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2482 O ESPAÇO DA MULHER NA DITADURA MILITAR EM LONDRINA-PARANÁ Aline Apolinário Furtunato Aryane Karyn Pereira dos Santos Supervisor: Prof. Dr. Marco Antônio Soares Neto (PIBID/História/UEL) 1 Resumo: Pretende-se apresentar neste artigo um trabalho desenvolvido com base na ideia de aulas-oficinas (BARCA, 2004.) feita pelo projeto PIBID (PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIACAO A DOCENCIA) do Departamento de Historia da UEL, no Instituto Educacional IEEL, em Londrina, Paraná, no 7° Ano c. Trabalhamos a partir das fontes históricas com uma abordagem diferenciada sobre os 20 anos de Ditadura Militar no Brasil. Para isso foi utilizado como uma das fontes para produção das aulas-oficinas a revista feminina “Capricho” no ano de 1965, um ano após o início da Ditadura no Brasil. Tendo a compreensão de que a imprensa foi um dos alvos do governo para que se construísse uma imagem positiva do país, excluindo dos grandes holofotes os atos arbitrários que eram contra a Ditadura, e que se buscava criar uma ideia de harmonia social, excluindo todos os tipos de críticas ao governo deixando assim, apenas uma verdade permitida, sendo ela, a oficial. O tema utilizado na aula-oficina foi “A ditadura entre as mulheres no Brasil”, e através da revista buscou-se trabalhar com os alunos essas vozes veladas no período da ditadura, o que traziam essas revistas femininas no período, qual a relação das mulheres na ditadura militar e qual a influência da ditadura na vida das mulheres londrinenses nesse período de 20 anos. Foi proposto um trabalho investigativo com os alunos, utilizando a revista Capricho de 1965 em contraponto com outros documentos do e sobre o período da Ditadura Militar no Brasil. Palavras-chave: Ditadura Militar; Revista Capricho; mulheres londrinenses. 1 Graduandas do curso de História da Universidade Estadual de Londrina. Bolsistas do Projeto PIBID (PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA) financiado pela CAPES e CNPQ.

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O ESPAÇO DA MULHER NA DITADURA MILITAR EM LONDRINA-PARANÁ

Aline Apolinário Furtunato Aryane Karyn Pereira dos Santos

Supervisor: Prof. Dr. Marco Antônio Soares Neto (PIBID/História/UEL) 1

Resumo: Pretende-se apresentar neste artigo um trabalho desenvolvido com base na ideia de aulas-oficinas (BARCA, 2004.) feita pelo projeto PIBID (PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIACAO A DOCENCIA) do Departamento de Historia da UEL, no Instituto Educacional IEEL, em Londrina, Paraná, no 7° Ano c. Trabalhamos a partir das fontes históricas com uma abordagem diferenciada sobre os 20 anos de Ditadura Militar no Brasil. Para isso foi utilizado como uma das fontes para produção das aulas-oficinas a revista feminina “Capricho” no ano de 1965, um ano após o início da Ditadura no Brasil. Tendo a compreensão de que a imprensa foi um dos alvos do governo para que se construísse uma imagem positiva do país, excluindo dos grandes holofotes os atos arbitrários que eram contra a Ditadura, e que se buscava criar uma ideia de harmonia social, excluindo todos os tipos de críticas ao governo deixando assim, apenas uma verdade permitida, sendo ela, a oficial. O tema utilizado na aula-oficina foi “A ditadura entre as mulheres no Brasil”, e através da revista buscou-se trabalhar com os alunos essas vozes veladas no período da ditadura, o que traziam essas revistas femininas no período, qual a relação das mulheres na ditadura militar e qual a influência da ditadura na vida das mulheres londrinenses nesse período de 20 anos. Foi proposto um trabalho investigativo com os alunos, utilizando a revista Capricho de 1965 em contraponto com outros documentos do e sobre o período da Ditadura Militar no Brasil.

Palavras-chave: Ditadura Militar; Revista Capricho; mulheres londrinenses.

