pleno da consciência, o que épossível quando esta se nutre com conhecimentos quecustodiam o processo de evolução consciente, o qual, rea-lizado sob o controle da auto-observação, nos advertesobre a diferença que existe entre o conteúdo comum dovocábulo “consciente” e o logosófico.

O homem deve ser consciente das mudanças favorá-veis experimentadas dia após dia por seu próprio con-teúdo moral, psicológico e espiritual, bem como doaumento de sua capacidade consciente para compreen-der que pode ampliar indefinidamente sua vida.

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Desde os alvores do mundo, a vida do homemtem sido um contínuo transitar entre a ignorância eo saber, regulado pelo desenvolvimento progressivodas funções de seu entendimento, o que o levou arealizar inusitados esforços para liberar-se da pri-meira e alcançar o segundo, em boa parte concreti-zados pelas vias técnica e científica, da mesma formaque pela arte. Não obstante, houve zonas de suamente que permaneceram alheias a esse desenvolvi-mento evolutivo. Estamos nos referindo às zonasque abarcam: 1º) o conhecimento de si mesmo; 2º)o conhecimento do mundo metafísico ou transcen-dente; 3º) o conhecimento de Deus.

Essas zonas mentais, convertidas por sua inativi-dade em fronteiras que limitam o entendimento, tor-

INTRODUÇÃO

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CARLOS BERNARDO GONZÁLEZ PECOTCHE RAUMSOL

naram-se para ele cada vez mais infranqueáveis,por sua pretensão de transpô-las dirigindo suaatenção invariavelmente para o externo. Foi assimque reiteradamente tentou ver, estudar e descobrirem seus semelhantes as causas que lhe revelassemsua origem, o porquê de seu aparecimento naterra, sua missão e, finalmente, seu futuro extrater-reno, ou seja, a sobrevivência de sua entidade aní-mica. Não pôde compreender – pois ninguém lheofereceu esse grande conhecimento – que tãomaravilhoso mistério deve ser surpreendido nasprofundezas do próprio ser interno, por ser ali, enão em outra parte, onde o homem alcançará oansiado instante de se encontrar com seu espíritoe receber dele o imenso bem representado pelodespertar para uma realidade que supera tudo oque foi intuído.

Para quem permaneceu alheio ao conhecimen-to de sua natureza espiritual, fica difícil dar-se con-ta de que é aí onde achará a explicação de múlti-plos fatos incompreendidos, tanto de sua vidacomo da vida dos semelhantes. Só agora, ao assu-mir a consciência dessa realidade, tal como aLogosofia a descobre ao entendimento humano,

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O ESPÍRITO

pode o homem surgir ante si mesmo com plenitu-de de conhecimento e afirmar-se no domínio cons-ciente de sua existência. Apreciará, com assombro,por que certos setores importantes da humanida-de caem no erro ao serem guiados pelos tortuososcaminhos da fantasia, inventada para ligá-los acrenças obscurantistas.

O homem não pode alienar a liberdade de seuespírito, sob pena de frustrar sua evolução e perdersua individualidade. Deve, então, preservar essaliberdade de todo risco; e conseguirá isso se efetuarsua união com o próprio espírito, mediante o pro-cesso de evolução consciente que a ciência logosófi-ca prescreve e ensina a realizar.

Nossa concepção do espírito começa por expli-car qual é sua essência e sua realidade precisa eincontestável, como é seu influxo sobre o ser a quemele anima, qual sua prerrogativa, sua possibilidadede manifestação e, finalmente, sua verdadeira mis-são aqui, neste grande campo experimental que é omundo. Mas essa explicação requer um verdadeiroesforço didático, do qual nenhum detalhe concretodeve escapar, principalmente se se quer levar oentendimento até os domínios de uma prática ampla

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e tenaz, com o objetivo de compreender sem equívo-cos os vastos alcances de um conhecimento de talmagnitude, como é o que abarca a concepção inte-gral do espírito.

Isso requer seu tempo, naturalmente. Fazemo-lonotar por causa da tendência a querer saber tudo degolpe, por uma simples leitura ou estudo ligeiro daverdade, enunciada e fundamentada em fatos cate-góricos. O conhecimento do próprio espírito exigeantes de mais nada seriedade, meditações serenas,análises continuadas e cuidadosas de suas fugazesintervenções, e atenção constante para surpreendê-lo quando usa de nossas faculdades. Exemplos con-cretos dessas fugazes intervenções, nós os temostoda vez que acodem à nossa mente pensamentosestimáveis, cujo concurso não esperávamos, ouquando brotam do ato de pensar idéias luminosasque assombram o próprio juízo.

Nesta ordem de estudos não deve existir, pois,pressa nem descuidos, invariavelmente prejudiciaisà boa marcha das investigações, que haverão de cul-minar na certa e ansiada comprovação acerca daautêntica realidade do espírito como potência inteli-gente e dinâmica da existência humana.

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O ESPÍRITO

Para as pessoas em geral – bem o sabemos –, édifícil implantar um conceito em lugar de outro delongo enraizamento na mente e pouco menos queimodificável. Assim, por exemplo, para uns o espíri-to é a alma, ou o intelecto, ou o centro anímico dopensamento. Para outros é o ser incorpóreo, a razão,a sensibilidade, e até a personalidade. Há os queacreditam ainda que o espírito se manifesta nos esta-dos emocionais, sentimentais, ou de alto vôo intelec-tual ou artístico, como prova de que o homem, aoexaltar momentaneamente suas elevadas preferên-cias, concede ao espírito a prerrogativa de deleitar-secom tais preferências. Lamentável erro, como sehaverá de ver mais adiante, ao tratarmos a fundoalgumas circunstâncias próprias das modalidadesque caracterizam o espírito. Mas devemos ressaltarneste ponto que, não obstante a dificuldade aponta-da, temos podido apreciar com que presteza esta étransposta por aqueles que, usando de sua razão enão da alheia, percebem a diferença substancial queexiste entre o confuso conceito corrente e a concep-ção logosófica, clara e precisa.

Se insistimos neste particular é porque sabemosda distância que separa a mente do verdadeiro con-

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ceito que a palavra “espírito” encerra. Ninguém oprecisou, porque ninguém penetrou nos segredos desua não manifestada – embora não menos maravi-lhosa – realidade. Dissemos “não manifestada” por-que é uma verdade inquestionável que o homem nãopercebe as evidências de sua realidade, por nuncahaver experimentado as mudanças que nele se pro-duzem quando o espírito se dispõe a integrar o equi-pamento psicofísico e participar ativamente na con-dução da vida. Em realidade, o espírito foi sempreignorado, ou dele sempre se falou com prevenção,chegando-se em não poucos casos à sua sistemáticanegação – referimo-nos aqui à ciência –, como se oespírito fosse algo impossível de comprovar oualheio à investigação desse ramo do saber humano.Tampouco fazemos referência aos milhões de almasque ainda não transpuseram os mais elementaresníveis de cultura, por não terem sequer uma remotaidéia do que é e deve representar o espírito para cadaindivíduo.

Se bem estejamos dando importantes elementosde juízo para que cada um forme para si um cabalconceito sobre seu espírito, tal como deve ser eleconhecido e sentido em sua manifesta realidade,

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O ESPÍRITO

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devemos advertir que isso nunca acontecerá com asimples leitura do que expressamos, mas sim pelaaplicação racional e consciente destes conhecimen-tos ao processo interno que a Logosofia ensina a rea-lizar, processo mediante o qual se chega à verificaçãode mudanças concretas e reais na apreciação defini-tiva desta verdade. Queremos ressaltar com isto queingenuamente se engana quem pretende satisfazersua inquietude com o mero conhecimento teórico deum tema que deve assumir para a vida uma transcen-dental importância.

C.B.G.P.

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PRIMEIRA PARTE

b XáÑ•Ü|àÉ

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Três Questões Prévias

Como entidade real e ativa, o espírito do homem parece haverdesaparecido do cenário de nossas preocupações.

Por que tantos milênios se passaram sem se tornar concreta suaverdadeira função específica?

Que recônditos desígnios seu grande segredo oculta?

Por que o homem há de permanecer indiferente à realidade deseu próprio espírito?

A Logosofia, ao expor sua tese sobre este transcendental assun-to, revela o profundo sentido moral que o conhecimento da vida doespírito encerra.

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É próprio do homem inquietar-se com o além-

mundo, com o seu destino ultrafísico, inquietude

que se aguça de quando em quando por efeito de

algum padecimento ou por encontros com enigmas

que a inteligência tem procurado em vão desvendar.

O espectro da morte o aterroriza. Contempla seu ser

físico e estremece pensando que pode perdê-lo, que

o perderá irremediavelmente; e pergunta a si mes-

mo, com insistente ansiedade, se lhe seria possível

escapar dessa imaginada voragem que o vai levando

inexoravelmente à desintegração total de sua exis-

tência. A essa indagação a inteligência não responde,

guarda silêncio, mas internamente a inquietude se

aprofunda e chega às vezes ao desassossego.

VtÑ•àâÄÉ D

Origem das inquietudes espirituais

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Quem, senão o próprio espírito, promove taisdesassossegos? Quem, senão ele, induz o homem abuscar o saber? Mas não o saber comum, que atendeàs exigências da vida corrente. Referimo-nos ao queenriquece a consciência, ao que transcende a esferavulgar do mundo para dominar, na medida de suaextensão, o imenso campo mental, o metafísico,povoado pelos pensamentos e pelas grandes idéias.Nesse âmbito de incontáveis milhões de entidadesultrafísicas é que o espírito individual costuma captaras imagens mais valiosas, das quais faz o ente físicoparticipar ao estabelecer-se a íntima correspondênciaentre ambos, com vistas a uma plena identificação.

De certo modo, o ente físico poderia ser compa-rado a um televisor com antena. Sem esta, as ima-gens ficam confusas, mas aparecem nítidas com ela.No caso do ente físico, ninguém deixará de perceberquem faz as vezes de antena, só que não é fixa, massim móvel e, portanto, de longo alcance; porém elao é na medida em que aumenta sua capacidadereceptora, ou seja, quando o espírito, escalando altu-ras pela evolução, domina áreas cada vez mais dila-tadas da concepção universal.

Acontece que o homem, ao experimentar essasinquietudes, procura satisfazê-las sem pensar que

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O ESPÍRITO

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elas implicam um chamado à sua razão e à sua sensi-bilidade, para que sinta a necessidade de dedicar-seà sua emancipação integral1. Por esse caminho, con-segue apenas acalmar ou, dizendo melhor, adorme-cer temporariamente sua vontade, que deveria serestimulada por um firme anelo de superação. Nãopodemos deixar de mencionar aqui os desenganosexperimentados por inúmeras pessoas que, de boa-fé, acreditaram ter encontrado o meio de satisfazersuas inquietudes indo de um lado para outro e,ainda, recorrendo a quem nada tem a ensinar, a nãoser suas extravagantes idéias, seus fanatismos ousuas ambições de lucro. Tanto a religião como a ciên-cia e a filosofia se mantiveram também à margemdestes conhecimentos relativos ao espírito e, emconseqüência, não puderam orientar devidamente ocrente na superação de suas dificuldades.

Com os resultados à vista, pode-se muito bemafirmar que pouco ou nada já se disse de certo a res-peito do espírito humano; mais ainda, até o presen-te ninguém encarou a questão com a seriedade e asegurança que ela requer. Aqueles que tomaram aseu cargo sua elucidação – por conta própria ou por1 A emancipação integral compreende a parte mental, moral, psíquica e espiritual,o que por sua vez libera a parte física de sua impotência.

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mandado de suas respectivas comunidades filosófi-

cas ou religiosas – não puderam nunca satisfazer tão

legítima inquietude, justamente por carecerem de

conhecimentos que lhes revelassem o profundo mis-

tério que o espírito representa para a razão do

homem.

Quando chega a essa conclusão, o indivíduo

se rebela contra tanta eloqüência limitativa, con-

vertendo-se em ressentido moral. Apesar disso e

de tudo o mais, continua buscando. Suas esperan-

ças demoram a extinguir-se, e, mesmo em meio a

tanta obscuridade e a tantos desacertos, sempre

confia em encontrar uma luz que ilumine sua inte-

ligência.

Se o homem tivesse sido criado somente de “bar-

ro”, como tantas vezes já se disse, teria tantas inquie-

tudes quantas têm os seres que povoam as demais

espécies. Mas o constante anelo de expressar-se, de

comunicar-se, demonstra o contrário; demonstra que

seu ser não é inteiramente material, que algo superior

anima sua vida e lhe permite pensar e sentir; é como

algo que ele não vê nem pode tocar, mas cuja existên-

cia suspeita, pressente ou intui.

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O ESPÍRITO

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Esse ente ignorado, que articula seus movimen-tos na penumbra mental de seu ser, frustrando asindagações da inteligência, é o espírito, mas ele sóterá ingerência na vida do homem quando este sedispuser a iluminá-la com conhecimentos adequa-dos, que lhe permitam, ao dar-lhe acesso ao âmbitointerno, conhecer o porquê dessas inquietudes quejamais pôde silenciar.

Apesar de sua decepção, o homem sempre bus-cou transcender as limitações impostas pelo mun-do que o rodeia, cujas necessidades deve atendercom as próprias luzes, o que não impede que, en-quanto isso, a vida passe e essas luzes se apaguem,sem terem conseguido iluminar outros horizontes,aqueles que a própria intuição tantas vezes o fezvislumbrar.

A Logosofia põe a descoberto uma infinidade demeios para conduzir o pensamento do homem até ascausas que o mantêm nessa situação, mas para bene-ficiar-se com tal descobrimento ele deve dispor-se amodificar esse costume – nele tão arraigado – deconduzir-se segundo suas conveniências imediatas,sem saber com precisão o que é aquilo que busca,nem para que o busca. É fato certo que uns e outros

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se interrogam sem conseguir sobrepor-se às vagui-dades dos próprios interrogatórios.

Com grande satisfação, podemos já anunciar asignificativa transcendência da contribuição logo-sófica, corroborada por uma infinidade de teste-munhos vivos. Com efeito, a verdade logosóficainteressa de forma tão medular à inteligência e àsensibilidade dos seres que recebem nossa palavra– estejam eles na infância, juventude ou idademadura –, que de imediato a assimilam com frui-ção, por senti-la como um alimento vital para aexistência.

Segundo manifestações daqueles que já o com-provaram, trata-se de algo que haviam intuído vaga-mente, sem haver encontrado jamais o ponto deapoio, a luz esclarecedora que satisfizesse plena-mente essa inquietude. Observe-se a importância dofato assinalado, por ser fiel expoente do estado geralque grande parte dos seres humanos acusa. Que dis-seram a respeito as religiões, a filosofia e a ciência? Ajulgar pelas mais desencontradas versões que sobreo espírito deixaram correr, nada de concreto veio afundamentar uma realidade que cada indivíduopudesse comprovar por si, livre da sugestão, da pres-

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O ESPÍRITO

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são ou do influxo que, em muitos casos, exercem

sobre sua vontade.

Nada há de ser mais grato aos olhos de Deus que

o anelo puro, sincero e honesto de conhecer a verda-

de. Mas, para conhecê-la em cada uma das partes em

que se subdividem os inúmeros degraus pelos quais

se ascende até ela, é necessário ir desterrando tudo

aquilo que simula ser verdade, sendo como tal admi-

tida. É justo, pois, que se prefira ser, acima de tudo,

leal para com a própria consciência, buscando seu

contato para que a inteligência possa refletir e julgar

com inteiro acerto cada fato, cada situação, cada

palavra ou circunstância relacionada com o próprio

existir.

Inegavelmente, os seres humanos amam a vida;

querem vivê-la, mesmo que a maioria não saiba o que

fazer para vivê-la bem. Correm assim os dias, os meses

e os anos como que num vazio. A que se reduz, pois,

o tempo de sua existência? Outra coisa é quando se

vive com intensidade, quando a mente se mantém em

permanente contato com o Pensamento Universal, e a

existência se sente animada por esse pensamento,

porque a vida assume então outro caráter; já não se

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CARLOS BERNARDO GONZÁLEZ PECOTCHE RAUMSOL

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sente só nem vazia. Esse vazio interno que tantos seressentem, sem saber como preencher, desapareceu.

Referimo-nos, antes, ao afã da criatura humanapor calar os insistentes reclamos do espírito, mani-festados na necessidade de inquirir que percebemosnela desde que nasce até o momento de abandonar omundo. Por própria experiência, e somando a isso oobservado, sabemos que já desde pequena, ao reco-lher uma resposta que satisfaz suas ânsias, experi-menta uma agradável sensação de calma; foi preen-chido o vazio de onde provinha sua inquietude. Omau e prejudicial, insistimos, é quando, ao avançarem idade, não consegue canalizá-las conveniente-mente, procurando reunir dentro de si tudo aquiloque ignora, mas cuja existência pressente ou intui,manifestando-se na íntima necessidade de ser maisfeliz do que é e no anseio de alcançar uma noção maisampla sobre a vida. Quantos passos em falso seriamevitados, bastando apenas que se compreendesseque a manifestação de tais inquietudes tem sua ori-gem na própria força que sustém a vida humana, ereconhecendo no espírito de cada um o encarregadode avivá-las, até que o homem decida ocupar-seseriamente desse chamado interno, o qual, mesmo

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O ESPÍRITO

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que não pressione em todos os casos, nem por issodeixa de influir sobre a vida.

Exímia conhecedora das causas que acicatamcontinuamente o homem em seu andar pelo mundo,a Logosofia lhe oferece a oportunidade de realizarem si mesmo a grande operação alquímica que, aolongo de um processo de evolução consciente, lhepermite desenvolver aptidões para controlar e regu-lar suas aspirações, criando tudo isso um estado deequilíbrio propício às manifestações de seu espírito.Daí nossa insistência em reclamar a necessária aten-ção para estes conhecimentos, os quais, por seremtranscendentes, encaminham conscientemente pen-samentos e ações, conferindo ao espírito a oportuni-dade de viver na terra com prerrogativas similares àsde seu ser físico.

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O princípio fundamental do saber transcenden-

te estabelece que a grande experiência cósmica do

conhecimento desce do supremo ao humano e

ascende do humano ao supremo. No dilatado espa-

ço que medeia entre ambas as posições expande-se a

Criação, onde palpita a vida universal, onde se pro-

movem todos os processos da natureza e onde o Pen-

samento de Deus permanentemente alenta.

Tudo o que foi plasmado nessa maravilhosa

Ciência Universal contida na Grande Mente Cós-

mica teve uma finalidade suprema: a de ser conheci-

da por todos os seres criados com inteligência sufi-

ciente para compreendê-la, na infinita diversidade

de suas partes, mediante o processo de evolução

VtÑ•àâÄÉ E

O conhecimento transcendente

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consciente que haveriam de realizar. Isso quer dizerque a Sabedoria de Deus está plasmada na Criação,enquanto que a do homem consiste em conhecê-la eservir-se dela para superar as etapas evolutivas deseu gênero.

O conhecimento transcendente desce, pois, dasalturas incomensuráveis do cosmo até o homem,que há de ir conhecendo o Pensamento de Deus emcada uma das manifestações que a Criação apresen-ta à sua inteligência. No avanço para essa meta, eleirá percorrendo primeiro os vales que se abrem à suapassagem; ascenderá depois pelas partes menosescabrosas, menos íngremes, até escalar, um a um,cada vez com maior segurança e equilíbrio, os gran-des cumes do conhecimento.

Enquanto os conhecimentos transcendentesregulam as forças que colaboram na ação dos pensa-mentos e dos sentimentos, engrandecendo as almas epermitindo que se destaquem os rasgos do coração ese manifestem as luzes da inteligência, os demais, oscomuns, os que não são transcendentes, se ajustam àslimitações da mente humana, sendo necessários paraatender à subsistência e contribuir para os descobri-mentos que melhorem essa mesma subsistência.

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Na maioria dos casos, o homem pensa e sentecom limitações, resignado a uma vida indiferencia-da por efeito de hábitos e costumes; mas pode, se aisso se propõe, e superando essas limitações, abar-car zonas de insuspeitada amplidão, porque sehaverá identificado com a vida universal, da qual éparte.

Por que busca ele o conhecimento, senão porintuir que é um meio para encontrar a felicidade?Porque pressente, é indubitável, que são promis-soras as perspectivas que se lhe abrem quando,tendo resolvido saltar o cerco que reduz os hori-zontes de sua vida, consegue transfundir-se emoutros planos, nos quais os pensamentos tomamnovas formas, oferecem maior riqueza a seu enten-dimento e lhe permitem elevar-se, convidando-opermanentemente a avançar. Ali, nessas regiõesque o espírito percorre com plena consciência, ohomem sente o poder do conhecimento, e é tal asensação de grandeza que o invade, que a própriavida pareceria transformar-se, adquirindo inespe-rada transparência.

Sendo a vida física uma pequena etapa da exis-tência do homem através das épocas, é lógico que ele

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aspire a cobrir essas etapas com êxito, demonstran-do o que pode conquistar nelas quando seu pensa-mento se une, ainda que em parte, aos princípioseternos que emanam dos alvores da Criação. Per-cebe, então, que surge das profundezas de seu ser aforça que haverá de imortalizá-lo, pois está vivendoo eterno dentro de si mesmo, o palpitar da vida uni-versal; em outros termos, eleva sua vida e a transfor-ma numa potência capaz de iluminar a vida de ou-tros seres que vivem, como ele viveu, só o presente,desinteressados do futuro e indiferentes ao que sig-nifica sua condição de humanos.

