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X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade
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Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica
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O EPISÓDIO DA REVOLTA DO „QUEBRA-QUILOS‟ (1874 A 1875): UMA
ANÁLISE DE UM MOMENTO PARTICULAR DO DESENVOLVIMENTO DA
MATEMÁTICA A PARTIR DA RELAÇÃO DIALÉTICA ENTRE
HUMANIZAÇÃO E ALIENAÇÃO
José Roberto Boettger Giardinetto1
Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Bauru
Aline Tomie Kiyan Matayoshi2
Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Bauru
Clarice Gomes2
Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Bauru
Fabiana Souza de Faria2
Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Bauru
Sonia Regina Romero2
Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Bauru
Resumo: O objetivo deste trabalho é inicialmente apresentar algumas considerações acerca
da relação entre humanização e alienação no decorrer do desenvolvimento histórico-social
da matemática. A partir da reflexão sobre essa relação, pretende-se situar as considerações
na análise de um episódio da História do Brasil, a saber, a denominada Revolta do
„Quebra-Quilos‟. A idéia é promover um estudo sobre a dinâmica histórica da inserção do
sistema métrico decimal de medidas a partir da evidência dos fatores sociais, econômicos e
políticos presentes na denominada “Revolta do Quebra-Quilos”. Com isto, espera-se
propiciar uma reflexão sobre as especificidades do processo histórico-social de
sistematização presente na matemática escolar.
Palavras-chave: Multiculturalismo; Educação Matemática; História da Matemática;
Revolta do „Quebra-Quilos‟.
1. INTRODUÇÃO
1 Coordenador do Grupo de Estudo: a Matemática na perspectiva histórico-cultural (GEMaHC) e Prof.
Doutor do Departamento de Educação da UNESP. 2 Aluna do Curso de Licenciatura em Matemática da UNESP.
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Quais são os aspectos históricos essenciais que retratam a ascensão de um tópico,
ou conceito matemático, até se constituir como parte do currículo escolar?
Quais os conflitos gerados neste processo de ascensão até sua constituição hoje
apresentada? Quais os fatores econômico, sociais e políticos que se fizeram presentes ao
longo deste processo?
Essas indagações são objeto de pesquisa à luz da concepção histórico-social do
desenvolvimento da Matemática considerando dos embates ideológicos implícitos à gênese
do gênero humano. Gênero humano é aqui entendido como uma categoria que “expressa o
resultado da história social humana – a história da atividade objetivadora dos seres
humanos” (Duarte,1993,p.15). A “objetividade das características humanas historicamente
formadas constitui o gênero humano” (Duarte, 1993,p.18).
Por conta da divisão social do trabalho e da propriedade privada, a história social
humana tem se processado através de um distanciamento cada vez maior entre as
objetivações genéricas acessíveis a cada indivíduo singular e a somatórias das objetivações
genéricas. Cumpre esclarecer que, uma objetivação é um produto do processo de
transformação da realidade natural, via trabalho, em realidade humanizada.
O distanciamento entre aquilo que é acessível ao indivíduo singular e aquilo já
obtido pelo gênero humano é gerado pelo fenômeno da alienação (Giardinetto, 1999, p.33;
Duarte, 1993, p.74 e Marx, 1985).
A dinâmica do processo histórico de transformação da realidade natural em
realidade humanizada tem apontado a humanização do gênero humano se realizando sob
relações sociais alienadas.
A relação dos seres humanos com suas objetivações é, de início, na
história humana, uma relação alienada porque o desenvolvimento da
genericidade humana tem se realizado através da divisão social do
trabalho e da propriedade privada. Esse foi o caminho possível através do
qual o gênero humano superou os estágios iniciais do processo de
humanização, nos quais a objetivação humana manteve-se num nível que
não ultrapassava a obtenção das condições de sobrevivência dos
indivíduos, não se pode falar propriamente em alienação pois todos os
indivíduos viviam em contato direto com o ser genérico, que nesse caso se
identificava com o ser comunitário. A divisão social do trabalho
significou a ultrapassagem desse nível de objetivação do ser genérico, o
que se constituiu num irreversível desenvolvimento, mas também criou a
cisão entre o indivíduo e as objetivações genéricas. Daí em diante a
história humana tem se caracterizado por esses dois processos, isto é, por
um lado o gênero humano se objetiva de forma cada vez mais universal e
livre e, por outro, isso se realiza às custas da vida dos indivíduos, vida
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esta que não se efetiva necessariamente, ou melhor, que não se efetiva na
maioria dos casos, de forma tão universal e livre quanto o nível de
universalidade e liberdade já alcançado pelo gênero humano.