1 Graduandas do curso de História da Universidade Estadual de Londrina. Bolsistas do Projeto PIBID

(PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA) financiado pela CAPES e CNPQ.

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Introdução

Nesse artigo será apresentado ao leitor o resultado do desenvolvimento da

proposta idealizada junto aos supervisores do PIBID (PROGAMA INSTITUCIONAL

DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA) do curso de Graduação em História da

UEL (Universidade Estadual de Londrina). Com a ajuda do supervisor da escola

prof. Fernando Gouveia e supervisor geral prof. Dr. Marco Antônio Neves Soares,

desenvolvemos um projeto de aulas-oficina ministradas em um 7º Ano do Ensino

Fundamental do IEEL (Instituto Educacional Estadual de Londrina), cuja temática foi

“A ditadura entre as mulheres no Brasil” tendo uma duração de 6 aulas de 50

minutos. Aproveitando a temática “50 anos do golpe militar no Brasil” presente

nesse ano de 2014, buscou-se trabalhar o contexto da Ditadura no Brasil com foco

na cidade de Londrina e quais as suas consequências nesses 20 anos de golpe.

Sabendo-se que o tema ditadura não aparece no ensino para alunos do 7°

ano com idade entre 11 e 12 anos, foi desenvolvida uma nova abordagem sobre o

tema através das aulas-oficina, no qual, sendo um professor:

[...] terá de assumir-se como investigador social: aprender a interpretar o mundo conceptual dos seus alunos, não para de imediato o classificar em certo/errado, completo/incompleto, mas para que esta sua compreensão o ajude a modificar positivamente a conceptualização dos alunos, tal como o construtivismo social propõe. Neste modelo, o aluno é efetivamente visto como um dos agentes do seu próprio conhecimento, as atividades das aulas, diversificadas e intelectualmente desafiadoras, são realizadas por estes e os produtos daí resultantes são integrados na avaliação [...] (BARCA, 2004, p.133).

Pautando-se nessa perspectiva, as atividades foram desenvolvidas em

etapas, no qual, o aluno possuiu um papel central nas aulas. Com o reforço da

mídia na comemoração dos “50 anos de golpe militar”, buscou-se a partir de um

questionário de conhecimentos prévios respondido pelos alunos, a elaboração das

aulas-oficinas.

Para chamar a atenção dos alunos, foi utilizada como fonte base e passível

de análise a revista “Capricho” de 1965. Sendo ela uma revista conhecida entre os

adolescentes e existente há aproximadamente de 60 anos, a escolha da revista

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deu-se com a intenção de aproximar os alunos de uma forma didática ao

aprendizado histórico.

A importância do saber histórico e o trabalho com fontes em sala de aula

Um dos grandes desafios dessa oficina se deu na tentativa de aproximar os

alunos com o tema “Ditadura Militar” em uma turma que irá aprender sobre esse

tema somente no 9° ano do ensino fundamental. Além desse fator, aproximar a

“Ditadura Militar” a vida dos alunos, em principal, no cotidiano do cidadão

londrinense. Desta forma, segundo Rüsen:

“Somente quando a história deixar de ser aprendida como a mera absorção de um bloco de conhecimentos positivos, e surgir diretamente da elaboração de respostas a perguntas que se façam ao acervo de conhecimentos acumulados, é que poderá ela ser apropriada produtivamente pelo aprendizado e se tornar fator de determinação cultural da vida prática humana.” (RÜSEN, 2010, p. 44).

Nesse processo, o trabalho por etapas e a utilização de fontes diferenciadas

para nossa oficina foi fundamental. Sabendo-se que a revista “Capricho” de 1965

era direcionada ao público exclusivamente feminino e doméstico (para mulheres

donas de casa) e que seu conteúdo era voltado para fotonovelas, no qual,

abordavam histórias de amor em formato de HQ. Hoje já sendo voltada ao um

público estritamente adolescente com relevância para meninas de 13 a 17 anos,

contendo uma diversidade de temas, relacionados à moda, sexo, famosos, vida real,

etc. Essa transformação da revista deixa claro também a transformação de seu

público, das transformações ocorridas ao longo do tempo com as mulheres,

mudança dos valores, direitos, liberdade, nos trazendo um material rico em análise

para a um aprendizado histórico de qualidade sobre o papel da mulher no decorrer

dos tempos.

