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Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Desportos Curso de Pós-Graduação em Educação Física O ENSINO DOS JOGOS: ENCONTROS E DESENCONTROS Dissertação de Mestrado FLORIANÓPOLIS, OUTUBRO DE 2009

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Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Desportos

Curso de Pós-Graduação em Educação Física

O ENSINO DOS JOGOS: ENCONTROS E DESENCONTROS

Dissertação de Mestrado

FLORIANÓPOLIS, OUTUBRO DE 2009

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JAIRO LUIZ SOCOOWSKI DE ANELLO

O ENSINO DOS JOGOS: ENCONTROS E

DESENCONTROS

Dissertação apresentada a Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação Física.

Orientador: Prof. Dr. Elenor Kunz

Florianópolis, outubro de 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE DESPORTOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

A DISSERTAÇÃO: O ENSINO DOS JOGOS: ENCONTROS E DESENCONTROS

elaborada por Jairo Luiz Socoowski de Anello e aprovada em 07/10/2009 por

todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo curso de Mestrado em

Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito

parcial para a obtenção do título de

MESTRE EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Área Teoria e Prática Pedagógica

________________________________

Prof. Dr. Luiz Guilherme Antonacci Guglielmo

Coordenador do Mestrado em Educação Física

Banca Examinadora:

_________________________________________________

Prof. Dr. Elenor Kunz (orientador) UFSC

___________________________________________

Prof. Dr. Silvino Santin – UFSM

___________________________________________

Prof. Dr. Giovani de Lorenzi Pires - UFSC

________________________________________

Profª. Drª. Saray Giovana dos Santos - UFSC

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AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos representam uma parte do texto que quase não se dá

atenção, digo por parte de quem lê o trabalho, mas na realidade acredito que seja

a parte que mais emociona por que traz a mente a lembrança, o caminho

percorrido e consequentemente do tempo que passou e não volta nunca mais.

São momentos de apreensão, de alegria, de pressão, de tensão, de expectativa e

principalmente de projeções daquilo que se pode fazer com o fruto de tanto

esforço pessoal e de um grupo de pessoas que compõem esta realidade, que

começa pela família, amigos, passa pelos professores, pelas instituições e pelos

colegas.

Começo os meus agradecimentos a minha família, à Magda e ao Pablo

que demonstraram uma grande compreensão deste momento o qual persigo há

muito tempo. Foram inteligentes em sua conduta e se apresentaram

pacienciosos, compreensivos e acima de tudo amorosos e nisto eu acredito

piamente, no amor às coisas que fazemos.

Não posso esquecer-me de agradecer ao Prof. Antonio José da Rosa –

Tito, que me encorajou e me apresentou ao mestrado com disposição e que

prontamente atendeu ao pedido de me acompanhar numa viagem a Florianópolis

abrindo, desta forma, as portas para que três anos mais tarde pudesse chegar a

este momento.

Ao Prof. Paulo Macedo, amigo e parceiro, que também demonstrou

disposição ao fazer a “ponte” com o meu orientador e me auxiliou quando tive que

me inscrever para fazer a prova de proficiência em língua inglesa.

À Coordenação do Mestrado em Educação Física e à UNIVILLE que

proporcionaram a estrutura necessária para que pudesse fixar a mente nos

estudos.

Continuo meus agradecimentos aos professores de maneira geral, mas

em particular a três professores que fizeram a diferença e vou utilizar um artifício

do cinema para não dar ordem de preferência e sim de aparição no curso.

Professor Juarez Vieira Nascimento, que foi o primeiro a nos dar aula. A

Professora Saray Giovana dos Santos e o Professor Giovani Pires De Lorenzi,

para mim eles fizeram a diferença, pela sua compreensão, por saber ouvir, por

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saber se manifestar na hora certa e por se mostrarem grandes nos momentos

difíceis e por se mostrarem maiores nos momentos felizes (grandes churrascos).

Na lista não se pode esquecer os pares. Meus colegas, pela convivência,

pelos anseios, dúvidas, muitas dúvidas, pelas trocas de e-mails, pelos momentos

de indecisão que passamos no período em que ficamos quase 6 meses sem

saber se iria continuar ou não e a intervenção da Beth (Professora Elizabeth

Baretta) e do Professor Juarez foi essencial para estes momentos de indecisão. A

todos o meu muito obrigado pela oportunidade das trocas ao Alexandre Jahn, Ana

Mara Soletti Rotta, Augusto César Freitas do Carmo, Carlos Miguel Porto

Almeida, Daniel Rogério Petreça, Deonilde Balduíno Munaretti, Ema Maria

Egerland, Gilson Brun, Leoberto Ricardo Grigollo, Luciane Fanderuff, Marcos

Adelmo dos Reis, Marizete Lemes da Silva Matiello, Marly Baretta, Nei Tesser,

Neusa Dendena Kleinubing, Ruy Fernando Marques Dornelles, Samaroni Vôos,

Sandra Fachineto, Sérgio Dimas de Paula.

Também um agradecimento aos professores que aceitaram o convite

para integrarem a banca examinadora, Prof. Santin, Prof. Giovani e Profª. Saray.

Ao Fernando Borba e Geraldo Campestrini pelas RAPD‟s (Reuniões

Acadêmicas Porém Descontraídas) e muitas pesquisas www.ossoprabaixo.com.br

(plagiei o Geraldo, mas necessariamente) e também a Patrícia Zumblick pelos

ajustes finais do texto e por aguentarem ouvir falar sobre o assunto por quase 3

anos.

Aos meus colegas de serviço que torciam por mim. E um super-hiper-

mega-especial muito obrigado a Nanci, Cleide, Roberto, Pinheiro e Luiz Alberto

que entenderam esta minha necessidade de ausência em muitos momentos de

trabalho.

Deixei por último não um agradecimento, mas uma homenagem ao meu

Orientador, que acredito ter se tornado um amigo, pelos vários encontros que

tivemos e que para mim era um prazer, pois além de acadêmicos, a exemplo dos

meus amigos Geraldo e Fernando, eram também descontraídos. Professor Kunz,

muito obrigado.

A todos que, de uma forma ou outra, colaboraram para que este trabalho

fosse realizado com êxito.

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RESUMO

O ensino dos jogos: encontros e desencontros

Autor: Jairo Luiz Socoowski de Anello

Orientador: Profº. Dr. Elenor Kunz

Vamos jogar bola? O que pode haver ou o que se pode interpretar

analisando esta pergunta? Quando falamos em jogar está implícita uma série de fatores que somente ocorre com humanos. Todo o esporte um dia foi um jogo (encontro), porém em algum momento o esporte deixou de ser jogo (desencontro). O presente estudo pretende abordar estas relações e analisar como isto acontece. Descrever as concepções de esporte e jogo que se percebem e que a mídia nos apresenta. Além disso, discutir em que contexto é possível praticar este esporte sem perder de vistas os valores de aprendizagem social e motora. O estudo questiona o seguinte: O ensino dos jogos, visando a humanização, o lúdico, a emancipação e crítica ainda é possível no mundo da indústria cultural, da mídia esportiva e do consumismo de bens e benefícios prontos (em que perguntar, problematizar dá muito trabalho)? A partir deste questionamento central o estudo busca, então, possibilidades de superação desta problemática. Como enfoque metodológico, o presente estudo tem como referência a pesquisa teórica e exemplificação prática sob o viés da Transformação Didático-Pedagógica do Esporte - TDPE e do Teaching Games for Understanding – Ensinando Jogos pela Compreensão – TGFU. Propõe a releitura da obra de Elenor Kunz, embasada filosoficamente e engajada na emancipação do sujeito, e dos ingleses Rod Thorpe, David Bunker e Len Almond, voltada para retomar a diversão e o prazer de jogar. Do mesmo modo serão verificados os valores que sustentam a concepção atual do esporte, as formas de desenvolvê-lo e que levem a resgatar outros valores além do motor e também a ser um elemento que possa ser considerado parte integrante da cultura, diversão, alegria, cidadania e saberes modernos. Busca-se na teoria do Se-movimentar, na educação física crítico-emancipatória, as matrizes teóricas desta proposta. Noutro ponto a relação possível, mediante a prática esportiva, baseadas no desenvolvimento das competências: objetiva, social, pessoal, cognitiva e comunicativa que visem a transcendência de limites e de outras possibilidades. O movimento humano por esta ótica deve nortear as referências pedagógicas, enquanto ciência do educador, para recuperar os valores sociais e motores do esporte.

Palavras chaves: Ensino dos jogos, Educação Física, TGFU, Transformação didático-pedagógica do esporte

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ABSTRACT

The teaching of games: meeting and mismatch

Advise: Jairo Luiz de Socoowski Anello Advisor: Prof. Dr. Elenor Kunz

Let's play ball? What can be or can be interpreted considering this question? When we play is implicit in a number of factors that only occurs with humans. The whole sport was once a game (meeting), but at some point in the sport longer game (mismatch). This study aims to address these relationships and examine how this happens. Describe the concepts of sport and game it and realize that the media presents. Moreover, discussing the context in which it is possible to practice this sport without losing sight of the values of social and motor skills learning. It asks the following: The teaching of games in order to humanize the playful, emancipation and critique is still possible in the world of the culture industry, the sports media and consumerism of goods and benefits ready (when asked, gives much problematize work)? From this central question the study aims, therefore, possibilities of overcoming this problem. As methodological approach, this study is to reference the theoretical and practical exemplification under the bias of Didactic-Pedagogical Transformation of the Sport - TDPE and Teaching Games for Understanding - TGfU. Proposes a rereading of the work of Elenor Kunz, philosophically grounded and engaged in the emancipation of the subject, and the British Rod Thorpe, David Bunker and Len Almond, turned to resume the fun and pleasure to play. Be similarly checked the values that sustain the current concept of the sport, ways to develop it and to bring to rescue other values besides the engine and also being a factor which can be considered an integral part of culture, fun, joy, citizenship and modern knowledge. Search on the theory of Se-moving, physical education critical-emancipatory, the headquarters of this theoretical proposal. Elsewhere the relationship possible through the practice of sports, based on the development of skills: objective, social, personal, cognitive and communicative aimed at the transcendence of boundaries and other possibilities. Human movement in this vision to guide the references teaching as a science educator, to retrieve the values of social and motor sport.

Key words: Teaching Games, Physical Education, TGfU, Didactic-Pedagogical Transformation of the Sport

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................ 9

1.- INTRODUÇÃO ...........................................................................................................11

1.1.- TEMA E PROBLEMATIZAÇÃO ...........................................................................11

1.2.- OBJETIVOS .........................................................................................................14

1.3.- DUAS PROPOSTAS E UM CAMINHO ................................................................16

1.3.1.- TGFU – Teaching Games for Understanding – Ensino dos Jogos pela Compreensão ..........................................................................................................16

1.3.2.- A Transformação Didático-Pedagógica do Esporte - TDPE ..........................18

1.4.- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................21

1.4.1.- Sobre a Pesquisa Teórica .............................................................................21

1.4.2.- Fundamentação teórica do estudo ................................................................23

2. CONCEPÇÃO DE ESPORTE NA MÍDIA .....................................................................29

2.1. AS HISTÓRIAS QUE PROMOVEM O DESENCONTRO DO JOGO COM O ESPORTE ....................................................................................................................29

2.1.1. História 1 – A história do “João” .....................................................................30

2.1.2. História 2 – A história da “Susana” .................................................................31

2.1.3. História 3 – A história da Ana .........................................................................32

2.1.4. História 4 – A história da “Claudia” .................................................................34

2.1.5. História 5 – A história da “Roberta” ................................................................35

2.1.6. História 6 – A história da “Lúcia” .....................................................................35

2.2. O ESPORTE E A INDÚSTRIA DO ESPORTE ......................................................37

2.3. MÍDIA COMO SUPERAR? ....................................................................................44

3 ENCONTROS E DESENCONTROS .............................................................................52

3.1.- EXEMPLOS DE COMO A LITERATURA APRESENTA OS MÉTODOS DE ENSINO .......................................................................................................................52

3.1.1. Um desencontro do jogo com o esporte .........................................................52

3.2.- UMA TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ......................................................56

3.2.1. Um desencontro – mais uma vez o jogo se afasta do esporte ........................56

3.2.2. Um encontro – o jogo se aproxima do esporte ...............................................61

3.2.3. Outro encontro – o jogo pode ficar junto com o esporte .................................64

3.2.4. Um começo ....................................................................................................66

3.3. OS VALORES ATUAIS DO ESPORTE .................................................................71

4. A SÍNTESE DAS DUAS PROPOSTAS .......................................................................78

4.1. O QUE É A TRANSFORMAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA DO ESPORTE? .....78

4.2. O QUE É TGFU – ENSINAR OS JOGOS PELA COMPREENSÃO .......................88

5. EXEMPLOS PRÁTICOS ..............................................................................................99

6. COMO É POSSÍVEL CONJUGAR AS DUAS PROPOSTAS .................................... 112

7. REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 119

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APRESENTAÇÃO

Trabalho no Curso de Educação Física da UNIVILLE, na cidade de

Joinville, ministrando a disciplina de Basquetebol, desde 2003, e já trabalhei como

técnico de basquete em várias categorias, da iniciação (mini-basquete) à

categoria adulta. Em função disto é que vim para a cidade de Joinville em 1989.

Também trabalhei no Joinville Esporte Clube – JEC, um time de futebol

considerado um dos quatro grandes de Santa Catarina juntamente com Criciúma,

Figueirense e Avai, numa função de administração esportiva e tive a oportunidade

de conhecer vários técnicos de futebol das várias categorias, da “escolinha” ao

profissional. E foi graças à junção destas duas funções é que comecei a

aprofundar o estudo do ensino do esporte.

Em 2004, no JEC três professores me procuraram (Fernando Borba,

Ednei Taborda e Rodrigo Silveira) com a intenção de assumirem a Escolinha de

Futebol do JEC. Depois de várias rodadas de negociação, selamos a parceria e

firmamos um contrato que deu início a esta atividade. Reuníamo-nos com

freqüência para discutirmos as atividades e a forma de condução da atividade e

os compromissos que teríamos, pois se tratava de uma extensão do JEC e como

tal havia uma grande responsabilidade com a marca. Estas reuniões foram se

tornando freqüentes e começamos a dar um cunho mais científico nas

discussões, trazíamos assuntos para debates e saíamos com novos desafios para

a próxima reunião. Numa destas reuniões, em meados de 2006, levei um artigo

em inglês “The Curriculum Model” de David Bunker e Rod Thorpe, que falava

sobre a abordagem do ensino dos jogos. Traduzi o artigo e comecei a ir em busca

de mais informação sobre esta abordagem e cheguei ao sítio www.tgfu.org e lá,

na página inicial está disponível para baixar em PDF o livro Rething Games

Teaching, uma coletânea de 15 artigos os quais servem de orientação para se

trabalhar com a abordagem no ensino dos jogos pela compreensão ou Teaching

Games for Understanding - TGFU.

Eu e o Prof. Fernando Borba começamos então o trabalho de tradução.

Como o arquivo estava disponível em PDF, como figura e não como texto era

necessário digitar e esta tarefa coube a ele, que digitava e me enviava e eu com o

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auxílio de tradutores, tanto na internet como de amigos, e dicionários fazia a

tradução, com isto, estes assuntos foram sendo os nossos alvos nas reuniões,

Estas discussões foram aprofundando o assunto, se juntou ao grupo o

Prof. Geraldo Campestrini, que estava começando seu curso de mestrado em

Portugal, na área de Gestão do Esporte.

As discussões tomaram um caminho interessante porque eram colocadas

em prática na escolinha e vínhamos para as reuniões com estas referências.

Em 2007 comecei o mestrado e propus ao meu orientador, Prof. Elenor

Kunz, aproveitar o estudo que vínhamos fazendo, ou seja, as reuniões discutindo

as formas de ensinar os jogos mais a tradução do livro Repensando o Ensino dos

Jogos e associar esta abordagem à sua abordagem que é a Transformação

Didático-Pedagógica do Esporte. Argumentei que com a releitura da obra de

Elenor Kunz, que está embasada filosoficamente e engajada na emancipação do

sujeito associada á abordagem dos ingleses Rod Thorpe, David Bunker e Len

Almond, voltada para retomar a diversão e o prazer de jogar poderíamos ter uma

proposta interessante no que tange ao ensino dos jogos.

A partir daí o trabalho foi se desenvolvendo com a aproximação de outras

referências, principalmente com as disciplinas do mestrado, de maneira geral e

em particular com a disciplina ministrada pelo Prof. Giovani De Lorenzi Pires,

Educação Física e Mídia na qual tive a sorte de ser brindado com um livro de sua

autoria, Educação Física e o Discurso Midiático, Abordagem Crítico-

emancipatória, que foi sorteado entre os alunos.

Assim, desta maneira, o trabalho foi se organizando da seguinte forma:

validar o que é jogo e o que é esporte (todo o esporte um dia foi jogo e à medida

que vai se tornando espetáculo se afasta do jogo) e quando se encontram e

quando se desencontram; duas abordagens: Transformação Didático-pedagógica

do Esporte – TDPE e Teaching Game For Understanding – TGFU; o esporte e o

discurso midiático, para servir de análise em que valores do esporte a mídia se

apoia e divulga e que acaba servindo de referência para a maioria da população;

um passeio sobre as abordagens de ensino dos esportes e o contexto histórico

em que se desenvolveram; e por fim algumas alternativas para exemplificar as

possibilidades que não perca de vista as várias dimensões que o esporte tem

quando se encontra com o jogo e não apenas a uma dimensão: a vitória.

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1.- INTRODUÇÃO

1.1.- TEMA E PROBLEMATIZAÇÃO

Na linha do tempo pode-se considerar o jogo como uma manifestação

presente e amalgamada com a história do homem. A necessidade de se

movimentar propicia esta atividade e a caracteriza como humana. Neste sentido,

quando falamos: “Vamos jogar bola?” intrinsecamente transportamos uma carga

contextual, cultural e histórica que está amarrada a ela. Em sua obra, tratando de

dar um significado a palavra jogo, Huizinga (2007, p. 5) afirma que os animais

também jogam. Poderíamos abordar essa discussão sob um outro ponto de vista,

ao indagar se os animais teriam, por exemplo, a capacidade de se reunir,

escolher um espaço, se dividir em grupos, definir os equipamentos que irão

utilizar, estabelecer regras para dar andamento a sua atividade. Por isto, a

intenção é validar o conceito de jogo como uma atividade essencialmente

humana.

O jogo, em geral, e o esporte, em particular, pode e deve buscar uma

infinidade de valores além da experiência do movimento. No entanto, em

decorrência da necessidade de restringir a alguns poucos gestos motores, com

vista a alcançar o desempenho, acaba-se abrindo mão daqueles e se fixando

nestes.

Se houvesse a necessidade de ordenar os valores, poderíamos colocar

aqueles que tratam das emoções, nos primeiros postos. Vinícius de Morais, em

seu poema, A felicidade, escreve que “Tristeza não tem fim; Felicidade sim...” O

autor faz comparações com o cotidiano de um pobre trabalhador, que se prepara

durante um ano inteiro, juntando seu “dinheirinho”, para um momento de sonho,

no carnaval, viver a fantasia de um rei, ou de um pirata, ou de uma jardineira e

tudo isto para acabar na quarta feira de cinzas, num único dia.

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Percorrendo um caminho paralelo ao de Vinícius de Morais, podemos

elocubrar que as crianças, na escola ou participando de atividades em escolinha

de esporte ou outra qualquer, se preparam para participar, qualquer que seja sua

natureza, e vivenciar seus desejos, muito mais ligados às emoções do que

especificamente ao desempenho. Aliás, este último muito mais ligado à vontade e

entendimento do mundo adulto do que das crianças.

Os aspectos a serem abordados neste trabalho, sejam o jogo, os valores

morais, éticos e afetivos, movimento humano e atividades para crianças, têm uma

relação muito próxima e imbricada com um outro aspecto: a mídia. Sua influência

é exercida no cotidiano das pessoas, principalmente nos conceitos que

perpassam o entendimento crítico e apurado da realidade. Isto acaba decidindo, e

esta é a intenção da indústria cultural, o quê, como, quando e por que as pessoas

devem fazer, isto é, estipulando um padrão de consumo e de costumes, uma

homogeneização das preferências.

A partir destes aspectos, este estudo irá buscar pontos que configurem

esta relação e como se processa o relacionamento entre eles. Também como isto

acaba implicando nas emoções e no movimento humano no âmbito das

atividades e a forma como pode afetar um tempo em que ocorrem as maiores

transformações na vida de um ser humano: a infância e a adolescência - uma

fase de enormes ebulições em toda sua amplidão.

Para fundamentar os argumentos aqui propostos se faz, assim,

necessário tomar como ponto de partida a análise da influência do esporte no dia

a dia das pessoas, em seus diferentes caminhos, contados a partir de histórias

que promovam a compreensão do desencontro do esporte com o jogo. Serão

utilizados alguns exemplos de histórias que apresentam a forma tradicional de

concepção e construção da aprendizagem que levam a este desencontro,

abordando a força desta influência. A luz das histórias contadas pelos sujeitos

desta narrativa, compreender a construção deste mecanismo, na linha do tempo,

pela indústria do esporte, analisando quais as estratégias utilizadas para atingir

estes objetivos. Além disso, o sentido e significado que a comunicação infere

sobre o esporte e suas conseqüências para o âmbito do ensino. Não obstante,

discutir os valores atuais do esporte e verificar em que base eles estão centrados.

Também poderá servir como referencial de alerta e utilizar o discurso midiático

como instrumental auxiliar para mediar o entendimento entre a emissão e a

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recepção, papel que pode ser exercido pelo profissional de Educação Física como

forma de uma abordagem crítico-emancipatória, como pretende Pires (2002, p.

300) ao propor que:

“... é possível constatar a relevância do conceito de esclarecimento, destacando seu caráter dialético e sua condição processual (um vir-a-ser, na acepção de Adorno, 1995), como eixo fundamentador e articulador de projetos de resistência crítica à indústria cultural e de intervenção pedagógica contra-hegemônica à mídia esportiva no campo da Educação Física.”

Dando seqüência às análises propostas neste trabalho serão discutidas a

ludicidade versus a busca incessante do desempenho, suas causas e

conseqüências; a redução desnecessária a um só ponto: a vitória. Neste aspecto,

serão revisitadas as matrizes teóricas que servem como pilares desta proposta,

de um lado o modelo de Transformação Didático-Pedagógica do Esporte - TDPE

e de outro o TGFU (Teaching Games for Understanding – Ensinando Jogos pela

Compreensão), com a releitura das obras de Elenor Kunz, embasada

filosoficamente e engajada na emancipação do sujeito, e dos ingleses Rod

Thorpe, David Bunker e Len Almond, que retomam as emoções que o jogo

proporciona (diversão, prazer, alegria, estar-junto, deleite) como parte do centro

do ensino.

A seguir, procurar-se-á descrever exemplos e possibilidades para a

atuação no campo de trabalho, buscando o „otimismo prático‟ como referiu Kunz

em sua obra (1994, p. 6), apresentando outras formas e possibilidades de

desenvolver o esporte com vista a alcançar valores que podem ser atingidos

neste ambiente além dos gestos motores específicos da modalidade, tais como

socialização, cultura, cidadania, comunicação etc., que tem como sustentação a

Transformação Didático-Pedagógica do Esporte numa abordagem crítico-

emancipatória. Esta última, por sua vez, se apóia na teoria do Se-Movimentar,

cuja nomenclatura foi aceita por Santin, em fevereiro de 2008, em ocasião da

defesa da dissertação efetuada por Surdi1.

Cabe também ressaltar que esta é mais uma contribuição, sem a

pretensão que isto seja a panacéia. Na realidade serão atividades, fruto das

experiências e discussões acumuladas ao longo da vida profissional, ora como

observador, ora como ator, ora como coadjuvante e ora como questionador, entre

1 Defesa realizada em 21 de fevereiro de 2008 no CDS da UFSC – A Fenomenologia como fundamentação para o

movimento humano significativo – Banca composta por Elenor Kunz, Silvino Santin e Ida Mara Freire

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outras personagens vividas. Com base nestas exemplificações é possível apontar

mais algumas opções com referencial teórico-prático; novas perspectivas de

prática pedagógica; outras possibilidades de inclusão; e perceber que por meio de

atividades com base nos jogos é possível trabalhar os conceitos preconizados

pela educação que se funda nos princípios da emancipação e dirige seu olhar

também para as competências modernas, conforme Delors (2006) enfatiza em

seu relatório para a UNESCO.

Neste sentido, com estas considerações prévias, apontam-se como

problemáticas centrais as seguintes questões: O ensino dos jogos, visando a

humanização, o lúdico, a emancipação e crítica ainda é possível no mundo da

indústria cultural, da mídia esportiva e do consumismo de bens e benefícios

prontos (em que perguntar, problematizar dá muito trabalho)? De que forma as

metodologias Transformação Didático-Pedagógica do Esporte - TDPE e TGFU

(Teaching Games for Understanding – Ensinando Jogos pela Compreensão)

contribuem com a possibilidade transformadora do ensino dos jogos?

Seguindo este eixo principal, em seu entorno orbitam outros

questionamentos que servirão para desenvolver e aprofundar o tema, sendo:

Quais os postulados teóricos comuns entre as metodologias que

propõem a renovação do ensino dos jogos?

Quais as possibilidades de aplicação (teórica e metodológica) entre

as metodologias que propõem a renovação do ensino dos jogos?

1.2.- OBJETIVOS

Luís Fernando Veríssimo (s.d.) escreveu um texto (anexo 1) sobre a

pelada de rua. Nesta crônica descreve as regras de uma pelada de futebol, se é

que é possível.

Com seu humor aflorado, transmite ao leitor a alegria, a diversão e o

prazer aos quais os participantes estão submersos. É baseado nestas premissas

do ensino dos jogos como expressão do prazer, da alegria, da diversão, que este

estudo propõe buscar nas histórias de vida (exemplos práticos), a abordagem do

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lúdico sem a opressão do rendimento (Santin, 1994) e respondendo a pergunta

que um aluno, de uma escolinha de futebol, de 8 anos fez ao seu colega, e

percebida pelo professor: “Na minha rua jogar futebol é tão legal...porque aqui (na

escolinha) não é?”

Sendo assim, o objetivo geral deste estudo é:

• Investigar nas propostas pedagógicas Transformação Didádico-

Pedagógica do Esporte – TDPE e Teaching Games for Understanding –

TGFU (Ensino dos Jogos pela Compreensão), os fundamentos

metodológicos que levam ao repensar o ensino dos jogos e aplicação da

abordagem crítico-emancipatória;

Tendo como objetivos específicos:

Apresentar os postulados centrais da teoria da Transformação

Didádico-Pedagógica do Esporte – TDPE e do Teaching Games for

Understanding – TGFU (Ensino dos Jogos pela Compreensão);

Apresentar os elementos constitutivos da identidade e dos valores

sustentados nas propostas pedagógicas analisadas;

Investigar entre as propostas da Transformação Didádico-Pedagógica

do Esporte - TDPE e do Teaching Games for Understanding – TGFU

(Ensino dos Jogos pela Compreensão) os eixos integrativos,

fundamentados na abordagem crítico-emancipatória;

Sugerir metodologias aplicadas ao jogos invasivos com base nas

propostas da Transformação Didádico-Pedagógica do Esporte - TDPE

e do Teaching Games for Understanding – TGFU (Ensino dos Jogos

pela Compreensão);

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1.3.- DUAS PROPOSTAS E UM CAMINHO

1.3.1.- TGFU – Teaching Games for Understanding – Ensino dos Jogos pela Compreensão

A abordagem do ensino dos jogos pela compreensão, começa a ser

desenhada no início dos anos 60. Inquietos como a forma de ensinar os jogos era

conduzida, os componentes da equipe de Loughborough, uma instituição de

ensino na Inglaterra, começaram a considerar os benefícios e condições dos

pequenos jogos incluídos nos conteúdos da Educação Física. Rod Thorpe e

David Bunker, neste período estudantes, se uniram aos professores Allen Wade,

Eric Worthington e Stan Wigmore. Allen Wade já havia escrito um livro para a

Associação de Futebol da Inglaterra, abordando esta idéia, mas ainda estava

muito preso ao ensino das habilidades, dos fundamentos. No final dos anos 60

apesar das discussões e tentativas a abordagem das habilidades ainda estava

evidência.

Estavam insatisfeitos com os resultados porque percebiam que daquela

forma não estavam chegando a lugar nenhum e o interesse dos alunos cada vez

era menor. Foi então que Eric Worthington lançou um desafio que era adaptar

equipamentos no tênis para que crianças, indistintamente, pudessem jogar. Rod

Thorpe aceitou o desafio e deu seus primeiros passos ao desenvolver seu

trabalho afastando-se das aulas baseadas no ensino dos gestos técnicos. Um

novo começo era alinhavado, começava a se falar em domínio cognitivo no

ensino dos jogos, conceitos de espaço de defesa, de ataque, equipamentos

adaptados e o ensino das habilidades surgiam por conta de uma necessidade de

atender demandas táticas, fruto da apreciação do jogo e da consciência tática.

Resultado, as crianças começaram a se beneficiar, a adaptação dos

equipamentos e espaços tornaram a atividade mais agradável, a raquete era

apropriada para a idade, a bolinha era mais lenta, a rede era mais alta, a quadra

era menor, consequentemente o rally aconteceu, dava tempo de chegar na

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bolinha, acertá-la com a raquete e enviá-la para a outra quadra, o professor

deixou de se preocupar com a eficiência do gesto. O que importava era o

interesse da criança em permanecer na atividade.

David Bunker, só se junta ao staff Loughborough em 1972, antes disso

estava envolvido com a Football Association, fruto das concessões da National

Governing Body (NGB), entidade que coordena as associações e federações

esportivas na Inglaterra, mas também estava descontente com o ensino baseado

somente nas habilidades, e já havia começado um trabalho nos moldes que

Thorpe desenvolvia no tênis, ou seja, utilizando os princípios do jogo para o

ensino. A partir da junção do pessoal a equipe entendeu que precisava

aprofundar os estudos e decidiram identificar os elementos do núcleo dos jogos e

as diferenças do jogo original. Este foi o marco referencial desta maneira de

ensinar, propor atividades que se parecessem com o jogo formal, mas que

pudessem ser compreendidos pelos alunos.

Um fato relevante, e que mais tarde vai dar origem a esta teoria, TGFU,

foi a incorporação de Len Almond. Este reconhece o valor educativo desta nova

abordagem e propõe este conteúdo para a grade curricular. Isto fez com que

convidassem outros professores de outras escolas a reavaliar o ensino dos jogos

e testar esta nova abordagem e a partir da se disseminou pelo país

Len Almond formalizou, então, um projeto de pesquisa ação de longo

prazo o que acabou envolvendo Rod Thorpe na apresentação de aulas práticas.

Em seguida, após esta experimentação alguns artigos foram escritos sobre este

método. Quanto a isto os autores escrevem:

Não é necessária uma grande mudança para realizar isto, uma vez que se consegue um entendimento da abordagem pela compreensão com pouco esforço, o conceito de jogos educacionais, deve ser considerado muito mais do que uma união arbitrária de jogos conhecidos

2.

Este grupo deu origem, a partir daí, a uma série de estratégias para firmar

a posição, que resultou em participações em eventos científicos, cursos pelo país

e a escrita de artigos científicos.

A ideia é que o jogo possa sofrer alterações, de acordo com o grupo que

o pratica. Este jogo é devolvido aos educandos para que haja uma apreciação do

jogo, fase 2. Os educandos, ao entenderem a forma de jogar começam a traçar

2 Livre tradução - It does not take a quantum leap to realise that once one steps into an „understanding‟ approach, the

concept of a Games Education, much more than an arbitrary piecing together of recognized games must be considered. Texto retirado do livro: Rething Games Teaching, 1986, p. 6, de Bunker, Thorpe e Almond.

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estratégias que ajudam ao entrosamento dos participantes, isto seria a fase 3,

consciência tática. Entendendo o jogo, criando estratégias para jogar os

participantes começam a entender também que precisam tomar decisões no jogo,

ou seja, „o que fazer?‟ e „como fazer?‟. Nesta fase, a fase 4, antecede a fase em

que os educandos começam a se dar conta de que algumas habilidades são

necessárias para suprir as necessidades táticas, por isso a fase 5 se caracteriza

pelo desenvolvimento de habilidades, não por prescrição mas por consciência.

Por último, a fase 6 é destinada ao desempenho que passa a ser percebido pelos

pares em função do ciclo em que todos os participantes passaram.

1.3.2.- A Transformação Didático-Pedagógica do Esporte - TDPE

A transformação didádico-pedagógica do esporte, mais que um “modelo

metodológico de ensino, isolado, é uma proposta para um efetivo

desenvolvimento político-pedagógico da Educação Física Brasileira” (p. 142),

assim Kunz conclui seu trabalho apresentando como uma Utopia concreta.

Sua obra nasce de uma necessidade de transcender o discurso das

denúncias que marcaram a década de 80 e apresentar alternativas práticas que

auxiliassem os professores em suas aulas.

Neste sentido a transformação didático-pedagógica do esporte que o

autor propõe deve ocorrer com fundamentos nas teorias da Escola de Frankfurt,

especificamente e Adorno, Horkheimer e Habermas. Parte do princípio que

esclarecimento e emancipação são tarefas de uma Teoria Crítica de Sociedade e

ao tecer seu estudo, seus argumentos vão se reforçando com os conceitos da

Teoria da Ação Comunicativa em Habermas em que busca apresentar as

propriedades da “falsa consciência”, “existência sem liberdade”, “coerção auto-

imposta” as quais estão subjacentes no ensino dos esportes no formato

hegemônico.

Ao admitir que o esporte de alto rendimento tenha um estátus privilegiado

em nossa sociedade, sua idéia é apresentar alternativas que o torne veículo para

disseminar outros valores que possam levar ao esclarecimento, e a emancipação

passa ser uma tarefa muito difícil.

