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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS VINICIUS CARVALHO LIMA O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO BRASIL: AS CONSTRUÇÕES DE SENTIDO DA DISCIPLINA ENTRE OS ANOS 1920 E 1940 CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

VINICIUS CARVALHO LIMA

O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO BRASIL: AS CONSTRUÇÕES DE SENTIDO DA

DISCIPLINA ENTRE OS ANOS 1920 E 1940

CAMPINAS

2018

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VINICIUS CARVALHO LIMA

O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO BRASIL: AS CONSTRUÇÕES DE SENTIDO DA

DISCIPLINA ENTRE OS ANOS 1920 E 1940

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas da Universidade Estadual

de Campinas como parte dos requisitos

exigidos para obtenção do título de Doutor em

Sociologia.

Orientadora: Profa. Dra. Mariana Miggiolaro Chaguri

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA

PELO ALUNO VINICIUS CARVALHO

LIMA E ORIENTADA PELA PROFA. DRA.

MARIANA MIGGIOLARO CHAGURI.

CAMPINAS

2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese, composta pelos Professores Doutores

a seguir descritos, em sessão pública realizada em 14/12/2018, considerou o candidato Vinicius

Carvalho Lima aprovado.

Profa Dra Mariana Miggiolaro Chaguri (UNICAMP)

__________________________________________________

Prof Dr Alexandro Henrique Paixão (UNICAMP)

__________________________________________________

Prof Dr. Mário Augusto Medeiros da Silva (UNICAMP)

__________________________________________________

Profa Dra Anita Handfas (UFRJ)

__________________________________________________

Profa Dra Simone Meucci (UFPR)

__________________________________________________

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de

vida acadêmica do aluno

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Dedico esta tese a minha mãe, Solange Ferreira Carvalho, professora por natureza, que me

ensinou as agruras e, principalmente, as belezas de ser professor no Brasil.

Dedico também aos professores de Sociologia no Brasil que estão cotidianamente na luta pela

consolidação da disciplina e por uma educação pública, gratuita e de qualidade.

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AGRADECIMENTOS

Esta dissertação não seria possível sem a ajuda e a compreensão dos que serão

citados abaixo. Corre-se sempre o risco de cometer injustiças, esquecer de prestigiar alguém,

que, por ventura auxiliou neste processo, mas vou me permitir tentar.

Agradeço, primeiramente, ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Estava em busca de novos ares para

continuar meu processo de reflexão e construção sociológicos, frente a decepções anteriores

encontrei na UNICAMP uma nova casa, um novo rumo e um novo espaço de estudos/debates,

além de desfrutar de uma fantástica estrutura, recursos, servidores e corpo docente. Serei

eternamente grato.

Agradeço especialmente à minha orientadora, Professora Dra. Mariana Chaguri,

pela ótima relação de orientação que estabelecemos, pela leitura atenciosa da tese, pelos

apontamentos sempre instigantes e respeitosos às ideias que apresentei nesse percurso de

pesquisa. Me sinto honrado por ter tido a oportunidade de dialogar com você durante esses anos

de produção da tese, o que pretendo dar continuidade nos meus próximos passos.

Agradeço aos professores Alexandro Paixão, Anita Handfas, Mário Silva e Simone

Meucci que aceitaram compor a banca de defesa, pela leitura atenta e apontamentos feitos à

tese. Agradeço especialmente a Simone e Alexandro pela participação na banca de qualificação,

fundamental para delimitar e enriquecer a tese apresentada.

Agradeço também ao Centro de Pesquisa e Documentação de História

Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV) e ao Arquivo Edgard Leuenroth

(AEL/IFCH/UNICAMP), especialmente seu corpo de funcionários e servidores por terem

aberto seus arquivos pacientemente para consulta – o que possibilitou a descoberta de

documentos fundamentais para tese.

No campo profissional, agradeço especialmente aos meus grandes amigos do Grupo

Interdisciplinar de Culturas e Linguagens (IECL/IFRJ) que compartilharam os momentos de

insegurança, dilemas da profissão, e, principalmente, as alegrias: Anderson Xavier, Alexandre

Visentin, Érica Bispo, Fernanda Tostes, João Escosteguy, Lionel Rodrigues, Leslie Mulico,

Rafael Castro e Stephanie Salgado.

No âmbito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – onde completei

minha formação anterior - agradeço a saudosa professora e amiga Ana Clara Torres Ribeiro,

pela oportunidade que foi me concedida de pesquisar Sociologia no LASTRO: sem isto não

haveria achado uma profissão e um caminho digno de existência, o que, no limite, é a razão

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desta tese estar ganhando vida. Agradeço também às professoras Anita Handfas e Julia Polessa

pelo diálogo sempre profícuo que estabeleceram comigo no campo do Ensino de Sociologia,

pelo acolhimento no LABES e pelas oportunidades de dialogar com docentes e discentes da

disciplina, o que é fundamental na minha formação.

À minha mãe Solange e meu padrasto Jayme. Obrigado por todo investimento e

toda aposta, por sempre apoiarem desde jovem minha necessidade de seguir estudando. Sei o

quanto é difícil criar um filho no Brasil sendo professor e depois ver o filho seguindo pelo

mesmo caminho, permeado por ataques e incertezas. Vocês são exemplos de honestidade,

dignidade, integridade e retidão que levo comigo.

Agradeço a pessoa que, sem dúvida, mais me ajudou nessa caminhada. Sempre por

perto nos momentos mais tranquilos e felizes, mas principalmente, sempre por perto nos

momentos de insegurança. Sempre disposta a me ouvir em qualquer hora, sempre a postos com

seu carinho e compreensão das minhas ausências – mesmo com sua própria e exaustiva carga

mental. Obrigado Ariana, pela pessoa que é, pela honestidade e caráter que tens – uma

admiração que me faz correr atrás e dá forças para lutar pelo que eu acredito. Amo você e espero

retribuir de todas as formas.

E, por fim, agradeço as duas pessoas que me fizeram redimensionar a existência e

experimentar o maior amor que pode existir: Rafael e Gabriela, meus dois filhos, que vocês

sejam esperança e representem parte da mudança que este mundo precisa. Viva a vida!

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A Sociologia possui o triste privilégio de ser incessantemente afrontada quanto à questão de

sua cientificidade. Somos mil vezes menos exigentes em relação à História ou à Etnologia, para

não falar da Geografia, da Filosofia ou da Arqueologia. Constantemente interrogado, o

sociólogo se interroga sem cessar. O que leva a crer num imperialismo sociológico: o que é esta

ciência iniciante, balbuciante, que se permite questionar as outras ciências? De fato, a

Sociologia apenas coloca às outras ciências, questões que são colocadas a si mesma de uma

forma particularmente aguda. Se a Sociologia é uma ciência crítica, talvez seja porque ela

mesma se encontra numa posição crítica. Contesta-se não apenas a sua existência enquanto

ciência, mas sua própria existência. Principalmente neste momento, em que algumas pessoas

que, infelizmente, têm poder para conseguir isto, trabalham para destruí-la ao mesmo tempo

em que reforçam por todos os meios a “Sociologia” edificante, isto em nome da ciência, e com

a cumplicidade ativa de certos “cientistas”. (Pierre Bourdieu - A ciência que perturba).

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RESUMO

Esta tese investiga aspectos da institucionalização das Ciências Sociais no Brasil. Para tanto,

pesquisamos a relação entre a produção e a sistematização do conhecimento sociológico no

Brasil e os momentos de reconhecimento institucional da disciplina nos currículos escolar e

acadêmico. Especificamente - com a intenção de capturar sentidos do Ensino de Sociologia

entre as décadas de 1920-1940 - a pesquisa investiga e relaciona o debate em torno da presença

da disciplina na escola básica e seu surgimento no espaço acadêmico. No período destacado,

estabeleceu-se uma disputa em torno dos sentidos assumidos pela disciplina – conectados ora

à escola, ora à universidade - para sistematização do conhecimento sociológico no Brasil.

Buscamos os pontos de aproximação e de distanciamento entre tais sentidos e os porquês destas

movimentações. Em outras palavras, como operam os processos de aceitação ou recusa da

disciplinarização escolar e acadêmica da Sociologia, vistas a partir dos documentos curriculares

oficiais, das reformas do ensino secundário e do debate em torno do retorno da disciplina ao

currículo e como, de fato, tal processo se dá no período destacado. Identificamos - através do

mapeamento dos espaços de produção e debate, portanto da circulação das ideias - como

diferentes concepções de Sociologia e Educação acabaram por produzir diferentes sentidos em

disputa, sobre o ensino e a pesquisa em Sociologia – que analisamos em suas diferentes facetas.

Palavras-Chave: Sociologia - Estudo e ensino. Escolas. Universidades e faculdades Currículos.

Ciências sociais – Brasil.

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ABSTRACT

This thesis investigates aspects of the institutionalization of social sciences in Brazil. For this,

we investigated the relationship between the production and the systematization of sociological

knowledge in Brazil and the moments of institutional recognition of the discipline in the scholar

and academic curricula. Specifically - with the intention of capturing meanings of Teaching

Sociology between the decades of 1920-1940 - the research investigates and relates the debate

around the presence of the discipline in the basic school and its emergence in the academic

space. In the period under review, a dispute was established around the meanings assumed by

the discipline - connected either to the school or to the university - to systematize sociological

knowledge in Brazil. We seek the points of approximation and distance between these senses

and the reasons for these movements. In other words, how do the processes of acceptance or

refusal of the academic and academic discipline of Sociology operate, seen this from the point

of official curricular documents, the reforms of the secondary education and the debate about

the return of the discipline to the curriculum and how this process takes place during the

highlighted period. We identify - through the mapping of spaces of production and debate,

therefore of the circulation of ideas - as different conceptions of Sociology and Education ended

up producing different meanings in dispute, about teaching and research in Sociology - that we

analyze in its different facets.

Keywords: Sociology - Study and teaching. Schools. Universities and colleges – Curriculum.

Social science - Brazil

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LISTA DE TABELAS

Página

Tabela 1: Programa de Sociologia, Colégio Pedro II (1926-1928). 51

Tabela 2: Programa de Sociologia, Colégio Pedro II (1929). 52

Tabela 3: Estrutura do Ensino Secundário na Reforma Francisco Campos. 63

Tabela 4: Programa Integral de Sociologia dos Cursos Complementares (1939). 69

Tabela 5: Organização do livro Práticas de Sociologia (Delgado de Carvalho,

1939).

75

Tabela 6: “Distribuição da matéria para um programa de Sociologia”, Delgado de

Carvalho, 1938.

80

Tabela 7: Correspondências de Alceu Amoroso Lima com Gustavo Capanema

acerca diretrizes educacionais do Ministério da Educação.

98

Tabela 8: Fins e objetivos da universidade e composição da Universidade de São

Paulo (USP).

124

Tabela 9: Currículo do 1º Curso de Sociologia da Universidade do Brasil. 129

Tabela 10: Currículo do Curso de Ciências Sociais e Políticas da USP 131

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SUMÁRIO

PÁG.

I. INTRODUÇÃO 15

1.1 Apresentação 15

1.2 Sobre a pesquisa 18

1.3 Metodologia 21

1.4 Estrutura da tese 23

II. CAPÍTULO 1: EM BUSCA DA CIÊNCIA: REFORMAS

EDUCACIONAIS E SOCIOLOGIA NOS ANOS 1920

25

1.1 O primeiro surgimento da Sociologia no Brasil: século XIX e as duas

primeiras décadas do século XX

25

1.2 A conjuntura nacional e os debates educacionais nos anos 1920 30

1.3 Reformas educacionais nos anos 1920 34

1.3.1. Reformas do ensino brasileiro na Primeira República 34

1.3.2. Reformas estaduais de ensino na primeira república: São Paulo 40

1.3.3. Reformas estaduais de ensino na primeira república: Rio de Janeiro 43

1.4 Institucionalização da Sociologia no espaço escolar: a experiência do

Colégio Pedro II

48

III. CAPÍTULO 2: A SOCIOLOGIA ESCOLAR NOS ANOS 1930 56

2.1 A ascensão de Getúlio Vargas: Revolução de 1930 e Estado Novo 56

2.2 Reforma Campos e a constituição da Sociologia como disciplina escolar

nos anos 1930

61

2.2.1. A Reforma Francisco Campos 61

2.3 O currículo de Sociologia no cerne da contradição 68

2.4 A reação de Delgado de Carvalho 72

2.5 A Igreja Católica, a Escola Nova e os embates no campo educacional 83

2.6 Educação nova e o papel dos primeiros sociólogos 85

2.7 A Reação Católica 91

2.8 Conflitos no ministério Capanema 94

2.9 A Reforma Capanema 101

2.9.1. A Sociologia Escolar na passagem dos anos 1930 aos 1940 105

IV. CAPÍTULO 3: SURGIMENTO DAS UNIVERSIDADES

BRASILEIRAS: QUAL A SOCIOLOGIA QUE SE PROPÕE NESTE

CAMPO?

108

3.1 Primórdios da universidade no Brasil 108

3.2 Ensino superior na República 109

3.3 Experiências nos anos 1930/1940: Universidade do Distrito Federal (UDF)

e Universidade de São Paulo (USP)

111

3.3.1. Autonomia universitária 111

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3.3.2. A Universidade do Distrito Federal (UDF) e a autonomia

despedaçada se tornando a Universidade do Brasil

117

3.3.3. A Universidade de São Paulo (USP) nas franjas da autonomia 120

3.4 A Sociologia universitária/acadêmica: ciência ou diletantismo? 125

3.5 As Ciências Sociais no Rio de Janeiro: Universidade do Distrito Federal,

Universidade do Brasil e a formação da Faculdade Nacional de Filosofia

nos anos 1930 e 1940

128

3.6 As Ciências Sociais em São Paulo: A Universidade de São Paulo e a busca

pela sociologia científica

131

3.7 A Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) e a formação dos sociólogos

profissionais

135

3.7.1. Donald Pierson: ELSP, consolidação da Sociologia aplicada e

científica e a criação da pós-graduação

140

3.7.2. Estudos de pós-graduação na ELSP 143

V. CAPÍTULO 4: DESCOLAMENTO ENTRE AS SOCIOLOGIAS

ACADÊMICA E ESCOLAR: EM BUSCA DE RESPOSTAS

149

4.1 Currículo, cientificidade e história das disciplinas escolares e sua influência

no debate sobre as sociologias do Brasil nas décadas de 1930 e 1940

149

4.2 Saída da Sociologia da escola: esgotamento do processo de construção da

disciplina escolar e a reação no campo sociológico acadêmico à retirada

160

4.3 Diletantismo x ciência no debate acadêmico dos anos 1930/1940 168

4.4 Revista Sociologia: Didática e Científica (1939-1950) 172

4.5 Sociologia e ensino secundário: qual o papel da disciplina no debate

público?

176

4.6 Pós-graduação, pesquisa e “insulamento acadêmico” 183

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O PASSADO COMO BÚSSOLA PARA

O FUTURO

189

VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 195

VIII. ANEXOS 204

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15

I. INTRODUÇÃO

1.1. Apresentação

Nenhum texto, mesmo os acadêmicos, nascem descolados de seus autores. Sendo

assim, acreditamos que esta pequena apresentação seja necessária para melhor situar o leitor

frente ao conjunto de expectativas, objetivos e condicionamentos que cercaram a concepção, a

produção desta tese e orientaram a formação acadêmica do pesquisador. Neste primeiro

movimento, utilizarei rapidamente a primeira pessoa do singular para a breve narração destas

motivações, retornando gradativamente à terceira pessoa nos movimentos posteriores.

Dito isto, acredito que esta tese, apresenta resultados de questionamentos

formulados, pensados e refletidos a partir de atuação docente da disciplina Sociologia no ensino

médio. Em outras palavras, as ideias que serão apresentadas representam anseios e reflexões -

para além de um sociólogo - de um professor de Sociologia na escola básica em atuação.

A minha trajetória nas Ciências Sociais, se inicia com a graduação (2005-2009),

realizada no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(IFCS/UFRJ). Esse período de formação foi amplamente marcado pela curiosidade relacionada

à temática dos movimentos sociais: meu interesse recaía sob o estudo de ações sociais de

reivindicação e protesto nas periferias das grandes metrópoles brasileiras, já que era (e ainda

sou) um habitante deste espaço urbano singular1.

Em 2006, ainda na graduação, atuei como Bolsista de Iniciação Científica no

Laboratório da Conjuntura Social: tecnologia e território (LASTRO)2 coordenado pela Profa

Dra. Ana Clara Torres Ribeiro no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional

(IPPUR/UFRJ). Minha inserção neste grupo de pesquisa trouxe experiências acadêmicas

enriquecedoras relacionadas à pesquisa e atuação dos movimentos sociais que deram origem à

1 Sinalizo que sou morador da cidade de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, pois minha escolha pelas Ciências

Sociais e pelas pesquisas que decidi realizar são amplamente influenciadas pela vivência, experiência e

questionamentos relacionados à vida como morador deste espaço metropolitano. Isto porque, as maiores

dificuldades que tive que lidar enquanto pesquisador e cidadão são consequência da distância, em suas variadas

facetas: principalmente da distância física do centro da metrópole e da possibilidade de acesso gratuito e aos

equipamentos culturais e educacionais. 2 Desenvolvi uma série de atividades neste laboratório, destaco o trabalho com o Banco de Ações e Processos

Sociais (BAPS) - banco que armazena ações de reivindicação e protesto em metrópoles brasileiras coletadas da

mídia impressa. Trabalhei no preenchimento sistemático das ações (referente à região metropolitana do rio de

janeiro e Belém do Pará) e na revisão e posterior classificação dos novos tipos de ação social presentes no banco.

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16

minha dissertação de mestrado intitulada Juventude e Política Cultural na Periferias do

Presente: O Caso de Nova Iguaçu defendida em 20123.

Paralelamente à formação como bacharel, realizei a licenciatura em Sociologia na

UFRJ. Neste curso sob orientação das professoras (Profa Dra) Julia Polessa e (Profa Dra) Anita

Handfas e a partir do ingresso como pesquisador no Laboratório de Ensino de Sociologia

Florestan Fernandes (LABES)4, pude ter contato com as questões relacionadas ao campo do

ensino de Sociologia. Realizei, assim, o estágio docente durante o ano de 2009, envolto nos

debates e pesquisas sobre o retorno da disciplina ao currículo da escola básica, o que fortaleceu

a intenção anterior de tornar-me professor da disciplina neste nível de ensino.

Um ano antes, em 2008, a disciplina tinha voltado a figurar – em âmbito nacional -

nos três anos do ensino médio e o debate sobre políticas curriculares e o papel efetivo da

disciplina na escola fervilhavam e me movimentavam intelectualmente, tendo influência

primordial os debates realizados no Encontro Estadual de Ensino de Sociologia (ENSOC-

UFRJ) e do I Encontro Nacional Ensino de Sociologia (ENESEB). No entanto, minha formação

em Ciências Sociais caminhou até o ano de 2011 relacionada à pesquisa sociológica. Ainda

neste ano e durante a realização do mestrado acadêmico, fui aprovado no concurso para

preenchimento de vagas de professor de Sociologia da Secretária Estadual de Educação do Rio

de Janeiro (SEEDUC/RJ).

Neste momento da trajetória e a partir do aprofundamento das minhas relações

como pesquisador no LABES/UFRJ, as questões sociológicas que trazia se deslocam

definitivamente dos movimentos sociais para o campo do Ensino de Sociologia. Uma das

primeiras questões motivadoras nesse campo de atuação profissional já apareceram nas

preparações das primeiras aulas: o que é, de fato, ensinar Sociologia? O que estou preparando

para lecionar, é de fato, Sociologia? Ou se constitui, de fato, como ciência?

Esses questionamentos continuariam a se repetir em toda entrada em sala de aula e

isso acontece porque me parece bastante complexo e desafiador (ainda hoje, e acredito que o

3 O objetivo desta pesquisa foi apreender como as políticas culturais chegavam à periferia urbana brasileira e qual

seu impacto na produção cultural da juventude desses espaços. Perceber o quanto estas políticas, tendo como mote

as teorias da ação social coletiva, estimulam a criação de novos projetos juvenis que contribuam para a formação

de sujeitos autônomos e emancipados. Entendo que este trabalho possibilitou aprofundar a compreensão das

distintas formas de participação dos indivíduos e coletividades no entendimento da organização/conflitos dos

movimentos sociais em sua faceta cultural. 4 O Laboratório de Ensino de Sociologia Florestan Fernandes (LABES) é um espaço para professores, estudantes

e pesquisadores terem acesso ao material disponível sobre o ensino de sociologia na educação básica. Legislação,

artigos, teses, dissertações, materiais didáticos, conteúdos programáticos, experiências didáticas estão à

disposição, fazendo com que o LABES se constitua numa importante ferramenta de trabalho a todos os

interessados na história, no ensino e na formação do professor de Sociologia. Site <http://www.labes.fe.ufrj.br/>.

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será sempre), realizar uma transposição didática satisfatória das teorias e conceitos sociológicos

para sala de aula. O que causou necessariamente conflito entre a minha formação acadêmica

anterior, voltada para a pesquisa e o meu processo de formação prática docente ainda em curso

– parte da motivação em torno desta tese é a tentativa de continuar refletindo sobre estes

dilemas.

Acredito que em diversos níveis esta é uma questão inquietante para os alunos que

estão terminando a licenciatura e encontram-se frente à sua primeira experiência profissional:

sabemos e aprendemos que a Sociologia é um campo de saber fundamentalmente teórico-

conceitual, ancorado em ampla produção científica, mas é esta perspectiva que devemos utilizar

para nortear nossas aulas? Ou devemos encarar a presença da Sociologia na escola básica como

uma oportunidade de ensinar aos jovens como operacionalizar os conceitos sociológicos para

explicação, desnaturalização e estranhamento da dinâmica da vida social?

Nos anos posteriores pude participar como avaliador dos livros didáticos da

disciplina no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), uma experiência

enriquecedora que me fez ter contato com estudiosos no campo do ensino de Sociologia, além

de poder debater o que os estudantes de ensino médio iriam receber da disciplina no espaço

escolar – perspectiva que abracei nos últimos anos, publicando artigos5 que analisam os livros

didáticos.

Além disso, pude consolidar, minha contribuição ao campo no ensino de

Sociologia, seja com a publicação de artigos, mediação de mesas redondas e realização de

oficinas e participação nos encontros da área, como o supracitado Encontro Estadual de Ensino

de Sociologia (ENSOC-UFRJ), o Encontro Nacional Ensino de Sociologia (ENESEB) e o GT

de Ensino de Sociologia do Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS).

Estas experiências possibilitaram a consolidação de meu objeto de pesquisa, e a

posterior a entrada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UNICAMP. Falaremos

da pesquisa na próxima subseção, mas cabe destacar que esta foi iniciada em um período

esperançoso na vida pessoal – havia sido aprovado no concurso do Instituto Federal do Rio de

Janeiro (IFRJ) onde leciono hoje, pensando as idiossincrasias da disciplina em um novo campo,

5 LIMA, V. C. Ensinar sobre a luta ou ensinar a lutar? Uma análise preliminar dos movimentos sociais no livro

didático de sociologia. Revista Perspectiva Sociológica, N.º 13, 1º sem. 2014.

LIMA, V. C. Ensinar sobre a luta ou ensinar a lutar? Uma análise preliminar dos movimentos sociais no livro

didático de sociologia. In: HANDFAS, Anita; POLESSA, Julia; FRAGA, Alexandre. (org.). 1ed.rio de janeiro: 7

letras, 2015, v. 1, p. 323-336.

LIMA, V. C.; MACAIRA, J.P.; OLIVEIRA, D.R. Sociologia na escola: a abordagem de temáticas clássicas das

ciências sociais nos livros didáticos. Saberes em perspectiva, v. 4, p. 7-138, 2014.

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o do ensino médio integrado ao técnico – e na nacional, pós jornadas de junho de 2013 e

eleições presidenciais no ano subsequente: a ideia inicial de pesquisa, inclusive, foi um balanço

destes 10 anos da volta da disciplina aos bancos escolares (2008-2018). No entanto, o tempo

presente - pós golpe parlamentar e constantes ataques a educação e pesquisa6 - são de luta para

manutenção da disciplina e suas discussões no currículo7, o que através da própria tese, como

poderemos ver, parece ser a sina da Sociologia no espaço escolar: luta constante pela sua

permanência, reconhecimento e consolidação, em outras palavras, a luta pela sua efetiva

institucionalização.

1.2. Sobre a pesquisa

As propostas de inclusão da Sociologia como disciplina nos sistemas educacionais

brasileiros datam do final do século XIX. No entanto, somente em 1925, com a reforma Rocha

Vaz, a Sociologia é incluída no ensino secundário e nas Escolas Normais de Recife e do Rio de

Janeiro. Neste mesmo ano, também é introduzida no currículo do Colégio Pedro II. Na reforma

Francisco Campos de 1931, permanece no currículo, sendo retirada em 1942 pela reforma

Gustavo Capanema e só retorna em 2008 por força da lei nº 11.684.

Essa recuperação histórica “relâmpago” da trajetória da disciplina no começo do

século XX para fins desta introdução nos mostra que estamos há quase um século da efetiva

entrada da disciplina na educação brasileira. No entanto, tirando períodos específicos da história

6 ESCOSTEGUY FILHO, J. C. Uma pequena história dos dias de hoje: considerações sobre a privatização da

educação no brasil. Painel acadêmico <http://painelacademico.uol.com.br/painel-academico/9975-uma-pequena-

historia-dos-dias-de-hoje>, acesso: 05 de fevereiro de 2018.

2. Os cortes na capes e o futuro da pesquisa científica no Brasil: <https://www.terra.com.br/noticias/os-cortes-na-

capes-e-o-futuro-da-pesquisa-cientifica-no-brasil,4a4aa494cf6dcab7eeb6cf130cbcff61zkxfglkm.html>, acesso:

10 de fevereiro de 2018. 7 A Reforma do Ensino Médio (Medida Provisória 746/2016 e Lei nº 13.415/2017), flexibiliza o conteúdo ensinado

aos alunos do ensino médio, muda a distribuição do conteúdo das disciplinas anteriormente existentes no currículo

do secundário ao longo dos três anos do ciclo. O currículo do ensino médio passa a ser definido pela Base Nacional

Comum Curricular (BNCC). A lei determina que o que será lecionado vai estar dentro de áreas, denominadas de

"itinerários formativos", tais como: 1. linguagens e suas tecnologias, 2. matemática e suas tecnologias, 3. ciências

da natureza e suas tecnologias, 4. ciências humanas e sociais aplicadas e 5. formação técnica e profissional. As

escolas não são obrigadas a oferecer aos alunos os cincos itinerários, mas deverão oferecer ao menos um destes.

A reforma foi amplamente criticada, dentre outros motivos, pois foi realizada através de medida provisória, sem

debate efetivo com a sociedade e com as comunidades escolares, além de ferir substancialmente a Lei de Diretrizes

e Bases da Educação (LDB), de 1996, pois modifica as exigências de conteúdos ali previstos, a formação de

docentes requeridas para ministrar aulas nessa etapa da Educação Básica e a metodologia de pactuação das

políticas educacionais prevista na Constituição Federal de 1988. Além disso as únicas disciplinas obrigatórias nos

três anos de Ensino Médio serão Língua Portuguesa e Matemática. Mas isso não quer dizer que a Sociologia,

necessariamente, deixará de ser ministrada. No entanto, a lei não garante carga horária mínima nem esclarece em

quais anos essas e outras disciplinas devem ser oferecidas, a decisão deve ficar a critério de cada estado e escola

– o que torna indefinido o papel da disciplina a partir de 2022, prazo final para adoção da Reforma.

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das Ciências Sociais no Brasil, o Ensino de Sociologia escolar constituiu um objeto científico

oculto, com poucos debates e relativa invisibilidade pelo menos até os anos 2000 (HANDFAS

& MAÇAIRA, 2011), enquanto, nesse mesmo período, a Sociologia universitária diversificou

e ampliou seu escopo de ensino e pesquisa (SARANDY, 2007).

Ademais, o cenário acima relacionado diz respeito e faz sentido dentro de um

recorte verificado no interior do campo sociológico que privilegiou a formação e a

profissionalização do sociólogo voltada para o campo científico e de pesquisa, dando menor

peso, proporcionalmente, ao campo do ensino de Sociologia8.

No entanto, acreditamos que existam condicionantes e motivações anteriores à

década de 1950 que foram pouco explorados. Este é um dos objetivos desta tese: recuperar este

debate dentro de uma perspectiva que valorize o processo de disciplinarização escolar da

Sociologia, pois identificamos que este debate tem sido realizado através de uma perspectiva

que valoriza a trajetória da disciplina dentro do seu reconhecimento, importância e legitimidade

adquirida dentro do ambiente universitário.

Como deixam claro José Segatto e Edison Bariani (2010), embora não haja

consenso sobre a gênese histórica das Ciências Sociais no Brasil, a institucionalização

“científica” tem sido a referência para a maioria das interpretações sobre a institucionalização

da disciplina. Sendo assim, os autores identificaram as seguintes características nessas

interpretações:

Tais elementos supostos compreendem uma noção da Sociologia como ciência

empírico-indutiva, baseada no rigor metodológico e num elevado padrão de trabalho

científico, no distanciamento com relação a valores, na integração entre ensino e

pesquisa, no funcionamento regular de formas de pós-graduação, financiamento à

pesquisa, divisão do trabalho, quantidade e estabilidade da atuação, mormente em

regime integral numa comunidade marcada pelos ethos acadêmico e por meios

próprios de hierarquização, legitimação e divulgação/controle da produção.

(SEGATTO e BARIANI, 2010, p. 203).

A história da institucionalização das Ciências Sociais no Brasil tem sido contada,

portanto, essencialmente a partir de sua profissionalização para a pesquisa, uma vez que esta

teria eliminado a perspectiva bacharelesca, autodidata e diletante da disciplina verificada

sobretudo nos estudos produzidos antes da década de 1940. Essa perspectiva, no entanto, acaba

8 Consideramos nesta conjuntura, obviamente, a influência da ausência da disciplina na escola desde 1942, as

violações de liberdades e direitos da ditadura civil-militar iniciada em 1964 e a reforma universitária de 1968 como

incentivadores desse recorte verificado no interior do campo, destrincharemos a influência desses eventos

históricos no capítulo 4.

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por desconsiderar os currículos e programas de ensino que foram gerados fora desses padrões

e lógicas, o que pretendemos retomar enquanto objetos de nossa investigação.

Nesse sentido, o ensino de Sociologia, tem sido responsável, desde o começo dos

anos 2000 por iniciar um renovado processo de investigação do processo de institucionalização

da disciplina. Essa retomada se dá primordialmente pela consideração e análise da produção

antes do “corte” entre o período “pré-científico” e o período “científico” da disciplina, trazendo

para o centro do debate a reflexão sobre a produção de ideias sociológicas - mesmo aquelas que

não foram produzidas no ambiente acadêmico.

A tese se filia à essa inflexão teórica. Analisamos o surgimento da disciplina a partir

do processo de sistematização do conhecimento sociológico, capturando assim os sentidos

assumidos pelo ensino de Sociologia em diferentes períodos históricos a partir de sua efetiva

implementação na década de 1930, sua consolidação escolar, sua saída da escola e os debates

para seu retorno a partir da década de 1940, e, primordialmente porque as sociologias escolar

e acadêmica perdem o fio que as tornara próximas na década de 1930.

O tema principal desta tese, portanto, consiste na investigação da

institucionalização das Ciências Sociais no Brasil tendo como enfoque principal a sua

disciplinarização escolar e acadêmica, para investigar o processo de descolamento entre essas

duas sociologias. Para tanto, nos interessa investigar a relação entre a produção e a

sistematização do conhecimento sociológico no Brasil – no período 1920-1942 – os momentos

de reconhecimento institucional da disciplina no currículo escolar, sua posterior retirada do

currículo e reconhecimento no mundo acadêmico.

Portanto, quando propomos analisar a sistematização do conhecimento sociológico

no Brasil via disciplinarização escolar e acadêmica, estamos propondo uma análise de como a

Sociologia se constituiu enquanto campo de saber dentro dos períodos analisados a partir de

seu surgimento, consolidação e reconhecimento além de quais as modificações, tensões e

mudanças de sentido provocadas em seu ensino a partir dos embates sociais, educacionais e

políticos.

Em suma, o que nos interessa é a relação estabelecida entre a Sociologia escolar e

a sua ciência de origem no Brasil e quais os rebatimentos do descolamento destas especialmente

após a década de 1940. Assim, não podemos realizar essa análise sem considerar os contextos

educacionais e políticos dos períodos referidos sob pena de não capturar a efetiva circulação

das ideias.

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Por isso, nossa intenção não é comparar os sentidos atribuídos à disciplina nas

décadas escolhidas para análise, mas pensar a construção destes no período escolhido a partir

de uma perspectiva processual, ou seja: acompanhando a formulação das ideias, as idas e vindas

da disciplina no currículo, além de acompanhar alguns dos movimentos e debates chaves da

comunidade intelectual.

1.3. Metodologia

Ao invés de investigar a institucionalização da Sociologia via espaço escolar ou via

debate universitário da disciplina, o que pretendemos investigar são os debates em torno da

recusa ou aceitação da Sociologia, tendo em vista seu processo de disciplinarização a partir de

alguns pontos chaves: o debate sobre as reformas educacionais do período, a formulação dos

currículos da disciplina, o debate sobre cientificidade, além da formação para atuação

profissional no ensino e na pesquisa em Sociologia.

Para isto, retomamos um conjunto amplo de debates que envolve reformas

educacionais (e, portanto, legislação educacional), reflexões sobre a educação e o ensino (feitas

por sociológicos, por agentes do Estado, pela Igreja, entre outros atores), além de analisar os

sentidos de cientificidade em jogo no processo de construção do conhecimento sociológico9.

Deste modo, utilizamos o arcabouço teórico-metodológico de autores relacionados a estas

temáticas, tais como Antonio Gramsci, Max Weber, Helena Bomeny, Otaíza Romanelli,

Amaury Moraes, Fernando Limongi, Sérgio Miceli, Simone Meucci, Demerval Saviani, Simon

Schwartzman, Pierre Bourdieu, André Chervel e Ivor Goodson.

Desse modo, foram fundamentais pesquisas documentais, bibliográficas e nas teses

anteriormente realizadas de Soares (2009), Guelfi (2011) e Neuhold (2014), pois recuperaram

a trajetória da disciplina na primeira metade do século XX a partir de enfoques diversos.

Utilizamos estas teses como fonte documental secundária, principalmente para identificar a

formatação, os interesses e usos do currículo de Sociologia na década de 1930, além de

investigar a trajetória da Revista Sociologia.

Além disso, foram fundamentais as pesquisas realizadas presencialmente nos

arquivos do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil

9 Nos parece que a Sociologia até os anos 1930 tem como norma e prioridade a construção de conhecimento

conectada ao espaço escolar; perspectiva que se altera nos anos 1940 rumo à cientificidade. Investigamos isto a

partir do processo de construção desse ideário: como esse campo de construção teórica recusa ou às vezes se

aproxima da sua disciplinarização escolar e como isso se deu ao longo do período destacado.

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(CPDOC/FGV), no Arquivo Edgard Leuenroth (IFCH/UNICAMP) e a Biblioteca Octávio

Ianni (IFCH/UNICAMP), em busca – e respectiva coleta - de documentos relevantes sobre o

período. Conseguimos realizar nestes três arquivos pesquisas em fontes primárias, sobre a

primeira pós-graduação em Ciências Sociais do Brasil, fundada na Escola Livre de Sociologia

e Política de São Paulo (ELSP) em 1941; o anais do primeiro I Congresso Brasileiro de

Sociologia; além da comunicação de Delgado de Carvalho com o presidente Getúlio Vargas

sobre o currículo de Sociologia em pleno Estado Novo.

A procura das fontes primárias neste caso se justifica pela necessidade de explorar

de forma renovada essas fontes, ou dar relevância e devida análise a novas descobertas. Nosso

interesse nessas buscas se deu principalmente pela necessidade de levantar evidências que

reforçassem a hipótese inicial de descolamento das sociologias escolar e acadêmica.

Procuramos o verbete “sociologia” nos dois arquivos, além de autores relevantes como

Francisco Campos, Gustavo Capanema, Getúlio Vargas, Alceu de Amoroso Lima, Anísio

Teixeira, Delgado de Carvalho e Fernando de Azevedo. No AEL, já tínhamos feito pesquisa

anterior e especificamente sobre a pós-graduação da ELSP e Donald Pierson, o que, por si só,

orientou nossa busca posterior.

Os documentos selecionados foram fotografados à medida que foram encontrados,

e, posteriormente, organizados e analisados. Procuramos concentrar a análise dos documentos

nos próprios capítulos e sua reprodução na íntegra no setor de anexos, ao final do texto da tese.

Outra opção metodológica que realizamos foi a edição de “mini currículos” dos agentes e

sujeitos presentes em notas de rodapé a medida que estes aparecem no texto da tese para que

os leitores conheçam as trajetórias dos personagens citados e tenham conhecimento, mesmo

que pouco aprofundado, de seu posicionamento político.

Por fim, nos cabe dizer que o processo de coleta destes documentos foi marcado

por dificuldades, desde de aspectos práticos como documentos com pouca legibilidade, quanto

a aspectos que dizem respeito as atribuições familiares e de trabalho do próprio pesquisador.

No entanto, apesar destas, acreditamos que trazemos um conjunto de documentos relevantes

para análise do período em tela, jogando luz a aspectos ainda pouco explorados nos estudos de

Ensino de Sociologia.

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1.4. Estrutura da tese

Nossa pesquisa, objetiva investigar diferentes concepções sobre o ensino de

Sociologia estabelecendo nexos entre os conteúdos ministrados e os regimes em que foram

estabelecidos para esclarecer os rumos da produção do conhecimento sociológico.

Investigamos as condições de constituição desta área de conhecimento, seus agentes e

interesses, além de analisar as continuidades e rupturas no ideário sobre o ensino da disciplina.

Isto está refletido na tese e sua estrutura.