A utilização de trabalho voltado para análise de documentos em sala de aula

proporciona aos alunos um maior contato com o objeto de estudo do Historiador e

tratando-se do ensino de História “[...] a utilização de documentos tonou-se uma

forma de o professor motivar o aluno para o conhecimento histórico, de estimular

suas lembranças e referências sobre o passado e dessa maneira, tornar o ensino

menos livresco e dinâmico.” (CAINELLI; SHMIDT, 2010, p. 115). O aluno como

tratado por BARCA (2010) sendo “agente da sua formação e possuindo ideias

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prévias e experiências diversas” ao entrar em contato com a diversidade de fontes e

possibilidades de análises, seu aprendizado histórico é enriquecido de uma forma

substancial. Tratando-se do documento:

“Uma nova concepção de documento histórico implica, necessariamente, repensar seu uso em sala de aula, já que sua utilização hoje é indispensável como fundamento de método de ensino, principalmente porque permite o diálogo do aluno com realidades passadas e desenvolve o sentido da análise histórica. O contato com as fontes históricas facilita a familiarização do aluno com formas de representação das realidades do passado e do presente, habituando-o a associar o conceito histórico à análise que o origina e fortalecendo sua capacidade de raciocinar baseado em uma situação dada.” (CAINELLI; SHMIDT, 2010, p. 116).

Buscamos com a utilização da revista, trabalhar com os alunos essas vozes

veladas no período da ditadura. Principalmente porque acreditamos que a revista

“Capricho” nos apresenta determinadas características sobre a mulher nos anos 60,

que contribuem para a criação de um imaginário popular a respeito da mulher e de

seu papel na sociedade naquele período. Sabemos que:

“As representações da mulher atravessaram os tempos e estabeleceram o pensamento simbólico da diferença entre os sexos, hierarquizando a diferença, transformando-a em desigualdade. Aos homens o espaço público, político, onde se centraliza o poder; à mulher o privado e seu coração, o santuário do lar. Apresenta-se ao feminino uma única alternativa – a maternidade e o casamento.” (COLLING, 2004, p. 1).

Sendo voltada exatamente para esse tipo de público, o privado e feminino,

excluíam-se no conteúdo da revista, as mulheres que eram, professoras;

advogadas; enfermeiras; vendedoras; etc. Sendo assim, as que estavam fora do

espaço privado, compartilhando junto com os homens o espaço público também.

Em relação à participação das mulheres na luta contra a Ditadura Militar, “[...] a

mulher militante não era apenas uma opositora ao regime militar; era também uma

presença que subvertia os valores estabelecidos, que não atribuíam à mulher

espaço para a participação política.” (COLLING, 2004, p. 9).

Nesse contexto é necessário compreender o papel da imprensa nesse

período, no qual, foi um dos alvos do governo. Tendo como obrigação, construir

uma imagem positiva do país, esconder dos grandes holofotes os atos arbitrários

dos que eram contra a Ditadura Militar, e criar uma ideia de harmonia social e

excluir todos e quaisquer tipos de críticas ao governo militar, nos proporcionando

apenas uma verdade permitida, a do governo. No caso das revistas femininas não

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foi diferente, é nesse contexto que a revista como fonte passível de análise para o

aprendizado histórico deve responder às indagações e às problematizações

presentes nesse período.

Inicio das atividades no IEEL

Para desenvolver nossa oficina a dividimos em duas etapas, sendo a primeira

teórica e, a seguinte prática, já que os alunos precisavam de uma base para o

entendimento do que foi a Ditadura Militar e sua relação com nosso principal objeto

de estudo; as mulheres. A parte teórica os alunos puderam ter contato com algumas

definições de palavras – chave sobre a Ditadura Militar, como por exemplo, o

significado de ditadura, democracia, repressão, entre outras. Puderam compreender

alguns eventos e algumas características do regime militar e em principal o papel

que a mulher exercia na sociedade durante o regime militar.