(DUARTE, 1993, p.76)
A partir do entendimento da dinâmica pelo qual o processo histórico de
transformação da realidade natural em realidade humanizada se realiza, é preciso filtrar das
objetivações produzidas no interior do processo de alienação, as objetivações que apontam
para a humanização do gênero humano, descartando, superando, aquelas objetivações que
tem contribuído para a desumanização dos homens, que tem contribuído para reiterar ainda
mais a alienação em processo. Nas palavras de DUARTE(1993, p.60)
Analisar a objetivação e a apropriação do ser humano no interior da “pré-
história” [conceito de Marx que denota as sociedades, inclusive a
capitalista, anteriores ao comunismo – nota do autor deste trabalho]
significa analisar a humanização se realizando através das relações
sociais alienadas. Uma concepção histórico-social da formação do
indivíduo não pode limitar-se a analisar os processos de objetivação e
apropriação que explicam a formação de determinados processos
cognitivos e comportamentais, ela precisa se posicionar sobre o caráter
humanizador ou alienador da formação desses processos. Esse
posicionamento, por sua vez, requer a mediação de categorias que
sintetizem o que, no atual momento da história humana e nas condições
sociais concretas em que se realiza a formação dos indivíduos, se
constitui nas possibilidades máximas da vida humana existentes numa
sociedade e quais as condições sociais que impedem, ou ao menos
cerceiam, a realização dessas possibilidades na vida dos indivíduos.
Trata-se de se entender que a formação dos indivíduos é contraditória, heterogênea
e se dá por relações sociais de dominação presente na história humana até hoje. Mas por
conta do enfoque historicizador se entende que as forças de dominação são características
históricas elimináveis, isto é, superáveis. No entanto, é preciso buscar nessa superação, o
caráter essencialmente humanizador, aquilo que na cultura tem apontado para a
universalidade e liberdade humanas. Trata-se de efetivar “[...]a compreensão das
contradições que marcam o processo histórico no qual a riqueza material e intelectual
humana é construída e ampliada por meio da exploração das classes dominadas (os
escravos, os servos e os proletários)” (DUARTE, 2009, p.06)
Evidencia-se a necessidade de se captar, nas objetivações criadas, o aspecto
humanizador diferenciando de seu aspecto alienador. O conteúdo de caráter humanizador
pode apontar, dados os interesses dos dominantes, para uma não-humanização dos homens
(Cf. Duarte, 1996, p.24). Isso se dá em todos os campos do conhecimento humano. Não se
pode hoje negar os benefícios da energia nuclear (na medicina, por exemplo) apesar do uso
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alienador dado a ela para coação de nações e promoção de guerras. Não se podem negar os
benefícios possíveis da clonagem apesar de todos os riscos que corremos dados os
interesses escusos, das grandes empresas norte-americanas e européias de bio-teconologia
no desenvolvimento de pesquisas. Enfim, não se pode negar os avanços gerados pelo
capitalismo em aproximadamente dois séculos e meio de existência, apesar de ser
necessário entender, denunciar e apontar sua superação dado seu processo injusto e
alienador de exploração da maioria dos homens por uma minoria que detém o poder
político, econômico e cultural. Deve-se sim fazer a crítica, mais abstraindo aquilo que
permanece como legado possível para a humanização do homem. Em outras palavras, no
âmbito da esfera escolar, trata-se de promover uma pedagogia que “[...] supere a educação
escolar em suas formas burguesas sem negar a importância da transmissão, pela escola, dos
conhecimentos mais desenvolvidos que já tenham sido produzidos pela humanidade”
(DUARTE,2006, p.09).
Considerando o processo histórico-social de produção da matemática como um
momento específico do desenvolvimento do gênero humano (obviamente a matemática é
parte do resultado da história social humana), os conhecimentos aí gerados que se
“firmaram como fundamentais”, os “clássicos”, nas palavras de Saviani(2003, p. 13), são:
a ampliação dos campos numéricos, a álgebra, a geometria, a trigonometria, a análise
combinatória, enfim, os conteúdos matemáticos que hoje compõem a grade curricular de
matemática nos anos escolares.