Com efeito, o capítulo 1, contextualiza a primeira entrada das Ciências Sociais no

Brasil, especificamente da disciplina Sociologia no ensino secundário. Nos interessa neste

explicar a questão das fronteiras disciplinares e identificar quais foram os saberes de referência

e a conjuntura de constituição da disciplina. Como fato relevante, podemos demarcar que nos

anos 1920 a disciplina é efetivamente incluída no currículo escolar brasileiro pela Reforma

Rocha Vaz (1925), antes, portanto, da criação dos primeiros cursos de graduação em Ciências

Sociais, ocorridos na década de 1930.

Sabemos que os processos de institucionalização de um campo científico

relacionam-se também com os processos de profissionalização e legitimação das disciplinas,

no entanto, o foco desse capítulo é tratar da questão da delimitação, demarcação e rupturas das

fronteiras disciplinares e a interface do campo da Sociologia com o campo da Educação, pois

essa recuperação histórica é fundamental para a compreensão plena da tese. Sendo assim,

recuperaremos a conjuntura educacional nos anos 1920 e tentaremos estabelecer conexões entre

esta, a Sociologia e seu currículo.

No capítulo 2, nos debruçamos sobre a trajetória da disciplina na escola durante os

anos 1930, já que esta permanece durante toda a década, sinalizando processos nacionais de

ruptura com a Primeira República, a ascensão de Getúlio Vargas, a consolidação de reformas

de Estado, do Ministério da Educação e florescimento da produção industrial e do Brasil

urbano. No campo educacional e sociológico, a década é marcada por disputas, principalmente

pela reação da Igreja Católica ao Manifesto dos Pioneiros e às diretrizes adotadas pela

Associação Brasileira de Educação no período; também teremos modificações no currículo

escolar e o florescimento da publicação na área sociológica. Por fim, já na década de 1940,

teremos a edição de uma nova reforma educacional, na qual a disciplina sai do currículo, o que

nos leva a questionar os sentidos assumidos pela Sociologia até aquele momento.

No capítulo 3, trazemos o surgimento da universidade no Brasil, tendo como foco

primordial os anos 1930, demarcado por disputas, geradas principalmente pela reação da Igreja

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Católica ao ensino universitário carioca e as experiências universitárias paulistas. Analisaremos

esta conjuntura, de construção autônoma (ou nem tanto) das universidades, pois a Sociologia

emerge na academia neste período e adquire sentidos diferentes dos verificados até então, uma

diferença que será reconstruída analiticamente a partir do confronto, exposição e prática dos

projetos políticos-pedagógicos das instituições que analisaremos. Investigaremos, ainda, o

surgimento dos estudos pós-graduados da disciplina no Brasil no início da década de 1940.

E, no capítulo 4, investigamos as razões do descolamento entre as sociologias

acadêmica e escolar, ocorrido na década de 1940, já que a tendência verificada nesta década de

reorientação do saber sociológico se aprofunda no período imediatamente posterior. Para isto,

recorreremos, primeiramente, ao debate sobre cientificidade e história das disciplinas escolares

para, em seguida, investigar os movimentos feitos pela Sociologia e seu descolamento da

escola, pavimentando caminhos para entendimento do problema de pesquisa.

Por fim, ressaltamos que definimos como descolamento das sociologias, como o

processo no qual os sentidos, práticas e orientação voltados ao espaço escolar da disciplina,

tornaram-se sentidos, práticas e orientação voltados a sociologia científica e ao espaço

universitário. Analisamos este processo através da constituição do discurso científico, das

histórias das disciplinas escolares e do currículo, do próprio debate interno do campo e, por

fim, do insulamento acadêmico da disciplina. Em outras palavras, uma vez que a Sociologia se

constituiu como disciplina escolar, seu objetivo era ensinar/disciplinar quem? Para que? Onde?

A partir da inserção em quais diretrizes? Perguntas que pretendemos responder ao longo deste

texto.

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II. CAPÍTULO 1: EM BUSCA DA CIÊNCIA: REFORMAS EDUCACIONAIS E

SOCIOLOGIA NOS ANOS 1920

Este capítulo será constituído pela análise e recuperação histórica dos primeiros

passos da Sociologia no Brasil, com o objetivo de refletir sobre a suas primeiras aparições em

nossas instituições escolares. A disciplina é efetivamente incluída no currículo escolar

brasileiro pela Reforma Rocha Vaz de 1925, antes, portanto, da criação dos primeiros cursos

de graduação em Ciências Sociais, ocorridos na década de 1930.

Sabemos que os processos de institucionalização de um campo científico

relacionam-se, também, com os processos de profissionalização e de legitimação das

disciplinas, no entanto, o foco do capítulo é tratar da questão da delimitação, demarcação e

rupturas das fronteiras disciplinares e das interfaces entre Sociologia e Educação. Sendo assim,

recuperaremos a conjuntura educacional nos anos 1920 e tentaremos estabelecer conexões entre

esta, a Sociologia e seu currículo.

1.1. O primeiro surgimento da Sociologia no Brasil: século XIX e as duas primeiras

décadas do século XX

A Sociologia tem seus primórdios no século XVIII no continente europeu e inicia

seu processo de desenvolvimento científico e disciplinar no século XIX como a “ciência da

crise” - dentro do escopo das transformações sociais, culturais e econômicas promovidas por

duas revoluções fundamentais para a história: a industrial e a francesa (GIDDENS, 2005). Entre

as modificações marcantes tivemos êxodo de grande vulto populacional do campo para as

cidades, acelerada expansão da malha urbana e novas relações de trabalho com o advento das

indústrias. Todos estes elementos modificaram a ordem social anteriormente vigente e,

consequentemente, alteraram as relações humanas no período recortado, e, do imediatamente

posterior (BERGER, 1976).

A disciplina10 surge, então, com o objetivo de compreender, analisar e refletir

cientificamente as mudanças ocorridas neste momento histórico, já que como destaca Musse “a

própria concepção de vida social alterou-se bruscamente. Não se tratava mais de seguir a

tradição, mas de situar-se em uma dinâmica social em constante transformação e movimento”

(MUSSE, 2012).

10 Cabe ressaltar que nesta tese utilizaremos duas nomenclaturas para falar sobre a ciência de referência: Sociologia

e Ciências Sociais. Utilizaremos estas duas formas porque a presença da disciplina na escola também compreende

a Antropologia e a Ciência Política.

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Neste período inicial, as ideias de Augusto Comte (1798-1857), um dos fundadores

do positivismo (e da disciplina), ganham força. Comte defendeu a conjugação entre ciência e

saber público, na tentativa de implementar um projeto civilizador de sociedade harmônica, com

hierarquias socialmente consentidas, de modo que a manutenção da ordem social seria condição

fundamental para o reestabelecimento e funcionamento da sociedade. Nas palavras do próprio

autor:

Para explicar convenientemente a verdadeira natureza e o caráter próprio da filosofia

positiva, é indispensável ter, de início, uma visão geral sobre a marcha progressiva

do espírito humano, considerado em seu conjunto, pois uma concepção qualquer só

pode ser bem conhecida por sua história. Estudando, assim, o desenvolvimento total

da inteligência humana em suas diversas esferas de atividade, desde seu primeiro

voo mais simples até nossos dias, creio ter descoberto uma grande lei fundamental,

a que sujeita por uma necessidade invariável, e que me parece poder ser solidamente

estabelecida, quer na base de provas racionais fornecidas pelo conhecimento de

nossa organização, quer na base de verificações históricas resultantes dum exame

atento do passado. (COMTE, 1978, p.35-36).

No Brasil, a Sociologia se organiza no último quartel do século XIX – poucos anos,

portanto, após seu surgimento europeu - e encontra terreno fértil para sua implementação, já

que as transformações políticas, econômicas e sociais da recém proclamada República (1889)

se faziam sentir e, ao menos em tese, precisavam dos instrumentos científicos para seu melhor

entendimento.

O positivismo - que na Europa tornou-se o principal vértice ideológico dentre os

opositores da monarquia no fim do século XIX - foi apropriado, revisto e adaptado à realidade

nacional. A partir do racionalismo e da busca pela ordem que propunha, tornou-se uma das

pedras fundamentais de um projeto civilizador que daria ao país feições republicanas e

modernas (ALONSO, 1996). Na prática, reuniu sob sua égide, setores sociais dominantes

economicamente que ganhavam lugar na cena nacional e que passavam a ambicionar a criação

de um regime federativo que atendesse aos seus interesses, sem, porém, dispensar símbolos do

atraso característicos do Brasil11.

Segundo Alves e Costa (2006), e, Tomazini e Guimarães (2004), a Sociologia é

recebida neste cenário como novidade intelectual e elemento construtor de reformas que

ajudariam a ajustar o país à ordem social democrática12. Cabe destacar, portanto, que a

11 Demarcamos que o positivismo - na sua introdução no Brasil - assume uma faceta primordialmente política, de

modo a reforçar o estabelecimento de uma ordem e moral política oriunda uma determinada classe social. Seu

surgimento em terras brasileiras pouco teve a ver com o movimento científico verificado no âmbito europeu, que

dará origem à Sociologia. 12 Esta busca racional por uma identidade nacional e a ruptura com o atraso que nos marcava até o período

republicano permanecerá em franca ascensão até a década de 1940.

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disciplina surge no período histórico em que o Estado nacional começava a desenhar uma ampla

reformulação de suas funções e natureza. Nesse sentido, é importante ressaltar que a trajetória

da disciplina no Brasil, como destacam MEUCCI, 2000; MORAES, 2003 e SANTOS 2004,

inicia-se efetivamente a partir dos bancos escolares em um período conturbado do ponto de

vista político, o que reverberará na trajetória histórica da disciplina entre nós.

História que se inicia em 1882, quando o deputado Rui Barbosa13 apresenta parecer

ao projeto de reforma educacional apresentado pelo conselheiro Rodolfo Dantas. Tal parecer

propõe uma ampla reestruturação do ensino, propondo mudanças na sua organização, etapas e

duração. Nesta proposta de reconfiguração aparece a primeira proposta de inclusão da

disciplina, ainda no primário, sob o nome de “Elementos de Sociologia”14.

O jurista propõe a substituição da disciplina de direito natural pela Sociologia. Esta

alternativa parecia-lhe adequada para substituição da ideologia legalista apegada a imperativos

intelectuais abstratos pelos resultados da investigação experimental que a Sociologia poderia

oferecer. Segundo Barbosa, a perspectiva científica auxiliaria os juristas a elaborarem as leis,

livrando-os das longas discussões metafísicas acerca da naturalidade lógica de certos princípios

jurídicos:

Ao Direito Natural, pois que é metafísica, antepomos a Sociologia, ainda não

rigorosamente científica, é certo, na maior parte dos seus resultados, mas científica

nos seus processos, nos seus intuitos, na sua influência sobre o desenvolvimento da

inteligência humana e a orientação dos estados superiores” (BARBOSA, 1947b, p.

106);

A ideia de inclusão da disciplina estava, portanto, conectada a propostas e

princípios de modernização do Estado e da instrução pública, inclusive porque Rui Barbosa

realizou estudos sobre educação acerca das experiências educacionais em alguns países

considerados “civilizados”:

A tendência universal dos fatos [...] reforça, e amplia, entre os povos mais

individualistas, com o assentimento caloroso dos publicistas mais liberais, o círculo

das instituições ensinantes alimentadas pelo erário geral; aduz todo dia o concurso de

13 Rui Barbosa (1849-1923), lutou, entre muitas das questões que defendia, em prol da instrução popular. Ele

sempre esteve presente nos mais diferentes “campos de luta” e, durante o Brasil Imperial até sua transição como

República, não foram poucas as questões que Rui Barbosa defendeu, entre elas: a luta pela libertação dos escravos,

a Reforma eleitoral, a Constituição Republicana, assim como a fervorosa defesa a favor da modernização do país.

Para melhor compreensão da atuação de Rui Barbosa, recomendamos as obras BARBOSA, Rui. Reforma do

ensino secundário e superior. Obras Completas. v. IX, t. 2. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942

e MACHADO, Maria C. G. Rui Barbosa: Pensamento e ação. Campinas, SP: Autores Associados; Rio de Janeiro:

Casa de Rui Barbosa, 2002. 14 ANEXO 1: Sociologia no currículo proposto por Rui Barbosa.

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novos argumentos em apoio da colação dos títulos universitários sob a garantia do

Estado, e reconhece, cada vez com mais força, a necessidade crescente de uma

organização nacional do ensino, desde a escola até as faculdades, profusamente

dotada nos orçamentos e adaptada a todos os gêneros de cultivo da inteligência

humana (BARBOSA, 1947b, p. 85).

Após um detalhado levantamento de como se encontrava a educação em países

como Estados Unidos, França, Inglaterra, Áustria, entre outros, comparou-os com a realidade

brasileira, não lhe restando dúvidas sobre a deplorável situação da educação no país, propondo

a constituição de um sistema educacional no qual a instrução deixaria de ser um privilégio das

classes abastadas.

Além da escola básica, Rui Barbosa propôs modificações no Ensino Superior, como

a introdução de novos cursos de caráter prático, atendendo às necessidades da transição para o

trabalho assalariado livre. Nas faculdades de Direito, por exemplo, propôs a supressão da

cadeira de higiene pública e a de direito eclesiástico - em virtude da não aceitação do abstrato

e da metafísica – e a inclusão de outras vinte cadeiras, entre elas a Sociologia.

Os pareceres de Rui Barbosa, no entanto, sofreram uma série de críticas ao longo

das décadas seguintes por parte de sociólogos profissionais. Costa Pinto alegava que a

justificativa para a inclusão da Sociologia nas escolas havia sido “infeliz e sectariamente

conservadora” (COSTA PINTO, 1947); para Fernando Azevedo o parecer fora muito bom, mas

não um “um plano de reforma ajustado à realidade” juntando vieses e instituições discordantes

(AZEVEDO, 1963); e, por fim, Amaury Moraes argumentará que embora pensado também

para a escola secundária, o projeto de Barbosa teria mais importância em termos de reflexão

aos cursos de Direito, ao sugerir a substituição do direito natural – uma abstração – pelo ensino

de Sociologia, “mais consentâneo com a ideia de origem social do Direito Positivo” (MORAES,

2011).

Nos primeiros anos da República, ainda no governo provisório de Deodoro da

Fonseca, com a Reforma Benjamin Constant em 189115, a disciplina é incluída como

obrigatória nos cursos médios, na cadeira de “Sociologia e Moral” a ser ministrada no último

15 Benjamin Constant (1836-1891) foi militar, engenheiro, professor e estadista. Exerceu grande influência na

difusão da filosofia de Augusto Comte, o que teve reflexo nas suas propostas educacionais. A Sociologia surge no

Brasil quase que simultaneamente aos escritos de Augusto Comte. Rui Barbosa e Benjamin Constant pensaram no

estabelecimento da disciplina na educação brasileira, antes mesmo de Durkheim implantá-la como disciplina

escolar na França, o que demarca mais uma vez a importância da experiência nacional.

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ano do secundário. No entanto, nunca foi posta em prática, Adriano Giglio (1999) aponta os

motivos:

No período que durou até 1897 (ano do novo regulamento do Ginásio Nacional), a

nova cadeira, ou não foi posta em prática efetivamente, ou, por constar em apenas um

semestre, foi instituída somente no “papel”. Benjamin Constant ocupou o Ministério

do Telégrafo e da Instrução Pública no governo de Floriano Peixoto, e viria a falecer

no ano seguinte à promulgação da reforma que recebera seu nome – fato que guarda

em si uma outra possível explicação para tal reforma não ter sido levada a termo

(GIGLIO, 1999. p.37).

Moraes também demarca que a Reforma Constant “nem chegou a vingar devido a

desentendimentos entre o autor e o marechal-presidente, morrendo o ministro pouco depois de

se iniciar o governo constitucional do qual nem fez parte” (MORAES, 2011, p.361). Neste

primeiro momento, portanto, a disciplina existe em termos legislativos, mas encontra

dificuldades para se ancorar no sistema educacional vigente, sendo possível destacar dois

movimentos que serão fundamentais para seu desenvolvimento futuro.

O primeiro conecta-se à efetiva aparição no currículo formal e sua influência no

caráter positivista da proposta de reforma – não à toa a disciplina na legislação é nomeada de

“Sociologia e Moral”. Para além disso, algumas disciplinas foram suprimidas em favor da

construção de um currículo apoiado em disciplinas consideradas naquele momento técnicas e

científicas, que aproximariam o aluno de uma compreensão racional da vida e de um projeto

societário calcado na ideia de acesso, divulgação e produção do conhecimento científico. Nesse

sentido, ressaltamos que a Sociologia, representava, neste contexto, uma ferramenta científica

de acesso racional e compreensão de mundo no século XIX.

O segundo movimento refere-se ao fato de que embora a disciplina não tenha

entrado efetivamente na sala de aula no período, esta ganha força nas em propostas de atuação

a investigação dos problemas sociais brasileiros expressas na reflexão de autores como Alberto

Torres, Delgado de Carvalho, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Pontes de Miranda, Oliveira

Vianna e Silvio Romero. Com efeito, vale destacar que não se trata de apontar protagonismos

isolados dos autores, mas sim que a sociedade vai, aos poucos, se constituindo como tema e

problema visto a partir da dinâmica social, movimento para o qual concorrem autores

supracitados16.

16 Para exemplificar nosso ponto, Elide Rugai Bastos ao analisar a obra de Oliveira Vianna aponta para três

momentos principais e estes demonstram como a questão societária vai moldando os interesses da intelligentsia

neste contexto: “o primeiro, representado pela formulação de uma explicação sobre a constituição da sociedade

brasileira, que corresponde à obra escrita até o final dos anos 1920. O segundo, correspondendo à interrupção

dessa pesquisa nos anos 1930, quando o autor passa a dedicar-se a questões jurídicas, principalmente relacionadas

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Lembramos que a transformação das antigas províncias imperiais em estados

membros dos Estados Unidos do Brasil, criou uma federação que manteve a autonomia desses

mesmos estados em diversas áreas, notadamente a educação17. Desse modo, mesmo tendo sido

considerada componente curricular obrigatório na reforma, a obrigatoriedade da Sociologia

ficaria restrita a instituições federais e, portanto, à cidade do Rio de Janeiro, então Distrito

Federal e ao Colégio Pedro II, única instituição federal de ensino, que poderia servir de modelo,

mas nada poderia impor as escolas fora da capital (MORAES, 2011).

1.2. A conjuntura nacional e os debates educacionais nos anos 1920

Nesta subseção do capítulo pretendemos explorar o contexto no qual o ensino de

Sociologia tornou-se efetivamente escolarizado no Brasil. Se a disciplina entra nos currículos

nos fins do século XIX, sua oferta apenas é consolidada nas décadas de 1920 e 1930 por meio

de experiências singulares como as reformas estaduais dos sistemas de ensino.

O contexto dessas reformas educacionais ajudam a delinear os caminhos que

fomentaram o debate sobre a necessidade de um sistema educacional amplo, além de nos ajudar

a enxergar como o ensino de Sociologia esteve inserido na escola – através da influência do

movimento escolanovista e das tentativas de formular um currículo educacional de âmbito

nacional – enfim, como a Sociologia aparece, nesta conjuntura, relacionado a esforços de

racionalização.

Segundo Cano (2012), a década de 1920 representa para o Brasil um processo de

transição econômica e social, a partir do chamado modelo primário exportador, rumo a um novo

padrão de acumulação e de crescimento interno. Se a década começa com expectativas positivas

no cenário econômico, o insuficiente crescimento das exportações na década de 1920, manteve

a produção em níveis altos e gerou lucros suscetíveis a estimular uma expansão da economia,

da urbanização e da indústria. Isso explica, em grande parte, o elevado nível do investimento

industrial no período18. Tal expansão gerou maior complexidade social e econômica, ampliando

os conflitos de interesses, obrigando o Estado brasileiro a se fortalecer institucionalmente.

ao direito do trabalho. O terceiro momento, pós-1930, corresponde à retomada da reflexão interrompida, quando

redireciona algumas questões, como é o caso da questão racial.” (BASTOS, 1993, p. 405 e 406). 17 Falaremos mais a frente do “pacto federativo” constituído a partir da constituição de 1891. 18 Destacamos que a dinâmica de crescimento de São Paulo foi muito mais intensa e diversificada do que a do

restante do país, consolidando, a partir daí uma concentração industrial que só perderia seu ímpeto a partir da

década de 1970.

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O conservadorismo das elites gerou o aumento considerável do aparelho repressor,

portanto, podemos pensar neste período, portanto, na diversificação social e econômica do país,

mas não em um encaminhamento democrático para a resolução dos conflitos oriundos destas,

como razões que os movimentos reivindicatórios chegaram à ruptura de 1930.

Sendo assim, embora se desenhasse a pacificação com a classe trabalhadora em vias

de organização, através do aumento do emprego, lucros e salários, os anos 1920 foram

marcados por inevitáveis conflitos oriundos do excesso de capacidade produtiva (café e alguns

setores industriais); conflitos de interesses entre frações da burguesia; reivindicações por mais

direitos sociais e expansão do movimento revolucionário tenentista, que culminaria nas

Revoluções de 1922, de 1924, na Coluna Prestes no mesmo ano.

O crescimento e a diversificação da economia tiveram outras importantes

implicações no campo educacional, como, por exemplo, o aumento da procura de trabalhadores

mais qualificados, a ampliação de serviços de apoio e o aumento dos nexos de interdependência

estrutural (agricultura-extração-indústria-serviços). Na década de 1920 o encontro entre

economia e educação, com a progressiva generalização do trabalho livre cria pressões para a

escola, ocasionando a tímida expansão de sua oferta e qualificação.

Nesse sentido, aliando aspectos econômicos e educacionais, podemos dizer que o

Estado estava acumulando recursos, o que pode ter gerado simpatia, impulso e justificativas

para as reformas educacionais19. No que se refere à disciplina, devemos lembrar que as reformas

educacionais dos anos 1920 foram realizadas sob a égide da constituição de 1891, que impôs

um pacto federativo descentralizado de inspiração no liberalismo inglês, na democracia

francesa e no federalismo norte-americano. Três foram as modificações significativas na

estrutura do Estado na Constituição de 1891, elas são: a mudança da forma de governo

monárquica para a republicana, do sistema parlamentarista para o presidencialista e, quanto à

forma de Estado, de unitário passou a ser Federal. Desde 1891 as sucessivas leis fundamentais

foram marcadas pela Federação e seu funcionamento foi objeto de reiterados reparos.

A Sociologia surge no currículo nesta conjuntura, em que no campo educacional

também se constituíam apelos para a centralização do conteúdo escolar. Não obstante, a mesma

lei que a introduziu no currículo também criou o Departamento Nacional do Ensino, órgão cuja

função seria regulamentar e fiscalizar o ensino secundário e superior, “tratava-se de uma

19 Inclusive as leis e a formação ambiciosa de professores de Fernando de Azevedo, que trataremos adiante, podem

ser explicadas por esse momento financeiro. Já que a consolidação da economia paulista nos anos 1920, como

principal lugar da acumulação nacional atraiu grandes empresas internacionais, que para lá foram produzir ou

montar produtos de maior complexidade tecnológica.

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adequação às tendências de centralização administrativa, em atendimento às demandas do que

então se convencionou nomear de ‘organização’ nacional” (MEUCCI, 2015, p.252).

A disciplina, portanto, se consolida na escola em um período de críticas ao pacto

federativo e tentativa de centralização do ensino, tanto que, em 1926, seria objeto de reforma

no sentido de atender orientações centralizadoras do então presidente Arthur Bernardes

(Moraes, 2011, p. 362). Portanto, o decreto de 1925 relativo à educação buscava, constituir, se

não um sistema nacional de ensino, um conteúdo estável e uma estrutura administrativa regular

para o ensino secundário e superior em todo o país (MEUCCI, 2015).

O efetivo ensino de Sociologia entrará em vigor, portanto, em consonância com a

primeira necessidade de reformar, normatizar e controlar o ensino. Até a década de 1920, como

veremos abaixo as elites brasileiras conseguiram organizar e manter o ensino de forma

fragmentada, porém, essa classe deixou de ser a única a procurar a educação, já que as camadas

populares começaram a enxergar a educação como meio de ascensão social para aqueles

privados de posses (ROMANELLI, 2005).

Na década de 1920, portanto, a educação ganha status, pela primeira vez, de

“questão nacional”. A expectativa e pressão pela constituição de uma educação do povo,

expansão da instrução pública, as reformas do ensino público ganha contornos não vistos

anteriormente e se tornarão o caminho esperado para “civilização” o que aumentará as pressões

sobre o Estado. Os quadros administrativos ganham terreno, pois as modificações que podem

promover utilizam instrumentos da estrutura burocrática, o que poderia fazer a discussão acerca

da modernização brasileira ou a nossa entrada no mundo “civilizado” ganhar novos rumos.

Sendo assim, ganha força o ideário de reforma societária pela via educacional que

obteve sua primeira formulação nos pareceres de Rui Barbosa, mas que terá como mote

principal, o combate ao analfabetismo que atingia entre 70% e 80% da população brasileira no

período. No entanto, como veremos, o projeto educacional teve como objetivo – que alcançou

mais rapidamente – “reproduzir, ilustrar e modernizar” nossas elites (MARTINS, 1987).

Apesar de seu objetivo inicial não ter sido alçando (e sua orientação tenha sido a

reforma da nação), destacamos que o debate dos anos 1920 mexe em questões antes pouco

pensadas na educação nacional, pensadas como política de Estado, tais como: a formulação de

currículos para os diferentes de níveis de ensino, as concepções e práticas pedagógicas a serem

utilizadas nos mesmos e o ainda incipiente desejo de construir as universidades brasileiras.

Mais do que um diálogo econômico com as grandes potências, o que começa a se

consolidar amplamente na década de 1920, é o dialogo também dentro da esfera

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cultural/ideológica com o mundo considerado àquela altura, “civilizado”, que se torna uma

obsessão20.

Nos anos 1920, esses intelectuais estarão reunidos na órbita da Associação

Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924 na Escola Politécnica de São Paulo constituída

por um corpo de intelectuais que estavam representados na figura de médicos, engenheiros,

juristas, professores, escritores e jornalistas – firmando-se como associação que congregava

todos aqueles interessados em educação, o que é significativo em termos do que chamamos,

nos termos de Saviani (2006), da discussão educacional como “grande problema nacional”.

Discussão esta, que iniciará uma frente luta na educação brasileira que indagará o

Estado acerca de seu envolvimento na questão, principalmente no que diz respeito a oferta

educacional, em consonância com a nova demanda social que se delineara:

A luta pela reforma do ensino tem também uma significação adicional: ela abre à

intelligentsia uma via para a ação. Em 1924, cria-se no Rio de Janeiro a Associação

Brasileira da Educação (ABE), por intermédio do setor da intelligentsia representado

pelos "educadores reformadores" (Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço

Filho, entre outros). A ABE promove pesquisas entre os professores de todo o país e

organiza colóquios periódicos para a discussão das teses sobre a reforma do sistema

educacional. Essas iniciativas repercutem na imprensa, contribuindo para unificar o

espaço cultural. (MARTINS, 1987, p.82).

Ganha força a defesa do processo de modernização da sociedade brasileira que teria

como matriz a defesa da instituição do ensino gratuito, laico e público, da inclusão dos mais

pobres e questionadora dos privilégios de classe, que limitam o acesso à educação. O que

pressionará o Estado a abraçar o ensino e estimular as reformas necessárias nas primeiras

décadas do século XX.

20 Este diálogo terá sua forma bem-acabada com o movimento modernista em 1922: intelectuais envolvidos no

movimento conseguem chacoalhar a vida cultural brasileira, questionando a política e vida social. Dentro da

oposição que estabelecemos anteriormente, os modernistas foram os primeiros a aliarem a perspectiva da

necessidade de reformas com os problemas mais candentes na sociedade, além de pensar a um projeto de

modernização, que se aliasse à identidade nacional. Acreditamos que a Sociologia ganha força nesse contexto,

pois passa a ser vista também como a possibilidade de resolução da desconexão entre política e vida social. Não à

toa, o modernista Mário de Andrade, escreve no livro “O empalhador de passarinhos” (1955): “algum filosofo

indiano que desejasse saber o que é a sociologia, pelo que, com este nome, se faz entre nós, se sairia mais ou

menos com essa definição: “A sociologia é a arte de salvar rapidamente o Brasil”. Outro marco desta tentativa de

dialogar com teorias externas é o movimento da “Escola Nova” que trataremos no próximo capítulo, mas que

promove na década de 1920 aglutinação de intelectuais em torno das reformas educacionais, que serão espaços

para existência e permanência do debate sociológico nos currículos escolares e universitários.

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1.3. Reformas educacionais nos anos 1920

Dados oficiais (BRASIL, 2002) apontam que o Brasil era um país com uma

população em crescimento que somava 17 milhões de habitantes em 1900. O incremento deste

número teve contribuições externas marcantes: o tráfico de africanos, que aqui tornavam-se

escravos até 1850 e o processo de imigração iniciado em 1870: portugueses, italianos,

espanhóis, alemães e japoneses foram os grupos mais numerosos, que, atraídos pela lavoura

cafeeira do Sudeste, e pelas áreas de colonização do sul do país, viram no país a possibilidade

de (re)construção de suas vidas.

Embora ainda majoritariamente rural21, o Brasil tomava contato com a aceleração

urbana e, simultaneamente, com a precariedade do investimento escolar. Como demarcamos

anteriormente, tornaram-se necessárias a qualificação para o trabalho industrial e urbano, já que

o mundo do trabalho passava à época por um processo de redefinição.

Neste contexto, o campo educacional se torna um instrumento para forjar o “país

moderno”, introduzindo modificações nos procedimentos, hábitos e visões, questionamentos

inéditos que trazem à tona novos atores e a problemática dos direitos e da participação social.

A oligarquia brasileira encontra-se diante da perspectiva de redefinir sua identidade social,

atribuindo-se um caráter missionário de pensar o país e rever suas mazelas (LAHUERTA,

1997).

A sociedade brasileira, portanto, adentrou o século XX, como uma sociedade com

perspectivas de poder e educação centralizados, mas estratificada economicamente e governada

por oligarquia em crise que detinha acesso pleno à educação. Estes foram os principais

elementos que justificaram as lutas e propostas de reforma na educação dos estados e de

investimento em educação na Primeira República, onde a disciplina dá seus primeiros passos.

1.3.1. Reformas do ensino brasileiro na Primeira República

Ao iniciar esta subseção, devemos alertar o leitor acerca do escopo das leituras que

faremos acerca das reformas educacionais. Embora o foco da tese seja a análise da Sociologia

como disciplina e sua institucionalização no Brasil, entendemos que tal processo não pode ser

21 Uma das questões principais recaía sobre a realização do trabalho no mundo rural, até então associado ao

escravo, mas agora tarefa de trabalhadores livres. Tomando como objeto central os escravos recém libertos, ou

seja, os que habitavam o mais baixo degrau da hierarquia social eram exatamente os menos protegidos contra

abusos e preconceitos de todo tipo que se manifestavam no atendimento dispensado pelo poder público

(CARVALHO, 2000).

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capturado ou pensado sem interface com as questões educacionais do período, afinal a

disciplina e seus atores principais se relacionam amplamente com as questões da escola

primária e secundária.

O segundo ponto que deve ser ressaltado é que analisaremos as reformas estaduais

de ensino primário, notadamente as do Distrito Federal (à época o Rio de Janeiro) e de São

Paulo, já que estas instituem a Sociologia como instrumento da formação de professores, além

de sociólogos presente em suas formulações e implementações. Nossa intenção em recuperar

rapidamente estas duas reformas é pensar o quanto a inserção da Sociologia neste processo, nos

ajudam a identificar os pressupostos que orientaram a produção dos primeiros currículos da

disciplina, em outras palavras, quanto o debate educacional dos anos 1920 nos ajuda a entender

a dinâmica da disciplina, o que, de fato, se procurava responder com o advento da Sociologia.

É preciso, neste sentido, reconhecer a importância do Colégio Pedro II na educação

básica nacional. Desde 1837, a partir de decreto imperial, a instituição se tornou o paradigma

para o ensino secundário no país22. Com a criação do colégio, concluiu-se uma etapa de

implantação de instituições escolares voltadas para a formação dos filhos das classes

dominantes, bem como daqueles que ocupariam posições junto à burocracia estatal e postos de

direção na sociedade civil (imprensa, educação, postos eclesiásticos, entre outros).

Embora o Colégio Pedro II tenha sido criado para a formação dos filhos das

oligarquias, o projeto de expandir suas unidades para o conjunto das províncias fracassa, devido

à clientela escolar pouco numerosa, bem como à falta de professores habilitados a atender as

exigências impostas pela organização do trabalho didático proposta para o ensino secundário.

Estas dificuldades determinaram a pouca acolhida para as iniciativas voltadas à

criação de um ensino secundário público em algumas províncias, o que as leva a adoção de um

sistema preparatório para os exames parcelados necessários para a entrada nos ainda incipientes

cursos superiores23. Como destaca Haidar (2008) nos anos 1880, o próprio colégio seria

atingido pela influência da sistemática de exames parcelados.

Desde modo, enquanto se mostravam numerosas as matrículas nos primeiros anos,

rareavam nas últimas séries, visto que muitos alunos aptos a prestar os exames para o ensino

22 A história do ensino secundário no período imperial esteve intimamente relacionada ao Colégio de Pedro II,

visto ser essa a instituição educativa que contou com o reconhecimento e a chancela do governo imperial, enquanto

escola que serviria de referência para todo o país. 23 Durante o período imperial, qualquer estudante que pretendesse o certificado de conclusão do ensino secundário,

condição necessária ao ingresso no ensino superior e a aprovação nos exames parcelados deveria requerê-lo ao

Colégio Pedro II.

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superior, abandonavam as instituições de ensino, voltando-se para os exames parcelados24. O

gargalo entre ensino primário e secundário explica a dificuldade em definir o sentido que

assumiria o ensino secundário e sua função25, já que este existia para pouquíssimos (HAIDAR,

2008).

O debate sobre a reconstrução da nação via escola primária e a leitura da

“decadência” do ensino público foram recorrentes nos anos posteriores à Proclamação da

República e a crítica mais contundente dirigia-se ao que considerava excessos do regime

federativo implantado. A situação do ensino primário teria se agravado ainda mais, pois, sob a

forma da federação, foi concedida a cada estado plena liberdade para gerir os negócios da

instrução pública.

Epitácio Pessoa promoveu, em 1901, uma reforma do ensino que propiciaria a

concretização do idealismo de Benjamin Constant, corrigindo e adaptando a reforma deste às

realidades regionais. Na proposta de Pessoa, a educação nacional deveria priorizar a formação

secundária, visando a consolidar a estrutura seriada do modelo educacional. Até aquele

momento, o ensino era desvinculado da frequência obrigatória, prevalecendo na prática os

exames preparatórios, que davam aos alunos a oportunidade de acesso ao conhecimento pela

via seriada ou através de estudos individualizados e orientados fora das escolas.

Tal proposição criava uma contraditória possibilidade de aquisição de

conhecimento, com ou sem escola, o que acabou enfraquecendo o próprio espírito reformador

proposto, ora afirmando o valor da instituição escolar, ora o negando pelo mesmo princípio.

Estendeu também o privilégio da equiparação ao Ginásio Nacional não mais apenas aos liceus,

mas a qualquer instituição de ensino secundário, estadual, municipal ou privado.

A Reforma Rivadavia Correia (Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental,

decreto n° 8.659-1911) revogou formalmente a reforma anterior, eliminando a equiparação dos

estabelecimentos de ensino secundário ao Colégio Pedro II. Ficou estabelecido um ensino

completamente livre, e foi abolido o reconhecimento oficial de certificados dos cursos

secundários das escolas equiparadas. Foram também abolidos os certificados de conclusão do

Colégio Pedro II, expedidos por quase um século, e extintos os exames preparatórios parcelados

24 Ainda segundo Haidar (2008), essa discussão vai atravessar todo o final do século XIX, estando presente nas

reformas Paulino de Souza, de 1870; Leôncio de Carvalho, de 1878; e na reforma encabeçada por João Maurício

Wanderley, o Barão de Cotegipe que, em 1888, aboliu as matrículas avulsas, os exames vagos e a frequência livre

no Imperial Colégio de Pedro II 25 Lembramos que o sistema educacional do período estava assentado sob o pacto federativo que fundamentava a

determinação de que cabia aos estados e municípios a tarefa de criar e desenvolver o ensino primário e secundário

e à união a responsabilidade pelo ensino superior, além do ensino primário e secundário na capital do país,

atribuição que repartiria, em regime de colaboração e concorrência, com o poder municipal.

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feitos junto às faculdades, que de certa maneira atestavam os estudos secundários. Dali em

diante, não seria mais preciso comprovar estudos secundários. As faculdades interessadas em

receber alunos promoveriam seu o exame de admissão. A Reforma ficou marcada como aquela

que resultou em desregulamentação excessiva, propiciando o caos na educação nacional com a

omissão completa do Estado em sua condução.

Já a Reforma Carlos Maximiliano (decreto nº 11.530-1915), revogou algumas

decisões tomadas pela Reforma Rivadavia Correia e estabeleceu outros tantos

encaminhamentos. Os pontos mais importantes desta podem ser assim sintetizados: foram

restaurados os certificados de conclusão do curso secundário expedidos pelo Colégio Pedro II

do Rio de Janeiro, reconhecidos pelo governo federal; foi reinstituída a possível equiparação

de outros estabelecimentos de ensino ao Pedro II, desde que fossem estabelecimentos públicos

estaduais; foram reinstituídos os exames preparatórios parcelados, pelos quais os estudantes

não matriculados em escolas oficiais poderiam obter certificados de estudos secundários

reconhecidos pela União; e foi mantida da reforma anterior apenas a eliminação dos privilégios

escolares. A Reforma Carlos Maximiliano, portanto, reestabeleceu a interferência do Estado

eliminada pela reforma anterior26.

É, no entanto, a Reforma Rocha Vaz (Decreto 16.782- 1925) a primeira a tentar

ampliar a abrangência da educação brasileira, tendo como foco a ampliação do atendimento do

ensino secundário público. Institui, por exemplo, o Departamento Nacional do Ensino, órgão

precursor do Ministério da Educação. O objetivo da reforma foi fazer a transição entre uma

educação preparatória para o ensino superior (de um número reduzido de discentes) rumo a

uma estrutura organizacional que permitisse o atendimento a um número significativo de

estudantes – além de formá-los satisfatoriamente para o mercado de trabalho (ROMANELLI,

2005; SAVIANI, 2006).