Não tenhamos dúvida: o homem busca o conhe-cimento por exigência de necessidades de sua pró-pria natureza, que o impulsionam em sua buscapara alcançar cumes mais altos, de onde lhe sejapossível contemplar com clareza os infinitos mati-zes da Criação; busca-o porque o conhecimento é ogrande agente criador das possibilidades que am-pliam as prerrogativas de sua existência; busca-oporque é vida nova que se enxerta na sua, vida queo espírito respira, encontrando no conhecimento ocaminho de sua liberação. Busca-o, em suma, por-que é o meio pelo qual chega a compreender sua

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missão e a sentir, em sua vida, a presença desse serimaterial que responde ao influxo da eterna Cons-ciência Universal e é, através dos tempos, portadorda existência individual.

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Embora o homem intua que sua origem provém

do Pensamento Criador de Deus, autor de sua per-

feição arquetípica, a espiritual, por um anacronismo

ilógico anda empenhado, desde muito tempo, em

considerar-se derivado de um ente inferior: o “elo

perdido” que determine, de modo certo, sua obscu-

ra ascendência. Sem perceber que com isso não satis-

faria as íntimas aspirações de seu espírito, lançou-se

numa longa e apaixonante aventura infrutífera, visto

que o verdadeiro elo, o que devia interessar-lhe em

particular, é o que enlaça o homem com seu Criador.

Eis aí o elo perdido.

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Enigma-gênese da ascendência daespécie: o 4o reino

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Entre o homem e o reino animal existe umadiferença tão marcante como a que aparece inextenso entre o reino mineral e o vegetal, e entre estee o animal. Essa diferença está determinada pelofato de que mesmo os representantes mais avança-dos do reino animal não têm espírito. O instintoassume no animal formas inteligentes e sensíveis,que se evidenciam de acordo com os traços quecaracterizam cada espécie. Carece de verdadeirasensibilidade, pois nele não existe o sofrimento oudor moral. Sua dor é instintiva, como nos casos emque se retiram das fêmeas suas crias, ou quando émostrado um apego aos donos desaparecidos. Porconseguinte, o que ressalta mais a diferença e supe-rioridade absoluta do homem com respeito ao ani-mal é, como dissemos, seu espírito, com as prerro-gativas a ele inerentes.

Em vão se tem considerado a existência pré-his-tórica do antropopiteco ou pitecantropo e, ultimamen-te, do telantropo, como possíveis antecessores ou elosperdidos da família humana1. Lamentável erro daparte dos cientistas, os quais, em vez de levar a inves-tigação dentro de si mesmos e descobrir em seus1 Veja-se O Senhor De Sándara (pág. 474), do autor.

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espíritos o enigma-gênese da ascendência de nossaespécie, se obstinam em buscar em espécies inferio-res uma conexão, um elo desnecessário para com-preender, ou pelo menos intuir, a verdadeira origemdo homem.

A ciência logosófica descarta essa teoria por con-siderá-la estéril e, sem se deter em tão trabalhosabusca do homem por arrancar do mistério que cus-todia seu passado os segredos de sua origem, abreuma nova via de investigação e o convida a internar-se nela, numa conquista ascendente, para entregá-loum dia nas mãos de Deus.

Possivelmente, a Filogenia partiu desse erro, ouimpensadamente o cometeu, quando seus represen-tantes incluíram o congênere humano no reino ani-mal; isto significa que o cientista, homem no finaldas contas, incluiu a si mesmo como parte integran-te da escala zoológica.

A Logosofia situou o homem numa posição hie-rárquica mais elevada ao proclamar o quarto reino,virtualmente diferente dos demais. Sua constituiçãopsíquica, com seus ponderáveis sistemas mental2,2 Sistema mental: Composto por duas mentes: a superior e a inferior, ambas de igual cons-

tituição, mas diferentes em seu funcionamento e em suas prerrogativas. A primeira está

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sensível3 e instintivo,4 e, como se isso não bastas-se, as excelências de seu espírito, do qual carecequalquer outra criatura vivente de reinos inferio-res, colocam o homem, com justiça indiscutível,num reino à parte e superior, que chamamos de “humano”.

reservada ao espírito, que dela faz uso ao despertar a consciência à realidade que a

conecta ao mundo transcendente ou metafísico. O destino da segunda é a atenção às

necessidades de ordem material do ente físico ou alma, e em suas atividades pode inter-

vir a consciência. As duas mentes, a superior e a inferior, têm exatamente o mesmo

mecanismo, constituído pelas faculdades de pensar, de raciocinar, de julgar, de intuir,

de entender, de observar, de imaginar, de recordar, de predizer, etc., as quais são assis-

tidas em suas atividades por outras faculdades que chamaremos de acessórias, e que

têm por função discernir, refletir, combinar, conceber, etc. Todas as faculdades juntas

formam a inteligência. A Logosofia chamou esta última de faculdade máxima, porque

abrange a todas em conjunto. (Logosofia. Ciência e método, lição III).

3 Sistema sensível: Está configurado na parte anímica do ser humano e tem sua sede

no coração, órgão sensível por excelência e centro regulador da vida psíquica do homem.

Divide-se em dois campos ou zonas, demarcadas com exatidão. Uma delas pertence à

sensibilidade, integrada pelas faculdades de sentir, de querer, de amar, de sofrer, de

compadecer, de agradecer, de consentir e de perdoar. A outra zona corresponde aos

sentimentos; é o espaço dimensional em que eles nascem, vivem e atuam. (Logosofia.

Ciência e método, lição V).

4 Sistema instintivo: Constituído em sistema, o instinto configura uma das três partes

em que se dividem as energias psicológicas do indivíduo, correspondendo as duas

outras aos sistemas mental e sensível. Fora da função geradora específica, o instinto se

caracteriza pelas manifestações ardentes que sua atividade desencadeia sempre na

natureza humana. Ao pôr-se em contato com as energias mentais e sensíveis conscien-

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temente ativadas, as energias do instinto são aproveitadas com grandes resultados no

próprio aperfeiçoamento, porque contribuem para robustecer as forças do espírito, cola-

borando na realização das sucessivas incumbências que o processo de superação impõe.

(Logosofia. Ciência e método, lição VI).

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Para o pensamento logosófico, Deus é a imensi-

dão, o eterno; é a Suprema Ciência da Sabedoria, que

a mente humana pode descobrir em cada um dos

processos do Universo estampados na natureza –

processos exatos, ciência pura, perfeita, na qual o

homem se inspira para criar a “sua” ciência.

O Pensamento de Deus se manifesta na Criação,

em cujas entranhas palpita o amor que pôs nela e

cujo poder a sustém. É o seu um amor que está por

cima de todos os amores e que se revela em tudo o

que existe; um amor que anima a vida na universali-

dade de suas manifestações, que não morre nunca,

que jamais engana; um amor que surge do fundo

mesmo da natureza para nos dar alento, impulsio-

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Concepção logosófica de Deus

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nar-nos e comover-nos ante a imanência de tudo oque nos é dado contemplar no Universo. Com essemesmo amor plasmou também a criatura humana elhe conferiu o privilégio de apresentar-lhe um dia,como uma oferenda, as grandes realizações quehaverão de fazer de sua vida, dessa vida que lheentregou para que a vivesse e desfrutasse, algo útiltanto para si como para seus semelhantes.

A Logosofia situa Deus no lugar mais elevado, láaonde jamais poderá ascender a necedade doshomens, empenhados em encapsulá-lo na estreitezade suas concepções mentais. Proclama a existênciade um Deus Universal, que une os homens numa sóe única religião: a religião do conhecimento, meiopelo qual se chega até Ele, e a Ele se compreende, sesente e se ama, o que jamais se faz pela ignorância.

É sabido que o homem sempre buscou sua vin-culação metafísica com Deus; daí a origem das reli-giões, das filosofias e de todos os ritos e cultos anti-gos e modernos. Sempre intuiu que, por cima dofísico, existia igualmente uma grandeza impenetrá-vel, o que o impulsionou a percorrer uma infinidadede caminhos, sempre atrás da chave que o aproxi-masse a Ele. Lamentavelmente, teve de conformar-se

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com a fé, que, quando não é fruto de convicções pro-fundas surgidas à luz do conhecimento, fomenta ofanatismo, que torna impossível, em todos os senti-dos, a vinculação do espírito humano com o GrandeEspírito Universal.

Não se enquadra na concepção logosófica que acriatura humana possa encerrar a Deus numa está-tua, numa casa, num país, num continente, numplaneta, ou mesmo no Universo inteiro, pois consi-dera que tudo se mostrará limitado e estreito para asdimensões de sua Excelsa Imagem, inabarcável pelamente humana. Por outro lado, é ampla em reconhe-cer – e fartamente isso se justifica – que todos, até omais ateu, procuram saber sobre Ele. E por que não,se a mente do homem inquire continuamente, indode um ponto a outro, embora sem maior consciênciados motivos de sua ansiedade? Não se busca a Deusnos momentos de aflição e toda vez que se faz difícila marcha pelo mundo? Não se busca a Ele nas reli-giões, não se investiga, não se aprofunda com esseobjetivo em livros antigos, não se introduz o homemnos labirintos das pirâmides e não procura indagarsobre a vida de outros mundos nos espaços siderais?Não se atormenta quando, crendo havê-lo encontra-

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do, sua consciência se nega em outorgar-lhe a segu-rança do achado?

Viemos conhecendo, ao longo da história, a evo-lução das espécies, o maravilhoso deslocamento dosastros, os diferentes períodos que ordenam o pro-gressivo avanço do gênero humano através das épo-cas, seguindo os processos de desenvolvimento queobedecem aos ditados da Inteligência Suprema, cujopoder abarca os confins da Criação. Se levamos emconta que Deus diferenciou o homem dos demaisseres terrenos e lhe conferiu possibilidades ilimita-das de elevar-se anímica e espiritualmente de hierar-quia, pensemos que desse processo inconscienteque ele cumpre, sem verificação individual dos acer-tos ou desacertos produzidos em sua conduta comrelação aos altos fins de sua existência, pode passar,bastando que a tanto se proponha, à vinculaçãoconsciente com o Criador, tudo isso por meio doconhecimento de si mesmo, o qual, ao permitir-lheabarcar gradualmente a divina arquitetura de seumundo interno, paralelamente lhe concede a graçade ir conhecendo a Deus. Por isso, não cansaremosde repetir que o conhecimento mais extraordinário,o maior que se pode possuir, é, primordial e funda-

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mentalmente, o conhecimento dessa criatura huma-na que é o ser mesmo. Seu estudo põe em relevo acriação mais maravilhosa, o próprio homem, plas-mado à imagem da Criação.

Vem ao caso perguntar qual teria sido o objetivoperseguido por Deus, ao pôr no mundo uma raça deseres inteligentemente dotados que o ignorassem evivessem à margem da Criação Universal. Pode-se,sequer por um instante, pensar que Ele realizaria tãoestupendo ato de sua vontade para que o homem, aquem deu faculdades anímicas e espirituais deextraordinário alcance, se conformasse em tão-somente perambular pelo mundo, alheio aos eleva-dos fins de sua existência? Certamente que não. Énecessário compreender, então, que o homem deveaprender a conhecer a Deus para amá-lo de verdade;a conhecer suas leis para não infringi-las; a ajustarsua conduta aos supremos ditados de sua Vontade,para que seu Grande Espírito o auxilie através dolongo processo evolutivo que deve cumprir notranscurso dos tempos.

Deus tem seu altar no seio da Criação, e o temtambém em cada coração humano. No primeiro ofi-ciam as potências cósmicas; no segundo, a consciên-

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cia individual. Ali, nesse altar, a alma formula suasindagações, dissipa suas dúvidas, percebe a presen-ça do espírito e determina níveis cada vez mais altospara seu comportamento. Ali se inclina em doceenlevo, cheia de gratidão, até alcançar o êxtase,expressão das emoções mais íntimas e felizes; afinal,que é o êxtase, senão a exaltação da felicidade em ins-tantes de supremo equilíbrio psíquico, quando pen-samento e sentimento se fundem numa só chama,viva e potente, enquanto a consciência regula a forçada expansão interna?

O espírito de Deus é a Suprema Expressão Cós-mica, porque nela vibra a energia universal. Mani-festa-se ao homem na imanência de sua próprianatureza, na inviolabilidade de suas leis e em suainteligência, que anima e sustenta a perenidade daCriação.

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Muito já se falou do céu, que é descrito com

tonalidades maravilhosas e destinado aos bem-

aventurados; entretanto, pode servir de algo um

lugar que ninguém conhece nem jamais conheceu, e

do qual não se tem nenhuma referência certa?

Como resposta a essa atitude inquisitiva da cria-

tura humana, que a move a indagar sobre o que está

além do perceptível a seus sentidos corporais, a

Logosofia não só põe a seu alcance um céu diferente,

como também a prepara para internar-se nele sem

extraviar-se nunca. Esse céu é o mundo metafísico.

Estamos nos referindo, tacitamente, ao processo

de evolução consciente, que, ao introduzir o homem

nos domínios do próprio mundo interno, lhe permi-

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O mundo metafísico

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te familiarizar-se desde o início com o influxo domundo metafísico ou transcendente, âmbito naturaldas idéias, dos pensamentos e da energia supremosque palpitam no existir de toda a Criação. Para tanto,ilustra-o convenientemente e o cumula de sugestõesque o orientam através de um percurso extrema-mente interessante, que começa na intimidade deseu ser e se projeta com amplidão para o infinito.

A introdução no mundo interno individual per-mite sua conexão com o mundo metafísico. Ambosconfiguram uma unidade inseparável, à qual deve ohomem adaptar-se, colocando-se dentro dela e bus-cando recursos para consolidá-la na única parte emque pode encontrá-los: no conhecimento de simesmo, meio pelo qual toma consciência do que é,do que possui, do que pode e deve ser, e pelo qualconhece as bondades do mundo metafísico, cujasbelezas haverá de admirar com crescente assombro.O conhecimento de si mesmo é, pois, o conhecimen-to que a alma aspira a alcançar de seu próprio espíri-to; é a via que conduz ao encontro e conexão com omundo metafísico, o que de forma alguma constituiuma utopia, sendo, ao contrário, uma realidadetanto mais comprovável quanto mais fecundo seja o

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esforço do homem por superar suas atuações emtodas as ordens da vida.

O acesso ao mundo metafísico, inexplorado pelohomem apesar de suas tentativas e das múltiplashipóteses aventadas a seu respeito, determina a pas-sagem progressiva da herança do espírito às mãos doindivíduo. Em outros termos, implica a identificaçãoda entidade física ou alma com o espírito e, logica-mente, um avanço considerável no processo de evo-lução consciente.

Reiteramos que o conhecimento do mundometafísico começa, imprescindivelmente, com oconhecimento de si mesmo, por estarem ambos osmundos, o interno do ser e o metafísico, indissolu-velmente ligados. Vem ao caso destacar a funçãoimponderável do espírito como condutor para essemundo das grandes idéias, onde reina permanente-mente o Pensamento de Deus. Daí que a Logosofiatenha apontado o espírito como o elo que une ohomem a seu Criador. Já se terá observado que nosestamos internando nos segredos de um enigma atéhoje indecifrável para o entendimento humano, eque o fazemos com a mesma clareza com que sem-pre expomos nosso pensamento.

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Pensamos também haver deixado claro que oconhecimento do mundo interno leva ao conheci-mento do mundo metafísico, ao mesmo tempo queconfere a prerrogativa de conhecer o próprio espíri-to, que é quem nos introduzirá nele.

Dever-se-á conceber o mundo metafísico com amesma realidade com que concebemos o físico, emarchar a seu encontro não só pelos bens que ofere-ce, mas também, e em grande parte, pelas energiasque o aspirante ao saber gera com seu próprio esfor-ço enquanto se vai elevando. Ao fazê-lo, terá emconta que, próxima a ele, plasmada pelas própriasleis supremas, existe uma zona subjacente, na qualcorrem o risco de extraviar-se aqueles que preten-dem conhecê-lo sem antes terem freado os capricho-sos vôos da fantasia. É a zona da ilusão, a zona qui-mérica, de onde provém a temerária confusão emtorno do mundo metafísico; é o obstáculo que seeleva à passagem dos que não se ampararam nas leisdo conhecimento para internar-se nele.

Já se viu, ao longo da história, que sempre foi oconhecimento o que permitiu aos homens superaras etapas cumpridas por cada civilização e deixar,como um tributo ao progresso humano, a revelação

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de não poucos mistérios. Cabe aos homens de hojepenetrar ainda mais fundo, mergulhar não só nosinexplorados abismos do cosmo, senão também nasprofundezas do mundo mental, para extrair dali oselementos vivos que enriqueçam o espírito. Explo-rador dessas profundidades, o homem verá brilhar aluz dos mistérios acerca de sua origem, ser-lhe-ãorevelados em todo o seu esplendor os enigmas aindaindecifráveis sobre a mente humana, e nele reviverãoas esperanças semidesvanecidas de um destinomelhor.

Quem a isso se dispuser deverá ter em conta queo mundo mental ou metafísico não é acessível àalma. A natureza desta não é sutil e incorpórea comoa do espírito, dotado de condições para franquear asportas desse mundo, também incorpóreo. Poderá aalma participar dos bens que nele são prodigaliza-dos, poderá ser receptora de todas as noções que oespírito lhe transmita, mas, por sua própria conta,ela nunca terá acesso. Deve antes propiciar no ser aintervenção do espírito, o qual, por lei de correspon-dência, lhe permitirá, cada vez com maior amplitu-de, participar das altas concepções do mundo trans-cendente, ou seja, de seu mundo, o do espírito.

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O homem costuma colocar o divino em planosexcelsos, enquanto permanece nas trevas de umavoluntária reclusão moral e espiritual. Isso seriaadmissível se ele não tivesse espírito, e se mais deuma vez não se refletissem em sua mente os sinaisinequívocos de uma superioridade limítrofe com asregiões onde supõe que somente exista o divino.Admitir, porém, que o divino está além das possibi-lidades humanas, admitir sua condição de inacessí-vel, seria negar a capacidade e a elevação hierárqui-ca às grandes almas.

A Sabedoria de Deus dispôs que as verdades quevinculam o homem a seu espírito permaneçamencerradas dentro de seu ser. Ali se encontram, àespera de que ele as descubra, devendo para tantointernar-se dentro de si mesmo e conhecer, desde ali,o mundo metafísico, causa e origem de tudo quantoexiste.

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Quando Deus criou o homem terreno, sua con-

cepção foi perfeita, como não podia deixar de ser. Fê-

lo superior a todo outro ser vivente sobre a terra e,

portanto, concedeu-lhe a graça de possuir duas

naturezas: a física e a espiritual. Isto explica com

farto fundamento a sobrevivência do espírito huma-

no, já que, ao cessar a vida física, permanece a espi-

ritual, formada com os elementos eternos constituti-

vos da existência.

A natureza física, dotada de um perfeito organis-

mo com função automática e permanente à margem

da vontade, com dispositivos e sistemas biológicos

que atuam e se comunicam maravilhosamente entre

si, e um mecanismo psicológico que se resume na

VtÑ•àâÄÉ I

O homem e suas duas naturezas

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alma, sempre cumpriu e continuará cumprindosua missão humana dentro das necessidades, limi-tações e perspectivas que dizem respeito à vida dohomem, a quem alguém chamou um pouco prema-turamente de “rei da criação”. E dizemos alguémporque ninguém pode atestar a veracidade dessaversão que lhe concede tão alto posto sem os neces-sários merecimentos. Nessa natureza física, queconstitui a base material da existência humana,ficou plasmada uma parte ponderável de sua altís-sima concepção, dando lugar a seu gênero comocriatura superior; mas essa parte, com sua admirá-vel organização biológica, só tem por finalidadearticular a vida com base em necessidades e pers-pectivas materiais.

Pelo exposto se entenderá que a natureza física éperecível, e o é em virtude de sua corruptibilidade,que culmina com sua desintegração, fato que, deve-mos ressaltar, não ocorre com o espírito, por ser imu-tável sua natureza. Mas as mudanças evolutivas queformam os elos da perpetuidade não se produzemnela, mas sim na célula hereditária, substância men-tal, básica e eminentemente sensível que vai forjan-do o destino individual de cada homem.

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A natureza espiritual do homem, ou seja, a quecorresponde a seu espírito, diferencia-se pois da físi-ca pelo fato de ser incorpórea e imperecível. O serhumano deve compreender que todos os seus esfor-ços haverão de encaminhar-se para o predomínionele de sua natureza espiritual, para experimentarem sua consciência a sensação cabal da perenidade.

Chegará, assim, à consubstanciação de ambas asnaturezas, a física e a espiritual, ou seja, à conjunçãoharmônica de dois organismos diferentemente cons-tituídos: um, de pura essência mental, superior; ooutro, físico, inferior, sujeito à influência do primei-ro, mas sem que esse predomínio altere, como sepoderia supor, suas manifestações psicobiológicasnormais; ao contrário, a parte espiritual é fator equi-librante entre ambas, criadas para que se comple-mentem de forma admirável. Pode-se avaliar aimportância de se conhecer esta dualidade constitu-tiva da estrutura humana, cujo mecanismo é passí-vel de articular-se e influir com resultados surpreen-dentes sobre a vida do indivíduo.

Como articulá-lo? Eis a grande pergunta. É claroque isso não haverá de acontecer em virtude dealgum milagre ou graça especial que o conceda. O

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homem deve aprender a organizar sua vida para per-petuar-se dentro de sua própria consciência, por serela a que lhe permite experimentar a sensação inefá-vel de ser e de existir, e a que concentra, na célulahereditária ou genésica, a síntese perfeita de tudoquanto realizou durante a vida. Todas as conquistasem prol do aperfeiçoamento ficam ali impressas, oque contribui para a perpetuidade da herança e con-figura a verdadeira identidade do ser, bem de suaexclusiva propriedade, no qual está calcada até suaprópria fisionomia.