Um olhar sobre a gênese do processo histórico-social de desenvolvimento do
conhecimento matemático permitir evidenciar a dinâmica do desenvolvimento do gênero
humano na dialética entre humanização e alienação. Nesse sentido, compete às pesquisas
em História da Matemática uma importante tarefa, a saber, de contribuir para explicitar os
múltiplos aspectos implícitos a historicidade do processo pelo qual a matemática escolar é
hoje apresentada em face à relação dialética entre humanização e alienação do gênero
humano.
Trata-se, portanto, de valorizar o acesso aos conteúdos escolares de forma que estes
evidenciem aquilo que retrate as “conquistas mais significativas e duradouras para a
humanidade” (Duarte in Silva, Jr, 1994, p. 143).
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Um momento importante de se realizar essa reflexão é a análise da universalização
do sistema de pesos e medidas a partir do episódio na História do Brasil denominado de a
“Revolta do „Quebra-Quilos‟”.
2. A UNIVERSALIZAÇÃO DO SISTEMA DE PESOS E MEDIDAS A
PARTIR DA REFLEXÃO SOBRE A “REVOLTA DO „QUEBRA-QUILOS‟ ”.
Como se observou, um aspecto interessante da dinâmica do desenvolvimento do
gênero humano na dialética entre humanização e alienação, é a constituição do sistema
métrico decimal de medidas no Brasil, em que se destacando o episódio conhecido como a
“Revolta do Quebra-Quilos”.
A denominada “Revolta do Quebra-Quilos” ocorreu na época do Brasil Imperial,
nos anos de 1874 e 1875. A revolta popular envolveu quatro províncias do Nordeste, a
saber, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte (Cf.: Monteiro,1995 e Maior,
1978). Segundo Monteiro(1995, p. 4) atingiu “78 localidades nordestinas: 35 na Paraíba,
23 em Pernambuco, 13 no Rio Grande do Norte e 7 em Alagoas”.
Os motivos do movimento revoltoso foram decorrentes do alto grau de insatisfação
do povo frente à “evolução histórica da economia do Império” (Maior, 1978, p.02). Os
elementos decisivos que explicam a revolta foram:
1º) a imposição de cobrança de imposto (excessos tributários);
2º) os ressentimentos oriundos da denominada “Questão Religiosa”, episódio
ocorrido em 1873, fruto de querelas entre os jesuítas e a maçonaria;
3º) a nova lei de alistamento militar;
4º) a implantação de um novo sistema de pesos e medidas;
5º) a concentração fundiária.
O que se percebe, é que o fato histórico se limitou, já pela sua titulação, a apenas
um aspecto, que aparece desconectado dos demais e, por isso, escamoteia os aspectos
maiores e decisivos para a compreensão do fato: a simples quebra dos pesos e medidas, daí
o nome de “Revolta do Quebra-Quilos”. É neste sentido a observação de
Monteiro(1995.p.09):
Ninguém quebra medidas, balanças e pesos simplesmente porque não
concorda com o sistema métrico. Além disso, arquivos e prédios
públicos também foram destruídos pelo povo, que reclamava dos altos
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impostos e do preço dos alimentos. A destruição dos novos padrões de
pesos e medidas fazia parte de um conjunto de ações que tinham por
objetivo protestar contra as autoridades e externar a grande insatisfação
do povo pelas más condições de vida.
A expressão Quebra-Quilos, portanto, identifica apenas um aspecto da
revolta. Esse nome foi dado pelas autoridades da época e mantido por
muitos historiadores.
Ao atribuir à revolta o nome de Quebra-Quilos, as autoridades
procuravam caracterizar como ignorantes os que dela participavam. Isso
porque o sistema métrico decimal era o que havia de mais moderno para
pesos e medidas, e os principais países da Europa já o adotavam. Assim,
o governo queria transmitir a idéia de que o movimento era resultado do
atraso e da ignorância dos rebeldes, ocultando os outros aspectos da
revolta. Entre esses aspectos estava a miséria em que vivia o povo do
Nordeste.