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Sua crença, então, vai ao entendimento que pela transformação didático-

pedagógica do esporte é possível alcançar alguns objetivos numa perspectiva

educacional crítica com vistas à emancipação. Neste sentido, encontra um

pequeno espaço na Teoria Crítica, por Habermas, no conceito da auto-reflexão e

abre, por este caminho, um espaço, no qual propõe seguir sua proposta pela

união de três categorias: Trabalho, Interação e Linguagem. Assim, Kunz (1994, p.

29) atesta que

A teoria tem a capacidade de antecipar ações práticas, mas é a partir, também, de propostas práticas concretas que o desenvolvimento teórico pode tomar um novo impulso. E é nesta dialética de interação entre teoria e prática que se pode chegar a uma pedagogia consistente para o ensino dos esportes na Educação Física.

Convicto desta possibilidade que surge de sua interpretação do conceito

de auto-reflexão, o autor propõe o uso do esporte como conteúdo da Educação

Física, sendo este um elemento construído socialmente e por esta razão passível

de questionamentos e adaptações que permitam adequar seu uso a um contexto

social específico. Desta forma, nos diz (p. 35) que

Pela categoria do trabalho, o ensino segue um processo racionalmente organizado e sistematizado para alcançar progressivamente uma melhor performance física e técnica para as práticas esportivas. Apesar de ser um dos aspectos fechados do ensino, requer um plano de entendimento dos alunos entre si e com o professor. Isto, por sua vez, pressupõe a interação social e exige competência por parte dos alunos e do professor para conduzir o ensino democraticamente de acordo com a situação, o conteúdo, o contexto e o grupo. O ensino deve fomentar, para tanto a capacitação dos alunos para um agir solidário, nos princípios da co e autodeterminação. Esta interação de alunos-alunos, alunos-professor e professor-alunos, não pode acontecer sem a participação da linguagem.

Esta contribuição de Kunz à Educação Física brasileira reforça a

necessidade de repensar o ensino dos esportes nas aulas e propõe uma maneira

de organizar os conteúdos.

A união das duas propostas se torna possível porque ambas se

preocuparam com a mesma coisa, isto é, levantaram que havia um problema com

o esporte que tinha como conteúdo central o ensino maçante de técnicas

esportivas com vistas ao rendimento.

Portanto pode-se afirmar que a Transformação Didádico-Pedagógica do

Esporte – TDPE e Teaching Games for Understanding – TGFU (Ensino dos Jogos

pela Compreensão), buscaram alternativas para a atividade do ensino dos jogos

deixando-a mais prazerosa. Porém a Transformação Didádico-Pedagógica do

Esporte – TDPE foi um pouco mais além e apresentou uma proposta que leva em

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consideração a superação deste quadro hegemônico do esporte pela via das

competências objetiva, social e comunicativa numa abordagem crítico-

emancipatória.

Os ingleses dizem que é necessário compreender o jogo e aí podemos

inserir outras competências a cognitiva e pessoal e Kunz deixa um espaço para

enxertar outras abordagens na categoria trabalho que busca justamente o fazer, o

saber-fazer, o fazer-inovando e este espaço está caracterizado conforme foi

citado acima, mas sempre é bom reforçar:

Pela categoria do trabalho, o ensino segue um processo racionalmente organizado e sistematizado para alcançar progressivamente uma melhor performance física e técnica para as práticas esportivas. Apesar de ser um dos aspectos fechados do ensino, requer um plano de entendimento dos alunos entre si e com o professor. (p. 35)

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1.4.- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

1.4.1.- Sobre a Pesquisa Teórica

No prefácio foi apresentada uma história de como foi a gênese deste

estudo, começamos a pensar em função de um problema que se apresentou para

nós, neste sentido, uma pesquisa sempre começa quando nos deparamos com

um problema que queremos resolver. Rubem Alves (2007, p. 24), em suas

elocubrações, afirma que todo o pensamento começa com um problema. Quando

tudo vai bem, a gente não pensa, simplesmente goza, usufrui. Sendo assim, para

encontrar a solução do problema é necessária a intervenção, fruto do pensamento

gerado pelo próprio problema. Este estudo também começa com um problema e

existe a necessidade de intervenção. Quanto a isso Demo (1994, p. 36) escreve

que:

“A pesquisa teórica não implica imediata intervenção na realidade, mas nem por isso é menos importante. Seu papel é decisivo para construir condições básicas de intervenção, precisamente o investimento em conhecimento como instrumento principal de intervenção competente. A pesquisa teórica perfaz uma condição fundamental desta competência e determina, por isso, a qualidade da intervenção.”

Neste sentido este estudo caracterizar-se-á pelos procedimentos

metodológicos de pesquisa teórica com exemplificação pela forma como este

trabalho se desenvolveu. Tem por finalidade discutir o ensino dos jogos e suas

abordagens. Fixará suas âncoras mais especificamente na Transformação

Didático-Pedagógica do Esporte - TDPE e do TGFU (Teaching Games for

Understanding – Ensino dos Jogos pela Compreensão). Sendo sua proposta fazer

uma releitura da obra de Elenor Kunz e dos ingleses Rod Thorpe, David Bunker e

Len Almond.

Trata-se de uma pesquisa que é "dedicada a reconstruir teoria, conceitos,

idéias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos, aprimorar

fundamentos teóricos" (Demo, 2000, p. 20). Esse tipo de pesquisa é orientado no

sentido de re-construir, quadros de referência, condições explicativas da

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realidade, polêmicas e discussões pertinentes. Como o a pesquisa teórica não

implica imediata intervenção na realidade, serve para a reflexão do que está posto

com outro ângulo de visão e de possíveis intervenções. "O conhecimento teórico

adequado acarreta rigor conceitual, análise acurada, desempenho lógico,

argumentação diversificada, capacidade explicativa" (1994, p. 36). Demo (1987),

também argumenta que não devemos supervalorizar a metodologia, afinal o que

deve importar e o que é essencial é chegar onde se propôs chegar. A

metodologia de pesquisa, para Minayo (2000, p. 16) é o caminho do pensamento

a ser seguido. Ocupa um lugar central na teoria e trata basicamente do conjunto

de técnicas a ser adotada para construir uma realidade. A pesquisa é assim, a

atividade básica da ciência na sua construção da realidade. E sobre ciência, Gil

(1999, p. 20) explica que:

“...significa conhecimento e que não há dúvida quanto à inadequação desta definição considerando-se o atual estágio de desenvolvimento da ciência. Isto porque existem conhecimentos que não pertencem à ciência como o conhecimento vulgar, o religioso e em certa acepção, o filosófico.”

Com estas premissas, o conhecimento científico visa fundamentar o

conhecimento vulgar, o senso comum, e tem a pretensão de ser muito mais que

ele. Rubem Alves (2007) discorre sobre estes dois conhecimentos, a ciência e o

senso comum, e alerta que a ciência virou um mito e tenta desprezar o senso

comum. Argumenta também que todo o mito é perigoso, pois leva as pessoas a

acreditar sem questionar, dá a sensação que existem pessoas que nasceram

para pensar pelos outros, isto é as pessoas podem fazer aquilo que os cientistas

as mandam fazer. Sendo assim, vivenciar a realidade, ouvir o que as pessoas têm

a dizer, entender quais histórias as suas experiências trazem, respeitar as

crenças oriundas destas experiências deve compor o estudo e levadas em

consideração. Demo (1994, p.17) escreve que o senso comum não representa

algo desprezível, pois, na prática, é a maneira usual de ver a realidade. E vai

mais, exemplifica com a educação dos filhos, que é feita com o senso comum. Em

outra obra Demo (1987, p. 20) explica que “a ciência propõe-se a captar e

manipular a realidade assim como ela é. A metodologia desenvolve a

preocupação em torno de como chegar a isto.”

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1.4.2.- Fundamentação teórica do estudo

Esporte ou Jogo? Esta será a temática a ser desenvolvida nesta parte do

texto, isto é, conceituar o jogo e o esporte para dar a definição adequada. Terá

como base de sustentação o caminho percorrido, ou seja, da origem à evolução

dos esportes e como ocorre a sua transformação de jogo até atingir o estátus de

esporte e a sua sistematização. Definir os conceitos de jogo e de esporte

entendidos neste estudo também será uma tarefa pertinente para que haja uma

visão mais ampla sobre estes dois fenômenos. Cabem, ainda neste espaço,

algumas outras abordagens que serão auxiliares no entendimento do que se

pretende propor.

Neste sentido, vamos nos valer do texto que o Prof. Faria Junior, escreve

no prefácio do livro Pedagogia do Desporto (2007) no qual ele faz uma

retrospectiva do termo “desporto” muito interessante. Busca a origem do termo no

francês antigo e sua evolução até os dias de hoje. A palavra surge como de(s)port

derivando-se de se-de(s)porter que tem o significado de divertir-se, folgar-se. No

século XII, continua o autor, no romance Enéas a expressão dá sentido a tudo o

que está relacionado à diversão. Com a política expansionista da Inglaterra, em

1300 a expressão se torna disport e com seu uso perde o fonema inicial e

transforma-se em sport. Formalmente é utilizada pela primeira vez pelo Rei Jaime

I, em 1617, na Declaration of Sports.

Faria Junior (2007) prossegue, citando Periot:

“Por volta de 1827 o uso da palavra sport é retomado na França, e se

naturaliza nos vinte anos do pós-guerra – 1871-1891. Para Miguel

Piernavieja del Pozo a palavra deporte já se encontra registrada em

documentos do castelhano antigo de princípios do século XII. Para Pozo

o termo deporte tornava-se mais freqüente na literatura quanto mais se

recuava no tempo, com origem no século X. José Maria Cagigal, por

sua vez, destaca que “em espanhol se diz deporte, em português

desporto [...] derivados de velhos termos (castelhano-catalão-provençal)

deporte, desporter, se-desporter.”

Ainda com base no texto de Faria Junior (2007), nos dicionários da língua

portuguesa até 1910 aparece como sport da mesma forma que em inglês, após

isto é que surge desporto, em Portugal, e desporto e desporte no Brasil. Fica

relativamente fácil de entender porque a expressão serviu de nome para a CBD –

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Confederação Brasileira de Desportos que organizava os interesses do futebol,

até a década de 70.

Com esta explanação da origem da palavra feita no prefácio pelo referido

autor, vamos considerar esporte, desporte e desporto como sendo sinônimos e

que culmina com o seguinte conceito, que, segundo ele, é aceita pelo meio

acadêmico, a qual preconiza que:

“... o desporto é entendido como um conjunto institucionalizado de

práticas competitivas, universal, com dominante física, delimitadas,

codificadas, convencionalmente regulamentadas, cujo objetivo confesso

é, sob a base de uma comparação de performance, de proezas, de

demonstrações, de prestações físicas, escolher o melhor concorrente (o

campeão) ou registrar a melhor performance (recorde).

Com este conceito, pode-se dizer, de forma resumida, que o esporte,

apresentado e entendido neste texto, é um instrumento para medir

desempenho. Com fundamento neste conceito é desta forma que o esporte (bem

como seus sinônimos desporte e desporto) será entendido e tomado como

referência.

Faria Junior (2007), aprofunda ainda mais o conceito de esporte,

abrangendo a competição:

Neste conceito, a competição desportiva aparece como elemento chave, e

pode ser entendida como um encontro social que implica a luta consciente

pela supremacia, entre dois ou mais indivíduos (distribuídos em lados

opostos), tendo em vista um objetivo comum identificado. Ligadas à noção

de supremacia estão a dominação, a melhor classificação, a melhor

execução, que levam os indivíduos a vê-las recompensadas em

atividades como sendo mutuamente exclusivas e a avaliar resultados em

termos estritamente relativos, em que o sucesso de um depende do

fracasso de outros. A noção de luta envolve fazer (ou tentar fazer)

grandes esforços em contenda ou trabalho e a progredir com dificuldade

(consciente das forças oponentes).

Assim, os questionamentos que surgirem a respeito de esporte podem ser

enquadrados nesta forma de entender e em que bases ele acontece. E Faria

Junior, para reforçar este conceito, busca em outro autor, Jean-Marie Brohm, em

sua obra Sociologia Política del Deporte, de 1976, que diz “o desporto é, portanto,

em definitivo o sistema cultural que registra o progresso corporal humano objetivo,

é o positivismo institucionalizado do corpo.”

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Cabe deixar claro que este entendimento de esporte serve para dar

suporte ao que este estudo se propõe, não é o caso de assumir definitivamente

um conceito final, universal e acabado para o esporte, da mesma forma como

veremos a seguir o conceito que utilizaremos para jogo.

Pode-se afirmar categoricamente que é muito difícil conceituar o que é

jogo. Porém, para não polemizar e tratar o jogo com a necessária atenção que ele

merece para encaixar no presente texto, cabe recorrer primeiramente a Konrad

Lorenz (1986, p. 63) que explica os processos de evolução do homem. Ele diz

que “...num sentido bem particular, os processos criativos que se passam no

homem, e somente no homem, constituem um jogo uma brincadeira.” E se vale

de outro autor, Friederich Schiller, para dizer que o homem só se torna

completamente humano quando brinca. Lorenz (1986, p. 66) faz suas conjecturas

sobre a ciência, arte e o jogo e diz que “a liberdade do jogo, que já era

precondição para qualquer evolução criativa na filogênese, obviamente não é

menos imprescindível para a criatividade do pesquisador”.

O que se nota é que historicamente existe uma grande reflexão sobre o

jogo. E a este respeito há que se reconhecer a contribuição do holandês Johan

Huizinga. Porém outro autor, citado por Kunz (1994, p. 87) também retrata o jogo;

trata-se do holandês Buytendijk, ambos têm obras filosóficas sobre o jogo. Para

Huizinga (2007, p. 4) no jogo existe alguma coisa “em jogo” que transcende as

necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Pode-se observar

as crianças brincarem e perceber que o tempo e as outras atividades estão em

outra dimensão que não a do jogo. Existe uma mobilização intensa para ficar

disponível para o jogo. Elas não sentem necessidades de comer, de banhar-se de

agasalhar-se tamanho seu envolvimento.

Destaca ele, ainda, outras características essenciais do jogo, tais como

uma atividade livre, conscientemente tomada como „não - séria‟ e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. (HUIZINGA, 2007, p.16).

Para o este autor as ciências preocupam-se em abordar o jogo sob a

ótica da lógica da ciência, isto é, usar métodos quantitativos experimentais sem

levar em consideração as características estéticas. Na leitura podemos assinalar

o momento em que o autor remete-nos a reflexão quando afirma que

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A intensidade do jogo e seu poder de fascinação não podem ser explicados por análises biológicas. E, contudo, é nessa intensidade, nessa fascinação, nessa capacidade de excitar que reside a própria essência e a característica primordial do jogo.

Quanto a isto podemos observar nas famosas “peladas de futebol”, muito

comum entre os meninos, porém este comportamento está sofrendo mudanças,

as meninas também estão se reunindo para jogar, e que continua na vida adulta,

motivadas pela alegria e divertimento. Não vemos, por exemplo, as pessoas,

sejam crianças ou adultos, se reunirem para ficar tristes, a não ser por obrigação

causada pela perda de um ente querido ou um filme em que tenha uma história

triste, emocionante. Ainda relacionado ao fato da “pelada”, existem os

comentários depois do jogo, a confraternização. Estas ações após o jogo ratificam

o que Huizinga afirma, as pessoas envolvidas no jogo não comentam quantos

metros correram, quantas vezes tocaram na bola, quantos passes errados deram,

quantas bolas roubaram, mas sim um drible, uma finta, um gol, uma defesa com

estilo. Nestes diálogos é que podemos perceber a influência da carga de energia

emanada do deleite que um jogo pode trazer aos seus praticantes. Nos objetivos,

foi feita uma referência a um texto de Veríssimo (s.d.) (anexo 1) em que ele

descreve a pelada:

Pelada é o futebol de campinho, de terreno baldio. Mas existe um tipo de futebol ainda mais rudimentar do que a pelada. É o futebol de rua. Perto do futebol de rua qualquer pelada é luxo e qualquer terreno baldio é o Maracanã em jogo noturno. Se você é homem, brasileiro e criado em cidade, sabe do que eu estou falando. Futebol de rua é tão humilde que chama pelada de senhora. Não sei se alguém, algum dia, por farra ou nostalgia, botou num papel as regras do futebol de rua.

A partir daí ele narra como se desenvolve a pelada. É difícil encontrar

alguém que não tenha vivido esta experiência e o fato de lembrar aqueles

momentos o semblante denuncia o prazer causado pelos momentos vividos. A

pelada também vai ao encontro do que Lorenz (1986, p. 134) vai descrever em “O

prazer da competição” em que ele faz referência a uma característica humana: “...

podemos dizer com certeza que uma norma comportamental geneticamente

programada do homem é que qualquer pessoa que saiba fazer bem alguma coisa

procure sobrepujar as outras nessa atividade”. Esta característica esta

profundamente enraizada nas peladas também, dar um “chapeuzinho”, uma

“meia-lua”, fazer um gol chutando a bola entre as pernas do goleiro, enfim, são

estes lances que caracterizam a afirmação de Lorenz.

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Outro texto que chamou a atenção para estes conceitos foi um artigo

escrito por Selma Knijnik e Jorge Knijnik sobre jogo e pluralidade cultural. Eles

citam alguns autores além de Huizinga que também tentam conceituar os jogos,

são eles Callois e Brougère.

Knijnik e Knijnik (2005, p. 287) vão buscar em Callois (1967) argumentos

que estão assim descritos:

“acrescenta a estas outras características do jogo: a improdutividade derivada do jogo - ele não visa um resultado final, e o que importa é realmente o processo, no qual o jogador se engaja de forma voluntária, sem esperar recompensas a não ser o próprio prazer da atividade; e a absoluta imprevisibilidade advinda do jogo – ao jogar não se podem prever rumos, pois tudo está em suspense, dependendo das motivações dos jogadores, e dos passos que os parceiros ou adversários darão a seguir.”

Knijnik e Knijnik (2005, p. 287) buscam mais um conceito em Brougére

(2002) o qual:

“afirma que a característica central do jogo está mais na intenção de quem joga, do que na atividade em si. Para o autor, ao se conceituar a atividade lúdica, deve-se ter em conta o estado de espírito de quem brinca.”

Como o objetivo deste texto não é especificamente definir o que é o jogo,

dada sua grande utilização e polissemia e sim simplesmente definir seu uso neste

estudo, vamos, além de aproveitar o que já foi exposto, buscar outros

entendimentos para o jogo em Santin (1996, p. 91 e ss), para depois fazer um

fechamento para que a palavra jogo tenha seu entendimento, como foi o caso do

esporte. Nesta obra ele escreve sobre “Corporeidade – Prazer – Jogo”, três

substantivos altamente relacionados ao que se pretende com o conceito de jogo.

Ao traçar o caminho por onde quer percorrer para definir corporeidade, Santin

(1996, p. 93) escreve que “A palavra corporeidade, portanto, precisa ser a

expressão da realidade corporal, e não o discurso de um sujeito pensante sobre o

corpo. A corporeidade precisa falar do corpo.” Assim, quando falamos

corporeidade é o corpo que está falando, é desta voz que temos que ouvir os

apelos de movimento e de relacionamento com o mundo. Este apelo normalmente

fica relegado a um segundo plano e não é por acaso “a razão já falou durante

muito tempo do corpo, segundo regras da racionalidade” (SANTIN, 1996, p. 94).

Para unir estes caminhos, entre a corporeidade e o prazer, Santin (1996,

p. 98) pavimenta-os com outro elemento, o desejo. Ao esboçar sua idéia sustenta

que não há um combustível que dê a continuidade como se fora uma máquina

alimentada por gasolina e acione seu funcionamento em que o sincronismo de

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engrenagens, pistões e todo o conjunto o mantenha ligado, ele afirma que: “Há

um sistema. Esse conjunto de fatores ou série de circunstâncias não podem ser

tratadas analiticamente, mas sistemicamente.” Esta visão sistêmica garante que o

desejo é gerado pela necessidade que por sua vez é a fonte primária que

alimenta o desejo (SANTIN 1996, p. 100). Neste sentido pode-se deduzir que

desejo e necessidade estão juntos para cumprir a concretização do prazer. Para

tal cabe citá-lo mais uma vez (p. 101): “O desejo torna-se a concretização da

busca da satisfação da necessidade, o que garante a fruição dos objetos

desejados, isto é o prazer”.

Estabelece-se, pois, uma relação entre desejo, necessidade e prazer.

Mas outra ligação possível de estabelecer é que o prazer engloba outras

emoções como tensão, alegria, deleite e divertimento, entre tantas. Está

relacionado a uma área que é muitas vezes esquecida e não é facilmente

expressada ou transmitida. É subjetiva, imprecisa, muitas vezes se desenvolve

lentamente e é pessoal. Talvez mais pertinente a partir da perspectiva do

observador, é difícil para observar e/ou medir: a afetividade. Como argumento

pode-se dizer que o termo afetivo foi definido ou utilizado de uma forma

demasiadamente restrita e estreita. Pelo contrário, afetivo merece uma condição

mais poderosa e diversificada, abrangendo uma vasta gama de dimensões,

incluindo emoção, preferência, escolha e sentimento.

Para não alongar, vamos utilizar como conceito de jogo uma atividade

com fim em si mesma, momentânea, prazerosa, com valores sociais, éticos,

criativos/cognitivos, comunicativos, humanos ligados à vontade dos

componentes, ao espaço, tempo e aos equipamentos disponíveis. Que na

escola pode ser considerada uma atividade educacional contextualizada no

projeto pedagógico

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2. CONCEPÇÃO DE ESPORTE NA MÍDIA

2.1. AS HISTÓRIAS QUE PROMOVEM O DESENCONTRO DO JOGO COM O ESPORTE

“Amanhã ou depois, Tanto faz,

Se depois for nunca mais.” Nenhum de Nós

Vimos, no texto que antecede os conceitos de esporte e jogo e como

ilustração do que foi apontado acima, relacionado ao conceito atribuído ao

esporte em que o ensino está calcado nos conteúdos que tenham a repetição

maçante de técnicas esportivas com vistas ao rendimento, e com isto trouxe a

concepção de novas maneiras de ensiná-los, serão apresentadas seis histórias

reais (poderiam ser muito mais se saíssemos a campo com a intenção de

pesquisar sobre as frustrações com o esporte), sobre como a intervenção do

professor de educação física pode influenciar a vida de uma pessoa de forma

marcante e por isto a citação do poema da música Amanhã ou depois do grupo

Nenhum de Nós. Aqui serão contadas as histórias de duas estudantes

universitárias, duas professoras e dois adolescentes. Os adolescentes têm idades

de 12 e 16 anos, duas estudantes 19 e 20 anos. As adultas são professoras, uma

é diretora e outra professora de letras.

Estas histórias têm em comum o final, todas as personagens se

afastaram do esporte em função da maneira de como foi conduzido o processo de

ensino, calcado no modelo de educação bancária. Contrário a isso Kunz (1989, p.

67) escreve que:

“A ação político-pedagógica emancipatória tem sua base de sustentação na “Ação Comunicativa” do processo e ensino. A ação educativa é entendida como uma forma especial de interações Educador e Educando. Ela não deixa de ser uma práxis social onde os integrantes das interações, de ambos os lados, são respeitados como sujeitos nas

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ações. Somente assim é possível uma ação comunicativa no processo de ensino, ou seja, na forma em que os participantes da interação possam desenvolver juntos o sentido das ações. E o Mundo Vivido é exatamente o locus social, onde o Sentido das coisas se articula.”

Neste sentido foram selecionadas seis histórias em que ocorreram o

oposto disto, não houve a ação comunicativa.

2.1.1. História 1 – A história do “João”

Desde cedo incentivo meu filho a praticar esportes. Já teve iniciação de

natação, futebol, basquete e handebol modalidade por ele escolhida.

Mesmo sabendo do pouco apoio ao handebol aceitei sua escolha.

Ano passado ele começou treinando na equipe da Fundação de Esportes.

No inicio da temporada achei que ele estava bastante motivado, cumpria os

horários levando a sério o treinamento, como estava cursando inglês duas vezes

por semana, nestes dias não treinava.

Com o passar do tempo a realidade foi surgindo, o técnico do time,

sempre chegava atrasado, aplicava treinamentos arcaicos (ex.: puxar pneu

amarrado na cintura?), não agendava jogos amistosos, enfim sem sedução para a

prática da atividade, não permitia uso do agasalho após o aquecimento uma série

de atitudes que resultaram na não classificação da equipe e que encerram no

meio do ano.

Este ano ele novamente tentou e com uma nova técnica, tudo parecia dar

certo, pois bem, no começo sim (vassoura nova), horários cumpridos, jogos

amistosos agendados etc. Meu filho continuava treinando três vezes por semana.

Quando tinha jogo ele não jogava o tempo todo, era alternado com o outro pivô,

até aí entendo todos devem ter sua chance, mas ele não gostava muito da idéia

(normal, ele quer jogar).

Participaram de alguns campeonatos sempre assim, ele jogando alguns

minutos. Uma semana antes das olimpíadas escolares, meu filho teve uma

tendinite no ombro e para tratar e poder jogar ficou em tratamento neste período,

mesmo assim ele compareceu aos treinos (assistindo apenas).

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Mas a gota d‟água foi na OLESC, de todos os jogos realizados, ele não

jogou mais que 10 minutos, resultado: não foi mais treinar. Perguntei seus

motivos: respondeu que depois de aquecer, passar frio e ter que ficar sentado

assistindo o time com um pivô fraco e sem habilidade ele estava física e

moralmente abalado.

É claro que não tive o que falar, ele pensou inclusive em mudar de

posição de pivô para goleiro (só tem um na equipe).

2.1.2. História 2 – A história da “Susana”

A amiga de um casal, diretora de escola estava num curso em Curitiba e

aproveitando a proximidade com Joinville veio visitá-los. Nesta vinda, o casal

anfitrião, como bons gaúchos, preparou um belo churrasco para recepcionar a

amiga que fazia um bom tempo que não a viam. Para descontrair mais o

ambiente convidou-nos, eu e minha esposa para compartilhar daquele momento

de matar a saudade e contar causos e histórias. Papo vai, papo vem a convidada,

sabendo que o anfitrião era professor de educação física e, conseqüentemente,

eu também, conversávamos sobre o curso que ela estava fazendo em Curitiba,

que por sinal era bem interessante, pois quem estava ministrando era, nada mais,

nada menos, que Humberto Maturana, motivo de muitos questionamentos e

curiosidades. Por outro lado, nós também falávamos dos assuntos os quais

estávamos estudando, ou seja, o ensino dos jogos. Divagamos, apontamos várias

alternativas para aplicar este método nas aulas de educação física, vantagens,

desvantagens, enfim, uma conversa gostosa de quem gosta de ensinar,

parafraseando Ruben Alves.

Lá pelas tantas, ela convencida de nossos argumentos sentenciou:

Porque os professores de educação física não discutem isto com a direção da

escola? Porque não apresentam seus projetos pedagógicos? Eles parecem não

pertencer à escola. E hoje eu não consigo gostar de jogar porque me recordo das

aulas de educação física em que tínhamos que ter as habilidades necessárias

para poder jogar e como eu não tinha não jogava. E acabei me distanciando dos

jogos até hoje, nem para me divertir.

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2.1.3. História 3 – A história da Ana

A prática esportiva tem como objetivo a diversão e o lazer das pessoas,

porém nem sempre é isso o que acontece. A dificuldade é algo normal e está

presente não somente no esporte, mas na vida. Às vezes quem é bom em jogar

futebol, não tem a mínima habilidade no basquete, quem tem habilidade no

basquete não tem no handebol e assim por diante. A partir do momento que a

dificuldade se torna algo que traz vergonha, tristeza e tormento é hora do

profissional de educação física agir. No ensino fundamental as aulas de educação

física são obrigatórias e seguem um padrão, por exemplo, quando é vôlei todos

tem que jogar vôlei, quando é basquete todos tem que jogar, e assim com todas

as modalidades. Aquela criança que não sabe jogar pode reagir de várias

maneiras, ela pode começar a jogar para aprender ou criar situações para fugir

das aulas, desde doenças simples como dor de cabeça até coisas mais sérias

para conseguir atestado. As que optam pela segunda opção, são crianças que

necessitam de uma atenção maior, muitas vezes existem outros fatores

envolvidos além da dificuldade, por exemplo, será que os pais daquela criança

exigem muito dela, fazendo com que ela seja boa em tudo? E se ela tiver algum

trauma com relação a algo que ela não conseguiu fazer e passou por uma

humilhação? Enfim existem inúmeras possibilidades. Às vezes é necessário

quebrar um pouco a relação professor e aluno e criar um laço mais afetivo,

conhecendo mais a criança, como elas são, suas carências particulares e seu

modo de pensar.

Relatarei a seguir uma história que presenciei há alguns anos atrás,

quando ainda estudava no ensino fundamental. As aulas eram basicamente vôlei

e handebol, tendo a opção de jogos de tabuleiro, como damas e xadrez. Estava

na quinta série, quando houve a mudança de vários professores, incluindo de

educação física. Depois disso, a educação física passou de algo “sem

compromisso”, em que cada um escolhia o que queria fazer, a uma prática

obrigatória. Começamos a ter que jogar vôlei, handebol, basquete, futebol e os

jogos de tabuleiro passaram a ser opções para dias chuvosos.

Todos possuíam dificuldades, cada um em uma modalidade, por exemplo,

eu mesma nunca joguei bem basquete e futebol, porém possuía facilidade em

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jogar handebol e vôlei. Alguns alunos preferiam, nas aulas onde teriam que jogar

aquilo que tinham dificuldade, ficarem sentados, na esperança que o professor

não falasse nada, e por algum tempo foi isso o que aconteceu. Até que um dia o

professor reuniu todos os alunos e disse que a partir daquele dia todos teriam que

fazer todas as aulas, independente de gostarem ou não, de terem dificuldade ou

não. Alguns encararam a situação tranqüilamente, reclamaram um pouco no

começo, mas em pouco tempo descobriram a diversão que a prática esportiva,

quando levada na brincadeira, pode proporcionar. Outros reclamavam do começo

ao fim da aula, e foi assim por volta de dois meses, até entrar uma aluna nova,

que chamarei de Ana.

Ana era uma menina simples que veio de outra cidade, tímida, um pouco

assustada com tantas mudanças e com dificuldade para fazer novas amizades.

Ela foi bem acolhida em nossa turma, todos tentavam uma aproximação, puxar

conversa, fazer com que ela se sentisse bem em estar ali, depois de uma semana

de convivência, estávamos conseguindo isso, até chegar o dia da aula de

educação física. Quando falamos para ela que seria a aula de educação física,

ela ficou quieta, com um ar estranho e um pouco triste, a primeira pergunta que

ela fez foi “é obrigada fazer a aula?”, então explicamos que era obrigada, porém

era bem legal, ninguém jogava bem e era tudo levado na brincadeira. Fomos para

a quadra e ela sentou um pouco afastada, então, o professor a chamou, se

apresentou e explicou como eram as aulas. Ela pediu para não fazer a aula,

alegando que era nova e não se sentia entrosada o suficiente, o professor relevou

e disse que naquele dia ela não precisaria fazer, mas as outras aulas seriam

normais.

Passaram–se alguns dias até a próxima aula e nesse dia Ana não foi. No

outro dia, ela foi normalmente e deu a justificativa de que estava doente. Na outra

aula de educação física Ana novamente se excluiu do grupo, sentando afastada,

porém o professor a chamou e disse que ela seria obrigada a fazer a aula e, sem

ninguém entender nada, ela começou a chorar falando que não iria fazer. Ana foi

levada à diretoria para uma conversa, na esperança de descobrirem o motivo de

tanto desespero e descobriram. A principio nenhum aluno ficou sabendo o porquê

daquilo, só nos foi informado que Ana faria as aulas, porém não seria tão cobrada

e que jamais deveríamos rir ou falar dos erros dela. E assim foi por dois meses,

até que ela realmente fazia parte da turma e conseguia encarar a educação física

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com facilidade. Foi nesse mesmo período de dois meses que ela resolveu me

contar o porquê daquilo tudo, ela me disse que quando ainda era uma criança,

por volta dos oito anos de idade, o pai dela obrigou que ela entrasse em uma

escolinha de vôlei, o que foi um total fracasso, pois ela não gostava, tinha muita

dificuldade em aprender, foi excluída do grupo pelas outras meninas e sempre foi

motivo de deboche.

2.1.4. História 4 – A história da “Claudia”

Iniciei a pratica esportiva aos 12 anos de idade, quando motivada por uma

amiga fui convidada a participar da escolinha de handebol da escola em que eu

estudava, onde a professora de Educação Física era a treinadora.

Essa escolinha foi criada para que alguns alunos que se destacavam

pudessem formar a equipe que representaria a escola nos joguinhos abertos, e eu

fui uma das escolhidas, e assim junto com as outras companheiras da equipe

participamos durante 3 anos seguidos dos Joguinhos Abertos de Joinville e

obtivemos bons resultados em todos eles. No primeiro ano conseguimos ficar em

2° lugar entre as escolas municipais e também 2° lugar no geral (as escolas que

ficam em primeiro e segundo lugares disputam entre si). Já no segundo ano de

participação alcançamos o 1° lugar, tanto no ranking das escolas municipais

quanto no ranking geral, e no último ano de participação ficamos novamente em

2° lugar no municipal e 3° no geral.

Por esse destaque da equipe, as alunas que deixariam a escola no ano

seguinte foram convidadas a fazer parte da equipe que representaria a cidade na

OLESC – Olimpíadas Escolares de Santa Catarina. Por ter sido um dos meus

objetivos na época, aceitei.