A célula hereditária ou genésica é, pois, a porta-dora da herança espiritual de cada indivíduo. Nela seconcentram os valores intelectuais, morais e espiri-tuais que o homem incorpora em cada uma das eta-pas da vida humana através de seu longo existir e,também, tudo o que em seu desfavor tenha feitodurante esses períodos de vida. O espírito individualé o depositário dessa herança, da qual o homem dis-põe à vontade em cada etapa existencial, desfrutan-do, segundo o curso que resolva dar à sua vida, osavanços alcançados, ou assumindo a carga dificulto-sa que o deteve e entreteve. Recolhida e custodiadasempre pelo espírito, a célula hereditária avança atra-

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vés das gerações, porém permanece em segredo para

o homem até que este descubra, mediante o reencon-

tro com seu próprio espírito, os valores do patrimô-

nio individual acumulado ao longo de sua existência.

Como o espírito é o único depositário de nossos

bens duradouros e razão de ser de nossa existência

consciente, mantida intacta em sua individualidade

essencial através de todos os ciclos de seu percurso,

não será difícil compreender quão necessário é que o

ente físico ou alma se acostume a sentir o influxo de

sua natureza espiritual, exatamente como experimen-

ta o de sua natureza psicobiológica, ou seja, como um

imperativo indeclinável. Prontamente se verá que tão

real é uma como a outra, e que, familiarizado com a

primeira, o homem vê esclarecida a incógnita de sua

misteriosa conformação biopsicoespiritual.

Concernem aos domínios do espírito, e lhe são

consubstanciais, os sistemas mental e sensível do indi-

víduo, seus pensamentos e idéias, suas percepções e

toda expressão posta de manifesto pelo ente físico em

sua dimensão psíquica, caracterizada pela alma.

Nunca será demais chamar a atenção sobre essa

admirável criação que é o próprio homem. Apesar

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de parecer, com tanta freqüência, que ele queiradesmentir isso com sua conduta descuidada, foicriado sem se omitir um só dos detalhes que fazemdele um ser apto para enfrentar com êxito a grandeexperiência que o interna nos domínios da evoluçãoconsciente.

A Logosofia põe ao alcance de sua inteligência osconhecimentos transcendentes, que são justamenteos que o introduzem nessa zona tão pouco transita-da, só acessível ao espírito, e estimula permanente-mente suas ânsias de aperfeiçoamento, permitindo-lhe conquistar, passo a passo, graus de consciênciacompatíveis com a realidade vivente de seu espírito.Quando o homem consegue isso, leva dentro de sinão só a recordação, mas também a presença de todoo seu existir, o que significa que, ao ter-se consubs-tanciado com seu espírito, ele se terá consubstancia-do também com seu existir através das idades, e jánão lhe estará vedado o conhecimento da própriaherança.

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Ao examinarmos o conceito de alma e a identifi-

cação que dele se faz com o de espírito, a ponto de

confundi-los em estranha sinonímia, vemo-nos

obrigados a determinar a exata posição que ela

ocupa de acordo com suas faculdades especificas e

sua conexão com o espírito.

Alma é o ente físico em sua configuração psico-

lógica. Anima e move à ação e ao desenvolvimento os

três sistemas – o mental, o sensível e o instintivo –,

mas limitando sua função às prerrogativas humanas

comuns, seja no aspecto material, seja no moral e

intelectual. A alma usa da inteligência, da sensibili-

dade e do instinto para todas as emergências e ques-

tões relacionadas com o desenvolvimento da vida

VtÑ•àâÄÉ J

Determinação e esquema da alma

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física, mesmo em seus aspectos intelectuais mais ele-vados. Coerente com seu ser físico, tem intervençãoativa no desenvolvimento biológico do homem.Quando desaparece o sopro da vida, corpo e alma dei-xam de existir. O mesmo não ocorre com o espírito,pelo fato de sua existência não depender da matéria.

A alma, por sua própria constituição, é insepará-vel do ser físico. Por isso, ao cessar neste a vida, a almaacompanha o corpo em sua desintegração; é, portan-to, perecível. Como se irá vendo, sua perduração narecordação dos demais, pelo reconhecimento de seusméritos, não modifica o que dissemos.

Ao destruir com suas afirmações a chamadaimortalidade da alma e proclamar a imortalidade doespírito, a Logosofia não faz mais que pôr as coisasem seu lugar. Não se trata, pois, de uma simples trocade vocábulos, e sim de determinar funções, sem pre-tender por isso despojar a alma do papel importan-tíssimo que desempenha, já que se trata de um agen-te insubstituível dentro do sistema destinado acoordenar harmonicamente as atividades físicas,psíquicas e espirituais do homem.

Quando o espírito atua em plena harmonia coma alma, a vida não só adquire beleza, mas toda ela é

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também uma demonstração cabal dos efeitos trans-formadores do conhecimento transcendente, que,firmado na consciência, gera crescente atividade, emdefesa sempre dos princípios de bem emanados desua essência.

A Logosofia estabelece sobre alma e espíritoconceitos totalmente novos e revolucionários, aoassinalar entre ambos uma diferença substancial. Aalma integra, como dissemos, a entidade física emsua parte psicológica; o espírito, não obstante seruma entidade autônoma, com plena liberdade demovimento, está ligado à alma ou ente físico en-quanto este existe em sua estruturação humana. Emvirtude de sua essência eterna, e por conter o cabe-dal hereditário do ser a quem anima, ele está des-tinado a desenvolver uma preponderância trans-cendental sobre a parte física e psicológica doindivíduo.

O processo de evolução consciente, instituídopela Logosofia, faz o homem compreender que,quando transcende as fronteiras que limitam seuentendimento, quando penetra além dos domíniosdo saber corrente, é seu espírito, e não sua alma,quem emprega a inteligência, a sensibilidade e os

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recursos energéticos para o desenvolvimento deaptidões superiores. Tão inestimável prerrogativalhe exige ser consciente dela e saber que se trata doresultado de um processo de reencontro com seuespírito, mediante o conhecimento gradual e a com-provação experimental de sua realidade metafísica.

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As vagas e arbitrárias referências que se tinham

sobre o espírito levaram o homem a considerá-lo

quase que uma abstração, algo fora do alcance de sua

razão e sentir. Incorreu, além disso, no erro de admi-

tir como verdades certas hipóteses absurdas, que

nada têm a ver com a essência mesma do espírito e

com sua realidade perfeitamente comprovável.

Quando em outras oportunidades afirmamos

que o espírito permanece ausente do ser a quem

anima, quisemos destacar sua exígua participação

nas funções reitoras da vida humana, o que não

implica sua ausência absoluta, mas sim uma inibição

manifesta e compreensível.

VtÑ•àâÄÉ K

Esquema do espírito como agentenatural de enlace entre o homem e

o Criador

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Para a Logosofia, o espírito assume o papel maisimportante e fundamental:

a) no desenvolvimento das aptidões humanas;

b) no funcionamento regular e firme das faculda-des da inteligência;

c) na proliferação de idéias e pensamentos dealto valor;

d) no enriquecimento da consciência pelo cons-tante aporte de conhecimentos de ordem transcen-dente;

e) no fato de sobreviver quando cessa a vida doente físico, por ser ele quem recolhe e perpetua oexistir do homem sem perder sua individualidadeem cada ciclo de manifestação corpórea.

Devemos esclarecer que esse papel tão impor-tante e fundamental do espírito na vida do homemsó se concretiza quando este lhe oferece as condiçõesnecessárias à sua manifestação e desenvolvimento, jáque sua função está por cima do ente físico ou alma,e as energias que dele emanam são as que lhe dão fir-meza para conduzir sua vida de acordo com os altosfins de sua existência.

Já dissemos que, ao cessar a vida física, o espíri-to recolhe e leva impressa na célula mental, heredi-

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tária ou genésica a síntese histórica que extrai daconsciência do ser físico que tenha integrado, cujovalor depende das oportunidades que este lhe foioferecendo para manifestar-se e governar a vida noque se refere a formas superiores de existência. Seas atuações anteriores concorreram para realiza-ções elevadas, o espírito entrega, em cada novaetapa de existência, o que delas ficou, as reservasinternas acumuladas, o que o homem mesmo foicapaz de fazer, e não mais. Fica subentendido, pois,que a bagagem de saber e de experiência, alcança-da no plano comum pela alma ao término de seusdias, é absorvida e conservada pelo espírito, esomente servirá, em ciclos sucessivos de existência,aos mesmos fins comuns para os quais a vida físicase abasteceu com essa bagagem. Ao contrário disso,os conhecimentos e experiências em que o espíritointervém diretamente – ao que se soma o relativoaporte hereditário – tomam volume e se consubs-tanciam com a existência imperecível do pensa-mento e da mente universais, sem que o ser percasua individualidade, resguardada por sua adapta-ção a seu destino metafísico, concretizado na evo-lução consciente. Eis, pois, a diferença fundamen-

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tal entre as duas situações apresentadas às possibi-lidades humanas.

O espírito é não só o inspirador, o acumulador deenergia, sustentador e perpetuador da existênciaextrafísica, mas também o agente natural de enlaceentre o homem e seu Criador. Naturalmente, nin-guém deverá presumir que, ciente disso, já se acheem condições de estabelecer esse contato, que obe-dece à ordem transcendente. É lógico admitir quenão se pode aspirar a semelhante benefício semhaver mobilizado antes a consciência, para que o“radar” mental funcione sem defeitos.

Condição indispensável para que o espíritopossa cumprir tão alta incumbência é se tornarem asatuações da alma coincidentes com as exigências doespírito, disciplinando-se previamente no adestra-mento que conduz a esse fim.

Em que consiste tal adestramento? Já dissemosque a alma integra o ser físico em sua parte psicoló-gica; por conseguinte, concerne a ela a tarefa detransformar a mente numa espécie de ateliê de escul-tura e criar, no ser a quem anima, o hábito, nuncatido na devida conta, de vigiar, superando-os, pen-samentos e ações. Os primeiros reajustes disciplina-

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res, possíveis de realizar por meio de nosso método,permitem a intervenção gradual do espírito, o qual,ao tomar as rédeas da vida, vai introduzindo no serfecundas variações em sua forma de pensar, de sen-tir, de ver, de entender, etc. É assim que se produz aidentificação do espírito com o ente físico ou alma,identificação que culmina com sua mais alta mani-festação quando o homem cumpre todas as etapas deseu aperfeiçoamento.

O espírito humano não possui o dom da auto-evolução consciente. Como unidade cósmica, requeraperfeiçoar-se, tomando consciência, enquanto evo-lui, dos conhecimentos que existem na Criação. Taltarefa requer seu necessário acoplamento com a almaou ente físico, fato que se produz por imantação damesma força hereditária que os atrai e pela participa-ção permanente da consciência. Ambos, espírito ealma, começam assim a percorrer juntos o longocaminho da evolução consciente, completando-seem seu percurso a grande experiência que há de reve-lar ao homem o enigma culminante de sua existência.

Quando o homem eleva sua mente acima daspreocupações comuns, surge em sua inteligência umvivo resplendor que se projeta sobre as coisas que con-

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cernem ao espírito, familiarizando-o com elas. Em sua

mente flui uma nova capacidade de compreender e de

realizar, e invade sua alma um estado super-humano,

pois implica nada menos que o enlace de sua inteli-

gência com o mundo superior, com o mundo das

grandes idéias, dos pensamentos elevados e das altas

concepções do espírito. É ali onde o homem percebe

que se diviniza, porque em seu progressivo esforço de

superação alcança as privilegiadas regiões do espírito

e estabelece os primeiros contatos com a vida univer-

sal, onde reina o Pensamento de Deus.

A Logosofia já deixou reiteradamente expresso

que não há outro intermediário entre Deus e o

homem que seu próprio espírito, com quem deve

vincular-se e a quem deve oferecer a direção de sua

vida. Alcança-se essa finalidade enriquecendo a

consciência por meio do conhecimento transcen-

dente, pois só assim pode o homem compreender

qual é sua missão e como está constituído seu ser

imaterial, seu próprio espírito, agente que responde

ao influxo da eterna Consciência Universal e leva

consigo, através dos tempos, o signo cósmico da

existência individual.

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Por tudo quanto dissemos, é de apreciar que oespírito, contrariamente às hipóteses sustentadas atéo presente, não é a alma, nem é tampouco esse com-plexo superior dos raciocínios e das inspirações damente, cujas excelências não definem nem particu-larizam sua realidade existencial.

Fizemos um resumido esquema do espírito paraplasmar melhor a idéia central de indivíduo; idéiaque no curso deste trabalho se irá complementando,de acordo com as diversas fases e aspectos deste sin-gular e profundo conhecimento sobre a integraçãofísica e espiritual do ser humano.

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Sugerimos, àqueles que se interessem por nossa

ciência, dedicar-se ao estudo muito cuidadoso de

todas as circunstâncias em que o espírito se manifes-

ta com total prescindência da própria vontade e

consciência. A análise porá em evidência que o fato

se produz com relativa freqüência. Logo, como se

repete, se não se trata de um fato isolado, deve mere-

cer – e como merece! – a maior atenção de nossa

parte.

De modo algum podemos estabelecer uma vin-

culação consciente com o espírito se começamos por

ignorar ou não admitir que essas manifestações são

uma realidade inquestionável. Devemos pisar firme

VtÑ•àâÄÉ L

Como se dá a aproximação e o contato com o espírito

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e, assim como em toda investigação é necessáriomanter viva uma margem de confiança tanto noprocedimento que se emprega como no fim que sepersegue, também assim devemos nos prover danecessária dose de circunspecção e liberdade paraenfrentar um labor de tanta transcendência.

Devemos mencionar aqui, por ser de todo indis-pensável e para que se tenha uma impressão inequí-voca da seriedade de nossa palavra, que, antes deencarar a aproximação e contato consciente com oespírito, impõe-se, por rigorosa exigência do altoconhecimento que torna isso factível, realizar o pro-cesso de evolução consciente, que, como sabemos,implicitamente se define pelo conhecimento de simesmo e do mundo metafísico. Compreender-se-áque a tarefa deve começar no interior do ser, paraestender-se depois ao cosmo, já que nessa tarefa sedescobrem, uma a uma, as leis universais que regema Criação.

Será fácil a todo entendimento admitir a lógicadesta advertência que formulamos, para que nin-guém incorra em engano, acreditando que pode uti-lizar os conhecimentos logosóficos como panacéiapara, num instante, obter resultados mágicos nesta

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ordem de investigações, o que implica nada menosque tocar fundo num dos arcanos mais insondáveisda existência humana.

Salta à vista que o processo de aproximação evinculação íntima com o próprio espírito requertempo e paciência, consubstanciados num empe-nho constante e sincero. Se alguém assegurassehaver estabelecido essa conexão, responder-lhe-íamos que um conhecimento assim não se guardanos bolsos, nem se consegue sem haver antes percor-rido o único caminho para alcançá-lo. O homem nãopode reservar para si o que, por dever inescusável,requer ser compartilhado com seus semelhantes.Até este preciso momento, não temos nenhumanotícia de que alguém tenha encarado esta questãocom a seriedade e precisão com que o fazemos.

Muito a contragosto, vemo-nos obrigados a insis-tir nessa afirmação, para que ninguém confunda osclaros pronunciamentos da concepção logosóficacom os já divulgados, porque diferem fundamental-mente, sem que exista o menor ponto de coincidên-cia entre tão opostas apreciações. O homem de hoje ea humanidade de amanhã, formados nesta nova cul-tura, haverão de avaliar e julgar, por própria conta e

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experiência, de que lado se encontra a verdade e deque lado o erro.

Seguindo o curso de nossa exposição, queremoschamar mais uma vez a atenção para um fato queconsideramos vital para melhor compreender odesenvolvimento dos conhecimentos que direta ouindiretamente dizem respeito ao tema. Esse fato é oseguinte: os contatos com o próprio espírito semprese produziram e seguem produzindo-se inconscien-temente, em razão de sempre ter sido ignorada suarealidade dimensional, embora sujeita às modifica-ções que a seu favor se produzam no interior de cadaindivíduo. Isso leva a pensar que é absolutamentenecessário estabelecer esse contato conscientemen-te, para extrair a essência viva do existir que animanossa vida, pois depende dessa relação direta e cons-ciente o acerto com que devemos levar avante nossaaproximação e identificação com ele. Não busque-mos sua presença fora de nós, nem pretendamos vê-lo com os olhos do cético, porque nenhum resulta-do se obterá por tais vias. Para sentir sua realidade epoder receber o influxo de seus diáfanos e inefáveisditados, temos de preparar nosso equipamento psi-cológico e mental. Dele poderá servir-se o espírito,

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aumentando ao máximo as possibilidades de nossacapacidade mental e sensível. Quando isso acontece,experimentamos a sensação de assistir a uma notávelmudança interna. As duas naturezas, a espiritual e afísica, terminam por fundir-se, após uma luta pelopredomínio de uma sobre a outra.

Não será demais indicar o melhor comportamen-to para iniciar o ansiado trato com o ente incorpóreode quem nos estamos ocupando. Após a preparaçãológica que já assinalamos, cumprirá invocá-lo e falar-lhe em seu idioma metafísico, o único que escuta, porser da sua mesma essência. Como se faz? Muito sim-ples. É necessário que se constitua em nós uma per-manente expressão de anelos no sentido de alcançaro fim que nos propusemos, tal como o fazemos paraoutros fins da vida, e não ceder no empenho até obteros primeiros resultados. O idioma metafísico se reve-la na mente humana pelo conhecimento que dele vaitendo, à medida que se familiariza com os termos quelhe são consubstanciais.

A familiarização constante com a terminologialogosófica, que implica penetrar bem a fundo noconteúdo real das palavras, especialmente daquelasque encerram determinados conceitos, faz com que

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o espírito se comova e se sinta atraído para a esfera deatuação de nossa inteligência. Porém, simultanea-mente, será preciso enriquecer a consciência, incor-porando nela os conhecimentos que, a modo de ímã,atraem e absorvem os que o próprio espírito custo-dia. Serão assim superadas as dificuldades que oimpediram de cumprir com sua elevada e grandeincumbência.

Vamos nos referir agora, por considerá-lo ilus-trativo e oportuno, ao erro que involuntariamente ageneralidade dos seres humanos comete, quandocrê que, ao proporcionar a si qualquer deleite estéti-co, recreia seu espírito. A mesma observação valepara o homem que fala de seu espírito com umaausência tal de sentido que dá a impressão de acredi-tar que o tem sempre à sua disposição. Crasso erro;não se atrai o espírito tão facilmente, depois de sehaver prescindido dele durante todo o curso da vida.Um tal esquecimento só se justifica pela ignorânciaou inconsciência do indivíduo. A atenuante, porém,não diminui em nada suas conseqüências, ou seja, oretardamento da própria evolução.

Com boas razões afirmamos que o espírito des-confia do ser físico quando este pretende atraí-lo em

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circunstâncias fúteis, já que não se persegue comisso nenhum objetivo compatível com a seriedadeque o espírito demanda.

A convivência com o próprio ente incorpóreo seproduz mediante um processo de familiarizaçãomútua, que em cada ser humano se concretizasegundo sua capacidade individual de realização.No ente físico ou alma, ela se verifica pelo processode evolução consciente, porque eleva suas possibili-dades e lhe permite alcançar a zona mental domundo metafísico onde atua o espírito; e, neste últi-mo, ao retomar em forma gradual a ascendência queperdera com a puberdade do ente físico.

Os conhecimentos logosóficos fazem as vezes deponte e, ao mesmo tempo, servem de meio paraalcançar esse acontecimento maravilhoso, impossí-vel de conseguir por outros meios. Isso implica,segundo já ressaltamos, um comportamento ajusta-do a tal aspiração, para não se defraudarem as pró-prias esperanças e cair no engano. O empenho e aconstância no prosseguimento da empresa, para queos melhores resultados sejam assegurados, devemanter-se firme, como um imperativo irrenunciá-vel. Nada melhor, nesse caso, que recorrer ao que

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logosoficamente denominamos “pensamento-auto-ridade”. Trata-se de um pensamento instituído namente pela vontade do próprio indivíduo. É o encar-regado de dar permanência a suas aspirações e pro-pósitos, fazendo com que prevaleçam sobre todaingerência que atente contra sua determinação deevoluir conscientemente, ou seja, evoluir de confor-midade com a preceptiva logosófica e com o cabalcumprimento das leis universais. Fixar no pensa-mento-autoridade a imagem de que nada é compa-rável a esse magnífico transcender – obstáculo apósobstáculo – as limitações humanas, é fazer-se mere-cedor de uma recompensa infinitamente superior aoesforço, e de efeitos perduráveis.

Vemos, assim, o erro daqueles que pretenderamtranspor os propileus metafísicos sem o concursoinestimável do próprio espírito. Por elevado que sejaseu desenvolvimento intelectual, a mente comum,manejada pelo ente físico, não consegue jamaispenetrar na realidade do mundo metafísico, porquelhe falta o essencial: conhecer seu próprio espírito eencontrar com ele a forma e o meio de consumar tãoelevada aspiração.

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No curso do presente capítulo se poderá apreciar

melhor como se articula, por meio do processo de

evolução consciente, essa maravilhosa estrutura psi-

coespiritual que faz do homem uma figura de relevo

entre os demais seres viventes.

Temos de convir, porém, que o fato de ele se

achar tão bem acondicionado para a realização de

seu aperfeiçoamento integral não foi suficiente para

adverti-lo de que está facultado para assumir tão

grande como honrosa responsabilidade; e isso ele

mesmo o comprova, tão logo resolve dirigir seus

passos pelo caminho da evolução consciente, a

qual, ao iniciá-lo no uso correto de seu mecanismo

VtÑ•àâÄÉ DC

Articulação do mecanismo psicoespiritual humano

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psicológico, permite-lhe aquilatar os benefícios que

ela lhe outorga.

Pela primeira vez na história da humanidade é

possível ao homem ilustrar-se acerca da existência

nele de um sistema mental que, ao ativar-se median-

te o conhecimento de seus delicados mecanismos, se

converte na simbólica chave mágica que abre o her-

metismo dessas portas fechadas durante séculos aos

requerimentos de sua razão.