Esta reforma foi a última a afetar o ensino secundário na Primeira República. Suas

marcas foram, além da criação da disciplina de educação moral e cívica, a efetivação da

Sociologia no currículo, a continuidade do Colégio Pedro II como modelo e sua equiparação

apenas aos estabelecimentos de ensino secundário estaduais.

Ademais, foram instituídas juntas examinadoras nos colégios particulares para

exames de validade igual aos do Colégio Pedro II ou de estabelecimentos equiparados, sendo

assim, abolidos os exames preparatórios parcelados. Em seu lugar, foi instituída a

26 Além de possuir um certificado de conclusão reconhecido pela União ou um certificado de aprovação nos

exames preparatórios, para entrar no curso superior o aluno teria que prestar também um exame vestibular.

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obrigatoriedade de um curso ginasial de seis anos de duração, seriado, e de frequência

obrigatória com o intuito de promover uma seriação racional das disciplinas e organizar o

ensino com programas e horários mais convenientes. Deste modo, a frequência a uma série

dependeria da aprovação na série anterior.

A intenção foi realçar o aspecto formativo do ensino secundário, o que foi

neutralizado por um conjunto de medidas tomadas pelo Congresso Nacional.

Consequentemente, a reforma não foi totalmente aplicada. Em 1929, ainda existiam escolas

com exames preparatórios, sem currículo definido. Seu efeito mais forte foi tentativa de

moralização do ensino (ROMANELLI, 2005)27.

Os primeiros anos da República foram marcados por uma intensa influência da

ideologia positivista associada à manutenção dos privilégios das classes dominantes. No

entanto, a partir da entrada no século XX o ideário liberal começa, mesmo que timidamente, a

mexer com o status quo vigente. A principal tentativa das reformas é fazer com que a educação

passasse a ser entendida como direito e instrumento primordial para rompimento do país com

seu atraso, há um ajuste do campo educacional ao projeto de nação e ideologia vigentes.

Tomemos, como exemplo, a própria Reforma Rocha Vaz (1925), nesta o secundário

era entendido como prolongamento do ensino primário, para fornecer a cultura média geral do

país, compreendendo um conjunto de estudos com a duração de seis anos. No sexto ano, de

acordo com esta reforma, era oferecida a disciplina Sociologia.

Ao estudante que fizesse o curso do sexto ano e fosse aprovado em todas as matérias

que o constituem, era conferido o grau de Bacharel em Ciências e Letras. O candidato ao

vestibular devia apresentar certificado de aprovação nas matérias do quinto ano do curso

secundário emitido pelo Colégio Pedro II ou institutos equiparados, mas aquele que cursasse o

sexto ano tinha preferência na matrícula, independente da ordem de classificação. Portanto, o

sexto ano do ensino secundário, no qual a Sociologia foi inserida, conferia um privilégio aos

alunos que o concluíssem.

Sendo assim, a perspectiva moralizante que orienta a reforma de 1925 se conecta

com a necessidade de repensar (e modificar) os padrões e metodologias de ensino e a própria

27 Lembramos que esta concepção educacional está assentada e tem como influência acontecimentos posteriores à

primeira guerra mundial como a realização da Semana de Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista

Brasileiro, o tenentismo, a industrialização e urbanização crescentes e o florescimento de novos grupos sociais,

tais como burguesia industrial, classe média e operariado urbano. Grupos que vão reivindicar maior participação

política e direitos sociais, onde se encaixam as questões educacionais. Ressaltamos ainda, que na conjuntura

internacional, entre 1870 e 1930, a 2a Revolução Industrial se consolidava nos países centrais, e atingiria a fase

sua fase taylorista/fordista nos EUA: automóvel, eletricidade, rádio, cinema e telefone promovem intensas e

importantes transformações.

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cultura escolar dentro das instituições de diversos níveis, de modo acelerar a formação e atacar

os entraves ao processo modernizador brasileiro para a inserção do país na esfera internacional

capitalista.

Um dos atos mais significativos, portanto, da Reforma Rocha Vaz foi, como

supracitado, a tentativa de redirecionar o escopo de atuação do Colégio Pedro II - até então

voltada para atuação como espécie preparatório do ensino superior – propondo o

reestabelecimento do curso de bacharelado em ciências e letras e a instituição de uma escola

normal superior federal, para a formação de professores secundários.

Essa formulação na prática, apesar das proposições legais, teve dificuldade para ser

implementada, uma vez que o Estado pouco expandiu a rede educacional pública estadual (não

havia nem mesmo sistema nacional de educação, somente poucas e isoladas instituições

primárias, secundárias e superiores, com os excluídos das vagas novamente apelando à

iniciativa privada); não fez avançar a reforma do currículo escolar (disciplinas excessivamente

teóricas e de pouco apelo prático foram mantidas); além de sucumbir ao projeto oligárquico

brasileiro que manteve a educação como seu privilégio excluindo a maior parte da população

deste processo – o que foi percebido pelos que ansiavam por melhores condições de inserção

profissional.

O governo federal a partir de 1926, na prática, controlava, regulamentava e se

preocupava com o acesso ao ensino superior, levando aos estabelecimentos secundários a se

adequarem as suas exigências. Aqueles estabelecimentos que seguissem as exigências federais

se equiparariam ao Colégio Pedro II – isto é, aqueles que estudassem nesses colégios poderiam

ir direto ao curso superior, sem passar por novos exames. O ensino secundário, assim, era visto

como etapa preparatória, alavanca e passagem para o ensino superior. No entanto, o ensino

superior continuava isolado e incipiente, com poucas faculdades, subordinadas à legislação

federal.

Uma das tentativas de corrigir estas distorções da Reforma foi o Decreto

18.564/1929 que modificou a seriação do ensino secundário e instituiu o “Curso

Complementar”, visando a adaptação do ensino recebido na escola secundária com algum tipo

de “função social” prática. Nesta etapa complementar de ensino em que a disciplina de

Sociologia será inserida e efetivamente aplicada. Sendo assim, os anos 1920 experimentaram

significativas reformas estaduais de ensino que traduziram as iniciativas e preocupações com a

educação, e o Ensino de Sociologia, como aponta Nagle (2001), teve papel fundamental neste

processo:

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40

A presença da Sociologia, no currículo, constitui inovação muito significativa. (...)

[assim] a década de 1920, no domínio do “pensamento brasileiro”, caracterizou se

pela forte impregnação de preocupações de natureza “sociológica”. No mesmo

sentido deve ser interpretada a inclusão da sociologia nos estudos secundários (...). A

utilização e o desenvolvimento do pensamento social, na década, foram cada vez

maiores nos meios intelectuais, entre jornalistas, escritores, políticos ou estudiosos.

Por isso, nesse período, a sociologia poderia ser considerada a “arte de salvar

rapidamente o Brasil”, de acordo com a afirmação de Mário de Andrade (NAGLE,

2001, p. 197).

Cabe, pois, ressaltar que tais iniciativas estaduais se anteciparam, em muitos casos,

em relação às iniciativas do poder central, já que as reformas que analisamos nesse subitem são

federais e como não existia de fato uma rede federal de ensino ou mesmo de escolas federais

espalhadas igualmente pelo país, tais reformas tiveram cunho meramente organizacional. No

entanto, a força que aponta Nagle (2001) da Sociologia no “desenvolvimento do pensamento

social” na década, é evidente quando analisamos as reformas educacionais estaduais no período.

1.3.2. Reformas estaduais de ensino na primeira república: São Paulo

As reformas educacionais adquirem significação social ampla, com implicações

que não foram somente profissionais ou setoriais. Assim, podemos dizer que a Primeira

República é o momento histórico em que se questiona o modelo educacional herdado de forma

direta. Durante todo este período, haverá a manutenção de um sistema educacional dual:

enquanto o secundário e o superior eram controlados e vigiados pelo governo federal, os

governos estaduais detinham o ensino primário e profissional.

Nos aspectos de organização do Estado e de seu sistema federativo, o período

republicano acentuou também a crítica daqueles que observavam uma descentralização

excessiva e de um poder concentrado entre as lideranças locais e regionais. Essa engenharia de

poder desconcentrado significou o desenho de um modelo político em que a descentralização

não representaria a voz dos grupos sociais locais nos processos de decisão, mas ao contrário,

manifestou-se, local e regionalmente, o poder autoritário, do mandonismo e do controle político

frente à sociedade.

O debate educacional, será o epicentro de modificações nessa estrutura, como

vimos a criação da ABE estimulará debates sobre o projeto nacional e as responsabilidades da

educação em se pensar o país, com intelectuais preocupados com os destinos da nação seu

projeto de desenvolvimento político e econômico para o país. Em meio à crise estrutural e

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sistêmica da República, os anos 1920 experimentaram significativas reformas estaduais de

ensino que traduziram as iniciativas e preocupações com a educação. Das ações estaduais

relativas às reformas de ensino e que ocorreram em território nacional:

Eram reformas regionais, parciais, portanto. Não faziam elas, parte de uma política

nacional de educação, estando, então, sujeitas a todas as consequências advindas de

reformas limitadas a segmentos do território e da população e sujeitas às instabilidades

do poder público local, e inseridas num contexto territorial, demográfico, econômico,

político e cultural desigualmente desenvolvido. (ROMANELLI, 2005, p. 130).

Das ações estaduais relativas às reformas de ensino e que ocorreram em território

nacional, destacaram-se: a do Ceará com Lourenço Filho (1923), a de Carneiro Leão em

Pernambuco (1928) e a de Anísio Teixeira na Bahia (1925). Para fins desta tese, nos

concentraremos em duas reformas estaduais, pois identificamos relações destas com as

instituições que foram pioneiras na adoção do ensino de Sociologia. As reformas que

analisaremos, de modo breve, serão as de São Paulo (1920) e Rio de Janeiro/Distrito Federal

(1922-1928), pois posteriormente falaremos dos debates em torno da Sociologia nos dois

estados e seu espaço universitário.

Sendo assim, a reforma implantada por Sampaio Dória28, no Estado de São Paulo,

é entendida como um marco nas reformas estaduais, já que sua implementação é de 1920, e sua

experiência e parâmetros; acertos e erros serviram como espécie de guia para as reformas

posteriores.

Como demarca Saviani, a reforma alterou a instrução pública em vários aspectos

como a ampliação da rede de escolas; o aparelhamento técnico administrativo; a melhoria das

condições de funcionamento; a reformulação curricular; o início da profissionalização do

magistério; a reorientação das práticas de ensino; e, mais para o final da década, a penetração

do ideário escolanovista (SAVIANI, 2006). O debate dos anos 1920 tem como um dos seus

vértices o ideário de modernização da nação através da educação e um dos pilares desse

movimento é a inclusão do maior número de crianças e jovens no espaço escolar, embora esta

não seja necessariamente uma preocupação do Estado.

28 Antônio de Sampaio Dória (Belo Monte, 1883 — São Paulo, 1964) foi um político, jurista e educador brasileiro.

Foi Diretor-Geral da Instrução Pública (1920-1924), coordenou várias reformas de ensino. Entrou em 1904 na

Faculdade de Direito de São Paulo, formando-se bacharel em ciências jurídicas e sociais em 1908. Em São Paulo

exerceu a advocacia de 1908 a 1920, e atuou na educação. Foi vice-diretor do Colégio Macedo Soares e professor

de psicologia, pedagogia e educação cívica na Escola Normal de São Paulo, e professor substituto concursado de

direito público constitucional e de direito internacional privado na Faculdade de Direito de São Paulo. Foi

assistente jurídico no Ministério da Justiça e procurador regional do Tribunal Eleitoral de São Paulo, de 1934 a

1937. Demitido das funções públicas pelo regime do Estado Novo (Brasil), também foi exonerado de suas

atividades docentes na Faculdade de Direito de São Paulo em 1939, por ter participado de manifestações contra o

regime. Recuperou seu cargo docente em 1941 e, com a deposição de Getúlio Vargas.

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No entanto, essa questão motivava debates no começo da década, pois a qualidade

do trabalho pedagógico realizado nas escolas encontrava-se pressionada pela necessidade e

urgência da quantidade de alunos matriculados. Nosso modelo econômico-social não permitia

um bom equacionamento do problema e transformou em dilema o que poderia ter sido um

programa gradual de ampliação da escolarização (CAVALIERI, 2003).

Lembramos que o final da década anterior representou para São Paulo: crescimento

e fortalecimento das classes médias através de conflitos e dificuldades impostas para os

governos oligárquicos. Uma sucessão de greves, demonstrava que o movimento operário, havia

adquirido força significativa, por exemplo29. É nesse contexto de abalos na política tradicional

que São Paulo, sob o comando Washington Luís, escolhe como meta importante de sua gestão

o combate ao analfabetismo.

Sendo assim, para dirigir a Instrução Pública do Estado, é empossado Sampaio

Dória, que passa a elaborar a reforma do ensino, a qual se efetivaria logo depois. Sampaio Dória

representava à época a corrente liberal, a qual defendia a igualdade de oportunidades e a

evolução pela educação, fora vinculado à Liga Nacionalista de São Paulo e via o analfabetismo

como incompatível com a civilização – portanto, era um homem de seu tempo, conectado com

o ideário vigente no país.

Naquela conjuntura, propôs uma medida que aparentemente resolveria o gargalo

educacional: a redução da escolaridade primária obrigatória de quatro para dois anos estendida

a toda a população do estado, acelerando o processo de aprendizagem. Assim acreditava que se

resolveria o problema do número de escolas e criação de vagas, além de agradar aos governantes

paulistas no que diz respeito a contenção de despesas30.

Deste modo, acreditamos que se estabelece um contraponto frente às propostas

educacionais posteriores, como as de Anísio Teixeira, Francisco Campos, Lourenço Filho e

Carneiro Leão, pois, ao mesmo tempo que parte em defesa da importância da instrução

vinculada à meta de erradicação do analfabetismo, o faz aligeirando o ensino, diminuindo o

tempo do aluno no espaço escolar, ferindo a proposta inicial da Reforma.

Essa diminuição no tempo foi justificada pela busca de aplicação de um currículo

menos enciclopédico em relação aos anteriores, no entanto, a justificativa lança uma questão

29 Somente no período da greve geral de 1917 a 1920, ocorreram, no Rio de Janeiro e em São Paulo, mais de 200

greves operárias envolvendo cerca de 300 mil operários industriais (FAUSTO,1976) 30 Em mensagem ao legislativo, em 1920, Washington Luiz afirmou que para criar as escolas necessárias às

crianças paulistas que não as tinham, nos moldes então vigentes, seria necessário ampliar as despesas com

educação de 17% para 40% dos gastos públicos gerais (NAGLE, 1974).

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que será trabalhada nas reformas posteriores: como tornar o currículo mais acessível ao aluno

sem diminuir seu tempo e sua relação com o espaço escolar.

O problema revelava, para além da imperativa implementação de uma gestão

burocrática, a necessidade latente de construção de uma cultura escolar democrática. Nesse

sentido, a reforma de Sampaio Dória parecia navegar ao mesmo tempo no campo conservador

e progressista, como destaca Cavalieri (2003):

A convicção de Sampaio Dória no papel social da escola parecia vir ao encontro das

necessidades e intenções do governo paulista. Essa identificação, entretanto, como

ficou provado mais tarde, era bastante superficial. Os liberais de então, engajados num

projeto antioligárquico de fortalecimento da nacionalidade e modernização da

sociedade brasileira, estavam marcados pela proposta autoritária de higienização e

regeneração física, moral e social da população brasileira, por meio da qual poderia

ser alcançada a disciplina social necessária ao mundo moderno em construção. Para

eles, a escola seria o elemento chave desse processo. Apesar do viés autoritário, o

sentido geral de suas ações era reformista e progressista, ao contrário das forças

oligárquicas no poder. (CAVALIERI, 2003, p. 32).

Apesar das questões anteriores, o argumento vencedor do debate foi aquele que

defendia a redução do tempo de escola, que se tornou admissível visto que, o analfabetismo foi

o problema considerado central e a ser atacado pelos reformadores, tornando a qualidade do

ensino uma perspectiva secundária. Notamos, deste modo, como a questão do analfabetismo

toma o lugar de destaque nesse debate.

1.3.3. Reformas estaduais de ensino na primeira república: Rio de Janeiro

A reforma do Distrito Federal foi inicialmente conduzida em 1922 por Carneiro

Leão31, que também será o responsável pela reforma em Pernambuco alguns anos depois. Entre

1922 e 1926, Carneiro Leão assumiu a Diretoria de Instrução Pública do Rio de Janeiro e

elaborou o Projeto de Reforma do Distrito Federal, que não foi aprovado pelo Conselho

Municipal. Portanto, sua reforma não teve a abrangência desejada, pois as mudanças propostas

foram implementadas vagarosamente e com pouco respaldo legal (PAULILO, 2003).

31 Antônio Arruda Carneiro Leão (1887-1966) concluiu seus estudos primário e secundário em Recife e iniciou o

curso de Direito. Publicou seu primeiro livro em 1909, A Educação, no qual sugeria a difusão do ensino pelo

Estado, bem como apresentava ideias para a renovação escolar. Concluiu, em 1911, seu curso superior na

Faculdade de Direito de Recife. Após sua formatura, passou a exercer o magistério e o jornalismo. Entre os anos

de 1915 a 1916, participou de conferências e discursos em diversos estados, assumindo que estava em campanha

a favor da educação popular. Como resultado de suas conferências, lançou, em 1917, O Brasil e a Educação

Popular, defendendo a importância da educação popular para o país e destacando a necessidade de uma nova

educação, voltada ao ensino prático e à formação para o trabalho e cidadania.

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O posicionamento deste reformador é informativo sobre suas decisões e ações, já

que seu projeto para o Distrito Federal previa uma completa reorganização escolar, que teria

início nos campos político e administrativo para, então, prosseguir no campo pedagógico.

Em seu relato (LEÃO, 1926 apud PAULILO, 2003), fica clara sua preocupação

com o aumento dos anos escolares (e da escolarização) das massas operárias brasileiras. O dever

da instrução pública para Leão era buscar a causa do êxodo da população dos bancos escolares

para resolução do problema, uma clara oposição ao governo federal àquela altura que reforçava

políticas excludentes, com a adoção dos cursos complementares.

Uma das principais orientações de Leão foi a tentativa de investigar quem realmente

necessitava de ensino público, chegando assim a duas conclusões: que a gratuidade era

necessária e que a escola representava não apenas espaço de ensino na conjuntura dos anos

1920, mas também tinha importância no que diz respeito à assistência social. Sendo assim,

foram pensados e realizados esforços para ampliação da malha escolar e o estímulo a

transferência de professores das áreas centrais para os subúrbios (LEÃO, 1926 apud PAULILO,

2003).

Leão tentou promover, através das iniciativas da Diretoria Geral de Instrução

Pública criada por ele, ações em prol dos jovens que iniciavam sua trajetória no ensino público,

propondo renovação dos métodos de ensino que implicavam integração da escola nas realidades

cotidianas correntes, através da proximidade das escolas com suas respectivas comunidades. A

reforma também foi pensada “para dentro” já que foram tentadas – nem sempre com efeito

desejado - iniciativas para incrementar a formação e a remuneração dos docentes. Leão propôs

o cargo de diretor e catedráticos para as escolas e, quando necessário, professores adjuntos

(PAULILO, 2003).

Além do salário fixo, os professores adjuntos deveriam receber comissões quando

atuantes, e foi estipulado um valor de gratificação a ser oferecida aos diretores das escolas

urbanas e rurais; contribuindo assim para o aumento dos salários e revisão do quadro dos

professores. Tentou ampliar o foco de atuação e reflexão acerca do funcionamento escolar,

condições de trabalho nas escolas, espaços de atuação na educação e um valor social para

diferentes grupos profissionais ligados ao campo educacional. No campo pedagógico, procurou

divulgar para os professores da rede pública a pedagogia moderna, por intermédio de livros,

revistas e jornais técnicos vindos do exterior, além de filmes, conferências e reuniões. Apesar

da importância dada à reforma no ensino normal, defendeu a necessidade de preocupar-se com

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a formação dos professores em atividade. Justificava esta medida pela demora na formação de

novos professores e pela dificuldade de inclusão destes nas escolas (PAULILO, 2003).

Ao chegarem às escolas, os novos professores estariam em número menor e seria

mais provável que seguissem as normas dos mais antigos. Defendia a necessidade de

professoras substitutas para evitar que as crianças ficassem sem aulas por falta de professores.

Como a prefeitura não queria aumentar o número de professores contratados, sugeriu a

contratação de professoras substitutas efetivas. Havia tentado incluir na formação do professor

um ensino mais científico, ou seja, propiciando uma formação geral seguida das disciplinas

específicas como Psicologia, Pedagogia, entre outras. Defendeu que os novos programas para

o ensino normal deveriam basear-se em três ciências: Pedagogia, Psicologia e Sociologia

(PAULILO, 2003).

Para o caso da Sociologia, o objetivo era ampliar os horizontes do professor em

formação e torná-lo um ator relevante na sociedade rumo a sua modificação. Foi conferido,

neste sentido, um papel missionário para a disciplina: auxiliar e acelerar as mudanças sociais

em curso:

Carneiro Leão, entendia que, por meio da sociologia, a escola se realizaria

efetivamente como instituição influente na elaboração do Estado e da sociedade.

Nesse sentido, a disciplina deveria permitir, sobretudo, o reconhecimento do que ele

chama de necessidades sociais do tempo e do meio. Os problemas relativos à família,

à pobreza, ao crime, a imigração é que deveriam constituir os temas sociológicos a

serem investigados pelos próprios alunos através de inquéritos sociais. O objetivo

seria, pois, ensiná-los a ver, a observar e disso tirar experiência. E, afinal, na escola

que, no entender de Carneiro Leão, se deveria, a um só tempo, conhecer o meio social,

reagir sobre ele, conduzi-lo, orientá-lo. (MEUCCI, 2007, p. 458).

Apesar de suas iniciativas em organizar o ensino no Distrito Federal, a falta de

recursos financeiros dificultou a efetiva organização da reforma. O próprio Leão (1926)

apontou essa dificuldade como a maior encontrada em sua administração. Admitia que as

dificuldades materiais das escolas não poderiam ser resolvidas apenas pela sua administração,

seria preciso transpor as barreiras políticas para que o governo ampliasse sua arrecadação, por

meio de uma taxação especial para o ensino. Mas, a cada ano, diminuía-se a porcentagem dos

investimentos destinados ao ensino, como destacam Silva e Machado (2004):

Leão em 1926, apresentou as porcentagens destinadas ao ensino primário no Distrito

Federal, que eram as mais baixas das duas últimas décadas: 1911 – 15,6%; 1915 –

18,3%; 1920 – 16,45%; 1924 – 13,8%; 1925 – 11,5%. E, ainda, destacou que o custo

por aluno era, em 1925, 30% menor do que em 1922. Os investimentos destinados ao

ensino haviam diminuído nos últimos anos. O que prejudicava a organização das

escolas pela falta de investimento em prédios e demais necessidades físicas da escola.

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Havia falta de estabelecimentos de ensino e a prefeitura precisava alugar casas e

muitas delas estavam em estado precário de conservação. Com a falta de recursos para

os prédios escolares, salários de professores e investimentos pedagógicos foi

necessário manter dois turnos nas escolas, com quatro horas/aula, implantado desde

1919 (SILVA e MACHADO, 2004, p. 6-7).

A reforma do Distrito Federal foi marcada, no período 1922-1926, portanto, por um

chamado a escola para que se posicionasse diante da vida social e das exigências presentes e

futuras, com o estudante ajudando a reconstruir a realidade em proveito do meio social –

esbarrando na capacidade financeira do Distrito Federal para sua implementação. Com efeito,

o sentido assumido pela Sociologia, de necessidade de reformar o social, a partir dos critérios

científicos da disciplina, apontam para uma compreensão apurada do que precisa ser reformado

no ensino e na sociedade. A Sociologia nesta conjuntura, portanto, ajuda a construir pontes,

meios de contato entre educação e sociedade, entre o meio pedagógico e o social.

Neste caminho, a presença de Fernando de Azevedo na segunda parte da década e

sua atuação como diretor da instrução pública do Distrito Federal corroboram o sentido

assumido pela disciplina como produtor de conhecimento de se aproximar das questões sociais,

através de um diagnóstico sobre a Escola, sobre a Educação e sobre a Sociologia com uma

mediação que atravessa e está presente em um tempo histórico com possibilidade efetiva de

transformação, auxiliando o projeto de reforma social via campo da educação.

A nomeação de Azevedo refletia a rede que o acompanhava, já que ele havia sido

alçado à vida pública e política através de sua participação no jornal O Estado de São Paulo,

nas suas próprias palavras a publicação o preparou para função a ser exercida: “somente ao ser

provido no cargo é que avaliei, em todo o seu alcance, os serviços inestimáveis desse contato a

que me forçou a profissão de jornalista, com os fatos e os problemas da educação” (AZEVEDO,

1937, p.26). Ainda no jornal, Azevedo foi o articulador e responsável principal pelo Inquérito

sobre Educação Pública em São Paulo de 1926, que resultou em uma avaliação, em moldes

nunca realizados, dos problemas fundamentais do ensino de todos os graus e tipos, e serviu de

base para uma campanha nacional em favor de uma nova política de educação32.

O inquérito revelou um quadro preocupante da educação brasileira. A ausência de

diretrizes culturais, sociológicas ou científicas no ensino primário e normal, a inexistência de

articulação entre a prática educacional e as modernas teorias educacionais, a inércia ou

32 Três seções compunham o relatório. A primeira era dedicada ao ensino primário e normal; a segunda, ao ensino

técnico e profissional, e a última, ao ensino secundário e superior.

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resistência a mudanças do corpo docente diante de renovações necessárias, pedagógicas e

metodológicas, foram os pontos de maior destaque.

Ao assumir o ensino na capital federal, Azevedo procurou estabelecer a mesma

metodologia traçar um quadro interpretativo da educação no Rio de Janeiro que viria a servir

como orientação para o conjunto de reformas a serem implantadas. Organizou, portanto, um

recenseamento, dividindo o público escolar por idade, sexo, e, principalmente, por distritos

escolares.

Na esteira das mudanças já propostas por Leão, Fernando de Azevedo reelaborou

um Projeto de Reforma do Ensino, que foi submetido à aprovação do Conselho Municipal,

gerando divergências, como a anterior, em alguns pontos como quanto às “inovações” a serem

apresentadas, no âmbito político e educacional, à sociedade carioca.

Foram motivo de grande polêmica, principalmente, os pontos referentes à

contratação de funcionários para diferentes cargos, pois Azevedo defendia a realização de

concursos públicos, ao que o Conselho Municipal queria acrescentar o sistema de nomeações

pelo prefeito; e ao sistema de promoção/unificação do magistério, que pleiteava o nivelamento

dos vencimentos, bem como o aperfeiçoamento dos mecanismos de ascensão profissional para

as classes dos professores adjuntos.

Devido às polêmicas, o projeto foi alterado novamente, e somente seria aprovado

em 1928. O principal objetivo de Azevedo, e também podemos dizer, de Leão, foi através do

estimulo ao fortalecimento da estrutura burocrática em torno da educação e da organização

técnica da direção do ensino “uma força para estimular, coordenar e orientar” (AZEVEDO,

1937, p. 158). As reformas do período 1922-1928 tiveram, portanto, orientação rumo à junção

de uma consciência moral, com inspiração no positivismo e nas ideias durkheimianas, também

havia a preocupação em se aproximar de novos métodos de ensino e de organização dos fazeres

escolares.

Foram investigados para as reformas – se levarmos em conta a bibliografia utilizada

por Leão e Azevedo – autores como Montessori, Decroly, Kerschensteiner, Sussekind de

Mendonça, Dewey, Lunatcharsky e Hartman. Além da referência positivista europeia, portanto,

havia uma tentativa de se aproximar do pensamento inovador liberal, um tipo de liberalismo

que o jornal O Estado de S. Paulo então representava. Em outras palavras, embora Durkheim

fosse o principal autor e a inspiração para as reformas, os reformadores dialogavam com sua

compreensão, revisão e questionamento da noção do autor da escola como reprodutora da

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cultura da sociedade expressa pelo Estado – este ideário estava em conflito com pragmatismo

de Dewey, a razão kantiana, entre outras no campo da educação.

Outro objetivo foi conectar a escola pública ao ideário dos movimentos civis para

uma efetiva reforma da sociedade. Um sintoma disto é que as escolas foram pensadas como um

instrumento de reforma social: através da reforma do sistema escolar, poderia ser repensado

também o sistema produtivo, além de tornar possível o fomento de um civismo de cunho

nacionalista. Assim, a aposta das reformas dos anos 1920, sobretudo a carioca foi na

modernização via escola a partir de disputas com concepções sociais, econômicas e culturais

conservadas por quase quatro décadas de iniquidade política das oligarquias mandatárias. Como

política educacional, essa preocupação ganhou contornos específicos e os profissionais

envolvidos também se tornam atores na luta por um novo campo de direitos políticos e

educacionais.

1.4. Institucionalização da Sociologia no espaço escolar: a experiência do Colégio

Pedro II

A consolidação e o entendimento do que é o ensino secundário no Brasil passa

diretamente pela fundação do Colégio Pedro II. Não esmiuçaremos a história do colégio nos

seus primeiros anos, mas como deixam claro diversos autores (MENDONCA; LOPES;

SOARES e PATROCLO, 2013), as dificuldades encontradas nos seus primórdios estiveram

relacionadas no campo político às mudanças, adaptações (e readaptações) constantes exigidas

pelas reformas educacionais e no campo pedagógico e às dificuldades em lidar com o caráter

propedêutico e enciclopédico do ensino.

No caso específico da Sociologia, a conjuntura verificada acima tem papel

fundamental nas discussões sobre a implementação disciplina. A medida que o colégio é o

pioneiro na implementação do ensino secundário, podemos inferir que este foi também pioneiro

na inserção da Sociologia no currículo. Sendo assim, nosso esforço será dedicado a identificar

os atores e a conjuntura na qual os mesmos estão inseridos, na formatação da disciplina, e

posteriormente analisar os primeiros currículos da disciplina produzidos pela instituição33.

O ensino secundário, segundo a Reforma Rocha Vaz (1925), foi compreendido como

alongamento do ensino primário, para fornecer a cultura média geral do país, compreendendo

33 Ressaltamos, de antemão, que limitamos neste capítulo análise até currículo do ano de 1929 pelo fato dos

currículos posteriores passarem a ser expedidos pelo então Ministério da Educação e Saúde Pública, fugindo da

esfera exclusiva do Colégio Pedro II – estes currículos serão analisados posteriormente nos próximos capítulos.

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um conjunto de estudos com a duração de seis anos. No sexto ano, de acordo com esta reforma,

era oferecida a disciplina Sociologia34. No entanto, no currículo inicial do colégio, a Sociologia

aparece apenas como indicação da disciplina, entendemos que isto ocorre, porque havia naquele

momento ausência de pressupostos metodológicos pelas próprias dificuldades de uma

disciplina escolar recente em estabelecer suas fronteiras e seus conteúdos. Neste espaço que

entra o Colégio Pedro II, que possuíra a figura professor catedrático efetivo responsável pela

elaboração do currículo da disciplina após dois anos da publicação do decreto.

Podemos afirmar que a Sociologia já aparece envolta em disputa curricular

influenciada pelo sistema de cátedras, criado pela Reforma Rocha Vaz. A figura do professor

catedrático foi naquela conjuntura representada a partir de um estudioso da disciplina, que

domina a sua área de conhecimento. Para ocupar este cargo/função era necessário realizar um

exame de cátedra defendendo alguma ideia inovadora no campo de atuação, publicar obras

científicas na sua área de ensino, além de ser nomeado pelo Departamento Nacional do Ensino.

Cumpridas todas estas etapas, a permanência na cátedra era vitalícia.

A congregação sugere ao governo republicano o aproveitamento na cadeira de

Sociologia do professor Adrien Delpech na condição de interino, já que este fora aprovado em

exames internos para cadeira. A cadeira é aprovada em 1926, e em abril do mesmo ano, é

aprovado também o primeiro programa da disciplina possivelmente elaborado pelo professor

(SOARES, 2009).

Algumas considerações podem ser feitas acerca da indicação de Adrien Delpech35

para a cadeira de Sociologia, já que professor fora inicialmente substituto da disciplina de

Francês, e a sua indicação para atuar como interino em outra disciplina visava aproveitar sua

aprovação no concurso interno, mas também conter gastos, já que o mesmo estava no quadro

interno da instituição dispensando seu pagamento como substituto (SOARES, 2009).

34 Aos estudantes que fizessem o curso do sexto ano e fosse aprovado em todas as matérias que o constituem, era

conferido o grau de Bacharel em Ciências e Letras. O candidato ao vestibular devia apresentar certificado de

aprovação nas matérias do quinto ano do curso secundário emitido pelo Colégio Pedro II ou institutos equiparados,

mas aquele que cursasse o sexto ano tinha preferência na matrícula, independente da ordem de classificação.

Portanto, o sexto ano do ensino secundário, no qual a Sociologia foi inserida, conferia um privilégio aos alunos

que o concluíssem. 35 Adrien Delpech nasceu no ano de 1867 na Bélgica. Encontramos indícios de que teria vindo para o Colégio

Pedro II diretamente da Sourbonne, a pedido do então diretor Professor Carlos de Laet. Delpech fez seus estudos

de todos os níveis em Paris. No ano de 1892, aos 25 anos de idade, chegou ao Brasil, onde se estabeleceu

definitivamente. No Rio de Janeiro ingressou no Colégio Pedro II, em seguida no Instituto de Educação e na Escola

Nacional de Música, lecionando Francês e Arte. Foi professor de várias disciplinas, inclusive Literatura Brasileira,

pela qual nutria especial predileção. Foi também escritor e jornalista, com publicações na Imprensa do Rio de

Janeiro. Como catedrático elaborou o primeiro programa da disciplina.

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Ou seja, o surgimento da Sociologia levou a uma recomposição das cátedras do

Colégio Pedro II, tendo sido buscadas maneiras para acomodar a disciplina sem causar grandes

mudanças na composição do corpo docente. Delpech também não permaneceu nesta função por

muito tempo, devido ao fato, que sua atuação interina estava conectada a realização de um

concurso previsto para a cadeira de Sociologia em 1927, quando também haveria a

implementação do 6° ano, conforme previsto na reforma Rocha Vaz.

No entanto, visando a continuidade da disciplina no novo ano letivo, foram

aprovados em bloco os programas para as disciplinas do sexto ano, inclusive o de Sociologia,

com Delpech indicando os pontos do programa e os livros a serem utilizados. A mesma situação

repetiu-se em 1927, quando o programa da disciplina foi aprovado sem as discussões e

modificações que repetidas vezes apareceram na aprovação de outras matérias (SOARES,

2009).

A mudança nesta conjuntura só se consolidaria com a escolha de Carlos Miguel

Delgado de Carvalho36, no exame de 1927, para professor efetivo da cátedra da disciplina.

Carvalho havia apoiado em 1926 a indicação de Adrien Delpech a cátedra interina indicando

que não era de seu interesse naquele momento assumir a cadeira de Sociologia - já que era

catedrático da disciplina de Francês (BRITO, 2012).

Não podemos afirmar quais as motivações o fizeram modificar suas intenções, no

entanto, nos parece significativo o fato deste ter se tornado membro-fundador da ABE e

membro do Instituto de Educação atuando também na Escola Normal como professor da

disciplina, reunindo assim a atuação prática no ensino da mesma, além de participar das

discussões educacionais da década de 1920 onde a Sociologia foi encarada como uma disciplina

fundamental para superação do atraso brasileiro.

Para além disto, Carvalho se tornou, nos anos que se seguiram, um dos maiores

difusores do conhecimento sociológico no Brasil, porque como estabelecido na Reforma Rocha

Vaz, passou a ser responsável pela elaboração dos programas de Sociologia do Colégio Pedro

II37.

36 Delgado de Carvalho nasceu em 1884 na França, em razão do seu pai ser diplomata. Iniciou seus estudos na

Inglaterra e foi morar em Lyon, França, onde estudou dos onze aos dezoito anos no Externato Dominicano.

Bacharelou-se em Letras em 1905 pela Universidade de Lyon. Estudou Ciências Sociais na London School of

Economics. Falava inglês, francês e alemão; aprendeu o português apenas em 1906, quando voltou ao Brasil.

Tornou-se professor substituto de Inglês do Colégio Pedro II em 1920, foi promovido a Professor Catedrático em

24 de setembro de 1924, em substituição a Carlos Américo dos Santos. 37 Em 1927 Delgado de Carvalho passa a ser responsável pela elaboração dos programas de Sociologia do Colégio

Pedro II, instituição considerada padrão na época. Conforme a ata da Reunião da Congregação do Colégio Pedro

II de 26 de março de 1927, portanto, ainda com Delpech como catedrático interino, o programa de Sociologia foi

aprovado sem discussão. O mesmo teria ocorrido com o programa de 1928, segundo ata de 27 de março do mesmo

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Nos interessa, sobretudo, a partir de agora lançar mão da análise dos currículos de

Sociologia produzidos no período. Neste primeiro capítulo, analisaremos os programas de 1926

e 192938 - inseridos, portanto, no contexto da Reforma Rocha Vaz. Nosso objetivo é pensar os

sentidos assumidos pela disciplina entre a década de 1920 e 1940, assim, nossa intenção não é

propriamente verificar se os programas foram aplicados na prática (pois isto seria impossível)

mas verificar e comparar os caminhos e posturas teórico-conceituais assumidos pela disciplina

na década de 1920. Dito isto, vamos aos programas:

Tabela 1: Programa de Sociologia, Colégio Pedro II (1926-1928)*

PARTE CONTEÚDO

1a SOCIOLOGIA TEÓRICA

I. Definição e limites — A Sociologia é uma ciência em formação. — Sua graduação na

escala dos conhecimentos humanos. — Sociologia teórica e Sociologia pratica. —

Estatística e dinâmica, Filosofia da História.

II. Métodos da Sociologia. — A base da Sociologia é o estudo dos factos positivos da

História. — Aplicação da lei da casualidade. — Redução dos fatos ás leis da estatística.

— Dificuldade da experimentação. — Observação, comparação e classificação. —

Concordâncias e diferenças. — Caracteres da explicação histórica. — Perigos da

dedução em matéria sociológica.