Treinamos durante 6 meses nos preparando para a OLESC, porém por

termos saído de uma escola pública houve um certo preconceito por parte das

meninas que já treinavam lá e eram de escolas particulares. O treinador da época

não soube fazer um trabalho de integração entre as atletas, e quando estávamos

participando da OLESC, que naquele ano foi em Rio Negrinho, houve uma certa

desmotivação das meninas que saíram das escolas públicas, pois dentro do

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quarto onde nós estávamos ocorreu uma separação enorme da equipe, os

colchões em que dormíamos ficaram claramente separados, do lado da janela

ficaram as atletas dos colégios particulares e do lado da porta os das atletas das

escolas públicas. Diante disto, a participação da nossa equipe foi péssima e

fomos desclassificadas na primeira fase. Desde então nunca mais voltei a treinar

junto com a equipe assim como muitas das minhas companheiras, e só fui voltar a

ter contato novamente com os esportes quando entrei na faculdade de Educação

Física da Univille.

2.1.5. História 5 – A história da “Roberta”

Durante toda a minha vida escolar tive um sentimento de tédio e horror

em relação às aulas de educação física. Até hoje não sei se essa afinidade não

ocorreu porque eu não tinha a mínima aptidão para “a coisa” ou porque não foi

me dada a oportunidade de descobrir essa realidade. Na verdade, o meu

problema nessas aulas eram os ditos jogos de equipes e como as aulas se

resumiam só a isso, a rotina era sempre a mesma o professor escolhia as

melhores para que essas escolhessem as colegas pra formar as equipes.

Tive ainda o agravante de trocar de escola na 6ª série, ninguém me

conhecia, portanto, ninguém me escolhia. Como não era escolhida acabei me

retraindo e cada vez mais fugindo dos jogos. Não encontrei nenhum professor

com a sensibilidade de enxergar isso. A felicidade vinha quando a aulas tinham

outras atividades: ginástica, atletismo, dança que eram momentos raros.

2.1.6. História 6 – A história da “Lúcia”

No ano passado, as aulas de educação física pra mim eram um horror. Eu

achava que era a pior aula que tinha, preferia matemática às aulas de educação

física. Sabia que ia ser a última a ser escolhida, pois os times eram formados por

escolha: as melhores primeiro e as piores por último. Alguns jogos eu era a última

a ser escolhida, o professor dava bola e a gente jogava, ele até nem prestava

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muita atenção no jogo. Esse ano melhorou, pois agora é por sorteio a escolha dos

participantes do time e esse time fica formado por um mês, depois muda. Além

disso, está tendo mais aulas de fundamento, o que está me ajudando mais.

Os momentos bons nas aulas que eu lembre, foi um dia quando nós

fomos jogar futebol e eu marquei dois gols em um só jogo, outro foi um ponto no

basquete, e outro não foi há muito tempo, fiz um ponto de saque.

Agora, eu estou me empenhando mais e jogando melhor. Estou fazendo

mais pontos nos jogos, conseguindo pegar a bola e minhas „colegas de time‟

estão passando a bola pra mim, agora estou tentando cada vez mais melhorar

nos esportes e nas aulas de educação física.

Nestas histórias pode-se perceber que o foco sempre está voltado para o

interesse do professor e sua atenção está voltada para a sua vontade, sem

respeitar as necessidades do educando. Bracht (2000, p.14) foi convidado a

escrever sobre o esporte na escola e esporte de rendimento pela revista

Movimento e ao abrir o texto ele se questiona da seguinte forma:

O tema esporte de rendimento na escola foi avaliado pela editoria da revista Movimento como controverso e como tal eleito para ser discutido na seção da revista destinada exatamente ao debate de temas de caráter polêmico. Dentro desta perspectiva fui convidado para expressar minha opinião e/ou posição a respeito. Inicialmente fiquei me perguntando: o tema é realmente polêmico? Ou seja, mobiliza a comunidade da área num debate onde posições distintas disputam a hegemonia?

O que parece é que realmente o tema é polêmico e que, além disto, ainda

não se percebe a relevância de manter acesa a discussão. E mais, embora

academicamente já se tenha evoluído, no dia a dia a prática a ainda se revela

tardia.

Uma das causas que podem influenciar estas posturas é a forma

ostensiva em que a indústria do esporte interfere no quotidiano, e que faz deste

padrão, o do esporte de rendimento, o modelo a ser seguido por meio da

homogeneização proporcionado pela dissipação nos meios de comunicação de

massa.

A seguir vamos poder ver a trajetória histórica da consolidação deste

modelo que passa a ser perseguido pela prática hegemônica da Educação Física.

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2.2. O ESPORTE E A INDÚSTRIA DO ESPORTE3

Para entender um pouco melhor o porquê esta forma que ainda

predomina o ensino dos jogos, que acaba querendo ir para o caminho do

rendimento, convém recorrer à historicização deste contexto e para tal vamos

começar a partir dos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, em que o esporte foi

incorporado às ideologias de Estado. Hitler quis mostrar a força, a organização e

a competência do povo alemão ao mundo. Embora a Alemanha tenha sido a

campeã4 no quadro de medalhas, o fato marcante tenha sido as manchetes do

feito de Jesse Owens. Este exemplo serve para mostrar como a redução de

valores pode ser perigosa. O uso do esporte, isto é, a apropriação da criação

intelectual do atleta, com fins ideológicos mostrou-se agradável aos olhos da

massa, a criação simbólica de um ídolo por meio de seus feitos atléticos cai como

uma luva aos intentos dos governantes. Isso se deve ao fato que, segundo Assis

(2001, p. 96), citando Dunning,

“o que acontece no esporte de alto nível (constrangimentos etc.) tem repercussões nos níveis mais baixos da atividade desportiva, pois os desportistas constituem um grupo de referência promovido pelos meios de comunicação social, estabelecendo o que os outros tentam seguir.”

A partir desta ignição, o esporte passou a ser um instrumento de manobra

atendendo a interesses nem sempre aparentes, como menciona Vaz (2003, p. 2)

em seu trabalho sobre Teoria Crítica do Esporte, no qual faz referência a

inquestionabilidade do esporte e seu ideal olímpico e escreve o seguinte:

“Ao tomar as práticas esportivas como objeto de análise, aqueles autores não estavam fazendo algo propriamente novo, uma vez que pelo menos desde a década de vinte já se tinha, a partir do trabalho de Risse (1979), publicado pela primeira vez em 1921, uma preocupação no estudo do esporte como fenômeno social. Mas, de qualquer forma, o esporte e sua aura de “pureza” oriunda do ideal olímpico permaneciam quase inquestionáveis como fenômenos positivos para as sociedades modernas. A exceção ficara por conta de parte do movimento operário dos anos vinte e trinta e de ensaios esporádicos como o de Jürgen Habermas (1967), ... as afinidades entre o esporte e o trabalho e, por meio delas, os limites e contradições do chamado “tempo livre”. As contribuições de Habermas, aliás, foram muito importantes para o desenvolvimento da Teoria Crítica do Esporte.”

3 Nota: a Associação Brasileira de Gestão do Esporte está adotando esta nomenclatura em vez de indústria esportiva, pois dá a impressão, aos leigos, que o termo “esportiva” é “levar na esportiva”, como se fosse uma brincadeira… 4 http://pt.wikipedia.org/wiki/Jogos_Ol%C3%ADmpicos_de_Ver%C3%A3o_de_1936 - em 13/02/2009.

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Para constatar isso não é necessário um grande esforço de busca. Quem

acompanha os programas esportivos, encontra fatos que revelam que essa

inquestionabilidade é um argumento falacioso e como exemplo podemos nos

reportar a alguns casos: a tentativa da compra de vaga na Série C5 pelo Joinville

Esporte Clube, em maio de 2008 e os apelos de políticos para que estatais

patrocinem times profissionais, como a Caixa Econômica Federal ao Sport Club

Corinthians6, time de coração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a

Eletrobrás ao Clube de Regatas Vasco da Gama7, time de coração do governador

do Rio de Janeiro, Sergio Cabral e um em nível mundial o caso de Michael

Phelps8 fumando maconha. Fora isso, teríamos ainda os escândalos da CPI da

Nike, compra de resultados de jogos – como no Caso do árbitro Edílson Pereira

de Carvalho, entre tantos outros fartamente divulgados pela imprensa e de

domínio popular.

Podemos, também, a partir deste ponto (o da inquestionabilidade do

esporte) associar os conceitos de Adorno aos quais ele descreve a indústria

cultural para, paralelamente, verificar como ocorre o uso do esporte com a

finalidade comercial com objetivos de auferir lucros, formando a indústria do

esporte.

Para que as características sociais, representadas e desempenhadas

pelos seus atores, se mantenham de maneira adequada, isto é, cada um

encaixado em sua função, relativa à produção, e aqui estamos falando de uma

sociedade capitalista, faz-se necessário que as expectativas individuais sejam

postergadas ou mesmo reprimidas. Mesmo a individualidade, pelo fato de querer

ser ela própria, e que pode ser caracterizada por conta de se ver realizado um

desejo pessoal ou mesmo a realização por meio de uma conquista material e que

confira um estátus social, é bombardeada insistentemente. Nessa sociedade do

trabalho, preconiza-se a universalidade em detrimento da imagem pessoal, assim,

os obstáculos para recuperar a identidade individual são muitos.

5 Compra-se uma vaga na Série C - (Jornal A Notícia de 15 de maio de 2008), disponível em, http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a1862940.xml&template=4187.dwt&edition=9867&section=888, em 13/01/2009. 6 BOMBA! Corinthians terá R$ 96 milhões de patrocínios - http://www.futebolinterior.com.br/news.php?id_news=68629 em 12/02/2009 7 Vasco da Gama ou Vasco da Grana? (Por: Ugo Braga - Correio Braziliense. 28/12/2008) – disponível em

http://cev.org.br/biblioteca/vasco-gama-vasco-grana/ - em 12/02/2009. 8Michael Phelps: Sitio: www.record.pt - Domingo, 1 Fevereiro de 2009 - 12:32 -

http://www.record.pt/noticia.aspx?id=00821928-3333-3333-3333-000000821928&idCanal=00000313-0000-0000-0000-000000000313 em 5/02/2009.

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Outra característica dessa sociedade é a forma como o trabalho se divide

e faz com que o sujeito fique alienado da totalidade o que ocorre por meio das

relações de produção. Esse fato imiscui-se com a tentativa desse sujeito buscar a

universalidade para que se sinta parte de uma “tribo”.

Quanto a isso podemos conferir em Adorno (1989, p 79) a referência que

faz em relação à escolha e afirma que:

“Se perguntarmos a alguém se „gosta‟ de uma música de sucesso lançada no mercado, não conseguiremos furtar-nos à suspeita de que o gostar e o não gostar já não correspondem ao estado real, ainda que a pessoa interrogada se exprima em termos de gostar e não gostar. Ao invés do valor da própria coisa, o critério de julgamento é o fato de a canção de sucesso ser conhecida de todos; gostar de um disco de sucesso é quase exatamente o mesmo que reconhecê-lo.”

Nesse sentido, é a indústria cultural que pode desempenhar esse papel,

usando uma linguagem que vai propor a esse „alguém‟ uma forma de realizar

individualmente a sua introdução em uma coletividade, fazendo com que seus

„gostos‟ se encontrem com os „gostos‟ de outros, isso atende uma necessidade

social e mantêm a ordem pretendida pela indústria cultural.

Ainda sobre esse assunto, podemos acrescentar o que Campos (2006, p.

107) escreve reforçando essa relação,

“A produção artística e cultural é organizada sob moldes das relações capitalistas, atendendo aos padrões econômicos de tal regime e reproduzindo-o. Neste sentido, perde seu valor intrínseco, para ganhar um valor de troca (mercadoria). Todo este processo da Indústria Cultural serve, segundo a Escola de Frankfurt, como uma forma de dominação e perpetuação do regime, é o que se pode chamar de função alienante da arte, a cultura fornecida pelos meios de comunicação de massas não permite que as classes assalariadas assumam uma posição crítica (...) anulam os mecanismos de reflexão crítica para acionarem a percepção e os sentidos”.

Essa pequena referência tem como objetivo traçar uma analogia para que

se possa comparar o modus operandi da indústria cultural com o da indústria do

esporte. O próprio Adorno (1989) faz referências em seu texto comparando

situações semelhantes na cultura e no esporte.

Sendo assim, vamos admitir que a partir de 1945, após a 2ª Guerra

Mundial, o mundo dividiu-se em dois grandes blocos, representados pela União

Soviética de um lado e pelos Estados Unidos de outro, um pretensamente

socialista e outro capitalista. Neste período, havia uma declarada guerra fria entre

os dois blocos. Um dos campos de batalha entre os dois conglomerados era o

esporte. A crença era que o esporte poderia simbolizar a hegemonia de um bloco

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sobre o outro, a exemplo do que nos referimos anteriormente no caso de Hitler.

As olimpíadas juntamente com os campeonatos mundiais tornaram-se o palco de

demonstração desta hegemonia.

Sobre isso, Betti (1998a, p 32) descreve o caminho percorrido pela

televisão em relação às transmissões esportivas e seu papel como financista do

esporte.

Embora a relação de uso ideológico desse fato possa parecer distante,

estamos nos reportando a 1936 e tal fato serviria apenas como exemplo, nas

últimas Olimpíadas, em 2008, na China, o mundo viu, instantaneamente, os

protestos e as falsas promessas desse país que tentou usar o esporte para

apresentar seus avanços. Isto quer dizer que a redução que se faz dos valores

intrínsecos ao esporte continua atual e, portanto, precisa ser constantemente

denunciada e visitada.

Com isso, ou seja, com a redução de valores, a indústria do esporte

engendra um esquema que vai consolidando padrões e costumes,

homogeneizando o consumo fazendo com que os indivíduos que fazem parte da

massa e que queiram se sentir engajados os sigam (padrões e costumes), caso

contrário serão excluídos. Para isso, a indústria do esporte dita as demandas,

oferece estímulos que vão da beleza estética, passam por programas que

mostram a intimidade dos ídolos e vai até prescrevendo o que fazer para chegar

lá, tudo isso com o intuito de despertar algum interesse ou desejo no consumidor

e finalmente culmina com o desembarque aos produtos que associados a essas

imagens e demandas fecham o ciclo do mercado passando a falsa impressão que

se as pessoas usarem os mesmos produtos mostrados, poderão fazer, também,

as mesmas coisas.

Além disso, a indústria do esporte ainda cria hábitos, imagens e

linguagens. Aqueles que não se adequarem a isso são barrados e o esdrúxulo

pode até ser aceito, mas se puder se enquadrar nos hábitos, imagens e

linguagens. Aqui cabem exemplos da moda dos esqueitistas, dos uniformes do

basquetebol de trios, das bermudas dos surfistas entre outros que poderíamos

usar (a caminhada e os “penduricalhos” usados pelo jogador de futebol). Cria-se

com isso a sensação de que ao inserir-se nesse esquema se é esportista,

incluindo-se nesta classificação, ainda como exemplos de esportistas poderíamos

citar os presidentes de federações, de clubes, chefes de torcida entre outros.

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Nesse sentido, esse esportista passa a ser um consumidor e, para ele, o

esporte o fator estimulante porque é diferente do quotidiano natural e deve se

manter acima disto (o quotidiano natural) ao comentar suas atividades

relacionadas ao esporte com seus pares. Sobre isso Betti (1998a, p.34)

apresenta sua versão e fornece uma idéia de como a mídia exalta e atua como

fomentador desse processo, principalmente porque:

"a televisão seleciona imagens esportivas e as interpreta para nós, propõe um certo „modelo‟ do que é „esporte‟ e „ser esportista‟. Mas, sobretudo, fornece ao telespectador a ilusão de estar em contato perceptivo direto com a realidade, como se estivesse olhando através de uma janela de vidro".

É justamente nesse apelo ao diferente que os produtos da indústria do

esporte se apegam, ou seja, fugir da rotina, ser radical, ser diferente e esse apelo

está na ilusão que causa ao „esportista‟, do nosso exemplo, fazendo com que se

sinta livre, mas que não perceba que também cria uma rotina semelhante ao

trabalho mecanizado e repetido.

Essa constatação pode-se observar no texto de Adorno (1989, p. 94):

“juntamente com o esporte e o cinema, a música de massa e o novo tipo de

audição contribuem para tornar impossível o abandono da situação infantil geral”,

isto é, torna os consumidores incapazes de decidirem por conta própria, lhes é

negado o direito de voz. Habilmente a indústria cultural proporciona uma aura de

individualidade, o que Adorno e Horkheimer (1985, p. 144) vão chamar de

“pseudo-individualidade”. E argumentam (1985. p. 145) que:

“A pseudo-individualidade é um pressuposto para compreender e tirar da tragédia sua virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente na universalidade.”

Esse argumento reforça outro em que os autores (1985, p. 113) afirmam

que “a unidade evidente do macrocosmo e do microcosmo demonstra para os

homens o modelo de sua cultura: a falsa identidade do universal e do particular.”

Consoante a isso em outra obra, Adorno também ratifica que (1989, p. 95)

“Os ouvintes e os consumidores em geral precisam e exigem exatamente aquilo que lhes é imposto insistentemente. O sentimento de impotência, que furtivamente toma conta deles face à produção monopolista domina-os enquanto se identificam com o produto do qual não conseguem subtrair-se.”

Deduz-se que a pseudo-individualidade se apoia num cenário ilusório de

individualidade, produzido por esse monopólio em que se pode perceber a

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sensação que é dada por meio da oportunidade da livre escolha e mais, esse

mercado é falsamente customizado para a tal individualidade ilusória, porém na

realidade esse mecanismo é a base da padronização para o consumo de

produtos monopolizados e fabricados de maneira que já se apresente pré-digerido

seguindo os padrões rígidos que controlam a espontaneidade.

Aproveitando-nos um pouco mais de Adorno (1989, p. 95), e

corroborando com essa analogia entre a indústria cultural e a indústria do esporte,

podemos observar em seu texto que:

“A audição regressiva tão logo a propaganda faça ouvir a sua voz de terror, ou seja: no próprio momento em que ante o poderio da mercadoria anunciada, já não resta à consciência do comprador e do ouvinte outra alternativa senão capitular e comprar sua paz de espírito, fazendo com que a mercadoria oferecida se torne literalmente sua propriedade.”

Sente-se que neste ponto a autonomia individual deixou de existir e a

situação passa a ser aceita sem resistência.

O que de antemão pode-se inferir é que a indústria cultural, e

consequentemente a indústria do esporte, tem seu intento dirigido a todas as

pessoas e também, principalmente, àqueles que são os formadores de opinião

(opinion maker) a fim de produzir uma cortina de fumaça sobre a percepção. Os

valores são orquestrados por ela. Pertinente a esse assunto, Adorno e

Horkheimer (1985, p. 43) vão buscar na mitologia grega uma forma de

exemplificar isso dizendo que “esse entrelaçamento de mito, dominação e

trabalho está conservado em uma das narrativas de Homero. O duodécimo canto

da Odisséia relata o encontro com as Sereias.”

Para entendermos melhor o que os autores quiseram dizer, conta a

história que “ninguém que ouve sua canção pode escapar a ela” (p. 44). Neste

sentido o esporte de rendimento, pode ser considerado o “canto das sereias”, é

muito tentador, porque pode levar o atleta à fama e à riqueza e

consequentemente tudo o que o cerca. Ulisses, porém conhece duas

possibilidades de escapar, para não colocar em risco seus pares de navegação

ele diz a eles que devem colocar cera nos ouvidos para não ouvir o sedutor canto

e a outra ele prescreve para si, ou seja, ele se prende com amarras ao mastro,

portanto ele ouve, mas ao mesmo tempo está amarrado e impedido de seduzir-se

sem sucumbir às tentações. Quanto a esse fato relativo a Ulisses, os autores

(1985, p. 45) escrevem:

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“O que ele escuta não tem conseqüências para ele, a única coisa que consegue fazer é acenar com a cabeça para que o desatem; mas é tarde demais, os companheiros - que não escutam – só sabem apenas do perigo da canção, não de sua beleza – e o deixam no mastro para salvar a ele e a si mesmos. Eles reproduzem a vida do opressor juntamente com a própria vida, e aquele não consegue mais escapar a seu papel social. Os laços com que irrevogavelmente se atou à práxis mantêm ao mesmo tempo as Sereias afastadas da práxis: sua sedução transforma-se, neutralizada num mero objeto de contemplação, em arte. Amarrado, Ulisses assiste a um concerto, a escutar imóvel, como os futuros freqüentadores de concertos, e seu brado de libertação cheio de entusiasmo já ecoa como um aplauso. Assim a fruição artística e o trabalho manual já se separam na despedida do mundo pré-histórico. A epopéia já contém a teoria correta. O patrimônio cultural está em exata correlação com o trabalho comandado e ambos se baseiam na inescapável compulsão à dominação social da natureza.”

Cabe então, fortalecer esse entendimento de que o poderio da indústria

cultural está na forma de ensejar ao mercado necessidades, mas não as

necessidades humanas apontadas por Maslow (necessidades fisiológicas,

segurança, sociais ou de amor, estima e auto-realização) e sim aquelas impostas

pelo mercado (consumo compulsivo). Ao conseguir fazer a aquisição, o

consumidor nota que esse ato não lhe trouxe a sensação de saciedade, pelo

contrário o deixou insatisfeito tornando-o refém do consumo incontrolável e cada

vez maior, exacerbado, num processo linear, chamado de economia de materiais,

que começa na extração, na produção, na distribuição, no consumo e acaba no

tratamento do lixo. Este modo de produção não é compatível com um planeta

finito e esta forma de consumo desenvolvida pelo modo capitalista faz com que se

transfira para as outras esferas da vida entre elas o esporte. O consumo

exacerbado do esporte como vemos tem um final semelhante o ídolo deixa de ser

ídolo na mesma velocidade em que chegou.

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2.3. MÍDIA COMO SUPERAR?

No texto anterior, procurou-se mostrar um cenário que objetivava

contextualizar o esporte com a visão apresentada pelos meios de comunicação

de massa e foi analisado sob a ótica da indústria cultural conforme Adorno e

Horkheimer. Percebeu-se que o esporte teve o seu desenvolvimento e o das

instituições esportivas graças a injeção de recursos financeiros com o advento

das transmissões televisivas.

Vamos apresentar a seguir o contexto que serviu de plataforma para este

desenvolvimento e que na realidade este avanço contou com pesquisas de

opinião, audiência e interesse por uma grade de programação intensa e uma

grande variedade de atrações. Por ser uma preferência do público e estar

associado a valores positivos, no entendimento da maioria das pessoas, o esporte

passou a ocupar um espaço considerável na mídia e ajudou a expandir as

possibilidades de negócio por esta via. Além da TV convencional, outras mídias

foram engrossando as fileiras deste negócio, a TV por assinatura, a internet e

recentemente o celular 3G. Para atingir essa capacidade de investimento e

chegar a esse caminho, foi necessário o avanço tecnológico, responsável pela

principal fonte de receitas do esporte.

Para se ter uma idéia sobre esse avanço, Souza (1991, p. 94) se reporta

a Rader e escreve que “até 1950, milhões de americanos nunca haviam visto um

jogo de uma grande liga de baseball, de futebol ou de basquetebol.” Este fato

ilustra a potencialidade deste meio de comunicação. Cerca de 60 anos depois fica

difícil imaginar uma pessoa que não tenha visto uma final de um esporte popular.

Reforçando esta tese, Midwinter, referido por Betti (1998, p. 32) constata

que “A televisão modificou a audiência do esporte em todo mundo, e forçou-o a

um papel de dependência conforme o tornou menos capaz de subsistir com

espectadores ao vivo, dependendo do patrocínio resultante das transmissões

televisivas.”

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Esse ciclo virtuoso, mais audiência – mais dinheiro – mais esporte de

qualidade, aos poucos vai trazendo ao mercado mais profissionais, as comissões

técnicas vão se transformando em um pólo rico de multidisciplinaridade, as

exigências vão aumentando o desempenho do atleta e o resumo é: vitória ou

derrota, ele é bom ou é ruim. Se esse ciclo traz cada vez mais novos profissionais

“automaticamente afasta os leigos tornando-os espectadores” (Bordieu apud Betti,

1998, p. 33).

Cabe ressaltar, ainda, que a mídia que gera imagens (TV, internet e

celulares) especificamente, necessita que o produto tenha um formato fechado,

isto é, seja um pacote, como se referem os profissionais desse segmento, que

caiba na grade de horários da TV, que se possa dizer que começa e termina em

determinado horário, com início e fim programados, caso contrário acaba

atrapalhando toda a grade de programação.

Este fato é o principal indutor e exerce fortes influências nas modificações

das regras dos jogos. Estas modificações tinham como motivo final a adaptação

às necessidades de horário da grade de programação das emissoras de TV e

também tornar o esporte mais adequado ao gosto dos telespectadores. Exemplos

disso têm aos “montes”, entre eles e talvez o mais antigo seja a posse de bola no

basquetebol, isto é, cada equipe tem no máximo 24 segundos para definir o

ataque, caso contrário comete uma infração às regras e é penalizada com a perda

de posse de bola. Tem também o tie break no vôlei, não poder atrasar a bola para

o goleiro, antes somente no futsal, mas agora também no futebol de campo.

Diante desse quadro, em que um grande percentual dos recursos que

financiam o desenvolvimento do esporte de rendimento vem desses meios, tem-

se claro que o caminho adotado segue a lógica capitalista do mercado. Souza

(1991) em seu trabalho fundamenta com bastante profundidade sobre o “Esporte

Espetáculo: a mercadorização do movimento humano”. Essa lógica conduz a

produção de atletas de forma massificada e se vê proliferar a idéia de “escolinhas

de esporte”, “centros de formação de atletas”, esses, mais voltados ao futebol por

este ser o único esporte que possui mecanismo próprio de comercialização de

atletas.

Aliado a este avanço na indústria do esporte proporcionado pela injeção

de vultosos recursos financeiros oriundos das transmissões televisivas, que

transformou o esporte em um grande negócio lucrativo, pode-se também derivar

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uma outra associação, os padrões estéticos produzidos pelas beldades

idolatradas nos meios de comunicação de massa. Quanto a isso, Pires (2002, p.

38) escreve que

“Numa sociedade que se afunda fortemente no valor da imagem, esse apelo à estética constitui objetivo muito buscado e, logicamente, pouco conseguido, o que acaba por revelar-se outra grande contradição, pois a frustração decorrente das dificuldades em adequar-se ao padrão corporal social gera insatisfação e falta de aderência a programas de atividade física, enfim, um resultado bastante diverso daquele preconizado pela anunciada relação exercício físico/beleza/saúde.”

Na mesma perspectiva, Betti (1998b) esclarece enumerando algumas

possibilidades da cultura corporal de movimento transformarem-se em produtos e

suas tendências de uso e interpretações. O reforço desta iniciativa da mídia

ocorre, segundo o autor, porque somos a parte que sustenta este sistema, como

espectadores, como torcedores ou como consumidores, com um aproveitamento

impressionante da mídia. Se, por um lado, as informações nem sempre são

corretas, por outro, a cultura corporal do movimento nunca esteve tão divulgada.

Mas o astro principal desta divulgação é o esporte.

Pode-se atribuir essa tendência ao fato de que o autor se reporta à

Guillermo Orozco para reforçar seu ponto de vista, e mais, reconhece que os

professores e conseqüentemente as escolas deverão adotar uma postura para se

aliar a esta tendência e mediar criticamente, tornando-a uma forte ferramenta ou

conteúdo curricular em vez de ir de encontro a ela e torná-la uma inimiga.

Nesta mesma ótica de uma sociedade que se afunda fortemente no valor

da imagem, o esporte também apela para que haja uma legião de seguidores das

imagens produzidas nas transmissões dos jogos, como as “pedaladas”, as

vibrações nos gols, as enterradas, as cortadas, as firulas que os ídolos fazem nos

jogos. Este legado é responsável pelo entendimento que estes movimentos são

possíveis a todos, da mesma forma que o apelo à estética constitui um objetivo a

ser atingido. Porém essas façanhas, que são para pouquíssimos, levam a maioria

a ter como objetivo alcançar as produções dos ídolos e como conseqüência não

conseguem e vem a frustração. Essa mercadorização do esporte é fruto de um

contexto que se retroalimenta, como um ciclo em que uma coisa puxa a outra.

A constatação deste ciclo pode ser percebida quando surge um novo

talento, que chama a atenção pelo feito em algum jogo, um gol bonito, um lance

de efeito. Isto é suficiente para que logo surja uma comparação, por exemplo, o

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camisa 10 do Santos, um novo Pelé, se for no Flamengo, com o Zico, se for no

basquete masculino, com Oscar e assim por diante. Os locutores tentam uma

expressão, os comentaristas tentam uma crônica como uma poesia, os repórteres

tentam descobrir as intimidades, os fotógrafos uma imagem que cause espanto e

assim os consumidores vão criando um imaginário e aderindo a essa imagem

desenhada pelos “homens da imprensa” que às vezes deixam sub judice os

valores éticos e morais em troca de ocupar um lugar de destaque na mídia como

formador de opinião e consequentemente melhorarem sua remuneração.

Ainda sobre este assunto, de como forjar um talento, esse caldo pode ser

engrossado com a presença de agentes, técnicos, dirigentes e pelos próprios

atletas que, ao gerenciar sua imagem, sabem da importância de receber um

elogio ou uma expressão associada ao seu nome, como Magic Paula, Ronaldo

Fenômeno, Rainha Hortência, Jairzinho, o furacão da Copa, Leônidas, o

Diamante Negro entre outros.

Sobre isso, a obra de Pires (2002, p. 31) propõe que:

“identificar a gênese e a rede de influências do discurso midiático sobre o conjunto de saberes/fazeres relativos a atividades físicas e esportivas na atual conjuntura social e, em decorrência, apontar possibilidades de intervenção emancipatória parece constituir-se em contribuição normativa para atuação esclarecida e esclarecedora dos profissionais dessa área no âmbito da cultura contemporânea.”

O ambiente descrito acima ainda se restringe aos interesses individuais,

isto é, às pessoas, personagens as quais foram citadas, nas figuras de jogadores,

agentes, dirigentes, cronistas entre outros, mas essa esfera alcança também

interesses institucionais. Em 2007 e 2008 a Rede Globo e a Rede Record

começaram uma briga pela disputa da liderança do mercado. Esse, liderado

hegemonicamente pela Rede Globo a mais de 40 anos.

A Rede Record, embalada pelo extraordinário desempenho da Igreja

Universal do Reino de Deus9, atingiu uma capacidade de investimento que

proporcionou aos executivos sonharem com a disputa desse mercado. Um

desses campos de disputa é o esporte.

Como estratégia a Rede Record partiu para a compra de direitos de

transmissão de eventos esportivos, por exemplo, a Olimpíada de 2012 em

Londres já será transmitida pela Rede Record10. Fora esse, ela tentou a compra

9 http://www.jornaldedebates.com.br/debate/record-x-globo-quem-ganha-briga-pela-audiencia 10 http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u449785.shtml, acesso em 10 de março de 2009.

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do Campeonato Brasileiro da Série A11, do Campeonato Paulista, conseguiu

comprar os direitos do Campeonato Catarinense em 2007, 2008 e 200912. Em

2009, RBS e RIC / Record deram fato para uma disputa judicial para romper o

contrato feito pela RIC com os clubes catarinenses da 1ª Divisão.

O reflexo destas disputas é apresentado com as “armas” que as

organizações utilizam para brigar. Em 2008 a Rede Record13 começou uma série

de reportagens sobre a falência do futebol brasileiro. Mostrou as condições dos

times de futebol, endividados, com improvisações, salários atrasados, impostos

devidos, amadorismo na gestão dos clubes etc. Noutra reportagem mostrou as

condições dos estádios, aproveitou o incidente no estádio da Fonte Nova, e

denunciou o descaso, em função da situação financeira, como o torcedor/cliente e

como ele é tratado. Em outra oportunidade o tema foi a formação de jogadores e

a maneira como é conduzido este processo, na maioria dos casos com pessoas

despreparadas e sem escrúpulos. Dedicou uma reportagem para falar dos

escândalos das instituições de administração esportiva, das CPI‟s, das

pendengas judiciais. E teriam uma infinidade de temas para abordar, mas parou

por aí.

Mas o que é bom deixar claro nesta “briga”, analisando criticamente, é a

quem essas redes de TV estão servindo? Será que é para o bem do espectador?

Não, claro que não. Todas as denúncias, a “busca pela verdade”, a “neutralidade”,

a “defesa dos direitos do torcedor” foram usadas como argumentos para encobrir

a perda que uma das Redes teve, desdenhando o produto o qual gostariam de

apresentar na sua grade.

Para reforçar esse argumento, cabe citar Cunha (2007, p. 98), ele

argumenta que:

“O desporto, não tem que estar ao serviço do mercado, mas sim ao serviço do homem. É o mercado que deve disponibilizar-se para estar ao serviço do desporto, porque dele tirará, certamente benefícios em termos futuros e em termos da imagem que consegue associar aos seus produtos. Porque o desporto é, no seu conjunto, uma atividade múltipla e complexa e cria dinâmicas e necessidades em torno das respectivas práticas e do correspondente equipamento e apetrechamento. É o mercado, através do comércio, da indústria e dos serviços, que deve disponibilizar os recursos necessários à constituição de respostas aos problemas do desporto que importa resolver (cabe aqui também, às Universidades, desempenhar um papel a montante do processo): O apetrechamento coletivo das instalações desportivas, o apetrechamento

11 http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u382119.shtml, acesso em 10 de março de 2009. 12 http://www.futebolinterior.com.br/news.php?id_news=69176, acesso em 10 de março de 2009. 13 Programa Domingo Espetacular exibidos em 14, 21 e 28 de setembro de 2008.