A Logosofia dá primordial importância à mente

humana, reconhecendo-lhe prerrogativas transcen-

dentais. Educada numa cultura superior mediante o

exercício e prática dos conhecimentos que ela põe a

seu alcance, a mente se torna instrumento soberano

da consciência, com aptidões tanto mais fecundas

quanto mais transcendentes sejam os conhecimen-

tos que a iluminam.

É de todo necessário insistir sobre o papel princi-

palíssimo que o conhecimento desempenha na

empresa de articular o jogo sublime das faculdades da

mente, por ser ali que a inteligência, em harmonia

com os conhecimentos que a ilustram, faz com que

estes se fixem na consciência, criando-se assim a cons-

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ciência transcendente, depositária dos conhecimen-tos, transcendentes também, que concedem superiornível hierárquico ao patrimônio hereditário individual.

É importante destacar que a consciência, interli-gada com a inteligência, só pode manifestar-se porintermédio dela. Por sua vez, a consciência recebe, ecom ele se enriquece, o eflúvio das verdades que, porintermédio da inteligência, penetram no ser emforma de conhecimentos. Certamente, as funções detão inestimável como sutil mecanismo escapam àcaptação de quem não intervém nele como executorconsciente do esforço requerido, mesmo se conside-rarmos que não há de ser difícil deduzir que a cons-ciência usa da inteligência para manifestar-se e aomesmo tempo enriquecer-se, o que faz a mente tor-nar-se diáfana como a própria consciência, respon-dendo aos ditados desta última numa ação tantomais fecunda quanto mais iluminada ela se encontrepor efeito do saber.

Deve-se procurar, pois, uma comunhão perfeitaentre mente e consciência, porque os conhecimen-tos depositados nela pela mente afluem a esta assimque deles necessita. Isso significa que a consciênciapõe à disposição da mente, iluminando-a, os conhe-

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cimentos que esta oferece para depositar naquela.

Por sua vez, a consciência é correspondida pela

mente em virtude das funções interdependentes que

realizam.

Não poderia ficar alheio a quem se proponha

encarar tão meritório labor o sistema sensível, uma

vez que o conhecimento transcendente regula os

movimentos da inteligência e da sensibilidade, o que

explica a importância assumida pelo contato harmô-

nico de ambos os sistemas dentro do complexo

mundo interior do homem.

Resta-nos ainda particularizar a correspondên-

cia direta entre espírito e consciência, a qual se

amplia, como dissemos, em razão dos conhecimen-

tos que absorve. Ao ampliar-se, a consciência dá ao

espírito oportunidade de manifestar-se, e permite

não só captar seu influxo, que continuamente insta

o homem a um maior esforço, mas também experi-

mentar a amplidão que a vida vai tomando quando

começa a ser governada pelo espírito.

Tudo o que vive no Universo está movido por

uma mesma e única fonte de energia. Em âmbito

menor, também o homem conta dentro de si com

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essa mesma fonte, que se ativa ao pôr-se em contatocom a vida universal. Essa fonte de energia é a cons-ciência, única capaz de mover todo o mecanismopsicológico humano e, com isso, os canais do senti-mento, que torna os homens grandes, abnegados enobres.

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Durante a infância, o espírito se manifesta no

ente físico ou alma da criança para preservá-la dos

males que a espreitam e partilhar com ela momentos

muito gratos. Não raro surpreendemos seu riso, na

vigília ou quando dorme, sem que aparentemente

haja motivo algum que o justifique. É que o espírito

se faz de “avô jovial” e sugere à incipiente reflexão da

criança coisas que, embora ela não as compreenda,

lhe causam um júbilo inocente. Não obstante, algu-

mas costumam ficar gravadas em sua mente, para

reaparecerem depois no adulto como incentivos ou

inspirações que iluminam sua marcha pelo mundo.

Mas há, além disso, um fato a que nos referimos em

VtÑ•àâÄÉ DD

Presença do espírito na infância ena adolescência

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estudos anteriores1 e que, agora, vamos destacarcom o alcance de uma revelação, por conter valoresextraordinários para a orientação atual e futura dainfância e da adolescência. Estamos nos referindo àatuação do espírito nesse período compreendidoentre o nascimento e a puberdade. Durante esselapso de tempo, contrariamente ao que se pensou atéagora, ou seja, que a mente da criança é inepta paracompreender certas manifestações da vida adulta,sendo relegada a meras adaptações primárias deconceitos, sua mente pode captar e compreendersem maior esforço muitas dessas manifestações, porfacilitá-lo seu próprio espírito.

A Logosofia revela que, durante essa primeiraidade, as possibilidades humanas são assombrosa-mente fecundas para o desenvolvimento natural davida consciente, com todas as prerrogativas que aevolução lhe abre no curso de sua existência. Amente da criança é terra virgem e fértil. Constitui,pois, não só uma necessidade, mas também umaobrigação moral e racional indeclinável, contribuirpara que germinem, nos pequenos mas fecundoscampos mentais da criança, sementes ótimas, se-1 Veja-se O Senhor De Sándara (págs. 490-492), do autor.

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mentes que contenham em possibilidade de mani-festação os recursos que a inteligência do homemnecessita para emancipar-se de toda pressão estra-nha a seu pensar e sentir, e para vencer as dificulda-des que há de enfrentar no curso da vida.

Destacamos como nocivo e como um total desa-certo, causa de grandes prejuízos para a existênciahumana, qualquer idéia ou crença que se inculquena criança e que seja contrária à verdade ou realida-de que ela, já adulta, haverá de comprovar por simesma. A mente infantil é sensível por excelência.Grava de forma quase indelével as imagens que osmaiores plasmam nela como sugestões. É o queacontece, por exemplo, quando se infunde na crian-ça o temor a Deus, provocando-lhe uma angústia tãoinútil como perniciosa para sua formação psicológi-ca e moral, sem ter ela cometido ainda falta alguma esem ter a menor idéia do que é um agravo à moral, àdecência ou à honradez. Também se lhe inculca otemor ao diabo, assustando-a com o chamado “infer-no”. Nenhuma dessas imagens é construtiva, eambas, ao contrário, a deprimem extremamente, jáque, carente a criança de defesas mentais, abandona-se à influência de uma sugestão que intumesce cer-

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tas zonas de sua mente, produzindo a “psiqueáli-

se”*, ou seja, a paralisação de uma parte de seu siste-

ma mental, justamente na zona onde seu espírito

pode manifestar-se com vistas a reinar em sua vida e

conectá-la ao arcano de sua própria herança. Como

se vê, a errônea intervenção dos maiores em sua fun-

ção de preceptores espirituais, de pedagogos ou pais

na formação moral, mental e psicológica da criança

é causa dos desvios que a juventude hoje padece,

com a conseqüente preocupação geral, da qual

quase ninguém escapa. Considerando a importância

dessa causa, expomo-la hoje à consciência de todos

os seres humanos, tendo em vista a solução que tão

aflitivo problema exige e urge.

É necessário favorecer nas crianças as manifesta-

ções tutelares de seu espírito, evitando tudo quanto

possa anular seu inestimável auxílio. Para tanto, não

se devem plasmar em sua mente pensamentos,

idéias ou palavras que as inibam ou restrinjam sua

liberdade de pensar. Tampouco se devem oferecer a

elas deprimentes espetáculos morais de família, ou

* N.T.: Neologismo logosófico que se refere à paralisação de uma zona mental afetadapor preconceitos dogmáticos, conforme Curso de Iniciação Logosófica, parágrafo 105.(N.T.: A forma que consta do texto original em espanhol é “psiqueálisis”.)

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deixar que escutem relatos de fatos delituosos, pornão estarem em idade de compreendê-los. Deve-se,isso sim, estimulá-las no amor a Deus, fonte de todaa Sabedoria; mas que esse amor se manifeste comoelevada vocação para o estudo e conhecimento ulte-rior das verdades, na dimensão que a cada um é dadoconhecê-las, isto é, na medida da capacidade indivi-dualmente alcançada.

Quanto ao amor aos pais, irmãos e semelhantes,já não se trata tanto de matéria de ensinamento,senão de exemplo. Nisso, como no erro que anterior-mente apontamos, é onde falha a maioria. Poucossão em verdade os que, com o exemplo, inspiramesse amor profundo que cada filho deve sentir porseus pais. Poucos são em verdade os irmãos maioresque, com seu exemplo, ensinam aos menores o cultoao afeto ou ao respeito recíproco. E que diremos doque ocorre de semelhante para semelhante, quandose carece de elementos básicos para a estruturaçãomoral capaz de manter uma convivência feliz?

Se o espírito percebe que o ser a quem ele animaé ajudado no favorecimento de sua evolução, se vêque não lhe são impostas idéias ou crenças que repe-le por inoperantes, ele próprio se converte em fator

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determinante de seu pensar e sentir, os quais, emboraincipientes na criança, constituem a base sólida de suasadia e ampla formação mental, moral e espiritual.

Queremos com isso significar que o espírito nãonasce com o ser humano, sendo, isso sim, o ente ima-terial que se vai formando no curso de nossas vidascom aquilo que tenhamos sido capazes de acumularna qualidade de patrimônio extrafísico próprio.Contém o provado cabedal da própria herança, oque significa, sem dúvida, que a dimensão de suaexperiência e de sua idade é maior que a do ser físicoa quem anima, pois é a soma dos valores extraídos decada período de vida do ser individual, seja nestemundo, seja no mundo mental ou metafísico.

Pensamos haver explicado com suficiente clarezaas dimensões deste fundamental conhecimento, querevela até que ponto se estendem as possibilidadeshumanas, e em que medida tudo isso foi ignorado porparte daqueles que, se o soubessem, teriam o dever deensiná-lo a toda a humanidade. Ao não fazê-lo, prova-ram sua incompetência e confessaram suas infrutífe-ras tentativas de ir além das reflexões comuns.

De nossa parte, aprofundaremos ainda mais otema para destacar alguns fatos que conceituamos

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dignos de explicação e ilustrativos da atividade doespírito nos primeiros onze anos de vida física dohomem.

A intervenção direta do espírito no cuidado davida infantil é inegável. Em freqüentes observações,pudemos comprovar essa intervenção e a formacomo o espírito exerce sua influência nos movimen-tos inconscientes da criança. Faz muitos anos, oautor deste livro se encontrava de férias num local deveraneio do País. Contíguo à casa que ocupava,erguia-se um casarão antigo, que ostentava no altoda fachada, sobre larga cornija, grandes vasos deconcreto, onde ervas abundantes proliferavam. Nopasseio que rodeava a casa, debaixo de uma daque-las atalaias de cimento, brincavam três meninos, omaior de sete anos apenas. Separava a casa, comocerca, uma tela de arame de forte contextura, quelhe permitia observar, do jardim onde se achavareunido com várias pessoas, o entretenimento dospequenos. Subitamente, um dos três meninos, omaior talvez, abandonou a brincadeira e instou seuscompanheiros a se afastarem do lugar. Haviam anda-do apenas alguns passos, quando o assombro tomouconta dos que observavam a cena, ao verem cair,

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sobre a área que os garotos haviam ocupado, o pesa-do vaso que momentos antes se erguia como adornono alto do edifício. Para quem observa com ampli-dão de juízo um tal episódio, não há dúvida de quenele participou o espírito do menino, ou o dos três,já que foi quase unânime o impulso de mudar delugar, sentido em conjunto por eles.

Outro testemunho: Certa vez um menino de unsoito anos brincava correndo entre os trilhos de umaestrada de ferro, no momento em que se aproximavavelozmente um trem de passageiros. Absorto em seumundo, não percebeu o que ocorria, nem pôde ouvir,por causa do estrondoso barulho do comboio, os gri-tos daqueles que lhe faziam sinal sobre o perigo.Nesse momento, um providencial tropeção o arrojoufora do alcance da terrível máquina e impediu quefosse sugado pela tromba de ar deslocada pelosvagões em sua vertiginosa marcha. O que provocou otropeção? Quem o salvou de um final doloroso no iní-cio da vida? Só e unicamente seu próprio espírito,expressão sublime da previsão suprema, que dessemodo ampara cada criança durante sua total incons-ciência dos perigos que a espreitam, aos quais tãoexposta está nesse período incerto da vida humana.

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Iguais a esses, poderíamos citar uma infinidadede casos, aos quais teriam de ser somados os que oleitor conserva sem dúvida na memória, seja comoobservações, seja como episódios vividos por elemesmo. Os que expusemos bastam, porém, para seformar um juízo da evidência com que o espírito semanifesta em defesa do ser a quem anima. Atribuirisso a outras causas ou fatores é pisar no solo resva-ladiço das presunções, que só fazem manter indefi-nidamente o desconhecimento de uma realidadeque tão importante valor assume no desenvolvimen-to das aptidões morais e mentais do indivíduo, e quetanto contribui para enaltecer a vida e dar-lhe umconteúdo espiritual de insuspeitados alcances.

Não obstante, poderá alguém nos perguntar:“Por que morrem diariamente tantas crianças emacidentes? Onde fica nesses casos a proteção do espí-rito?” A resposta a estas lógicas indagações não des-trói nossa afirmação, pois nem todas as vidas seguemo mesmo curso, nem sobre elas atuam os mesmosfatores. As leis que nos conferem liberdade sobrenossos atos são as que determinam, depois, os próse os contras manifestados ao longo de nossa existên-cia. Não nos esqueçamos, então, de que a vida de

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uma criança pode estar condicionada ao veredictodas leis no que se refere ao desenvolvimento evolu-tivo de seus pais ou dela mesma. Além disso, as con-seqüências que as imprevisões e descuidos acarre-tam – causa muitas vezes de dolorosos acidentescom as crianças – não formam também parte dasduras experiências da vida?

Seguindo a ordem desta exposição, fruto de deti-das investigações combinadas com a aplicação deconhecimentos logosóficos que penetram a fundonas complexas articulações da psicologia humana,apontaremos agora um acontecimento que se verifi-ca com todas as almas ao chegarem à puberdade. Odespertar dessa idade crítica traz, como conseqüên-cia, o retraimento do espírito. É justamente nessaidade, a mais necessitada de noções precisas sobre oespírito, que o ser se encontra órfão de toda explica-ção ilustrativa além daquelas que os maiores lhe cos-tumam dar de forma ambígua e confusa. Apenas depassagem, não esqueçamos que estes por sua vezreceberam de outros, em seu tempo, conceitos igual-mente errôneos.

O retraimento que o espírito se impõe, com o sur-gimento da adolescência, ocorre porque nessa idade

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o instinto toma força, surgem as paixões, e o ente físi-co se vê de repente submerso no mais cru materialis-mo. E aqui devemos destacar um fato que se repeteuma infinidade de vezes: o espírito sofre, em tais cir-cunstâncias, um eclipse que chega em muitos casos aser quase que definitivo. Não se notam, com efeito,nem sequer vestígios de sua existência nos pensa-mentos, idéias ou atos de um sem-número de seresque terminam suas vidas em irreparável declínio.

Vejamos, agora, como se pode neutralizar ainfluência do instinto durante a puberdade e evitarque ela anule a do espírito. No campo experimentaldas atividades logosóficas, tem-se podido compro-var que a atenção especial consagrada às crianças,com o emprego do método logosófico, lhes permiteentrar na puberdade sem que sejam surpreendidaspor temores, coibições e toda essa gama de sugestõesque o despertar do sexo traz consigo. É precisamen-te nessas circunstâncias que afloram na mente e nosentir do adolescente as imagens sombrias que lheforam inculcadas na infância. O temor a Deus oescraviza e oprime, não lhe permitindo refletir sobresuas próprias dificuldades. Acossado pelos pensa-mentos, sente-se quase que um infrator das leis

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naturais. Isso geralmente o leva a cometer impru-dências e desacertos que agravam cada vez mais seudesamparo moral. A Logosofia previu essa inquie-tante situação a que é submetido o adolescente, porcarecer ele de recursos para enfrentar a inevitávelpassagem entre uma idade e outra. Ensina-lhe a criarsuas próprias defesas mentais e o guia no conheci-mento gradual das contingências que deve enfren-tar, para que as resolva pela via natural da reflexãoserena sobre os fatos. Dessa maneira, consegue-seque o espírito mantenha sobre o ser sua influênciacomo na infância; e é na força mental e psíquica queele lhe ministra que o adolescente encontra o pontode apoio para não se desencaminhar em tão delicadaprova de sua experiência no mundo.

Naturalmente, a moral do lar logosófico contribuide maneira decisiva para formar nas crianças e adoles-centes uma idéia inequívoca do desenvolvimento davida em seus termos mais prudentes e sensatos. Aforça do exemplo do lar os leva, assim, a verificar o queocorre nos ambientes não logosóficos e a julgar por simesmos a conveniência de ser cada um deles dono deseus pensamentos e de seus atos. Buscam, assim, a tri-lha moral para o aproveitamento de suas energias

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internas, que o próprio espírito individual sabe orien-tar muito bem, sobrepujando sem maiores dificulda-des as alternativas desse período crítico da vida.

Deve-se entender que o adolescente, quando nãoevidencia as defesas mentais que a Logosofia lhe ensi-na a organizar, vê-se obrigado a manter penosas lutasentre seu pensar e seu sentir. Dessas lutas, não sãopoucas as que fazem sua saúde ressentir-se visivel-mente e que abalam sua moral. Com tais desvanta-gens, fruto da ignorância e da inexperiência, ao passarpela idade púbere entra na vida. As novas preocupa-ções lhe vão devolvendo pouco a pouco o equilíbriofuncional de suas ocorrências internas; entretanto, noseu andar pelos caminhos do mundo sem uma orien-tação segura, logo é colhido por novas acometidas doinstinto e pelas não menos impetuosas investidas decertos pensamentos que, dentro de sua mente, tratamde apoderar-se do governo de sua vida.

Considerando serenamente os sérios riscos queuma infância e uma juventude descuidadas ocasio-nam à criatura humana, é fácil apreciar a importân-cia que tem, desde a primeira idade, preservar acriança de preconceitos, de crenças e de toda idéiasugestionante e inibitória que atente contra o desen-

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volvimento normal de sua natureza pensante e dosdemais atributos afins com sua condição de superio-ridade entre os seres criados. A criança deixará assimseu mundo, o da infância, para entrar no da adoles-cência provida de defesas contra as contaminaçõesque a ameaçam, ao que se deve somar, logicamente,a assistência dos maiores, aos quais cabe o dever defamiliarizá-la com o panorama de uma vida que paraela repentinamente mudou. Quantas vezes, porém,a vemos entregue aos próprios recursos, sem maisgoverno sobre si que as ilusões que surgem frondo-sas de sua imaginação, em virtude desse aglomeradode manifestações novas e de todo tipo que sua natu-reza experimenta. Recordemos, não obstante, quenão são poucos os casos em que uma idéia inespera-da, uma reação saudável no instante mesmo de darum mau passo, pareceria querer dar-nos testemu-nho de que não desapareceram totalmente asinfluências sadias e inocentes daquele primeiroperíodo da existência, sem dúvida como reminis-cências com que a Sabedoria Universal ampara oincipiente explorador que se interna às cegas nocomplicado mundo da grande experiência humana.

A Logosofia indica ao homem o caminho, aorevelar a seu entendimento as possibilidades que

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tem para o reencontro com seu espírito e para expe-rimentar conscientemente a realidade de sua exis-tência. É preferível, e altamente benéfico para aalma, dominar o campo de suas possibilidades aseguir ignorando-as. O clarão de uma luz na escuri-dão da noite, quando esta nos colhe na vastidão dospampas, pode servir-nos de orientação; devemos,porém, recorrer a nossas forças para chegar até olugar iluminado. O baquiano* não necessita desseclarão, pois leva dentro de si a orientação precisapara não se extraviar.

* N.T.: Baqueano, vaqueano: guia prático, conhecedor de uma região e de seuscaminhos.

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Das observações e constatações obtidas pelainvestigação logosófica, pôde-se estabelecer que oespírito recolhe e conserva, do ser a quem anima, osbens substanciais que integram o patrimônio daprópria herança. Triste é, porém, reconhecer que naimensa maioria dos homens esses bens quase nãoexistem, por terem vivido numa lamentável indi-gência espiritual. Salta aos olhos quão poucos jápuderam aumentar tão precioso acervo e, se o fize-ram, foi sem ter verdadeira consciência disso. Surgecom evidência o que asseveramos, sem os véus domistério, no caso dos meninos prodígios, realidadehumana sobre a qual nunca se deu uma explicaçãosatisfatória.

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Algo importante relativo à herançae que também concerne ao destino

do homem

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Já dissemos que o espírito protege o ente físico

e com ele convive, por assim dizer, durante os anos

de sua infância. Pois bem; quando excepcional-

mente se produz, por impulso da própria herança,

o despertar prematuro de uma faculdade – a reten-

tiva ou da memória, por exemplo –, o próprio espí-

rito a usa para conectá-la ao saber acumulado nessa

herança. Exaltada essa faculdade até o limite da rea-

lização que a precedeu, comprova-se o maravilho-

so encontro das duas naturezas atuando em con-

junto, embora a própria criança não tenha a menor

consciência disso, porquanto é alheia ao processo

que influiu no desenvolvimento prematuro dessa

faculdade. O prodígio desaparece comumente nas

primeiras manifestações púberes, pela influência

do instinto nessa idade. Há casos, todavia, em que

o influxo do espírito se prolonga por intermédio de

uma inclinação ou vocação que coincide com a de

épocas passadas. A reminiscência toma, assim,

força de realidade num renascer estético que, trans-

pondo a idade do esquecimento na puberdade, se

reencontra florescendo muitas vezes em plena

juventude. O mesmo caso se percebe na facilidade

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que muitos seres têm de exercer uma profissão ou

dominar determinado campo das atividades hu-

manas. Para o sagaz e hábil observador nessa clas-

se de investigações, fica bem claro que em tais seres

se define, com caracteres irrefutáveis, o aproveita-

mento, embora de forma inconsciente, da herança

de si mesmo, concepção exposta num de nossos

trabalhos anteriores1.