O objetivo dessa primeira etapa teórica era de dar uma base aos alunos para

que pudessem utilizar tais informações norteadoras nas futuras atividades

propostas. Com esse intuito, para pensar o ensino de História:

[...] o professor de história ajuda o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho necessárias para aprender a pensar historicamente, o saber-fazer, o saber-fazer-bem, lançando os germes do histórico. Ele é responsável por ensinar ao aluno como captar e valorizar a diversidade das fontes e dos pontos de vista históricos, levando-o a reconstruir, por adução, o percurso da narrativa histórica. Ao professor cabe ensinar ao aluno como levantar problemas, procurando transformar, em cada aula de história, temas e problemáticas em narrativas históricas. (CAINELLI; SHMIDT, 2010, p.34).

A todo o momento os alunos puderam tirar suas dúvidas e também, foram

estimulados a questionarem as situações apresentadas aos mesmos. Inicialmente

foi explicado à classe o que foi o período da Ditadura no Brasil, como era viver

naquele período, qual a rotina dos cidadãos, quem eram os perseguidos, o porquê

da existência das torturas e o exílio político, para que pudessem interagir melhor

com o tema central do projeto. Sabe-se que o “[...] país vivia um momento de alta

efervescência no campo político e nos embates ideológicos. Às direitas viam a

necessidade de expurgar da presidência aquele que representava eminente perigo

ao país.” (SAMWAYS, 2008, p.2). Em seguida, com maior ênfase, foram expostos

aos alunos os valores morais que afetavam o cotidiano feminino da época, em

contraponto com os valores e costumes de hoje.

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A utilização da revista “Capricho” em contraponto com outros documentos

A partir da terceira aula que se deu início às atividades práticas de nossa

aula-oficina, no qual, os alunos tiveram contato com as fontes e puderam

desenvolver análises de documentos. Seguindo o aprofundamento ao tema central

do projeto: “A Ditadura entre as mulheres no Brasil” e a utilização como fonte

passível de análise, a revista feminina “Capricho” do ano de 1965, sendo assim, um

ano após o início do regime militar. Alguns recortes da revista foram utilizados para

análise.

Por se tratar de um documento histórico cujo armazenamento encontra-se no

CDPH (Centro de Documentação e Pesquisa) da UEL, os alunos não tiveram um

contato palpável com a fonte utilizada. Disponibilizamos imagens tiradas por câmera

fotográfica do conteúdo da revista. Dessa forma, apresentamos aos alunos 4

imagens de propagandas, já que os conteúdos da revista eram as fotonovelas. Para

isso, sabe-se que:

“O trabalho com documento histórico em sala de aula exige do professor que ele próprio amplie sua concepção e o uso do próprio documento. Assim, ele não poderá mais se restringir ao documento escrito, mas introduzir o aluno na compreensão de documentos iconográficos, fontes, orais, testemunhos da história local, além das linguagens contemporâneas, como cinema, fotografia e informática. Mas não basta o professor ampliar o uso de documentos; também deve rever seu tratamento, buscando superar a compreensão de que ele serve apenas como ilustração da narrativa histórica e de sua exposição, de seu discurso.” (CAINELLI; SHMIDT, 2010, p.117).

As imagens retiradas retratavam bem a influência da mídia sobre o

comportamento da mulher. Para essa análise das propagandas trabalhamos com os

alunos questões norteadoras para a aplicação das análises imagéticas. Levantamos

as seguintes questões:

Observe a imagem. Essa imagem é antiga ou atual? Qual a época dessa imagem?

Quem são os personagens presentes nessa imagem? O que eles estão fazendo?

A revista como um todo retrata a imagem de uma mulher socialmente

apassiva que são alienadas aos assuntos políticos. Os produtos ofertados em

revistas destinadas ao público feminino durante a ditadura eram produtos

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domésticos com o objetivo de influenciar que a obrigação da mulher, não passava,

de cuidar da vida doméstica.