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individual, a alimentação dos desportistas, as viagens e o correspondente turismo desportivo, as tecnologias associadas aos equipamentos de sobrevivência e desempenho, o vestuário, o calçado e toda uma panóplia de produtos e serviços que importam ao desporto e que interessam à economia (comércio, indústria e serviços). Por isso o mercado tem de encarar o desporto como um espaço e uma oportunidade de investimento que tem riscos e pode resultar ou não, mas que tem proveitos enormes em matéria de mobilização da atenção e colagem de valores positivos do desporto aos correspondentes produtos ou marcas”.

O mesmo autor continua (2007, p. 101) refletindo e nos remete ao

passado para entender que quando um negócio se torna a “coisa” a ser cobiçada

sua estrutura está com problemas.

“Na história portuguesa, quando o negócio da pimenta e das porcelanas da China passou a ser mais importante do que os desígnios do serviço a uma causa (a Fé) e a uma estratégia (atacar o inimigo – o Islão – pelas costas e no seu reduto – próximo de Meca – Lopo Soares de Albergaria – 1517), quando o negócio da escravatura para as Américas se sobrepunha ao humanismo renascentista de que fomos arautos, toda a estrutura sustentadora de uma idéia, de um projeto se altera e desfaz. Aí instala-se, como Camões referia a „...vã Cobiça...‟ a „...Glória de mandar...‟”.

Sua reflexão vai um pouco mais além (2007, p. 102) “a dimensão humana

do desporto não pode ser abandonada à dependência do livre arbítrio dos

interesses comerciais do negócio”.

Julgar se a mídia é culpada ou inocente demandaria um esforço teórico

imenso e de muita argumentação, que não se trata de tema dessa discussão,

mas de sua influência no ensino dos jogos, porém cabe ressaltar pelo menos

alguns aspectos para que essa discussão diga por que está inserida nesse ponto.

Para isto nos valemos do estudo de Pires (2007, p. 145) em que aborda a

dialética das mediações, a formação cultural do receptor-sujeito. Com esse tema

o autor explica um pouco sobre o campo acadêmico das ciências da comunicação

e a expansão técnica de sua área aplicada. A partir daí apresenta, em linhas

gerais, o desenvolvimento dos estudos pautados em psicologia

comportamentalista e teorias funcionalistas com objetivos de aprimorar o sistema

de comunicação de massa para construir um “modelo de consumidor médio”.

Entende o autor (2007, p 146) ainda que:

“Na perspectiva de mensurar índices de alcance e sucesso do impacto produzido por ela, os receptores eram instrumentalmente utilizados, percebidos apenas como fornecedores de informações ou recall para pesquisas de opinião a respeito de aspectos específicos como tempo médio de permanência em contato com o meio, relações de consumo

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com produtos anunciados, credibilidade atribuída a informações veiculadas.”

Sendo assim a relação entre emissor (meios de comunicação de massa)

e receptor fica mediada covardemente pelos meios, que de posse das

informações obtidas pelas pesquisas de comportamento e funcionalidade passam

a massificar e interferir radicalmente no dia-a-dia das pessoas, transformando,

como finaliza o autor, os meios em produtor e o receptor em consumidor.

Ainda sobre interesses comerciais Jean-Marie Brohm, escreve um artigo,

Esporte um grande negócio: Lei da Selva, em que trata de três obstáculos que

impedem uma análise sócio-política do esporte:

1) lei do silêncio, 2) pusilanimidade e 3) colaboração orgânica de numerosas personalidades políticas, universitárias, jornalistas e formadores de opinião, na difusão de uma idolatria acrítica do esporte, agora batizado de "cultura esportiva".

O autor subdivide estes três obstáculos em:

a) Operações comerciais obscuras; b) A lógica da competição esportiva; c) Hordas bárbaras de extraterrestres; d) Os bons sentimentos humanitários; e) O banho de sangue de Heysel; f) Pequena homenagem ao esporte como "integração"; g) Os ídolos dos jovens; h) Um trailer da Eurocopa 2000; i) O polvo do doping e da droga; j) Um olhar supostamente neutro; l) "Uma escola de cidadania"; m) Um negócio sem crença nem lei; e n) Mercadores inescrupulosos e honrados empresários.

No artigo ele faz referência que no “bom nome” do esporte existe uma lei

da selva que impede uma análise mais crítica, e para que isto ocorra o terceiro

obstáculo, que envolve a colaboração orgânica entra em ação tendo como

principal responsável por isso a mídia, que nem sempre quer que a verdade

venha a tona por conta dos próprios negócios gerados por este “esporte” que é o

canal que traz audiência e concomitantemente dinheiro. Para demonstrar seu

argumento ele cita o depoimento de um jornalista:

Como salienta Michel Drucker, ex-jornalista esportivo: "Já há bastante tempo nadamos em meio à plena hipocrisia. Quem é que vai acreditar que é possível subir quatro montanhas por dia tomando água mineral, ou pedalar 25 etapas em três semanas sem uma ‟ajuda‟? Alguém acredita que um navegador solitário enfrenta uma viagem ao Cabo Horn tomando chá? Qualquer jornalista esportivo da minha geração dirá: todo mundo tomou, desde sempre, e nós sempre soubemos disso. O ciclismo é um esporte alucinante de sacrifício, a dor é intensa. E os corredores pedalam dez meses por ano! Não dá para enfrentar os clássicos belgas, os ralis Paris-Roubaix e Milão-São Remo, a Volta à França e a Volta à Itália com um tubo de vitamina C!... Em todos os esportes é a mesma coisa. Os atletas têm milhões dos patrocinadores nas costas, no peito,

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nos bonés, nos tênis. Os compromissos financeiros são enormes. E exige-se deles cada vez mais e melhor desempenho." .

Esta hipocrisia deve ser tratada, ou melhor dizendo, filtrada no discurso

midiático. Imagine se uma rede de televisão que investe milhões na aquisição dos

direitos de transmissão de um evento esportivo iria anunciar algo que viesse a

maculá-lo.

Assim sendo, conclui-se, então, que existe uma necessidade de analisar

o discurso midiático, analisar as mensagens subjacentes e que isso requer, ainda,

uma formação profissional mais crítica e atenta ao cenário que cerca este âmbito.

Assim, a atuação na formação de receptores igualmente críticos, atentos a quais

interesses e a serviço de quem se direciona esse discurso.

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3 ENCONTROS E DESENCONTROS

3.1.- EXEMPLOS DE COMO A LITERATURA APRESENTA OS MÉTODOS DE ENSINO

3.1.1. Um desencontro do jogo com o esporte

Ao entender os conceitos de jogo e esporte, convencionado no início

deste trabalho, traz-se a discussão as intenções de cada um, trataremos como

um desencontro porque o jogo se separa do esporte e também do prazer e do

lúdico para servir ao interesse do desempenho, do alto nível, deixando de

aproveitar uma série de outras oportunidades para reduzir tudo à vitória e derrota.

Neste espaço será apresentada uma análise de obras que propõem

métodos de ensino dos esportes. Em comum apresentam a forma da proposta,

em que tem como base a divisão do esporte em partes, os chamados

fundamentos, os quais, segundo os autores, são premissas para que a criança

aprenda a praticar o esporte.

No Brasil, a partir do início da década de 1970 houve uma proliferação de

faculdades de educação física, as Escolas Superiores de Educação Física –

ESEF. Como todo o mercado em expansão, a estrutura dos cursos de formação

de professores era precária, os locais onde as aulas ocorriam eram inadequados.

A produção literária era pequena, quase inexistente, locais de ensino adaptados e

o objeto de ensino era basicamente o esporte.

O mundo vinha de uma estruturação de um momento de pós-guerra e as

ideologias estavam voltadas para atender uma forma de poder que se instalava,

principalmente no Brasil, por meio da força, de governos militares e totalitários.

Isto tinha reflexo na educação e conseqüentemente na educação física. Esta

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mentalidade instalou-se e proporcionou um ambiente para a proliferação de

abordagens que, de certa forma, reproduziam este cenário.

Neste sentido, na seqüência, serão apresentados resumos de alguns

trabalhos que seguem esta tendência ao propor o ensino das técnicas do jogo,

dos fundamentos, dos gestos motores específicos de cada modalidade, métodos

chamados tradicionais ou tecnicistas, em detrimento à compreensão do jogo em

si.

Iniciaremos pelo livro Basquetebol 1000 exercícios, de Marcos Bezerra de

Almeida. Um livro de 2005, cuja proposta é ensinar por meio de exercícios em

que são valorizados os gestos técnicos e fundamentos do basquete. A obra é

dividida em 18 capítulos, cada um deles referente a um tipo de atividade: Controle

de corpo; Aquecimento com jogos e brincadeiras; Empunhadura e manejo de

bola; Drible; Passes: de peito, picado, por cima da cabeça, de ombro, picado com

uma das mãos e especiais; Arremesso; Bandeja; Rebote; Fintas de pivô;

Movimentos em duplas e trincas; Bloqueio; Defesa na bola; Marcação de jogador

sem bola (de perto e de longe); Rotação da defesa; Marcação dois-em-um; Volta

para a defesa; e Contra-ataque.

Todo o livro é dedicado somente a exercícios, sem levar em conta a

contextualização dos jogos, oferece apenas uma automatização de movimentos.

Não orienta as formas de intervenção do professor e nem abre espaços para que

se discuta a experiência com os alunos, trata-se de um manual de exercícios.

O segundo livro é o de Marcelo da Silva Villas Boas, de 2008,

basicamente segue a mesma receita do livro anterior, com um pouco mais

detalhes, conta a história do basquete e sua trajetória e logo em seguida já entra

na segmentação do ensino, isto é, separa o jogo em partes indo da fragmentação

ao todo. O livro se divide em fundamentos técnicos e aspectos táticos do

basquetebol e suas subdivisões.

As atividades e exercícios descritos estão relacionados a domínio de

corpo, domínio da bola, dribles, passes, arremessos e rebote nos fundamentos

técnicos e nos aspectos táticos aos sistemas ofensivos e defensivos, havendo

propostas que trabalham atividades simples e complexas, individuais, em duplas,

trios, quartetos e com cinco atletas. O autor ainda afirma que;

A boa formação técnica do jogador dependerá basicamente da aplicação e correção dos fundamentos técnicos, pois o atleta bem fundamentado

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apresentará muita facilidade de entendimento quando for apresentado o sistema ofensivo e defensivo do jogo propriamente dito.

Significa dizer que, para se tornar um grande jogador de basquete, o

aluno deve, além de conhecer as regras, dominar perfeitamente todas as técnicas

do jogo.

O terceiro livro representa um marco para o basquetebol e talvez para a

Educação Física, trata-se de Basquetebol: Metodologia do Ensino, do Prof.

Moacyr Daiuto, um livre com muitas edições, esta em foco é a 5ª, de 1974.

É uma obra bem construída, o autor parte da conceituação de

metodologia e suas derivações e ligações com as ciências da educação. Dedica

um capítulo para tratar de esporte como meio de educação. Fala de vários itens,

entre eles cabe retratar uma citação (p. 29) em que explica:

Todos têm direito a praticar o esporte

1. O esporte deve ser parte integrante de todo o sistema educacional. É necessário à educação equilibrada e completa dos jovens, aos quais prepara para a utilização de suas horas de folga na idade adulta.

2. É incompatível com o espírito desportivo, toda tentativa para restringir o acesso ao mesmo, por considerações sociais, políticas ou religiosas, ou para estabelecer qualquer discriminação de tipo semelhante.

3. Qualquer que seja o seu nível social, todo desportista deve ter a oportunidade de conseguir no esporte o alvo de suas possibilidades.

4. As organizações desportivas devem permitir a todos praticar, em circunstâncias favoráveis, o esporte de sua escolha.

Além deste item, que trata dos direitos do desportista, apresenta também

a preocupação de outras esferas do esporte que não somente o espaço da

quadra.

Após, apresenta os elementos de educação, numa linguagem que

mantém a sua atualidade, em que enumera como necessários para a

aprendizagem o educador, o educando, a matéria e os fatores do ambiente. Neste

ponto abre espaço para inserção de elementos que, na Educação Física, pouco

se falava na época.

Outra citação interessante é Carta de Direitos de Gladys Andrews14 que

Daiuto cita na página 50:

Deixem-me crescer como eu sou!

14 Creative Rhytmic Movement for Children – Englewood Cliffs, New Jersey – prentice-Hall, Inc. 1954 – pág. 19. Transcrito

em Currículo Moderno – Organização de Robert S. Fleming, tradução de Marina Couto e M. Eleonora Brand – Lidador –

1970.

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Tente compreender por que desejo crescer como eu sou; Não como minha mãe quer que eu seja, Nem que meu pai espera que serei, Ou meu professor pensa que eu deveria ser! Por favor, tente me compreender e ajude-me a crescer, Assim mesmo como eu sou.

Neste capítulo demonstra o grau de interesse em tratar o assunto num

âmbito maior do que somente o espaço de aprendizagem da quadra.

Com estes parâmetros o autor aponta seu entendimento e a profundidade

que pretende abordar até o momento em que adentra no ambiente da

aprendizagem, porém não inicia especificamente com o assunto basquetebol e

sim passa antes por “alguns princípios e leis da aprendizagem, adaptando-os ao

esporte” (p. 51).

Adiante, mostra as características do basquetebol e suas aplicações no

capítulo 6, no capítulo 7 as premissas do planejamento didático e conceituações e

a partir do traça seus conhecimentos na direção do desporto especificamente.

Nos capítulos 8, 9 e 10 sugere e três períodos de aprendizagem, porém a

abordagem se enquadra no tecnicismo. Além disto, propõe alguns testes para

avaliação e anexa um grande número de exercícios (300)

Em comum pode-se dizer que os autores acima tem a intenção de

avançar na prática, que estavam preocupados em oferecer mais alternativas de

ensino e deixa-las registradas. Vemos Daiuto engajado em aprofundar-se em

detalhes pedagógicos, mas ainda preso ao pensamento do tecnicista assim como

Villas Boas e Almeida.

Das três obras, duas com produção recente e uma da década de 70, as

três com as características influenciadas pela eficiência do gesto motor bem

executado e com a fragmentação do ensino do basquetebol.

A abordagem que se pretende propor e que pode ser implementada,

poderá contribuir de forma muito significativa na Educação Física, especialmente

por constituir-se em mais um instrumento que o professor ou a escola pode lançar

mão para levar ao aluno o prazer, a diversão, a alegria, o convívio social

responsável.

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3.2.- UMA TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA

3.2.1. Um desencontro – mais uma vez o jogo se afasta do esporte

Até aqui passamos pelo conceito de jogo e esporte, sua propagação nos

meios de comunicação de massa, a influência no dia-a-dia seu uso como

ideologia, a influência da mídia no método de ensino e agora vamos buscar na

trajetória da educação física o fio condutor que tenta definir sua matéria prima e

neste contexto, entende-se que a educação física escolar não pode ser reduzida

a simples execução de exercícios físicos. Deve ter uma proposta de trabalho que

esteja, no mínimo, em consonância com os anseios sociais, justificar-se pela sua

importância didático-pedagógica essencialmente marcada pela afetividade e pela

socialização da criança. Estas são as características distintivas da disciplina, pois

através da ludicidade das atividades esportivas é possível a construção de

valores mais humanos. Além disso, através do lúdico podemos estimular o

potencial da criatividade, da inventividade, questões tão necessárias no processo

de formação escolar.

Contudo, pela própria construção histórica desta profissão no Brasil,

tivemos a associação da Educação Física ligada intimamente com os códigos

militares. Como o esporte já desfrutava de um forte prestígio social e os objetivos

do esporte coadunavam-se com os objetivos do exército, assim, observamos a

utilização em larga escala do desporto nas aulas de educação física,

caracterizando a subordinação da Educação Física aos Códigos Esportivos. Sem

dúvida, alguns autores (COLETIVO DE AUTORES, 1992: p. 54) relatam este fato

dizendo que:

A influência do esporte no sistema escolar é de tal magnitude que temos, então, não o esporte da escola, mas sim o esporte na escola. Isso indica a subordinação da educação física aos códigos/sentido da instituição esportiva, caracterizando-se o esporte na escola como um prolongamento da instituição esportiva: esporte olímpico, sistema desportivo nacional e internacional. Esses códigos podem ser resumidos em: princípios de rendimento atlético/desportivo, competição, comparação de rendimento e recordes, regulamentação rígida, sucesso

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no esporte como sinônimo de vitória, racionalização de meios e técnicas etc.

Esse modelo esportivo escolar, além de ser criticado duramente pelos

intelectuais da área, ainda hoje está presente na prática curricular das escolas.

Pode-se observar esta prática esportiva em muitas escolas, seja ela estadual,

municipal ou particular (PCN, 1998: p. 26). A abordagem almejada pela proposta

tem no seu bojo uma crítica a este modelo que ainda tem supremacia nos meios

escolares. De fato, o esporte escolar não pode ser encarado como atividade fim,

mas sim como atividade meio. A educação física escolar tem que consolidar-se

assim, num espaço e tempo em que são trabalhadas as relações mais humanas,

mais socializadoras que auxiliem na redução da agressividade e no excesso de

individualidade causada pela competitividade social. Destaca-se que, esta

individualidade tem o reforço escolar de disciplinas essencialmente teóricas, em

que o aluno é levado a abstrair um grande e massivo conteúdo teórico. Nesse

sentido, é possível amenizar este problema através da prática lúdica que os jogos

podem proporcionar, em que a participação é mais importante que o desempenho

esportivo.

Também é preciso destacar que, nas décadas de 70 e 80 surgem os

primeiros movimentos renovadores na educação física. Neste período

encontramos fortes correntes pedagógicas que invadiram o Brasil. Dentre elas a

corrente da psicomotricidade encabeçada por Jean C. Lebouch e a corrente

humanista sobre a égide do EPT (esporte para todos) desenvolvida na Europa

como movimento crítico ao esporte de rendimento (COLETIVO DE AUTORES,

1992: P. 55 e 56). O importante a ser destacado durante a invasão da corrente

psicomotora, é a transferência do pólo de atuação da educação física, pois até

então, a prática desta disciplina era toda orientada ao ensino das tarefas motoras,

dos gestos desportivos. Entretanto, com a nova concepção psicomotora, houve

uma transferência, um deslocamento da educação do movimento para a

educação pelo movimento, em que as atividades eram vistas como secundárias.

Dessa forma, o esporte foi relegado a um segundo plano. Embora esta corrente

fundamente-se na interdependência do desenvolvimento cognitivo-motor e tivesse

como objetivo a educação integral, ela apresenta deficiências, Melo de Carvalho

(in Bracht, 1992: p. 27) afirma o seguinte: “a proposta resulta de uma perspectiva

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desencarnada com o social". O mesmo autor15 fala ainda que “a corrente

apresenta um caráter idealista, falta-lhe a perspectiva dos condicionantes

históricos.”.

Somente na década de 90, é que observamos a Educação Física tentar

desenvolver um referencial teórico, fundamentando-se enquanto ciência e

legitimando-se enquanto disciplina. Nesse momento, desenvolve-se uma nova

corrente, a educação física revolucionária. Esta proposta volta-se para uma

concepção crítica a partir da contextualização da sociedade capitalista. Os

adeptos desta corrente assumem um papel político compromissado com as

classes oprimidas. A pretensão deste movimento é a transformação das

estruturas sociais. Dois pontos têm sido objetos de análise crítica: a ideologia

burguesa e a domesticação do corpo. Para Kunz (1991), esta nova tendência

encontra-se em fase crítico-teórica e precisa ser superada em favor de

alternativas pedagógicas, para que o próprio discurso não perca sua ressonância

crítica. Todavia, estas novas tendências não ameaçam a instituição esporte como

conteúdo histórico social desenvolvido em âmbito escolar.

Sem dúvida, a crítica da mercantilização do esporte levada para a escola

fundamenta-se no argumento de que esta prática é extremamente prejudicial ao

desenvolvimento social dos alunos, pois fomenta a individualização e o espírito de

conquista. Sobre isto, Silvino Santin (1993, p 92) expõe que a ideologia da

sociedade industrial apropria-se do jogo, procurando torná-lo produtivo e

econômico exacerbando o desempenho e tornando o jogo lúdico como forma de

terapia ou descanso mental, sendo assim, explorado com o nome de lazer.

Contudo, respostas diversas têm sido elaboradas, Manoel Sérgio aponta

que o objeto de estudo da Educação Física é o movimento humano, assim, a

Educação Física deveria denominar-se de Motricidade Humana. Esta concepção

tem encontrado adeptos em todo Brasil, pois incorpora os elementos da cultura

corporal, respeitando as tradições regionais, permite a contextualização do mundo

vivido do sujeito durante a prática das atividades físicas, tornando-se por isso,

numa proposta coerente com o projeto pedagógico das escolas que buscam a

emancipação social.

Evidencia-se também que, além das escolas até aqui descritas, outras

matrizes de pensamento adentraram no sistema da educação física brasileira,

15 Ibid.

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dentre estas, o pensamento oriental, principalmente as lutas marciais, o judô a

yoga, o tai-chi-chuan, também as raízes africanas expressa na capoeira.

Portanto, a estruturação e elaboração da abordagem devem respeitar os

seguintes condicionantes históricos: a legitimação histórica da Educação Física

está intrinsecamente ligada às suas funções sociais, servindo a sociedade através

da profilaxia física e mental (saúde) do cidadão. Os conhecimentos produzidos

nesta área contribuem para o desenvolvimento social no sentido do

prolongamento da vida, aumentando assim, as oportunidades do indivíduo e da

sociedade; a incorporação dos conhecimentos da biologia, psicologia e da

sociologia faz da Educação Física, uma área de múltiplas funções sociais,

diversificando os seus objetivos, sentido e significados; e a utilização pedagógica

da Educação Física não pode se restringir as suas funções biológicas, higiênicas

e ideológicas e deve resgatar o conteúdo educacional comprometido com a

emancipação crítica do sujeito.

Com efeito, a Educação Física, olhada por este prisma, não constitui um

fim em si mesma, mas serve ao homem no sentido da sua promoção físico-moral-

espiritual, aumentando-lhe a expectativa de vida, podendo assim, ser entendida

como agente de desenvolvimento social. Contudo, como observado, através da

prática atual, pode-se alienar o sujeito à falsos valores sociais, fomentando a

individualidade, a competição como estratégia de vencer na vida, agindo

sobretudo como formação de uma falsa ideologia esportiva, forjando falsos

valores, desviando a atenção dos sujeitos utilizando o esporte-espetáculo como

cortina de fumaça para os problemas político-sociais.

No cenário apresentado, a prática da Educação Física Escolar no Brasil

seguiu e, em alguma medida, ainda segue o modelo já exposto anteriormente.

Trata-se de uma Educação Física Competitivista, de raízes mecanicistas. Este

modelo de Educação Física não serve ao homem como forma de emancipá-lo,

pois cuida tão somente do físico e esquece do sujeito histórico (COLETIVO DE

AUTORES, 1992: p. 36). Esta prática escolar, sedimentada no professor, no estilo

comando, na aula diretiva, além de alienar o aluno ao conhecimento do professor,

não possibilita a discussão, a teorização das práticas, a reflexão da importância

do que se está fazendo, não permitindo assim, o esclarecimento sobre as ações

desenvolvidas nas aulas de Educação Física. Neste contexto, todo processo,

normalmente, é determinado pelo professor. Ao aluno, é reservado somente o

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dever de execução sem direito de diálogo e entendimento. A prática escolar com

estas características não tem a mínima chance de promover um sujeito crítico e

emancipado, capaz de conhecer e saber o que fazer com o próprio corpo e com o

seu tempo livre. Além disso, diante do modelo arcaico e ultrapassado de

educação escolar que estamos presenciando, em que a própria escola apresenta-

se socialmente desgastada, com pouco prestígio social, a educação física não

consegue legitimar-se como disciplina escolar necessária à formação bio-psico-

social do indivíduo. Acrescenta-se ainda que na escola as teorias construtivas do

conhecimento, a inter e a multidisciplinaridade não foram sequer bem entendidas

quanto mais aplicadas, especialmente na Educação Física que, dado ao vasto

campo de atuação, poderia contribuir de forma significativa no processo de

motivação e aprendizagem escolar.

De fato, observamos que a prática da Educação Física escolar segue seu

rumo histórico sem que haja um aprofundamento teórico. Sendo assim, as

correntes críticas, novas filosofias, novas tendências, sobretudo novas

conhecimentos produzidos na área, normalmente não chegam sequer ao

conhecimento dos profissionais envolvidos com a escola. Além disso, quando o

professor adquiri este conhecimento não tem forças para implantá-lo no seu

cotidiano escolar, pois enfrenta resistência diversas do tipo: material; local; a

direção escolar; os próprios alunos; a falta de domínio claro do que se quer fazer.

Em todo esse processo a parte mais fraca é o professor e com isso a

tendência é recair sobre ele este pesado fardo da educação, pois, esse mesmo

processo, acumula em si toda uma retrospectiva de ensino de qualidade duvidosa

sob todos os aspectos.

Por um lado, a maior dificuldade no processo de mudança da prática da

educação física escolar reside essencialmente na má formação acadêmica, a qual

o profissional utilizará para ministrar suas aulas. Não se pode esperar de um

professor uma mudança de postura, a aplicação de uma nova prática pedagógica

se ele próprio não está preparado. O conhecimento expresso através do saber o

que (conteúdo), o como (processo), o porquê (objetivos) constitui-se pressuposto

básico essencial para a mudança da prática. De outro enquanto as grades

curriculares dos cursos de formação profissional em educação física não mudar a

forma e, sobretudo, os conteúdos desenvolvidos, a educação física vai continuar

cada vez mais órfã de uma teoria que a sustente e de legitimação social que é

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necessária para referendá-la enquanto disciplina. Estaremos sempre na

dependência de um instrutor físico que nos diga o que fazer e como fazer para

termos saúde física, ou então, na dependência destes profissionais para nos

orientarem nas horas de lazer.

Portanto, a superação deste quadro, depende de inúmeros fatores, entre

eles, o mais sensível refere-se à requalificação do professor que está em

exercício. Sem dúvida, o ponto de partida reside na articulação com que os

profissionais que estão atuando na prática se atualizem. Resgatar a qualidade

formal e política do professor de Educação Física como preconiza Demo (2000).

Trabalhar e refletir sobre as novas tendências, sobre o conhecimento produzido

na área, principalmente na forma prática de aplicação de teorias construtivas do

conhecimento, apoiados, sobretudo nas teorias críticas e emancipatórias como

forma de superar o modelo mecanicista e tecnicista vigente no ensino. Sair da

linearidade da aula projetada para viver uma aula dialogicamente construída,

essencialmente com os alunos como sujeitos e não como meros objetos da

aprendizagem. Sair das atividades exclusivamente físicas, carentes de sentido e

significados para atividades de interesse da maioria dos alunos envolvidos na

aula.

3.2.2. Um encontro – o jogo se aproxima do esporte

Todavia, a mudança da estrutura escolar, especialmente a mudança da

atual prática da Educação Física Escolar de um modelo domesticador para um

modelo emancipador, de um modelo de ensino transmissor para um construtor de

conhecimento, tem como premissa básica, a construção de um referencial teórico

próprio, de um corpo de conhecimentos básicos que fundamentem a prática.

Neste sentido, Kunz apresenta em seu livro "Transformações Didático-pedagógica

do Esporte", conteúdos a serem explorados bem como uma proposta

metodológica de ensino. A Estrutura e os enunciados desta nova prática estão

sedimentados na teoria crítica que visa, sobretudo um sujeito crítico e

emancipado. Insere a reflexão do sujeito sobre o movimento realizado. Dessa

forma, Kunz (1994, p. 24) diz:

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O homem é um ser capaz de se desenvolver graças as seus interesses, desejos e necessidades. Infelizmente no estágio de desenvolvimento científico e tecnológico de hoje, pela sua influência em todas as instâncias da vida, especialmente, através da indústria cultural e dos meios de comunicação, os interesses, os desejos e as necessidades podem ser formados ideologicamente por estas instituições.

Ainda por este caminho, Kunz destaca a importância da reflexão nas

aulas de Educação Física como forma de minimizar os problemas das falsas

ideologias desportivas veiculadas diariamente pela indústria cultural. Assim, ele16

nos fala:

Se o esporte de alto rendimento, ou de competição, com seus valores, normas e exigências é o esporte aceito de forma evidente e inquestionável em todas as instâncias onde ele possa ser praticado sem que se altere a sua estrutura básica para atender interesses compatíveis com os dos praticantes, isto ainda não garante que os "interesses reais" destes praticantes estejam na prática deste esporte, pelo menos da mesma forma como ele se apresenta para os que o treinam diariamente.

Desta forma, como já evidenciado anteriormente, a utilização ideológica

da Educação Física, a proposta de Kunz, além de coerente por tratar de

esclarecer os alunos sobre os seus verdadeiros desejos e interesses, constitui-se

numa das condições necessárias para a superação do modelo arcaico vigente, e

"... nas sociedades atuais, pela excessiva influência da indústria cultural, dos meios de comunicação e dos especialistas de todas as áreas são „formados‟ para os interesses ideológicos do mercado consumidor".

completa17 o autor.

Diante disto, refletindo sobre o modelo de mercado, pode-se imaginar o

modelo de formação acadêmica vigente. De fato, as agências de formação

profissional por dependerem exclusivamente dos alunos, atendem, normalmente,

as exigências do mercado, pois, do contrário estas Instituições fechariam a portas

devido a inviabilidade econômica. Dessa forma, o eixo de condução da formação

dos profissionais em Educação Física, especialmente as grades curriculares,

procuram essencialmente atender as falsas ideologias veiculadas pela indústria

cultural. Portanto, a falta de uma proposta político-pedagógica comprometida com

a emancipação do acadêmico, não permite a reflexão destas falsas ideologias

desportivas dominantes no mercado.

Sendo assim, Kunz18 propõe que:

a estrutura básica para uma pedagogia do ensino dos esportes, desta maneira, deve estar apoiada em dois aspectos teóricos: o aspecto da

16 Ibid., p25 17 Ibid., p25 18 Ibid., p28

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Teoria Crítica onde pressupostos teóricos com base em critérios de uma ciência humana e social, sem ser positivista ou tecnológica, formam os alicerces do conhecimento para um agir racional-comunicativo; e o aspecto da Teoria Instrumental que deve fornecer os elementos específicos de uma pedagogia crítico-emancipatória nas suas seqüências e procedimentos regrados.

Sem dúvida, a forma e modelo de construir a estrutura de uma pedagogia

dos esportes servem também para construção curricular dos cursos de formação

profissional. Com efeito, a proposta de Kunz serve como referência com a da

presente abordagem. Contudo, é preciso destacar os aspectos da qualidade

formal e da qualidade política a serem trabalhadas na Educação Física escolar.

Realmente, pode-se entender a qualidade formal como o conteúdo a ser

desenvolvido, especialmente os conteúdos expresso na cultura do movimento

bem como os aspectos relacionados à saúde e ao bem estar. Neste caso,

estariam agrupados os conhecimentos necessários para a instrumentalização do

indivíduo quanto à prática de atividades corporais. Permite ainda, que o indivíduo

valorize melhor o seu tempo livre, a sua hora de lazer, praticando atividades

saudáveis e de seus verdadeiros interesses.

Quanto à qualidade política das aulas de Educação Física escolar, deve-

se buscar através de uma relação dialógica, a criticidade e o questionamento das

práticas. É preciso propiciar aos alunos, como destaca Kunz (1994), o

esclarecimento e entendimento das falsas ideologias articuladas pela indústria

cultural. Com certeza, trata-se da instrumentalização do sujeito no sentido de

promover uma prática de atividades corporais consciente, buscando assim, a

realização dos seus verdadeiros desejos e interesses. Qualidade política, nesta

visão, serve como guia da consciência, sobretudo alicerçada em hábitos e

atitudes saudáveis. Além disso, faz-se necessário destacar também, que somente

um sujeito crítico é capaz de re-interpretar os modismos contemporâneos, como

por exemplo: as ginásticas de fim de semana; os grandes passeios ciclísticos,

maratonas de exercícios, entre outros, e reconstruir uma prática adequada para

fazer frente ao sedentarismo moderno.

Portanto, esta abordagem propõe uma alternativa diferente ao modelo

desportivo praticado no sistema escolar, bem como trata de resgatar os valores

positivos que a prática desportiva bem orientada pode propiciar. Além do que a

motivação de usar uma abordagem alternativa, trilhando por um caminho ainda

com muitas novidades serve para se transformar numa proposta criativa centrada

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nas virtudes lúdicas e educativas do jogo. A formulação desta abordagem tem

sustentação na teoria e na prática, e é movida pela convicção de que o

desenvolvimento integral do ser humano, sobretudo em sua fase infantil e

adolescente, necessita da motivação que melhor colabora na formação de uma

sociedade solidária e humana, que é a expressão lúdica comunitária.

Tal motivação permite, entre outras coisas, introduzir na escola um pouco

mais de alegria e boa convivência, ajudar o professor a encontrar didáticas mais

agradáveis e efetivas, fomentar o espírito de equipe e colaboração, permutar

experiências com outras escolas e a comunidade, e, sobretudo, resgatar os

valores educativos mais legítimos da criança e do adolescente.

Estes valores se expressam de modo mais profundo no brincar, jogar,

divertir-se, expandir-se. Permite trabalhar a solidariedade humana, privilegiando

sempre a cooperação, mais que a competição, além do lado importante da

atividade bem planejada e bem executada, levada a efeito com dose forte de

participação conjunta e divertida.

3.2.3. Outro encontro – o jogo pode ficar junto com o esporte

Sei que às vezes uso Palavras repetidas

Mas quais são as palavras Que nunca são ditas?

Renato Russo

É possível desenvolver outras formas de ensinar os jogos e o esporte e

inserir outros valores como socialização, cultura, cidadania e saberes?