III. Sofismas e erros. — Crítica histórica.

IV. Constituição da família. — Estado primitivo de promiscuidade. — Poligamia e

monogamia. — Matrimonio: indissolúvel ou sujeito ao divórcio. Situação dos filhos

matriarcado e patriarcado. — Extensão e desenvolvimento do regime da família;

herança, seu caráter primitivamente religioso. Tentativas de volta ao regime da

promiscuidade: o falanstério. — Tendência mundial para a monogamia.

V. Formação das sociedades humanas. — Humanidade gregária. — A tribo. — Condições

necessárias para a fixidez. — A cidade. — A nação. — Os impérios.

VI. O Estado. — Formas do governo; monarquia, aristocracia, democracia; monarquia

absoluta, republica, governos constitucionais. — Divisão dos poderes executivo,

legislativo, judiciário. — Funções do Estado: Internas (policia, justiça, burocracia,

economia — moeda, regularização dos contratos, comunicações, transportes,

comércio, instrução). Externas (defesa, relações internacionais). —Abuso do

estatismo. — Centralização e descentralização.

VII. Misticismo das coletividades. — Dualidade do homem egoísta e social. — Interesses

e deveres revestem-se de fé mística. — Gênese dos sentimentos coletivos: patriotismo,

justiça. — A guerra. — As religiões e o Estado.

VIII. Trabalho, propriedade, riqueza. — Comunismo primitivo. — Individualismo e

coletivismo. — Regime agrário. — Regime industrial. — Escravidão, servidão,

ano. Em 14 de novembro de 1929, a comissão de ensino deu parecer de aprovação ao programa apresentado por

Delgado de Carvalho para o ano de 1930, que em quase nada diferia do anterior, acompanhado das respectivas

“instruções” (SOARES, 2009). Além da elaboração dos primeiros currículos da disciplina, foi um dos maiores

difusores da disciplina no país ao publicar alguns livros de caráter didático como “Sociologia: summários do curso

do 6° anno” (1931), “Sociologia Educacional” (1933), “Sociologia e Educação” (1934), “Sociologia

Experimental” (1934) e “Práticas de Sociologia” (1937). Falaremos mais dessas obras quando adentrarmos no

segundo capítulo e as disputas curriculares nos anos 1930. 38 O currículo de Sociologia de 1926, elaborado por Delpech, foi reaplicado nos anos de 1927 e 1928, assim cabe

lembrar que a reforma Rocha Vaz determinava a aplicação do currículo do ano anterior se não houvesse discussão

obre o currículo no ano anterior. Somente em 1929 apareceria um novo programa com Delgado de Carvalho

(BRITO, 2012).

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trabalho livre — Federações sindicalistas. — Socialismo de estado. — Comunismo

doutrinário.

IX. Sistemas sociológicos. — Sociologia materialista e empírica; sociologia especulativa

e teleológica. — Exemplos da sistematização: Republica de Platão. — O contrato

social, Saint-Simonismo. Sociologia de Augusto Comte. — Marxismo. — A

Sociologia como arte. — Dificuldades das aplicações praticas.

2a FONTES HISTÓRICAS DA SOCIOLOGIA

X. Formação e evolução da civilização mediterrânea. — Origens asiáticas. — Civilização

egípcia. — Transição fenícia e egea. — Caracteres gerais da civilização mediterrânea.

Dissidência judaica.

XI. Caracteres da civilização grega. — A família, a educação. situação da mulher. — A

cidade, suas bases religiosas; sua extensão; colônias. — Solidariedades e rivalidades;

Amphyctionais. — A religião. — As organizações políticas. — Contrastes da

civilização grega e da civilização oriental. — O choque do V século. — A decadência.

XII. A civilização romana. — A organização familiar. — Rivalidade das classes e tendência

para o equilíbrio. — As lutas agrarias e a constituição do latifúndio. — Augusto e seus

esforços para a volta ás tradições. — Evolução da cidade para o imperialismo mundial.

— Poder e flexibilidade do direito romano. — Motivos da decadência.

XIII. O advento do cristianismo. Sua evolução nos Ires primeiros séculos e sua adaptação

ao regime social que acaba dominando. A absorção dos bárbaros na civilização

mediterrânea.

XIV. A Idade Média e o regime feudal. — A constituição das grandes nacionalidades. — O

equilíbrio dos dois gladios. — A luta do espiritual e do temporal. — A tendência para

o absolutismo político.

XV. Causas da Renascença. — Resultados econômicos e políticos das descobertas

marítimas. — Modificações nas crenças. — O Humanismo. — A Reforma. — O

triunfo do absolutismo. — O tradicionalismo familial e religioso.

XVI. O Século XVIII e o enciclopedismo. — As novas concepções sociais. — A crise

revolucionaria e a ditadura imperial. — A reação tradicionalista. — A vitória da

democracia.

XVII. Revolução econômica do século XIX. — A grande indústria e o poder da burguesia.

— A luta proletária.

XVIII. A crise de 1914. — A anarquia econômica e social contemporânea. — Tendência para

o individualismo na família e o socialismo no estado. — A experiencia russa. —

Resultados da política colonial do último século. — O esforço para a criação de uma

moral internacional.

XIX. Canalização da civilização mediterrânea na América Latina —Mentalidade dos

descobridores e conquistadores. — O aniquilamento das duas grandes civilizações

autoctonias. — O monopólio administrativo e comercial das metrópoles. — A

evolução da família no Novo Continente. — Formação econômica do espírito nativista

—Sua eclosão mística. — Sua realização revolucionaria. — Seu desenvolvimento

realista e pacífico. — Filiação mental ao espírito europeu na procura da originalidade

nacional, estética e social.

XX. Originalidade da formação brasileira. — A influência do meio extenso e variado. —

Organização da produção colonial; escravização índia do tipo duro e negra do tipo

branco e familiar. — O movimento constitucional do XIX século que redundou na

criação de uma monarquia americana já anacrônica. — A transformação republicana e

federativa. — Situação atual no concerto mundial.

* Programa adaptado para as normas vigentes da língua portuguesa, de maneira a facilitar a leitura. Elaborado

pelo autor, a partir das seguintes fontes:

1. SOARES, Jefferson da Costa. O Ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925-1941). 2009. Dissertação

(Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio

de Janeiro, 2009.

2. GUELFI, Wanirley. A Sociologia Como Disciplina Escolar no Ensino Secundário Brasileiro: 1925-1942.

2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade

Federal do Paraná, Curitiba, 2001.

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Tabela 2: Programa de Sociologia, Colégio Pedro II (1929)* PARTE CONTEÚDO

I - As Teorias Sociológicas 1. Generalidades – Objeto e definições.

2. Os fundadores da Sociologia: Comte. Spencer

3. Principais escolas sociológicas modernas.

4. A teoria das forças sociais.

II – As Sociedades Humanas 5. Influências do meio.

6. Formação e fixação de grupos

7. Os problemas demográficos

8. A questão das raças

9. As migrações humanas – A imigração

III - A Psicologia Social

10. Evolução orgânica e cultural.

11. Psicologia coletiva

IV - As Instituições 12. A família – Origens e modalidades

13. A moral – A religião – A Igreja.

14. O Direito e a Lei

15. O Estado e suas funções

16. A linguagem – A arte, sua expressão

17. Estrutura econômica da Sociedade

V - Os problemas sociais

contemporâneos

18. Anormais, retardados e defeituosos.

19. Pauperismo e miséria

20. Alcoolismo – Vícios sociais.

21. A proteção dos menores – os delinquentes.

22. O crime e sua repressão

23. O trabalho e o desemprego – Acidentes

24. Migrações urbanas

25. Os problemas da comunidade

26. Saúde pública e higiene

27. Obras de melhoramento social.

28. O papel da educação.

29. Guerra, paz e internacionalismo

30. O progresso social.

* Programa adaptado para as normas vigentes da língua portuguesa, como maneira de facilitar a leitura.

Elaborado pelo autor, a partir das seguintes fontes:

1. SOARES, Jefferson da Costa. O Ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925-1941). 2009. Dissertação

(Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio

de Janeiro, 2009.

2. GUELFI, Wanirley. A Sociologia Como Disciplina Escolar no Ensino Secundário Brasileiro: 1925-1942.

2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade

Federal do Paraná, Curitiba, 2001.

De antemão, lembramos que esses programas representam a primeira aparição de

um currículo sistematizado da disciplina no Brasil que, de fato, fora aplicado com estudantes

de ensino secundário. Analisaremos, portanto, nas próximas linhas, as primeiras formulações

sobre o que foi disposto. O primeiro ponto da análise entre os dois currículos recairá sobre o

tamanho e abrangência dos currículos.

Como exposto na tabela 1, o primeiro programa da “Cadeira de Sociologia” do

Colégio Pedro II, entre 1926 e 1928, foi organizado em duas partes: Sociologia teórica e Fontes

históricas da Sociologia, cada uma delas é composta por conteúdos específicos. Como esta

constituiu a primeira aparição da disciplina no currículo escolar, há preocupação em mostrá-la

como uma ciência que detém especificidade, o que justificaria sua presença no currículo,

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evocando suas teorias, definições, limites e metodologia. No entanto, a segunda parte é toda

dedicada as fontes históricas da Sociologia, de forma a focar na demarcação de mudanças

sociais ocorridas na história da humanidade, do que efetivamente analisar os processos em tela.

Outro dado interessante do currículo de 1926, é o aparecimento de conteúdos

pertencentes à História, à Filosofia, à Antropologia e à Ciência Política como auxiliares da

Sociologia. Portanto, embora houvesse na 1a parte uma tentativa de especificar a disciplina, seu

conteúdo aparece mediado na 2a parte pela interface com outros campos das Ciências Humanas

já consolidados no currículo do secundário.

Além da extensão e enciclopedismo do currículo, cabe ressaltar também a

preocupação em trazer, mesmo que final do programa, questões brasileiras para o debate, num

momento em que nem sequer existia uma geração consolidada de sociólogos brasileiros.

Acreditamos que esta inserção de questões nacionais no currículo estaria conectada às

dimensões de formação e intervenção que os reformadores pretendiam com a Sociologia:

aproximá-la das questões nacionais, para analisá-las, e, posteriormente pensar em

modificações. Nesse sentido, as dimensões reivindicadas no currículo da disciplina são histórias

e teóricas, não há demonstração de preocupação com efetiva aplicação prática do que fora

estudado no currículo. Não é indicada, mesmo que minimamente, a necessidade de pesquisa,

por exemplo.

O programa foi modificado em 1929 (Tabela 2) pelo decreto 18.564/1929, no

entanto, as modificações promovidas no curso secundário não alteraram a situação da

disciplina, que permaneceu no 6o ano do complementar. Mas, no que concerne ao programa do

ensino, comparadas com as do programa anterior, as alterações foram significativas. A

organização foi dividida em cinco temas compostos por uma determinada seleção de conteúdo.

Comparando-se o programa de 1925 com o de 1929, percebe-se que os conteúdos

propostos no último são mais próximos e específicos da Sociologia. Nesse programa,

predominaram conteúdos contemporâneos à época, identificando-se uma preocupação com os

problemas nacionais. Mas, uma preocupação que envolvia, não apenas as reflexões sobre os

problemas, mas prioridades e ações para enfrentá-los (GUELFI, 2001).

Neste currículo, a preocupação com os métodos da disciplina continua demarcada,

mas o enfoque histórico é transferido para os “problemas sociais contemporâneos”.

Acreditamos que estes “problemas sociais” sejam uma conjugação entre as questões analisadas

pela disciplina no início do século – a partir da microssociologia proposta pela da Escola de

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Chicago: habitação, criminalidade, alcoolismo, imigração, entre outros – e a necessidade de

pensar como esses problemas estão postos na realidade social brasileira do período.

Examinando a conjuntura em que os currículos foram formulados a partir da

manutenção (e, aprofundamento) da defasagem existente entre o sistema educacional, da

expansão econômica das mudanças socioculturais por que passava a sociedade brasileira, fica

clara a necessidade de produção de estudos concretos sobre a realidade brasileira, nessa chave

que apontamos a ligação com o ideário da Escola de Chicago.

Mantendo o currículo somente em aspectos teórico-históricos se perde a prática

científica da Sociologia – formulação de métodos e a própria possibilidade de pesquisas serem

realizadas - não havendo, portanto, como promover as mudanças sonhadas e recuperar o Brasil

de seu atraso, sem considerar a possibilidade de pesquisa sociológica fundamentada.

As teorias e a história da disciplina, em certo sentido, só foram possíveis no Brasil

ou qualquer lugar do mundo, porque são levadas adiante por pessoas que trabalham em

organizações que perpetuam essas ideias e, principalmente, as colocam em práticas e

promovem a possibilidade de seu questionamento, o que é fundamental para o efetivo

equacionamento dos problemas sociais que afligem as sociedades.

No entanto, este desenvolvimento inicial da disciplina nos anos 1920, obteve

entraves, já que a maneira pela qual se desenrola as políticas educacionais e, portanto, o ensino,

reflete a luta existente entre os diversos setores das camadas dominantes, tornando possível

identificar “ora a conciliação das facções opostas, ora a predominância de uma delas, sendo a

tendência geral favorável às facções conservadoras” (ROMANELLI, 2005). Deste modo, nos

parece que a disciplina surge no Brasil com o caráter prescritivo, normativo e civilizador, já

que é preciso repensar o país e os problemas causados pela desigualdade social e a Sociologia

atuaria como espécie de bússola. No entanto, a resposta para saída destes nos parece mais

calcada neste primeiro momento, e não poderia deixar de ser, em referenciais estrangeiros como

Augusto Comte, Emile Durkheim e a supracitada Escola de Chicago: os pontos cardeais da

bússola já aparecem, portanto, pré-definidos.

Verificamos, portanto, que a Sociologia que se organiza no Brasil na Primeira

República é, fundamentalmente, uma disciplina conectada à moral, à ordem e à preocupação

com a coesão social. Alinhada à ideia de que se fossem preenchidos alguns pré-requisitos e se

reordenassem e/ou se constituíssem novos campos de produção de ideias sociais o país poderia

almejar a saída do atraso social. Sendo assim, observando o percurso da Sociologia como

disciplina escolar no período parece possível estabelecer algumas aproximações entre a lógica

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da sua dinâmica e a lógica do contexto histórico-cultural abordado no qual se insere a disciplina,

as reformas estaduais privilegiam a disciplina, pois representa uma orientação frente as

processos de mudança que se deseja implementar.

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III. CAPÍTULO 2: A SOCIOLOGIA ESCOLAR NOS ANOS 1930

Neste capítulo nos debruçaremos sobre a trajetória da disciplina na escola durante

os anos 1930. Presente no currículo escolar durante toda a década39, ajuda a compreender

aspectos importantes do período, como os processos nacionais de ruptura com a Primeira

República, a ascensão de Getúlio Vargas, a consolidação de reformas de Estado, a criação (e as

posteriores reorganizações) do Ministério da Educação e, por fim, o florescimento da produção

industrial e do Brasil urbano.

No terreno educacional e sociológico, a década é marcada por disputas, marcadas

principalmente pela reação da Igreja Católica ao Manifesto dos Pioneiros e às diretrizes

adotadas pela Associação Brasileira de Educação (ABE) no período; também teremos

modificações no currículo escolar e o florescimento da publicação na área sociológica. Por fim,

já na década de 1940, teremos a edição de uma nova reforma educacional, na qual a disciplina

sai do currículo, o que nos leva a questionar os sentidos assumidos pela Sociologia até o

momento em tela.

2.1. A ascensão de Getúlio Vargas: revolução de 1930 e Estado Novo

Antes de partirmos para uma análise detalhada sobre a presença da disciplina no

currículo nesta década e as implicações desta, devemos retornar rapidamente à conjuntura

brasileira na década de 1930. Como realizamos anteriormente com a década de 1920, o objetivo

não é detalhar de forma exaustiva os acontecimentos do período, mas situar o leitor acerca dos

condicionantes presentes do campo da Educação e da Sociologia: como estes se organizaram

internamente e construíram sentidos próprios.

O grande nó da primeira metade da década serão os rumos tomados a partir das

decisões do centro do poder, notadamente a presidência. Nos cabe ressaltar que desde a

proclamação da República, os candidatos “governistas” a presidente – em que pesem o

coronelismo e clientelismo presentes na vida política brasileira – eram eleitos, através do voto,

para dar continuidade aos trabalhos de seu antecessor.

A escolha do candidato que viria a vencer era realizada previamente mediante

acordos políticos intrapartidários, que “autorizavam” as máquinas eleitorais estaduais a

39 Levamos em consideração os períodos em que a Sociologia esteve presente no currículo nacional por força de

lei. Na sala de aula, efetivamente, o tempo foi de menor duração histórica.

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trabalharem pelos resultados esperados - assim o sistema eleitoral funcionou sem alterações

significativas até o final de da década de 192040.

Será significativo, neste sentido, para nossa análise o fato de Getúlio Vargas ter

ascendido ao poder por meio de um golpe, que, por um lado, desestrutura as relações de poder

vigentes, mas que por outro, acionará o mesmo expediente para garantir sua continuidade no

poder, forçando-o a testar a correlação de forças políticas constantemente, o que terá

rebatimentos, como veremos, no campo educacional41.

Nesse sentido, a postura de Vargas atraiu líderes descontentes da Aliança Liberal,

embora alguns destes como patriarcas políticos do Rio Grande do Sul (Borges de Medeiros) e

de Minas Gerais (Antônio Carlos) permanecessem cautelosos quanto ao perigo de uma

revolução, apoiando Júlio Prestes e sua proposta de mudanças estruturais que poderiam

“dialogar com a ordem” (SKIDMORE, 2010). O acontecimento que aglutina de vez os

oposicionistas é o assassinato do ex-candidato à vice-presidência, João Pessoa, da Paraíba, que

fora assassinado pelas mãos de um filho de um inimigo local, nada atípico diante cenário

político naquela conjuntura. No entanto, o crime foi agravado considerando o apoio do

presidente em exercício, Washington Luís, à família do assassino.

Deste modo, a revolta militar de 1930 começou a ser organizada sob comando do

Coronel Góes Monteiro; e de outro lado, a aliança dos estados minaria o poder e a rede de

apoios ao presidente Washington Luís. Diante da revolta iminente, parte dos militares interveio

com o pedido de renúncia, solicitação tida como inútil diante da recusa do presidente. Este se

convenceu apenas depois que Cardeal Leme42 do Rio de Janeiro argumentou que sua posição

estava perdida e que deveria renunciar à sua pretensão de empossar Júlio Prestes (SKIDMORE,

2010). Notamos, deste modo, a influência da Igreja Católica desde os primeiros e capitais

momentos para constituição/construção do varguismo.

40 A presidência foi enxergada como consequência da disputa política vigente em cada conjuntura eleitoral

específica, visto que pela constituição de 1891 não havia a possibilidade de reeleição. 41 Caracterizamos como golpe a chegada de Getúlio ao poder, pois na segunda metade da década de 1920, o Brasil

fora governado por Washington Luiz (1926-1930) que conseguiria fazer seu sucessor, Júlio Prestes. No entanto o

candidato do governo apesar dos votos, não conseguiu tomar posse, já que a oposição liderada por Vargas, apoiou

a tomada do poder. Os resultados da eleição foram contestados pela Aliança Liberal que tinha também o apoio de

líderes políticos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul indignados com a perspectiva da política paulista de

prolongar seu governo. Nos apoiamos na seguinte bibliografia: FAUSTO, Boris (org.). O Brasil Republicano:

economia e cultura (1930-1964). tomo 3, vol.4. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1995. (Col. História da

Civilização Brasileira) e “O Golpe do Estado Novo” (Verbete). Disponível em:

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/GolpeEstadoNovo. Acessado em 24 jul. 2018. 42 Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, o Cardeal Leme GCC (1882-1942), foi o segundo cardeal brasileiro.

Foi Arcebispo de Olinda e Recife e Arcebispo do Rio de Janeiro. Exerceu relevante papel nos dias finais da

Revolução de 1930, quando convenceu o renitente presidente Washington Luís Pereira de Sousa a entregar o poder

aos revoltosos.

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Com o movimento supracitado, assume o governo, por dez dias, uma junta militar

até a posse do novo presidente. A tomada do poder por Vargas demarca um novo período na

política brasileira marcada pelo incremento da máquina pública e pela reforma do estado, como

destaca Skidmore (2010): “na década e meia depois de Vargas ter assumido o poder,

praticamente todas as características do sistema político e da estrutura administrativa foram

objeto de zelo reformista” (SKIDMORE, 2010, p.25).

A Revolução de 1930, como ficou conhecida, representou um novo fato político na

luta entre as elites por posições no governo, mas as reformas oriundas dela tiveram impacto

maior: afetaram estruturalmente a dinâmica das relações políticas existentes até então que

acompanharam fatores externos como a conjuntura da economia mundial, a emergência de um

projeto de industrialização e de novos atores sociais urbanos.

As reformas, inclusive, seriam onde permaneceriam explícitos os consensos e

dissensos dentre os que apoiaram a revolução. Um exemplo desse panorama é a pressão dos

constitucionalistas liberais para que fosse feita uma reforma eleitoral, onde não houvessem mais

fraudes e para que fossem realizadas eleições diretas. E, de outro lado, os militares pressionando

para que ocorresse uma reforma econômica e social, pois o presidente não estaria cumprindo

os objetivos dos grupos que o apoiaram. Em outras palavras, haviam diferentes perspectivas

que vislumbravam mudanças para o país: de um lado um grupo que advogava mudanças

juridicamente formais na constituição; um segundo, que desejava mudanças profundas nas

relações sociais e no sistema político.

De forma a não dialogar com estas duas correntes e afastar a pressão, Vargas se

firmou no poder controlando o poder executivo e legislativo, até que ocorressem as eleições

para formar a Assembleia Constituinte (SKIDMORE, 2010). Com a demora em promover as

reformas prometidas do sistema eleitoral, os constitucionalistas liberais foram aqueles que

primeiro perceberam a orientação diferente do que Vargas havia proposto.

Pressionado, o presidente cria um tribunal para investigar os acusados de corrupção

na República Velha e um novo Ministério do Trabalho tentando aproximar a questão social da

responsabilidade do Estado. Fundamental perceber que o presidente realiza essas ações para

controlar seus opositores e ao mesmo tempo garantir apoio e permanecer no poder pelo máximo

período possível.

Em 1932, foi aprovado o novo código eleitoral, porém os constitucionalistas

insatisfeitos com a demora na eleição da Assembleia Constituinte, fizeram aumentar a oposição

ao governo Vargas. O presidente, neste cenário, operou habilidosamente sua base de apoio e

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cedeu a alguns dos desejos de seus "aliados", estabelecendo em 1933 a eleição para a

Assembleia Constituinte. Deste modo, pode convencer os líderes de Minas Gerais e Rio Grande

do Sul a continuarem compondo sua base de apoio, argumentando que a conspiração paulista

não os beneficiaria, ajudando frear a oposição ao seu governo (SKIDMORE, 2010).

Em 1934, foram apresentadas as bases legais da nova Ordem Constitucional do

Brasil, atendendo aos objetivos tanto dos constitucionalistas liberais quanto pelos militares, foi

aprovada a garantia de eleições livres supervisionadas pelo Tribunal Eleitoral. Nesta nova

constituição, o governo passou a se responsabilizar pelas áreas de desenvolvimento econômico

e bem-estar social, além de estabelecer um novo sistema trabalhista, com o intuito de fixar o

valor do salário mínimo.

A Constituição de 1934 foi um marco também para educação, já que pela primeira

vez na história nacional, institui-se uma estrutura voltada ao balizamento do sistema

educacional, que inaugurava um capítulo específico para sua organização (ARBOLEYA,

2017). Com as medidas aprovadas, agradando as oligarquias e os militares, Vargas foi reeleito

pela Câmara dos Deputados para um novo mandato que se estenderia até as eleições diretas

marcadas para 1938.

Cabe ressaltar que nos 1930, surgiram ou reforçaram-se forças políticas no campo

político da esquerda: o Partido Comunista do Brasil (PCB), organizou um movimento de frente

popular, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). No campo político da direita, o movimento

fascista integralista ganhava força. Neste cenário, Vargas foi até 1937 - na sua cruzada para

permanecer no poder para além do tempo demarcado - manipulando apoios e desagravos a essas

forças políticas, colocando-as permanentemente em confronto43.

Isto se tornará claro quando foram iniciados os preparativos para eleições a serem

realizadas no ano de 1938. Surgiram três candidatos, Armando de Salles Oliveira (São Paulo),

constitucionalista liberal, que acreditava no processo democrático do Brasil; José Américo de

Almeida (Paraíba), nacionalista autoritário considerado o candidato do governo, porém sem

43 Com efeito, em 1935 foi aprovada a Lei de Segurança Nacional que previa a repressão a qualquer atividade

política revolucionária - com um intuito de enfraquecer os movimentos de esquerda. Vargas argumentava que o

movimento de frente popular era organizado por comunistas, que deveriam ser combatidos e eliminados. Os

militares tentaram se rebelar, porém foram logo impedidos pelos comandos locais. Além disso, em 1935, os

deputados autorizaram o presidente a demitir qualquer servidor público, o que também reforçou o controle (e

trouxe novo revés) sobre os militares, além de conceder poderes provisórios de emergência. Mesmo o movimento

integralista teria sua atuação silenciada frente ao Estado Novo. A relação com os integralistas, demonstra para

além das inclinações políticas do presidente, sua busca consciente de medidas conciliatórias com os movimentos

de oposição, com a finalidade de fortalecer suas alianças.

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apoio formal de Vargas; e por fim, o líder dos integralistas, Plínio Salgado, que acreditava que

teria o apoio de Vargas, que não manifestou em apoio ao candidato (FAUSTO, 1995).

Vargas a princípio parecia apoiar os preparativos para as eleições, porém já agia

para consolidar o golpe de Estado: com os militares conseguiu neutralizou e isolou a oposição

nos principais estados e conseguiu o apoio dos integralistas, forjando um plano de batalha de

uma revolução comunista. No entanto, essas alianças sazonais estavam longe de representar

comprometimento: os integralistas, por exemplo, acreditavam que poderiam se beneficiar com

o golpe, porém foram logo abolidos e colocados na clandestinidade junto aos outros

movimentos políticos existentes, deixando livre o caminho para que se firmasse o regime

ditatorial (FAUSTO, 1995).

O Estado Novo foi marcado por novas mudanças no que diz respeito às funções que

o governo federal passou a exercer, que passou a ter mais poderes na administração,

"aproximando o Brasil de um governo verdadeiramente nacional" (SKIDMORE, 2010). O

governo federal obteve neste contexto poderes ampliados, maiores que qualquer governo jamais

obteve antes de 1930, e o crescimento da intervenção do Estado na economia propiciou o

surgimento de agências federais, enfraquecendo ainda mais os poderes locais.

O governo também passou a assumir responsabilidades sociais, oferecendo

assistência médica e pensão com o intuito de fidelizar os operários ao governo, e garantir a

formação de sindicatos trabalhistas. Porém, somente eram legalizados, os que fossem ligados

ao Ministério do Trabalho, excluindo qualquer tipo de associação clandestina de militantes

operários independentes. Seria redundante afirmar que Vargas exerce vasto poder e controle

durante o período do Estado Novo.

Skidmore (2010) nos alerta ainda que Vargas percebera que seu governo ditatorial

não resistiria por muito tempo e previa a mudança no sistema de governo, que teria que ser

pautada em um processo eleitoral. De maneira a adiar esse processo e ampliar sua continuação

no poder, os processos supracitados relacionados a legislação sobre o bem-estar social e a

criação de sindicatos na esfera governamental, tinham como o intuito a construção de sua

imagem como líder "democrático" que largaria eleitoralmente na frente numa eventual abertura

democrática.

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2.2. Reforma Campos e a constituição da Sociologia como disciplina escolar nos anos

1930

Os anos finais do século XIX e o início do século XX foram significativos para a

presença da Sociologia no Brasil via escola. Nos anos 1930, o que veremos é a consolidação da

disciplina nos bancos escolares e a sua entrada paulatina em outros espaços educacionais e

sociais44.

O direito à educação constitui uma das realizações mais significativas do processo

modernização em curso, o que se mostrava – para além da narrativa já vigente da superação do

atraso nacional – possível a partir da burocratização do Estado arquitetada por Vargas, além

das novas condições de sociabilidade geradas pelo arranjo econômico-industrial que se tentava

imprimir à sociedade brasileira. Neste sentido, o Estado foi fundamental para organizar uma

ideia de nação moderna que teve no incremento da educação um forte argumento.

Sendo assim, o governo provisório começa a criar a infraestrutura governamental

do novo regime pela criação dos ministérios, sendo um dos primeiros, o Ministério de Educação

e Saúde Pública em 1930 - a partir da nomeação de Francisco Campos como ministro45.

2.2.1. A Reforma Francisco Campos

A Reforma Francisco Campos (decreto 19.890 de 18 de abril de 1931) é um marco

ao organizar o sistema educacional brasileiro através de uma base/currículo comum. Isto

porque, até então, este campo tinha como base de sua organização as diretrizes estaduais, sem

ligação a um sistema central. Segundo Dallabrida (2009), a Reforma:

Imprimiu organicidade ao ensino secundário por meio de várias

estratégias escolares, como a seriação do currículo, a frequência

obrigatória dos alunos, a imposição de um detalhado e regular sistema

de avaliação discente e a reestruturação do sistema de inspeção federal

(DALLABRIDA, 2009, p.190).

44 Um momento histórico definidor desta década é como vimos é a “Revolução de 1930” que demarca um momento

de transição do Brasil de um modelo capitalista dependente agrário e exportador de herança colonial, pelo modelo,

igualmente capitalista e dependente, urbano-industrial. As iniciativas do Estado foram fundamentais para a

organização das estruturas de um estado-nação no país, através de intervenções que procuravam a conciliação

como condição de sua existência e progresso. Nesse sentido, retorna após a consolidação da revolução, o ideário

da educação como elemento fundamental de modernização da sociedade brasileira, com o secundário visto como

gargalo a ser resolvido (MORAES, 2000). 45 Foram criados também o Conselho Nacional de Educação (1931), organizado o ensino superior e o ensino

comercial.

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No entanto, apesar da disposição em formular estas estratégias, a participação do

governo central, concentrava-se na fiscalização, inspeção e avaliação dos currículos escolares:

se estavam ou não em concordância com o currículo do Colégio Pedro II. No entanto, não

haviam informações precisas de que este projeto de adequação foi, de fato, efetivo

(ROMANELLI, 2005), vemos, portanto, como a participação do governo federal como ente

centralizador destas políticas foi diminuto. Em outras palavras, apesar da centralização via

ministério, não existia efetivamente uma política nacional de educação, no sentido de estimular

a criação de currículos, estratégias de expansão da rede de ensino e formação de professores –

pensando em conjunto estratégias pedagógicas de ensino-aprendizagem.

A Reforma Campos avança pouco neste sentido, já que, somente estruturou o

ensino básico e impôs essas mudanças em todo território nacional, a partir da criação de um

sistema de inspeção. As modificações curriculares que foram propostas inicialmente em 1931

visaram o ensino secundário ao estabelecerem o currículo seriado. Outro objetivo, diz respeito

ao estímulo ao uso desta etapa de ensino como preparatório para o ensino superior, o que não

conferia especificidade próprio ao ensino secundário. A reforma tinha como objetivo principal

separar o secundário em dois ciclos: fundamental e complementar, além de exigir habilitações

em ambos para futura entrada no ensino superior46.

Os programas do ensino secundário, bem como as instruções sobre os métodos de

ensino, eram expedidos pelo ministério e revistos, de três em três anos, por uma comissão

designada à qual deviam ser submetidas as propostas elaboradas pela Congregação do Colégio

Pedro II, bem como os resultados de inquéritos realizados pelo Departamento Nacional do

Ensino entre os professores dos estabelecimentos equiparados e sob o regime de inspeção. Com

isso, os professores catedráticos do Colégio Pedro II, embora pudessem elaborar propostas,

perderam o poder de elaborar os programas do ensino secundário, como vimos no capítulo 1.

Os dois ciclos ficaram estruturados da seguinte maneira:

46 A Reforma Campos ainda deu conta de outros aspectos que não vamos tratar nesta tese como a modificação na

carreira docente e a criação do cargo de inspetor, além disso adotou tornou a frequência nos cursos, obrigatória.

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Tabela 3: Estrutura do Ensino Secundário na Reforma Francisco Campos

Ciclo Fundamental

Disciplinas (Séries)

Português (I, II, III, IV, V); Francês (I, II, III, IV); Inglês (II, III, IV); Latim (IV, V); Alemão (Facultativo);

História (I, II, III, IV, V); Geografia (I, II, III, IV, V); Matemática (Geografia); Ciências Físicas e Naturais (I,

II); Física (II, III, IV); Química (II, III, IV); História Natural (II, III, IV); Desenho (I, II, III, IV, V) e Música (I,

II, III)

Ciclo Complementar (Candidatos à Faculdade de Direito)

Disciplinas (Séries)

Latim (I, II); Literatura (I); História (I); Noções de Economia e Estatística (I); Biologia Geral (I); Psicologia e

Lógica (I); Geografia (II); Sociologia (II); Higiene (II) e História da Filosofia (II)

Ciclo Complementar (Candidatos à Faculdades de Medicina, Odontologia e Farmácia)

Disciplinas (Séries)

Alemão e Inglês (I, II); Matemática (I); Física (I, II); Química (I, II); História Natural (I, II); Psicologia e Lógica

(I); Sociologia (II).

Ciclo Complementar (para candidatos aos cursos de Engenharia e Arquitetura)

Disciplinas (Séries)

Matemática (I, II); Física (I,II); Química (I,II); História Natural (I,II); Geofísica e Cosmografia (I,II); Psicologia

e Lógica (I); Sociologia (II), Desenho (II)

Elaborado pelo autor, a partir das seguintes fontes:

1. SOARES, Jefferson da Costa. O Ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925-1941). 2009. Dissertação

(Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio

de Janeiro, 2009.

2. GUELFI, Wanirley. A Sociologia Como Disciplina Escolar no Ensino Secundário Brasileiro: 1925-1942.

2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal

do Paraná, Curitiba, 2001.

Podemos perceber através de uma análise da tabela, que no ciclo fundamental a

preocupação centrava-se em fornecer uma formação geral e mais ampla possível47, enquanto

que no curso complementar48 o objetivo era a preparação para formação futura e sua

configuração dependia do curso em questão.

Este currículo do secundário – apesar da tentativa de suprimir os preparatórios - foi

marcado por um caráter enciclopédico nos seus dois ciclos, o que limitou o pleno acesso de

outras camadas sociais além das elites neste49. Em outras palavras, caracterizamos este

currículo como enciclopédico50, pois orientado por uma lógica de catalogação e divulgação do

conhecimento, abarca várias disciplinas sem conectá-las. Analisados internamente, como

faremos com a Sociologia, nos parece que há uma tentativa de nominar seus conceitos e

conteúdos de forma que estes tenham espaço no currículo, mas sem de fato, operá-los.

47 Além das disciplinas que estão no currículo que fora instituído, as escolas secundárias poderiam ainda ministrar

o ensino facultativo em outras, desde que não fosse alterado a carga horária definida por lei. 48 O curso complementar era obrigatório para aqueles candidatos à matricula em institutos superiores, realizado

em dois anos de estudo intensivo focados na futura carreira. 49 O que nos aparece indicado com a tentativa de formular um currículo extenso e inexequível em sua plenitude. 50 O enciclopedismo foi um movimento de caráter cultural e filosófico, ocorrido na França, na segunda metade do

século XVIII, dentro do contexto do Iluminismo, representado pelos enciclopedistas como d’Alembert e Diderot.

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O que de alguma forma se manifesta nas avaliações realizadas com base neste

mesmo currículo, já que a reforma ficou marcada por um sistema rígido de avaliação e inspeção

entre os ciclos, o que acabou por promover clivagens entre os estudantes, privilegiando aqueles

que foram considerados “melhores”, como deixa claro Romanelli (2005):

A seletividade do sistema manifesta-se aqui em dois pontos: dentro de cada ciclo, pela

relação entre ingresso e conclusão, e, de um ciclo para outro, pela relação entre

conclusões no ciclo fundamental e ingresso no ciclo complementar. Nesse sentido,

pode-se notar, por exemplo, que em 1937 concluíam o ciclo fundamental 10.997

alunos; em 1938, ingressavam no ciclo complementar 7.997 alunos, numa relação

percentual de 70,90%. Em 1941/1942 essa relação era de 53,85%. Finalmente a

seletividade total do sistema patenteia-se na relação entre ingresso na 1a série

fundamental e conclusão na 2a série do complementar. Essa relação era de 17,73% no

período 1933/1939, e de 14,46% no período de 1937/1943 (ROMANELLI, 2005, p.

137-138).

Vemos, portanto, que o segundo ciclo, devido ao extenso e enciclopédico currículo

acabou consolidando-se como o lugar daqueles que tinham tempo e/ou gostariam de se

aprofundar no conhecimento de área específica, o que não se constituía naquele momento como

uma possibilidade para a maioria da população em idade escolar.

Cabe ressaltar que a extensão do currículo não necessariamente deveria gerar de

forma obrigatória corte destas disciplinas ou diminuição de carga horária. A crítica aqui

formulada se baseia na ideia de que esse currículo pouco dialoga entre si e/ou pouco dialogaria

com a realidade concreta do estudante e/ou mesmo com a própria história da disciplina –

pensando que o próprio fazer sociológico pressupõe não a memorização dos conceitos

sociológicos, mas a operação destes conceitos frente à realidade social.

Como bem nos alerta Gramsci (2001) ao analisar as reformas no ensino primário e

secundário italiano, o currículo escolar trava uma luta contra uma concepção folclórica sobre o

mundo e a realidade social de modo a difundir uma concepção supostamente moderna da

realidade em que “a lei civil e estatal organiza os homens do modo historicamente mais

adequado a dominar as leis da natureza” (GRAMSCI, 2001, p. 42), isto é, “tornar mais fácil o

seu trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa ativamente na vida da

natureza, visando a transformá-la e socializá-la cada vez mais profunda e extensamente”

(GRAMSCI, 2001, p. 42-43).