Outro fator que estimulava a passividade feminina eram as propagandas de

ensino à distância, de nível fundamental. Enfatizando indiretamente que, se o sonho

das mulheres era de se dedicar ao matrimônio e a maternidade, logo, não tinham a

necessidade de estudar fora do interior do lar e ter opiniões diversas, ou seja, ser

independentes. A análise das imagens retiradas da revista Capricho (1965) tem por

objetivo estimular nos alunos o questionamento dos valores conservadores e

machistas durante a ditadura. Segundo Colling (2004, p.2), “[...] a história da

repressão durante o período da ditadura militar é uma história de homens. A mulher

militante política não é encarada como sujeito histórico, sendo excluída do jogo do

poder.”

Em contraponto, os alunos receberam, nas aulas seguintes, imagens de

mulheres participando dos movimentos sociais contra a Ditadura Militar. Trabalhou-

se com três imagens do período em que a Ditadura Militar estava vigor, não sendo

todas do mesmo ano. Tendo em vista a proposta de aula-oficina (Barca, 2004),

nessa atividade:

“O aluno é quem deve explorar todas as informações contidas no documento, que é o ponto de partida para o trabalho em sala de aula. Essa estratégia desenvolve a capacidade de explicação, caracterização, conceituação e síntese histórica no aluno. Possibilita, também, a aprendizagem da construção de comentários históricos, além de reforçar conhecimentos já aprendidos.” (CAINELLI; SHMIDT, 2010, p.126).

Nesse sentido, todas as análises realizadas pelos alunos eram entregues em

forma de um texto dissertativo para nossa avaliação. As questões norteadoras para

a análise foram as mesmas da atividade anterior, porém, com adição dessa

questão:

O que você percebe de diferente dessa imagem para a primeira analisada? Cite as diferenças.

O foco dessa atividade foi de formar um senso crítico no aluno com imagens

da mesma época, mas que ao mesmo tempo contrastam entre si. No qual a

primeira, mostra uma mulher doméstica, passiva, de valores machistas e

conservadores; e a segunda imagem revela a mulher independente que lutava e

buscava por seus direitos como cidadã.

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Como última atividade de análise, os alunos entraram em contato com

depoimentos de mulheres que foram torturadas durante a ditadura. Esses

depoimentos eram de professoras universitárias, advogadas, enfermeiras, etc., que

faziam parte de partidos opositores ao Regime. Os depoimentos foram retirados do

arquivo da CNV (Comissão Nacional da Verdade) criada pela Lei 12528/2011 e

instituída em maio de 2012. Tendo como finalidade apurar graves violações de

Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.

Para essa análise, sendo um documento escrito, os alunos trabalharam a

partir das seguintes questões norteadoras:

Leia o texto escrevendo as palavras que você não conhece. Procure-as no dicionário.

Sobre qual época fala esse texto? Fala sobre o quê? Quem são os personagens? Eles são reais ou

imaginários? Quem é o personagem principal nesse texto? O que ele faz

atualmente? Fale sobre ele. O quê esse texto representa?

A intenção em trabalhar não somente com documentos imagéticos, mas

também escritos se dá, pois:

“É importante que haja a confrontação entre diferentes tipos de documentos, como documentos escritos, iconográficos e depoimentos orais, para que o aluno possa construir relações de semelhanças e diferenças, combinar informações e estabelecer generalizações.” (CAINELLI; SHMIDT, 2010, p.126).

Os alunos puderam observar e analisar as consequências que algumas

mulheres sofriam e quais os reflexos da Ditadura Militar em suas vidas atualmente.

Em suma, os alunos puderam debater sobre os valores morais que regiam a

sociedade durante a Ditadura Militar.

Com a ideia do nosso supervisor da escola prof. Fernando Gouveia, os

alunos também analisaram e diferenciaram as duas capas da revista “Capricho”, a

do ano de 1965 e outra capa atual deste ano de 2014. A capa atual utilizada

continha a “Anitta” que é uma cantora, compositora, dançarina brasileira de música

pop, funk e dance bem conhecida entre os adolescentes no qual, representa para os

fãs o imaginário de uma mulher independente, que toma suas próprias decisões.