Interessante verificar que trabalhos de cunho multicultural na Educação
Matemática interpretam o episódio como exemplo para legitimar a idéia segundo a qual se
trata de uma imposição de uma determinada civilização e/ou sociedade sobre outras (no
caso, a sociedade ocidental). O que revela uma visão superficial do fato já que não condiz
com a essência do processo histórico. É preciso considerar, entre outros aspectos, o fato
de que se o sistema de pesos e medidas é uma imposição da Revolução Francesa, o
sistema de pesos e medidas existentes no Império não era algo “genuíno” do povo
brasileiro, mas também uma imposição, a do Império Português. E com graves
problemas, como declara Henrique Pereira de Lucena, governador da Província de
Pernambuco na época da Revolta em “Circular às autoridades policiais e judiciárias da
província” (MAIOR, 1978, p.111):
De muito foi reconhecido que o antigo systema de pesos e medidas
ressentia-se de graves defeitos, porque os múltiplos e submúltiplos das
unidades principaes de uma mesma espécie de grandeza eram
inteiramente arbitrários, em damno da uniformidade necessária as
operações de compra e venda, succedendo que, perdidos os padrões da
unidade principal, meramente convencional, perdida estava a base do
systema. Reconhecendo ainda que adoptando cada paiz um systema
diverso, tornava-se obrigatória nas transações commerciaes a redução,
sob bases vacillantes, das medidas de um as que regulavam em outro
paiz, reducção essa que após serias dificuldades, dava lugar á enganos e
erros muitas vezes de grande prejuízo...
A idéia deste trabalho é defender a necessidade de imprimir uma perspectiva de
análise do processo histórico de desenvolvimento da matemática, entendida esta enquanto
particular objetivação do gênero humano na sua gênese histórica contraditória entre
humanização e alienação de forma a valorizar os conteúdos universais como legado a
todos.
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Esta análise, no tocante à necessidade de padronização de medidas evidencia os
motivos pelos quais ela se sucedeu: o expansionismo da sociedade capitalista através de
suas atividades comerciais internacionais que ditaram a padronização de medidas:
Além das unificações dos sistemas de medidas regionais pré-métricos,
outros aspectos bastante interessantes no desenvolvimento dos sistemas
de medidas foram a expansão e a unificação inter-regionais. Nesse caso,
as relações comerciais e o colonialismo foram fatores decisivos. As
primeiras assumem papel importante na unificação dos sistemas de
medidas, uma vez que as mercadorias importadas, quase sempre, são
quantificadas segundo o sistema de medidas do país exportador. Essa
imposição depende naturalmente da quantidade de mercadorias
exportadas, mas, em geral, ela ocorre nesse sentido. Assim, a partir do
momento em que determinada região firmava-se como exportadora, seu
sistema de medidas passava a ter grandes possibilidades de ser adotado
pelas regiões importadoras, e estabelecia-se, dessa forma, uma forte
condição para a expansão inter-regional dos sistemas de medidas. O
colonialismo, evidentemente, atuou como fator de exportação dos
sistemas de medidas a partir da imposição do uso do sistema de medidas
do colonizador. Foi assim que as colonizações e o mercantilismo, do
século XVI, e a Revolução Industrial, do século XVII, tornaram-se os
grandes catalizadores da expansão dos sistemas de medidas.
(SILVA, 2004, p.75)
O processo histórico-social de padronização de medidas evidencia o aspecto
alienador na dinâmica deste processo na medida em que se deu em decorrência dos
interesses das atividades comerciais internacionais oriundas do expansionismo do sistema
capitalista ao longo do tempo, o que levou a práticas de implementação deste sistema de
medidas ao longo do planeta em detrimento de outros. Mas foram práticas que substituíram
práticas anteriores também impostas dado que o processo histórico tem sido dado pela
exploração de muitos por poucos.
Os padrões portugueses de medida conviviam com padrões espanhóis e ingleses e
sua utilização variava de lugar. Segundo Monteiro(1987, p.05):
Tudo isso era de difícil memorização. Por exemplo, o quintal
correspondia a quatro arrobas; uma arroba, por sua vez, equivalia a 32
libras. Às vezes, a mesma medida tinha valores diversos. A pipa, muito
usada para medir líquidos, equivalia em Lisboa a 430,13 litros, no Rio
de Janeiro a 500 litros, na Bahia a 709, 15 litros. A variação acontecia
também no conteúdo: uma pipa de vinho era diferente de uma de melaço
ou de aguardente.
Embora toda essa confusão de pesos e medidas facilitasse a fraude por
parte de comerciantes, a população estava acostumada a ela desde muitas
gerações.