A serviço de quem ou do que estamos quando tratamos deste conteúdo,

o esporte? Volta-se ao problema do estudo:

O ensino dos jogos, visando a humanização, o lúdico, a emancipação e crítica ainda é possível no mundo da indústria cultural, da mídia esportiva e do consumismo de bens e benefícios prontos (em que perguntar, problematizar dá muito trabalho)? De que forma as metodologias TDPE e TGFU contribuem com a possibilidade transformadora do ensino dos jogos?

Como base fundamental do ensino, estas perguntas tem que estar

presente no cotidiano do professor. As mensagens subjacentes que aderem às

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propostas e aos projetos pedagógicos têm que estar afloradas na linguagem e

atitudes. Entender o discurso conservador e fugir da neutralidade, por vezes

pretendida pela ciência, tem que ser tarefa regular e apresentada aos alunos para

sua emancipação.

Emancipação deve estar associada à liberdade, esta, por sua vez, uma

palavra muito repetida e também repetida por Paulo Freire (1980, p. 19), o qual

demonstra que o medo da liberdade caminha com a vontade de se libertar e que

há dúvidas com o que se faz com a liberdade. Em seus estudos, ele mostra que

na voz das pessoas que participavam dos cursos de capacitação que ministrava

existiam questionamentos que levavam a entender que a consciência crítica

poderia conduzir à desordem, que era anárquica e que havia perigo na

conscientização.

Por isto cabe novamente a pergunta: afinal, estamos a serviço de quem?

Esta descrição apontada por Freire demonstra que, pelo nível de

desconfiança das pessoas em relação à liberdade, não fica claro a serviço de

quem se está. E que a proposição de Freire era defender que eles estariam a

serviço da própria emancipação.

Pode-se afirmar ao certo que este saber a quem se está a servir

demonstra que existe consciência, intenção e consequentemente o

conhecimento. E este conhecimento é a estrada que pode conduzir à consciência

crítica à qual se refere Freire (1980).

Ao encontro deste caminho, o grande desafio da educação nestes

próximos anos é mitigar a relação entre a circulação e o armazenamento da

informação com sua transformação em conhecimento. Este ato, que por vezes

pode parecer contraditório, passa pela relação professor/aluno.

Neste sentido, a proposta central do trabalho, que busca a conjugação de

dois métodos: a transformação didático-pedagógica do esporte e o ensino dos

jogos pela compreensão será traduzir as idéias centrais destes métodos desde

sua a origem e evolução.

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3.2.4. Um começo

Para fazer esta conjugação convém dar historicidade a sua origem, ou

melhor, entender em que base estas propostas, Transformação Didático-

Pedagógica do Esporte - TDPE e TGFU (Teaching Games for Understanding –

Ensinando Jogos pela Compreensão), vão se inspirar para lançar as críticas e

proporem alternativas e isto remonta à década de 60, fase em que as idéias de

treinamento desportivo começam a se disseminar e para tal cabe relembrar o que

preconiza a Teoria do Treinamento Desportivo no que tange a divisão dos

períodos do treinamento, ligados essencialmente ao olimpismo. Neste sentido,

usaremos a classificação proposta por Almeida, Almeida & Gomes (2009) para os

quais a evolução do treinamento desportivo na linha do tempo segue a seguinte

ordem cronológica:

1º Período do Empirismo o Duração: - dos métodos arcaicos de preparação física das

antigas civilizações; - até o surgimento do Renascimento (século XV).

2º Período da Improvisação o Duração: - do surgimento do Renascimento (século XV) - até

as I Olimpíadas da Era Moderna (1896 - Atenas).

3º Período da Sistematização o Duração: - das I Olimpíadas da Era Moderna (1896 - Atenas)

- até das XI Olimpíadas (1936 - Berlim).

4º Período Pré-Científico o Duração: - das XI Olimpíadas (1936 - Berlim) - até as XIV

Olimpíadas (1948 - Londres).

5º Período Científico o Duração: - das XIV Olimpíadas (1948 - Londres) - até as XXI

Olimpíadas (1972 - Munique).

6º Período Tecnológico o Duração: - Das XX Olimpíadas (1972 - Munique) - Até as XXV

Olimpíadas (1992 - Barcelona).

7º Período do Mercantilismo Desportivo o Duração: - A partir das XXV Olimpíadas (1992 - Barcelona).

Para nossa finalidade vamos nos ater aos períodos pré-científico e

científico para entender a causa que influenciou o esporte a ser o fator

determinante da educação física19 a partir da década de 60.

Na divisão dos períodos do treinamento desportivo os autores citados

apontam para o fim da década de 40 o início do período científico, mas foi na

19 Em 1989 Kunz escreve um artigo em que trata o esporte como fator determinante da Educação Física

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década de 60 que ocorre uma dissipação maior destes conceitos no mundo em

função dos Jogos Olímpicos.

Quanto a isto, DaCosta e Tubino (2005) no Atlas do Esporte no Brasil

relata que na década de 1960:

foram convidados Woldemar Gerschller (treinador de atletismo) e Herbert Reindell (fisiologista), ambos alemães e pioneiros na passagem do treinamento pré-científico para o científico, visitam o Brasil fazendo palestras e apresentações práticas na Escola de Educação Física do Exército - ESEFEx no RJ. À frente da iniciativa – que ocorreu em meados da década de 60 – estavam Jordão Ramos e Colombo, com apoio do MEC, ESEFEx e da Confederação Brasileira de Desportos - CBD, então existente. Gerschller e Reindell eram efetivamente os líderes mundiais no tema do treinamento tendo à frente o método Interval Training que posteriormente deu origem ou influenciou os métodos Circuit Training, Power Training, Altitude Training, Aerobics e outros. O impacto inicial alongou-se pela publicação do opúsculo “Interval Training” de Jordão Ramos pela DEF-MEC (1960), com a descrição do método, princípios que lhe davam fundamento e exemplos práticos.

Com esta introdução os autores vão escrevendo o texto de forma de

narrativa cronológica os acontecimentos que marcaram o início da formação do

corpo científico que deu origem aos cursos de educação física no país.

A começar pelos dois, Lamartine Pereira DaCosta e Manoel Gomes

Tubino, eram oficiais da Marinha, lá estava o também militar falecido Cláudio

Coutinho (ex preparador físico e ex técnico da Seleção Brasileira de Futebol) da

ESEFEx, e muitos outros militares e essa foi, então, a idéia precursora que

marcou de forma contundente a mentalidade da educação física no Brasil.

No final da década de 60 e início da década de 70 começam a surgir as

ESEFs – Escola Superior de Educação Física, no Brasil inteiro, com uma

proposta curricular baseada no treinamento desportivo, e os criadores dos cursos

vão organizando os conteúdos das disciplinas esportivas – basquete, vôlei,

futebol, handebol, ginástica, natação etc., das biológicas e as pedagógicas com

as características destes fundamentos e permeados com o pensamento militar.

Seguindo esta senda a educação física na escola vai tomando molde nessas

premissas, como não poderia deixar de ser.

Aliado a esse fato, o pais estava imerso numa ferrenha ditadura, os

intelectuais iam sendo exilados e a educação sofria, em 1971, uma reforma,

drástica em sua estrutura, era sancionada a lei nº 5.692, sob a batuta do Ministro

da Educação Jarbas Passarinho, que também era militar. Ainda neste período,

também conhecido como “anos de chumbo”, do Governo Médici, havia o Milagre

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Brasileiro (econômico), grandes obras de infra-estrutura (ponte Rio - Niterói,

Itaipu, Transamazônica), eslogans ufanistas (ame-o ou deixe-o, este é um país

que vai pra frente), a conquista do Tri-campeonato da Copa do Mundo de futebol,

enfim uma campanha para firmar os militares no comando propondo uma série de

mudanças estruturais para não mudar de mãos o poder e propiciar a montagem

de uma estrutura que desse tranqüilidade aos Estados Unidos, mentor deste

processo de governos militares na América Latina, e parceiros e aos

investimentos estrangeiros efetuados no país. As mudanças na educação

ocorrem em função de um acordo famoso que mexeu com toda a estrutura

educacional no país, do ensino primário ao superior, denominado o acordo

MEC/USAID (United States Agency for International Development) que vem como

um reforço de longo prazo e estratégico na consolidação do governo de exceção.

Para ratificar este procedimento, de ensino por meio de uma pedagogia tecnicista,

criam-se os cursos superiores na área da educação física com todas as

características deste momento histórico.

É importante apresentar o cenário em que se vivia neste período, embora

não seja este o foco, mas ele dá a dimensão do pensamento social e político da

época e também para entender o porquê se instala a tendência de métodos

tecnicistas no ensino dos esportes na educação física.

Com este paradigma instalado, que Ghiraldelli (1990) classifica como

tecnicista ou competitivista, tem-se o ambiente perfeito para a educação bancária

e a formação de profissionais com perfil para reafirmar a ideologia hegemônica

que se funda neste saber.

Como estratégia de reforço, neste período o MEC monta toda uma

estrutura esportiva criando o Departamento de Educação Física e Desporto –

DED/MEC, que irá instituir o JEBs. Esta estrutura é replicada nos estados como

DED/SEC – Secretaria de Estado da Educação e Cultura e consequentemente

para as regiões em que a estrutura da SEC tinha delegacias, gerências, unidades

ou nomenclatura análoga. Com isto estava criada a tão famosa pirâmide esportiva

e por sua vez todo o processo de exclusão, por meio dos campeonatos citadinos

(base da pirâmide), zonais ou regionais, estaduais (miolo da pirâmide) e por fim

os Jogos Escolares Brasileiros (topo da pirâmide). Estes jogos foram criticados

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por Santin, em sua obra Educação Física: outros caminhos, de 1993 (pp. 74 a

94)20

Toda esta estrutura organizacional gerou demandas em diversas

direções. Vamos focar em duas, uma delas foi no aperfeiçoamento dos

professores, aqueles que atuavam nas escolas e de destacavam como técnicos

das equipes que disputavam os jogos e, em função de sua competência em

montar (aliciando os melhores atletas) e dirigir as equipes, chegavam aos

primeiros postos e com isto ganhavam a oportunidade de especializarem-se em

cursos no exterior, normalmente na Alemanha ou nos Estados Unidos. A outra foi

na necessidade de aperfeiçoar os docentes dos cursos de educação física.

Em 1977 surge o primeiro mestrado em Educação Física no Brasil, na

USP e em 1979 o segundo em Santa Maria – UFSM. A partir daí existe um

incentivo para a qualificação dos professores

Gonçalves Junior, Ramos e Vedovato (2001, p. 2)

Não é só no Brasil, porém, que a Educação Física encontrava-se em crise, o francês Pierre PARLEBÁS (1987), anunciava a mesma ocorrência na França, crise esta que se dá em vários planos: das técnicas, dos campos de intervenção, de formação e investigação. E o canadense Bob MORFORD (1987) adiantava: a Educação Física encontra-se esquartejada e atravessa uma crise de identidade. Só uma reconceitualização radical pode dar à educação física o seu lugar na sociedade.

Num primeiro momento a procura destes cursos ocorria mais na área

técnico-esportiva graças ao cenário da Educação Física nesta época, porém este

quadro começa a mudar devido ao interesse de profissionais brasileiros buscarem

intercâmbio com universidades alemãs em outras áreas, principalmente nas

ciências sociais. Os precursores destes estudos são Elenor Kunz, Valter Bracht e

Celi Taffarel, seus trabalhos, talvez despertados pelo de Medina em sua obra

Educação Física cuida do corpo e .... mente, de 1979 foram os marcos iniciais das

críticas à forma como eram tratados os conteúdos da Educação Física,

especialmente o esporte que atendia aos interesses de um mercado consumidor

de grande potencial.

20 Embora este quadro já tenha sido exaustivamente denunciado e debatido nunca é demais trazê-lo à tona, isto porque vemos o COB – Comitê Olímpico Brasileiro, reeditando o modelo já criticado por Santin (1990 1ª edição), e já se vão quase 20 anos pois estamos falando de 2009, das Olimpíadas Escolares, . Disponível em 03/08/2009:

http://www.cob.org.br/eventos/eventos.asp?id=1

http://www.cob.org.br/eventos/docs/COB_RevistaOE_FINAL_02JUL.pdf

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A abertura política sob o slogan que pedia a Anistia Ampla, Geral e

Irrestrita propiciou que a década de 80 fosse marcada pelas denúncias, que

ocorriam não só na Educação Física, mas a volta de Paulo Freire, Darci Ribeiro e

muitos outros pensadores e intelectuais brasileiros, de certa forma, mudou o

pensamento e trouxe uma outra visão e avanço para a área. Com isto questionou-

se o tecnicismo pedagógico imposto pela reforma do ensino, questionou-se a

ordem das coisas vivia-se numa ebulição do pensamento intelectual brasileiro.

Nos anos 90 começa a se perceber os avanços obtidos, com novas

propostas para a Educação Física Escolar. Porém Kunz (2004, p. 54) coloca em

discussão o conhecimento gerado pelas pesquisas. Ocorre que as pesquisas não

refletem o saber teórico no saber prático, no dia-a-dia do professor de Educação

Física na escola. Muito desta forma de produção de conhecimento está ligada à

escala de pontuação da CAPES, que transformou os cursos de pós-graduação

em fábrica de textos e empresa de publicações de artigos, fato este que foi tema

de discussão no XII PALOPS – XII Congresso Ciências do Desporto e Educação

Física dos Países de Língua Portuguesa, realizado de 17 a 20 de setembro de

2008, em Porto Alegre, apresentado pelo Professor Juarez Nascimento. Em outra

Mesa Temática, a apresentação do Professor Go Tani, que tratou de Pesquisa e

Pós-Graduação mostrou os temas de pesquisa dos cursos de mestrado e

doutorado e sua preocupação, declarou, era saber qual o rumo que se está

seguindo.

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3.3. OS VALORES ATUAIS DO ESPORTE

Perante o que até aqui foi mostrado, os valores que esse esporte passa

atualmente estão centrados basicamente em dois pontos, na admiração aos

atletas que apresentem habilidades motoras excepcionais e no seu desempenho

esportivo, isto é, o mais rápido, o que salta mais alto, o que possui mais

habilidade, o mais forte, sem que se importe de que maneira isto pode se

desenvolver, ou seja, com doping, com compra de árbitros, viradas de mesa etc..

Diante deste quadro, os valores que se tornaram subjacentes a este modelo de

esporte foram o talento e a busca do alto rendimento. Trata-se de um formato

moldado para poucos e com grande poder de exclusão. Com isto, como vimos

nas seis histórias, e poderiam ser seis milhões de histórias ou até bilhões, se

pensarmos em escala mundial, passou-se a uma procura desenfreada por

talentos e com uma força-tarefa a serviço destes que envolveu a ciência com

suas buscas quantitativas e as influências orgânicas no treinamento. Passou-se a

treinar em dimensões inumanas para que se busque o atleta com todos os

predicados inerentes ao talento. Esqueceu-se do prazer e do lúdico em função da

maneira que os meios de comunicação de massa (tanto da indústria cultural como

do esporte) conseguem aprisionar o lance genial ou o jogo como um todo, o qual,

na realidade, se trata de uma produção intelectual dos atletas, por meio da

captação, geração e transmissão de imagens e, com todo o exército de

profissionais, programas e aparatos tecnológicos, conseguem inculcar no grande

público seus conceitos de valores. Para Betti (1998ª, p. 81) existe uma diferença

muito grande entre o evento real e o evento que vemos na TV.

Neste sentido, podemos notar o quanto as pessoas, que se

transformaram em atletas de alto rendimento, ficaram reféns deste processo,

entre elas o que aconteceu recentemente com os casos de Jade Barbosa,

Ronaldo “Fenômeno”, Robinho, Michael Phelps, Adriano “Imperador” e tantos

outros que não tiveram a notoriedade destes mais famosos.

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No mesmo caminho das críticas de Betti, podemos encontrar críticas

feitas por Santin (1993) na década de 90 aos Jogos Escolares Brasileiros - JEBs,

que em vez de buscar objetivos educacionais perseguiam o modelo de

rendimento proposto pela busca de talentos com as características preconizadas

pela mídia. Santin (1993, p. 74) escreve questionando os JEBs:

O nome já diz tudo: jogos escolares brasileiros. É um evento organizado para escolares brasileiros como objetivo de práticas esportivas. Mas esta reunião esportiva que caráter deve ter? Ou, se quisermos, que objetivos básicos devem fundamentá-la? Terá um caráter organizacional de um campeonato à maneira de outros campeonatos que ocorrem em nível nacional ou internacional? Ou os JEBs devem ser entendidos como um grande encontro de confraternização da juventude brasileira? Em outras palavras, devem ser atletas ou estudantes os participantes?

Estes argumentos podem parecer que remetia apenas àquele período e

lá se encerrava, até por que os JEBs foi um evento que teve seu final em 1994,

(ver quadro21 no anexo 4), não havia interesse da grande mídia. Mas em 1995,

surge com outro nome, Jogos da Juventude, assim, desta forma, dura por mais 4

anos e em 1999 são interrompidos. Em 2000 ocorre outra mudança, não só no

nome, mas estrutural, é feita uma parceria entre o Ministério do Esporte e

Turismo, Ministério da Educação, o Comitê Olímpico Brasileiro - COB e a rede

Globo.

Para melhor explicar estes fatos e resgatar o histórico dos jogos, foi

acessado o sítio do Ministério do Esporte, e no espaço para busca foi colocado o

texto “JEBs”. O sítio remeteu a uma página em que apresentava um menu e um

quadro com o ano e local de acontecimento dos jogos. No menu existe um outro

link, este lança-nos ao histórico dos mesmos. O histórico é um texto22 o qual se

tem a impressão que foi colocado somente para “encher lingüiça”, não consegue

retratar ou justificar o porque das mudanças de nome, porque parou em 1999,

porque transformaram-se em Olimpíadas Colegial. E abruptamente encerra em

2006. Existe ainda no menu um link para baixar o regulamento de 2007 (que não

baixa nada) e depois não aparece nenhuma referência de 2008 e 2009. Nesta

busca, encontramos nos site do COB a transformação das Olimpíadas Colegial

em Olimpíadas Escolares, disputadas em duas categorias, de 12 a 14 anos e de

15 a 17, em cidades diferentes e que completam os primeiros 4 anos, 2005, 2006,

2007 e 2008. Ainda nesta tentativa, de buscar um entendimento que justifique a

21 http://portal.esporte.gov.br/snear/jebs/edicoes/sede_anteriores.jsp, acesso em 9 de junho de 2009 22 http://portal.esporte.gov.br/snear/jebs/edicoes/2007/historico.jsp, acesso em 9 de junho de 2009

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existência dos JEBs, foi encontrado o discurso23 do Sr. Carlos Nuzman, na época,

e até hoje, o presidente do COB (a forma com que ele permanece nesta

presidência é um caso a parte), quando do acontecimento das Olimpíadas

Colegial em 2000, em que fala:

Sou do tempo em que a educação física era uma disciplina valorizada no currículo escolar, na mesma proporção do interesse que despertava na direção da escola e dos alunos. Nem todos os alunos, é verdade, mas certamente na maioria absoluta de uma turma ou de um colégio. A prática esportiva curricular era uma extensão do que se via nos pátios das escolas. Um lanche rápido na hora do intervalo, a chamada hora da merenda, e lá se ia a garotada atrás de uma bola ou de qualquer objeto que desse vazão à energia incontida de correr, pular e jogar. Nesse contexto, as aulas de educação física eram esperadas até com certa ansiedade, pois era o momento adequado para praticarmos a atividade esportiva no local apropriado, com roupas apropriadas, longe da inconveniência de retornar para a sala de aula suado e com os cabelos em desalinho.

Sou do tempo em que a escola era o maior celeiro de talentos esportivos do país. Era lá, nas competições estudantis, que os clubes iam buscar novos talentos. Da minha turma no Colégio Mello e Souza, nada menos que quatro alunos daquela escola chegaram, via seus respectivos clubes, aos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964, pela seleção brasileira de vôlei. Eu, Vitor Barcelos, Carlos Feitosa e João Cláudio. Coincidência? Certamente não. Apenas a união da nossa vontade de jogar voleibol com a vontade da direção do Mello e Souza em se fazer representar bem no campo esportivo.

A integração do Ministério da Educação e do Ministério do Esporte e Turismo neste projeto dá a dimensão de onde pretendemos chegar. Nos tranqüiliza saber que o ministro Paulo Renato Souza vai cobrar das escolas a obrigatoriedade da educação física no currículo escolar. Com a vontade política do Governo federal, o empenho do Comitê Olímpico Brasileiro, das confederações brasileiras e a participação da sociedade em geral, estaremos dando um passo decisivo para propiciar e estimular a educação por intermédio do esporte. E também, certamente, a vontade que milhares de jovens têm de repetir as conquistas de nossos ídolos olímpicos.

Esta visão romântica, conservadora e alienada do Presidente do COB

demonstra um desconhecimento das críticas levantadas em toda uma década de

discussão ou simplesmente se posicionando de forma reacionária e referendando

a conservação de compromissos que estão postos. Seu discurso aponta para o

que Paulo Freire (2000, p. 21) chama de consciência ingênua, que tem como

características:

Revela uma certa simplicidade, tendente a um simplismo na interpretação dos problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista.

23 http://listas.cev.org.br/arquivos/html/cevmeef/2000-12/doc00001.doc, acesso em 31 de maio de 2009

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Não se aprofunda na causalidade do próprio fato. Suas conclusões são apressadas, superficiais. É impermeável à investigação. Satisfaz-se com as aparências. Toda concepção científica para ele é um jogo de palavras.

Há também uma tendência a considerar que o passado foi melhor. Por exemplo: os pais que se queixam da conduta de seus filhos, comparando-a ao que faziam quando jovens.

Tende a aceitar formas gregárias ou massificadoras de comportamento. Esta tendência pode levar a uma consciência fanática.

Subestima o homem simples. Suas explicações são mágicas. É frágil na discussão dos problemas. O ingênuo parte do princípio que sabe tudo.

Pretende ganhar a discussão com argumentos frágeis. É polêmico, não pretende esclarecer. Sua discussão é feita mais de emocionalidades de que de criticidades: não procura a verdade; trata de impô-la e procurar meios históricos para convencer com suas idéias. É curioso ver como os ouvintes se deixam levar pela manha, pelos gestos e pelo palavreado. Trata de brigar mais, para ganhar mais. Tem forte conteúdo passional.

Pode cair no fanatismo ou sectarismo. Apresenta fortes compreensões mágicas. Diz que a realidade é estática e não mutável.

Daí cabe, neste instante, também buscar em Bracht (2000, p. 18) alguns

esclarecimentos que faz quanto ao seu entendimento de esporte na escola e que

reforçam a consciência ingênua do Presidente do COB:

No meu entender o esporte na escola, ou seja, o esporte enquanto atividade escolar só tem sentido se integrado ao projeto pedagógico desta escola. Como conseqüência é necessário analisar o quadro das concepções pedagógicas e fazer opções. É preciso analisar o tipo de educação possível a partir de cada uma das manifestações do esporte, integrando estas análises discursiva e praticamente na concepção pedagógica eleita. Assim, a realização de uma pedagogia crítica24 em EF está condicionada por aquilo que acontece na escola como um todo, e muito provavelmente apresentará os avanços e as contradições deste contexto.

Vale também reportar-se a Kunz (1989, pp. 63, 64) quando fala que

pretende:

...acrescentar algo mais às muitas críticas, já efetuadas em nosso meio, pela subordinação da Educação Física escolar aos códigos, sentidos e normas das instituições esportivas extra-escolares. O estátus quase que ontológico que este esporte vem recebendo na escola e seu sentido/significado no contexto da Educação dos indivíduos (papel da escola) carecem ainda de maiores análises, para que a imagem de Homem/Mundo, subjacente à sua concepção teórico-prática, se torne realmente transparente a todos.

É sempre bom lembrar, para reforçar a crítica a este modelo de esporte

proposto por Nuzman em seu discurso, que nesta época ainda não havia

24 Estou entendendo por Pedagogia Crítica uma vertente da pedagogia que tem como perspectiva a transformação da sociedade capitalista. Ver a respeito: Saviani (1983) e Silva (1999).

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acontecido o escândalo dos Jogos Pan-americanos. A ESPN apresentou

reportagens denominadas de Brasil Olímpico25, uma candidatura passada a limpo,

sobre os desmandos e corrupção acontecidos nos Jogos Pan-americanos de

2007, sob o comando de Nuzman e sua equipe.

Esse pequeno passeio foi para mostrar, na linha do tempo que, com as

críticas que os pensadores fizeram, e fazem, à forma em que o esporte estava

sendo usado nas escolas, com o aval dos governos (federal, estaduais e

municipais), houve uma transformação que pelo visto ficou somente no nome do

evento, mas, na realidade, continuaram enquadrados nos mesmos

questionamentos de Santin e não conseguiram ressonância social.

Cabe esclarecer que a crítica não é contra o esporte e sim à condução de

como são utilizados argumentos para mascarar suas intenções. Valter Bracht

(2000) foi um dos pioneiros a acompanhar Santin nestas críticas, e serve de apoio

a isto em seu texto Esporte na Escola e Esporte de Rendimento, em que faz

questão de esclarecer os equívocos/mal entendidos causados por suas críticas.

Em seu EQUÍVOCO/MAL ENTENDIDO 1, Bracht (2000, p. 16) fala o seguinte:

Quem critica o esporte é contra o esporte. Criticar o esporte ficou sendo entendido como uma manifestação de alguém que é contrário ao esporte no sentido lato. Com isso criou-se uma visão maniqueísta: ou se é a favor, ou se é contra o esporte. A EF foi dividida por este raciocínio tosco, entre aqueles que são contra, de um lado, e aqueles que são a favor do esporte, de outro.

Com essas premissas, outros autores começam também a se posicionar,

apresentando alternativas e demonstrando interesse em trazer o debate para o

campo das idéias e de esclarecimentos. Nesta linha, Assis (2001, p.16)

argumenta que as críticas dirigidas ao esporte podem ser resumidas em duas

dimensões que não se excluem e se articulam:

A primeira dimensão diz respeito a essa relação de exclusividade (sem espaço para outros temas), primazia (prioridade quanto ao tempo e à organização do espaço) ou hierarquia (outros temas tratados em função dele) na organização nas aulas de educação física. A segunda dimensão da crítica diz respeito à função do esporte na escola, sustentando-se, por um lado, na idéia de que o esporte que acontece na escola está a serviço da instituição esportiva, na revelação de atletas, constituindo-se na base da pirâmide esportiva e, por outro lado, na dimensão axiológica, nos valores que ele transmite, perpassa e constrói. A escola, por meio da educação física, estaria assumindo os códigos, sentidos e valores da instituição esportiva.

25 http://espnbrasil.terra.com.br/brasilolimpico

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Isto reafirma a forma em que Bracht se refere ao esclarecer seus

equívocos/mal entendidos.

Para colocar mais lenha na fogueira e demonstrar a atemporalidade das

críticas de Bracht, no dia 7 de junho de 200926, saiu uma notícia em que a equipe

sub 18 do Corinthians foi eliminada de torneio na Espanha. E o fair play onde

está? Frisando: meninos com menos de 18 anos. O fato nos remete a um dos

para-textos de Bracht (2000, p. 20) em que ele se cita um inusitado diálogo escrito

por Larécio, na Seção de humor da Revista Corpo e Movimento, (APEF/SP, 1984,

n.3, p.38):

Os jogos escolares servem para a fraternidade! Para a socialização dos participantes! Para a prática salutar das atividades gimnodesportivas! Para a Educação, enfim...

Seu Diretor, a sua escola participa dos Jogos Escolares?

Claro! Somos uma instituição educacional.

E quais foram os resultados educacionais da participação do seu colégio?

Duas medalhas de ouro, cinco de prata, três terceiros lugares, e o nosso time de basquete tava massacrando o inimigo quando foi desclassificado por um juiz ladrão.

Ah!!!

O caso do Corinthians merece ser destacado, porque em recente trabalho

de dissertação de mestrado, Campestrini (2009, p. 129), apresenta pesquisa feita

nos 16 maiores clubes do Brasil, entre eles o Corinthians, sobre a

responsabilidade social na formação de atletas. Além da entrevista foi feita uma

visita técnica aos centros de formação de atletas destas equipes. Em sua

pesquisa, com entrevista estruturada aos coordenadores da base, aborda a

questão dos valores disseminados pelos clubes. Neste trabalho foi solicitado a

cada representante o Código de Ética (ou Conduta) do Clube; Balanço Social;

Código que Estabeleça as Diretrizes do Departamento de Formação e

Organograma funcional do Clube. Campestrini (2009, p. 135) constatou que

nenhum clube apresenta um código de ética formal, mas afirmaram,

informalmente, que tratam destes assuntos enfatizando somente o combate à

violência e os valores gerais do desporto apresentando desconhecimento do

combate ao racismo e às drogas, a honra aos princípios do futebol e

principalmente ao Fair Play.

26 http://esportes.terra.com.br/interna/0,,OI3811234-EI2011,00-Corinthians+e+expulso+de+torneio+na+Espanha.html

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Vejamos o que Campestrini (2009, p. 140) apurou na tabulação dos

dados de sua pesquisa referente a estes valores:

Procurou-se ainda, neste tópico, enfrentar a questão do Fair Play (ou Jogo Limpo), estabelecido pela FIFA, que apresenta uma série de recomendações quanto aos valores e princípios que devem ser observados no contexto do futebol, dentro e fora do campo de jogo. Foi possível notar que o conhecimento acerca do Fair Play, para os 85% que afirmaram conhecê-lo, se limita a associação com o respeito aos valores gerais do desporto e ao combate à violência, ignorando-se as demais propostas do texto da FIFA que abrange aspectos como o combate ao racismo, a honra aos princípios do futebol e o combate às drogas. A grande incidência de respostas sobre os “valores gerais do desporto” e o “combate à violência” podem ter razão em função do discurso midiático, que enaltece e associa constantemente as normas do Fair Play a ambos.

Em função destes dados e a relação do que aconteceu na Espanha cabe

aludir o descompasso entre o discurso e a prática dos valores atuais do esporte e

a necessidade de trazer à tona a discussão dos valores éticos e morais.

Outro autor que também contribui para esta discussão é Manoel Sérgio.

Em seu livro Algumas teses sobre o desporto, ele levanta aspectos históricos e

traça paralelos em relação aos fatos acontecidos naquela época e agora. Sérgio

(2007, p. 15) comenta sobre a violência que já se apresentava na antiguidade em

que guardas e seguranças se perfilavam para proteger os espectadores de

quaisquer desavenças entre eles. Sua afirmativa sobre a questão da violência

continua dizendo que foram incontáveis os fenômenos acontecidos. O autor (p.

16) declara que o desporto deixou de ser uma preparação para a guerra e tornar-

se um ato pedagógico e a revolução esportiva acontece fruto da revolução

industrial, sendo as Public Schools responsáveis por esta transformação. Porém

seu questionamento sobre isto é de tentar entender quando o esporte transforma-

se contra-poder. Segundo ele é que é muito difícil de escapar da reificação que

surgem a serviço do Ter e do Poder que é propiciado pelos resultados que o

desporto traz em função do alcance que tem como fenômeno social. Isto é fácil de

constatar, basta verificar nas finais de campeonatos, nos jogos das seleções o

volume de torcedores que se pré-dispõem a organizarem-se em grupos para ir ao

estádio ou assistir pela TV os jogos de seus times.

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4. A SÍNTESE DAS DUAS PROPOSTAS

4.1. O QUE É A TRANSFORMAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA DO ESPORTE?

Diante do histórico das décadas de 60, 70 e 80 o quadro que se

apresentava era de desencontros, fruto da tensão entre duas correntes da

educação física, que segundo Ghiraldelli Jr. (1980) caracterizavam-se, uma nas

tendências Tecnicistas e a outra nas tendências Progressistas. O clima nos

eventos científicos sempre era muito aquecido por conta destes embates. Kunz

(1994, p. 6) chama este momento como “pessimismo teórico” graças a produção

de trabalhos de tendência crítica e em 1991, foram registrados pela Revista

Brasileira de Ciências do Esporte 8 livros vinculados à tendência progressista da

Educação Física (p. 11).

Esta preocupação de Kunz se vincula em buscar alternativas, que ele

chama de “otimismo prático” (p. 6) para fazer frente ao “pessimismo teórico”. Sua

preocupação estava no tempo em que já havia passado, mais de uma década,

em discussões sem que se apresentassem propostas teórico-práticas no âmbito

da realidade concreta, no “o-quê-fazer” diário do professor de educação física na

escola.

Em sua obra, o autor apresenta suas idéias divididas em 6 partes. Nota-

se que sua atenção está voltada primeiramente em garantir que a proposta tenha

as características fundadas em suas críticas ao modelo vigente até então

desenvolvido na educação física. Na primeira parte ele aborda o tema

apresentado sua visão de Pedagogia Crítico-Emancipatória e uma Didática

Comunicativa na Educação Física. Em seguida apresenta um Excurso sobre o

esporte em que debate os principais problemas nos quais estão mergulhadas as

críticas que a ala progressista usa como aríete para justificar suas pretensões de

transformações. Adiante, no terceiro capítulo, ele relaciona este Fenômeno

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Esportivo na realidade do “fazer” diário da realidade educacional. No quarto

capítulo faz uma imersão demonstrando seu entendimento do estudo do

movimento humano. Em frente, na próxima etapa do livro, fala sobre os interesses

da educação física no ensino do movimento. Por fim lança suas Reflexões

Didáticas a Partir de Práticas Concretas, concluindo com a sua Utopia Concreta.

Para darmos início ao que Kunz vai propor, ou seja, a forma em que vai

sustentar a sua justificativa, ele faz um levantamento histórico das propostas que

tem estas prerrogativas, isto é, propostas que contenham alternativas que

atendam a demanda desta perspectiva que vai ao encontro de uma pedagogia

crítico-emancipatória.