Uma mulher que visa independência financeira, que trabalha e que tem opinião. Os

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próprios alunos perceberam instantaneamente a diferença moral entre os períodos,

através da própria característica estética das capas.

A mídia nesse período tinha um papel muito importante sobre a sociedade,

sofrendo também uma forte repressão pela ditadura, era usada como recurso para

aprovação do Regime Militar. Segundo Samways (2008, p.3) “Ao tomarem o

governo em 1964, os militares precisavam garantir sua legalidade e a imagem de

um bom governo, que não tortura, nem tampouco aplica medidas repressivas.”

Assim, em relação às mulheres, o governo intencionava as revistas femininas para

transmitir essa imagem. Os valores morais mudaram desde a ditadura, mas a mídia

ainda tem esse forte poder de influência, se a priori esta incentivava a mulher a se

dedicar ao matrimônio e a maternidade, atualmente a influência é de uma mulher

que sabe o que quer e que tem vontade própria.

Considerações finais

Aproximando os alunos para uma história local, nosso supervisor geral prof.

Dr. Marco Antônio Neves Soares, nos incentivou a trabalhar com depoimentos das

mães, avós, ou pessoas próximas aos alunos que viveram entre esses 20 anos de

Ditadura Militar no Brasil. Levando em conta as palavras do historiador Hobsbawm:

“Todo ser humano tem consciência do passado (definido como o período imediatamente anterior aos eventos registrados na memória de um indivíduo) em virtude de viver com pessoas mais velhas. Provavelmente todas as sociedades que interessam ao historiador tenham um passado, pois mesmo as colônias mais inovadoras são povoadas por pessoas oriundas de alguma sociedade que já conta uma longa história. Ser membro de uma comunidade humana é situar-se em relação ao seu passado (ou da comunidade), ainda que apenas para rejeitá-lo. O passado é, portanto, uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana. O problema para os historiadores é analisar a natureza desse “sentido do passado” na sociedade e localizar suas mudanças e transformações.” (HOBSBAWM, 1998, p.22).

Assim, os alunos entrevistaram mulheres desse período, indagando sobre,

como era viver nessa época, quais as suas rotinas, se elas tinham consciência que

estavam vivendo sob Regime Militar entre outras questões. Infelizmente

percebemos nos depoimentos que muitas não sabiam dos acontecimentos dessa

época, nem que o país passou por todo esse processo ditatorial. Porém cabe a nós

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professores historiadores trazer esse passado e principalmente discutir sobre esse

passado dando sentido ao mesmo. Nessa perspectiva podemos compreender que:

“O trabalho com a história local no ensino da História facilita, também, a construção de problematizações, a apreensão de várias histórias lidas com base em distintos sujeitos da história, bem como de histórias que foram silenciadas, isto é, que não foram institucionalizadas sob forma de conhecimento histórico. Ademais, esse trabalho pode favorecer a recuperação de experiências individuais e coletivas do aluno, fazendo-o vê-las como constitutivas de uma realidade histórica mais ampla e produzindo um conhecimento que, ao ser analisado e retrabalhado, contribui para a construção de sua consciência histórica”. (CAINELLI; SHMIDT, 2010, p.140).

No desenvolvimento da nossa aula-oficina podemos perceber com satisfação

que os alunos conseguiram a partir das análises de documentos, compreender o

sentido de nossa atividade e assim, entender e relacionar os eventos ocorridos

nesses 20 anos de Ditadura Militar com as suas vidas. Percebendo que esse evento

não foi um fato isolado da História do Brasil e que por mais que, como analisados

nos depoimentos das mulheres londrinenses entrevistadas não tinham consciência

desse fato, a Ditadura esteve presente em nossa sociedade.

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AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado autoritário (1968-1978): o exercício cotidiano da dominação e da resistência: O Estado de São Paulo e Movimento/ Maria Aparecida de Aquino. --Bauru: EDUSC, 1999.

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HOBSBAWM, Eric. Sobre a História. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.

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SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão Rezende (Orgs.).

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