O que a escola busca, portanto, é um equilíbrio entre ordem social e natural com

advento do trabalho, na atividade teórico-prática do homem que o libertaria de uma concepção

mágica do mundo e auxiliaria no desenvolvimento de uma concepção histórico-dialética– de

forma a pensar o trabalho na história, principalmente seus custos e efeitos futuros. No entanto,

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Gramsci alerta que este processo foi atravessado no ambiente escolar pela diferenciação

estabelecida entre instrução e educação:

Não é completamente exato que a instrução não seja também educação: a insistência

exagerada nesta distinção foi um grave erro da pedagogia idealista, cujos efeitos já se

veem na escola reorganizada por esta pedagogia. Para que a instrução não fosse

igualmente educação, seria preciso que o discente fosse uma mera passividade, um

“recipiente mecânico” de noções abstratas, o que é absurdo, além de ser

“abstratamente” negado pelos defensores da pura educatividade precisamente contra

a mera instrução mecanicista. A consciência individual da esmagadora maioria das

crianças reflete relações civis e culturais diversas e antagônicas às que são refletidas

pelos programas escolares: o “certo” de uma cultura evoluída torna-se “verdadeiro”

nos quadros de uma cultura fossilizada e anacrônica, não existe unidade entre escola

e vida e, por isso, não existe unidade entre instrução e educação (GRAMSCI, 2001,

p. 43-44).

A partir desta formulação de Gramsci reforçamos nossa interpretação sobre o

enciclopedismo e extensão do currículo, nos parece que o currículo do secundário na Reforma

Campos se conforma de maneira expositiva, longa, a partir da nominação de conceitos e escolas

teóricas sem, de fato, adentrar ou aprofundar tais discussões, este currículo torna-se distante da

vida do alunado, à medida que na prática só se constitui retoricamente:

Esta degenerescência pode ser ainda melhor vista na escola média, nos cursos de

literatura e filosofia. Antes, pelo menos, os alunos formavam uma certa “ bagagem”

ou “provisão” (de acordo com os gostos) de noções concretas; agora, quando o

professor deve ser sobretudo um filósofo e um esteta, o aluno negligencia as noções

concretas e “enche a cabeça” com fórmulas e palavras que não têm para ele, na

maioria dos casos, nenhum sentido, e que são logo esquecidas. A luta contra a velha

escola era justa, mas a reforma não era uma coisa tão simples como parecia; não se

tratava de esquemas programáticos, mas de homens, e não imediatamente dos homens

que são professores, mas de todo o complexo social do qual os homens são expressão

(GRAMSCI, 2001, p.44).

Outro pensador que nos ajuda a pensar o enciclopedismo é Max Weber. Para ele, a

educação teria duas finalidades pedagógicas: 1) preparar o aluno para uma conduta de vida e 2)

transmitir o conhecimento especializado.

O primeiro Weber conceitua como “pedagogia do cultivo” (WEBER, 1982), esta

tem como objetivo educar um tipo de homem culto, isto é, prepará-lo culturalmente para a

camada social onde vive, fazendo com que ele adquira certos tipos de comportamentos

interiores (reflexidade) e exteriores (comportamento social) na vida. A pedagogia do cultivo foi

durante séculos a forma mais importante de educação da China. A qualificação para admissão

de funcionários administrativos, por exemplo, era realizada por exames que se preocupavam

em avaliavam o quanto de literatura o candidato possuía, e se ele tinha um modo de pensar

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culto. Esses exames não comprovavam habilitações especiais, mas sim o quanto de carisma

tinha o candidato. Esses funcionários do governo chinês eram os “letrados” (WEBER, 1982).

A segunda finalidade da educação Weber (1982) conceitua como “pedagogia do

treinamento”, nesta a educação teria perdido o sentido próprio da palavra, já que tinha como

objetivo desenvolver os talentos humanos. No entanto, com o crescimento da burocratização,

da racionalização, da dominação política e das grandes corporações capitalistas privadas, a

educação passa a ter o objetivo de formar um homem cada vez mais especializado, que busca

apenas ascensão social e riqueza material e não o que busque sua liberdade. E para Weber, essa

racionalização é invencível.

Há uma clara diferenciação, portanto, entre instrução e educação, a qual

acreditamos que o enciclopedismo também possa ser explicado, já que este propicia aos alunos

contato com os conteúdos de forma ampla mas sem, de fato, cultivá-los ou enraizá-los na

vivência e problemas discentes.

Neste sentido, o currículo da Reforma Campos, excludente como vista na prática,

tem conexões com seu criador: o ministro acreditava que o Estado liberal e democrático estava

em declínio e que a criação de um novo Estado, de caráter totalitário seria a solução para o

problema de pensar um sistema educacional para as massas (SCHWARTZMAN, 2000), numa

interpretação problemática deste conceito, já que se tratava de uma educação de massas pensada

de cima pra baixo, com pouca participação realmente ativa do aluno nas discussões escolares,

que só poderia existir, de fato, se a escola e o currículo estivessem também conectados as

experiências vividas pelo corpo discente e não esperando desta mera passividade (GRAMSCI,

2001).

Na Reforma Campos, verifica-se a ascensão de um tipo de escola preocupado em

satisfazer interesses práticos imediatos, que deixa de lado a proposta de uma escola do cultivo,

formativa, imediatamente desinteressada. Embora essa escola para as massas tenha um verniz

democrático, na realidade, perpetua as diferenças sociais e fomenta a continuidade desta

disparidade social na escola brasileira.

Para Campos (1940), portanto, o campo educacional o pluralismo político iniciado

a partir das revoluções do século XIX estava em franca decadência e a impessoalidade dos

Estados nacionais deveria ser combatida. A função destes deveria ser aproximar a ordem legal

e a ordem real através das decisões impostas por um líder. No campo educacional, Campos

assevera que educar para a democracia teria se tornado um problema, a medida que a própria

democracia vinha sofrendo nas primeiras décadas do século XX uma revisão de seus termos. O

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ministro via a educação como instrumento de comunhão das massas em torno de um

imaginário/ideário comum, além de se tornar seria responsável pela construção de um mundo

que unificasse desejos51 (SCHWARTZMAN, 2000).

Em outras palavras, no imaginário político e educacional do ministro é central a

ideia de que a reforma da sociedade se concretizaria mediante a reforma da escola, da formação

do cidadão/aluno e da modernização de uma classe social específica, que transferiria suas

normas, regras, valores e tradições via educação de massa, como demarcamos acima.

O cidadão/aluno das classes populares não era a prioridade, já que a elite reuniria

as qualidades para decidir quais deveriam ser os rumos da educação para os demais. A função

do grande líder do Estado deveria ser controlar os desejos de grupos em conflito e direcionar a

sociedade à modernização mediante aos valores defendidos pela elite mantendo o restante da

população em estado de irracionalidade, ou, em outros termos, a educação de massas passaria

pela obediência frente aos valores propagas pela elite brasileira, via espaço/currículo escolar.

Ainda conforme Schwartzman (2000) há um lugar privilegiado para a juventude no projeto

político-educacional de Campos:

Ao Estado caberia a responsabilidade de tutelar a juventude, modelando

seu pensamento, ajustando-a ao novo ambiente político, preparando-a,

enfim, para a convivência a ser estimulada no Estado totalitário. Era

indispensável, para que este plano fosse bem-sucedido, que houvesse

símbolos a serem difundidos e cultuados, mitos a serem exaltados e

proclamados, rituais a serem cumpridos. (SCHWARTZMAN

et.alli.,2000, p. 66).

Vimos, portanto, que a Reforma Campos, não representava uma ruptura frente a

educação promovida no país: seu currículo apontava para manutenção do status quo no que diz

respeito a manutenção de uma escola para poucos e seletiva quando diz respeito às avaliações.

Este processo foi racionalmente determinado tentando conciliar demandas por uma formação

ampla ao estudante e, ao mesmo tempo, um caráter nacional à organização da educação

brasileira – com a ideia de que esse currículo seria fundamental para todos os estudantes. No

entanto, na prática, reforçou um currículo já enciclopédico que pouco permitia o avanço

daqueles que pretendiam se formar na escola secundária.

51 Campos ainda propunha que a irracionalidade deveria ser um elemento dos que comandariam a ação política. A

irracionalidade deveria ser instrumento a ser fomentado para “controle da nação”: “O irracional é o instrumento

da integração política total, e o mito que é a sua expressão mais adequada, a técnica intelectual de utilização do

consciente coletivo para o controle político da nação” (CAMPOS, 1931 apud SCHWARTZMAN et.alli, 2000).

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Sendo assim, apesar das justificativas – e um conjunto de intenções - afirmarem

que a educação deveria acompanhar e auxiliar a modernização do país, de fato, o que se

consolidou foi um conjunto de políticas que não romperam com a tradição até então

predominante de uma educação vinculada aos interesses elitistas.

2.3. O currículo de Sociologia no cerne da contradição

Partindo desta visão geral sobre a reforma, passamos agora para a análise do

currículo de Sociologia. De antemão podemos dizer que a presença da disciplina no currículo

apesar de garantida durante a década, está restrita aos cursos complementares, afastada da

formação geral dos estudantes, como deixa claro o artigo 4o do decreto promulgado em 1931:

O curso complementar é obrigatório para os candidatos a matrícula em determinados

institutos de ensino superior, será feito em dois anos de estudo intensivo, com

exercícios e trabalhos práticos individuais e compreenderá as seguintes matérias:

Alemão ou Inglês, Latim, Literatura, Geografia, Geofísica e Cosmografia, História

da Civilização, Matemática, Física, Química, História Natural, Biologia geral,

Higiene, Psicologia e Lógica, Sociologia, Noções de Economia e Estatística,

História da Filosofia e Desenho (BRASIL, 1931, grifo nosso).

Nos artigos posteriores, do 5o ao 7o, são expostos em qual ano e curso as disciplinas

seriam ministradas. A Sociologia está presente no 2o ano de todos os cursos do ciclo

complementar (Jurídico, Medicina, Farmácia, Odontologia, Engenharia e Arquitetura).

Acreditamos que existe uma visão implícita acerca da validade do conhecimento sociológico

na formação dos estudantes, de acordo com a legislação posta acima, quando esta fala que a

compressão das matérias se dará “com exercícios e trabalhos práticos individuais”, procura-se

conferir àquelas disciplinas do curso complementar um estatuto diferente das anteriores,

reforçando o caráter prático e instrumental das mesmas.

No caso da Sociologia, a presença da disciplina no currículo representava também

um duplo movimento: de um lado, esforço na tentativa de construir e fomentar um novo

ambiente intelectual diferente daquele marcado pelo bacharelismo, pelo pensamento formal,

pela cultura geral e vaga; no entanto, de outro, pouco se avança na interpretação e discussão

dos fenômenos sociais e de propostas de intervenção na realidade.

Não iremos nos aprofundar nas consequências dessa disposição curricular, mas

levando em consideração os dados supracitados sobre a permanência dos estudantes nos ciclos

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do secundário, a Sociologia foi efetivamente aplicada durante 3 ou 4 anos52 somente para

aqueles que permaneciam na escola, por meio da escolha por um curso complementar. Em

outras palavras, o espaço ocupado pela disciplina foi reduzido, o que afeta, inclusive as

interpretações sobre os sentidos assumidos pela mesma, o que vamos tentar realizar através da

análise curricular.

Cabe lembrar que a Reforma Campos determinou que os programas de ensino

secundário, bem como as instruções sobre os métodos de ensino, fossem expedidos pelo

Ministério da Educação e Saúde Pública: o currículo de Sociologia, como não poderia ser

diferente, foi reformado novamente. Sendo assim, o currículo foi reorganizado e composto por

três grupos: “Introdução”, “Origens Sociais” e “Estrutura Social”, conforme disposto na tabela

abaixo:

Tabela 4: Programa Integral de Sociologia dos Cursos Complementares (1939) Parte Conteúdo

INTRODUÇÃO I - Sociologia: conceito e definição. A Sociologia no quadro geral dos conhecimentos

humanos.

II - Objeto da sociologia. Fato social: conceituação e definição. Classificação dos fatos

sociais.

III - Esboço histórico da sociologia, seus antecedentes. Desenvolvimento da sociologia

em Franca, na Inglaterra e na Alemanha. A Sociologia nos E.U. da América do Norte.

Literatura.

IV - Relações da sociologia com as ciências conexas. Filosofia social e sociologia.

Filosofia moral e Sociologia. Sociologia psicanalítica. Sociologismo e psicologismo.

V - Metodologia sociológica; natureza e processos. Escolas sociológicas: sua

classificação.

VI - Escolas positiva, evolucionista e socialista. Escola de Durkheim.

VII - Escolas de reforma social, de ciência social e economia social. Escola histórico-

cultural.

VIII - Sociólogos norte-americanos; variedade de tendências. Sociólogos brasileiros e

latino-americanos.

ORIGENS

SOCIAIS

IX - Exposição geral do problema da formação dos grupos sociais primitivos. Origem do

homem segundo a gênese. A monogamia como forma primitiva da família. Os patriarcas

e o regime da poligamia. Restabelecimento da monogamia pelo cristianismo.

X - Teorias evolucionistas sobre a origem do homem e a formação da família. Origem

das espécies, segundo o monismo. Promiscuidade primitiva humana. Matriarcado –

Patriarcado. A monogamia como produto da evolução social.

XI - as origens sociais à luz da etnologia moderna. A tese de Durkheim: sua conceituação

de família. Clan totêmica, ponto de partida da evolução da família. Doutrina da escola

histórico-cultural: sua base.

XII - A propriedade entre os povos primitivos. As formas primitivas da propriedade

segundo E. de Laveleye. Contestação da inexistência da propriedade privada entre os

povos primitivos.

52 Lembramos que esse currículo é publicado em 1931 e a reforma entre em vigor, após sua regulamentação em

1932 (decreto n. 21.241-1932), deste modo, levando em consideração que o ciclo fundamental tem duração de 4

anos, o estudante só teria contato com a disciplina no 6o ano do secundário. Além disso, o currículo da disciplina

só foi oficialmente reformado e regulamentado pelo Colégio Pedro II em 1939. Esta situação só modifica para os

ingressantes posteriores a 1931 que continuaram no currículo Rocha Vaz, mesmo assim o período de permanência

da Sociologia na escola, mantém-se fragmentado.

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XIII - A religião entre os povos primitivos. Conceito da religião. Religião natural e

religião revelada. Classificação das religiões. A ciência das religiões comparadas e as

investigações sobre a religião da pré-história. Confrontos das teorias de Durkheim, de

Frazer, etc., e da escola histórico-cultural. (P. Schimidt – H. Pinard de la Boullaye, etc.).

XVI - A lei moral e os primitivos. A moralidade nos grupos sociais primitivos. Conexões

entre a moralidade primitiva e a religião. Divergência de apreciação dos dados

etnológicos pelas diversas escolas sociológicas quanto à moralidade dos povos

primitivos.

XV - Ciências especulativas e normativas. Moral e Sociologia. A ciência dos costumes

de Lévy-Bruhl: a firmação de conflito com a moral teórica. Crítica de Simon Deploige.

XVI - Postulados da Sociologia. Postulados e hipóteses. Postulados da Sociologia

católica segundo Spalding. Os postulados fundamentais de Durkheim. Postulados da

Sociologia naturalista.

ESTRUTURA

SOCIAL

XVII - Tipos de família monogâmica e poligâmica. A poliandria. Evolução histórica da

família romana. A família germânica. A família moderna.

XVIII - O casamento; base contratual. Seu caráter institucional. O casamento religioso e

o casamento civil; direitos e deveres recíprocos dos cônjuges; dos pais e dos filhos.

Indissolubilidade do vínculo matrimonial e divórcio.

XIX - Importância moral e social da família. A família e o Estado. O Eugenismo.

Educação eugênica. Seleção eugênica.

XX - Da propriedade. Propriedade individual e propriedade coletiva. Fundamento e

origem do direito de propriedade individual; seus caracteres essenciais. Modos de

aquisição da propriedade individual.

XXI - Natureza do direito de propriedade individual; seus limites morais, sociais e

jurídicos. A herança; liberdade de testar. Teorias coletivas. Evolução dos regimes de

propriedade.

XXII - Sociedade; conceito e definição. Sociedades humanas e sociedades animais. Os

sinais e linguagem. Elementos constitutivos da sociedade. Autoridade. Classificação das

sociedades. Princípios fundamentais do convívio humano; liberdade e responsabilidade:

cooperação e solidariedade; assistência.

XXIII - O homem e o ambiente social. Personalidade humana. Liberdade e determinismo.

Influência dos fatores geográficos, biológicos, econômicos, políticos, morais e religiosos

na vida humana e nos destinos dos grupos sociais. Invenções e descobertas, progresso da

civilização.

XXIV - Sociedade política; Nação e Estado. Elementos constitutivos do Estado – povo,

território, poder – Fins do Estado.

XXV - Origem do Estado. Teoria da formação natural e espontânea do Estado. Teorias

contratuais; Hobbes e Rousseau. Formação histórica dos Estados; migrações,

colonização.

XXVI - Formas do Estado. Teorias de Aristóteles, Machiavel, Montesquieu. Estado

unitário e composto; Confederação e Federação.

XXVII - Governo representativo – Sufrágio universal – Regimes eleitorais.

XXVIII - Grupos e classes sociais. Governantes e Governados. Psicologia política;

preconceitos, rivalidade e conflitos de grupos de classes sociais. Ódios de raça. As ideias

de luta e da cooperação de classes. Partidos políticos. Regionalismo.

XXIX - Regime constitucional. Estado corporativo. Ditaduras.

XXX - Órgãos e funções do Estado. Teoria da divisão dos poderes. Atribuição dos

Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

XXI - Direitos e deveres do Estado; sua extensão e limites. XXXII - Garantias dos direitos

individuais. Liberdades públicas.

XXXIII - O direito; conceito e definição. Direito natural, direito costumeiro e direito

positivo. O direito e a moral. Divisão do Direito. Hierarquia das leis – Constituição. Os

códigos.

XXXIV - O direito internacional. Relações entre os Estados na paz e na guerra. Sociedade

das Nações.

XXXV - Organização econômica da sociedade. Fatores de produção. O trabalho;

definição e espécie. Obrigação, direito e liberdade de trabalho. Trabalho escravo e

trabalho livre; servidão, regime corporativo e salariado. Dignidade e valor do trabalho.

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XXXVI - Papel do trabalho na produção. Divisão do trabalho. As máquinas. O trabalho

das mulheres. Contratos de trabalho; individual e coletivo. Conflitos do trabalho e do

capital; greves e “lockout”; A intervenção do Estado; legislação do trabalho.

XXXVII - Remuneração do trabalho; suas formas. O salário; suas categorias. Vantagens

e inconvenientes do salariado. O justo salário e o salário mínimo. Medidas de proteção

contra a insuficiência do salário. O desemprego e a assistência do Estado.

XXXVIII - Associações profissionais. Direito de associação. Sindicatos; obrigatórios,

livres. Unidade e pluralidade sindical; princípio de autonomia. Representações

profissionais e organização política do Estado. Cooperativas e mutualidades.

XXXIX - O capital; conceito e definição. Papel do capital na produção. Remuneração do

capital o regime capitalista. Abusos do capital; usura, especulação e agiotagem.

Conciliação dos direitos do capital e do trabalho; justiça social. Influência das

transformações econômicas.

XL - A Igreja e o Estado. União e separação da Igreja e do Estado; regime de colaboração

recíproca. As concordatas. Liberdade religiosa, cultor externo. As associações religiosas.

Influência social da religião. A religião e a ciência. A religião e as artes.

XLI - Instrução e educação. Direito à educação e dever de ministrá-la. Liberdade de

ensino. A família e a escola. O Estado e a Igreja no domínio da educação. Ensino religioso

e laicismo.

XLII - Valor da educação para o progresso social. A estrutura do ensino; ramos e graus.

Obrigatoriedade escolar. Gratuidade do ensino. Regulamentação do ensino pelo Estado.

XLIII - O problema da população e a teoria de Malthus. Tendência atual para o

decréscimo da natalidade e prolongamento da vida humana; suas causas e consequências.

Países superpovoados – emigração. Reivindicação de espaço (matérias primas) –

colonização. Países novos; política de povoamento do solo. Imigração e razões da sua

regulamentação restritiva.

XLIV - Sociologia criminal. O problema do crime e da pena. Responsabilidade moral e

responsabilidade social (determinismo). Causas do crime. Fundamento do direito de

punir. Finalidade da pena. Estatística criminal.

Elaborado pelo autor, a partir da seguinte fonte: GUELFI, Wanirley. A Sociologia Como Disciplina Escolar

no Ensino Secundário Brasileiro: 1925-1942. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-

Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001.

Como analisamos anteriormente, os currículos da década de 1920 tiveram como

preocupação enredar a Sociologia teórico-historicamente, pensar fatos relevantes sob um viés

sociológico. Em 1939 (tabela 4), há um ensaio tímido de incorporação de uma perspectiva sobre

ensino de Sociologia (e usufruto da disciplina como instrumento de pesquisa/análise) na

contemporaneidade – principalmente na parte da Estrutura Social, que não existia nesses

moldes nos currículos anteriores. Isto mostra uma preocupação de ordem “prática” e/ou que

conecta o ensino de Sociologia ao social, já que aparecem com relevância neste movimento

temas como: família, igreja, educação, criminalidade e classes sociais.

O currículo da década de 1930, portanto, propõe uma abordagem mais ampla – no

que diz respeito a temas, conteúdos, conceitos, teorias e questões - do que os anteriores, mesmo

porque a Sociologia já havia intensificado sua atividade e temáticas, o que possibilitou a

exploração do que fora deixado de lado nos currículos anteriores53.

53 No entanto, acreditamos este movimento não diminui seu enciclopedismo – tanto que os temas aparecem já

prescritos aos estudantes, nos questionamos se era possível inserir questões nacionais e mesmo da experiência

cotidiana nas aulas de Sociologia. Nos parece pelo tamanho e pelo detalhamento que a perspectiva é que todos

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Importante demarcar que, além do tamanho do currículo em termos de conteúdo,

ele se mostra pouco diverso em suas perspectivas ideológicas. Na “Introdução” e nas “Origens

Sociais” só aparecem autores de origem europeia e americana, destacamos também a

predominância de Durkheim como norteador da proposta, já que aparece como autor principal

da disciplina e o conceito de “fato social” como dominante. Verifica-se, por exemplo, a menção

aos conceitos de classes sociais, trabalho e capital, mas sem explicitar ou colocar no currículo

a teoria marxista.

Se analisarmos a reforma de uma maneira ampla, podemos chegar a algumas

interpretações sobre o currículo da disciplina, de forma particular. Primeiramente, à ideia de

que os currículos fossem o mais abrangente e enciclopédico possíveis, compreendessem

diversos aspectos da vida social e auxiliassem na formação do futuro profissional dos que

procuravam os ciclos complementares. No entanto, esta amplitude e o auxílio à formação

estudantil trazia consigo prescrições de cunho moral, tais como “princípios fundamentais do

convívio humano”, “liberdade e responsabilidade”, “direitos e deveres recíprocos dos

cônjuges”; e “indissolubilidade do vínculo matrimonial e divórcio”.

Havia, para além dos temas sociológicos, a tentativa de normatizar os futuros

profissionais: todas as questões apontadas acima são passíveis de discussão dentro do próprio

campo sociológico, no entanto, num currículo instrumental isto se torna uma perspectiva pouco

acessível. Como deixa claro Meucci:

Não obstante, não era apenas mero ornamento a Sociologia. Foi também uma

disciplina normativa, prescritiva de noções de civilidade, civismo e até higienismo.

Mais do que isso, ofereceu uma metáfora da sociedade: a metáfora orgânica, na qual

se ocultaram desigualdades sociais sob os argumentos da diferença, da

funcionalidade, solidariedade e autoridade. Com isso, a Sociologia escolar, cujo

conteúdo na forma de livro (como as demais disciplinas) estava sob o controle da

Comissão Nacional do Livro Didático, cumpriu um papel crucial para o período que

consiste em ser o locus da justificativa discursiva do Estado Novo. (MEUCCI, 2015,

p. 254).

Outro caminho interpretativo possível se conecta ao momento histórico e às

transformações ocorridas no mesmo período em que a reforma está inserida. A sociedade

brasileira passava por intensas mutações e o currículo de Sociologia demonstra uma

esses conteúdos fossem trabalhados, e, como fazê-lo no espaço de dois anos sem aligeirar as discussões ali

presentes? Ou num movimento contrário, como aprofundar os conteúdos que mobilizaram os estudantes? Nos

parece que se o objetivo foi cumprir o currículo exposto em sua totalidade, as duas opções tornam-se inviáveis.

Precisaríamos, neste sentido, de uma pesquisa histórico-sociológica de mais fôlego para responder a estes

questionamentos.

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preocupação em explicar muitas delas, porém com pouca disposição para pensá-las além das

amarras do governo federal, tais como “conflitos do trabalho e do capital”, “greves e “lockout”,

“a intervenção do Estado” e “o justo salário e o salário mínimo”.

O currículo, portanto, expressa as contradições entre o tradicional e o moderno

presentes na década. Ao mesmo tempo em que se propõe amplo, abrangente e detentor de temas

relevantes para pensar o mundo contemporâneo, está circunscrito dentro de uma política e

sistema educacional que o torna – pelo volume de disciplinas que o estudante tem que lidar,

pelo seu caráter propedêutico e sua ligação com o ciclo complementar – longo e maçante, o que

desestimula a intervenção na realidade social, ou que se promovessem via escola iniciativas

neste sentido.

Deste modo, se constituiu uma contradição: a presença da Sociologia na escola

neste momento parece sempre atrelada – e justificada - à possibilidade de reforma do Estado a

partir de uma ciência social, através da ruptura com valores e regras morais aceitos e praticados

neste momento histórico que seriam os sintomas de atraso do Brasil frente a outras nações

desenvolvidas. No entanto, se a educação é um desses instrumentos de mudança e a Sociologia

está inserida no sexto ano de um currículo enciclopédico e reprodutor de desigualdades, a

disciplina tem limitadas suas exaltadas possibilidades de transformação/reflexão54.

Notamos que a preparação para o curso superior – através dos cursos

complementares - serviu também como narrativa para conferir ao ensino da disciplina uma

“utilidade” que dialoga com a contradição que expomos acima: a Sociologia ao ajudar a formar,

em dois anos, intensivamente, o estudante para o ensino superior promoveria o rompimento

com o atraso em duas esferas educacionais: secundária e superior, mas isto não tornou-se

verificável com a ascensão do Estado Novo, por exemplo.

Em suma, a disciplina teve que lidar com variados dilemas ao longo da década de

1930, embora estivesse presente na escola. A presença da disciplina não nos parece romper com

o caráter excludente da Reforma Campos, que tinha como base uma concepção oligárquica de

educação e sua parca expansão pelo território nacional. Sendo assim, a disciplina assume, ao

mesmo tempo, o papel de controle dos interesses conservadores nos costumes, à medida que

ajudava a normatizar a conduta estudantil (ao menos o currículo aponta pra isso); ao passo que

54 Ainda existem outros fatores a serem considerados no mesmo período, como a fragilidade dos manuais

pedagógicos no que diz respeito às orientações para a pesquisa sociológica; a falta de um ambiente institucional

próprio para a realização destas pesquisas: pouquíssimas foram as realizadas no Brasil até o momento da edição

da Reforma; além da própria proposta do ciclo complementar de estudos, que na prática constituiu-se como um

preparatório para ingresso no ensino superior, conjuntura na qual a Sociologia teve que se adaptar (MEUCCI,

2000).

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remetia oficialmente ao uma tentativa de alinhamento à busca da “modernidade nacional”, ou

o papel de disciplina que legitimaria a luta contra o “atraso” da nação, tocando em temas que

deveriam ser discutidos, mas que nos parece, foram simplesmente prescritos no currículo.

2.4. A reação de Delgado de Carvalho

A perspectiva supracitada acerca do currículo/ensino de Sociologia, no entanto, não

passou a década de 1930 sem ser questionada. Foi problematizada inclusive por aquele que era

- até a década passada - responsável exclusivo pela elaboração deste currículo: Carlos Miguel

Delgado de Carvalho55. A partir do seu engajamento na construção de uma nova visão

educacional, sintetizada no manifesto dos pioneiros, Carvalho modificara sua concepção acerca

da formulação do currículo escolar da disciplina.

Um de seus movimentos será a edição do livro Práticas de Sociologia (1939), obra

destinada à distribuição aos alunos do Curso Complementar do Colégio Pedro II e que, nas

palavras do autor, poderia servir a outros candidatos ao exame de Sociologia no curso de

habilitação às escolas superiores. Outro movimento será a realização e o envio de uma carta à

Presidência da República para propor uma revisão do currículo da disciplina.

O conteúdo do livro corresponde em maior ou menor grau ao programa aprovado

pela Diretoria Geral do Departamento Nacional de Educação, mas também tem o objetivo de

questioná-lo. Os dezesseis pontos abordados por Carvalho na obra resumem um trabalho mais

completo que estava em processo de elaboração naquele momento, sob o nome de Sociologia

Elementar.

Segundo Carvalho, a Sociologia Elementar seria mais completa, em função das

divergências que o autor tinha em relação ao programa oficial, ao qual tinha que se conformar.

Tal desacordo era motivado, sobretudo, pela extensão do programa, abrangendo assuntos que,

segundo o catedrático, eram em sua maioria estranhos à Sociologia (Direito, Ciência Política,

55 Carlos Miguel Delgado de Carvalho (1884-1980), francês de pais brasileiros, fez seus primeiros estudos em

escolas da Suíça e aos 11 anos, mudou-se para a França para cursar o segundo grau em Lyon. Posteriormente

estudou Direito na Universidade de Lausanne e Ciências Políticas em Paris. Em seguida realizou estudos em

Diplomacia, com uma passagem pela London School of Economics. Chegou ao Brasil na primeira década do

século XX, visando escrever a sua tese de graduação à Escola de Ciências Políticas de Paris. Em 1910 lançou o

livro "Le Bresil Meridional", baseado em sua tese de doutorado e que se tornou uma importante referência para os

estudos geográficos no país. Atuou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e na Sociedade Geográfica do

Rio de Janeiro (1920). Participou da fundação do Conselho Nacional de Geografia.No Magistério, lecionou nas

Escolas de Intendência e Estado Maior do Exército (1921), no Colégio Pedro II (Geografia, Sociologia e Inglês) e

na Escola Normal, vindo a organizar o Curso Livre Superior de Geografia (1926) destinado à atualização dos

professores do Ensino Fundamental.

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Economia, entre outros); além disso, o programa tinha uma “preocupação exagerada em refutar

as teorias francesas de Durkheim, com as quais nada temos” (CARVALHO, 1939).

Como apontamos, o programa oficial tinha em vista fazer da Sociologia uma ciência

normativa, o que, para Carvalho, significava “dar-lhe a missão de outra disciplina, a Instrução

Moral e Cívica” (CARVALHO, 1939). Em outras palavras, tratava-se, para ele, de um desvio

do caminho da disciplina. Carvalho pontua, inclusive, que se era este o objetivo, o nome da

cadeira deveria ser mudado. Para o autor, o programa omitia as questões principais que

constituíam a Sociologia moderna daquele período (reflexões culturais, processos sociais,

trabalho, a contribuição da pesquisa, entre outros), ignorando, segundo ele, o que tinha sido

produzido no campo da Sociologia nos últimos quarenta anos.

Tendo em vista que com a Reforma Francisco Campos os catedráticos do Colégio

Pedro II deixaram de ser responsáveis pela elaboração dos programas das disciplinas, o que

passou a ser atribuição dos técnicos do Departamento Nacional de Ensino, Carvalho fazia votos

de que os responsáveis pelo programa viessem a se informar dos elementos e das discussões

acerca do que realmente constituísse a Sociologia.

Práticas de Sociologia apresenta, assim, as instruções relativas às provas de

Sociologia, dá conselhos sobre a preparação da dissertação sociológica e apresenta as provas

da disciplina realizadas no exame vestibular das escolas superiores do Rio de Janeiro, em 1938.

O autor organizou a publicação em 13 capítulos a seguir que listamos a seguir:

Tabela 5: Organização do livro Práticas de Sociologia (Delgado de Carvalho, 1939)

Capítulo 1 Sociologia, Conceito, definição, Métodos

Apêndice 1 – Esboço histórico da Sociologia

Capítulo 2 Formação e Fixação dos grupos

Apêndice - 2 – A Solidariedade

Capítulo 3 Influências do Meio

Capítulo 4 População e tipos étnicos

Apêndice 3 - A teoria de Malthus

Capítulo 5 Mobilidade Social

Apêndice 4 – Imigração e Colonização

Capítulo 6 Fatores culturais

A) Linguagem, Arte e Ciência

B) Moral e religião

Apêndice 5 – O Progresso

Capítulo 7 Áreas Culturais

Capítulo 8 Contratos Sociais

A) Concorrência e Conflito

B) Acomodação, Assimilação e Integração

Capítulo 9 Controle Social

Capítulo 10 A Família

Apêndice 6 – Casamento civil e casamento religioso

Capítulo 11 A Escola e a Educação

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Capítulo 12 O Trabalho e a Economia

Apêndice 7 – A Propriedade

Apêndice 8 – O Regime Capitalista

Capítulo 13 O Estado e a Igreja

A) O Estado

B) A Igreja

Apêndice 9 – Os poderes na Constituição Brasileira

Apêndice 10 – Os Códigos

Elaborado pelo autor, a partir da seguinte fonte: CARVALHO, Carlos Delgado. Práticas de sociologia. Porto

Alegre: Globo, 1939.

Ao final de cada capítulo, Delgado de Carvalho apresenta tópicos a serem

discutidos com os alunos, notas e documentação que podem contribuir para aprofundamentos

das questões discutidas56. Como destaca Soares (2009), Carvalho:

Procurou solucionar o paradoxo da inadequação dos programas oficiais às

expectativas em relação à contribuição do conhecimento sociológico, buscando inserir

nos temas impostos pelo programa oficial os poucos dados existentes na época acerca

da realidade brasileira. Relacionando-os à realidade brasileira, Delgado de Carvalho

esperava tornar o ensino da Sociologia um meio para divulgar suas crenças, seu

projeto de sociedade e ressaltar a importância de conhecermos a sociedade brasileira.

O autor faz referências ao seu esforço na fixação da relação entre as ideias

sociológicas e os fatos da vida social, afirmando ter procurado, em cada tema

sociológico discutido, examinar o ponto de vista brasileiro para destacar o interesse

nacional que nos prendia a tais discussões (SOARES, 2009, p.102).

Salientamos o entendimento do autor acerca do desenvolvimento de pesquisas

sociológicas, como parte das atividades didáticas dos cursos complementares. Estas teriam a

função de socializar os alunos, já que através da realização de análises sociológicas, vivendo a

experiência da pesquisa em grupo e, ao mesmo tempo, reconhecendo a racionalidade da vida

social, estariam treinando para a vida coletiva. Destacamos que esta perspectiva foi pouco

pensada até aquele momento no que tange ao ensino escolar de Sociologia, inaugurando,

praticamente, uma perspectiva de pesquisa.

O livro de Carvalho, reúne os posicionamentos contrários do autor ao programa

oficial de Sociologia, além de apresentar indícios de que a disciplina Sociologia no Colégio

Pedro II e as expectativas nela depositadas estariam relacionadas à preocupação, vista nos anos

1920 e presente nos escolanovistas, que veremos adiante, com o futuro do país e com os

56 Dentre as referências, os mais citados incluem: Manoel Bonfim, Silvio Romero, Aberto Torres, Euclides da

Cunha e Oliveira Vianna, pioneiros do pensamento social brasileiro; Auguste Comte, Emile Durkheim e John

Dewey, que influenciaram o pensamento de Delgado de Carvalho; Pontes de Miranda, Fernando de Azevedo,

Carneiro Leão e Gilberto Freyre, os primeiros difusores da Sociologia no Brasil; Henrique Doria, Raja Gabaglia e

Agliberto Xavier, estudiosos e professores do Colégio Pedro II; e outros intelectuais de grande porte como Tristão

de Ataíde, Arthur Ramos, Josué de Castro, Roquete Pinto, Nina Rodrigues, Joaquim Nabuco, Pedro Calmon,

Anísio Teixeira, Miguel Reale, Afonso Arinos de Melo Franco e Evaristo de Moraes.

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problemas sociais da época. As críticas realizadas mostram a preocupação de Delgado de

Carvalho com o conhecimento da realidade brasileira.

Outro movimento questionador de Carvalho acerca do currículo escolar da

Sociologia se dará em 22 de junho de 1938, quando o catedrático de Sociologia submete a Luís

Vergara, então Secretário da Presidência da República, um relatório sobre o ensino da

disciplina, em que propõe, novamente, um enfoque distinto do programa elaborado pelo

Departamento Nacional de Ensino57. Destacamos esta comunicação - encontrada nos arquivos

do CPDOC/FGV – pois representa um dos principais personagens da disciplina naquele

momento levando a discussão sobre a mesma ao centro poder político, numa conjuntura já

pouco favorável à disciplina: cabe lembrar que em 1937 o Estado Novo fora instituído, temos

aprovado em 1938 uma comissão nacional dos livros didáticos58 controlando a produção do

conhecimento que chegava à escola, além disso a Universidade do Distrito Federal seria

fechada um ano depois.

O documento encontra-se no arquivo, datado de 22/06/1938, em duas partes, uma

primeira carta escrita e assinada a mão por Carvalho, em que ele pede que seu relatório seja

avaliado pelo presidente da república e se diz honrado pela possibilidade de uma futura

entrevista sobre o currículo e os rumos a serem assumidos pela disciplina.

No relatório em si, datilografado, Carvalho faz diversos apontamentos. Com

relação à finalidade de defender o ensino de Sociologia, Carvalho entendia que a disciplina não

devia ser considerada uma ciência normativa – pois seus ensinamentos deviam ser estudados

objetivamente e não em busca de argumentos a favor de alguma ideologia. Considerava,

também, que a Sociologia não era uma arma de combate, mas um instrumento de trabalho, uma

orientação racional para pesquisas no campo da vida social.