Seu primeiro ponto de alusão está na legislação, como fonte usa a

legislação emitida pelo MEC em 1980, que proibia o ensino dos esportes sob a

forma de iniciação à competição cabendo somente a alunos da 5ª série ou com

mais de 10 anos. Em contrapartida surgia um modelo vindo como solução, mas

vinha de outros países, não era uma solução desenvolvida por nossa capacidade

de resolver problemas e sim como forma de adaptar a solução. Era o movimento

da Psicomotricidade, que também sofria as críticas quanto a sua funcionalidade e

utilização. Porém o ponto fulcral da questão permanecia em aberto: O quê fazer?

Em 1991, Kunz lança idéias em sua obra Educação Física: Ensino e

Mudanças, que podiam atender esta demanda, surgem propostas que vão ao

encontro do caminho da problematização do ensino, cabe aqui referendar com as

palavras de Ruben Alves (2007, p. 24), já citado neste trabalho, falou que o

pensamento começa a acontecer quando nos deparamos com um problema para

resolver. Com isto dá-se o primeiro passo para uma pedagogia crítico-

emancipatória, ou seja, não se prescreve a solução, oferece-se o problema para

ser resolvido, na medida em que se encontra a solução se aprende a pensar,

busca-se a solução por meio de análise crítica da situação. Resumindo, tem-se a

emancipação por resolver problemas que se antepõem.

Corroborando com esta tendência, em que o momento é de apresentar

saídas para as críticas até então tecidas nas obras publicadas, também em 1991,

o autor cita que são publicadas duas obras: Concepções Abertas no Ensino da

Educação Física de Hildebrandt e Laging; e Metodologia do Ensino da Educação

Física, elaborado por um Coletivo de Autores. Na primeira obra os autores

sugerem que o ensino dos esportes leve em consideração as experiências

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anteriores dos alunos e o impacto destas experiências no ensino, e se existe

sentido na proposta para que seja incorporado à realidade de mundo do aluno.

Mas deixa em aberto a continuidade do ensino. Na segunda obra os autores

buscam a contextualização histórico-cultural de prática social do esporte da

comunidade que o pratica, mas segundo Kunz (1994, p. 20) o Coletivo de Autores

não deixam claro que conhecimentos são necessários aos alunos para que

possam criticar o esporte e entende-lo no que se relaciona aos valores e normas

sociais e culturais.

Após o levantamento das obras, as quais o autor acredita abrir caminho

para pavimentar suas contribuições, em seu entendimento, faz-se necessário

buscar as referências de alguns conceitos (p. 22) que vão servir de baldrame para

sua proposta. Seu primeiro apoio será um passeio indo da Teoria Crítica à Teoria

Instrumental. Neste momento do texto fala da influência dos grandes eventos

esportivos sobre a Cultura do Movimento, tornando-a refém dos modelos que a

mídia incorpora como sendo o padrão. Sua análise direciona-se para as

possibilidades pedagógicas deste jeito de fazer esporte. Seu reforço para tal,

resgata os conceitos básicos dos Princípios da Sobrepujança e das Comparações

Objetivas que culminam nos processos de Selecionamento, de Especialização

Precoce e de Instrumentalização. Aspectos que os professores de educação

física lançam mão para lastrear seus conteúdos, objetivos e métodos de ensino

dos esportes.

Em seu esforço de exemplificar sua constatação o autor (p. 22) diz que:

Em qualquer situação, em que o esporte é praticado e independente dos motivos que levam a esta prática, seja pelo lazer, rendimento ou enquanto Educação Física Escolar, a tendência é pela normatização e padronização destas práticas, impedindo assim, que um horizonte de outras possibilidades de movimentos possam ser realizados. Isto coíbe, inclusive, uma participação mais subjetiva dos indivíduos nas práticas do esporte.

A subtração dos horizontes aliada a subtração das possibilidades

subjetivas faz com que o praticante, torne-se um “mero executor de ordens” a

serviço da ciência (esta com caráter positivista) e seus defensores e adeptos,

quer sejam professores ou os próprios cientistas.

Esta percepção leva o autor aos conceitos da Teoria Crítica da Escola de

Frankfurt. Neste sentido em que os conceitos de esporte são internalizados por

parte da sociedade, as indústrias cultural e do esporte são as mediadoras destes

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conceitos/mensagens e direcionam para a alienação do Homem. Citados

anteriormente, Adorno e Horckheimer, lançam este conceito de indústria cultural e

a sua forma de atuação e descrevem como se dá a opressão provocada pela

forma alienante em que as sociedades industriais agem para conservar as

relações sociais. Nesta instância a Teoria Crítica fornece elementos para que os

alunos sejam capazes de se desenvolver graças a seus interesses, desejos e

necessidades (p. 24).

Quanto a Teoria Instrumental, servirá como mecanismo de alimentação

de um processo que deverá levar o aluno, conforme esclarece Kunz (p.28)

apoiado em Brodtman e Trebels (1979), a:

1) Ter a capacidade de saber se colocar no lugar na situação de outros participantes no esporte, especialmente daqueles que não possuem aquelas “devidas” competências ou habilidades para a modalidade em questão;

2) Ser capaz de visualizar componentes sociais que influenciam todas as ações socioculturais no campo esportivo (a mercadorização do esporte, por exemplo);

3) Saber questionar o verdadeiro sentido do esporte e por intermédio desta visão crítica poder avaliá-lo.

Ele conclui seu pensamento relatando a necessidade de transitar neste

caminho que vai da Teoria Crítica à Teoria Instrumental, dizendo que (p. 28) o

ensino do esporte deve se apoiar nos dois aspectos:

O aspecto da Teoria Crítica em que os pressupostos teóricos com base em critérios de uma ciência humana e social, sem ser positivista ou tecnológica, formam os alicerces do conhecimento para um agir racional-comunicativo; O aspecto da Teoria Instrumental que deve fornecer os elementos específicos de uma pedagogia crítico-emancipatória nas suas seqüências e procedimentos regrados.

A continuação de seus pressupostos dirige-se para um aprofundamento

de seu entender da Pedagogia Crítico-emancipatória e a relação desta com a

Didática Comunicativa. Segundo o autor a didática deve fundamentar a função do

esclarecimento e da prevalência racional de todo o agir educacional.

Como conceito de Didática Comunicativa Kunz (p, 30) acessa os estudos

de Habermas, outro representante da Escola de Frankfurt, para dizer que “o aluno

enquanto sujeito do processo de ensino deve ser capacitado para sua vida social,

cultural e esportiva, o que significa não somente a aquisição de uma capacidade

de ação funcional”. Sua percepção de ensino (didática) tem a pretensão e de ir

muito mais além do que repetir gestos técnicos esportivos, o autor quer que o

aluno tenha a “capacidade de conhecer, reconhecer e problematizar sentidos e

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significados nesta vida, por meio da reflexão crítica”. Esta capacidade deve ser o

objeto de trabalho do professor, e este é o espaço para o qual os anos de estudo

que lhe precederam para a atuação profissional o deveriam ter preparado.

Entender que este processo de desenvolver a competência comunicativa

não é fruto de geração espontânea, isto é, não ocorre por si só, faz parte desta

proposta da didática crítico-emancipatória. Neste sentido Kunz (p. 30) afirma que

“a capacidade comunicativa não é algo dado, mas deve ser desenvolvida”.

Todo este cuidado com a ação educativa tem a incumbência de levar o

aluno a emancipar-se de maneira crítica perante o mundo que lhe aparece e para

que possa entendê-lo de forma esclarecida é necessária a intervenção a qual o

autor se refere que precisa de desenvolvimento.

Para clarear suas idéias Kunz recorre a Kant para definir que:

Esclarecimento é a saída à libertação do homem de seu estado de menoridade intelectual voluntária. Menoridade intelectual é esta falta de poder ou de capacidade do homem para agir racionalmente sem ajuda ou orientação de alguém. E ela é voluntária (autoimposta) quando motivos desta menoridade não estão na ausência da razão, mas na falta de determinação e coragem em utilizar a razão, sem a intervenção norteadora de uma outra pessoa. Kant (1783, p. 9).

A preguiça e a covardia, causas de auto-imposição por parte do homem no estado de menoridade, permitem a produção de privilegiamentos de „tutores‟ e de todos aqueles que assumirem a realização de alta vigilância sobre os que não alcançaram a maioridade. (...) é tão cômodo permanecer na menoridade.

Este momento da obra mostra que a conjugação destas duas ciências

pedagogia e didática, cada uma com suas responsabilidades, terá um papel

decisivo na condução da transformação do esporte. A pedagogia vai apontar para

„o quê/quais‟ conteúdos devem ser usados e que precisam ser trabalhados e „o

porquê‟ deles fazerem parte do conjunto de conhecimentos necessários para que

se possa cumprir a promessa de ser o caminho de um processo crítico e que

possibilitará a emancipação. Do educando27 entender que as perguntas são parte

de um problema que precisa ser resolvido e este problema passa ser a ignição do

pensamento em busca da solução. Ao entender como se percorre este caminho o

aprendiz descobre sua capacidade de abstração e expande sua mente para um

novo patamar e desta forma jamais será a mesma. O conhecimento adquirido

desta forma é permanente e apreendido.

27 Vou utilizar a expressão educando em vez de aluno por dois motivos: primeiro porque aluno significa sem luz, e nisto eu não acredito e segundo que não se ensina nada a ninguém, as pessoas aprendem e apreendem aquilo que lhes interessa.

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Se de um lado temos a pedagogia que vai dizer „o quê/quais‟ e „o porquê‟,

por outro lado temos a didática que vai dizer „o como‟, „o quando‟ e „a quem‟

devemos dirigir nosso auxílio, como professores, nesta troca relacional de ensino-

aprendizagem as quais propõem transformações e não mudanças. As

transformações levam em consideração o mundo vivido. As mudanças

desconsideram estas experiências e dão a entender que tudo o que foi feito

estava errado. Cabe um ditado como parênteses nesta frase, “um relógio, mesmo

parado, duas vezes por dia está correto”. Talvez a principal preocupação, neste

sentido, seja elevar o aprendiz a um estado de pensamento em que possa evitar

a figura do tutor intelectual, o qual o autor se refere (p. 31). A liberdade não

apenas física, mas, sobretudo, intelectual.

Por este caminho, Kunz vai encaminhando sua teoria para a busca da

emancipação e esclarecimento como proposta de uma transição social, embora

no início da obra ele mesmo reconheça que não será uma disciplina, no caso a

educação física, a responsável por isto e sim um conjunto fatores, aí sim,

inclusive a educação física, que passa por uma reorganização do processo

educacional (p. 33). A transição social a qual ele se refere é a passagem do

estado inicial para um estado final. As características do estado inicial são a „falsa

consciência‟ e „existência sem liberdade‟ e no estado final os agentes estarão

livres da „falsa consciência‟ e da „auto-imposição‟ da „existência sem liberdade‟, ou

seja, eles foram emancipados.

Para tal, o autor (1994, p. 32) faz uma reflexão sobre estes termos, „falsa

consciência‟ e „existência sem liberdade‟ em diz: “é notório que o esporte, para

ser praticado nos padrões e princípios do alto rendimento, requer exigências que

cada vez menos pessoas conseguem dar conta, mesmo assim ele é o modelo

que todos querem seguir”. Como exemplo de reforço, a rede Globo apresenta no

programa Fantástico, exibido aos domingos à noite (20:30h), um bloco no

momento do esporte, em que transmite os gols da rodada de domingo dos

campeonatos de todo o país, chamado „Bola Murcha‟ e „Bola Cheia‟, com vídeos

enviados pelos telespectadores em que mostram as peripécias dos amigos. Estes

vídeos são motivos de desdobramentos nos programas seguintes, já produzidos

pela emissora, os quais tentam reproduzir a imagem que gerou o título „Bola

cheia‟ ou „Bola murcha‟. Estas produções são analisadas por celebridades dos

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esportes que votam e os mais votados vão se classificando para uma disputa

final.

Com isto, a “falsa consciência” vai reforçando o modelo do alto

rendimento e impedindo que se perceba a “coerção auto-imposta” por este tipo de

mensagem (quase que subliminar), que acaba levando a „existência sem

liberdade‟. Deve-se este fato, mais pela inibição de não conseguir executar os

gestos nos padrões impostos do que pela vontade de tentar fazer sem incorrer na

comparação objetiva e na citação de ser um „Bola murcha‟.

Neste ponto surgem algumas dúvidas no que tange ao „como agir‟.

Novamente sua busca encontra guarida na Teoria Crítica, mais especificamente

no conceito de auto-reflexão, em que o próprio autor comenta que se trata de uma

„débil saída‟. Esta saída (p. 33) a qual o autor se refere foi encontrada em

Habermas, que “prevê que uma emancipação só será possível quando os

agentes sociais pelo esclarecimento, reconhecerem a origem e os determinantes

da dominação e da alienação”. Agora a pergunta se encaixa melhor: Afinal a

serviço do que ou de quem estamos?

Para induzir a auto-reflexão é necessário que o professor mostre aos

aprendizes que não é necessário ninguém tutoria-los e sim “devem lutar contra a

„falsa consciência e ilusões objetivas‟ do esporte” (p. 34).

Dando encaminhamento a sua proposta de pedagogia crítico-

emancipatória, Kunz (p. 35) associa ao que chama de trabalho produtivo, que

podemos traduzir como o que seria a prática simples e pura, sem a auto-reflexão

(neste ponto é que vamos convergir com a associação do outro método que será

estudado mais a frente, o TGFU e terá seu espaço próprio neste estudo), a

interação social e a linguagem.

No trabalho produtivo o autor faz uma menção de que já está

sistematizado e organizado, porém faz uma ressalva tratando-o como um aspecto

“fechado”, mas sua proposta começa então a tomar forma com a integração de

dois novos elementos a interação social e a linguagem. Para a manutenção dos

relacionamentos sociais é necessário competências de um agir solidário por parte

dos integrantes do grupo e suas relações educando-educando, professor-

educando e educando-professor as quais dependem de habilidades e

comportamentos de um agir democrático e que atenda os anseios do grupo,

começam a surgir a necessidade de acrescentar valores a esta ação tais como

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solidariedade, ética, urbanidade, cultura, diversão, alegria, cidadania e saberes

modernos28. Evoluindo, estas ações para que possam ser efetivadas necessitam

de um elemento que as faça veicular, ou seja, transitar pelas relações

estabelecidas no grupo, este elemento é a linguagem. Ela, a linguagem, é que vai

fazer o que Kunz, citando Habermas, chame de “mediação simbólica nas ações

comunicativas” que só é possível com pelo menos dois agentes em busca de

entendimentos racionais (p. 35). Com isto ele se refere a Mayer (1987) para

escrever (p. 35) que:

É a competência lingüística que nos permite pensar sobre Deus e o Mundo, como sobre nós mesmos. Neste sentido, é pela interação e linguagem que o conhecimento técnico, cultural e social do esporte é compreendido sem ser “imposto” de fora, e na sua “transformação didática” devem ser respeitados os conteúdos do “mundo vivido” dos participantes para que as condições de um entendimento racional, que se dá ao nível comunicativo da intersubjetividade, possa ser alcançado. Esta interação e linguagem na estrutura comunicativa da educação, não devem se concentrar apenas sobre o conteúdo informativo do treinamento das habilidades ao esporte, mas, principalmente, sobre as formas de relacionamento social entre os participantes.

Sua hipótese é que o processo, calcado nas três categorias, Trabalho,

Interação e Linguagem, deve desenvolver três competências: Objetiva, Social e

Comunicativa. Este é o cerne de sua teoria.

A Categoria Trabalho serve como via que concentra os conteúdos da

prática que irá auxiliar na busca das atividades que serão apresentadas aos

alunos, ou seja, os jogos, as habilidades, a busca das experiências do mundo

vivido, equipamentos, espaços a serem desenvolvidas para atingir a competência

objetiva.

Quanto a isto, Kunz (p. 36) subdivide as categorias em três aspectos:

Conteúdos, Método e Objetivos. O aspecto dos conteúdos nesta categoria,

TRABALHO: é “ter acesso a conhecimentos e informações de relevância e

sentido para a aquisição de habilidades ao esporte de acordo com o contexto”. No

aspecto do método nesta categoria significa “possibilitar o acesso a estratégias de

aprendizagem, técnica, habilidades específicas e de capacidades físicas”. Por fim,

no aspecto dos objetivos seu alcance será “capacitar para o mundo dos esportes,

movimentos e jogos de forma efetiva e autônoma com vistas à vida futura

relacionado ao lazer e tempo livre”.

28 Preconizados por Delors em estudo feito para a UNICEF.

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Na Categoria INTERAÇÃO, nesta divisão, o aspecto dos Conteúdos é “ter

acesso a relações esportivo-culturais, vinculadas à cultura do movimento do

contexto social”. Quanto ao aspecto do Método está vinculado à “capacitação do

sujeito para assumir conscientemente papeis sociais e a possibilidade de

reconhecer a inerente necessidade de se-movimentar”. Em último, o aspecto dos

Objetivos sua proposição é propor aos sujeitos a possibilidade de se “capacitarem

para um agir solidário, cooperativo e participativo”.

Na outra Categoria proposta, LINGUAGEM, o aspecto dos Conteúdos fica

por conta da possibilidade dos sujeitos “terem acesso a conteúdos simbólicos e

lingüísticos que transcendem o contexto esportivo”. O aspecto do Método deve

“aperfeiçoar as relações de entendimento de forma racional e organizada”.

Encerrando seu quadro, o autor escreve que o aspecto dos Objetivos tem

“desenvolver capacidades criativas, explorativas, além da capacidade de discernir

e julgar de forma crítica”.

A conjunção das três categorias dosadas de maneira correta é o segredo

para que se possa manter-se nesta proposta crítico-emancipatória.

Para o fechamento desta proposta o encaminhamento deve levar em

consideração o que na realidade o esporte pode representar e sua alternativa

preconiza que não deve ser um ensino “fechado” para não concentrar somente

em habilidades técnicas e nem “aberto” para atender os interesses dos alunos,

que, por suas explanações, não são reais.

Quanto às competências, a Objetiva deve buscar o saber-fazer, apontar

alternativas de problematização que levem o educando a subsidiar suas tomadas

de decisão, quer no jogo, quer na sua vida, no tempo livre e também no esporte.

A competência Social, o saber-conviver, segundo Kunz (p. 38), deve

encaminhar o sujeito para os conhecimentos e esclarecimentos para que entenda

os valores que devem existir no meio social e que podem ser trabalhados neste

espaço que podem ser: Solidariedade, Ética, Cidadania, Urbanidade entre outros

temas escolhidos e discutidos pelo grupo.

Kunz guarda uma atenção especial à competência Comunicativa. O

desenvolvimento desta competência não se dá apenas na comunicação verbal,

existem outras formas de se comunicar. “As crianças, especialmente, comunicam-

se muito pelo seu se-movimentar, pela linguagem do movimento” (p. 39), acredita

que, para uma educação crítico-emancipatória, saber entender e comunicar-se

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leva ao pensamento crítico. A sua sugestão é que não deve, na Educação física,

se ater somente à comunicação dos movimentos e sim a da fala, diz ele que se

“fala muito pouco nas aulas de Educação Física”. Sua crítica é que comenta-se

que a conversa limita a atividade e que deve ser essencialmente de movimentos.

Porém se a intenção é trazer à tona problemas sociais e culturais como pode ser

feito sem a comunicação? Para reforçar esta proposta de Kunz pode-se citar o

que Freire (1983, p. 115) escreve:

“Ainda quando um grupo de indivíduos não chegue a expressar concretamente uma temática geradora, o que pode parecer inexistência de temas, sugere, pelo contrário, a existência de um tema dramático: o tema do silêncio”.

Somente evitando o “tema do silêncio” é que podemos atingir uma

posição capaz de enfrentar os problemas, e é nisto que Kunz acredita e reforça

com as palavras de Merleau-Ponty ao citá-lo, dizendo que “é no próprio exercício

da palavra que se aprende a compreender”.

Para melhor assimilar esta proposta é necessário que se entenda a

evolução da Educação Física e suas consequências no dia-a-dia do professor.

Isto em função do entendimento das concepções de Ser Humano/Criança e

concomitantemente, Corpo e Movimento, também as concepções de

Sociedade/Mundo e suas relações com Cultura/Cultura do Movimento, Educação

e Saúde (p. 100), Kunz abarca estes entendimentos e considera quatro

concepções para a Educação Física: Biológico-funcional, Formativo-recreativa,

Técnico-esportiva e Crítico-emancipatória. Nesta última se enquadra seu trabalho.

Cada uma delas com suas características e fundamentos. Sua convicção é que o

objeto central do trabalho pedagógico da Educação Física Escolar é o Movimento

Humano. Ao se cuidar somente do movimento caminha-se para a

instrumentalização.

Para se trabalhar um esporte didático-pedagogicamente transformado na

perspectiva crítico-emancipatória é preciso, segundo Kunz, identificar o se-

movimentar de cada modalidade esportiva. Num segundo momento sua proposta

deve ir ao encontro das características físicas e técnicas dos alunos sem perder,

contudo, as características da modalidade esportiva em si. Noutro momento

buscar outros sentidos para a prática como elemento de reflexão, e enquadrar

esta práxis, nas categorias trabalho, interação e linguagem.

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Sendo o movimento humano o objeto de trabalho da Educação Física

Escolar, o educando deve ser o centro deste processo, sendo o centro as ações e

reflexões devem ocorrer com a sua participação. Com isto posto segue-se para o

atendimento ao educando com a proposição da aula que sofrem as

transformações necessárias que são o arranjo material, a transcendência de

limites pela experimentação, transcendência de limites pela aprendizagem,

transcendência de limites criando novas formas de fazer. O autor (p. 120) afirma

que “o mais importante nesta transformação, é que enquanto o significado dos

movimentos esportivos permanece, o sentido individual e coletivo muda”. Esta

mudança no sentido deve ser percebida e refletida para que possa vislumbrar as

possibilidades que se apresentam. Uma destas possibilidades é não depender do

talento individual para atuar em uma atividade coletiva. Uma preocupação do

autor (p. 122) é que esta abordagem não seja levada e nem confundida para o

ensino das modalidades pelos “exercícios educativos” e sim que se descubra os

elementos significativos de cada modalidade por este desenvolver as atividades.

4.2. O QUE É TGFU – ENSINAR OS JOGOS PELA COMPREENSÃO

O interesse nesta abordagem surgiu após a tradução que fiz do livro

Rethinking Games Teaching, em 2006, organizado por David Bunker, Rod Thorpe

e Len Almond. Trata-se de um livro29 disponível no sítio www.tgfu.org e conta com

15 artigos que foram agrupados e reforçaram o método. Para compor os 15

artigos, colaboraram com os três organizadores Lesley Burrows, Sarah Doolitle e

Margaret Ellis. O livro conta como surgiu esta proposta e alternativas para

implantá-la, segundo o livro a história começa com três professores do

Loughborough Colege, Allen Wade, Eric Worthington e Stan Wigmore eram da

equipe de Educação Física. Dos 3 dois já tinham experiência em futebol, Allen

Wade já havia escrito um livro sobre treinamento de futebol: “The Football

Association: guide to training and coaching”, em 1967 e Eric Worthington havia

jogado no futebol profissional por 12 anos.

29 http://www.tgfu.org/articles/PHED%20RETHINKING%20GAMES.pdf, disponível em 14/08/2006.

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Os três professores do Departamento de Educação Física e Ciência do

Esporte estavam preocupados com a forma de ensinar os jogos, inclusive Allen

Wade, que havia escrito um guia com as premissas de um ensino tradicional, ou

seja, com sessões enfáticas nos gestos motores, no desenvolvimento de

habilidades precisas com vistas ao rendimento.

A chegada de David Bunker e Rod Thorpe trouxe à equipe, ou staff como

eles se referem, uma reoxigenação por conta de uma proposta de trabalho deles

que considerasse os benefícios e a condição dos pequenos jogos, trabalhados na

grade curricular da Educação Física. Ambos perceberam que as abordagens que

enfatizam os gestos técnicos e os mais habilidosos:

conduziram a) A uma grande porcentagem das crianças a conseguir pouco

sucesso devido à ênfase no desempenho, isto é “fazendo”; b) A maioria dos aprendizes a “saber” muito pouco sobre jogos; c) A produção de jogadores supostamente “habilidosos” que de fato

possuem técnicas inflexíveis e uma capacidade pobre de tomada de decisão;

d) Ao desenvolvimento de “atletas” dependentes do professor/técnico;

e) A uma falha para desenvolver espectadores “pensantes” e administradores “com conhecimento” numa época em que os jogos (e o esporte) são formas importantes do entretenimento na indústria do lazer (p. 7).

Por outro lado, a preocupação era quanto ao tempo gasto com o ensino

dos gestos técnicos com a espera de respostas motoras estereotipadas oriundas

do esporte de rendimento as quais a maioria das crianças não conseguia fazer e

que pouca atenção era dada ao método de ensino dos jogos, isto é, se gastava

muito com os jogos e não se pensava como seria a melhor maneira de ensinar os

jogos.

Sendo assim, eles perceberam que deveriam partir do educando como o

centro do processo, de suas condições e interesses e apresentar, na forma de

problemas a serem resolvidos e não mostrar as respostas prontas, isto

contextualizando o jogo.

Com isto, criam um ciclo que começa com o jogo, isto é, que vai ser

jogado, passa pela apreciação deste jogo, a consciência tática, as tomadas de

decisões, as habilidades de execução e o desempenho.

Descrevendo as seis partes que formam este ciclo, temos por primeiro a

Forma do jogo. Os autores, Thorpe e Bunker (1986, p. 7), apresentam condições

que são necessárias para que o jogo possa acontecer que são o espaço onde vai

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ocorrer o jogo, os equipamentos que estarão disponíveis, as pessoas que irão

participar podendo-se acrescentar a estes elementos o tempo que poderá ser

utilizado para que se desenvolva a atividade. É preciso ter alguns cuidados para

que os problemas tenham relação com a capacidade dos educandos de resolver

os problemas apresentados.

Num segundo momento ocorre um tempo, que os autores chamam de

Apreciação do Jogo, no qual as crianças devem pensar em como o jogo é jogado,

vão se adaptando as regras e às possibilidades proporcionadas por elas,

começam a entender o que precisa ser feito para atingir o objetivo do jogo e quais

são as dificuldades, as regras vão dar ao jogo a sua forma e características. As

regras vão mostrar os limites de tempo e espaço e quais habilidades serão

necessárias para poder dar conta das principais tarefas do jogo: atacar e defender

a meta do jogo. As regras também propiciaram os participantes a pensarem em

alternativas para conseguir atingir estas duas principais tarefas a de defesa e de

ataque, isto proporcionará a oportunidade que implica na organização em equipe,

as táticas.

A tática está presente na terceira etapa deste ciclo, que é a Consciência

Tática. Uma convicção dos autores (p. 11) é “que uma grande parte do prazer

envolvido em jogar jogos reside nas tomadas de decisões corretas à luz da

consciência tática, e isto leva a uma abordagem do ensino dos jogos pela

compreensão”. Esta etapa da abordagem tem que contemplar o entendimento

dos grandes espaços da quadra ou campo, como ocupa-los, quais as funções que

os ocupantes destes espaços têm que desenvolver, quais as relações entre estas

funções, as maneiras de criar e negar espaços, a manutenção do objeto que tem

que atingir a meta, no caso dos jogos de invasão, e mais adiante será

apresentado um quadro com a classificação dos jogos.

Os participantes começam a entender as fraquezas e as forças das

equipes e qual a maneira de enfrentá-las, desta forma o encaminhamento natural

desta abordagem conduz para a outra fase que é a Tomada de Decisão.

Na Tomada de Decisão, os educandos começam a entender que eles têm

apenas frações de segundos para decidir “o que fazer?” e “o como fazer?” e como

isto está relacionado ao tempo têm a terceira opção: “o quando fazer?”.

O que fazer é uma tarefa vinculada à consciência tática, pois segundo os

autores (p. 9):

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Decidir o que fazer em cada situação tem que ser avaliado e assim a habilidade de reconhecer as sugestões (que envolvem processos da atenção, da redundância da sugestão, da percepção seletivas etc.) e predizer quais os resultados possíveis (que envolvem antecipação de diversos tipos) é necessário.

Neste sentido a percepção está vinculada à própria dinâmica do jogo, o

contexto em que ocorre a decisão requer que haja o entendimento da tática e

levará o educando ao outro ponto “como fazer?”.

O “como fazer?” leva em conta a necessidade de algumas habilidades

para por em prática o “o que fazer?”, e mais outras como o tempo e o espaço, por

exemplo. Estes fatores associados a outros, são os elementos para o julgamento

da tomada de decisão que levará à seleção do ato eleito, um passe, um chute ou

arremesso à meta, uma finta ou drible, enfim um decisão tomada em que são

considerados uma série de itens, numa pequena fração de segundos.

Nesta etapa, os autores já apresentam a etapa seguinte, ao explicarem o

“como fazer?”, que é a Habilidade de Execução. Esta deve surgir naturalmente e

por conta da consciência de que algo precisa ser feito. Importante frisar que até

chegar a esta etapa não se cogita a questão de respostas motoras com

perfeições técnicas dos gestos estereotipados e também não se cogita direcionar

para isto e sim que o aluno perceba a necessidade por si só, tendo o professor

como um “instigador” da ação, do tipo, tente, vá e faça, experimente, veja o que

pode acontecer, ouse, enfim, um apoiador das decisões dos alunos,

evidentemente que dentro do contexto de sua proposta didático-pedagógica.

Também cabe lembrar que todo o processo o educando é o foco, portanto é dele

que deve partir a “curiosidade”, vamos chamar assim, de querer ir além, de

“transcender limites” como propõe Kunz.

No fim deste ciclo encontra-se o Desempenho. No meu entendimento

este desempenho não é aquele preconizado pelo esporte que aqui já foi discutido

e criticado e sim como uma forma de verificação do comportamento do educando

com a conduta anterior, se houve modificações de condutas e atitudes. Os

critérios para esta avaliação não devem ir no sentido contrário da proposta, por

exemplo, se o aluno sabe fazer o gesto com eficiência.

Ao chegar nesta fase do ciclo tanto o educando quanto o professor tem

que perceber que um novo ciclo recomeça, como se fosse a rosca de um

parafuso, a cada volta da porca ela se movimenta em relação ao eixo, portanto ao

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completar os 360° tem se a impressão que, numa dimensão ela volta ao ponto de

partida, mas na outra pode-se perceber que houve avanço num formato

espiralado.

Para exemplificar, abaixo o esquema proposto pelos autores:

Bunker e Thorpe (p. 11) dizem que:

Esta abordagem não aceita o fato das táticas esperarem o desenvolvimento de sofisticadas habilidades, mas entende que os jogos são organizados sobre táticas e que as regras e os equipamentos devem ser modificados para assegurar que todas as crianças ganhem discernimento nos jogos em que participam.

Esta proposta de ensino, assim como a de Kunz, baseia-se na crítica à

prática que é adotada pelos professores que estruturam os conteúdos não só no

domínio da técnica perfeita, mas também no modelo de esporte que encaminha

ao rendimento. Os autores perceberam que as aulas podiam ir mais do que

simplesmente na parte inicial de aquecimento, a parte principal com sessões

massivas de ensino das técnicas de um esporte eleito e no final um “joguinho”

como apêndice da aula.

Esta prática de estruturação de uma sessão de atividade física não está

somente nas aulas de Educação Física Escolar, em treinamentos de clubes e

escolinhas também. Os técnicos fazem sessões cansativas as voltas com um

fundamento específico e quando vão colocar em prática esquecem de “combinar”

com seus atletas.

1 - JOGO

6 - DESEMPENHO

3- CONSCIÊNCIA TÁTICA

5 – HABILIDADE DE EXECUÇÃO

EDUCANDO

2 – APRECIAÇÃO JOGO

4 - TOMANDO AS DECISÕES APROPRIADAS

O que fazer?

Como Fazer?

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Quanto a isto, os autores chegam a um questionamento interessante (p.

11)

Em seu pior aspecto esta estrutura tem conduzido a uma sessão introdutória desconexa com o que vem a seguir, isto é, uma parte técnica, a qual é vista como essencial pelo professor, mas não pelos alunos, e a um jogo que é impróprio à habilidade de muitas das crianças. O professor vê com freqüência o ensino da técnica enquanto parte crítica da lição e certamente as listas de habilidades são apresentadas, semana após semana, para ser checada e avaliada em uma avaliação do desempenho das crianças. Naturalmente, há professores que perceberam que, para muitas crianças, as técnicas são de pouco valor e perceberam, também, que deixar as crianças compreender o jogo somente para observar que elas mesmas, parecem apreciar mais com menos interferência do professor. Se isto for assim, então o que o professor ensina?

A convicção tem que estar no fato de que ao eleger esta forma de

trabalho o professor parte de propostas que podem ser desenvolvidas com os

educandos no caminho da criação de jogos, que podem e devem ter semelhanças

com as modalidades hegemônicas (basquete, futebol, futsal, vôlei), mas terão

características sugeridas pelos alunos a partir daí, parece não haver dúvida que

trabalhar desta forma assegurará a apreciação do jogo e a consciência tática, e

dá oportunidades para uma tomada de decisão forte. A técnica não é

negligenciada, mas surge sempre do jogo, como uma necessidade percebida

pelos próprios alunos e não ser ela a parte principal do processo. Deve-se frisar

que, segundo Thorpe (p. 23),

uma das vantagens principais desta abordagem é essa porque o foco principal está na consciência tática e na tomada de decisão, todas as crianças, independentemente da habilidade física, podem praticar com as regras completas na aprendizagem dos jogos. Todas as vezes que retornarem à quadra para resolver um problema irão bater muitas bolas e eu sugeriria como resultado que elas se tornassem mais habilidosas no sentido verdadeiro da palavra.