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Entretanto, como já se evidenciou aqui, a história humana tem se dado na dialética
entre humanização e alienação. Assim, por contradição, a unificação do sistema de pesos e
medidas trouxe avanços para o gênero humano, tornando-se um legado acessível de
apropriação na esfera escolar. Como esclarece SILVA(2004, p.80):
...o Sistema Métrico possui, ainda, um componente social importante: ele
representa o símbolo de uma conquista social que pôs fim aos abusos
comerciais e restituiu a ordem metrológica na época de sua criação.
Tendo sido um dos frutos da Revolução Francesa, ele pode ser
considerado, também, como um dos marcos que estabeleceu o fim do
feudalismo europeu. E, mais do que isso, ele concretizou a possibilidade
da sistematização das ciências que era o anseio geral de outra classe de
homens, que foram os pensadores do século XVIII, o século da razão e
das ciências. Um novo pensamento científico e social eclodiu em todos os
setores da atividade humana naquela época. Homens como Denis Diderot
(1713-84), Jean-Jacques Rousseau (1712-78) e vários outros pregoavam
mudanças sociais radicais e, entre elas, o estabelecimento de um novo
sistema de medidas, que fosse coerente e embasado em padrões
invariáveis. (SILVA, 2004, p.80)
Importante observar que a universalização do sistema de pesos e medidas é
conseqüência de uma universalização intrínseca à lógica expansionista capitalista. O
processo histórico de desenvolvimento do gênero humano que atualmente, se dá pela “[...]
lógica de mundialização do capital, a lógica, já apontada por Marx, da universalização do
valor de troca como a única mediação entre todos os seres humanos e também a mediação
entre cada indivíduo e as atividades que realiza” (DUARTE, 2000, p. 54). Esta
“mundialização do capital”, por se estender a todos os cantos do planeta, implica também a
mundialização de seu conhecimento o que, se por um lado traz em si o aspecto alienador
na constituição do gênero, por outro lado, traz como elemento humanizador a possibilidade
efetiva de unificação do gênero humano pela incorporação daquilo que possa garantir “a
riqueza material e intelectual humana” (DUARTE, 2009, p. 06) mediante uma formação
humana construída a partir das formas mais desenvolvidas de conhecimento, arte, política,
ética e filosofia. Daí, o legado à humanidade, ofertado pela unificação dos pesos e
medidas, apesar dos motivos históricos pelos quais ele foi gerado.
Finalizando, o objetivo deste trabalho é evidenciar que a escolha da “Revolta do
Quebra-Quilos” no contexto da gênese do sistema métrico decimal de pesos e medidas,
constitui uma temática interessante para se trabalhar as questões relativas à perspectiva
histórico-cultural de desenvolvimento da Matemática e se revela exeqüível para abordá-la
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no âmbito do Ensino Fundamental e Médio, inclusive cabendo desenvolvê-la numa
perspectiva interdisciplinar com o ensino de Geografia e História.
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DUARTE, N. A socialização da riqueza intelectual: psicologia, marxismo e pedagogia: In: Interface –
comunicação, saúde, educação. Disponível em:
<htpp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832007000200018&ln...>.
Acesso em: 29 jun. 2009.
______. A contradição entre universalidade da cultura humana e o esvaziamento das relações sociais:
por uma educação que supere a falsa escolha entre etnocentrismo ou relativismo cultural. Educação e
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______. Vigotski e o "aprender a aprender": crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da
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______. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Campinas, SP: Autores
Associados, 1996 ( Coleção polêmicas do nosso tempo: v. 55)
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pp.129-149, 1994.
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indivíduo. Campinas: Autores Associados, 1993 (Coleção Educação Contemporânea).
GIARDINETTO, J. R. B. Matemática escolar e matemática da vida cotidiana. Campinas: Editora
Autores Associados, 1999 (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, nº 65).
MAIOR, A S. Quebra-quilos: lutas sociais do outono do Império. São Paulo: Editora Nacional,
1978.
MARX, Karl. Manuscritos: economía y filosofía. Madrid: Alianza editorial, 1985.
MONTEIRO, H. de M. Revolta do quebra-quilos. São Paulo: Ática, 1997.
SILVA, I. da. História dos pesos e medidas. São Carlos: EdUFSCar, 2004.