Outro ponto criticado foi, na opinião do catedrático, o prejuízo causado aos estudos

sociológicos brasileiros daquele momento histórico pela influência das diretrizes e modelos

franceses acerca do ensino da disciplina. Por exemplo, embora reconhecesse que a Sociologia

57 A carta completa está na seção de anexos, especificamente no Anexo 2: Carta de Delgado de Carvalho ao

Secretário da Presidência da República, Luís Vergara (com o programa oficial vigente com anotações). 58 A comissão nacional dos livros didáticos (CNLD) foi criada em 1938 pelo Decreto-lei n. 1006, de 30 de

dezembro, que estabeleceu as condições de produção, importação e utilização do livro didático, considerado como

compêndio ou livro de leitura de classe. A CNLD foi instituída pelo art. 9º da referida lei e deveria ser composta

por sete membros, “escolhidos dentre pessoas de notório preparo pedagógico e reconhecido valor moral”. As

atribuições previstas eram: a) examinar os livros didáticos apresentados para avaliação e proferir julgamento

favorável ou contrário à autorização de seu uso; b) estimular a produção e orientar a importação de livros didáticos;

c) indicar os livros didáticos estrangeiros de notável valor, que merecessem ser traduzidos pelos poderes públicos,

bem como sugerir-lhes a abertura de concurso para a produção de determinadas espécies de livros didáticos de

sensível necessidade; d) promover, periodicamente, a organização de exposições nacionais dos livros didáticos

com uso autorizado na forma desta lei. (Art. 10º).

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de Durkheim, trouxesse interessantes formulações metodológicas, considerava que esta deveria

ser evitada, já que desviava os nossos estudos para o terreno religioso, predispunha a discussões

dogmáticas acerca de teorias que nada tinham de útil, de importante ou prático. Em outras

palavras, Carvalho aponta que Durkheim traria uma visão pronta de Sociologia, com métodos

e interpretações a serem seguidos, do que ele claramente discordava e/ou não achava que dariam

conta da análise da realidade social brasileira.

Com efeito, no outro polo, Carvalho entendia, ainda, que as tendências vigentes da

Sociologia americana naquele período eram mais relevantes para analisar nossa situação

porque, em vez de levantar problemas sobre assuntos controvertidos e discussões acadêmicas,

despertavam o interesse para o estudo e o conhecimento racional das estruturas sociais em que

vivíamos, através da produção de pesquisas, além de propor soluções para os seus problemas.

Nesse sentido, acreditava que a “missão” da Sociologia não era exaltar ou deprimir

instituições, mas sim as investigar e descrever, indicar as condições de seu perfeito ajuste – por

isso era ela a ciência do “ajustamento social”, sem rótulos filosóficos, ideológicos e/ou

doutrinários. Carvalho considerava que a Sociologia havia sido colocada em boa hora nos

programas de habilitação aos estudos superiores, para que a elite que estava sendo preparada

em nosso país tivesse uma noção sóbria, imparcial, científica dos mecanismos das nossas

instituições59.

Para isso, era necessária uma visão – principalmente das elites – acerca do que

seriam, na realidade, os fenômenos sociais, do que seriam as interrelações humanas, as

intercomunicações, os contextos diversos e as consequências dessas relações sociais. Para isso

também era essencial que a Sociologia fosse um campo de experiência que fornecesse os

métodos de pesquisas sociais e os inquéritos, os processos de estudo dos grupos rurais,

educacionais, econômicos, políticos e outros.

A Sociologia, portanto, deveria assumir um papel pragmático e não apenas teórico,

retórico e especulativo, como ocorria naquele momento; e deveria ajudar, por exemplo, na

compreensão do que acontecia com o país naquela conjuntura determinada – o Estado Novo.

Sobre o programa, Carvalho considerava discutível a utilidade de se começar os

estudos de Sociologia por uma “definição” ou um “conceito” de Sociologia. Entendia que talvez

59 Notemos que, apesar da discordância de Carvalho frente ao programa de 1939, sua crítica se aproxima

ideologicamente a ele, já que a elite permanece como a classe social que deve se aproximar e compreender a

realidade do país. Em que pese uma espécie de aproximação da Sociologia com os problemas práticos, o estudante

alvo deste ensino segue sendo o mesmo. Carvalho também valoriza a presença da disciplina nos cursos

complementares.

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fosse mais indicado tentar uma definição no fim do curso, depois de percorrido praticamente

todo o conteúdo.

Entretanto, também aponta a necessidade de que fossem fixados, logo de início, os

objetivos do estudo sociológico, e que também fossem indicados os métodos a serem

empregados – com objetivo de utilizar a Sociologia em seu potencial científico e não apenas na

produção de teorias e dissertações filosóficas de retórica e de especulações. Este, inclusive, é o

motivo pelo qual a Sociologia não havia ainda logrado êxito no Brasil:

“O ensino de Sociologia ainda não entrou nos seus eixos no Brasil, porque é dado o

título de sociólogo a todos os intelectuais que estudaram uma questão de história, de

economia política ou de moral. Tudo é sociologia, quando não é matemática, física

ou biologia. Esse exagero nos prejudica porque adia o problema real deste ensino: a

compreensão clara do que seja verdadeiramente Sociologia. Se todos são sociólogos,

todos sabem sociologia e o problema está resolvido. O caso, infelizmente, é

exatamente o contrário. (CARVALHO, 1939, p.3).

Depois desta crítica à falta de especificidade da Sociologia entre nós, Carvalho

apresenta sua proposta de programa, com comentários acerca do programa apresentado. O

primeiro estudo era o da “matéria prima” que servia à Sociologia, o estudo dos grupos humanos

que se formam, se desloca e evolui sob influências diversas. Carvalho aponta a necessidade de

serem estudados os seguintes tópicos: a Formação dos Grupos Sociais; as Influências dos

Meios; a População; os Tipos Étnicos; a Mobilidade Social: a Migração. Não se tratava de

estudos antropológicos ou demográficos, mas dos dados que estas disciplinas poderiam

fornecer à Sociologia para análise; com isso se demarca a necessidade de discernimento e

critério na escolha dos dados essenciais, estritamente sociológicos, para que o campo alheio

não fosse invadido.

O segundo estudo proposto por Delgado de Carvalho foi o dos meios ou

“instrumentos” pelos quais os homens e os grupos entram em relação – é o estudo dos chamados

“fatores culturais”. Os pontos do estudo que deveriam ser estudados são: A Linguagem sob

todas as suas formas; a Arte, a Ciência; a Moral, o Direito, a Religião; as Áreas Sociais

Culturais. O estudo das “áreas culturais”, relaciona-se a Sociologia norte-americana, que

pretendia renovar a Sociologia por meio de quadros característicos nos diversos ambientes em

que se processavam os fenômenos sociais.

O terceiro estudo era o das diferentes modalidades de “contato social” – estudo da

interpenetração dos grupos e da interação dos homens e dos grupos. Duas atitudes divergentes

se apresentavam: o conflito e a cooperação. Os processos de interação a serem estudados

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deveriam ser: os Contatos Sociais; o Conflito, a oposição, a concorrência; A Cooperação, a

acomodação, a assimilação.

Em um país de imigração, em uma sociedade nova, Carvalho considerava que estes

eram processos de singular importância a analisar e conhecer. Como destaca Soares (2015),

este é o componente mais sociológico do programa, pois os processos constituíam os contatos,

o objeto por excelência das inter-relações no plano mental (SOARES, 2015).

O quarto estudo era o da “interdependência” resultante dos contatos diversos

examinados no estudo anterior – era a parte estrutural e jurídica da Sociologia. Até aquele

momento, era a mais estudada porque ligava-se ao Direito – lembremos da presença da

Sociologia nos cursos complementares. As estruturas básicas que estabeleciam a

interdependência eram as “instituições”; eram estas que atraíam quase exclusivamente a

atenção dos programas franceses de Sociologia, os quais a simples reprodução sem o

questionamento necessário sofrem as críticas do autor demarcadas acima.

Além disso, considerava que as instituições básicas – Família, Economia, Estado e

Igreja – deveriam ser examinadas, mas não juridicamente e, sim, a partir das relações sociais.

Essas estruturas precisavam ser interpretadas em função das necessidades do grupo e do

mecanismo da vida moderna que enquadravam e regiam. Na opinião de Carvalho, as principais

estruturas básicas a estudar, sob o ponto de vista da interdependência que criam, eram: a

Família; a Industria e a Profissão; o Estado; a Igreja.

O quinto estudo era o que se chamava “Ajustamento Social”, que visava dar ao

estudante uma noção precisa do que vinha a ser a adaptação do indivíduo ao grupo, a integração

dos grupos entre si e, em consequência, uma ideia sóbria e imparcial dos problemas que podiam

surgir. Todas as chamadas “questões sociais” segundo o autor eram passíveis de investigação e

solução e nisto residia a contribuição da Sociologia, sua cientificidade e objetividade.

Como parte dos estudos da Sociologia, é sugerida atenção também aos “Métodos e

Processos da Pesquisa Social”, que revelavam como deviam ser feitos inquéritos nas unidades

regionais, urbanas, rurais, nacionais, nos ambientes coletivos típicos, a fim de investigar as suas

condições sociais e de colocar os seus problemas em termos científicos, qualitativos e

quantitativos. Esta parte complementar, segundo o autor, tornaria o cidadão menos suscetível a

interpretações sociais imprecisas e/ou somente qualitativas e às opiniões subjetivas que

demarcavam essas mesmas interpretações – critica o uso conceitos improvisados e sem

significação profunda, das normas sem conteúdo que, segundo ele, levam às falsas ideologias.

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A proposta final do programa da disciplina se constituiu, portanto, de acordo com a tabela

abaixo:

Tabela 6: “Distribuição da matéria para um programa de Sociologia”, Delgado de

Carvalho, 1938. 1. Introdução - Objeto da Sociologia

- Métodos

2. Os grupos humanos a) Formação e fixação dos grupos.

b) Influência dos meios, físico e social.

c) População e Tipos étnicos.

d) Mobilidade social – Migração - Colonização.

3. Os fatores culturais da

Intercomunicação Social

a) A linguagem e suas diversas formas.

b) Arte, ciência e técnica.

c) Moral, direito e religião.

d) Áreas culturais.

4. Os processos de Interação

Social

a) Os contatos sociais.

b) Oposição, concorrência e conflito.

c) Cooperação, assimilação e acomodação.

d) O controle social.

5. As estruturas básicas de

interdependência social

a) A família e a sociedade doméstica.

b) A indústria, a profissão e a sociedade econômica.

c) O Estado e a sociedade política.

d) A igreja e a sociedade religiosa.

6. O ajustamento social a) Conceito de ajustamento social.

b) Tipos de desajustamento social da família, da condição, dos

sentidos, da saúde, da conduta, da economia, etc.

c) A pesquisa sociológica e seus métodos.

d) Os ambientes sociais coletivos, urbanos, rural, regional,

colonial.

e) O serviço social.

Fonte: CPDOC, FGV. Classificação: LVc1938.06.22. Série: c – Correspondência. Data de produção:

22/06/1938 (Data certa). Quantidade de documentos: 1 (17 folhas). A carta e resposta estão relacionadas no

Anexo 2, ao final da tese.

Anexada à carta de Carvalho que sintetiza tais críticas, explicações e a supracitada

proposta de um currículo de Sociologia considerado moderno por Carvalho, constam dois

documentos. O primeiro, o programa vigente de Sociologia com a seguinte inscrição: “eis o

programa oficial (criticado no relatório) para o necessário confronto” e inscrições com possíveis

dúvidas, riscos e apontamentos de problemas e elementos a serem eliminados no programa

feitas, possivelmente, pelo próprio Carvalho como “?”, riscos na página 53, “Direito” e

“Economia Política” de modo a apontar elementos de outras disciplinas no currículo de

Sociologia. O segundo documento é uma carta-resposta enviada ao Secretário Luís Vergara que

fora, segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil

(CPDOC/FGV)60, redigida por Getúlio Vargas. Trata-se de uma resposta/reação em tom

60 CPDOC, FGV. Classificação: LVc1938.06.22. Série: c – Correspondência. Data de produção: 22/06/1938 (Data

certa). Quantidade de documentos: 1 (17 folhas).

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cordial, datilografado e sem assinatura, aos comentários do relatório sobre o programa oficial

de ensino de Sociologia e o novo programa proposto por Carvalho61.

Na resposta, Vargas aponta que considerava muito bem-feita a exposição de

Carvalho, e que parecia mesmo “à primeira vista” necessário reformar o ensino erudito da

Sociologia, seus cânones e sua prática, a aproximando do objetivo e do concreto, de acordo,

portanto com o apresentado no programa. Considerava também que, se naquele momento

ocupasse uma cátedra, seguramente preferiria o programa apresentado por Carvalho em lugar

do oficial.

No entanto, as convergências param por aí. Não seria necessário, segundo o

presidente, detalhar aspectos particulares de um programa brasileiro do estudo da Sociologia

em oposição ao americano – ou mesmo privilegiar o programa americano, o presidente traz de

volta o outrora criticado programa francês novamente como opção. Sendo assim, na contramão,

levanta a necessidade de contemplar no programa uma visão de conjunto, histórica, das fases

do estudo da Sociologia, sem preferência por nenhum modelo específico.

O presidente, por fim, se refere na carta a um “conflito fatal que arrastaria a

observação e pesquisa realista dos fatos sociológicos entre nós”. Embora não se aprofunde nesta

seara, nos parece claro que para o governo central certas constatações de Carvalho - se fossem

apoiadas em pesquisa - no que diz respeito à formação da família, à religião e à moral seriam,

“revolucionárias e insuportáveis”. Seria um mal, na visão do presidente, portanto, torná-las

oficiais.

Destacamos os questionamentos de Carvalho e a resposta de Vargas, porque

acreditamos que estes tiveram importância dentro dos anos 1930 e na trajetória da disciplina

até então por questionar o papel assumido pela disciplina na escola. Os currículos de Sociologia

produzidos até então são enciclopédicos/ normativos, tendo como essência um tipo de

Sociologia prescritiva. Não a toa, a distinção realizada por Carvalho entre Sociologia normativa

e científica é claramente rechaçada pelo governo central, assim como crítica à escola francesa:

acreditamos que estas duas críticas mexiam com a noção orgânica da sociedade à serviço da

ditadura do Estado Novo e podem ter contribuído para saída posterior da disciplina dos bancos

escolares.

Isto faz sentido, a medida em que o catedrático tenta fazer nos 1930 - apesar da

formulação dos currículos não estar mais sob sua alçada - é redirecionar o ensino da disciplina

61 Os dois documentos estão na sessão de anexos ao final da tese, especificamente no Anexo 3: Resposta enviada

a ao Secretário da Presidência da República, Luís Vergara, por Getúlio Vargas – de forma a responder os

questionamentos de Delgado de Carvalho.

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rumo a uma abordagem que contemple as questões nacionais e contemporâneas, além de tentar

formular um currículo de menor extensão, tendo como norte a aplicação prática da disciplina.

Com efeito, não podemos dispensar as influências intelectuais de Carvalho naquela

conjuntura. Já haviam sido lançados Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda e

Casa Grande & Senzala (1933) de Gilberto Freyre, que apontavam para uma visão acerca do

Brasil e da própria Sociologia diferentes dos anos 1920 – o entusiasmo da década anterior é

substituído por um realismo científico sobre a realidade brasileira. O caráter científico dessas

obras será questionado anos depois (BOTELHO, 2010), mas impactam Carvalho quanto à

incorporação das questões culturais brasileiras em seu livro e programa: há uma tentativa de

esmiuçar “fatores culturais” da vida nacional influenciada por Freyre, que por sua vez esteve

dialogando diretamente com a Sociologia Americana, uma das inspirações de Carvalho.

Há, ainda, a influência do movimento escolanovista62, já que Carvalho nota que

com o currículo extenso anterior e a falta de prática sociológica, não restaria muito para a

disciplina além de exprimir julgamentos acerca da vida social. Por fim, temos o surgimento e a

presença crescente no período, das universidades mexendo as peças até então em jogo com

renovados métodos, ideias, conceitos e teorias sociológicos, o que pode explicar a admiração e

ênfase dada por Carvalho ao campo da pesquisa.

Deste modo, podemos notar que nos anos 1930 o currículo da disciplina é alvo de

intensas especulações e propostas de reformulação, e pela primeira vez se questiona forte e

publicamente a atribuição de um sentido enciclopédico e normativo desta. Nos próprios anos

1930, se busca a formulação de outro voltado a pesquisa, a análise científica, a explicação do

mecanismo das instituições e a interpretação de suas funções. Em outras palavras, as disputas

no campo sociológico Brasil se direcionarão para a construção de um novo padrão de

normatividade. No entanto, esse movimento – não necessariamente organizado - que

objetivava mudanças curriculares terá pouco impacto nos programas oficiais, devido aos

embates ideológicos verificados no campo educacional.

2.5. A Igreja Católica, a Escola Nova e os embates no campo educacional

A Igreja Católica vai se tornar uma atriz social fundamental para entendimento do

campo educacional na década de 1930 frente aos debates na ABE, embora sua influência neste

campo tenha sido iniciada muito antes. Para melhor compreendermos esse papel - apesar da

62 O Movimento da Escola Nova será abordado mais a frente, no item 3.1.

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presença do catolicismo na vida brasileira ser longa, assim como sua relação com o Estado – se

faz necessária a reconstrução desses pontos de contato entre as duas instituições para melhor

compreender os conflitos campo educacional nos anos 1930.

Nesse sentido, nesta subseção iremos nos apoiar em investigações já realizadas

acerca da história da educação brasileira do período, tais como Schwartzman (1986), Saviani

(2006) e Romanelli (2005) para investigar os movimentos católicos no campo educacional e

seus rebatimentos na trajetória escolar da Sociologia.

Como destaca Schwartzman (1986), se distanciando do senso comum acerca do

tema, o Brasil não fora um local de predomínio religioso totalizante da Igreja Católica,

principalmente no contexto imperial, apesar das relações íntimas entre ela, a metrópole e a então

colônia. No entanto, é marcante o fato da população brasileira sempre se declarar católica, e o

fato da Igreja - que detinha o monopólio dos principais atos cívicos que faziam parte da vida de

todos os cidadãos - proporcionar um código moral e ético específico.

A conexão entre a Igreja e o Estado significava, na prática, que as questões

religiosas foram tratadas como políticas de Estado e a religião foi utilizada para os fins políticos

do mesmo ente. Ocorria, portanto, um jogo de trocas, em que de um lado a Igreja matinha seu

poder, mas, pelo outro, permanecia sob as regras do Estado (SCHWARTZMAN, 1986).

No século XVIII, a Igreja começará a entender o campo educacional como meio de

expandir sua importância e influência na sociedade brasileira, neste contexto será fundamental

a atuação dos jesuítas63. No final do século XIX, a situação se aprofunda com a separação oficial

entre a Igreja e o Estado, institucionalizando, a adesão do país ao positivismo. Os intelectuais

que haviam defendido a bandeira do abolicionismo e o próprio republicanismo ficaram alijados

dos centros decisórios de poder e a questão educacional surge como objeto de atenção desta

intelectualidade que crescia de tamanho, mas se mantinha marginalizada pela estreiteza do

regime republicano (SCHWARTZMAN, 1986)64.

63 “Os jesuítas - que formavam uma casta sacerdotal organizada e fortemente hierarquizada que tinha condições

de disputar com a coroa portuguesa o domínio temporal sobre a colônia – vão iniciar a disputa católica no campo

educacional. Para eles, o controle da educação, que mantiveram no Império português de forma quase monopólica

até sua expulsão em 1759, era somente parte de um projeto hegemônico muito mais ambicioso, que ia do controle

doutrinário da Universidade de Coimbra à organização política e econômica dos índios na região das Missões. É

a grandiosidade e ambição deste projeto que explica, em última análise, o conflito da Ordem com o Estado

português, que leva à sua expulsão” (SCHWARTZMAN, 1986, p. 109). 64 No Brasil do século XVIII, com os jesuítas tínhamos dois tipos de educação: uma para os donos de terra e seus

filhos, levada a cabo pelos padres com os rituais católicos; e a educação das oligarquias, voltadas para realização

do curso superior em Coimbra e nas escolas de direito, medicina e engenharia das grandes cidades brasileiras.

Estes caminhos expõem bem como funcionava a educação e a produção de atividade intelectual na colônia, com

rebatimentos que persistiriam até a república: mesmo com movimentos como a Reforma Pombalina que buscaram

levar (com êxito) a elite luso-brasileira a se abrir para a modernidade, incorporando elementos das doutrinas

cientificistas e naturalistas então vigentes (SAVIANI, 2006). Caminhando para o fim do século XVIII encontra-

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O debate educacional já floresce, portanto, a partir da reivindicação de expansão

das escolas, mas também da burocratização do campo educacional através da criação de novas

diretorias, secretarias e até mesmo um ministério - e desta forma lugares reconhecidos e

remunerados para os intelectuais. Isto explica o surgimento e a força da ABE, que promove

concorridas conferências nacionais para discutir estes temas e cria o clima para os grandes

projetos de reforma que se iniciariam ainda na década de 1920, para se intensificarem nos anos

1930.

Os intelectuais da educação, tinham em comum nesta conjuntura sua posição

marginal em relação ao regime, difundindo a ideia de que bastaria a modernização e

racionalização do sistema educacional para que seus problemas começassem a se resolver.

Além dos aspectos pedagógicos, ganham força a defesa da laicidade no ensino e a organização

deste em escala nacional, a partir de princípios e normas gerais fixados pela união. o que

desembocará no movimento escolanovista. Mais à frente, no entanto, como uma reação a este

ideário se insurgirá uma nova vertente do catolicismo militante que retomará o papel da Igreja

Católica no campo educacional.

2.6. Educação nova e o papel dos primeiros sociólogos

O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" (1932) consolidava a visão de um

segmento da elite intelectual que, embora com diferentes posições ideológicas, vislumbrava a

possibilidade de interferir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da educação.

O texto foi assinado por 26 intelectuais, entre os quais Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto,

Lourenço Filho, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles.

A partir da leitura do manifesto, fica clara a preocupação com a organização lógica,

coerente e eficaz do conjunto das atividades educacionais, além da tentativa de inserir

racionalidade científica no campo da educação brasileira e a defesa da escola pública65. A ABE

se um dilema: ao mesmo que a educação formal não significava muito para o conjunto da população brasileira,

que tinha deficiente formação, o campo científico aparece como possibilidade de adquirir habilidades necessárias

para a vida em sociedade na ordem capitalista. Há considerando este movimento, a implantação de escolas oficiais

e leigas para atender suprir este gargalo. No entanto, devido principalmente à expulsão dos jesuítas, a influência

da Igreja é pouco presente neste processo (ROMANELLI, 2005 e SAVIANI, 2006). 65 Saviani (2006) ressalta a condição do ideário da escola nova estar aglutinada à defesa da escola pública como

sendo uma originalidade do caso brasileiro, pois na Europa e Estados Unidos as iniciativas que integravam o

movimento da escola nova, em regra, deram-se no campo das escolas privadas, ficando à margem do sistema

público de ensino. Mais do que uma inovação brasileira a ligação entre escola nova e escola pública deve ser

apreendida dentro do conservadorismo como a escola pública foi vista no Brasil, sendo implantada através de um

ideário renovador que buscava antes de tudo, controlar e formatar as crescentes massas escolares através do

discurso neutro da ciência e seus resultados objetivos.

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concentrava os debates sobre a educacional nacional desde 192466, em 1931 na IV Conferência

Nacional de Educação, Getúlio Vargas abre os trabalhos solicitando que os presentes

auxiliassem na formulação da nova política nacional. O impacto gerado pela solicitação de

Vargas, gera, como resposta, o texto do Manifesto divulgado em março de 1932 e provoca o

rompimento entre o grupo dos renovadores e o grupo católico de educadores, que decidiu

retirar-se da associação e fundar a Confederação Católica Brasileira de Educadores, em 1933

(SAVIANI, 2006).

Essas diferenças vão se acentuar a medida em que o movimento escolanovista se

organiza através do debate educacional relativo a dois pontos principais: a laicidade da

educação e a obrigatoriedade do Estado em garantir e assumir a função educadora

(ROMANELLI, 2005). O debate sobre a laicidade, inclusive, obteve relevância ainda no final

do século XIX, já que os intelectuais do movimento renovador lutaram para manter o texto

constitucional de 1891 em que o ensino religioso era considerado facultativo. Este debate tomou

tal força que se torna uma das pautas principais nas Conferências Nacionais de Educação desde

então, como observado por Romanelli (2005):

Três aspectos constituíram o pomo da discórdia entre os educadores que, pela

Associação Brasileira de Educação, acorriam às Conferências Nacionais de Educação.

Logo, dois grupos se definiriam: o dos que promoviam e lideravam as reformas e o

movimento renovador, e os dos que, em sua maioria católicos, combatiam.

(ROMANELLI, 2005, p.143).

Neste debate a Igreja Católica tem peso significativo – e talvez seja o marco inicial

de uma atuação contínua nos debates travados na primeira metade do século XX.

Monopolizando a oferta de ensino secundário no Brasil na modalidade privada, tal atuação será

marcada pela luta para modificar a constituição e sua definição sobre o ensino laico, modificar

a lei sobre o ensino religioso e frear um possível processo de ampliação da oferta escolar67

(BOMENY, 2003).

Nesse sentido, destacamos que dentro do movimento escolanovista existiam

divergências que não foram suficientemente exploradas que nos fazem questionar a noção de

otimismo pedagógico tal como formulada por Nagle (2001). Segundo Hilsdorf (2006), com

base em pesquisa documental acerca da ABE, é possível dizer que, nos anos 1920, essa entidade

tem em seu seio disputas entre um campo conservador/autoritário e o liberal68.

66 A ABE realizou também conferências nacionais em 1927, 1928 e 1929. 67 Investigaremos a relação entre o campo educacional e a igreja católica no Brasil no próximo capítulo. 68 Nos anos 1920, existirm várias correntes políticas na ABE e a que se demonstrou predominante foi a orientação

do grupo católico. Os grupos progressistas vão assumir o controle ideológico da ABE somente depois de 1932.

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Sendo assim, nas reuniões da ABE e nos congressos nacionais por ela realizados o

que esteve em disputa não foi o aspecto técnico da educação, mas seu aspecto político. Isto

porque na medida em que a instituição faz parte de um projeto de moldagem da sociedade, tanto

liberais como católicos apresentam seus projetos de construção da “nação brasileira”.

Os escolanovistas e os dirigentes da educação nacional parecem, neste cenário,

convergir quando afirmam que a educação é o meio pelo qual o país poderia se desenvolver,

este é um objetivo, inclusive, da Reforma Vaz (e posteriormente, Campos). No entanto, seus

ideários eram diferentes, e o governo – apesar da forte influência das ideias positivistas que

ligava a educação ao progresso - pouco se movimentou para dialogar e forçar modificações na

tradição do ensino católico e privado direcionado para as elites. O que nunca foi, aliás, um

objetivo.

Os escolanovistas, ao contrário, se conectavam com as aspirações das classes média

e popular crescentes, que entre outras coisas, reivindicavam educação gratuita para inserção no

mercado de trabalho por conta da expansão industrial da década. Nesse rastro, a campanha pela

escola pública cresce nos anos 1920 e 1930 reforçando o ideário sobre a educação que a

considerava um direito pertencente a todos os cidadãos brasileiros e que deveria ser garantida

pelo Estado. No entanto, como destaca Bomeny (2003), apesar de os reformadores da educação

conseguirem ampla adesão ao movimento, suas diferenças de concepção educacional

atrapalharam as discussões nas conferências nacionais de educação:

O Movimento da Escola Nova no Brasil se empenha em questionar diretamente a

dispersão dos acontecimentos, a fragmentação das informações, a forma como se

conduziu a educação no Brasil do início da República. Mas o próprio movimento

reflete essa fragmentação [...] A fragmentação do movimento foi observada por

Fernando de Azevedo, um de seus líderes. Transitavam entre os educadores as

interpretações mais variadas das correntes e doutrinas pedagógicas sob a mesma sigla

de Escola Nova ou Educação Nova. [...] A preocupação com essa dispersão, com a

“confusão doutrinaria”, como a quis chamar Fernando de Azevedo, influiu muito na

participação efetiva dos pioneiros nos rumos da política nacional para a educação da

era Vargas. (BOMENY, 2003 p. 43-44).

O que os pioneiros tentaram tornar notável, e no que convergiam, foi no fato de que

a sociedade brasileira atravessava mudanças e que o modelo vigente não daria conta de incluir

a população de maneira ampla nos bancos escolares. O manifesto, portanto, foi o primeiro

documento a posicionar a educação como um problema social e vislumbrar um programa para

seu equacionamento. O que a conjuntura pedia naquele momento, é que a educação se

consolidasse como uma política de Estado e um direito acima dos interesses de classe.

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Deste modo, as ações do grupo de intelectuais signatários do manifesto estiveram

concentradas em solicitar ações objetivas por parte do Estado. Sua primeira reivindicação diz

respeito à garantia da escola pública de modo que todas as classes sociais pudessem acessá-la.

Embora admita a educação privada e as dificuldades do Estado em assumir a tarefa de pronto,

os intelectuais procuraram pressionar o Estado para que este tomasse medidas que diminuíssem

a disparidade verificada entre as classes sociais, o que só poderia ser feito a partir da oferta de

oportunidades educacionais.

O manifesto também buscou garantir a igualdade de gênero69 nas ações

educacionais, reconhecendo as diferenças aptidões psicológicas e profissionais, mas

demarcando que as oportunidades deveriam ser iguais. Outra reivindicação do manifesto diz

respeito à necessidade de implementação de uma estrutura educacional única, principalmente

relacionada aos procedimentos pedagógicos centrados na figura do aluno, remuneração justa

dos professores, espaço físico das escolas, entre outros. No entanto, ao mesmo tempo que essa

estrutura deveria ser única, deveria ser garantido a cada espaço escolar sua autonomia

educacional, formulando estratégias educacionais próprias:

A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado,

no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não

implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas

do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências

regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade.

Por menos que pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação

da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a

cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano

comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão

(MANIFESTO, 1932, p. 195).

Deixam claro, portanto, o papel do Estado, que mais do que fiscalizador, deveria

ser de garantir a implementação dos valores anteriormente acertados:

A União, na capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é que deve

competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova

constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e deveres, os

fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo Ministério da Educação,

caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo executar as orientações e

os rumos gerais da função educacional, estabelecidos na carta constitucional e em leis

ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio

pedagógico e cultural dos Estados e intensificando por todas as formas as suas

relações espirituais. A unidade educativa, - essa obra imensa que a União terá de

realizar sob pena de perecer como nacionalidade, se manifestará então como uma

força viva, um espírito comum, um estado de ânimo nacional, nesse regime livre de

69 O documento fala em “sexo”, mas optamos por utilizar a denominação gênero para que o leitor possa entender

de forma clara que o manifesto trata de oportunidades iguais independente do sexo biológico.

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intercâmbio, solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo

desperdício nas suas despesas escolares afim de produzir os maiores resultados com

as menores despesas, abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos

em criações e iniciativas. (MANIFESTO, 1932, p. 195)

Nosso objetivo ao recuperar alguns aspectos do Manifesto não é dissecá-lo, mas

verificar em que medida este documento e a mobilização dos intelectuais em torno dele

obtiveram impacto nas discussões sobre o ensino de Sociologia na escola. Sendo assim, o

manifesto apresenta-se antes de tudo, como um instrumento político que expressa a posição do

grupo de educadores que vislumbrava a oportunidade de vir a exercer o controle da educação

no país. O ensaio para isto foi a IV Conferência Nacional de Educação, mas suas definições

acerca da política educacional que deveria emergir no período não foram bem-sucedidas.

Indo além do impacto curricular e de sistema educacional mais evidente, o

manifesto teve grande impacto na comunidade sociológica ao proclamar e iniciar a luta para

garantir a educação com um direito (e não privilégio) a que todos devam ter acesso, e,

principalmente, por reivindicar que este direito estivesse ancorado em uma escola pública,

gratuita e laica70.

Além disso, ajuda a inaugurar na Sociologia brasileira espaços possíveis de análise

sobre as questões nacionais para além de postulados filosóficos ou de programas/reformas

baseados em “achismos” sobre a realidade brasileira. A busca pela autonomia no sistema

educacional também reflete a tentativa de desenvolver soluções educacionais singulares, além

da tentativa de fortalecer a luta contra o coronelismo ainda vigente que cerceava a liberdade de

expressão no âmbito escolar, mas não só nele.

Em termos de currículo, não há nada muito detalhado no manifesto, mas está

presente a proposta de substituição do sistema de ciclos complementares por uma estrutura

unificada que incluía uma base comum de 3 (três) anos com atividades diversificadas. É

proposta uma reforma no ensino secundário que não podemos afirmar que teria um caráter

menos bacharelesco ou enciclopédico do que a Reforma Rocha Vaz (ou Campos), mas que

parece ter como objetivo afastar definitivamente o ensino secundário de uma perspectiva

propedêutica, valorizando assim este nível de ensino e suas peculiaridades.

O manifesto também se debruça sobre questões relacionadas ao ensino superior,

que tiveram impactos também no ensino secundário. As propostas para este nível de ensino

70 Lembramos que a educação pública, laica é uma conquista do Estado burguês na Europa, com a ascensão da

burguesia e o desenvolvimento da vida urbana. No Brasil essa reivindicação só foi possível quando esse processo

de urbanização e desenvolvimento começou a acontecer no país na década de 1930.

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reforçam a ideia de que o secundário não deveria ter como preocupação primordial a preparação

dos estudantes para entrada no ensino superior, cujo objetivo não deveria ser apenas a

preparação para o exercício de uma profissão, mas também uma aproximação do conhecimento

e da produção científica.

O Manifesto dos Pioneiros, porém, sofrerá vários reveses quando confrontado com

os educadores católicos. Por ora, cabe destacar que as mudanças e ideias propostas pelo foram

fundamentais para o desenvolvimento da Sociologia nas décadas seguintes. Começando pelos

reformadores estaduais, como Sampaio Dória, Carneiro Leão e Anísio Teixeira que, sociólogos

ou não, foram fundamentais para promover a Sociologia como parte da formação dos

professores. Nos cabe, ainda, destacar o papel de dois intelectuais que assinam o manifesto:

Delgado de Carvalho e Fernando de Azevedo.

Carvalho, como já assinalamos anteriormente, foi professor catedrático da

disciplina na década de 1920, 1930 e 1940 no Colégio Pedro II, responsável pela elaboração do

currículo da disciplina no maior período em que ela esteve no secundário e confrontou as

concepções vigentes sobre a disciplina. Possivelmente, a aproximação de Carvalho aos

escolanovistas trouxe questões que geraram modificações significativas ao currículo da

disciplina apresentado oficialmente e ao programa enviado à Vargas. Podemos perceber que

sua preocupação em articular questões brasileiras ao ensino da disciplina não acontece por

acaso, se relaciona ao ideário do manifesto que é pensar através da educação, os problemas

brasileiros.

Outro ator do manifesto que está relacionado ao ensino de Sociologia é Fernando

de Azevedo. Já destacamos seu protagonismo como reformador nos anos 1920 e no inquérito

de 1926, mas será na década de 1930 que este sociólogo, dono de currículo extenso71, assumirá

a liderança nos movimentos progressistas da educação nacional.

Então membro da diretoria da ABE quando do “racha” Azevedo redige o manifesto

e se coloca no centro das disputas que irão reconfigurar o campo educacional brasileiro. Ao

71 Fernando de Azevedo (02/04/1894 —18/091974) foi diretor geral da Instrução Pública do Distrito Federal

(1926-30), Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo (1933), Diretor da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de São Paulo (1941-42), e membro do Conselho Universitário por mais de doze anos, desde a

fundação da Universidade de São Paulo. Foi também Secretário da Educação e Saúde do Estado de São Paulo

(1947). Fundou em 1931, Companhia Editora Nacional. Foi o redator e o primeiro signatário do Manifesto dos

Pioneiros da Educação Nova (A reconstrução educacional no Brasil), em 1932, em que se lançaram as bases e

diretrizes de uma nova política de educação. Foi presidente da Associação Brasileira de Educação em 1938 e eleito

presidente da VIII Conferência Mundial de Educação que deveria realizar-se no Rio de Janeiro. Foi membro

correspondente da Comissão Internacional para uma História do Desenvolvimento Científico e Cultural da

humanidade (publicação da Unesco). Foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Sociologia, de que foi

presidente, desde sua fundação (1935) até 1960. Foi também presidente da Associação Brasileira de Escritores

(seção de São Paulo).

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marcar a posição dos renovadores da escola, Azevedo inaugura uma disputa em torno de duas

concepções de escola: renovadora e católica.

Nesta contraposição, abre-se caminho para a disciplina realizar-se como ciência que

intervisse, de fato na realidade social brasileira, e não como um manual prescritivo acerca dela

mesma. Os pressupostos defendidos pelos escolanovistas, podem não ter gerado impactos

diretos e imediatos na disciplina, mas pressionaram um movimento de reflexão e readequação

das ciências humanas, como destaca Nascimento (2010):

Para Fernando de Azevedo, a Sociologia consistiu em um conjunto de teorias e

metodologias que tinha como objeto de estudo a sociedade, a qual, no caso brasileiro,

este sociólogo buscou explicar bem como intervir. Para ele não existiria uma

Sociologia brasileira e, sim, uma Sociologia no Brasil – que dialoga com métodos e

teorias elaborados, aplicados e aperfeiçoados por e em diferentes países. O

reconhecimento do caráter “útil” desta ciência, pelo autor, deveu-se ao fato da

Sociologia ter lhe possibilitado desenvolver novas ideias e procedimentos que

orientaram ou reorientaram as formas de sociabilidade, o léxico científico e político e

a estrutura organizacional das instituições que fundou, dirigiu e/ou reformou no país,

assegurando-lhes maior racionalidade. Foi onde “[...] os desafios eram agressivos

demais para [deixar] de lhes dar respostas” (AZEVEDO, 1962, p.13), isto é, foi no

contexto de modernização institucional do país, desencadeada a partir da década de

1930, que se fizeram presentes as contribuições de Fernando de Azevedo, inclusive,

para a institucionalização da Sociologia. Este autor considerou a Sociologia como

condição para o progresso da sociedade brasileira ao imputar-lhe um papel

fundamental nos diagnósticos e nas soluções dos problemas nacionais.

(NASCIMENTO, 2010, p.164).