Outro fato que se deve ter em mente é que a aula não pode ser voltada

somente para os “melhores jogadores da classe”, estes terão suas necessidades

supridas em clube ou escolinhas o foco deve estar num jogo que possibilite a

participação de todos e isto irá melhorar a capacidade da tomada de decisão e

provavelmente um desempenho mais hábil.

Além da apresentação do método, no livro os autores contam as

dificuldades de implantar, da desconfiança do novo, deixar velhos hábitos, os

quais dão segurança ao professor. Bunker e Thorpe dizem (p. 26) que

O principal problema era que esta estrutura rígida conduzia a um „conteúdo‟ baseado não na „criança‟, mas sim na abordagem. Alguns

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professores, por terem uma pequena idéia de como desenvolver um jogo, temiam que outros pudessem vê-los como se estivessem ensinando qualquer coisa que não tivesse importância a menos que fossem vistos concentrando-se na fase da habilidade.

Os autores mostram outro ponto (p. 26) que está enraizado na

abordagem tradicional e presente em histórias como as que foram contadas aqui,

dizem os eles que:

Em seu extremo, esta obsessão com a técnica conduziu a muitos proporem que alguns esportes, por exemplo, o hockey de campo, não poderia ser jogado (mesmo com 11 anos) até que a prática extensiva permitisse assegurar a competência nas habilidades. Encontra-se por este meio um problema: algumas crianças nunca conseguirão esta competência, assim será negado a elas o prazer de jogar hockey?

Além de negar este prazer, que Kunz (1994, p. 121) também menciona

como uma vivência possível no saltar ou como ele diz “sentir-se solto no espaço”,

os autores tentam em seu “repensar” uma libertação destes conceitos. Neste

artigo em que propõem uma reflexão no ensino dos jogos demonstram que sua

tarefa é de apresentar uma nova abordagem para ensinar jogos que está baseada

na promessa de que os professores podem ajudar as crianças a “compreender”

os jogos e com isto reduzir a importância de ensinar as técnicas em situações

estritamente controladas, descontextualizadas e totalmente previsíveis. Neste

sentido a alegria e a satisfação dos jogos estarão abertas para as crianças de

todas as habilidades.

Bunker e Thorpe (p. 26) acreditam que

Simplesmente se as crianças não „compreenderem' o jogo não podem selecionar respostas apropriadas e assim vão seguir as instruções prescritas, que lhes dizem o que fazer para uma situação dada, mas se esta ocorrer, os elementos interessantes dos jogos serão perdidos.

Com isto pode-se dizer que o prazer do jogo está nas tomadas de

decisões que ocorrem a todo o instante devido a própria dinâmica do jogo.

Assim, a proposta vai sendo desenvolvida e para um melhor

entendimento surgem exemplos de aplicação que reforçam a idéia da

problematização como alternativa para a compreensão do jogo com isto os

autores (p. 28) afirmam que com o ensino dos jogos pela compreensão:

1. O jogo foi colocado de volta como o foco da aula. (O jogo). 2. A importância da reflexão sobre as regras para garantir que os

alunos entenderam o que estão tentando fazer foi reforçado. (Apreciação do Jogo).

3. Crianças menos capazes fisicamente podem jogar o jogo e ter tantas oportunidades nas aulas quanto os seus colegas mais capazes fisicamente, por exemplo: ele pode ser uma criança

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menos capaz e saber a importância de "negar espaço" para um atacante (Consciência táctica). Introduzir às crianças vocabulário, conceitos e táticas em jogos simples que elas possam compreender, no primeiro encontro deles em vez de situações mais complexas. Imagine a ingenuidade infantil no primeiro encontro, a idéia de "manter a posse de bola", num jogo de futebol. Como eles irão entender este conceito?

4. As crianças são incentivadas a tomar suas próprias decisões sobre o que fazer, quando e como fazê-lo e elas compreendem o porquê. (Tomada de decisão).

5. As crianças estão autorizadas a utilizar as habilidades inatas na aula para dar resposta aos problemas definidos pelo jogo. Eles usam habilidades de que se podem fazer, e são ajudados para desenvolver habilidades novas somente quando vêem a necessidade. (Habilidade de execução).

6. A habilidade física „absoluta‟ da criança não é vital para incorporar domínio „tático‟ dos jogos (Desempenho).

Na continuação da proposta de ensino dos jogos pela compreensão, outro

autor do trabalho, Len Almond propõe uma metodologia para a criação dos jogos,

isto é algo pensado por quem vai participar da atividade e que terá como tarefa

planejá-la, o que a torna realmente propriedade de quem está participando.

Almond (p. 60) diz que:

A preocupação com a equipe principal da escola tem restringido a reflexão e nos afastado de tal maneira que temos dado aos nossos alunos pouca oportunidade de conceber e desenvolver os seus próprios jogos. Isto é uma pena porque as oportunidades educacionais de criar jogos são enormes. Pode fornecer-nos um ambiente potencial em que os alunos podem:

1. Construir um jogo que é deles, alguma coisa que eles têm feito e criado.

2. Descobrir por si mesmos que regras são importantes e para qual propósito servem.

3. Estar envolvidos em sua própria aprendizagem. 4. Compartilhar suas idéias e trabalho cooperativo. 5. Comunicar e explicar como seu jogo foi desenvolvido. 6. Ensinar outras pessoas, incluindo o professor.

O autor explica que precisa de alguns cuidados, começar com uma

orientação em relação ao espaço, aos equipamentos, aos participantes e

consequentemente ao tempo para evitar divagações que acabam tomando um

tempo desnecessário, assim os estudantes aos poucos vão se familiarizando com

a idéia de criar jogos até que se torne uma tarefa corrente e permita entenderem

com mais profundidade quais os problemas são possíveis levantar com a criação

dos jogos.

Ao proporem esta fase, a de criação dos jogos, naturalmente se deparam

com a necessidade de classificar os jogos por características semelhantes, então

a tarefa coube Margareth Ellis e Len Almond que foram os responsáveis por esta

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parte do estudo sendo Ellis a precursora. A primeira ideia é apresentada conforme

o quadro abaixo:

Adaptado de Margareth Ellis – 1983

Nas discussões seguintes, com mais abrangência e alguns cuidados,

chegaram a classificação apresentada na figura 2. Para além desta classificação,

Len Almond (p. 66) nos leva a reflexão sobre as normas de como os jogos

acontecem. Este estudo que ele busca para explicar esta dinâmica está presente

nas regras e é este espaço que usará para explicar que entendimento as regras

dão aos jogos. Trata-as de Regras Primárias e Regras Secundárias.

As regras primárias darão o formato do jogo e o caracterizarão fazendo

com que um esporte não seja confundido com outro, para isto Almond (p. 66)

entende que:

Jogos e esportes são baseados em problemas que parecem, em certa

medida, arbitrários. Os meios para resolver os problemas que nem sempre são os

mais eficazes e eficientes, assim, no golfe os problemas apresentados pelo jogo

poderiam ser resolvidos de forma mais eficaz se diferentes meios fossem

aprovados, por exemplo: poderíamos rolar com a mão a bola no buraco, no

entanto, a essência que traz alegria e satisfação, seria falta para muita gente. Do

mesmo modo, seria mais fácil de marcar um gol no futebol se pudéssemos jogar a

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bola na rede com a mão, mas isso não seria futebol - alguém chamou este jogo

de Handebol.

Adaptado de Margareth Ellis – 1983

Nas regras primárias são preservadas as maneiras de jogar um

determinado tipo de jogo e como se alcança a vitória e nas regras primárias são

as regras que vão aumentando o grau de dificuldade para resolver o problema,

por exemplo, os 24 segundos no basquete, o tie break no vôlei, a linha pontilhada

no handebol, o impedimento no futebol, a 5ª falta no futsal.

Entender as regras primárias e secundárias oferece ao professor e ao

educando ferramentas para melhor planejar e criar jogos, assim como também

modificá-los para que atendam as necessidades daqueles para os quais a tarefa

se dirige. Neste sentido Margareth Ellis, como um próximo passo, propõe a

modificação dos jogos como elemento de planejamento para resolver problemas

que poderão ser levantados com o grupo.

Está pode ser a etapa em que necessite de um maior conhecimento

porque é nela que se pode definir o grau de dificuldade se quer dar para a equipe

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ou grupo de educandos. Ellis (p. 70) arrola alguns itens para que este

planejamento atenda as suas necessidades, são eles:

1. Fornecer equipamentos mais adequados para jovens, pequenos jogadores.

2. Fornecer jogos mais apropriados e áreas de meta. 3. Proporcionar um ambiente seguro para aprender e jogar. 4. Proporcionar o máximo de oportunidades de praticar os

elementos técnicos do jogo. 5. Ajuda o desenvolvimento da capacidade de jogar através da

consciência tática. 6. Aumentar a oportunidade para a cooperação e o trabalho de

equipe. 7. Proporcionar mais oportunidades de sucesso e reconhecimento

de realização 8. Tornar o jogo menos extenuante. 9. Acelerar o jogo. 10. Reduzir a dominação de um jogo por um jogador de capacidade

ou físico. 11. Reduzir o domínio de jogo por um aspecto específico. 12. Garantir uma maior compreensão do jogo total.

Este caminho a percorrer ou objetivos a serem atingidos e o grau que o

professor quer atingir vai depender de seu conhecimento e sua determinação de

estudar o assunto, sua experiência conta e muito para isto. Embora a autora se

refira à crianças, mas esta modificação também pode e deve ser usada com

adultos.

Thorpe, Bunker e Almond (p. 71) para encerrar o trabalho apresentaram

quatro elementos fundamentais que norteiam a prática do planejamento para se

trabalhar com esta abordagem: amostragem, modificação – representação,

modificação - exagero e complexidade tática. A dúvida dos autores é quanto a

serem questionado: Isto dá certo? Na época eles não tinham certeza e deixaram

um convite a todos para que se juntassem a eles com o intuito de estudar,

questionar, mensurar a atitude, coletar dados, entrevistar e medir o desempenho

apoiado por adequadas técnicas de pesquisa.

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5. EXEMPLOS PRÁTICOS

Neste capítulo o objetivo é apresentar uma abordagem para ensinar jogos

que se baseia na promessa de poder auxiliar as crianças a “compreender” os

jogos e com isto reduzir, excluir ou até mesmo encontrar um momento em que

elas próprias percebam a necessidade de questionar a presença de conteúdos

que contenham o ensino das técnicas em situações estritamente controladas,

previsíveis e estáveis. Com isto a alegria e a satisfação de ensinar e aprender os

jogos estarão abertas para as crianças de todas as habilidades. Outras

possibilidades que se abrem ao fazer a desconstrução do esporte é poder

também trabalhar outros valores como autonomia/heteronomia, desenvolvimento

moral, a função das regras, a cooperação, a tolerância entre outros.

Como a proposta passa pela compreensão é preciso, uma desconstrução

do esporte para possa encontrar-se com o jogo. Isto percorre uma trilha que

busca a visão de entender a historicidade da modalidade em questão (basquete,

futebol, handebol etc.). Claude Bayer (1994, pp. 31-32) traça um paralelo entre os

esportes modernos e outros esportes que eram praticados na antiguidade como

forma de aproximar o antigo do moderno e, de certa forma, mostrar que tudo se

transforma ou como diria Chacrinha30 nada se cria tudo se copia. No quadro

abaixo uma adaptação dos esportes arrolados por ele:

FORMA ANTIGA FORMA ATUAL

Kemari (Japão) Futebol

Pok ta Pok (Incas) Basquetebol

Harpastron (Antiga Gália) Râguebi

Follis (Antiga Gália) Voleibol

Soule (França) Hóquei no Gelo

Hazena (Tcheca) Handebol

30 José Abelardo Barbosa de Medeiros - Apresentador de auditório nas décadas de 50 a 80, falecido em 30 de julho de 1988.

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Bayer (1996, p. 32) ressalta que, independente da época, do significado,

da popularidade estes jogos apresentavam como denominadores comuns um

objeto esférico, um terreno demarcado, um alvo, os parceiros, os adversários que

devem ser vencidos e as regras.

Sobre as regras vou apoiar-me em uma frase que é atribuída a John

Keneth Galbraith, um economista famoso: “Há uma espécie de santidade

exclusiva naquilo em que há muito tempo se acredita.” E é em função desta

santidade exclusiva que esta frase é citada. Nos esportes pode-se dizer que

também ocorre o mesmo com as regras, há uma espécie de santidade exclusiva e

tem-se a impressão de não poder mudá-las, parece que sempre foi assim. Temos

a impressão de sermos heterônomos em relação a elas. Neste sentido, a

proposta da desconstrução do esporte, a qual enseja o início deste capítulo, é

transcender justamente este estado de heteronomia e buscar a autonomia e o

começo desta proposta pode iniciar por aí.

Se para se criar um jogo são necessários quatro elementos: espaço;

equipamentos; pessoas; e tempo. A conjunção deles vai fornecer os elementos

para a criação das regras, comecemos pelo espaço. Entender a quadra ou campo

de jogo é uma forma de elaborar questionamentos com o intuito de propor um

exercício mental que analise este espaço, porque foi concebido com aqueles

elementos da quadra, as linhas de demarcação, por exemplo, porque existe o

garrafão no basquete?, a linha de 3 no voleibol? A meia lua na grande área do

futebol?, qual a relação entre as medidas?, como se constrói uma quadra?, que

conhecimentos são necessários?, vamos construir uma quadra para o nosso

jogo?, que material vamos usar?, como será que os antigos faziam para construir

sua quadra?.

Da mesma forma com os equipamentos levantar questões que levem as

crianças a pensar na tecnologia necessária para o desenvolvimento de um

equipamento a ser utilizado num jogo. Por meio da evolução dos equipamentos

existentes, por exemplo, do cesto de pêssego ao aro retrátil no basquete, das

roupas de algodão à pele de tubarão nos nadadores, dos tênis antigos aos tênis

modernos, da bola com material natural a bola com produtos sintéticos, das

pistolas de partida no atletismo aos modernos equipamentos de medição do

tempo e distâncias. A partir deste exercício fazer com que pensem como poderia

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ser o jogo criado por elas se houvesse uma aderência de milhões de pessoas a

praticá-lo.

Tendo como elementos da problematização o espaço e os equipamentos,

vamos para as pessoas, podemos chamar de terceiro elemento e o principal

motivo do jogo acontecer. O problema pode começar pela proporção área por

pessoa, ou seja, a “densidade demográfica” por esporte. Como exemplificação

prática pode-se utilizar algumas modalidades para buscar esta proporção, a

quadra de basquete mede 28 m de comprimento por 15 m de largura e jogam 10

pessoas, a de voleibol mede 9 m X 18m e jogam 12 pessoas, a de handebol e de

futsal mede 40 m por 20 e jogam 14 e 10 pessoas respectivamente, o futebol

precisa de 105 m X 68 m e jogam 22 pessoas, o Tênis em duplas se joga numa

quadra de 23,77 m de comprimento por 10,97 m de largura e o simples no mesmo

comprimento por 8,23 m de largura, o hóquei é jogado numa quadra de 40 m X 20

m com 10 atletas. No quadro abaixo um resumo das modalidades, as dimensões

dos espaços de jogo, número de pessoas que jogam e a área disponível em

metros quadrados por pessoa.

Estas medidas podem ser um indício para problematizar a utilização de

espaço público, por exemplo. Comparar o espaço da quadra da escola com o

número de alunos e justificar a importância de pensar em todo o grupo. Uma

discussão para o aproveitamento de espaço de uma praça no bairro,

investimentos em áreas de lazer entre outras possibilidades de reflexão.

MODALIDADE COMP

(m) LARG

(m) PESSOAS

ÁREA (m²)

m²/pessoa DURAÇÃO

DA PARTIDA

TEMPO COM BOLA**

1 Voleibol 18 9 12 162,00 13,50 Indef.

2 Basquete 28 15 10 420,00 42,00 40 4,00

3 Handebol 40 20 14 800,00 57,14 60 4,29

4 Tênis (duplas) 23,77 10,97 4 260,76 65,19 Indef.

5 Futsal 40 20 10 800,00 80,00 40 4,00

6 Hóquei 40 20 10 800,00 80,00 50 5,00

7 Tênis (simples) 23,77 8,23 2 195,63 97,81 Indef.

8 Futebol 105 68 22 7.140,00 324,55 90 4,09

** Tempo médio de posse de bola por pessoa

A seguir a discussão deve ser em relação ao tempo disponível para se

jogar, a importância da comunicação para que o grupo desenvolva os

mecanismos de organização interna, de consenso e de interação. Apresentar um

cálculo sobre o tempo de médio de posse de bola e perguntar a que conclusão se

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pode chegar com base neste resultado, isto é, a maior parte do jogo um

participante fica sem a bola, o que é possível fazer durante o jogo sem a bola?,

como pode ajudar a equipe quando estamos de posse de bola?, e quando

estamos sem a posse da bola?, qual a importância de entender o tempo do jogo?,

qual a relação de espaço e tempo? Todos são questionamentos possíveis que

devem aguçar a curiosidade dos educandos fazendo com que estes

problemas/questionamentos levantados induzam o pensamento no caminho do

entendimento e valorização do ato da compreensão.

Para incrementar a discussão sobre as regras e sua influência na

formação moral da criança Menin (1996, p. 43), usa como referência o livro “O

julgamento moral da criança” de Piaget, em que o autor descreve uma pesquisa

que realizou com crianças a respeito de Regras de um jogo, para apresentar as

duas situações constatadas: a prática e a consciência das regras. A prática, diz a

autora, é o modo como as crianças usam as mesmas para si e para os outros na

situação de jogo. Segundo a autora (p. 44) Piaget apontou 4 estágios de acordo

com a idade: Simples práticas regulares e individuais (até 3 anos); imitação dos

maiores com egocentrismo (de 3 a 6 anos); cooperação (de 7 a 10 anos);

interesse pela regra em si mesma (acima de 11 anos).

Quanto à consciência das regras, continua Menin (p. 44-45), Piaget

chamou a compreensão que as crianças têm das mesmas: o que elas são, para

que servem, da onde vêm, quem as faz, se podem ser mudadas...

Desta vez cita três estágios: não consciência das regras como algo

obrigatório (até 3 anos); regras vistas como sagradas, de origem externa ao grupo

e imutáveis (de 3 a 9 anos); e regras vistas como combinações racionais que o

grupo constrói para si em benefícios de todos.

Podemos ver que a construção das regras, sua prática e consciência têm

um espaço que pode ser explorado no sentido de desenvolver outros valores

como a autonomia. Quanto ao terceiro estágio a autora diz:

Finalmente, aparece o terceiro estágio de consciência das regras: as crianças passam a considerá-las como algo elaborado pelo grupo e que serve na medida em que foi combinado por todos; consideram que é importante obedecer a regra, não porque ela é sagrada, mas porque com ela é possível todos jogarem em iguais condições. Para elas as regras podem ser modificadas desde que todo o grupo veja necessidade disso e chegue a um acordo sobre a nova regra. É nessa fase que a regra passa a ser fruto de sua atividade racional e social: há razões, no jogo, para cada regra e para que uma seja melhor que a outra, e as regras servem para todos e vêm de todos!

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Com a discussão e criação das regras a partir da desconstrução do que

está posto a continuação do processo e a reconstrução e Pedro Demo usa a

expressão “aprendizagem reconstrutiva política” para estas possibilidades em que

o ato de aprender vem de dentro. Como estamos abordando a educação em um

contexto crítico-emancipatório é possível citar Demo (2003) que explica que:

Etimologicamente, educar provém de “e-ducere” (latim) e quer dizer “retirar de dentro”. Paulo Freire, ao colocar sua intuição soberba da “politicidade” da educação, sugeria: o bom educador é aquele que influencia seu aluno de tal modo que o aluno não se deixe influenciar.

De fato, todo este processo em que se propõe o encontro da TDPE com o

TGFU o que está em jogo é a educação da criança/adolescente, esta

aprendizagem é reconstrutiva e é política em função do contexto que é gerado

buscando “extrair de dentro” o potencial que cada um carrega consigo. Esta

desconstrução/reconstrução das regras serve como um preparatório para a

prática propriamente dita e nos anexos tem dois textos que servem para este

momento como apoio a este processo. Um é o texto de Luis Fernando Veríssimo,

Futebol de Rua (anexo 1) que serve para ilustrar que aquela atividade, tão comum

na vida das crianças/adolescentes, principalmente os meninos, também possui

regras, o texto vai se organizando conforme um caderno de regras oficiais de uma

modalidade, porém narrado com o humor sempre inteligente, característico do

autor. O outro (anexo 2), é uma reportagem escrita pelo jornalista Marco Borba

relatando que Brincadeira de criança quer virar esporte oficial. No texto o

jornalista enfatiza que:

De acordo com Scavassa, 80% do que é aplicado na brincadeira de rua foi mantido nas disputas dos Jogos Escolares. Entre as poucas alterações estão o sistema de jogo e pontuação. Nos Jogos Escolares as disputas foram feitas em dois sets, com 50 arremessos cada um. Vencia a partida quem somava o maior número de pontos ao final dos dois sets. Quem iniciava o primeiro set no arremesso começava o segundo rebatendo. Na brincadeira tradicional define-se o limite de pontuação, no geral 20 pontos.

Trata como brincadeira, mas já dando um torque que vai ao desencontro

do jogo com o esporte, um começo pelo menos, já que 80% está preservado, mas

20% já vai para atender as necessidades da disputa.

Os dois textos citados acima (estão na íntegra nos anexos) servem para

uma reflexão de caminhos que seguem direções opostas, um toma o esporte e o

transforma em jogo e o outro pega o jogo e quer transformá-lo em esporte.

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Realmente podemos ver que a construção das regras, sua prática e

consciência oferece um espaço que pode ser explorado no sentido de

desenvolver outros valores, o sentido de trabalho em equipe, por exemplo,

entender que o fato da bola ser o objeto de desejo do jogo traz junto a

necessidade de entender quais estratégias tem que ser usadas para proteger a

manutenção da posse de bola. Bayer (1996, p. 47) chama de princípios

operacionais do jogo e apresenta um esquema para demonstrar isso:

ATAQUE DEFESA

Conservação da bola Recuperação da bola

Progressão dos jogadores e da bola

para a meta adversária

Impedir a progressão dos jogadores

e da bola para a minha própria meta

Atacar a meta adversária, atingir o

objetivo do jogo

Proteger a minha meta e o meu

campo

Outro exemplo, é que não basta um jogador apenas para fazer um gol,

um ponto, ou seja, atingir o objetivo do jogo, é necessário um trabalho em equipe

para operar esta ação, neste sentido Bunker e Thorpe (2006, p. 28) reafirmam

isto, mas alertam para o cuidado com a utilização de certos conceitos e o

entendimento deles pelas crianças e dizem que:

Crianças menos capazes fisicamente podem jogar o jogo e ter tantas oportunidades nas aulas quanto os seus colegas mais capazes fisicamente, por exemplo: ele pode ser uma criança menos capaz e saber a importância de "negar espaço" para um atacante (Consciência táctica). Introduzir às crianças vocabulário, conceitos e táticas em jogos simples que elas possam compreender, no primeiro encontro deles em vez de situações mais complexas. Imagine a ingenuidade infantil no primeiro encontro, a idéia de "manter a posse de bola", num jogo de futebol. Como eles irão entender este conceito?

Como afirmam os autores, estes conceitos propostos por Bayer devem

ser trabalhados numa linguagem que permita evoluir e que as crianças consigam

assimilá-los. Quanto aos cuidados da linguagem, Margaret Ellis (p. 55) sugere que

Às crianças mais novas, pode ser dada uma estrutura simples muito resumida com a qual começar o jogo proporcional com sua visão limitada dos jogos. Esta visão é devido a:

Falta da variedade de habilidades;

Habilidade técnica não desenvolvida;

Compreensão limitada do jogo tático;

Inabilidade para “ver” a necessidade das regras que não têm nenhum significado aparente.

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A adequação da linguagem, já apresentada anteriormente como elemento

da TDPE, ao grupo é essencial para o entrosamento, é pela linguagem que ocorre

a apreensão do processo e quanto mais se fala sobre o tema mais se oportuniza

a chance de internalizar o conceito. Este canal incentivado pelo professor deve

ser constantemente revisado para verificar o grau de entendimento por parte dos

educandos e, à medida que este vai sendo dominado, faz-se necessário o devido

ajuste para que se processe a evolução, aumentando paulatinamente a

dificuldade exigindo dos educandos um esforço para transcender seus limites.

Vimos que a linguagem é um ponto focal para o entrosamento e a

formação da equipe e que o resultado do jogo é fruto da articulação da equipe,

partimos agora para a organização da equipe, isto é como ela se organiza?

Antes um pouco da organização é necessário que a tarefa esteja clara a

todos encaixam-se aí os princípios operacionais do jogo, vimos que existe um

princípio que Bayer chama “Progressão dos jogadores e da bola para a meta

adversária”, este ligado evidentemente à equipe que ataca, os atacantes, que tem

a posse de bola, em contrapartida a este princípio existe o “Impedir a progressão

dos jogadores e da bola para a minha própria meta” para a equipe que está sem a

posse de bola, os defensores. Se existe uma progressão, existe um espaço e

vamos tratá-lo como “os grandes espaços da quadra/campo” e veremos logo

abaixo como representá-los graficamente:

Gráfico 1 – Espaços longitudinais.

Nestes gráficos podemos trabalhar os conceitos dos corredores (gráfico

1) de deslocamento na transição ataque/defesa ou defesa/ataque como espaços

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longitudinais e como espaços transversais (gráfico 2) as zonas da quadra que

queremos dominar, quadra inteira, ¾ de quadra, ½ quadra, ¼ de quadra. Com

estes elementos já introduzimos uma linguagem do jogo e apresentamos novos

elementos às crianças. Mostramos que não é possível estar em todos os lugares

e se somos uma equipe é necessário ocupar estes espaços utilizando todos os

componentes da equipe. Sendo assim vamos apresentar mais um elemento neste

universo do jogo que seria entender as funções de cada um na equipe. Entender

que cada função tem uma responsabilidade e que é interessante experimentar

todas as funções, pois cada uma tem características e visões diferentes do jogo,

por exemplo, um zagueiro que está de frente para toda a extensão do campo tem

uma característica e uma visão diferentes da de um lateral que tem um impeditivo

que a demarcação do campo.

Gráfico 2 – Espaços transversais

Com isto o professor pode propor às crianças para desenvolver jogos que

tenham que trabalhar estes novos conceitos do jogo e que as faça utilizarem esta

linguagem apresentada e analisada. Margareth Ellis (p. 59) afirma que

O processo de fazer e de dar forma aos jogos deve ser uma experiência compartilhada com o professor que abandona gradualmente o controle para permitir às crianças a oportunidade de dirigir sua própria aprendizagem. Isto é vital se as crianças quiserem ganhar a satisfação com a participação, e compreender o que estão fazendo e porque o

estão fazendo.

Kunz ao apresentar as Situações de Ensino (1994, p. 123) para sua

proposta sugere um roteiro que passa pelas “transcendências de limites” e é o

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que se almeja ao tratar nesta abordagem, quer pela experimentação, pela

aprendizagem ou criando/inventando outras formas de fazer o se-movimentar da

modalidade.

Ao entenderem os espaços e a necessidade de ocupá-los, ou seja, que

cada espaço precisa ser ocupado com alguém desempenhando funções

características para aquele pedaço da quadra/campo começa haver a também a

necessidade de uma relação entre as funções desempenhadas pelos

protagonistas do jogo, as crianças. Sendo assim, vamos usar um exemplo do

basquete: o objetivo do jogo é fazer a cesta, mas para que isto aconteça a equipe

deve tentar ocupar os grandes espaços da quadra, chegando o mais rápido

possível na cesta do adversário. A equipe precisa manter a posse de bola até

chegar ao ataque, fintar o adversário, arremessar a bola e acertar a cesta.

Aparentemente uma tarefa simples, mas existe uma equipe adversária que está

fazendo exatamente o contrário. Passa ser este o problema a ser resolvido pelas

crianças: como chegar ao ataque, como manter a posse de bola, como fazer a

cesta. São estas habilidades que compõem as variáveis que o professor terá que

usar para conduzir o processo de aprendizagem. À medida que este processo vai

avançando novos conceitos vão sendo introduzidos

Neste sentido, Merleau-Ponty31, citado por Claude Bayer (1996, p. 40) diz

que

“o campo de futebol… é percorrido por linhas de força, as linhas laterais, que limitam a sua superfície, articuladas em setores, por exemplo, os espaços entre os adversários, que originam um certo modo de ação desencadeando-a e dirigindo-a, como que sem conhecimento do jogador... Cada manobra empreendida pelo jogador modifica o aspecto do terreno e tende para novas linhas de força, onde a ação por sua vez desemboca e se realiza, alternando de novo o campo fenomenal”.

Traduzindo o pensamento acima, Bayer (1996, p. 40) explica que

Merleau-Ponty

Quer dizer que cada jogador se encontra confrontado com espaços dinâmicos funcionalmente reunidos entre eles, que se carregam dum sentido particular trazido por ele em função da evolução e do desenvolvimento do jogo e que vão condicionar a sua colocação e a sua situação no terreno, para poder agir.

Por este prisma, os espaços dinâmicos os quais Bayer se refere, ocorrem

num ambiente de jogo e de forma imprevisível e instável, ao contrário dos

31 Maurice Merleau-Ponty. La structure du comportement. pp. 228-229, P.U.F., 1942

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treinos/aulas altamente estruturadas apoiando-se pesadamente no ensino das

técnicas em que são trabalhos os fundamentos em que o ambiente é estável,

previsível e controlado pelo professor e pode-se ouvi-lo dizer: “faz de conta que o

cone é um adversário.” Porque fazer de conta se é possível trabalhar com os

próprios alunos a situação desejada.

Com isto a proposta de problematizar segue buscando as

imprevisibilidades e as instabilidades proporcionadas pelas tomadas de decisões

necessárias em todos os instantes de um jogo.

A seguir seguem exemplos de conceitos de situações de jogo e de

funções (tendo como referência o basquetebol) a serem apresentados aos

educandos nesta perspectiva de problematização com a busca da compreensão:

Linha de Passe: É uma linha imaginária que a bola irá descrever em uma possível trajetória, partindo do jogador que a detém até um companheiro de equipe. No jogo, cada vez que um jogador estiver com a bola ele terá quatro possíveis linhas de passe. Essa bola tem que percorrer uma linha reta. A linha do passe é de um jogador para o outro.

Linha de marcação - Linha reta, imaginária, que liga o atacante à cesta. Num jogo de basquete existem 5 linhas de marcação, uma para cada atacante.

Linha da Bola: É a linha imaginária que passa sobre a bola paralelamente a linha de fundo da quadra. Os jogadores dos corredores laterais devem estar sempre à frente da linha da bola quando ela estiver sob controle do jogador do centro.

Linha de flutuação é linha que divide ao meio (mediatriz) o ângulo formado pela linha de passe e linha de marcação.

Jogo de Transição é considerado jogo de transição o momento em que uma equipe passa da defesa para o ataque ou do ataque para a defesa. Diferencia-se do contra-ataque por tratar-se de uma movimentação organizada em que os atletas ocupam os três corredores da quadra e chegam à quadra de ataque de forma organizada para, em caso de não conseguirem converter a cesta no primeiro momento, começar alguma movimentação no ataque. A transição tem seu momento inicial com o rebote defensivo, o rebote é o marco zero da transição tanto para a defesa quanto para o ataque.

Jogadores, posições e funções32:

ARMADOR

A função do armador é parecida a do diretor em um filme, já que os armadores organizam as jogadas e dirigem o jogo na ofensiva. Como seu trabalho é fazer a bola chegar a seus companheiros na melhor posição possível para poder encestar, o armador é quase sempre o que melhor maneja e passa a bola de sua equipe. Os armadores também em muitas oportunidades são os jogadores mais baixos e os mais rápidos na equipe, e muitas vezes se lhes chama o "um".

32 Texto disponível em http://www.salesiano.com.br/media/apostila_de_basquete.pdf - Acessado em 2/5/2009.

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ARMADOR OU ESCOLTA

O escolta/armador lançador sempre tem a responsabilidade de encestar desde o perímetro e de converter pontos para sua equipe. Os escoltas/armadores lançadores geralmente são mais altos que os armadores, e geralmente tomam uma maior quantidade de lançamentos. A posição de escolta/armador lançador sempre é conhecida na quadra como o "2".

ALA/LATERAL

O Ala/Lateral tem a responsabilidade de ser uma sobressalente cestinha e um bom defensor. A versatilidade é quase sempre uma das grandes características de um bom Ala/Lateral já que tem que ser grandes para jogar perto da cesta, mas também o suficientemente rápidos para encestar desde o perímetro. Na quadra se os conhecem como os "3".

ALA/PIVÔ

Como sugere o nome, estes jogadores geralmente se destacam nos elementos mais físicos do jogo: rebotes e defesa. Eles são quase sempre os jogadores mais fortes da equipe. Os Alas/Pivôs são reconhecidos como os "4" na quadra, e também podem ser catalogados como os jogadores "que se movem perto da cesta", já que passam a maior quantidade de tempo na área perto da cesta.

PIVÔ OU CENTRO

O Pivô ou Centro é um jogador muito importante já que a equipe depende dele em ambas as tabelas. Na ofensiva, o pivô deve ter a capacidade de encestar perto da cesta, enquanto que na defesa, ele tem a responsabilidade de tomar os rebotes e bloquear lançamentos. O Pivô é quase sempre o jogador mais alto da equipe. Na quadra, se chama o Pivô de "5".

Outros conceitos que podem ser trabalhados na direção de desenvolver a

linguagem da modalidade, conforme exemplos abaixo:

Defesa Individual

É a responsabilidade que cada jogador tem quanto à proteção da bola, com ou sem sua posse, fazendo uso do corpo, visão periférica e princípios de cilindro e verticalidade. Observar o que fazer com calma, mantendo a bola parada e segura, sem dribles excessivos.