Apóia nossa asseveração o fato de que homens

de inteligência preclara, destacados num ou noutro

ramo da ciência ou da arte, favorecidos por essa

herança nem sempre mostram condições de igual

hierarquia na ordem dos valores morais e espirituais.

São muitos os que não acusam um grau de aperfei-

çoamento interno de acordo com sua genialidade.

São conhecidos, também, os desequilíbrios causa-

dos pela exaltação unilateral das faculdades, a qual,

deleitando o indivíduo às vezes até a embriaguez,

anula qualquer outra possibilidade nobre de sua

natureza. Pareceria perceber-se nisso a mão do Cri-

ador, mostrando-nos que a vida deve elevar-se em

todas as suas manifestações.1 Veja-se A herança de si mesmo, do autor.

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Os bens que o espírito põe a nosso alcance pelavia da evolução consciente, em graus de crescenteavanço, longe de produzir desequilíbrios, favore-cem a harmonização de todas as faculdades queconfiguram a psicologia humana, o que de nenhummodo implica deixar de sobressair em determina-dos campos da inteligência. A Logosofia ensina ohomem a ser consciente dos bens herdados do espí-rito e a usufruí-los com proveito para sua evolução.Como se pode apreciar, o fato tem uma importânciadecisiva no destino que cada qual deva forjar paraseu bem.

Apesar do já exposto sobre esta atividade do pró-prio ente incorpóreo, que tão fundamental missãodesempenha no destino de nossa existência, vamosassinalar alguns episódios que explicam o porquê deacontecimentos que não obedeceram precisamenteao saber nem à vontade do indivíduo. Vem sendodito, por exemplo, desde a Antiguidade, e até hoje serepete – mesmo que não passe de uma figura poéti-ca –, que os artistas recebem sua força inspiradora decertas deidades, as Musas, ou de uma potestadegenérica chamada Nume. Formosa ilusão! Porém,mil vezes mais formoso e real é saber agora, concre-

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tamente, que o próprio espírito é quem extrai dohaver hereditário o elixir mental que torna possívela obra de arte, a criação musical ou o êxtase poético;é também saber que é ele quem faz possíveis, noscampos de batalha e nos da ciência, suas heróicas eabnegadas façanhas. O certo é que não respondem ainspirações abstratas, mas sim a cabais manifesta-ções do espírito de seus protagonistas.

Esse haver hereditário, até agora ignorado, podeser comparado aos fundos que reiteradamentevamos depositando num banco e que, em certomomento, extraímos para fazê-los crescer em algu-ma operação comercial ou financeira. Constituem,por conseguinte, nossas próprias reservas. Assim,pois, quem em nenhuma etapa de vida física dedicouseus esforços a determinada preferência – à arte, porexemplo – e em dado momento resolve dedicar-se aela, em vão reclamará a assistência de seu espírito,porque nessa “conta bancária” não se acha deposita-do fundo algum, e, é lógico, o referido “nume” nãopoderá inspirá-lo.

Não se pense, porém, que a assistência do espí-rito a que aludimos tem algo a ver com o processo deevolução consciente que a Logosofia ensina a reali-

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zar. Não; fizemos menção a ela com o objetivo demostrar, por um lado, como se produzem essasmanifestações à margem do saber e da vontade doindivíduo e, por outro, para salientar o erro de atri-buí-las a uma irrealidade, a uma figura estéril para avida humana.

Muito diferente é, por certo, quando o ente físi-co, instruído por estes conhecimentos, consagra suavida à mais elevada e extraordinária das artes, que éa de forjar a própria escultura, plasmando-a em rea-lizações do mais alto valor transcendente, ou seja, aobra de aperfeiçoamento individual, que leva implí-cito o hálito imortal da Sabedoria. Esta obra nãopoderá jamais ser executada sem que antes sejampostos em condições os sistemas que integram a psi-cologia humana e, muito especialmente, sem amanutenção duradoura dos estados conscientes,pois a consciência não deve permanecer alheia anenhum movimento volitivo que tenda a esse fim.

Devemos anotar aqui outro fato não menosimportante: a possibilidade que oferecemos ao pró-prio espírito para que recolha e conserve todo o con-teúdo valioso de nossa vida, como realização supe-rior em cada um dos auspiciosos acontecimentos

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que a evolução consciente vá determinando. Esta-mos nos referindo à herança de si mesmo, isto é, atudo o que cheguemos a ser e possuir em sabedoria,em função da capacidade mental alcançada nas esfe-ras do mundo metafísico. A Logosofia define essemundo como o âmbito cósmico onde atuam as leisuniversais, em suas múltiplas configurações e efei-tos. Por tal motivo, abarcar a dimensão deste saber éalgo que sempre dependerá do esforço individual,do empenho que cada um ponha de si na consuma-ção do processo de sua evolução consciente. Deve-mos ressaltar, contudo, que os que seguem as disci-plinas logosóficas são assistidos eficazmente pelosmais avançados no cultivo desta ciência, e essa ajudaé de inestimável valor para fixar com clareza a condu-ta que deve ser seguida em cada circunstância, e paraalcançar, após o estudo e a realização interna, umpleno domínio de cada conhecimento logosófico.

Não devemos esquecer que o advento do pró-prio espírito é um acontecimento que implica umrenascer e uma permanente modificação essencialda vida e, portanto, do próprio destino. Quem assimnão o entenda antes que o fato se produza, e penseque poderá continuar com as mesmas expressões

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rotineiras e vulgares da vida corrente, fará muitobem em permanecer à margem desta realidadesuperior que estamos apresentando à sua razão e aoseu sentir. Ninguém que tenha vivido no cativeiropoderia comportar-se, fora dele, tal como por obri-gação o fazia, enquanto suportava a escravidão. Poisbem; do mesmo modo, quem anela estender odomínio de sua inteligência a planos superiores deconsciência, uma vez alcançado esse objetivo nãopoderá mais se comportar como se isso não tivesseacontecido. Será o próprio espírito, então, quemexigirá, em troca de seu inestimável aporte, umaconduta afinada com o novo pensar, sentir e atuardo ser que ele anima. E essa conduta não pode seroutra que a de desempenhar-se à altura de suasinvestigações, sem agora sofrer as interferênciasdaqueles pensamentos2 que atuaram antes de sehaver penetrado, ainda que de forma incipiente, nogrande enigma da própria existência.

Fica claramente explicado que a função primor-dial do espírito é a de perpetuar-se através da exis-tência; e, como tal perpetuação requer necessaria-mente uma causa que a ative, essa causa se efetiva na2 Veja-se Logosofia. Ciência e método (Lição IV, pág. 55), do autor.

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evolução consciente, que, por sua vez, determina ocurso da própria herança até culminar, em seu ine-fável apogeu, com a posse da Sabedoria. Essa é arazão pela qual o espírito se sente irresistivelmenteatraído quando a alma empreende decidida o pro-cesso de evolução consciente, por ser ali, na cons-ciência, onde se dá a sublime conciliação entre oespírito e o ente físico ou alma. Naturalmente quenão se chega a isso senão após um constante ades-tramento das articulações mentais e sensíveis, o queas condiciona para tal fim. Será preciso desterrar damente todo pensamento contrário a esse objetivo eauspiciar, em grau máximo, a afluência daquelesoutros que concorram para favorecer o desenvolvi-mento do aludido processo. Voltamos a mencionar,aqui, a importância de nossa mente ser presididapor um pensamento-autoridade, cuja função reito-ra imponha a necessária disciplina à nossa vontade,aos nossos pensamentos e ações, para evitar, poruma parte, entorpecimentos estéreis do esforço e,por outra, garantir o inestimável concurso que nossoespírito haverá de nos prestar.

Deixamos, pois, a critério do leitor a apreciaçãodos valores de um conhecimento que conduz o

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homem ao encontro com seu espírito, para receberde suas mãos o acervo de sua herança. Poderá, tam-bém, estimar a expressão de justiça revelada nelapela grande lei de evolução, que estabelece, paratodas as criaturas inteligentes que povoam o orbe, amesma invariável conduta consciente de ascensãoaos escalões da Sabedoria Universal. Disso sedepreende que, se nosso cabedal hereditário indivi-dual não satisfaz, apesar de sermos nós próprios osresponsáveis diretos por isso, resta a possibilidadede enriquecê-lo e desfrutar, hoje mesmo, sua magní-fica virtude compensadora. A Logosofia dá tudo aquem não tem e, àquele que tem ou acredita ter, ofe-rece quanto lhe falta para conhecer sua verdade e serfeliz.

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Ao dar a conhecer os fatores que intervêm no que

ocorre diariamente dentro do mundo interno de

cada indivíduo, a Logosofia põe ao alcance do

homem a chave do conhecimento causal referente à

sua vida, evolução e destino. Não podem permane-

cer alheias a tal prerrogativa as leis universais, por

serem as que sustentam os pilares da Criação e ani-

mam a vida de tudo quanto existe. É dever do

homem não infringi-las e auspiciar, em todo o

momento, o selo de seus desígnios, cumprindo com

seus mandados, o que lhe outorga a segurança abso-

luta de seu amparo.

As leis sobre as quais a ciência oficial fundamen-

ta suas investigações e descobrimentos surgiram da

VtÑ•àâÄÉ DF

Leis universais

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necessidade de ordenar o que concerne ao compor-tamento da atividade material ou física do organis-mo biológico humano e dos processos de toda espé-cie compreendidos na natureza, sujeitos acomprovação. Nada nos dizem com respeito às prer-rogativas conscientes do homem, nem à evolução desuas possibilidades de alcançar as altas esferas doespírito.

As leis universais, sobre cujas funções aLogosofia informa, se identificam com as normas deuma ética elevada, acorde com sua natureza, cujaorientação coincide com a via de conhecimentosque, na ordem superior, o logósofo cultiva. Tais leisestabelecem uma nova relação de causas e efeitos,que permite compreender sem dificuldades o amplopanorama da existência humana, ao mesmo tempoque orientam e prescrevem normas de conduta parapercorrer as sucessivas etapas do aperfeiçoamento.

Convenhamos que as leis da Criação ainda sãomuito pouco conhecidas pela humanidade, já que,sendo elas advogados e juízes ao mesmo tempo, amaioria ignora como elas atuam e como ditam suassentenças quando julgam. Ignorando isso, mal podeo homem conhecer os fatos de sua vida interna,

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capazes de ultrapassar, toda vez que uma lei se pro-

nuncia em harmonia com as demais leis, suas mais

fantásticas lucubrações.

Ao ilustrar o homem sobre o mecanismo das leis

universais, a Logosofia lhe permite ajustar sua vida à

realidade que elas determinam e livrar-se do vazio e

da opressão moral causados por seu desconheci-

mento. Começa a dominar, assim, o campo mais

imediato em que essas leis atuam, que é precisamen-

te o que cada ser ocupa, a própria vida, a vida do ser

humano, e, por efeito do saber que acumula, apren-

de também que no Universo tudo se realiza median-

te processos.

Ao plasmar a imagem da criatura humana, Deus

determinou para ela o cumprimento de todos os

ciclos de evolução preceituados pelas leis supremas.

É lógico então que o homem, ao conhecer as leis e

superar tudo o que nele é superável, vá compreen-

dendo qual deve ser seu destino e qual sua conduta.

Os processos cósmicos, regidos pelas leis imutá-

veis que regulam a vida de todo o Universo, dão a

pauta dos demais processos que nele se cumprem,

inclusive os humanos, sendo fácil de compreender

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que respondam com suas sanções a qualquer altera-

ção ou falta.

O homem estabelece contatos com as leis uni-

versais por meio da consciência; sendo assim, é for-

çoso ressaltar a importância de acrescentar esse

valioso fator de enlace, dando força ao propósito de

não infringi-las, o que favorece sumamente o pro-

cesso de evolução consciente. Já não se cometerão

faltas, não se contrairão dívidas; tampouco se atrai-

rão sanções.

Na natureza tudo está regido por uma norma

universal; uma norma que corrige os infratores. Na

ordem civil as pessoas são multadas ou detidas, para

que adquiram consciência disso e não voltem a

incorrer em falta; na ordem transcendente é exata-

mente igual, só que, ao invés de privá-las da liberda-

de ou de multá-las, as leis as corrigem, fazendo com

que compreendam, por diversos meios, que não

devem desacatá-las.

As leis humanas foram inspiradas nas leis uni-

versais e tendem a assemelhar-se a elas, embora dis-

tem muito da perfeição, já que as universais, além de

serem absolutamente justas, se cumprem com o

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rigor da exatidão e da pontualidade; as leis humanascontêm grosseiras falhas, a maioria delas originadasem debilidades dos próprios homens.

Devemos acostumar-nos a pensar que as leis sãoeminentemente justas ao se pronunciarem sobrenossos atos. Se nos tornamos credores de um juízoadverso, nunca pensemos que na dor existe o casti-go, senão a oportunidade de saldar uma dívida, denos liberarmos de algo negativo que ainda perdura.Isso implica considerar a ação das leis de um pontode vista humanitário, o que permite compreendermelhor seu mecanismo e a generosidade com queatuam.

Deus, único ser na Criação que não tem par,desce até o homem em virtude de Suas Leis e de SeuPensamento, expressado em cada uma das coisascriadas. Com a prerrogativa de chegar a ser em espí-rito semelhante a Ele, concedeu-lhe a de conhecersuas leis para reger por elas sua vida como ser huma-no e imortalizar sua existência como ser espiritual.

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Apesar de sua natureza imaterial, isenta de toda

contaminação terrena, o espírito absorve do ser físi-

co a que está ligado – exatamente como ficou expli-

cado a respeito do positivo – tudo de negativo repre-

sentado por delitos, erros e culpas cometidos

durante a vida, dentro de uma ampla gama que abar-

ca desde as crueldades mais desumanas até as mais

leves faltas.

As leis universais são inexoráveis; nada nem nin-

guém está fora de seu influxo. Portanto, com respei-

to ao homem, é inexorável também a lei que rege sua

herança. Perante ela não valem tronos, nem títulos,

nem vestes douradas, se os pensamentos e a vontade

VtÑ•àâÄÉ DG

A herança que o espírito recolhe eleva como carga ou dívida angustiante

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de seus donos deram origem a seu próprio infortú-nio e ao infortúnio de seus semelhantes. Páginasnegras integram em tais casos o livro da herançaindividual, o que é extensivo a todos aqueles que,com idênticos resultados e qualquer que tenha sidosua atividade na vida física, usufruíram uma posiçãoem detrimento moral e material de outros seres.Nenhum espírito fica, pois, isento desse encargo tãosabiamente disposto pelo Supremo Criador. Issoimplica ser cada um o responsável direto por seudestino; implica depender exclusivamente dele suasupervivência e perpetuação como indivíduo que seeleva às alturas extrafísicas, onde impera o Pensa-mento Cósmico de Deus, ou que venha a desapare-cer, absorvido e desintegrado pela inércia acarretadapor seus desvios. O ser humano pode deter a tempoa anulação de seu ente espiritual, se faz uso da gran-de oportunidade que a mesma lei da própria heran-ça lhe concede, como expressão da mais alta justiça,ao permitir-lhe que se libere, constituindo-se emredentor de si mesmo.

Resta agora saber de que forma ele haverá deredimir-se. A Logosofia torna factível essa sublimerealização da vida interior, ensinando ao homem a

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lavar suas faltas com a água lustral que emana dasfontes individuais internas, tão logo tenha ele deci-dido encaminhar sua vida pela senda da experiênciapessoal consciente, isto é, quando, por própria von-tade, começa a reparar gradualmente todo o mal quetenha causado em sua longa peregrinação pelomundo. Mas, insistimos, como fazer isso? Como ali-viar a alma do angustiante peso das faltas? ALogosofia responde com a segurança absoluta quecaracteriza seus pronunciamentos. E responde nãosó afirmativamente, mas ensinando também a formade realizá-lo.

Enquanto o homem não tiver consciência de queconta com a possibilidade de reparar suas faltas, irárepetindo-as incessantemente, pela ausência denoções sobre sua capacidade de redimir-se. Quandotoma consciência dessa realidade e sabe que só ele,unicamente ele, pode apagá-las mediante açõesreparadoras que excedam a dimensão delas, experi-menta a inefável felicidade de sentir-se livre do enga-no em que viveu, ao acreditar que outro poderiaredimi-lo por ele. Se atirais pedras contra vossa casa,quebrareis vidros e provocareis estragos nela; se dei-xais que vossos campos se encham de ervas dani-

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nhas, não reparareis vossa incúria implorando aajuda da Providência ou confiando que alguémdesça do céu para limpá-los. Não, isso não acontecenunca, porque vai contra a própria lei que estabele-ce para o homem uma linha de conduta em sua evo-lução. Tampouco seria honesto ou sensato pretenderque outros sanem os danos ocasionados por nósmesmos.

Por outro lado, compreender-se-á que Deus nãopode se condoer ante o ato emocional de um ser quemanifeste arrependimento pelas faltas que venhacometendo. Instituído no ser humano o processo deevolução consciente, a ele mesmo cabe julgar-se. Aninguém mais que a ele corresponde, pois, condoer-se e consternar-se pela situação criada. Se Deusadmitisse seu arrependimento como justificativasuficiente para absolvê-lo de seus atos equivocados,as próprias leis por Ele criadas de imediato o impe-diriam.

O arrependimento invocado num ato de emoçãonão evidencia de modo algum que o ser esteja verda-deiramente arrependido. O estremecimento que lheproduz a confissão de suas faltas, por sincero queseja, nada mais é que uma promessa. Por si só, o arre-

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pendimento não elimina a causa do dano; ainda queseja profundo, pode desaparecer da consciênciaantes que a falta tenha sido saldada. Como pretenderabsolvição, se antes não se deixou provada a sinceri-dade do propósito? Impõe-se, é evidente, que o pro-pósito de emenda perdure até alcançar sua realiza-ção; deve-se demonstrar com ações a compreensãodo erro e empenhar-se em saná-lo mediante a elimi-nação das causas que lhe deram origem, ou fazendo,como já dissemos, um bem de maiores dimensõesque o erro cometido. Em outras palavras, o propósi-to de emenda deve evidenciar-se na realização deatos meritórios. Eis aí um meio de se alcançar o ver-dadeiro perdão; um perdão que eleva a moral huma-na, outorgado por um tribunal que profere suas sen-tenças dentro do próprio ser.

Toda vez que pusermos mãos à obra e nos reabi-litarmos perante nós mesmos, evitando o dano coma devida compreensão do erro, colheremos pronta-mente o substancioso fruto de uma experiência posi-tiva. Se nosso mau proceder houver prejudicado aum semelhante e, por diversas circunstâncias, nãonos for possível repará-lo com um ato nosso que obeneficie, façamos então esse bem a outros – quanto

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mais forem, tanto melhor –, na segurança de que afalta ficará saldada. Proceder de outro modo implicafomentar o desenvolvimento cego do instinto, incli-nando-o para o mal, esse terrível flagelo do forointerno que apaga a luz do entendimento e faz o serreincidir em seus erros. Quanto mais livre se sentir oespírito da carga que suporta, tanto mais apto estarápara prestar seu inestimável auxílio ao ente físico.

Devemos destacar aqui algo de singular impor-tância, que deverá ser tido em conta por aqueles quenos leiam e se disponham a ensaiar nosso método1

para comprovarem por si mesmos estas verdades. Obem deve ser feito conscientemente, sabendo paraque se faz; e que em todos os casos tenha um fimaltruísta, verdadeiramente generoso. Antes de fazer-mos o bem a uma pessoa, asseguremo-nos de queesse bem não vai morrer nela, pois oferecê-lo a umser egoísta implica uma evidente perda de volumeem sua expressão humanitária. Mas se fizermos comque compreenda que nosso pensamento tem porfinalidade conseguir que ele mesmo sinta a necessi-dade de ajudar depois a outros, tanto ou mais neces-sitados do que ele, teremos poupado nosso bem de1 Ver Logosofia. Ciência e método (Lição VIII, pág. 99), do autor.

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uma segura diminuição. Quem foi ajudado nãopoderá reclamar mais o nosso auxílio se seu compor-tamento posterior, observado por nós, não se ajus-tou ao conselho que oportunamente lhe foi dado.

Adicionaremos, ainda, que o espírito, limpo detoda mácula, só busca uma coisa: o bem. O ho-mem, por inegável influência de seu espírito, tam-bém o tem buscado sempre. Mas, por que não criá-loem si mesmo? Acaso é possível encontrá-lo oumerecê-lo pelo simples fato de tê-lo buscado? Eisduas perguntas interessantes para quem estiverempenhado nessa busca. Mas caberia ainda umaterceira: como criá-lo?

Tenhamos primeiramente em conta que, para aLogosofia, ser bom ou ser melhor significa ser maisconsciente. Somente assim se pode chegar a ser bomno amplo sentido do termo. Do contrário, a bonda-de, essa bondade que não nasce na consciência,pode ser perigosa; em determinado momento, podetransformar-se em algo que não seja bondade. Tendoisso por base, quem se propuser criar o bem dentrode seus domínios começará por criar em si pequenosbens. A soma gradual desses pequenos bens irá for-mando, com o tempo, um grande bem, como suce-

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de com quem economiza dia a dia pequenas somas,as quais, aumentando, se convertem depois numcapital considerável. Segundo essa mesma lei here-ditária, o bem adquire mais e mais volume dentro decada um, até indicar que nasceu em nós uma inegá-vel capacidade, não só de prodigá-lo, como tambémde saber prodigá-lo. Todos esses bens, reunidos, sãomais valiosos que os materiais, porque perduramatravés das épocas, dos séculos, como uma pequenacriação dentro da Grande Criação. Cabe, pois, aohomem a possibilidade de dar vida a uma pequenacriação, modesta, mas eterna como a Criação, por-que ele mesmo se foi integrando com partículas delaextraídas.