A disciplina e sua presença na escola básica, tornam-se, nesse contexto, elementos

de demarcação do novo, perspectiva que permanecerá no seu horizonte. Ao estimular a criação

do curso de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e da Sociedade Brasileira de

Sociologia (SBS)72, Azevedo garantiu lugares privilegiados para produção de pesquisas e

debate sociológicos no âmbito científico como nunca havia sido possível antes. Não iremos

nos alongar nessa perspectiva no momento - pois a relação entre as sociologias escolar e

universitária será analisada posteriormente - mas podemos apontar que as bases iniciais de uma

Sociologia “científica” foram estabelecidas já na década de 1930 e o Manifesto dos Pioneiros

teve impacto significativo neste processo.

A partir de sua interface com a educação, a Sociologia dá importantes passos no

que diz respeito a sua institucionalização enquanto disciplina escolar. Há crescimento da

72 Azevedo foi Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo, um dos fundadores do curso de

Sociologia da Universidade de São Paulo (e catedrático na disciplina de Sociologia I), fundador e presidente da

Sociedade Brasileira da Sociologia (SBS).

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demanda em torno desta, já que poderia propor com seus métodos de pesquisa alternativas para

o problema educacional brasileiro.

A Sociologia esteve, portanto, diretamente envolvida no projeto de construção de

uma nação moderna, onde o ideário educacional renovador como apresentado no manifesto -

em que, democracia, ciência e educação não se dissociariam de um projeto modernizador da

sociedade e do Estado brasileiro - se propagará entre os sociólogos brasileiros. Este processo

terá dupla-face: servirá tanto para o incremento das instituições de ensino superior quanto

originará e reforçará o debate em torno do retorno na disciplina ao ensino secundário a partir

da década de 1940.

2.7. A Reação Católica

Como oposição aos escolanovistas, Fernando de Azevedo, descreve a reação

católica como "o mais vigoroso movimento católico de nossa história, pela amplitude de sua

ação social, por uma nova interpretação da Igreja e do século, pelo renascimento do espírito

religioso e nacional a um tempo e pela combatividade" (AZEVEDO, 1963, p. 668). No entanto,

a Igreja Católica parecia ter perdido força política no começo do século XX, o que explica a

retomada de sua militância73.

No Brasil, a República, promove a separação dos poderes, o que inicialmente

prejudicou a atuação da Igreja Católica, que notadamente perde espaço institucional quando

comparamos com o período Imperial: desta aparente crise, abre-se o caminho para uma maior

organização e atuação em diferentes frentes74.

A hierarquia eclesiástica, ainda nos fins do século XIX, opta por aderir à ordem

vigente, o que leva, nas duas primeiras décadas da república, à uma relação morna entre Igreja

e Estado, com as duas instituições sociais tentando se adequar à nova ordem política. Principal

movimento de mudança nesta relação, será a carta pastoral de 1916 de Dom Leme, então

arcebispo da diocese de Olinda e Recife. Nesse documento estão relacionados os principais

73 Cabe lembrar que entre as décadas de 1920 e 1940, a Igreja tenta se reorganizar a partir de uma releitura de seu

papel na modernidade. Em um plano geral, o catolicismo enfrentava na Europa os desafios advindos das mudanças

socioeconômicas, do impacto da Revolução Russa e da crise do capitalismo como desafios políticos que se

afastavam das orientações espirituais da Igreja. 74 Apoiado no movimento de reordenação da Igreja através das encíclicas Rerum Novarum (1891) e Quadragésimo

Anno (1931) surgem no campo católico as primeiras propostas de modificar a conduta da Igreja, para torná-la

próxima da população a partir do afastamento frente aos poderes dominantes em prol de uma maior aproximação

com as massas.

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fundamentos que governam o movimento que se estruturaria nos anos seguintes. Como nos

mostra Salem:

O pressuposto primeiro em que se baseia a pastoral é o da identificação do Brasil

como um país essencialmente católico. Embora constituindo a quase totalidade da

Nação, os católicos - acusados de se comportarem como um "grupo asfixiado e

inoperante" - tiveram solapada sua posição de direito na condução dos destinos

nacionais por uma minoria laica e descrente que encabeçava a república positivista.

Mais do que uma humilhação para a Igreja, essa situação é apontada como responsável

pelos conflitos e desordens que assolavam a sociedade brasileira naqueles anos.

Interpretando a fragilidade de nossa estrutura econômica, política e social como

decorrente, em última instância, de uma crise de ordem moral, D. Leme adverte que

somente a recristianização da sociedade seria capaz de restaurar a unidade espiritual

do país, devolvendo-lhe seu equilíbrio e harmonia naturais (SALEM, 1982, p.10).

Dom Leme tinha como estratégia reaproximar leigos e intelectuais da hierarquia

eclesiástica, sob forte subordinação à cúpula católica e exaltação do nacionalismo. O principal

rebatimento político dessa estratégia seria combater as bases agnósticas e laicas da República,

disseminando a doutrina cristã pela sociedade e suas instituições. Vemos, portanto, uma

mudança de rota já que enquanto a primeira reação católica tinha como objetivo o contato direto

com as massas, Leme defende que esse objetivo seria consolidado também a partir do contato

com a elite econômica e intelectual. Seu principal objetivo, em termos de participação dos fiéis,

foi estimular a participação dos católicos nos rituais e quebrar sua indiferença. Para isso

acreditava ser necessário combater o "catolicismo de sentimento" e fundamentar a fé religiosa

em um conhecimento mais aprofundado dos ensinamentos cristãos (SALEM, 1982).

Nesse contexto, identificamos o momento em que projeto de renovação do católico

encontra o problema educacional brasileiro. O posicionamento católico é primordialmente

marcado pela luta contra o ensino laico, através da proposta de introdução do ensino religioso

nas escolas oficiais. A argumentação para introdução da disciplina se baseava na cessão de um

direito à maioria católica da população, que deveria conhecer melhor as bases de sua religião.

Leme também reivindicou maior aplicação de recursos públicos nas escolas confessionais,

alertando também acerca da necessidade de criação de uma universidade católica.

Em 1921, já bispo auxiliar, Leme se transfere para o Rio de Janeiro e começa a

dialogar com o jornalista convertido Jackson de Figueiredo. O encontro de ambos faz com que

a reação católica ganhe força nacionalmente a partir da criação, em 1922, do Centro Dom Vital

do Rio de Janeiro. O ativismo de ambos foi basilar neste contexto, já que conseguem

espetacularizar momentos emblemáticos do catolicismo no Brasil: a inauguração da estátua do

Cristo Redentor e a consagração do país à Nossa Senhora de Aparecida, ambos em 1931,

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reúnem multidões e mostram ao governo Vargas a força da Igreja e a necessidade de tomá-la

em consideração na nova ordem política que estava sendo construída75.

A estas ações da Igreja se soma um outro componente: os intelectuais, católicos

leigos e militantes, cujo representante principal é Alceu Amoroso Lima76. Como a maioria dos

intelectuais da época, estão profundamente insatisfeitos com o que qualificam como atraso do

país e a inabilidade do governo em resolver os problemas nacionais, e, também acreditam que

o caminho para a redenção da sociedade brasileira é a educação. Sua intenção, portanto, é

desempenhar um papel importante na reconstrução da educação nacional, porém,

diferentemente dos demais, os intelectuais católicos puderam acionar a capilaridade de uma

instituição secular.

Em termos ideológicos, Leme também se diferenciava, já que trazia à baila o que

havia de radicalmente mais conservador no pensamento católico: a defesa da ordem, da

hierarquia/autoridade religiosa, da educação guiada pelos princípios religiosos e controlada

pela autoridade eclesiástica e o ataque ao campo ideológico oposto77.

Os campos de batalha e o projeto ideológico da Igreja para a educação já estavam,

portanto, demarcados. Desde a chegada de Vargas ao poder, a Igreja Católica procurou se

reaproximar do Estado com o objetivo de garantir direitos políticos, usando para isso, os

discursos religiosos desenvolvidos por seus intelectuais78.

75 A Igreja também ampliou o número de dioceses a partir da convocação de sacerdotes estrangeiros; aumentou o

número de pastorais, criando inclusive para a classe média e para os intelectuais; incentivou-se a criação de centros

- como o próprio Dom Vital (1922), o Instituto Católico de Estudos Superiores (1932) e a Ação Católica

Universitária (1935). 76 Alceu Amoroso Lima (1893 - 1983) foi um crítico literário, professor, pensador, escritor e líder católico. Adotou

o pseudônimo literário de Tristão de Ataíde. cursou o Colégio Pedro II, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais

pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro (1913), atual Faculdade Nacional de Direito

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Após publicar seu primeiro livro, o ensaio Afonso Arinos em

1922, travou com Jackson de Figueiredo um famoso e fértil debate, do qual decorreu sua conversão ao catolicismo

em 1928. Tornou-se um líder da renovação católica no Brasil. Em 1932, fundou o Instituto Católico de Estudos

Superiores, e, em 1937, a Universidade Santa Úrsula. Após a morte de Jackson de Figueiredo, o substituiu na

direção do Centro Dom Vital e da revista A Ordem. Em 1941 participou da fundação da Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro, onde foi docente de literatura brasileira até a aposentadoria em 1963. Foi representante

brasileiro no Concílio Vaticano II, o que o marcaria profundamente. Foi um dos fundadores do Movimento

Democrata-Cristão no Brasil. Publicou dezenas de livros sobre os temas mais variados. Foi reitor da então

Universidade do Distrito Federal, atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro e também membro do Conselho

Nacional de Educação. 77 Destacamos que Minas Gerais foi o estado onde esta política educacional foi primeiramente posta em prática.

Sob a liderança do Arcebispo de Mariana, Dom Silvério Gomes Pimenta, a Igreja desenvolve uma ampla ação de

combate ao ensino laico implantado pelo então governador João Pinheiro, que levou à introdução do ensino do

catecismo nas escolas públicas em todo o estado em 1928. (SCHWARTZMAN, 1986). 78 Neste caso é notável a revista A Ordem, uma publicação do centro Dom Vital que, por sua vez, concentrou o

pensamento de muitos intelectuais católicos da época, confere papel destaque aos intelectuais católicos, como

Jackson de Figueiredo e Alceu de Amoroso Lima, que eram “soldados” na luta pela hegemonia católica no Brasil.

A revista assume uma estratégia de aceitação subentendida do regime estabelecido por Vargas a partir da crença

de que, no momento da constitucionalização do país, alguns direitos católicos fossem novamente estabelecidos.

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A Igreja buscava, portanto, restabelecer sua posição e direitos que acreditava ter

perdido quando da implantação da República. No decorrer dos anos 1930, a desconfiança e a

suspeita acerca da relação Igreja e o Estado já haviam se transformado em um pacto de

colaboração, que influenciou fortemente o campo educacional.

2.8. Conflitos no ministério Capanema

Minas Gerais esteve ao lado de Getúlio na Revolução de 1930, e participa do

governo provisório através de Francisco Campos, que assume em 1931 o novo Ministério da

Educação e Saúde, de onde articula seus planos para voos maiores. Por um lado, teria que

quebrar o poder da velha oligarquia, encastelada no Partido Republicano Mineiro sob a

liderança de Arthur Bernardes. De outro, haveria de constituir sua base de sustentação política

própria, que, partindo de Minas Gerais, pudesse se espraiar para todo o país. Para isto, o papel

da Igreja, mobilizada conta o ensino laico, seria fundamental

O que explica a defesa de Campos acerca da assinatura, por parte de Vargas, de um

decreto autorizando o ensino religioso nas escolas públicas? Essa defesa se explica a medida

que, na prática, aconteceu exatamente o contrário. Na justificativa do projeto, Campos acentua

que, "neste momento de grandes dificuldades, em que é absolutamente indispensável recorrer

ao concurso de todas as forças materiais e morais (...) determinará a mobilização de toda a

Igreja Católica do lado do governo" (CAMPOS, 1931 apud SCHWARTZMAN et.alli, 2000).

Em 30 de abril de 1931, Vargas promulga, a pedido do Ministro Campos, o

Decreto-Lei 19.441, que estabelece a reintrodução do ensino religioso nas escolas públicas. O

novo governo, portanto, em pouco tempo atende à reinvindicação católica, impedida legalmente

desde 1891 de ministrar o ensino religioso nas escolas públicas. Enxergamos como este pacto

se desenvolveu no campo educacional nos anos seguintes.

O Ministro Francisco Campos terá rápida passagem no comando do Ministério,

porém deixa uma reforma em curso, na qual o ensino religioso foi encarado como um possível

instrumento de formação moral da juventude, um mecanismo de anexação da Igreja Católica,

além de uma arma poderosa contra o liberalismo, bem como no processo de inculcação dos

valores que constituam a base de justificação ideológica do pensamento político autoritário

varguista.

Nesses termos, o campo educacional nos anos 1930, torna-se - a partir da influência

marcante da Igreja Católica - um instrumento ideológico útil para formação da mentalidade das

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massas ao ponto de até mesmo conseguirem insensibilizá-las diante das desigualdades

anteriormente levantadas como causas do atraso nacional.

Como reação a este panorama, os escolanovistas se movimentavam para participar

dos processos decisórios da educação nacional, causando controvérsias no meio intelectual

católico, pois defendiam claramente a escola pública, obrigatória e laica, em confronto direto

com o pensamento católico e com o novo governo, ambos procurando manter distância dos

ideais democráticos.

Em síntese, a educação nos anos 1930 será definida a partir desse embate entre

liberais e católicos, com os primeiros conseguindo vitórias pontuais e os segundos pautando

majoritariamente as políticas educacionais.

O pacto entre Igreja e Estado permanece com a nomeação de Washington Ferreira

Pires79 para ministro em 1932, que permaneceu no cargo até o final do governo provisório, e se

acentuou, a partir da nomeação de Gustavo Capanema Filho80 em 1934 ao cargo no qual

permaneceu por onze anos.

Esta nomeação, segundo as observações de Schwartzman (2000), inclusive, seria

uma das evidências que sugerem que Capanema assumiu o Ministério da Educação e Saúde

como parte de um acordo entre Estado e Igreja. Capanema assumiu a função, em 1934,

pressionado por um cenário de grandes desafios provocados pela nova constituição:

A constituição de 1934 dá ao novo ministro ampla margem de ação. Segundo ela, pelo

seu artigo 150, caberia à União fixar o Plano Nacional de Educação para todos os

graus e ramos de ensino, comuns e especializados; a coordenação e fiscalização da

79 Washington Pereira Pires (1892-1970) foi médico e professor pela Faculdade de Medicina de Minas Gerais.

Passou a se dedicar à política, sendo eleito Deputado Estadual para o período 1923 a 1930 e, e, Deputado Federal

de 1930 a 1937. Durante a época em que foi Deputado Federal, a convite do presidente Getúlio Vargas, licenciou-

se da Câmara para assumir o Ministério da Educação e Saúde Pública, de 16 de setembro de 1932 a 25 de julho de

1934. Em julho de 1934, poucos dias antes de deixar o Ministério, conseguiu um decreto assinado pelo Presidente

dispondo sobre “a profilaxia mental, assistência e proteção à pessoa e aos bens dos psicopatas, e fiscalização dos

serviços psiquiátricos”. Exerceu também o cargo de Secretário de Saúde e Assistência do Estado de Minas Gerais

de 31 de janeiro de 1956 a 1º de agosto de 1958. Fonte: http://www.acadmedmg.org.br/ocupante/washington-

ferreira-pires/ 80 Gustavo Capanema Filho (1900-1985) foi o Ministro da Educação que mais tempo ficou no cargo em toda a

história do Brasil (totalizando, aproximadamente 11 anos contínuos). Formou-se pela Faculdade de Direito de

Minas Gerais, em 1923. Em 1927 iniciou sua vida política ao eleger-se vereador em sua cidade natal. Nas eleições

presidenciais realizadas em março de 1930 apoiou a candidatura presidencial de Getúlio Vargas, lançado pela

Aliança Liberal - coligação que reunia os líderes políticos de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Nomeado

ministro da educação em julho de 1934, permaneceria no cargo até o fim do Estado Novo, em outubro de 1945.

Sua gestão no ministério foi marcada pela centralização, a nível federal, das iniciativas no campo da educação e

saúde pública no Brasil. Na área educacional tomou parte do acirrado debate então travado entre o grupo

"renovador", que defendia um ensino laico e universalizante, sob a responsabilidade do Estado, e o grupo

"católico", que advogava um ensino livre da interferência estatal, e acabou conquistando maiores espaços na

política ministerial.

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execução do plano em todo e território do país; e a organização do ensino secundário

e superior nos territórios e no distrito federal. (SCHWARTZMAN et.alli., 2000, p.49).

Capanema via na educação um meio para modernização da sociedade e

desenvolvimento do país, assim, por meio dela, seria obtida a formação do homem por completo

no aspecto moral e intelectual. Com esse intuito, o ministro estabeleceu algumas reformas

educacionais.

Um dos seus atos foi à implantação de um modelo de educação que propunha a

criação de duas redes de escolarização. A rede primaria profissional, na qual se incluíam o

ensino primário, o ensino técnico e a formação de professores para o ensino básico e a rede

secundária superior, que deveria preparar as elites81. Para a formação desse homem que se

moldasse a uma nova sociedade, uma disciplina seria imprescindível em todos os níveis

escolares:

A educação moral e cívica era objeto de regulamentação minuciosa. Ela deveria ser

ministrada obrigatoriamente em todos os ramos do ensino, sendo que no curso

secundário seria uma atribuição para o professor de história do Brasil. Ela deveria ter

uma parte teórica, que trataria dos fins, da vontade, dos atos do homem, das leis

naturais e civis, das regras supremas e próximas da moralidade, das paixões e das

virtudes; e uma parte prática, que incluiria desde o estudo da vida de “grandes homens

de virtudes heroica” até o trabalho de assistência social, que ensinasse aos alunos “a

prática efetiva do bem” (SCHWARTZMAN et.alli., 2000, p. 182-183).

O acordo entre Igreja e Estado se consolida nesta conjuntura através da aprovação,

pela Assembleia Constituinte de 1934, da disciplina “moral e cívica” e das chamadas “emendas

religiosas” que restabeleceram a legalidade do ensino religioso nas escolas públicas, não mais

por decreto mas pela carta constitucional (mesmo que em caráter facultativo) o que reforça o

acordo/pacto, agora sob a liderança do novo ministro82, empossado após negociações das quais

participou Alceu Amoroso Lima, que se transformaria daí por diante no mentor espiritual e

intelectual de toda a atividade educacional no país.

As ambições da Igreja Católica, representada por Alceu de Amoroso Lima, não se

limitavam ao que acabaram de ganhar no texto constitucional. Isto fica claro no texto que ele

81 “A escola secundária iria mais longe: ela deveria formar uma verdadeira ‘consciência patriótica’ própria de

homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas que é preciso tornar

habituais entre o povo” (SCHWARTZMAN et.alli., 2000, p.194). 82 Capanema foi um importante articulador entre cultura e política e entre cultura e poder no Brasil. No ministério

da educação, esteve à frente de um setor ímpar em se tratando da incorporação e/ou exclusão de ideias, na definição

e orientação das mentalidades e valores, interferindo diretamente no mundo real da concepção de educação e

promoção dos valores nacionais e da moral defendida pelo regime do Estado Novo (QUADROS & MACHADO,

2013).

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encaminha a Capanema em 1934, delineando o que a Igreja esperava do governo, onde a

educação do país deveria ser estruturada segundo princípios fundamentais católicos, que

serviriam, inclusive como critérios para a seleção dos professores das escolas e universidades.

O "ecletismo pedagógico" e o "bolchevismo'" deveriam ser rigorosamente excluídos; as

humanidades clássicas deveriam ter lugar predominante nas escolas; um plano nacional de

educação calcado em "filosofia sã" deveria ser elaborado, e para isto uma Convenção Nacional

das Sociedades de Educação deveria ser convocada, mas "com as bases principais previamente

assentadas" (SCHWARTZMAN et.alli., 2000).

Assim, durante a década de 1930, o Ministro trata de dar cumprimento a seu acordo

com a Igreja através de um projeto burocrático que buscou definir, o funcionamento presente e

futuro do sistema educacional do país. Todos os aspectos relacionados ao campo educacional

deveriam ser minuciosamente detalhados: como os currículos escolares, as plantas dos prédios,

os salários dos professores, as taxas de matrícula, entre outros deveria ser regulamentado e

controlado pelo Ministério. De modo a melhor compreender a extensão deste ambicioso

projeto, realizamos uma tabela com os pressupostos considerados por Alceu Lima nas suas

correspondências ao ministro Capanema:

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100

Tabela 7: Correspondências de Alceu Amoroso Lima com Gustavo Capanema acerca

diretrizes educacionais do Ministério da Educação. 1934

1. Texto manuscrito e sem

assinatura, caligrafia de Alceu

Amoroso Lima, com anotação

de Capanema "P. - Prop.

antic.". Do texto constam ainda

breves referências ao "setor

defesa preventiva" e ao "setor

exterior". Arquivo Gustavo

Capanema, série i, assuntos

políticos, em fase de

organização.

No setor educação:

a) seleção do professorado e das administrações em todo o país;

b) seleção de um conjunto de princípios fundamentais da educação no

Brasil;

c) fundação de institutos superiores na base dessa seleção e orientação;

d) publicação de uma grande revista nacional de educação na base destes

princípios, com boa colaboração etc.; e rigorosa exclusão do ecletismo

pedagógico e muito menos do bolchevismo etc.;

e) publicação de pequenas ou grandes doutrinas anti-marxistas e de

documentação anti-soviética;

f) idem de obras sadias, construtivas, na base dos princípios de educação no

Brasil;

g) defesa das humanidades clássicas, latim e grego, e sua incorporação no

plano nacional de educação;

h) idem de uma filosofia sã;

i) convocação de uma Convenção Nacional das Sociedades de Educação,

para os fins de h, mas com as bases principais já previamente assentadas;

j) atenção muito particular com o espirito ainda dominante em certos meios

pedagógicos, particularmente em São Paulo;

1) entendimento com os estados para uma uniformidade na orientação

educativa;

m) elaboração do Plano Nacional de Educação nessas bases;

n) escolha dos futuros membros do Conselho Nacional de Educação tendo

em vista este objetivo;

o) elaboração dos programas para os cursos e complementares;

p) facilidades do ensino religioso em todo o país;

q) idem para a fundação da faculdade católica de teologia nas

Universidades;

r) idem para a realização de congressos católicos de educação nos vários

estados e em geral para os trabalhos sociais da Ação Católica Brasileira;

s) idem para a Universidade Católica do Rio de Janeiro;

t) entrega a uma orientação segura e uniforme e à direção dos católicos da

Escola de Serviço Social.

1935

2. Carta de Alceu Amoroso

Lima a Capanema, 16 de junho

de 1935. GC/Lima, A-A, doc.

15, série b.

1. Ordem pública, para permitir a livre e franca expansão de nossa

atividade religiosa na sociedade.

2. Paz social, de modo a estimular nosso trabalho de aproximação das

classes, que é, como você sabe, o grande método de ação social

recomendada invariavelmente pela Igreja.

3. Liberdade de ação para o bem, mas não para o mal, para a imoralidade,

para a preparação revolucionária, para a injúria pessoal.

4. Unidade de direção de modo a que a autoridade se manifeste uniforme

em sua atuação e firme em seus propósitos.

Elaborado pelo autor a partir da seguinte fonte: SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria

Bousquet, COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. 1ªed. São Paulo: Paz e Terra; Rio de Janeiro:

Fundação Getúlio Vargas, 2000.

A partir das reivindicações de “ordem pública”, de “unidade de direção”, de

“liberdade de ação para o bem” há a tentativa de organizar a educação com a imediata

colaboração da Igreja e da família, projeto que, através da esperança no direcionamento

varguista no campo educacional, buscavam consolidar. No entanto, o projeto católico apesar de

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sobressair frente aos demais em pontos principais, sofrerá também com as aspirações

escolanovistas e do próprio governo

Tendo em vista tal conjuntura, Capanema inicia em 1936 um inquérito nacional na

forma de questionário83, sobre diversos aspectos educacionais e escolares: princípios,

finalidade, sentido, organização, administração, burocracia, conteúdo, didática, metodologia,

disciplina, engenharia, entre outros que fossem necessários para pensar a montagem e o

funcionamento de um sistema educacional e que o levassem a constituir um Plano Nacional de

Educação a ser apresentado à Câmara dos Deputados.

Vários setores sociais responderam a esse questionário: militares, intelectuais e

obviamente a própria Igreja. No entanto, o que fica claro a partir da leitura questionário é que

as perspectivas do campo educacional, haviam sido ampliadas por quem elaborou o mesmo,

tornando-se como uma arena de ampla disputa pública e interesses diversos em que se

movimentavam diversas concepções acerca da atuação do Estado neste campo específico.

Como vimos, os escolanovistas apoiavam a centralização e o controle estatal da

educação, em nome da democratização do ensino, da cultura e da igualdade social. Do outro

lado, o Ministério também ansiava por esta centralização, porém sua intenção primeira foi

montar a máquina burocrática, que lhe permitisse centralizar, coordenar e controlar a educação

em todo o território nacional. Posição da qual a Igreja Católica diverge - já que propõe a total

liberdade de ensino e a autonomia das escolas devido a sua inserção no mundo escolar privado

– mas depois se alinha ao defender a interferência total do Estado na educação moral e cívica

do cidadão, desde que subordinada à moral católica. Notemos que os dois setores ansiavam por

uma centralização na esfera educacional, mas divergiam amplamente das diretrizes desta e seus

desdobramentos.

A cisão entre os grupos, portanto, girava em torno do conflito conceitual acerca dos

significados (e efetiva aplicação) de conceitos tais como: universalização, gratuidade,

obrigatoriedade e laicidade do ensino, reivindicados pelos escolanovistas como fundamentais

para uma reformulação educacional ambientada no ideal de formação do sujeito para a

autonomia – com Anísio Teixeira e Fernando Azevedo emergindo como expoentes

representativos dessa disputa.

Do lado católico, a intelectualidade também partilhava o entendimento da função

educacional preponderante em criar o sentimento comum da nacionalidade, mas o eixo desse

83 O questionário está disponível no site do CPDOC (FGV), e pode ser acessado:

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo-pessoal/GC/impresso/plano-nacional-de-educacao-questionario-para-

um-inquerito

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movimento seria fixado a partir dos valores morais de disciplina, hierarquia e tradição. Este

grupo identificava os “excessos do cientificismo” e os ideais de modernização “antirreligiosos”

como elementos de desagregação social e defendiam o lugar historicamente ocupado pela Igreja

na difusão escolar, reclamando para ela e para a família a precedência na organização do ensino

e somente subsidiariamente ao Estado (SAVIANI, 2007; CARVALHO, 2003). Na prática, o

segundo grupo sai vitorioso do debate, mas as tensões permaneceriam com o advento do Estado

Novo.

Em 1937, a partir do retorno do questionário, o Plano Nacional de Educação foi

editado pelo Conselho Nacional de Educação e enviado pelo presidente ao congresso

respeitando o que havia sido registrado, tentando agradar e buscar consenso dentre as várias

partes em disputa neste processo. O plano, ao mesmo tempo que almejava cuidar de arenas

educativas, também focava nas espirituais, ao mesmo tempo que garantia liberdade de cátedra

a limitava via fiscalização, numa clara tentativa de acomodar, como foi característico dos

governos varguistas, ideais escolanovistas, governistas e católicos.

Essa confusão e/ou guerra de conceitos foi até mesmo percebida pelo deputado

relator do plano Raul Bittencourt84 que se manifestou considerando a proposta do governo

inadmissível, pois ao se ater apenas nos resultados dos questionários tentava dar soluções

imediatas a profundas controvérsias, invadia áreas de jurisdição dos estados, além de ir contra

os princípios da própria Constituição. Bittencourt mostra também que as inovações que o plano

pretendia introduzir em todos os níveis da educação nacional eram utópicos, o que guardava

relação com os ideais a serem acomodados.

Tendo em vista as críticas do relator, o parecer não é aprovado e o plano não voltaria

a tramitar com a velocidade esperada. O próprio Congresso terminaria sendo fechado em 1937

antes que o plano fosse revisto e aprovado. Assim, o Ministério ficaria livre para realizar o que

bem entendesse, ou, o que pudesse. O projeto de implantação do ensino industrial e,

84 Raul Jobim Bittencourt (1902-1985), formou-se em 1923 pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre,

começando ainda no mesmo ano a exercer a profissão na Companhia Carbonífera Brasileira, em São Jerônimo

(RS). Iniciou sua carreira política em 1929, elegendo-se deputado à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul

na legenda do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Em seguida, aderiu às forças de oposição ao governo

de Washington Luís que, diante das eleições presidenciais marcadas para março de 1930, articularam-se na Aliança

Liberal lançando a candidatura de Getúlio Vargas. Com a vitória da Revolução de 1930 e a instalação do Governo

Provisório de Getúlio Vargas, Raul Bittencourt consolidou sua atuação política nas áreas de educação e saúde,

tornando-se em 1931 secretário do ministro da Educação e Saúde Pública, Belisário Pena. Foi também autor da

maior parte dos artigos referentes à educação no texto da nova Constituição, promulgada em julho de 1934. Em

outubro de 1934, Raul Bittencourt elegeu-se deputado federal pelo Rio Grande do Sul na legenda do PRL.

Assumindo o mandato em maio do ano seguinte, participou da Comissão de Educação e Cultura da Câma­ra e foi

relator de diversos projetos voltados para a educação, continuando a exercer suas atividades pedagógicas na capital

federal. Fonte: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/raul-jobim-bittencourt

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principalmente, a reforma do ensino secundário de 1942 seriam as principais tentativas de levar

a cabo as grandes ideias do plano inicial.

2.9. A Reforma Capanema

No fim dos anos 1930, a predileção de Capanema – e o lugar onde sua marca estará

mais presente – será o ensino secundário. Devemos lembrar que o ensino primário ainda

permanecia como uma atribuição de estados e municípios, onde havia pouca possibilidade de

ingerência, e as universidades passavam a época por intensa reformulação de suas reflexões,

atribuições e funções que discutiremos no próximo capítulo.

No início dos 1940, Capanema busca reaquecer o debate reafirmando os principais

objetivos do plano nacional de educação anterior, focando notadamente na ideia de que a

educação deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades de acordo com os

diversos papéis atribuídos às diversas classes ou categorias sociais:

Teríamos, assim, a educação superior, a educação secundária, a

educação primária, a educação profissional e a educação feminina; uma

educação destinada à elite da elite, outra educação para a elite urbana,

uma outra para os jovens que comporiam o grande "exército de

trabalhadores necessários à utilização da riqueza potencial da nação" e

outra ainda para as mulheres. A educação deveria estar, antes de tudo,

a serviço da nação, "realidade moral, política e econômica" a ser

constituída (SCHWARTZMAN et alii, 2000, p. 204-215).

A Reforma Capanema, realizada através da Lei Orgânica do Ensino Secundário (nº

4.244, de 9 de abril de 1942), foi responsável por estabelecer esta nova organização do ensino

secundário, que passa a ter como finalidade formar a personalidade integral dos jovens, além

de acentuar e elevar sua formação espiritual, a sua consciência patriótica e humanística; conferir

preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação

especial (BRASIL, 1942).

O ensino secundário passou a ser ministrado em dois ciclos. O primeiro

compreendia um só curso: o ginasial. O segundo compreendia dois cursos paralelos: o clássico

e o científico. Essa organização estrutural para o secundário esteve vigente na educação

nacional por quase três décadas.

O curso ginasial, que tinha duração de quatro anos, destinava-se a dar aos

adolescentes aqueles que foram considerados elementos fundamentais do ensino secundário. O

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clássico e o científico, cada um com duração de três anos, tinham como objetivo aprofundar e

desenvolver a educação do ginasial.

Além disso, no curso clássico, havia maior peso no currículo de conhecimento

filosófico e letras antigas (grego e latim); no científico, a formação conferia peso maior às

ciências. A conclusão dos cursos acima possibilitava o acesso, mediante a realização de

vestibular, a qualquer curso superior, rompendo com o direcionando dado pelos cursos

complementares na Reforma Campos.

A Reforma também estabeleceu a separação dos estabelecimentos escolares em

dois tipos: ginásio e colégio. O primeiro fora o espaço destinado a conferir, além do curso

próprio de ginásio, os dois cursos do segundo ciclo; o segundo não poderia deixar de ministrar

qualquer um dos cursos mencionados.

Em relação à estrutura, o curso ginasial conferia o ensino das seguintes disciplinas:

Línguas (Português, Latim, Francês e Inglês); Ciências (Matemática, Ciências Naturais,

História Geral, História do Brasil, Geografia Geral e Geografia do Brasil; e as Artes (Trabalhos

Manuais; Desenho e Canto Orfeônico).

Os cursos clássico e científico detinham as seguintes disciplinas: Línguas

(Português, Latim, Grego, Francês, Espanhol e Inglês); Ciências e Filosofia (Matemática,

Física, Química, Biologia, História Geral, História do Brasil, Geografia Geral e Geografia do

Brasil e Filosofia; e as Artes (Desenho).

O texto da lei da Reforma Capanema aconselhava que os programas das disciplinas

deveriam ser simples, claros, flexíveis, além de indicar, para cada disciplina, seu sumário e

diretrizes essenciais. Os programas deveriam ser sempre organizados por uma comissão geral

ou por comissões especiais, designadas pelo ministro, que os devia publicar. Destacamos a

quebra com a obrigatoriedade de formulação desses programas por parte do Colégio Pedro II.

A Reforma Capanema, diferentemente da anterior, desassociou o ensino secundário

da preparação obrigatória para as carreiras superiores. Com a extinção dos cursos

complementares, Capanema quis conferir ao secundário um projeto político-pedagógico

próprio.

Na virada dos anos 1940, portanto ganhará força o ideário acerca da necessidade de

reformular o currículo rumo a conteúdos essencialmente humanísticos e a adoção de

procedimentos bastante rígidos de controle (e inspeção) de qualidade. Portanto, a concepção

geral de ensino pouco se altera se consideramos que continua presente a ideia de que o

secundário deveria formar jovens para a entrada na universidade.

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Em suma, o secundário – do ponto de vista da promoção da mobilidade social -

continuava a proporcionar restritas oportunidades. Talvez este seja o ponto de encontro do

debate entre escolanovistas e católicos - frente as pressões e tentativas para a superação do

atraso brasileiro – se pensava e trabalhava pela centralização do sistema de ensino, mas pouco

se caminhou na direção de torná-lo maior e inclusivo.

Em termos curriculares, a principal mudança da reforma do ensino secundário foi

a ênfase no ensino humanístico de tipo clássico, em detrimento da formação técnica. Há

tentativa, neste momento, de romper com o enciclopedismo verificado nas reformas anteriores,

porém o sucesso desta empreitada é relativo. Embora existisse a tentativa de estabelecer uma

relação equilibrada entre as humanidades e as ciências exatas, as prescrições de comportamento

continuaram presentes.

Capanema afirmara que o curso secundário, tal como o concebia, não era um

simples desenvolvimento de um sistema antigo, mas "uma coisa nova. Esta novidade pode ser

definida em primeiro lugar pelos temas: consciência humanística e consciência patriótica"

(SCHWARTZMAN et.alli., 2000). Na própria lei orgânica, fica clara a intenção de enfatizar

uma cultura de tipo humanístico. Sobre o ensino do latim e do grego no curso secundário85,

Capanema aponta:

O ponto essencial é que não é possível desconhecer a irremovível vinculação de nossa

cultura com as origens helênicas e latinas. Não seria conveniente romper com estas

fontes. Com este rompimento perderíamos o contato e a influência de uma velha

cultura que consubstanciou e elevou os valores espirituais maiores da antiguidade.

Perderíamos por outro lado os mais nobres vínculos de parentesco da cultura nacional

com as mais ilustres culturas de nosso tempo (...). Os estudos antigos constituem uma

base e um título das culturas do ocidente; eles serão sempre, conforme o expressivo

dizer de um escritor moderno, um elemento inalienável da dignidade ocidental

(CAPANEMA, Gustavo. Exposição de Motivos da Lei Orgânica do Ensino

Secundário de 1/4/1942. CPDOC FGV: GC 36.03.24/1, pasta 1K, doc. 1.).

O ensino secundário deveria ainda estar impregnado daquelas "práticas educativas"

que transmitissem aos alunos uma formação moral e ética, consubstanciada na crença em Deus,

na religião, na família e na pátria. Esta não era, evidentemente, uma atribuição somente do

ensino secundário, já que deveria permear todo o sistema educacional. Não à toa, o debate

acerca das disciplinas de moral e cívica ganha força neste contexto, sua intenção se coaduna

com os objetivos de conduzir ou propor novos caminhos para nação através do campo

85 Lembramos que a função primordial desse restrito secundário foi formar líderes para nação e o ministro aponta

para a formação humanística e a patriótica como possíveis instrumentos de aprendizagem para aqueles que viriam

a organizar o Estado e suas instituições.

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educacional – nesse sentido o currículo nunca deixou de ser enciclopédico, pois sua intenção

fora tentar formatar práticas sociais para além das questões educacionais.

Como deixa claro Schwarztmann (2000), a escola secundária deveria, segundo os

reformadores, formar uma verdadeira "consciência patriótica" própria de homens portadores

das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar

habituais entre o povo. Apesar das disciplinas não terem vingado como obrigatórias na reforma,

naquele contexto histórico, esse debate permaneceu e foi difundido através dos estudos de

História e Geografia, sob pretexto de veiculação de valores nacionais, espécie de código de

ética a ser seguido fielmente pelos estudantes.

Nesta transmissão de valores para a formatação da consciência patriótica, o ensino

pré-militar, a ser ministrado de forma obrigatória simultaneamente ao ensino secundário, foi

fundamental.

A partir destes fatores, a Reforma Capanema, mais do que se diferenciar das

anteriores quanto a sua implementação, se mostrou bastante eficaz em reforçar e difundir um

conjunto de ideias bem definidos ligados à pátria e à religião. A função da educação neste

processo seria compor uma espécie de “chão comum” autoritário que visava a continuidade e

reprodução da elite católica, masculina e militar que deveria conduzir as massas, se fazendo

valer do ensino que recebera.