Defesa individual com ajuda - exercício

Um jogador pode fazer defesa individual ou contar com a ajuda de um outro jogador. Para isso, usamos as linhas de flutuação. Nessa aula, um jogador pode fazer a defesa individual, pressionando o atacante enquanto ele estivesse dentro da linha pontilhada; quando esse jogador recua procurando melhor posição para o passe, o defensor individual flutua entre as linhas de passe e de marcação, melhorando o espaço de defesa de sua equipe.

Corta-luz

Podemos considerar o corta-luz como um BLOQUEIO DE DEFESA. É a movimentação que um jogador atacante executa para “tirar” o jogador de

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defesa de cima da linha de marcação, abrindo espaço para a entrada de outro jogador e para o arremesso.

Exemplo de um exercício usando ¼ da quadra, um armador, um lateral e um pivô, com 3 situações:

1. O lateral fará o corta-luz no armador para que ele saia da marcação e faça o arremesso.

2. O armador fará o corta-luz no pivô para que este faça o arremesso.

3. O pivô fará o corta-luz no lateral para que este faça o arremesso.

Poste

Posição ocupada pelo pivô fixo, que, como sugere a palavra, mantém-se parado bem próximo á cesta, “segurando” a defesa, permitindo que o ala deixe seu marcador e receba a bola do armador.

Posicionamento de ataque

Os posicionamentos mais utilizados são 1-3-1, 1-4, dois pivôs do mesmo lado no fundo, dois pivôs do mesmo lado, um no fundo e outro na cabeça do garrafão, um pivô de cada lado no fundo.

PROTEÇÃO DA BOLA:

Principio de cilindro.

É o espaço na quadra que o jogador ocupa sendo representado por um “cilindro imaginário”, que parte verticalmente do solo e obedece a delimitação do corpo: na frente, palma das mãos, atrás, parte alta dos glúteos e ao lado, pelas laterais externas das pernas e braços (o jogador deverá afastar as pernas proporcionalmente a sua altura, visando o próprio equilíbrio).

Principio de verticalidade.

É o princípio que protege o jogador, por cima e por baixo, quando ele salta verticalmente dentro do seu “cilindro”.

O princípio da verticalidade é um dos mais importantes do basquetebol e não deve ser desprezado. De acordo com as regras, quando um jogador atacante salta, saindo do seu cilindro, e outro jogador de defesa também salta e o contato entre os dois acontece, o primeiro que “saiu” do seu espaço (cilindro) é o que cometeu falta. Nessa situação, é melhor não assinalar nada do que dar falta ao defensor, como acontece em muitos casos.

A pretensão ao avançar nesta reconstrução além de propor temas para

problematizar o ensino dos jogos vai ao encontro também de reforçar a forma de

ensinar no caminho do pensamento autônomo e a sua relação como o se-

movimentar da modalidade. Estes conceitos demonstrados acima são maneiras

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de como esta linguagem do esporte pode se adaptar ao ensino dos jogos na

conjugação das duas propostas.

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6. COMO É POSSÍVEL CONJUGAR AS DUAS PROPOSTAS

Quando Kunz apresenta as três categorias a serem trabalhadas faz

referências que o ensino na Educação Física Escolar tem que levar o aluno a

...compreender o esporte nos seus múltiplos sentidos e significados para nele poder agir com liberdade e autonomia, exige, além da capacidade objetiva de saber efetivamente praticar o esporte, ainda, a capacidade da interação social e comunicativa. O que implica em dizer que o esporte, na escola, não deve ser algo apenas para ser praticado, mas sim estudado. Afinal, para que se vai à escola? O que passa a ser uma exigência um pouco mais “pesada” do que a simples prática. (p. 34)

Com esta abertura dada, na capacidade objetiva, abre-se a possibilidade

de fazer a junção, ou a inserção do modelo de Ensino dos Jogos pela

Compreensão.

Como a crítica ao longo do trabalho é contra algumas formas de como se

ensina os jogos e o tema, pelo fato de tratar de uma relação de ensino-

aprendizagem, passa pelas questões pedagógicas podemos nos remeter a um

ambiente em que a busca do saber é intensa, ou deveria ser, trata-se, em

primeiro lugar de educação e de educandos que estão na escola, por princípios

pétreos de uma nação, é um dever Constitucional do Estado e um direito da

Criança de 7 a 14 anos o ensino fundamental e desenvolverem-se como pessoas,

como cidadãos. Quando Kunz propõe uma educação física crítico-emancipatória

é este o cenário que vislumbra, e em segundo de professores comprometidos

com esta busca do saber.

Voltando a capacidade objetiva, tanto a transformação didático-

pedagógica quanto o ensino dos jogos pela compreensão rebelam-se quanto à

forma de ensinar que se pautam no modelo em que o professor ou o método ou a

modalidade esportiva é o centro do processo e o professor é “grande dono da

verdade”, com aulas altamente estruturadas que inclinam-se pesadamente para o

ensino das técnicas. Em grande medida, esta aula é típico argumento de

autoridade, pois se mantém por conta da autoridade do professor, não por sua

necessidade didática (Demo, 2004).

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Com a proposta de conjugação dos dois modelos TDPE e TGFU ressalta-

se que os dois caminhos (o centrado na autoridade do professor e o centrado no

mundo vivido do educando) estão em direções opostas, Demo, 2004, usa duas

expressões que servem muito bem para ilustrar estes dois caminhos opostos:

argumento de autoridade e autoridade do argumento e seu texto diz que:

No primeiro, agimos de modo instrucionista, de fora para dentro, de cima para baixo, esperando que o aluno se submeta, se alinhe na condição de objeto, geralmente através das reações clássicas de escutar com toda atenção, tomar nota de tudo e devolver ipsis litteris na prova. No segundo, aparece o gesto autopoiético de dentro para fora, tipicamente reconstrutivo político, na condição de sujeito participativo, constituindo neste processo dinâmico, complexo não linear, sua autonomia histórica.

Neste sentido, a autoridade do argumento vai exatamente na pretensão

de Kunz para que o aluno seja o sujeito do processo de aprendizagem e também

no que entendem Bunker, Thorpe e Almond, ou seja o esporte não será apenas

ensinado, mas estudado. A linguagem dos conceitos (espaços da quadra,

funções, elementos da consciência tática etc.) que foi apresentada acima tem

como objetivo desenvolver não só o jogo, mas o conhecimento que permitirá

entender as estratégias dos jogos em geral e facilitando a compreensão da

consciência tática, tomada de decisão e principalmente o prazer de jogar.

Ainda no sentido de conjugar as duas propostas – TDPE e TGFU temos

espaço para resgatar o relatório para a UNESCO da Comissão Internacional

sobre Educação para o século XXI e trazer a hipótese que Delors (2006)

apresenta sobre os quatro pilares para a educação, que são:

Aprender a conhecer;

Aprender a fazer;

Aprender a viver juntos; e

Aprender a ser.

Esta relação entre as competências OBJETIVA, SOCIAL e

COMUNICATIVA, oriundas, respectivamente das categorias TRABALHO,

INTERAÇÃO e LINGUAGEM propostas por Kunz (1994) podem ser associadas

às preconizadas por Delors (2006), até por que existe uma sobreposição entre

elas, Competência Social relaciona-se com Aprender a viver juntos e

Competência Objetiva está associada à Aprender a Fazer. A visualização no

quadro a seguir facilita o entendimento:

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Kunz Delors

Aprender a conhecer

Aprender a ser

Competência Objetiva Aprender a fazer

Competência Social Aprender a viver juntos

Competência Comunicativa

Este quadro poderia ser completado e ficaria assim

Competência Cognitiva Aprender a conhecer

Competência Pessoal Aprender a ser

Competência Objetiva Aprender a fazer

Competência Social Aprender a viver juntos

Competência Comunicativa Aprender a comunicar

Delors (2004, pp. 101 e102) define

Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo da vida.

Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Mas também aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.

Aprender a viver juntos, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências – realizarem projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.

Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar na educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.

Trazer os pilares da educação para este tema reforça as possibilidades

de desenvolver o ensino dos jogos neste ambiente em que o esforço do professor

será alcançar estes saberes e conseqüentemente as competências que cada

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pessoa carrega como potencialidades possíveis de serem alcançadas num

ambiente cercado de desafios.

Ainda cabe uma citação de Delors (2006, pp. 97 e 98) em que se refere

ao Aprender a viver juntos e que no decorrer do texto vai desembocar num

exemplo de prática de esporte, embora Delors não se refira a qual tipo de esporte

está falando, mas reforça a proposta de Kunz no que tange à Categoria Interação

Social:

É de louvar a idéia de ensinar a não-violência na escola, mesmo que apenas constitua um instrumento, entre outros, para lutar contra os preconceitos geradores de conflitos. A tarefa é árdua porque, muito naturalmente, os seres humanos têm a tendência a supervalorizar as suas qualidades e as do grupo a que pertencem, e a alimentar preconceitos desfavoráveis em relação aos outros. Por outro lado, o clima geral de concorrência que caracteriza, atualmente, a atividade econômica no interior de cada país, e, sobretudo em nível internacional, tem tendência de dar prioridade ao espírito de competição e ao sucesso individual. De fato, esta competição resulta, atualmente, numa guerra econômica implacável e numa tensão entre os mais favorecidos e os pobres, que divide as nações do mundo e exacerba as rivalidades históricas. É de lamentar que a educação contribua, por vezes, para alimentar este clima, devido a uma má interpretação da idéia da emulação........ Graças à prática do desporto, por exemplo, quantas tensões entre classes sociais ou nacionalidades se transformaram, afinal, em solidariedade através da experiência e do prazer do esforço comum.

Com este resgate e unindo às propostas de Kunz, o texto de Delors

reforça o viés da pedagogia crítico-emancipatória e realça as competências que

hoje são necessárias e colocadas como desafio da educação para o século XXI.

O confronto através do diálogo e da troca de argumentos é um dos instrumentos

indispensáveis à educação do século XXI (Delors, 2004:98)

Reforçando e indo um pouco mais além da proposta de Kunz, podemos

dizer que a competência objetiva está relacionada ao saber fazer, a competência

social ao saber conviver, a competência comunicativa à linguagem e todas as

formas possíveis de comunicação, e que, segundo o autor (1994, p. 39), “as

crianças, especialmente, comunicam-se muito pelo seu se-movimentar, pela

linguagem do movimento”, ou seja, saber se comunicar, e isto demanda fazer-se

entender, agrupar pessoas em torno de uma idéia, produção escrita.

Para tal apresento uma adaptação a esta proposta em que as

competências estão associadas aos aprenderes:

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Aparecem neste esquema duas expressões utilizadas por Pedro Demo,

que são qualidade formal e qualidade política. Neste sentido Demo (2002, p. 6)

expressa seu entendimento de qualidade formal e qualidade política insertas

numa proposta em que:

... a base da educação escolar é a pesquisa, não a aula, ou o ambiente de socialização, ou a ambiência física, ou o mero contato professor aluno. Desde logo, para a pesquisa assumir este papel, precisa desbordar a competência formal forjada pelo conhecimento inovador, para alojar-se, com a mais absoluta naturalidade, na qualidade política também. Não basta a qualidade formal, marcada pela capacidade de inovar pelo conhecimento. É essencial não perder de vista que conhecimento é apenas meio, e que, para tornar-se educativo, carece ainda orientar-se pela ética dos fins e valores.

Traduzindo suas palavras vamos encontrar na qualidade formal a maneira

de inovar pelo conhecimento, desenvolvendo a competência cognitiva, e na

qualidade política a forma de uso da intervenção gerada pelo conhecimento

utilizado num sentido competente. Em suas palavras (p. 7), o autor define que:

A marca política não aparece apenas na presença inevitável da ideologia, mas, sobretudo, no processo de formação do sujeito crítico e criativo, que encontra no conhecimento a arma mais potente de inovação, para fazer e se fazer oportunidade histórica através dele. Neste sentido a cidadania que se elabora na escola não é por sua vez, qualquer uma. Pois é especificamente aquela que sabe fundar-se em

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conhecimento, primeiro para educar o conhecimento, e, segundo, para estabelecer com competência inequívoca uma sociedade ética, mais eqüitativa e solidária.

É esta visão do educando, das competências e aprenderes modernos que

devem estar contidos como compromisso fundamental da educação. O que não

deve estar contido neste conjunto é a falta de reconhecimento do outro e a

prescrição. Paulo Freire, (p. 34-35), a respeito da prescrição diz que:

Um dos elementos básicos na mediação opressores-oprimidos é a prescrição. Toda prescrição é a imposição da opção de uma consciência a outra. Daí, o sentido alienador das prescrições que transformam a consciência recebedora, no que vimos, chamando de consciência “hospedeira” da consciência opressora.

No ensino dos esportes em que o centro não é o educando, a prescrição

é uma atitude patente, é comum vermos um técnico na beira da quadra gritando

“Fulano chuta”, “Fulano marca”, “Fulano fecha o rebote” e se não faz do jeito dele

é xingado.

Na prática, já que a hipótese central é praticar o ensino dos jogos não

pela maçante repetição dos gestos motores específicos de cada esporte, mas sim

pela compreensão e entendimento da lógica em que ocorrem as estratégias de

jogar (cognitiva), pela interação social (social), pela linguagem (comunicativa),

pela capacidade de desenvolver as experiências subjetivas pessoais e coletivas

(pessoal) e também pelas habilidades pertinentes ao jogo (objetiva) temos neste

âmbito a prevalência de desafios para criar ambientes de real aprendizagem

humana.

Voltando a pergunta inicial deste trabalho, “Vamos jogar bola”?

Para isto trago também a pergunta problematizadora deste estudo: o

ensino dos jogos, visando a humanização, o lúdico, a emancipação e crítica ainda

é possível no mundo da indústria cultural, da mídia esportiva e do consumismo de

bens e benefícios prontos (em que perguntar, problematizar dá muito trabalho)?

De que forma as metodologias Transformação Didático-Pedagógica do Esporte -

TDPE e TGFU (Teaching Games for Understanding – Ensinando Jogos pela

Compreensão) contribuem com a possibilidade transformadora do ensino dos

jogos?

Diante do que foi exposto, acredito que é possível trabalhar o ensino dos

jogos no encontro com o esporte, evidentemente que cabe ao professor o esforço

de se preparar para impingir esta demanda. Valho-me do que Surdi (2008) em

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seu estudo sobre A fenomenologia como fundamentação para o movimento

humano significativo escreve:

O mundo da vida possui toda a cultura de movimento que um indivíduo vivencia durante toda a sua vida. Este se-movimentar espontâneo e intencional é fundamental para que o indivíduo se expresse de forma autêntica e livre com tudo o que existe. A partir desta cultura de movimento é que podemos avançar no sentido de ampliar o potencial de movimento das pessoas, mas sempre contextualizando com base na subjetividade. Assim o movimento humano sempre será significativo, pois é a pessoa que se apropria do movimento como sendo gesto expressivo que dialoga com o mundo constantemente e com isto se desenvolve. (p. 101)

O esforço do professor ao qual me referi deve andar em dois caminhos

paralelos, um é de entender este mundo de vida de cada educando o outro é de

estudar as possibilidades de adequar a sua intervenção á uma proposta de

emancipação deles, de torná-los críticos perante a realidade que se lhes

apresenta.

Portanto pode-se afirmar que ninguém se reúne para ficar triste, a gente

não quer só ganhar ou perder, nós queremos ir além, assim cito a música dos

Titãs, “Comida”, para uma reflexão sobre o ensino do ESPORTE,

Bebida é água Comida é pasto Você tem sede de que? Você tem fome de que? A gente não quer só comida, A gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só comida, A gente quer saída para qualquer parte A gente não quer só comida, A gente quer bebida, diversão, balé A gente não quer só comida, A gente quer a vida como a vida quer

Bebida é água Comida é pasto Você tem sede de que? Você tem fome de que? A gente não quer só comer, A gente quer comer e quer fazer amor A gente não quer só comer, A gente quer prazer pra aliviar a dor A gente não quer só dinheiro, A gente quer dinheiro e felicidade A gente não quer só dinheiro, A gente quer inteiro e não pela metade

Desejo, Necessidade e vontade, Necessidade e desejo.

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28. _____________. Educação e Mudança. 8ª edição. Rio de Janeiro, RJ: Paz e

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37. KUNZ, Elenor & HILDEBRANDT-STRAMANN, Reiner (orgs.). Intercâmbios

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Alegre, RS: EST/ESEF. 1993.

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45. SÉRGIO, Manuel. Algumas teses sobre o desporto. 3ª edição. Lisboa,

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46. SOUZA, Ana Márcia Silva de. Esporte espetáculo: a mercadorização do

movimento humano. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de

Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina,

Florianópolis, 1.991.

47. SURDI, Aguinaldo. A Fenomenologia como fundamentação para o

movimento humano significativo. Dissertação (Mestrado em Educação) –

CDS – Centro de Desportos, Universidade Federal de Santa Catarina,

Florianópolis, 2.008.

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Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), em 2003. Texto extraído internet

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2009.

49. VILLAS BOAS, Marcelo da Silva. Basquetebol: brincando e aprendendo,

da iniciação ao aperfeiçoamento. Maringá, PR: EDUEM, 2008.

50. THORPE, Rod, BUNKER, David e ALMOND, Len. Repensando o ensino

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Loungborough, Inglaterra, Nene Litho, Irthlingborough, Northants, 1986,

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ANEXOS

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Anexo 1

FUTEBOL DE RUA Luís Fernando Veríssimo

Pelada é o futebol de campinho, de terreno baldio. Mas existe um tipo

de futebol ainda mais rudimentar do que a pelada. É o futebol de rua. Perto do futebol de rua qualquer pelada é luxo e qualquer terreno baldio é o Maracanã em jogo noturno. Se você é homem, brasileiro e criado em cidade, sabe do que eu estou falando. Futebol de rua é tão humilde que chama pelada de senhora.

Não sei se alguém, algum dia, por farra ou nostalgia, botou num papel as regras do futebol de rua. Elas seriam mais ou menos assim:

DA BOLA – A bola pode ser qualquer coisa remotamente esférica. Até

uma bola de futebol serve. No desespero, usa-se qualquer coisa que role, como uma pedra, uma lata vazia ou a merendeira do seu irmão menor, que sairá correndo para se queixar em casa. No caso de usar uma pedra, lata ou outro objeto contundente recomenda-se jogar de sapatos. De preferência os novos, do colégio. Quem jogar descalço deve cuidar para chutar sempre com aquela unha do dedão que estava precisando ser aparada mesmo. Também é permitido o uso de frutas ou legumes em vez de bola, recomendando-se nestes casos a laranja, a maçã, o chuchu e a pêra. Desaconselha-se o uso de tomates, melancias e, claro, ovos. O abacaxi pode ser utilizado, mas aí ninguém quer ficar no golo.

DAS GOLEIRAS – As goleiras podem ser feitas com, literalmente, o

que estiver à mão. Tijolos, paralelepípedos, camisas emboladas, os livros da escola, a merendeira do seu irmão menor e até o seu irmão menor, apesar dos seus protestos. Quando o jogo é importante, recomenda-se o uso de latas de lixo. Cheias, para agüentarem o impacto. A distância regulamentar entre uma goleira e outra dependerá de discussão prévia entre os jogadores. Às vezes esta discussão demora tanto que quando a distância fica acertada está na hora de ir jantar. Lata de lixo virada é meio golo.

DO CAMPO – O campo pode ser só até o fio da calçada, calçada e rua,

rua e a calçada do outro lado e – nos clássicos – o quarteirão inteiro. O mais comum é jogar-se só no meio da rua.

DA DURAÇÃO DO JOGO – Até a mãe chamar ou escurecer, o que vier

primeiro. Nos jogos noturnos, até alguém da vizinhança ameaçar chamar a polícia.

DA FORMAÇÃO DOS TIMES – O número de jogadores em cada

equipe varia, de um a 70 para cada lado. Algumas convenções devem ser respeitadas. Ruim vai para o golo. Perneta joga na ponta, a esquerda ou a direita dependendo da perna que faltar. De óculos é meia-armador, para evitar os choques. Gordo é beque.

DO JUIZ – Não tem juiz.

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DAS INTERRUPÇÕES – No futebol de rua, a partida só pode ser paralisada numa destas eventualidades:

(a) Se a bola for para baixo de um carro estacionado e ninguém conseguir tirá-la. Mande o seu irmão menor.

(b) Se a bola entrar por uma janela. Neste caso os jogadores devem esperar não mais de 10 minutos pela devolução voluntária da bola. Se isso não ocorrer, os jogadores devem designar voluntários para bater na porta da casa ou apartamento e solicitar a devolução, primeiro com bons modos e depois com ameaças de depredação. Se o apartamento ou casa for de militar reformado com cachorro, deve-se providenciar outra bola. Se a janela atravessada pela bola estiver com o vidro fechado na ocasião, os dois times devem reunir-se rapidamente para deliberar o que fazer. A alguns quarteirões de distância.

(c) Quando passarem pela calçada: (i) Pessoas idosas ou com defeitos físicos. (ii) Senhoras grávidas ou com crianças de colo. (iii) Aquele mulherão do 701 que nunca usa sutiã.

(d) Se o jogo estiver empatado em 20 a 20 e quase no fim, esta regra pode ser ignorada e se alguém estiver no caminho do time atacante, azar. Ninguém mandou invadir o campo.

(e) Quando passarem veículos pesados pela rua. De ônibus para cima. Bicicletas e Volkswagen, por exemplo, podem ser chutados junto com a bola e se entrar é golo.

DAS SUBSTITUIÇÕES – Só são permitidas substituições:

(a) No caso de um jogador ser carregado para casa pela orelha para fazer a lição.

(b) Em caso de atropelamento. DO INTERVALO PARA DESCANSO – Você deve estar brincando. DA TÁTICA – Joga-se o futebol de rua mais ou menos como o Futebol

de Verdade (que é como, na rua, com reverência, chamam a pelada), mas com algumas importantes variações. O goleiro só é intocável dentro da sua casa, para onde fugiu gritando por socorro. É permitido entrar na área adversária tabelando com uma Kombi. Se a bola dobrar a esquina, é córner.

DAS PENALIDADES – A única falta prevista nas regras do futebol de

rua é atirar um adversário dentro do bueiro. É considerada atitude antiesportiva e punida com tiro indireto.

DA JUSTIÇA ESPORTIVA – Os casos de litígio serão resolvidos no

tapa.

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Anexo 2

Brincadeira de criança quer virar esporte oficial Marco Borba Do Diário do Grande ABC O que era brincadeira de criança passou por adaptações e pode se tornar competição oficial em 2009, em São Caetano. O tacobol ou taco bola, como é conhecido, foi inserido e usado como clínica nos Jogos Escolares da cidade - encerrados na semana passada - para que os jogadores se familiarizassem com o esporte. Vinte equipes (dez masculinas e dez femininas) participaram das disputas na quadra da Abrevb (Associação Beneficente Recreativa e Esportiva de Vila Barcelona). A modalidade caiu no gosto da garotada e a Federação Paulista de Tacobol já pensa em levá-lo para os Jogos Regionais e Jogos Abertos do Interior em 2009. "Acho que há boas condições para que isso se concretize. Temos ainda a intenção, já no ano que vem, de organizar um estadual", disse, otimista, o presidente da federação, Carlos Alberto Scavassa, 52 anos. Caso se concretize a realização do estadual, conta Scavassa, as disputas envolverão jogadores de diferentes categorias, do mamataco (a partir dos 6 anos) ao mastaco (55 anos em diante). "De imediato, não conseguiremos formar todas as categorias, mas com o tempo isso será possível", avalia Scavassa. No geral, o jogo é disputado em duplas. De cada lado do 'campo' ficam um arremessador e um batedor. Quem arremessa tem de derrubar a casinha com a bola (a de tênis é a mais comum) para passar à condição de batedor. A outra forma é derrubar o tripé se o batedor mantiver o taco levantado quando a bola cruzar a área. A graça do jogo está justamente na briga pela posse do taco, pois esta é a única maneira de se fazer pontos. A cada rebatida o jogador deve mandar a bola o mais longe possível para somar pontos. Cada cruzamento de campo por parte dos rebatedores vale dois pontos. De acordo com Scavassa, 80% do que é aplicado na brincadeira de rua foi mantido nas disputas dos Jogos Escolares. Entre as poucas alterações estão o sistema de jogo e pontuação. Nos Jogos Escolares as disputas foram feitas em dois sets, com 50 arremessos cada um. Vencia a partida quem somava o maior número de pontos ao final dos dois sets. Quem iniciava o primeiro set no arremesso começava o segundo rebatendo. Na brincadeira tradicional define-se o limite de pontuação, no geral 20 pontos. *Equipes* - Nos Jogos Escolares, cada equipe podia ter até cinco componentes. A troca de jogadores era livre. Em cada set, os treinadores tinham direito a duas paradas técnicas de um minuto. A queimada (quando a bola toca no jogador que está com o taco) e a bola para trás (momento em que a bola bate no taco e vai para trás) também foram mantidas. Tais deslizes são considerados falta. O rebatedor que fosse atingido três vezes perdia a

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posse do taco. Só que, ao contrário da brincadeira de rua, a cada cruzamento feito pelos rebatedores eliminava-se uma falta. As regras e até o nome da brincadeira são diferentes em cada localidade. No Sul e em parte do Sudeste do País, é chamado de Taco ou Tacobol. Em parte do Sudeste e Norte e Nordeste, também é chamado de Bétis. A federação, segundo Scavassa, existe desde 1998, mas não conseguiu organizar torneios ao longo desse tempo por falta de apoio. "Os outros integrantes da federação se afastaram e a coisa esfriou". Jogo pode derivar do críquete, diz presidente de federação. Segundo o presidente da Federação Paulista de Tacobol, Carlos Alberto Scavassa, não há estudos que apontem a origem do tacobol. Estima-se que a brincadeira nasceu do críquete, considerado por muitos um esporte parecido com beisebol. O críquete foi inspirado em um rudimentar jogo rural da Inglaterra chamado stoolball. Foi adotado pela nobreza no século XVII. Passou por muitas transformações ao longo dos anos até se tornar um esporte popular no Reino Unido, na Índia e no Paquistão. Depois, espalhou-se para outros países. A crença de que o tacobol deriva do críquete se deve ao fato de terem a forma de disputa parecida. Em ambos os jogos a bola é lançada pelo arremessador contra o alvo do adversário, no caso do críquete são três varetas fincadas no solo, chamadas wicket. "Fiz algumas pesquisas e, nos poucos relatos encontrados, estima-se que o críquete chegou ao Brasil após a invasão holandesa ao litoral nordestino. Imagino que como é um jogo longo (tem 11 jogadores) e com regras diferentes, extraiu-se do críquete apenas o conceito e daí surgiu o jogo de taco", supõe Scavassa. Para Scavassa, assim como aconteceu com o críquete em outros países, o tacobol pode se tornar mais popular no Brasil na medida em que surgirem novos torneios. "Queremos que tenha a mesma representatividade que o beisebol tem para os americanos", sonha. http://www.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=2&id=28435 21 de setembro de 2008.

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Anexo 3

ESPORTE NAS ESCOLAS33

Carlos Arthur Nuzman

Presidente do Comitê Olímpico Brasileiro Sou do tempo em que a educação física era uma disciplina valorizada no currículo escolar, na mesma proporção do interesse que despertava na direção da escola e dos alunos. Nem todos os alunos, é verdade, mas certamente na maioria absoluta de uma turma ou de um colégio. A prática esportiva curricular era uma extensão do que se via nos pátios das escolas. Um lanche rápido na hora do intervalo, a chamada hora da merenda, e lá se ia a garotada atrás de uma bola ou de qualquer objeto que desse vazão à energia incontida de correr, pular e jogar. Nesse contexto, as aulas de educação física eram esperadas até com certa ansiedade, pois era o momento adequado para praticarmos a atividade esportiva no local apropriado, com roupas apropriadas, longe da inconveniência de retornar para a sala de aula suado e com os cabelos em desalinho.

Sou do tempo em que a escola era o maior celeiro de talentos esportivos do país. Era lá, nas competições estudantis, que os clubes iam buscar novos talentos. Da minha turma no Colégio Mello e Souza, nada menos que quatro alunos daquela escola chegaram, via seus respectivos clubes, aos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964, pela seleção brasileira de vôlei. Eu, Vitor Barcelos, Carlos Feitosa e João Cláudio. Coincidência? Certamente não. Apenas a união da nossa vontade de jogar voleibol com a vontade da direção do Mello e Souza em se fazer representar bem no campo esportivo.

Embora considere excelentes os resultados do Brasil nos Jogos Olímpicos de Sydney, a falta de medalha de ouro trouxe à tona várias questões sobre o futuro do esporte em nosso país. Estou certo de que a vontade política que vem sendo demonstrada pelo ministro do Esporte e Turismo, Carlos Melles, e pelo ministro da Educação, Paulo Renato Souza, será decisiva para as mudanças que o esporte necessita. Em todos os seus níveis de participação, sobretudo para o esporte de base. E se a base da formação educacional de uma sociedade está na escola, o mesmo se aplica ao esporte. É fundamental que essa atividade recupere na escola o papel de formação, de integração e de socialização que exerce sobre os nossos jovens, sem falar nos princípios éticos que o esporte impõe por si só. Competir, sim, mas respeitando-se as regras e o adversário.

Ainda sob os efeitos de Sydney, uma outra olimpíada resume a importância do esporte na escola e os resultados que essa atividade pode gerar para o Brasil, inclusive para o esporte de alto rendimento. A disputa da fase final da Olimpíada Colegial Esperança 2000, em Brasília, marca o início da virada que todos sonhamos. A volta dos estudantes às pistas e às quadras em uma competição genuinamente escolar, o retorno das torcidas organizadas de cada colégio e o envolvimento que isso acarreta nos pais, familiares e amigos do aluno-atleta certamente servirão como estímulo para reconstruirmos este espírito de educação e competição que o esporte é capaz de proporcionar.

A integração do Ministério da Educação e do Ministério do Esporte e Turismo neste projeto dá a dimensão de onde pretendemos chegar. Nos tranqüiliza saber que o ministro Paulo Renato Souza vai cobrar das escolas a obrigatoriedade da educação física no currículo escolar. Com a vontade política do Governo federal, o empenho do Comitê Olímpico Brasileiro, das confederações brasileiras e a participação da sociedade em geral, estaremos dando um passo decisivo para propiciar e estimular a educação por intermédio do esporte. E também, certamente, a vontade que milhares de jovens têm de repetir as conquistas de nossos ídolos olímpicos.

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Texto extraído de http://listas.cev.org.br/arquivos/html/cevmeef/2000-12/doc00001.doc acesso em 31 de maio de 2009

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Anexo 4

QUADRO DOS JEBs

2009

OLIMPÍADAS ESCOLARES – MARINGÁ e LONDRINA Início – 05 de novembro de 2009 Término - 15 de novembro de 2009

POÇOS DE CALDAS (12 A 14 ANOS) Início – 10 de setembro de 2009 Término - 20 de setembro de 2009.

2008

OLIMPÍADAS ESCOLARES – JOÃO PESSOA (15 A 17 ANOS) Inicio - 6 de novembro de 2008 Termino - 16 de novembro de 2008

POÇOS DE CALDAS (12 A 14 ANOS) Inicio - 18 de setembro de 2008 Termino - 28 de setembro de 2008

2007

OLIMPÍADAS ESCOLARES – JOÃO PESSOA (15 A 17 ANOS) Inicio - 8 de novembro de 2007 Termino - 18 de novembro de 2007

POÇOS DE CALDAS (12 A 14 ANOS) Inicio - 27 de setembro de 2007 Termino - 7 de outubro de 2007

2006

OLIMPÍADAS ESCOLARES – BRASÍLIA (15 A 17 ANOS) Inicio - 6 de outubro de 2006 Termino - 15 de outubro de 2006

POÇOS DE CALDAS (12 A 14 ANOS) Inicio - 17 de novembro de 2006 Termino - 26 de novembro de 2006

2005

OLIMPÍADAS ESCOLARES – BRASÍLIA (15 A 17 ANOS) Inicio - 30 de setembro de 2005 Termino - 9 de outubro de 2005

BRASÍLIA (12 A 14 ANOS) Inicio - 25 de novembro de 2005 Termino - 4 de dezembro de 2005

2004 OLIMPÍADAS COLEGIAL - BRASÍLIA - DF

2003 OLIMPÍADAS COLEGIAL - BRASÍLIA - DF

2002 OLIMPÍADAS COLEGIAL

2001 OLIMPÍADAS COLEGIAL

2000 OLIMPÍADAS COLEGIAL

1999 Não Realizado

1998 JOGOS DA JUVENTUDE

1997 JOGOS DA JUVENTUDE

1996 JOGOS DA JUVENTUDE

1995 JOGOS DA JUVENTUDE

1994 FOZ DO IGUAÇU - PR

1993 RECIFE - PE

1992 BLUMENAU - SC

1991 PRESIDENTE PRUDENTE - SP

1990 BRASÍLIA - DF

1989 BRASÍLIA - DF

1988 SÃO LUÍS - MA

1987 CAMPO GRANDE - MT

1986 VITÓRIA - ES

1985 SÃO PAULO - SP

1984 BRASÍLIA - DF

1983 BRASÍLIA - DF

1982 BRASÍLIA - DF

1981 BRASÍLIA - DF

1980 REALIZADAS ETAPAS REGIONAIS (CEBS)

1979 BRASÍLIA - DF

1978 REALIZADAS ETAPAS REGIONAIS (CEBS)

1977 BRASÍLIA - DF

1976 PORTO ALEGRE - RS

1975 BRASÍLIA - DF

1974 CAMPINAS - SP

1973 BRASÍLIA - DF

1972 MACEIÓ - AL

1971 BELO HORIZONTE - MG

1970 CURITIBA - PR

1969 NITERÓI - RJ

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