Muitos métodos utilizados até o presente paratratar dos males que afetam a criatura humana have-rão de mudar no decorrer do tempo, e isso acontece-rá, sem dúvida, em inteiro acordo com a nossa afir-mação, ao considerar-se que a ignorância e ainconsciência são os males mais graves que o homemsuporta. De tais males parte tudo quanto ele faz emprejuízo próprio, ao predispô-lo continuamente adesvios e equívocos. Impõe-se, pois, anular uma eoutra causa, e assim já não haverá de experimentar

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as lutas de antes entre suas duas naturezas, porque,ao concentrar suas forças na eliminação dos malesque o afetam, amplia também sua consciência comos conhecimentos adquiridos, o que lhe proporcio-na a felicidade de constituir-se em testemunha cons-ciente de sua própria vida.

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Em seus momentos de dor, de grandes padeci-

mentos morais ou físicos, quando o ente humano,

prostrado, clama por uma ajuda superior, não lhe

ocorre pensar que é precisamente o espírito quem lhe

dá o alento e o consolo que demanda com urgência.

Habitualmente, invoca a Deus sem levar em

conta que, ainda que atendesse a seu pedido, Ele

lhe faria chegar seu auxílio somente por meio

desse nosso singular agente, o espírito, único apto

para ampará-lo nos momentos de extrema dificul-

dade. Não podemos admitir sensatamente que

Deus, que atende a todos os processos da Criação,

onde evoluem incontáveis milhões de sóis, plane-

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O auxílio de Deus chega ao homemunicamente por intermédio do espírito

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tas e mundos sob seu império absoluto, distraia-seum só instante em assistir esta ou aquela criaturadas tantas que reclamam sua divina ajuda na imen-sidão do cosmo.

Como complemento do que foi dito, é bomrecordar o que mais de uma vez afirmamos: os seresinvocam a Deus em seus momentos de desventura,pretendendo um amparo imediato, sem perceber,por outro lado, que poucos o fazem como homena-gem de gratidão por seus momentos de felicidade e,menos ainda, para mostrar-lhe o fruto de seus esfor-ços para vincular-se à sua maravilhosa Vontade,plasmada na Criação. É preciso, pois, recordá-lotambém nos momentos de alegria; a recordação,assim, não só perde o caráter especulativo, comotambém brota da gratidão pela felicidade que se vive.Então, sim, o espírito individual pode elevar a almae vinculá-la a vibrações superiores.

Se não temos uma exata noção dos verdadeirosvalores do espírito, não é possível compreendermosaté que ponto e em que medida ele pode prestar-nossua assistência. Se o negamos, por não termos deleuma constatação objetiva e precisa, estamos impe-dindo toda atuação sua em nosso favor. Porém, se

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preparamos nosso sistema mental e nosso sistemasensível, organizando-os devidamente, oferecer-lhe-emos ótimas oportunidades de manifestação,obedientes às suas próprias necessidades mais doque às de nosso ente físico. Com isso, obteremos asevidências dos benefícios que o espírito conferecomo agente direto entre o Criador e o homem, atra-vés do longo caminho que conduz a Ele.

Embora já nos tenhamos referido a isso em capí-tulos anteriores, não será demais reiterar que ohomem deve elevar seus objetivos e propiciar seuavanço ininterrupto para estados de crescente aper-feiçoamento, o que não só favorece a livre expansãodo espírito, como também o converte em herdeirodos bens que a Vontade Suprema tem reservadospara ele.

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O espírito goza de uma autonomia absoluta,

pelo fato de ser de essência eterna e existir sem as

limitações próprias da natureza humana. Isso deve

levar à reflexão todo homem que tenha preocupa-

ções amplas de saber, para valorizar em sua justa

importância a enorme vantagem que lhe depara sua

vinculação e identificação com ele.

Ninguém negará que o espírito tenha permane-

cido para sua pessoa como um ente estranho, a quem

em momento algum se deu participação ativa nos

atos da vida. Não obstante, já o dissemos em outro

capítulo, o espírito nunca deixou de aguilhoar o ser

físico, inquietando-o, incitando-o à busca, apesar

das resistências, indecisões e pretextos que incidi-

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Autonomia do espírito

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ram sobre sua vida, mantendo-a em constante osci-

lação, enquanto o tempo transcorre inexorável e a

peregrinação se torna mais e mais penosa.

A mensagem que a Logosofia traz para o homem

define-se no propósito de fazê-lo compreender que

sua existência transcorre em permanente descone-

xão com seu próprio espírito e que, em conseqüên-

cia disso, no breve transcurso de sua existência físi-

ca, só dispõe de sua “experiência pessoal”. Não pode

lançar mão da grande experiência que seu espírito

entesoura, porque isso somente é possível mediante

o processo de evolução consciente.

Quando o homem busca oportunidades para

que sua inteligência se ilumine com as luzes do

conhecimento, e para que sua sensibilidade se

expanda nas manifestações sublimes que lhe são

próprias, o espírito o assiste e preside todos os atos

de sua vida. Esta assume, então, características que a

distinguem da anteriormente vivida. Passa a haver

nela otimismo, energia, nobres afãs.

Nunca será demais insistirmos sobre a influência

extraordinária que o processo de evolução conscien-

te exerce sobre a vida, ao restituir ao ser, vítima fre-

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qüente de alterações que desfiguram seu tempera-mento, um grau ponderável de equilíbrio psicológi-co. Enquanto o ser pensa, relacionando intimamen-te pensamento e consciência, o espírito respiralivremente dentro da vida, expande-se, comparte asalternativas que a ele se apresentam. Comumente, éo ser físico ou alma quem enfrenta o rigor das lutasdiárias, às vezes adversas em extremo. Quantos jásucumbiram e quantos vivem amargurados sob opeso de tais situações! Por quê? Justamente porque oser luta sozinho, sem o auxílio direto do espírito. ALogosofia deixa sobejamente provado que, quandoo ser físico propicia a companhia do espírito, quan-do o busca, triunfa, vence obstáculos, transcendedificuldades, sabe em todo o momento sustentar suavida com decoro, com pureza, com grandeza dealma.

A autonomia do espírito se mostrará com maiorclareza se, ao que foi dito, acrescentarmos que elenão se acha sujeito ao ente físico nem sob sua depen-dência. Pelo contrário, é o ser físico quem deve sub-meter-se à sua influência e preparar-se para receberdas mãos do espírito o inestimável patrimônio desua herança. Esse patrimônio, que o espírito custo-

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dia rigorosamente, é entregue ao ser por partes, e só

mediante comprovadas demonstrações de eficiência;

isso quer dizer que é o espírito quem dá as cartas, e não

o indivíduo, mesmo quando seja do arbítrio do pri-

meiro ajustar-se totalmente às solicitações do segun-

do. Como se poderá notar, sendo o espírito o grande

agente criado por Deus para animar e ativar o ser físi-

co, sua intervenção está regulada pelos avanços deste

no caminho da evolução consciente, a qual, ao fomen-

tar o impulso do espírito, lhe permite dosar a herança

individual, que é entregue ao ser à medida que se faz

credor. O espírito deixa assim demonstrada sua auto-

nomia, manifestada no que retém e outorga.

Como ente autônomo, e não obstante a distância

que a alma lhe impõe devido ao desconhecimento

humano, o espírito mantém-se ágil e sempre vigilante,

disposto a intervir em qualquer circunstância propícia

e facilitar soluções de emergência extrema para a vida

do homem. É sumamente veloz; concebe e determina

instantaneamente o que convém ou não convém fazer.

A autonomia do espírito fica também provada

por uma série de fatos confirmadores1. Por exemplo:1 Veja-se O mecanismo da vida consciente (cap. X, pág. 89), do autor.

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ante alguma premência, um homem busca desespe-radamente uma solução feliz e não a encontra. Acon-tece, todavia, que, após uma noite de cansativa difi-culdade de dormir, desperta e encontra subitamentea forma de resolvê-la. Quem manejou sua inteligên-cia quando, adormecidos os sentidos, cessou odomínio de suas faculdades? Foi, pois, seu espíritoquem interveio e lhe fez chegar a solução que o serfísico não foi capaz de encontrar por seus própriosmeios na vigília. Negar esta realidade seria como quefechar as portas de acesso a um novo mundo, no qualas possibilidades humanas assumem inusitadatranscendência, e desaproveitar, por certo, a assis-tência que nos presta esse extraordinário agente que,mesmo integrando nosso ser e nossa vida, permane-ce ignorado por quem tanto poderia esperar de suaeficacíssima ajuda. Estamos nos referindo ao ho-mem comum, para quem não existe, dentro ou forade sua pessoa, outra coisa além de seu corpo, que eletanto adora, e seu famigerado “eu”, no qual encerratodo o seu egoísmo e concentra o máximo de suasesperanças.

O exemplo citado ilustra sobre a forma como oespírito aproveita os momentos em que o ser físico

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dorme, para usar da mente e dos pensamentos que

moram nela, permitindo-lhe em muitas ocasiões

recordar-se, quando aquele desperta, da solução que

buscou em vão durante a vigília.

Dentre tantos outros fatos que nos revelam a

ação isolada do espírito, tomemos o caso de um

homem que, estando disposto a tirar a própria vida,

teve inesperadamente de assistir a um enterro. Ao

observar o morto, viu a si mesmo depois do suicídio;

o fato o impressionou de tal forma que, pela primei-

ra vez, deu à vida seu valor aproximado e compreen-

deu que não devia desaproveitá-la; que a vida é uma

grande escola, onde se comparece para aprender e

realizar transcendentalíssimas lições. Acaso não se

percebe, através desse fato, o império de uma força

que atuou à margem de uma mente alienada pela

depressão e pela dor? Não atuou ali, subitamente, o

espírito?

É o espírito, indubitavelmente, quem alenta a

vida e a sustém quando o homem deve suportar os

transes amargos de sua existência. Não nos equivo-

quemos pensando em outra coisa ou descartando tal

realidade, porque isso implica uma enorme pedra no

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caminho, a qual impede nossa ascensão aos domí-nios do espírito na plenitude de nossa consciência.

Podemos observar, por exemplo, quando nosencontramos no paroxismo de uma dor ou sofri-mento que supera nossas forças, que as resistênciasfísicas e morais cedem, como se nossas reservas setivessem esgotado. É nesses momentos que se costu-ma sentir e experimentar a inesperada assistência dealgo assombroso. Uma força interna, desconhecida,nos alenta e reconforta, sustentando e levantandonosso ânimo. Quem fez surgir essa força, acalmandonossa dor e afugentando da mente os pensamentossombrios que faziam recrudescer nossa tristeza?Repetimos: ninguém mais deve se enganar, atribuin-do-a a fatores estranhos; por mais ponderáveis queestes sejam, mostrar-se-ão sempre alheios à nossarealidade e, portanto, inconciliáveis com nossarazão de ser, de pensar e de sentir. É o espírito, porconseguinte, o que, além de perpetuar a essência denosso existir, como já dissemos, em circunstânciascruciais nos infunde o valor extrafísico que só elepode infundir. Quanta doçura se derrama entãosobre a vida, quanta força interna surge, se não pararesolver a dificuldade, pelo menos para suportá-la

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com inteireza. E nunca jamais o espírito se negou acompartilhar as dores do ser físico, sobretudo quan-do este o invoca com seu pensamento. Saibamos,pois, reverenciá-lo, guardando no mais íntimo denosso ser o respeito que lhe devemos. Assim se rom-perá o feitiço de quanta superstição tem impedido oshomens, há séculos e milênios, de superar seus con-tratempos e despertar num mundo ao qual sómediante o próprio espírito podem ter acesso.

Quiséramos aclarar agora algo muito impor-tante: nem sempre o espírito se manifesta da formadescrita. Em muitíssimos casos, ele se abstém deintervir, porque sabe que certos sofrimentos sãomotivados por culpas ou erros reiterados de quemos padece. Neste caso, o sofrimento age como filtrodepurador, sem que por isso o ser se veja livre desua dívida, já que não intervém processo algum decompreensão a respeito. Em outros termos, aindaque a dor depure a alma da contaminação reitera-da, subsiste o débito moral do ser para com seupróprio espírito.

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Convém deixar especificado, para que não fiquea menor dúvida, que, embora o espírito individualseja o depositário de todo o mal feito por aquele aquem ele anima, como o é em relação ao bem, suanatureza não se contamina; mas a pesada carga dasfaltas cometidas o vai imobilizando, até fazê-lo su-cumbir por inação; isso acontece quando já se esgo-tou sua capacidade de resistência. Esta é, verdadei-ramente, a morte segunda, a definitiva1.

1 Apesar das grandes prerrogativas que o homem tem para perpetuar-se por meio da

herança, fato este que se define e se concretiza na formação superior da consciência, ao

alcançar a alma seus reais objetivos de uma permanente ação evolutiva, essa perpetua-

ção não poderá ser realizada se são burladas as leis ou infringidos os preceitos que

determinam o avanço em direção a tais objetivos. “A herança individual pode sofrer

relaxamento, e esse relaxamento levá-la, inclusive, à sua dissolução como linha que

individualiza o homem dentro de sua espécie. Isso tem sua causa na depuração lógica

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Desintegração do espírito por inércia

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Aprofundaremos um pouco mais o tema, com

o objetivo de que nossa palavra chegue mais clara

ao leitor. Deve-se entender por desintegração do

espírito a desconexão definitiva entre este e a cons-

ciência individual, que é, como ficou dito, a que

absorve o saldo dos valores, decantado das expe-

riências positivas e negativas, assim como o dos

conhecimentos.

À perpetuação do espírito interessa somente o

positivo intra-individual ou, em termos logosófi-

cos, a soma dos conhecimentos superiores adquiri-

dos e das obras de bem que, com esses conheci-

mentos, tenham sido realizadas nas diferentes

etapas da existência; mais concretamente ainda, a

essência dos pensamentos que presidiram cada

uma dessas etapas de vida e deram a elas um con-

teúdo exemplar.

que a lei de herança leva a cabo por via da seleção, já que pouco importaria aos pró-

prios fins humanos a perpetuação, por exemplo, de um homem que mostrasse em

todas as suas etapas de vida os sinais, expressões e características do bárbaro, ou do

indivíduo que tivesse chegado, em seu descenso, além dos limites permitidos pela lei.”

(A herança de si mesmo, pág. 22.)

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A inércia diante das necessidades de ordeminterna, exigidas pelo espírito reiteradamente e pormeio de múltiplas manifestações, posterga a forma-ção da consciência individual. Essa inércia pode pas-sar de crônica a permanente, sendo o espírito conde-nado a uma imobilidade definitiva. Nesse caso, jánão teria objetivo sua permanência no ser, pois opatrimônio espiritual ou herança de si mesmo have-ria passado da paralisia à dissolução, e a individuali-dade, substanciada nessa herança, teria sucumbidopor inação. O espírito volta então a seu mundo, ometafísico, para animar outro ser, outro movimentoe outra vida. Desintegra-se, pois, o espírito indivi-dual, quer dizer, a soma dos traços internos que dife-renciam um homem de outro.

A essência incorruptível e eterna da Criaçãoguarda o segredo de sua perenidade na renovaçãoconstante. A lei de conservação vigora, pois, paratudo o que se renova, o que muda e se supera em ati-vidade incessante. Essa prerrogativa foi dada aohomem pela lei de evolução, que significa mudar deestado, ir do inferior ao superior, conquistando pro-gressivamente graus mais avançados de consciência.Mudar de estado significa preparar a mente e a alma

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para que possam alcançar os contatos luminososcom o mundo metafísico. Nesse constante labor deauto-aperfeiçoamento, o ser vai eliminando de si,por efeito da renovação e do desarraigamento develhas tendências, de crenças absurdas e de concei-tos de evidente fundo irracional, o acúmulo de faltas,erros e deficiências psicológicas que não só o manti-nham na mais completa desorientação, como tam-bém constituíam a causa de sua inabilitação moral eespiritual.

Vejamos agora como a Logosofia penetra pro-fundamente no significado de cada palavra, expres-são ou conceito que o homem escutou e escuta semperceber bem seu conteúdo.

Dissemos que o ente espiritual fenece consu-mido pela inércia, fato que, intuído em épocas pas-sadas, deu lugar a que se acreditasse que duranteesse transe o espírito sofre os tormentos de sua ani-quilação. Não vamos nos ocupar agora desseassunto, já que ele responde a outro gênero de pro-nunciamentos. O certo é que a imaginação dos queintuíram tal coisa os levou a concretizar o supostotormento nas “chamas do inferno”; desde então,vem-se repetindo que os “espíritos pecadores se

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queimam eternamente” nas fogueiras infernais. ALogosofia declara e sustenta que, sendo imateriais,os espíritos são também incombustíveis, e que,supondo fosse possível a aceitação dessa tremendae audaciosa afirmação, outra coisa não se deduzi-ria disso que, ao resistir eternamente à ação daschamas, o espírito está provando sua absolutaimunidade à combustão. Por outra parte, comopode a alma humana conceber justiça em Deus, seEle permite semelhante sacrifício? E qual seria suafinalidade?

Cabe também perguntar: é possível que Deus,que criou a infinita imensidão dos mundos, queencerrou no átomo um maravilhoso mecanismo,possa permitir que as almas criadas por Ele se quei-mem eternamente? Torna-se, pois, insólito e inad-missível uma sanha que põe a descoberto um Deustão impiedoso; um Deus que só pode existir nasmentes alucinadas daqueles que inventaram esseenorme disparate.

Fizemos alusão a uma das tantas imagens depri-mentes com que se pretendeu atemorizar a alma,sugestionando-a e afetando sensivelmente sua facul-dade de raciocinar. Nossa palavra, ao assinalar o

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erro, libera a consciência individual, com uma lógi-ca irrebatível, de um absurdo cegamente aceito.

Uma das causas, talvez a principal, da aniquila-ção do espírito, ou seja, da morte segunda, é a atro-fia das faculdades da inteligência, especialmente asde pensar, raciocinar e observar. E o é porque, ao nãofuncionarem como devem, vão anulando as possibi-lidades humanas de supervivência, já que fecham asportas ao porvir do espírito; para isso sempre contri-buíram, em sumo grau, as crenças fanáticas ou cegas.O homem, acostumado desde criança a buscar tute-las para sua alma, incapacita-se espiritualmente parabastar-se a si mesmo. Hoje ele se debate entre a escra-vidão das fôrmas mentais que o oprimem e as ânsiasde saber, sem mais alternativa que a de pensar o estri-tamente necessário para mover-se dentro da ordemfísica. Não sabe dar ao aspecto espiritual o lugar pre-ponderante que ele deve ocupar dentro da vida, eassim permanece postergado através dos séculos,detido em sua evolução.

É virtude comprovada da ciência logosófica a dedespertar as faculdades da inteligência; e não só des-pertá-las, como também pô-las em atividade.Quando elas rompem as travas da submissão inter-

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na, o homem conquista a tão ansiada liberdade deconsciência, mobiliza sua faculdade de raciocinar eobtém segurança na elaboração de seus juízos, segu-rança que o ampara contra todo engano, contra todamistificação, provenha de onde provier.

Nos casos de embrutecimento, o espírito perma-nece ausente, impossibilitado de qualquer atuaçãoconstrutiva, porque o sistema mental funciona tãodefeituosamente que não lhe é possível a menorintervenção na vida do ser. Algo similar acontececom aqueles que renunciaram à sua individualidadepara se deixarem absorver pelo número; convertidosem homens-massa, perdem toda possibilidade dereceber o menor auxílio do próprio espírito. Esseauxílio se interrompe, com efeito, pois a mente dohomem-massa não responde à própria vontade, esim à alheia; obedece tão-somente àqueles que lheimpõem seus ditados, com a ameaça de severasrepresálias.

Os que vivem nessas condições raramente con-seguem por si mesmos recobrar sua individualida-de. Fizeram suas vidas retroceder a épocas que jádeveriam ter transposto, para não ficarem atrasadosno caminho da evolução. Apesar disso, temos funda-

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das esperanças de que o conhecimento logosófico,tão estimulante como fecundo, logrará finalmentedespertar neles o anelo de ser livres e donos de seuspróprios destinos, pois não se pode negar o direitoque o homem tem de crescer em liberdade, a fim deque os rasgos de seu espírito se desenhem nele complenitude.

Deixamos estabelecido neste capítulo que oespírito humano, cuja vida perdura através decada período de existência física, pode, não obs-tante, sucumbir e chegar à sua total desintegração.Triste fim para quem desconhece ou não leva emconta que lhe foi reservado um destino melhor.Diante do quadro desmoralizador que tais seresoferecem, torna-se sem dúvida grato e despertaotimismo saber que, quando a vida é sustentada efortalecida por conhecimentos que incorporam aseiva com que se nutre sua perenidade, o espíritocontinua existindo, porque a ele se dotou das for-ças necessárias para que viva sempre. Portanto,não se poderá negar o que temos reiteradamentesustentado, isto é, que quem realiza a verdadeirafunção da vida, sobrepondo-se a todas as contin-gências que possam surgir em seu andar pela terra,

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forja um destino superior ao do comum dos seres,um destino amplo, inundado pela luz de verdadesconquistadas e valorizadas pela presença imanen-te do espírito.

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É lógico pensar que as verdades descem do alto à

proporção que os seres humanos podem necessitar

delas ou merecê-las. Em determinada etapa da des-

cida, as verdades se desdobram, e, assim, enquanto

delas se desprende uma parte que se manifesta no

físico, a outra permanece no plano mental, espiritual

ou metafísico. Daí resultam as duas realidades que

configuram a verdade, uma física e outra espiritual;

esta última é a preeminente e a que perdura através

do tempo, por estar consubstanciada com a própria

medula da Criação. Sendo ambas da mesma essên-

cia, cabe pensar que tão real é uma como a outra,

porquanto a física se desprende da espiritual. Pois

bem; a conformação da mente humana não permite

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Rumos equivocados

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que o ser se interne no plano espiritual sem antesalcançar o grau de superação necessário para não seextraviar. Sabemos das sanções imediatas como tam-bém mediatas que existem quando, numa açãotemerária, se pretende penetrar nele: perda da razão,desconexão da sensibilidade humana com a realida-de física e espiritual. Não se deve esquecer nuncaque na Criação tudo é natural e que, quando alguémtenta forçá-la para edificar um ou outro conceitoequivocado da realidade, sobrevêm as sanções.

Nosso propósito é instruir na verdade. Para isso,devemos esclarecer, por considerá-lo necessário, oque sempre constituiu uma obsessão para muitasalmas desavisadas e até para alguns cientistas. Esta-mos nos referindo às chamadas “práticas espíritas”,que no século passado* encontraram, por sua novi-dade, eco propício entre as pessoas. Um limitadogrupo de cientistas acreditou haver dado com a pistaque os conduziria a notáveis descobrimentos, e elesse puseram a investigar as atuações fenomênicas dosmédiuns. Apesar de tudo, não descartamos a possi-bilidade de estarem guiados pelo desejo de arrancaralgum segredo da esfinge do mundo metafísico,

* N.T.: Referência ao século XIX.

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porém nada disso ocorreu. Mais de um cedeu, pelocontrário, à tentação de sentir os efeitos nada cons-trutivos da sugestão que o ambiente tétrico e as falase contorções dos “possessos” lhes produziam.

Passaram-se muitos anos desde que se promo-veu aquela expectativa, sem que se tenha obtido atéo presente momento nenhuma confirmação séria,nenhum avanço que deixasse entrever pelo menosalgo de verdade ao se efetuarem as investigações.Grupos sectários ou sociedades pseudo-espiritualis-tas ainda insistem em demonstrar, por meios poucorecomendáveis, vivências metafísicas que não pas-sam de meras visões quiméricas imaginativas.

Vamos explicar, agora, por ser indispensávelpara um maior aprofundamento de tudo quantoexpusemos sobre o espírito, que não é possível pas-sar por cima dos disparates suscitados em tornodele. Pretendeu-se com efeito, e ainda se vem insis-tindo nos meios espíritas, que as pessoas que recor-rem a eles em demanda de consolação se comunicamcom os espíritos dos mortos, por intermédio dosmédiuns. Para destruir tamanha invenção, bastariarecordar que as leis que regem a vida psíquica e men-tal do homem impedem transgressões de qualquer

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natureza. É tão absurda a pretensão de convidarespíritos alheios a usar de nosso ente físico, que nosvemos obrigados a fazer um chamado à reflexão e àsensatez geral. Observe-se que, se o médium conti-nua alheio ao conhecimento de seu próprio espírito– como sua cabal ignorância o demonstra –, se nuncatentou levar a efeito uma investigação séria e sensatasobre ele, não pode atribuir a si o privilégio de aces-so ao “além” e, menos ainda, pretender que venhama ele espíritos estranhos, que se apossem de seu entefísico e se prestem a consumar um espetáculo ridícu-lo, carente de verossimilhança. Será que as pessoasque praticam o espiritismo não têm nenhuma noçãodo respeito que deve merecer-lhes a dor dos paren-tes e a memória do morto?

Sucessores da antiga necromancia, os espíritasde hoje baseiam sua crença nas descontroladasmanifestações de seus médiuns, nas quais o posses-so em “transe”, tal como seus sustentadores conside-ram, evoca o espírito que lhe tenham solicitado, afim de que este se manifeste nele e expresse seusdesejos e pensamentos. Cabe perguntar, aqui, se épossível que um ser de limitadas luzes, com desco-nhecimento absoluto das leis universais, que não foi

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capaz de experimentar em si mesmo a presença deseu espírito, possa submeter ao seu capricho espíri-tos alheios e – o que é menos possível ainda –, comoàs vezes se pretende, espíritos superiores a ele. Ouserá que se procura enganar de algum modo a razão,para satisfazer a determinado pensamento que noscausa obsessão? Outra coisa não haveria acontecidoao hebreu Saul quando, segundo as Escrituras, elefez evocar a sombra de Samuel, valendo-se da pito-nisa de Endor.

A imaginação desempenha, certamente, o papelprincipal nesse gênero de visões quiméricas. É bemsabido que a superstição vem de muito longe. Surgiudo obscurantismo que reinava em épocas antigas,assenhoreando-se até das figuras mais destacadas. Aevocação de Tirésias por Ulisses, narrada porHomero, mostra a exaltação do herói que busca,mais do que a aparição do espectro, a inspiração doadivinho. Mesmo em se tratando de mera ficção, éinteressante destacar a sutileza do sábio poeta grego,ao preferir o possível ao impossível.

No caso de ainda ser pouco o que deixamosesclarecido, diremos que, se tivessem sido certas asexperiências dos médiuns, se tão facilmente se

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pudesse estabelecer contato com o além, quantascoisas de incalculável transcendência a humanidadejá saberia sobre o mundo metafísico! O fato de aindapermanecer às escuras prova a audácia de tão puerilmistificação. Convenhamos, com sinceridade, quenenhum espetáculo fenomênico, por atraente queseja, jamais poderia satisfazer o juízo, nem a cons-ciência, nem muito menos o espírito de ninguém.

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Ao longo desta obra, e seguindo nossa invariável

norma de trabalho, não nos afastamos um ápice de

seu traçado reto e convincente, como o exige a trans-

cendência dos temas abordados em cada capítulo,

cuja vital importância para o futuro do homem e da

humanidade prontamente se nota. Nossa palavra,

assistida permanentemente pela força gerada pelas

verdades em que a Logosofia se apóia, tem um poder

vivificante e construtivo, que incide direta e eficaz-

mente sobre a alma humana.

Vamos nos referir, agora, a certa prédica de raízes

milenares: o “descanso eterno” que deve ser deseja-

do para todo espírito que abandona este mundo.

VtÑ•àâÄÉ DL

Do descanso eterno

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Formularemos, antes, três indagações em nome dasensatez e da lógica:

1º) Há alguém que num período de vida física –efêmero em relação à infinidade do tempo cósmico –tenha trabalhado tanto, a ponto de fazer-se credor desemelhante ócio?

2º) Que espírito evoluído consentiria recolher-se em si mesmo, numa perene folgança, enquantotantas almas humanas, a quem ele poderia ajudar,sofrem no mundo?

3º) Quem pode aspirar ao descanso eterno,sabendo que seu espírito deve continuar a evoluçãoprefixada pela lei?

De nossa parte, ficaremos muito agradecidos senos desejarem uma eterna atividade, pois a atividade éenergia, e a energia é o motor que impulsiona a existên-cia em qualquer de suas manifestações. Descanso eter-no é, pelo contrário, imobilidade, é a morte segunda, ocaos, o nada. Enquanto a atividade amplia a vida, ainércia a comprime, com risco de fazê-la desaparecer.

Infere-se do exposto que, impensadamente, seráum mau pensamento o que se terá para com aquelea quem se deseje “um descanso eterno”. Conside-

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ramos isso, pois, uma demonstração muito evidentede como certas comunidades estão alheias à realida-de que a Logosofia revela sobre a evolução conscien-te, conhecimento que dá a noção básica sobre a pos-sível perpetuidade do espírito através de todos osciclos de sua existência.

Cada ser humano que se preze como tal na maisalta expressão de seu significado, deve intuir que suacriação obedece a uma finalidade superior e que,portanto, não pode limitar sua vida à rotineira e sim-ples tarefa de viver e morrer sob o influxo de umaconcepção materialista que nada lhe concede foradas prerrogativas comuns de um mero existir diário.Sua ocupação fundamental, isto é, a que leva a cabofora de suas obrigações de ordem física ou material,deve ser concretizada em vivências altamente cons-trutivas para sua evolução. Como? Interessando-sevivamente pela condução consciente da vida emdireção a um destino que transcenda completamen-te o comum. Nossa ciência satisfaz com amplitudeessa aspiração e leva cada indivíduo a penetrar pro-fundamente nos mistérios da própria existência.

Varrida assim a dúvida, adquire-se a certeza deque nem na vida, nem na pós-vida, um descanso

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prolongado convém a ninguém. A inércia desintegraa matéria, prevalecendo a mesma lei para o espíritoindividual.

Deus não pode alentar vida naquelas almas quecontrariam a grande lei de evolução, a qual enche deenergia o Universo e é atividade permanente. Con-vém tomar gosto pela atividade, neste caso a ativida-de consciente, já que nos estamos referindo à quepreferentemente interessa ao espírito. Essa atividadeé a que nos faz experimentar o fluir constante davida, pois promove seu enlace com a energia da Cri-ação, esse alento imperceptível, fecundo, que dáestabilidade a tudo quanto existe.

Quando o espírito se sustenta com os elementossempre ativos do eterno, faz-se invulnerável à açãodo tempo, que jamais afeta o que permanece ativo,com vida, unido ao alento da vida universal.

Confiamos que o leitor tenha podido apreciar aimportância de nossos conhecimentos, que permi-tem experimentar a sensação de eternidade já nesteplano físico, pelo simples fato de saber que se podedilatar o tempo das horas, enquanto se vive intensa-mente a vida, com profundidade e amplidão.

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SEGUNDA PARTE

bá fÉÇ{Éá

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Cinco Questões Prévias

São os sonhos o espelho fiel de uma realidade a que ainda nãotemos acesso?

De que tem valido ao homem a tentativa de interpretá-los semlevar em conta suas verdadeiras dimensões e alcances?

Que ocorre à margem de nossos sentidos e de nossa consciênciana penumbra do que diariamente nos acontece?

Quem maneja durante o sono nossas faculdades mentais, pro-duzindo e reproduzindo vivências, fazendo-nos experimentar sen-sações tão reais como as da vigília, ou causando à nossa sensibilida-de não poucos sobressaltos?

Como registrar conscientemente essas vivências ou atuações noplano metafísico, enquanto nossos sentidos cessam suas funções eperdemos conexão com a realidade que nos circunda?

À verdade somente se chega por meio de conhecimentos que dis-sipem as sombras da incerteza. Os sonhos não podem escapar a essalei; em conseqüência, por essa mesma via o homem haverá de des-cobrir o grande agente que os promove.

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Ninguém ignora quanto já se falou e escreveu

sobre os sonhos. Uma infinidade de obras e de auto-

res pretende explicá-los e interpretá-los, e em torno

dessa enigmática expressão psíquica – para alguns

fenomênica – já se teceu toda sorte de conjeturas.

Mas o certo é que ninguém até hoje esclareceu a

incógnita apresentada pelos sonhos à inteligência

humana, e os esforços realizados até aqui se perde-

ram na nebulosa que envolve sua fisionomia.

Nosso propósito é dedicar parte deste livro a tão

repisada questão, para explicar os alcances que a

concepção logosófica lhe dá, seu significado lógico e

sua transcendência como fato que deve interessar

vivamente à consciência humana.

VtÑ•àâÄÉ EC

O espírito como fator determinantedos sonhos

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Para maior clareza das exposições que seseguem, partiremos de um ponto perfeitamenteestabelecido: uma coisa é o ato de dormir e outra,muito diferente, a função de sonhar. Freqüente-mente, costuma-se dizer durante el sueño* para sig-nificar “enquanto se dorme”, donde resultam unívo-cas duas frases de diferente conteúdo. Sabe-se quedormir é uma necessidade somática, imposta pela leide conservação, que regula a função biológica doorganismo humano. Por sua vez, o ato de sonhar res-ponde a outras necessidades, não precisamente físi-cas, mas sim do espírito.

Asseveramos que a faculdade de sonhar é priva-tiva do espírito, por ser ele o único que a usa e, cer-tamente, que a sabe usar. É, por excelência, o ins-trumento que o espírito emprega para satisfazerimportantes necessidades de sua função reitora.Essa função começa a ser perceptível para o homemem virtude do processo de evolução consciente,que promove, segundo ficou claramente expressa-do em capítulos anteriores, o contato gradual entreo ente físico e o espírito. Para realizar tal função, oespírito se vale das faculdades da inteligência da

* N.T.: Em espanhol, a palavra sueño tem o duplo significado de “sono” e “sonho”.

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mente inferior ou comum1 e, inclusive, dos pensa-mentos que esta abriga, seja para conhecer as atua-ções do ente físico e extrair delas o positivo, sejapara agilizar ou adestrar as faculdades da mentesuperior, observando os pensamentos que se foramalistando nela.

O homem sabe que sonha, mas ignora quesonhar é uma faculdade da mente; faculdade que, aomesmo tempo, constitui uma das maiores prerroga-tivas concedidas à inteligência humana. Não se trata,pois, de uma faculdade como as que integram a inte-ligência conforme especificamos em outros livros,ao nos referirmos ao sistema mental. E não o é por-que atua sem intervenção dos sentidos e à margemda vontade do indivíduo; prescinde inclusive daprópria consciência, quando esta carece de conheci-mentos que lhe permitam abarcar a atividade doespírito. Ela usa, entretanto, as faculdades da inteli-gência e dos sistemas sensível e instintivo. Mais queuma faculdade, sonhar é o poder que tem o espíritode usar a mente e demais recursos psicológicos queo ente físico lhe oferece enquanto dorme e assisti-loem sua evolução.1 Veja-se Logosofia. Ciência e Método (Lição III, pág. 43), do autor.

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Os sonhos são, pois, resultados da intervençãodireta do espírito individual, produzida enquanto oser dorme. Ao se tornarem conscientes, evidenciamo que o homem pode alcançar na vigília, enquantoprocura estabelecer o enlace de seu espírito com suaconsciência.

O simples fato de conhecer a existência da facul-dade de sonhar, de tão-só conhecer algo de suasmaravilhosas funções, ajuda a pensar seriamentenessa portentosa criação que é o próprio homem,dotado de um mecanismo psicológico que, organi-zado, faria com que se sentisse o mais feliz dos seres.

Sobre os sonhos já se fizeram inúmeras proposi-ções. Muitos pretendem decifrá-los, dar-lhes um sig-nificado particular; muitos também teceram emtorno deles fantásticas conjecturas, mas ninguémjamais expressou que é o espírito quem os promove,em seu constante esforço por se fazer presente emnosso diário existir.

Fica estabelecido, assim, que o espírito, não obs-tante seu inevitável afastamento da vigília, por des-conhecer o homem sua missão, presta a este suaassistência enquanto dorme, por meio da faculdadede sonhar. Repetimos: quando o ser físico dorme, éseu espírito quem manipula seu mecanismo mental.

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Tenha-se isso em conta para compreender melhor arealidade que estamos apresentando.

O que expusemos tem sua confirmação no fatode que, não havendo participação alguma dos senti-dos enquanto dormimos, e achando-se suspensa aatividade consciente e racional, alguém se serve denossa mente e faz com que, ao despertar, tenhamosa sensação cabal de haver assistido, sem o concursode nossa vontade, a uma experiência psíquica e men-tal, às vezes tão lúcida que nos permite recordar seusepisódios como se realmente os tivéssemos vivido navigília. Esse alguém, insistimos, não pode ser outroque o próprio espírito, por ser ele quem promove asvivências no âmbito metafísico. É fácil comprovarque algumas faculdades da inteligência atuam com amesma força dinâmica que as ativa na vigília, porémo fazem dirigidas pelo espírito, sendo, entre elas, afaculdade de recordar uma das requeridas neste tipode experiência extraconsciente, meio pelo qual oindivíduo se informa do que aconteceu ou fez emsonhos, tanto no sentido do bem como do mal.

Isso não significa mistério para ninguém, comose verifica pelas sensações que ao despertar conser-vamos de nossos sonhos. Por outra parte, mostra-

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nos um fato de suma transcendência para nossavida. Se o espírito trata de comunicar-se com nossaconsciência e usa dos recursos que nossa naturezapsíquica lhe oferece, à margem de nossa vontade,não deveríamos corresponder a esse convite seu,reiterado tantas vezes ao nosso sentir e pensar, vol-tando-nos para ele, a fim de que reine em nós depoisde o havermos mantido no mais lamentável exílio?Dissemos “exílio”, porque, na verdade, por causa daignorância humana, o espírito teve de sofrer umlamentável banimento ou desterro. Entretanto,assim como todo exilado anela voltar a seu meiofamiliar, também o espírito procura estar presente dealgum modo em nossa vida, e o faz sem infringir asleis, isto é, na forma mais adequada à sua naturezaincorpórea.

Os sonhos podem ser lúcidos ou confusos.Quando a faculdade de sonhar se conecta à cons-ciência, mesmo circunstancialmente, os sonhos sãolúcidos; ocorrendo o contrário, tornam-se confusos,pois a memória, alheia nestes casos às funções dafaculdade de sonhar, não pode reter claramente oque foi sonhado, ao voltar o ser a seu estado de vigí-lia. A imaginação costuma suprir, então, com ele-

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mentos estranhos ao sonho, a imperfeição da ima-gem conservada, alterando ainda mais seu aspecto.Em outras ocasiões, tem-se, ao despertar, a sensaçãode haver sofrido um horrível e inquietante pesade-lo2, sem que possam ser explicadas as causas que omotivaram.

Raramente perdura a recordação lúcida de algumsonho feliz. Tendo isso presente, compreender-se-ámelhor a importância que assume a organização dosistema mental e a fiscalização dos pensamentos queempregamos em nossas preocupações e afazeres diá-rios, para evitarmos que nossos sonhos se reduzam avagas e, comumente, insípidas recordações.

Não são poucas as ocasiões em que o ser desper-ta com a impressão de haver sonhado disparates,sem pensar que o que passa pela mente durante o diatem mais ou menos idêntica característica. Para con-firmar isso, detenha-se cada um a registrar tudoquanto acontece em seu cenário mental desde que selevanta até quando se deita, e perceberá a enormegama de acontecimentos em freqüente vai-e-vem,que alternam, por exemplo, curiosidade com inte-2 Em O mecanismo da vida consciente, ocupamo-nos com alguma extensão do caráter quecertos sonhos assumem e de sua explicação logosófica, como também dos casos desonambulismo, pesadelos, etc. (pág. 92).

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resse, com preocupação, com preconceitos, comdúvidas, etc., quando não aqueles instantes em quea retina mental imprime, entre outros, pensamentosagitados pela instigação do instinto, pela exaltaçãodas paixões ou pelo frenesi da discussão. Em suma,durante o dia, salvo exceções, a maioria das pessoasnão observa ordem em suas ocorrências mentais,nem coordenação consciente de seus atos. Com osassuntos sérios mesclam-se os chistes, as recorda-ções de tal ou qual episódio menos seleto, relatosmaliciosos e tudo quanto se escuta na convivênciadiária, que mais de uma vez contamina a mente, semtampouco esquecer os pensamentos que freqüente-mente comprometem a conduta. Pois bem; ao proje-tar-se sobre uma tela panorâmica tudo o que desfilapela mente durante um só dia, teríamos a réplicaexata de nossos sonhos descabelados. Isso provariaaté onde o ente físico tem conhecimento de sua rea-lidade interna, demonstração clara de que a cons-ciência não atua com oportunidade nem rapidez, emcada instante da vida, se não é adestrada no cumpri-mento de tão elevada incumbência. Essa demonstra-ção confirma nossa tese, que atribui à herança, reco-lhida pelo espírito após cada experiência terrena, um

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valor condizente com o uso que se fez da vida. Assim,pois, ao verificar o minguado acervo evolutivo queconseguimos reunir, não é difícil calcular com quan-ta decepção esse custódio imponderável de nossoacervo individual haverá de absorvê-lo. Mas tambémpoderíamos verificar os câmbios extraordináriosocorridos em favor da criatura humana, caso ohomem de hoje aplicasse os mesmos empenhos e amesma energia, destinados ao progresso material, emaumentar os recursos potenciais de seu espírito.

Durante as experiências extraconscientes chama-das “sonhos”, acontecem episódios curiosos, à mar-gem de toda participação voluntária dos sentidos.Alguns costumam ver a si mesmos consumando atosque os fazem estremecer, umas vezes de vergonha,outras de horror, cujas sensações ainda perduram aodespertarem. Esses sonhos são aparentemente inex-plicáveis, e nossa própria sensibilidade os rechaça,por nos sentirmos alheios a tais manifestações; igno-ramos, isto sim, que se produziram por efeito de algu-ma longínqua reminiscência. Já por outro lado, é fácilreconhecer a si mesmo quando o sonho reproduz ospensamentos que predominaram durante a vigília,pensamentos que deram alento a alguma intenção

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mórbida, delituosa, infamante ou simplesmente errô-nea. O espírito, que os sabe perigosos, toma-os e,acentuando seu efeito, projeta no ser a quem eleanima a imagem daquilo que lhe sucederia se se dei-xasse seduzir por eles. E mesmo que a faculdade derecordar não consiga reter a visão do que foi sonhado,a sensibilidade do ser fica muitas vezes comovida e sefortalece em virtude disso, para rechaçar todo intentode subversão do sentimento ou desvio da vontade.

Freqüentemente, um veemente desejo insatis-feito, alguma ambição truncada ou a excitação frus-trada dos centros internos deixam seqüelas psíqui-cas no indivíduo. Soma-se a isso, quase sempre, osistema instintivo, perturbando os movimentos dainteligência. Comumente se chama a isso de “embo-

tamiento”.* O indivíduo reprime movimentos que oliberariam da necessidade que experimenta ou dopensamento que o perturba. Observando isso, oespírito intervém para evitar-lhe o dano que poderiacausar-lhe a falta de definição desse conflito interno,e é então que, em virtude de sua mediação, se pro-move no indivíduo o desafogo psíquico, reprodu-

* N.T.: Estado interno marcado pelo entorpecimento, cujas causas são explicitadas naseqüência do texto. (Aspas do autor, grifo nosso.)

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zindo-se no sonho as imagens que configuraram ocurso de tal conflito.

O espírito costuma participar, em tais casos,usando ao mesmo tempo duas formas igualmenteconstrutivas. Enquanto por um lado deleita o ser físi-co, fazendo com que este realize o que reprimiudurante a vigília, por outro lhe mostra a inconve-niência de fomentar ou afagar seus sentidos comdeterminados pensamentos. O ser, aliviado assimdurante o sonho por seu próprio espírito, conservaao despertar a sensação de uma compreensão nova,que lhe define outras formas de conduta; e, mesmonos casos em que não consegue percebê-lo clara-mente, chega a estranhar o fato de haver dado lugara semelhantes apetites.

Esses sonhos de extravio ou lascivos se explicamao se levar em consideração que o espírito, por serquem anima o ente físico, conhece não só tudo quan-to este pensa ou faz, como também os sistemas queconfiguram sua psicologia, dos quais se vale paraestender-lhe seu auxílio.

Nem tudo o que acontece no cenário mental dohomem enquanto dorme é da índole descrita, masem todos os casos, isso sim, carrega um fim instrutivo,

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tendente a favorecer o desenvolvimento evolutivo doindivíduo, ainda que este não tenha isso em conta oucareça de capacidade ou de recursos para interpretá-los. Quando se vive em completo divórcio com o espí-rito, é sem dúvida difícil compreender o alcance dossonhos, os quais requerem a participação de conheci-mentos que afastem toda possibilidade de se incorrerem interpretações absurdas a respeito deles.

As imagens que aparecem nos sonhos vibram notempo, nesse tempo que não se mede em horas. Nãoé forçoso que elas só reproduzam fatos ocorridosontem ou hoje; podem reviver fatos que tiveramlugar dez anos antes, ou muito mais longínquos.Trata-se às vezes de imagens que permanecem atra-vés das épocas na translucidez da consciência, pro-jetando um fato vivido, um instante de prazer, umdeleite imaginado, um temor, um episódio doloroso,etc. O espírito reproduz oportunamente tais ima-gens no ser, mediante a faculdade de sonhar; e o fazpara que este possa alcançar a noção clara de umarealidade ou verdade que necessita conhecer, cujaobtenção lhe seria difícil sem esse recurso.

Existem sonhos em que as imagens se revestemde formas simbólicas, cuja interpretação obriga a

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uma investigação laboriosa e profunda. Nesses casosse revela a importância do conhecimento transcen-dente, ao oferecer as chaves analógicas que não sóajudam a decifrá-los, como também favorecem oaproveitamento de seu conteúdo como recursoorientador para a vida. É também notória a partici-pação que nesse ponto a sensibilidade assume, comoforça indutora capaz de orientar as próprias faculda-des da inteligência na interpretação do que foisonhado. Vejamos este caso: Uma pessoa que se pro-põe enfrentar com êxito sérias dificuldades que aameaçam se vê, de pronto, em sonhos, navegandonum mar proceloso. O frágil e diminuto barco que aconduz, açoitado pelo temporal, termina por soço-brar. Em tão crítica situação, recorda que não sabenadar, mas ao mesmo tempo percebe que não sentemedo; seu corpo flutua e resiste facilmente às inves-tidas do mar. Em seguida, nota que lhe está aconte-cendo algo sumamente perigoso, ao sentir-se atraídafortemente para o fundo do mar por alguém que, aponto de se afogar, agarra-se a suas roupas. Num pri-meiro instante, considera-se perdida, mas recorda atempo que conta com recursos para fazer frente àemergência, e, após um esforço extremo, sente-se de

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novo flutuando sobre as águas e, finalmente, pisan-do em terra firme. Ao despertar, conserva uma sen-sação grata, de profundo alivio.

Não será difícil achar a relação que este simbóli-co sonho tem com as preocupações do protagonista.Depois desse primeiro passo e tendo-se em conta oassessoramento sensível antes mencionado, sobre-virá a justa interpretação e o posterior aproveitamen-to do elemento sonhado. Tal aproveitamento consis-te em prevenir-se contra possíveis ocorrênciasadversas e na boa captação do recurso oferecido parasobrepujá-los, o qual se encontrará no uso oportunodos meios que o próprio espírito oferece para sobre-viver a qualquer dificuldade ou catástrofe, por maisséria que seja.

Vamos agora nos ocupar dos sonhos de efeitosdeslumbrantes, nos quais o ser físico experimenta asdelícias de um transporte incomum. Geralmente sevê atuando como se tivesse escalado hierarquiasproeminentes, ou desfrutando conquistas há longotempo esperadas; o espírito costuma enaltecer,então, os pensamentos que definem as aspirações doente físico. Na sutil trajetória dessas visões, faz res-saltar expressamente a beleza das imagens que as

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integram, para que o ser físico possa depois conser-var as sensações mais inefáveis daquilo que sonhou.Sua finalidade, fácil de captar, não é outra senão a depromover o transporte para a vida daquilo que o entefísico tenha conseguido reter de seus sonhos, consti-tuindo seus fragmentos o eixo e o estímulo de todosos seus esforços por realizar o nobre objetivo quevibra neles.

Muitos acreditam serem inalcançáveis tais obje-tivos, por conceituarem que estão além de suas pos-sibilidades – algo assim como o véu da rainha Mab –,sem pensar que tudo é possível para o homem quan-do este se habitua ao mundo dos conhecimentos quedevem fundamentar especificamente cada uma desuas realizações.

A crença do inalcançável, nós a vemos patenteem certas exclamações de prazer, admiração, felici-dade ou intensa ventura, tais como: “Parece umsonho!”, “Acreditei estar sonhando!”, “Isto só acon-tece em sonhos!”, que definem de forma expressivatudo quanto parece estar fora das prerrogativashumanas. O indivíduo é o primeiro a estranhar o queestá vivendo, com o que tacitamente reconhece quea felicidade vivida ou experimentada em sonhos

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excede a que provém dos acontecimentos gratospromovidos em sua vida diária. Isto significa quecertas vivências são consideradas pelo homem comofora do comum e de uma eloqüência tal que exce-dem os limites do imaginado, experimentando asensação de que esses momentos extraordinários desua vida o afastam de suas percepções imediatas. Éinegável que, entre o sublime encantamento origina-do nos sonhos e o que a realidade cotidiana promo-ve, existe uma notável diferença: nos sonhos, é oespírito quem faz com que a sensibilidade experi-mente o toque da beleza; na realidade cotidiana,salvo em casos em que o espírito já tenha começadoa participar da vida do ser, esse fato se deve tão-só àexaltação dos sentidos.

Mais de uma vez pudemos observar que o espí-rito move a faculdade de sonhar em momentosmuito especiais da vigília; momentos que são deno-minados “sonhar-acordado”,* quando os pensa-mentos fugazmente se alçam até outros planos e nosdeleitam na contemplação de primorosas abstra-ções. O pai que deixa voar o pensamento nas asasdesse sonhar-acordado, levado pelo anelo de saúde

* N.T.: No original, ensueño.

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para o filho enfermo; o ser que se abisma na contem-plação do infinito, ansioso por descobrir o que hápara além do afeto terreno, acaso não perdem devista, tanto um como o outro, tudo o que fisicamen-te os rodeia, para se submergirem no que constitui ofundo de seus pensamentos? Nesse estado de abstra-ção, não escapam ambos de toda sensação física,para viver esse breve instante de arroubamento,atraído um por remotas esperanças, e o outro porrecônditas reminiscências? Seus olhos físicos nadavêem; podem desfilar ante eles muitas coisas, semque nada interrompa a imagem que os absorve, por-que a vista toma nesses casos outra direção; man-tém-se estreitamente unida ao pensamento. Poisbem; o fato se produziu aqui por obra de um forteanelo, de um querer profundo do ser, e o espírito res-pondeu mediante o sonhar-acordado, pelo qual amente pode chegar a nutrir-se de elementos apro-priados para seu porvir e destino.

Conclui-se de tudo o que ficou exposto que, ape-sar de não existir no homem uma verdadeira preocu-pação por conhecer seu espírito e selar sua uniãocom ele, este procura, em toda oportunidade propí-cia, dar-lhe alento, protegê-lo, servi-lo em muitos

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transes difíceis e evidenciar-lhe, em significativascircunstâncias, que é ele, unicamente ele, quem semanifesta e intervém indiretamente, como nos casosassinalados. Longe de ser uma criação quimérica, oespírito, tão real como o ser físico, sente e experi-menta, logicamente, tanto quanto aquele, as sensa-ções e demais ocorrências que têm lugar em sua vida.Não lhe causa assombro o que o homem faz ou deixade fazer no plano material ou físico em que atua,porém sempre, enquanto vive, vela por ele e o assis-te de múltiplas formas, para que não abuse de suasprerrogativas e conserve, se não a recordação, pelomenos a sensação de sua origem extraterrena.

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A Logosofia responde a esta pergunta com umaafirmação categórica, porém faz a ressalva de que,para isso, o homem deve realizar o processo de evo-lução consciente, porque a consciência não podeatuar nos sonhos se não está previamente adestradae munida de conhecimentos essenciais que a habili-tem para cumprir essa função. Honesta e sensata-mente, não se pode conceber que o ser humanobusque tão-só por curiosidade, ou por simples espe-culação, conhecer semelhante segredo, reservadounicamente aos que, de posse dele, jamais o usariamcom fins mesquinhos, dos quais não está isenta a vai-dade pessoal. Os conhecimentos adquiridos pormeio da evolução consciente implicam uma respon-

VtÑ•àâÄÉ ED

Como pode o homem ser espectadorconsciente de seus sonhos?

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sabilidade impossível de evitar; o caráter insuborná-vel da consciência impediria isso.

Vamos, não obstante, explicar o mecanismo peloqual é possível franquear, com a devida cautela, as por-tas que dão acesso a esse hermético segredo, um dostantos que o homem ainda não conseguiu desvendar.

Começaremos chamando a atenção para um fatorelativamente freqüente na vida de muitas pessoas,do qual ainda não se extraiu conclusão alguma. Refe-rimo-nos ao “entresueño”,* com freqüência deixadotrivialmente de lado, por não se conceder a ele amenor importância. O entresueño é um estado em quese experimenta o torpor que antecede o ato de dormire no qual atuam os sentidos. Mas a ação destes últi-mos não é agora contínua como na vigília, e sim alter-nada, já que por momentos voltam fugazmente à per-cepção sensorial, para submergir de novo napenumbra mental. Tem-se a sensação de dormir,embora não de todo, pois se percebe o que sucede emtorno; os olhos se abrem e vêem, basta querer.

Pois bem; o entresueño é de curta duração, embo-ra em certos casos costume prolongar-se pela* N.T. Traduzida ao português, a palavra entresueño pode significar “entressono” ou

“entressonho”, pois no idioma espanhol sueño tem o sentido duplo de “sono” e “sonho”.

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resistência que alguma preocupação excitante opõeà necessidade fisiológica do descanso corporal. Porcausa disso, a faculdade de pensar, ou a de imaginar,costumam manter-se ativas, lutando para se sobre-porem ao adormecimento; ou então são os pensa-mentos os agentes mentais que prolongam a vigília,a fim de dirimir alguma situação difícil para a qualnão se tenha encontrado solução. Como conseqüên-cia disso, produz-se uma excitação cerebral e nervo-sa que, de certo modo, propicia o relaxamentonecessário ao ato de dormir, que sobrevém quandocessa a atividade mental, por haver-se esgotado acarga energética que a sustentava. O ser finalmentedorme, alheio por completo ao mundo que o rodeia.

O importante aqui é determinar que o entresueñose consuma nesses instantes fugazes em que a ativi-dade das faculdades mentais, ou a dos pensamentos,aparece interferindo no intento de dormir, de modoque por momentos se pensa e por momentos sedorme, chegando a confundir-se as imagens de um eoutro plano.

Quando o homem realiza o processo de evolu-ção que a Logosofia preconiza, e já alcança certosestados avançados de consciência, pode ensaiar com

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êxito o autodomínio consciente desses instantes emque aparece o sonho interferindo na atividademental que mantém em tensão os sentidos. O entre-sueño pode chegar, desse modo, a constituir-se nummeio de dirigir conscientemente as alternativas dosonho.

Observar e vigiar com plenitude de consciênciao que sucede no curso do entresueño, com domíniosuficiente para se subtrair da ação dos sentidos, ouseja, com abstração total das sensações externas, fazexplorar, a partir daí, as regiões do sonho e enfocarnelas o impulso da vontade.

Tais ensaios levam a conhecer, gradualmente,como funciona a mente durante o sonho, ou seja,quando o espírito usa a faculdade de sonhar. Quemjá conseguiu isso sabe que, quando faz sua cabeçarepousar no travesseiro, está depositando sobre eleum tesouro; sabe que antes de dormir deve aquietarsua mente, para que a faculdade de sonhar atue semtravas; sabe também colocar-se no estado mais ine-fável, para que nada perturbe o labor que será desen-volvido por essa faculdade, com a qual trata de fami-liarizar-se. Terá conseguido reunir, em resumo, umconjunto de recursos úteis, que lhe permitirão não

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apenas oferecer seu concurso à faculdade de sonhar,como também confiar no poder realizador dela,enquanto espera que ela dê resposta ao íntimo cha-mado que, sem dúvida, fará resplandecer com maiorfulgor sua inteligência.

O bom funcionamento dos sistemas que confi-guram a psicologia humana é de capital importânciapara reter, com limpidez, a visão da atividade desen-volvida sob a influência da faculdade de sonhar. Nãoserá difícil aceitar agora que, se uma agilização maiordas faculdades de nossa mente aumenta nossa efi-ciência nas atuações que desenvolvemos durante avigília, também há de favorecer o melhor desempe-nho de tais faculdades durante o sonho.

Já dissemos que a sensibilidade supre em boaparte a recordação confusa do que é sonhado, pelassensações que o ser conserva quando desperta. Poisbem; organizado convenientemente o sistema sensí-vel, é lógico que tais sensações sejam mais nítidas eprecisas, sobretudo se pensarmos que a seu melhorfuncionamento se associa o sistema mental com suasfaculdades em franco desenvolvimento, resultandodisso uma eficiência maior dos mesmos durante osonho. Infere-se, pois, que mediante o processo de

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evolução consciente os sonhos se tornam mais cla-ros, mais tranqüilos, mais reais.

Quando as faculdades da inteligência atuamdurante a vigília em sua verdadeira função conscien-te, ou seja, quando os três sistemas que constituem oser psicológico se regulam harmonicamente, o espí-rito impera na vida do ser. A faculdade de sonhar,que até então só atuava enquanto este dormia, podeagora prolongar sua ação inclusive durante a vigília,projetando as imagens vividas durante o sonho. Issosignifica que o indivíduo tem acesso à faculdade desonhar, a qual responde docilmente ao mandado dainteligência. Essa faculdade, que chamaremos tam-bém de “faculdade-chave”, terá conseguido sincro-nizar os dois movimentos mentais, sonhar e estar emvigília. Ter-se-á produzido um entendimento, umacorrespondência entre o ente físico e o espírito, oqual, livre para usar as faculdades da mente e osdemais sistemas durante a vigília, por sua vez permi-te ao ente físico recordar tudo o que aconteceenquanto se acha sob o influxo da faculdade desonhar.

Seja-nos permitido, agora, voltar ao que disse-mos no começo deste capítulo. Tudo o que o homem

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venha a indagar sobre seu espírito, tratando de des-cobrir em que consiste sua atividade e sua forma demanifestar-se, não deve constituir fatos isolados,motivos de curiosidade que a nada conduzem, massim o conjunto de uma série de observações e com-provações, como as que o processo de evoluçãoconsciente promove. Esta formalidade subjetivaacentuará, em cada fase do mencionado processo, aspossibilidades de penetração do próprio entendi-mento. Só assim poderá incorporar-se à nossaherança consciente o fruto irreversível do saber con-quistado, sendo esse saber precisamente o que forjaas bases graníticas de nosso destino.

Alcançar o manejo consciente da faculdade desonhar implica haver alcançado um dos maiorestriunfos evolutivos reservados ao homem: a integra-ção do ser psicofísico com seu espírito.

Com isto fechamos também a questão queAristóteles deixou aberta faz dois mil e quatrocentosanos, ao perguntar-se como o espírito pode unir-seao corpo.

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As grandes verdades têm sua expressão maissublime na exata dimensão de suas projeções cósmi-cas, na sabedoria infinita de seus conteúdos univer-sais e em sua inefável simplicidade.

A concepção logosófica fundamenta seus precei-tos nessa ordem transcendente e inalterável, e é portal razão que os conhecimentos que difunde abremsulcos profundos na alma humana, desarraigando aerva daninha da superstição e da credulidade, paraque brote viçoso e floresça o cereal da vida, livre detoda contaminação nociva.

Nenhum ser humano, em quem o espírito tenhadeixado de ser um mito para constituir-se em forçaexecutora dos desígnios de sua própria existência,deixará de reconhecer o imenso bem que tais desíg-nios lhe deparam. Já não será mais o homem com

PALAVRAS FINAIS

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vestígios de selvagem, o ignorante de si mesmo,pária da verdade e do bem, porque haverá consuma-do, através de sua gesta evolutiva, o alto conteúdo daemancipação consciente de seu espírito.

Quando o espírito reinar em cada homem, quan-do deixar de ser um ente abstrato para converter-senuma presença viva de seu existir humano, tudomudará fundamentalmente para seu bem no seio daespécie. Só então o homem poderá captar e realizarsua grande missão, com plena consciência de suaresponsabilidade ante Deus e ante si mesmo.

O reinado do espírito entre os homens será,então, o reinado da compreensão, da tolerância, daordem e da verdade mesma. Mas não sobrevirá deum dia para o outro; será preciso lutar antes infatiga-velmente, com a convicção plena do triunfo final. Ohomem enganado, o que padeceu a iniqüidade deuma servidão mental e moral injustificável, sacudiráentão de si o jugo de sua tremenda desdita e se uniráàs hostes que marcharão vitoriosas por todas as sen-das do mundo, apregoando esta verdade que torna-rá os seres livres e conscientes de sua grande missãohumana, espiritual e eterna.

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Advertência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .07

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

Três questões prévias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21

VtÑ•àâÄÉ D

Origem das inquietudes espirituais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23

VtÑ•àâÄÉ E

O conhecimento transcendente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33

VtÑ•àâÄÉ F

Enigma-gênese da ascendência da espécie: o 4o reino . . . . . . . . . . .39

VtÑ•àâÄÉ G

Concepção logosófica de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45

VtÑ•àâÄÉ H

O mundo metafísico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .51

VtÑ•àâÄÉ I

O homem e suas duas naturezas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57

fâÅöÜ|É

b XáÑ•Ü|àÉ

Primeira Parte

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196

VtÑ•àâÄÉ J

Determinação e esquema da alma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .63

VtÑ•àâÄÉ K

Esquema do espírito como agente natural de

enlace entre o homem e o Criador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67

VtÑ•àâÄÉ L

Como se dá a aproximação e o contato

com o espírito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75

VtÑ•àâÄÉ DC

Articulação do mecanismo psicoespiritual humano . . . . . . . . . . . .83

VtÑ•àâÄÉ DD

Presença do espírito na infância

e na adolescência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89

VtÑ•àâÄÉ DE

Algo importante relativo à herança e que também

concerne ao destino do homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .105

VtÑ•àâÄÉ DF

Leis universais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .115

VtÑ•àâÄÉ DG

A herança que o espírito recolhe e leva como

carga ou dívida angustiante..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .121

VtÑ•àâÄÉ DH

O auxílio de Deus chega ao homem unicamente

por intermédio do espírito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .131

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VtÑ•àâÄÉ DI

Autonomia do espírito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .135

VtÑ•àâÄÉ DJ

Desintegração do espírito por inércia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .143

VtÑ•àâÄÉ DK

Rumos equivocados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .153

VtÑ•àâÄÉ DL

Do descanso eterno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .159

Cinco questões prévias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .165

VtÑ•àâÄÉ EC

O espírito como fator determinante dos sonhos . . . . . . . . . . . . . .167

VtÑ•àâÄÉ ED

Como pode o homem ser espectador consciente de seus sonhos? . . .185

Palavras finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .193

bá fÉÇ{Éá

Segunda Parte

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Representantes Regionais

Belo HorizonteRua Piauí, 742 - Funcionários30150-320 - Belo Horizonte - MGFone (31) 3273 1717

BrasíliaSHCG/NORTE - Quadra 704 - Área de Escolas70730-730 - Brasília - DFFone (61) 3326 4205

ChapecóRua Clevelândia, 1389 D - Saic89802-411 - Chapecó - SCFone (49) 3322 5514

CuritibaRua Almirante Gonçalves, 2081 - Rebouças80250-150 - Curitiba - PRFone (41) 3332 2814

FlorianópolisRua Deputado Antonio Edu Vieira, 150 - B. Pantanal88040-000 - Florianópolis - SCFone (48) 3333 6897

GoiâniaAv. São João, 311 - Q 13 Lote 23 E - B. Alto da Glória74815-280 - Goiânia - GOFone (62) 3281 9413

Rio de JaneiroRua General Polidoro, 36 - B. Botafogo22280-001 - Rio de Janeiro - RJFone (21) 2543 1138

São PauloRua Gal. Chagas Santos, 590 - Saúde04146-051 - São Paulo - SPFone (11) 5584 6648

UberlândiaRua Alexandre de Oliveira Marquez, 113 - B. Vigilato Pereira38400-256 - Uberlândia - MGFone (34) 3237 1130

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