Um projeto calcado na burocracia crescente do sistema de inspeção e controle, e

por um conjunto de estabelecimentos privados que não tinham, com algumas exceções, outra

intenção do que a de atender ao mercado crescente de ensino médio com a ajuda dos recursos

financeiros do governo. Estes elementos - a legislação casuística, rígida, os currículos de

conteúdo classicista, uma burocracia ministerial cada vez mais rotinizada e um forte lobby de

diretores de colégio - dariam o tom do ensino secundário brasileiro nas décadas seguintes.

Voltando rapidamente ao debate ideológico do período, nos anos 1940, católicos

conseguiram estabelecer de forma plena seu pacto de mútuo auxílio com Vargas, se sobrepondo

aos escolanovistas. A maior influência dos primeiros sobre o governo fica evidente na dualidade

adotada pelo sistema educacional brasileiro: uma escola secundária cuja missão seria preparar

as elites dirigentes; e a profissional, destinada às massas – cujo destino também estaria traçado.

Isto se deu, pois apesar das divergências, os grupos em conflito representavam a mesma classe:

a dominante. Nenhum deles defendia e/ou atendia as reivindicações das classes populares.

Luiz Antônio Cunha, nos alerta que Capanema tem uma diretriz pragmática que se

orientava para fazer do catolicismo tradicional e do culto à pátria, a base do Estado. Em suma,

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a constituição da nacionalidade seria o fim almejado pelo ministério em sua atuação para

conferir um conteúdo nacional à educação, a partir do modernismo ufanista, do culto à

nacionalidade, da unificação linguística e da ênfase no catolicismo; da padronização e

universalismo, currículo mínimo correspondia ao ideal centralizador que movia o regime

varguista; e da erradicação das minorias étnicas e culturais, vinculada à segurança nacional.

2.9.1. A Sociologia Escolar na passagem dos anos 1930 aos 1940

A Sociologia permanece no currículo ao longo dos anos 1930, saindo apenas

durante a Reforma Capanema. Indo além da interpretação já consolidada acerca da presença

disciplina no secundário a partir da tese de sua presença intermitente (MACHADO, 1987),

temos que considerar que os períodos estudados, especialmente o período compreendido entre

1931-1942, não são monolíticos

Embora sua entrada efetiva no secundário seja nos 1920, não há registros suficientes

sobre a abrangência da aplicação da disciplina, não há clareza acerca de quanto alunos,

professores, escolas e estados tiveram efetivo contato e/ou aplicaram a disciplina. Neste

cenário, ainda podemos apontar a inexistência de cursos superiores que formassem professores

de Sociologia, fazendo com que profissionais de outras áreas assumissem a disciplina.

Com efeito, a Sociologia estava garantida na escola, mas pelo que vimos e pela

construção feita no capítulo, nos perguntamos com qual caráter/abordagem e qual a influência

do período autoritário nisto.

Nos parece que a disciplina no período, em termos curriculares, corrobora o regime

varguista e a visão dos ministros que ocuparam a pasta educacional. Tendo em vista que a

disciplina não tem um sentido contido nela mesma, mas que estes são disputados socialmente,

não há como escapar da interpretação de que a presença da disciplina na escola nesse período

reforça ideais nacionalistas, além de uma concepção educacional calcada na “moral e cívica” e

sua “função” é demarcada também como um saber necessário para a entrada nos cursos

superiores.

Sociologia não significava, portanto, necessariamente, produção de ciência,

questionamento acerca da realidade e investigação dos problemas sociais brasileiros, mas uma

ferramenta para reprodução das desigualdades no campo educacional, à medida que está

presente na escola, mas como saber restrito e destinado aos estudantes que chegassem aos

cursos complementares. Neste sentido, que demarcamos que debater a presença/ausência da

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disciplina, por si só, é insuficiente, acreditamos que o movimento para melhor compreender as

idas e vindas da Sociologia no currículo é a investigação acerca da produção de sentidos sobre

a disciplina e as narrativas que acompanham essa movimentação.

A Reforma Capanema, retira a Sociologia da escola, algumas interpretações sobre

esta saída (COSTA PINTO, 1949 e FERNANDES, 1955) – nos levaram a compreensão de que

esta saída atendia à orientação política-ideológica do ministro Capanema. De fato - se

considerarmos sua conexão com a Igreja Católica no período, conectada a vitória ideológica

frente aos escolanovistas - podemos considerar fortemente a hipótese supracitada.

No entanto, acreditamos que existem indícios que nos mostram também a

fragilidade desta hipótese. Como vimos, desde sua chegada à Câmara dos Deputados, a

Reforma Capanema foi bastante criticada e modificada - por não representar soluções práticas

à situação educacional do período e por ser considerada utópica em seus ideais – o que gerou

um texto onde ênfase está no enxugamento e reformulação do currículo, da estrutura burocrática

do campo educacional, além dos ideais morais e éticos esperados - estes últimos colocados de

forma ampla, sem afetar diretamente o currículo das disciplinas, havia um foco difuso no

humanismo e na manutenção dos valores da pátria.

Em outras palavras, a hipótese sobre o conflito ideológico acerca da saída da

disciplina pode ser considerada, ao mesmo tempo em que a simples readequação/reordenação

do currículo possa ser uma alternativa também plausível. O sentido que a disciplina assumiu

nos anos 1930, poderia ser adaptado de forma satisfatória e a mesma permanecer no currículo.

Essa permanência acreditamos que foi colocada em xeque pela sua dificuldade de adequação

aos tipos de ensino propostas pela reforma clássico ou científico, como aponta Azevedo (1955):

Confesso, porém, que, dada a complexidade de nossa ciência e o grau insuficiente de

sistematização de conhecimentos sociológicos no estado atual e em razão dos perigos

de deturpação a que ainda está exposto o seu ensino entre nós, seria preferível

conceder lugar preponderante, no currículo do ensino secundário, às ciências físicas

e experimentais, já constituídas e mais avançadas, que já atingiram um alto grau de

precisão nos seus conceitos e nos seus métodos, e cujo papel na educação geral dos

espíritos se exerceria mais facilmente pela compreensão das leis essenciais que

governam a natureza e pela explicação dos mais simples desses fenômenos e dos

princípios fundamentais de teorias mais ao alcance de adolescentes. (AZEVEDO,

1955, p. 64).

Como podemos perceber através da observação de Azevedo, a disciplina se

ressentia de status científico até o início da década de 1940, o que contribui para indefinição

quanto ao seu papel que poderia exercer no novo currículo. Soma-se a isto o incremento da

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máquina estatal de educação a partir de uma burocracia mais técnica e exigente, como destaca

Moraes (2011):

Entendemos que a exclusão da Sociologia do currículo prende-se menos a

preconceitos ideológicos e mais à indefinição do papel dessa disciplina no contexto

de uma formação que se definia mais orgânica, resultado do estabelecimento de uma

burocracia mais técnica e mais exigente ou convicta em relação à concepção de

educação. De certa forma, pode-se dizer que os defensores da Sociologia não

conseguiram convencer essa burocracia educacional quanto à necessidade de sua

presença nos currículos. Assim, enquanto o clássico era uma forma de manter ou não

contrariar interesses humanistas, a inovação representada pelo científico já indicava

uma guinada na concepção curricular, que tardiamente trazia para a educação a

modernização, marca dos anos de 1920 e 1930 no Brasil, projeto sempre perseguido...

No limite, o que temos é uma consagração da concepção de escola secundária,

sobretudo agora do colegial, como preparatória para o ensino superior, um curso

propedêutico, aliás, como vinha sendo definido desde que surgiram os cursos

superiores no Brasil e precisou-se de uma “preparação” – não dada pela escola

primária – mais voltada para a especificidade dos cursos superiores. Nesse sentido, a

Sociologia, definindo-se cada vez mais como uma disciplina “formativa” e não

preparatória – propedêutica – não tinha mais lugar nessa nova configuração

(MORAES, 2011, p. 365).

Com efeito, notemos que o conhecimento sociológico escolar sai dos bancos

escolares quando o Estado Novo está no seu auge, mas o discurso sobre o atraso nacional

começa a perder força. Como aponta Moraes (2011) – numa conjuntura onde o esgotamento do

cenário relacionado à crise do pacto republicano e à aspiração por uma organização nacional

antiliberal mostrava-se claro – o currículo dos anos 1940, não teve lugar para acomodar a

Sociologia já que a disciplina não tinha ainda nem legitimidade científica, tampouco era

considerada uma área de formação literária e filosófica. Não era reconhecida nem como

clássica, nem como científica – como justificar ou adequar sua permanência no currículo

escolar? Retomamos também a comunicação de Delgado de Carvalho com Vargas, que

reforçava a necessidade da construção de uma Sociologia não normativa: como adequar no

currículo uma disciplina que não propõe valores normatizadores no auge de uma ditadura?

Em suma, ainda que sua reintrodução após a democratização tenha sido objeto de

discussão, a principal questão a ser atacada seria a tarefa de repensar ou reordenar seu conteúdo

escolar autoritário e normativo que fora interrompido. O que foi feito no campo acadêmico,

mas no campo escolar esta movimentação não obteve a mesma intensidade.

Isto se deve ao fato que a Sociologia escolar nunca foi uma disciplina escolar

comprometida com os valores do igualitarismo e da democracia. Por isso, ainda que tenha saído

do currículo das escolas de ensino médio em 1942, o mesmo conteúdo reapareceu sob outras

rubricas entre as quais, Estudos Sociais, Moral e Cívica, Estudos dos Problemas Brasileiros –

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o que, acreditamos, represou a possibilidade de construção de novos sentidos para disciplina no

campo escolar naquela conjuntura.

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111

IV. CAPÍTULO 3: SURGIMENTO DAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS:

QUAL A SOCIOLOGIA QUE SE PROPÕE NESTE CAMPO?

Neste capítulo contextualizaremos o surgimento da universidade no Brasil, tendo

como foco os anos 1930, demarcado por disputas, geradas principalmente pela reação da Igreja

Católica ao ensino universitário carioca e às experiências universitárias paulistas.

Analisaremos esta conjuntura de construção autônoma (ou nem tanto) das

universidades, pois a emergência da Sociologia na academia adquire sentidos diferentes dos

verificados até então, diferença que será reconstruída analiticamente a partir do confronto,

exposição e prática dos projetos políticos-pedagógicos das instituições que analisaremos. Por

fim, investigaremos o surgimento dos estudos pós-graduados da disciplina no Brasil no início

da década de 1940.

3.1. Primórdios da universidade no Brasil

As universidades, de modo geral, a partir doo século XVIII resistiram às

transformações à sua volta - conservaram seus métodos e suas tradições medievais - recusaram

as doutrinas cartesianas e mantiveram-se inertes. Enquanto os colégios prosperavam, as

universidades permaneciam à margem das atividades intelectuais e científicas. No fim do século

XIX, com efeito, criaram-se academias científicas que de forma renovada reposicionam

novamente o papel da universidade. Esta universidade é a que chega ao território brasileiro,

com concepções e contradições que vão adquirir novos sentidos em solo nacional.

Para pensar o embrião do ensino superior brasileiro, adotaremos a definição de Luís

Antônio Cunha na qual "ensino superior é aquele que visa ministrar um saber superior"

(CUNHA, 2007, p. 18). Isto porque, embora não houvessem universidades no Brasil, existiam

já no período colonial, iniciativas de formação dedicados à qualificação das elites, ainda que os

núcleos educacionais mais importantes fossem os colégios jesuítas espalhados pelo país86.

86 No século XVI, o ensino jesuíta tinha como funções formar padres para a atividade missionária na colônia;

prover os quadros do aparelho repressivo dominante e ilustrar os homens das classes dominantes. Assim, o

aparelho escolar estava a serviço do aparelho repressor da metrópole e o viabilizava; que por sua vez, estava

conectado à Igreja Católica cuja burocracia estava integrada ao funcionalismo do Estado. Os jesuítas fundaram na

colônia dezessete colégios com alguma modalidade de ensino superior, além de outros colégios menores. O

primeiro foi o Colégio Central da Bahia, fundado em 1550, e que serviu de modelo e inspiração para todos os

demais. Em 1759, foi feito ministro do rei de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Mello, Marquês de Pombal,

que combateu duramente o monopólio da educação, na metrópole e na colônia, pelos jesuítas. Marquês de Pombal

foi influenciado pelos trabalhos e pelas ideias do educador Luiz Antônio Verney, que combatia os métodos de

ensino e o humanismo dos jesuítas, propondo um novo método baseado na ciência operativa com o saber

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Sendo assim, ocorreram profundas transformações no ambiente escolar da colônia

com a implantação de novos currículos, métodos e estruturas escolares. Ocorreram, nesta

conjuntura, a completa desestruturação do sistema escolar e a criação de cursos superiores

estruturados no Rio de Janeiro, em 1776, pelos franciscanos e o Seminário de Olinda, pelo bispo

Azevedo Coutinho, em 1798. Tais cursos foram criados nos moldes da Universidade de

Coimbra.

De fato, o ensino superior nasce no Brasil com a transferência da sede da corte, da

elite portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. Os cursos de Ensino Superior foram criados

para atender, predominantemente, às necessidades do Estado então nascente: formação dos seus

burocratas, de especialistas na produção de bens de consumo das classes dominantes e de um

quadro complementar de profissionais liberais.

Os primeiros institutos superiores foram criados no Rio de Janeiro, em 1810: a

Academia Real da Marinha e a Academia Real Militar que se divide, posteriormente, na escola

Militar e na Escola Central, tendo sido esta a primeira Escola de Engenharia do Brasil. O

primeiro curso de Medicina foi criado em 1812, na Bahia. Em 1827, foram criados cursos

jurídicos em São Paulo e em Recife os quais, em 1854, foram transformados em Faculdades de

Direito. Durante a Regência (1831-1840), ocorreram as reformas nos cursos de Engenharia

Civil, Militar e Naval, em 1833, e a criação, em 1837, do Colégio Pedro II.

Nota-se que os cursos superiores estavam circunscritos à órbita das escolas

superiores, pouco avançando o ideário da universidade neste período, o que pode ser explicado

pelo desprezo da elite brasileira em relação à criação da universidade brasileira, incentivando

o caráter profissionalizante dos estabelecimentos de ensino superior existentes (CUNHA,

1980). A experiência das escolas não pode ser desprezada, veremos que as universidades foram

constituídas, em grande parte, pela composição destas instituições isoladas.

3.2. Ensino superior na República

O movimento de expansão do ensino superior, durante a República, teve dois

destaques no final do século XIX: a criação da Escola de Engenharia do Mackenzie College,

em 1896, com orientação presbiteriana; e a criação da Escola de Engenharia de Porto Alegre,

no mesmo ano, de iniciativa privada e sem orientação religiosa. Sendo assim, entre 1891 e 1910

assumindo uma característica civil e social. Antes de promover a reforma da Universidade de Coimbra, em 1772,

expulsou os jesuítas do império português, fechando 27 colégios em Portugal e 36 no Brasil.

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foram criadas vinte e sete escolas superiores, nove de Medicina, Obstetrícia, Odontologia e

Farmácia; oito de Direito, quatro de Engenharia, três de Economia e três de Agronomia.

Em 1910, o presidente Hermes da Fonseca decreta a Lei Orgânica do Ensino

Superior e do Fundamental na República87 que contemplava, entre outros pontos, os exames de

admissão aos cursos superiores, a liberdade curricular e o fim da fiscalização federal nas escolas

superiores estaduais e privadas.

Sendo assim, entre 1911 e 1915, aumentou-se a oferta de ensino superior e,

consequentemente, a expedição de títulos acadêmicos que, aos poucos, foi perdendo valor,

gerando um período de resistência tanto à diplomação livre pelas escolas quanto à liberdade

profissional, com muitas mudanças na legislação escolar e na carreira docente (SOUZA, 1996).

Uma nova reorganização do ensino superior acontece com a Reforma Carlos

Maximiliano (1915), que acrescentou à exigência dos vestibulares (exames de admissão) para

o ingresso no ensino superior a apresentação dos certificados de conclusão do ensino

secundário. A Reforma Rocha Vaz (1925), por sua vez, introduziu a limitação de vagas e o

critério de classificação para o ingresso.

Algumas universidades brasileiras nasceram durante a Primeira República, mas não

vingaram nesse período. Como exemplo, em 1909 foi criada a Universidade de Manaus, em

pleno período de prosperidade da região com a exploração da borracha, e em 1926, sofrendo de

falta de alunos e de recursos estatais em razão do declínio do ciclo da borracha, foi dissolvida.

Em 1911, foi fundada a Universidade de São Paulo, de forma privada, para oferecer ensino de

todos os graus: primário, secundário e superior; a primeira instituição de ensino superior do

país a promover e realizar atividades de extensão universitária. Adotando metodologias de

ensino modernos, não poupou críticas às escolas superiores existentes e aos seus professores88.

Algumas universidades fundadas durante na Primeira República sobreviveram,

entre elas a Universidade do Rio de Janeiro (URJ), criada em 1920 pela aglutinação da Escola

Politécnica, da Escola de Medicina e da Faculdade de Direito, além da Universidade de Minas

Gerais e da Universidade do Rio Grande do Sul, ambas de 1927. Tais universidades também

foram alvo da crítica dos escolanovistas que formularam proposta de organização do ensino

superior no Brasil para a criação de "verdadeiras universidades" (CUNHA, 1980).

87 Já fizemos menção a Reforma Rivadavia Correia no capítulo 1 desta tese, agora tratamos do ensino superior.

Movimento que faremos de forma não exaustiva com as demais reformas. 88 A reação veio do próprio Governo do Estado, criando uma escola de Medicina em 1912 e aprovando uma lei da

Assembleia Legislativa, a qual só permitia a odontólogos formados em faculdades oficiais o exercício da profissão,

tais medidas decretaram o desaparecimento desta versão da Universidade de São Paulo, por volta de 1917

(CUNHA, 2007).

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No entanto, foi somente após a revolução de 1930, que foram realizadas sensíveis

mudanças em relação à construção de uma política efetiva de ensino superior. Francisco

Campos com a Associação Brasileira de Educação, em 1931, elabora o Estatuto das

Universidades Brasileiras, que ditava, com algumas variações regionais, a organização

didático-administrativa do ensino superior brasileiro, sob a fiscalização do Ministério da

Educação. Esse modelo de universidade constituiu uma das medidas da política autoritária do

governo Getúlio Vargas.

3.3. Experiências nos anos 1930/1940: Universidade do Distrito Federal (UDF) e

Universidade de São Paulo (USP)

3.3.1. Autonomia universitária

Antes de adentrar propriamente na experiência das universidades, acreditamos que

nos cabe tocar rapidamente na questão da autonomia universitária. Isto porque este debate

definirá os rumos e o funcionamento destas instituições de ensino, além de moldar os sentidos

assumidos pela Sociologia no espaço universitário – quanto maior ou menor for a liberdade de

cátedra e autonomia para a realização de pesquisas, maior ou menor, nos parece, se dará o

desenvolvimento da disciplina no espaço acadêmico.

Neste sentido, Paim (1982) nos alerta que a questão da autonomia universitária

ganha vulto já na década de 1920, quando, em reação aos positivistas, professores da Escola

Politécnica do Rio de Janeiro criam, no interior da Academia Brasileira de Ciências, um

movimento em defesa da universidade como instituição autônoma, que desembocará na

formulação do inquérito sobre o problema universitário brasileiro realizado em 1927, pela

Seção de Ensino Técnico e Superior da ABE e aplicado pela própria instituição com apoio do

“Jornal do Comércio” e de “O Estado de São Paulo. As principais questões elaboradas foram

as seguintes:

I - Que tipo universitário adotar no Brasil? Deve ser único? Que funções deverão caber

às universidades brasileiras?; II - Não conviria, para solução de nosso problema

universitário, aproveitar os elementos existentes como observatórios, museus,

bibliotecas, promovendo a sua articulação no conjunto universitário?; III - Não é

oportuno realizar, dentro do regime universitário, uma obra concomitantemente

nacionalizada do espírito de nossa mocidade?; IV - Não seria de todo útil que os

governos estaduais auxiliassem ao governo federal na organização universitária?; V -

Não convém estabelecer mais íntimo contato entre o professor e o aluno?; VI - Não

convém a adoção, onde possível, do livro texto (sistema norte-americano) em

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substituição gradual do ensino oral?; VII - É satisfatória a situação financeira do

professor universitário? Não se impõem medidas reparadoras? (PAIM, 1982, p.41).

Estas questões foram encaminhadas a personalidades representativas: a ABE e seus

membros ficaram responsáveis por analisar os resultados. Responderam ao inquérito 33

professores de 5 estados (Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Sul),

além do Conselho Universitário da Universidade de Minas Gerais. O grande objetivo do

inquérito, além da óbvia investigação sobre a universidade, foi encontrar consensos frente aos

interesses docentes, superar o vício das reformas precedentes e estreitar laços com a nascente

elite acadêmica (PAIM, 1982).

Tendo como base os resultados do inquérito, o problema universitário foi discutido

no Congresso de Ensino Superior realizado no Rio de Janeiro de 11 a 20 de agosto de 1927.

Segundo Paim (1982), o tema foi considerado de diversos ângulos pelos participantes do

inquérito, razão pela qual as teses apresentadas figuram igualmente na publicação que lhe foi

dedicada89. Foram abordados no Congresso os seguintes aspectos: definição do tipo de

universidade que mais se adapta às condições do Brasil, requisitos indispensáveis para a criação

de universidade, exame da oportunidade da criação de universidades livres e/ou autônomas, o

desenvolvimento do espírito universitário e o papel dos seminários ou institutos de investigação

científica na vida universitária. Dentre os temas frequentemente discutidos se destacam:

a) que funções deve ter a universidade, isto é, que modalidade de ensino incumbe-lhe

ministrar e que formação dará àqueles que frequentem seus cursos; b) qual a

vinculação a ser estabelecida com a entidade mantenedora, ou, mais explicitamente,

de que níveis de autonomia deve desfrutar e c) como se deve estruturar o seu governo.

Às funções da universidade vincula-se a definição dos institutos que a compõem.

Tratou-se igualmente da didática do ensino, da formação e aperfeiçoamento dos

professores e da importância do campus universitário. (PAIM, 1982, p.36).

O congresso, portanto, apresenta como linhas mestras de discussão, a questão da

autonomia e liberdade universitárias; e da elaboração de um status científico e/ou de formação

profissional, como revelam as fortes críticas à concepção de universidade dentro do escopo

meramente técnico. Em outras palavras, de um modelo voltado para a formação profissional,

nos moldes em que foi praticada desde as primeiras décadas do século XIX (PAIM, 1982).

Como alternativa a este modelo, prevalece nos debates a necessidade do ideário

universitário conectado à criação de centros de cultura científica e centros de cultura

89 As respostas, juntamente com as teses da ABE organizadora foram publicados em livro: “O problema

universitário brasileiro: Inquérito promovido pela Secção de Ensino Technico e Superior da Associação Brasileira

de Educação. Rio de Janeiro: Encadernadora, 1929”.

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humanística, de modo a valorizar a pesquisa. São lembrados a pouca originalidade da pesquisa

brasileira até então, que com escassez de recursos poderia se extinguir e/ou ficar isolada em seu

autodidatismo. Solução aventada nesta conjuntura seria a autonomia didática e administrativa

a ser conquistada pelas universidades em relação ao Estado. A grande crítica em relação à

atuação deste último seria a possibilidade de burocratização e asfixia das instituições. O ponto

polêmico residia na ingerência da entidade mantenedora no processo de escolha do reitor,

parecendo essencial que se devesse, antes de tudo, gozar da confiança de seus pares (PAIM,

1982).

Esse debate tem novo capítulo relevante após a revolução de 1930, onde os conflitos

sociais permitiram a adoção concomitante de políticas educacionais autoritárias e liberais num

contexto no qual o governo Vargas não tinha proposta concreta para o ensino universitário.

Sendo assim, em 1931, na IV Conferência Nacional de Educação, o governo lidando com esses

dois grupos consegue aprovar junto à ABE o Estatuto das Universidades Brasileiras (PAIM,

1982; FÁVERO, 2001).

Na edição desta reforma do ensino superior, Campos revela, na exposição de

motivos, que a intenção foi manter “um estado de equilíbrio entre tendências opostas” e não

determinar uma brusca ruptura com o presente” (BRASIL, 1931), de forma a tentar dialogar

com os interesses opostos em jogo, o que acaba por levar a adoção de princípios ambíguos.

A ação norteadora do decreto decreto-lei n.19.852/1931 foi tornar a Universidade

do Distrito Federal, o modelo para as demais universidades brasileiras, em movimento

semelhante ao realizado com o secundário, a partir do Colégio Pedro II. No campo universitário,

como vimos acima, a questão perpassa debates ligados a expedientes complexos ligados ao

funcionamento de seus institutos congregados e recursos didáticos e financeiros.

Discussão ofuscada neste primeiro momento por esta definição/adequação a um

padrão pré-estabelecido, como deixa claro o artigo 5º:

A Constituição de uma universidade brasileira deverá atender às: seguintes

exigências:

I. congregar em unidade universitária pelo menos três dos seguintes institutos de ensino

superior: Faculdade de direito, Faculdade de Medicina, Escola de Engenharia e

Faculdade de Educação, Ciências e letras;

II. dispor de capacidade didática, aí compreendidos professores, laboratórios e demais

condições necessárias ao ensino eficiente;

III. dispor de recursos financeiros concedidos pelos governos por instituições privadas e

por particulares, que garantam o funcionamento normal dos cursos e a plena eficiência

da atividade universitária;

IV. IV submeter-se às normas gerais instituídas neste Estatuto.

(BRASIL, 1931).

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Tais exigências poderiam ser cumpridas rapidamente pelas universidades, o que

facilitava a instalação e adequação daquelas já existentes. A exposição de motivos e os três

decretos da reforma, objetivam estruturar a universidade brasileira tanto no campo da

organização administrativa, como na didática, definindo, no estatuto, os órgãos administrativos

e os princípios gerais da organização didática.

No que diz respeito à autonomia universitária, percebemos movimentos de

aceitação e recusa. Na exposição de motivos, Campos reconhece a importância da autonomia

na constituição da universidade, contudo, considerava “inconveniente e mesmo

contraproducente” (BRASIL, 1931) que, naquele momento, ela fosse concedida. No 9º artigo

do estatuto, por exemplo, foi previsto que as “universidades gozarão de personalidade jurídica

e de autonomia administrativa, didática e disciplinar” com a ressalva de que ela seria limitada

pelo estatuto. Ressaltamos que a autonomia financeira não estava prevista no decreto, apesar

de ter sido atribuído aos reitores a função de administrarem as finanças das universidades.

A nomeação para os cargos de reitor, de diretor e de membro do Conselho Técnico-

Administrativo dependeria da escolha do “governo” ou do ministro da Educação e Saúde

Pública dentro uma lista de nomes apresentados pelos órgãos universitários. O artigo 276 do

decreto-lei da Organização da Universidade do Rio de Janeiro, mostra algumas fraturas na

autonomia acima, já que foi previsto que o Conselho Universitário apresentaria ao ministro da

Educação e Saúde Pública o regimento da universidade.

Em suma, a autonomia equivalia à liberdade de propor mudanças ou práticas

administrativas e didáticas que, no entanto, sempre encontravam entraves em atos do governo

federal. Por exemplo, no artigo 11, era facultado às universidades ampliarem as suas atividades,

criando novos institutos, mas a sua incorporação dependia, nos casos das federais, de decreto

do governo.

No que diz respeito ao dilema da universidade como lugar da formação profissional

ou como lócus da ciência e da pesquisa, a reforma buscou arregimentar um caminho

conciliatório. Na exposição de motivos, o ministro aponta que dos quatro institutos que

caracterizariam uma universidade (Direito, Medicina, Engenharia e Educação, Ciências e

Letras), os três primeiros seriam faculdades, nas quais seria formada a elite profissional

brasileira, e o último estaria destinado à realização da investigação desinteressada, dessa forma,

as funções da universidade seriam cumpridas em locais diferentes (BRASIL, 1931).

Em relação à pesquisa científica, foi prevista sua inserção nos três cursos

profissionais que caracterizavam a universidade. Com isto, a formação profissional novamente

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estava colocada em conjunto com a investigação científica. Essas duas funções conviveriam na

universidade, a partir da dificuldade de dissociar ensino e pesquisa.

A confusão atingiu a definição das atribuições das Faculdades de Educação,

Ciências e Letras, pois estas seriam as responsáveis pela introdução, na universidade brasileira,

dos mais altos níveis de cultura e da formação do espírito de investigação; mas teriam, também,

caráter pragmático: o de formar os professores. O que impactará como veremos posteriormente

o ensino de Sociologia, já que, as faculdades de ensino “desinteressado” não poderiam se

constituir como tão “desinteressadas” quanto se esperava90.

A história da universidade brasileira remonta um quadro contraditório, já que o

modelo adotado no país foi um modelo descontextualizado do momento político, econômico e

social do Estado, desvinculado de qualquer projeto de desenvolvimento nacional, embora em

todos os momentos esse projeto tenha sido invocado e referido sem nunca ter existido de fato,

orgânico e articulado. Diferentemente do que acontece com a escola básica, foco do projeto de

superação do atraso nacional, o ensino superior se desenvolve longe deste debate. Não foi,

portanto, concebida no seio de um projeto educacional vinculado a um projeto de

desenvolvimento nacional.

Mesmo assim, nos momentos de esperança ou pelo menos de perspectivas mais

definidas, a mão da autoridade foi mais forte do que as necessidades reais da sociedade e os

projetos foram desviados, novamente, para atender a qualificação das elites e sustentar o poder

dominante. Como aponta Darcy Ribeiro analisando as contradições da nossa universidade:

De fato, somos herdeiros de um legado e de um fardo. Um legado positivo - muito

pouco utilizado – de antecedentes que mostram como, em certas circunstâncias

algumas universidades fizeram-se promotoras da renovação e do progresso; e um

legado negativo - o nosso fardo - implícito nos procedimentos pelos quais outras

universidades foram levadas a atuar, principalmente, como agentes de consolidação

do "status quo". Até agora, na América Latina, as universidades atuaram

especialmente como agentes da manutenção da ordem instituídas ou, no máximo, da

modernização reflexa de suas sociedades (RIBEIRO, 1982, p.78).

90 Vemos que Campos com sua postura de não ruptura com os diferentes grupos de interesse elaborou uma reforma

que apresentava princípios fundamentais, mas pouco avança em novas proposições acerca do ensino universitário,

além de deixar questões ambíguas. As certezas da reforma aparecem quanto a crença do ministro de que a reforma

da sociedade se faz mediante a reforma da escola e de que ao Estado cabe a responsabilidade e o controle da

educação. Isto posto, é possível notar que Campos foi ambíguo em relação ao papel das Faculdades de Educação,

por querer exaltar a importância das mesmas utilizando como recurso argumentativo a sua vinculação com a

introdução dos altos níveis de cultura. Assim, as Faculdades de Educação teriam o mesmo status que as de Direito,

Engenharia e de Medicina, podendo, também, expedir o diploma de doutor.

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Por fim, quanto à autonomia universitária, vale observar ainda que, ao instituir a

Universidade do Brasil, a Lei nº 452 de 1937 não faz referência ao princípio de autonomia em

suas disposições gerais. Essa lei dispõe que tanto o reitor como os diretores dos

estabelecimentos de ensino seriam escolhidos pelo presidente da república, dentre os

respectivos catedráticos e nomeados em comissão.

Por outro lado, torna-se expressamente proibida, aos professores e alunos da

universidade, qualquer atitude de caráter político-partidário ou comparecer às atividades

universitárias com uniforme ou emblema de partidos políticos. Essas determinações não seriam

de estranhar, considerando-se o contexto em que elas são elaboradas.

A situação apenas se modifica com a deposição de Vargas, em outubro de 1945, e

o fim do Estado Novo, em que se inicia um movimento para repensar o que estava identificado

com o regime autoritário até então vigente. A chamada “redemocratização do país” é

consubstanciada na promulgação de uma nova Constituição, em 16 de setembro de 1946, que

se caracterizou, de modo geral, pelo caráter liberal de seus enunciados, como se pode observar

no capítulo “Da declaração de direitos” e especialmente no que trata “dos direitos e das

garantias individuais” (BRASIL, 1946).

Cabe lembrar que, ainda no Governo Provisório instalado após a queda do Estado

Novo, sendo ministro da educação Raul Leitão da Cunha, o Presidente José Linhares sanciona

o Decreto-Lei nº 8.393, em 17/12/1945, que “concede autonomia administrativa, financeira,

didática e disciplinar à UB, e dá outras providências”. Em cumprimento a esse dispositivo, o

reitor passa a ser “nomeado pelo Presidente da República, dentre os professores catedráticos

efetivos, em exercício ou aposentados, eleitos em lista tríplice e por votação uninominal pelo

Conselho Universitário” (BRASIL, 1945).

Em cumprimento a esse dispositivo, a administração superior da Universidade

passa a ser exercida não apenas pelo Conselho Universitário e pela Reitoria, mas também pelo

Conselho de Curadores. No que tange à autonomia outorgada à Universidade do Brasil, dados

obtidos da análise de documentos da instituição a autonomia administrativa, financeira, didática

e disciplinar, outorgada à universidade, não chegou a ser implementada (FÁVERO, 2006).

No final dos anos 1940, começam a esboçar-se nas universidades algumas

tentativas de luta por uma autonomia universitária, tanto externa como interna. Todavia, a

situação é complexa. A propósito, Raul Bittencourt observa: “mesmo depois do Estado Novo,

quando essa Universidade se torna autônoma por decreto, a situação não muda muito”

(BITTENCOURT, 1946, p. 562).

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3.3.2. A Universidade do Distrito Federal (UDF) e a autonomia despedaçada se tornando

a Universidade do Brasil

A Universidade do Distrito Federal (UDF) é instituída no Rio de Janeiro, capital da

República, pelo Decreto Municipal nº 5.513/35, como parte de um programa integrado de

Instrução Pública para o Distrito Federal, liderado por Anísio Teixeira, entre 1931 e 1935.

À frente da Secretaria de Instrução Pública, nesse período, Anísio organiza uma

rede municipal que vai da escola primária à universidade. Suas iniciativas tiveram não só um

caráter de ampliação e consolidação do legado que recebera dos anos 1920, em termos de

modernização do sistema escolar, iniciado nas administrações anteriores, mas foram marcadas

também por características muito peculiares na consecução dos seus objetivos, o que provocou

oposições radicais, mas também apoio respeitáveis do magistério carioca.

A estruturação do sistema público de ensino se fez perpassada por conflitos que se

aguçam, sobretudo, com a criação da universidade, que para Anísio, se apresenta como o ápice

da política educacional do Distrito Federal. A universidade, portanto, nasce sob fogo cruzado:

de um lado, atacada pelos integralistas com o argumento de que ela seria de esquerda, senão

comunista e; de outro, pelos católicos, que qualificavam qualquer iniciativa ou atitude

inconveniente aos princípios morais e educacionais por eles defendidos (FÁVERO, 2001).

A oposição católica à Anísio Teixeira, transforma-se em acusação aberta a partir de

1935, quando os dois apontamentos críticos supracitados se coadunam. Alceu Amoroso Lima

escreve ao Ministro Capanema afirmando a posição dos católicos e deixa claro que eles esperam

do governo uma atitude enérgica de repressão ao comunismo. Nesta carta assinala que "para

garantir a estabilidade das instituições e a paz social" era preciso o governo "organizar a

educação e entregar os postos de responsabilidade nesse setor importantíssimo a homens de

toda a confiança moral e capacidade técnica (e não a socialistas como o Diretor do

Departamento Municipal de Educação)"91 (SCHWARTZMAN, 2000, p. 176).

A fundação de uma universidade municipal, com a nomeação de diretores que não

esconderiam suas convicções comunistas, teria sido, como denota Fávero (2001), a gota d'água

que fez transbordar a grande inquietação dos católicos. Mesmo com os problemas enfrentados

por essa universidade, efetua-se, de 1935 a 1936, a constituição de seu corpo docente e a

91 Notemos que, embora, o movimento do governo seja limitar a autonomia da UDF, a reivindicação católica

demonstra que o problema para este não foi a falta de autonomia, foi considerar que a UDF tem autonomia em

excesso.

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organização de seus cursos. Com essa preocupação, buscam-se na Europa professores para

aquelas áreas em que se considerava não haver, no Brasil, profissionais suficientemente

preparados.

Apesar de ter existido por menos de quatro anos, a UDF marca significativamente

a história da universidade no Brasil, sobretudo levando-se em conta o contexto em que se dá

sua criação (1935) e sua extinção (1939), em pleno Estado Novo, por meio do Decreto Federal

nº 1.063/39. Em termos de projeto, é de se destacar a dimensão cultural atribuída à UDF, contida

nos "considerando introdutórios" ao Decreto nº 5.513/35, por intermédio dos quais se justifica

a necessidade de sua instalação:

A cidade do Rio de Janeiro constituiu um centro de cultura nacional de ampla

irradiação sobre todo o País. O desenvolvimento da cultura filosófica, científica,

literária e artística é essencial para o aperfeiçoamento e o progresso da comunidade

local e nacional. À cidade do Rio de Janeiro compete o dever de promover a cultura

brasileira do modo mais profundo que for possível. O número de estudantes do

Distrito Federal e o dos que afluem dos outros Estados ao Centro de Cultura do País

é de tal ordem, que justifica a existência de mais de uma universidade. Em

consequência, considera-se ser, assim, dever do Estado a fundação da Universidade

do Distrito Federal e, além disso, essa é a forma de consagrar pela autonomia cultural

a atual autonomia política (RIO DE JANEIRO, 1935).

Em consonância com os pressupostos acima, Anísio Teixeira acredita que as

universidades estão "dedicadas à cultura e à liberdade, estão sob um signo sagrado que as faz

trabalhar e lutar por um mundo de amanhã, fiel às grandes tradições liberais da humanidade"

(TEIXEIRA, 1936), além de serem um passo importante para constituição de uma cultura de

acesso ao conhecimento, já que na sua visão “em países de tradição universitária, a cultura une,

socializa e coordena o pensamento e a ação. No Brasil, a cultura isola, diferencia, separa"

(TEIXEIRA 1936).

Ainda na perspectiva de Teixeira, trata-se menos de preparar quadros - formados

por indivíduos com domínio do saber existente e da experiência humana acumulada ou formar

pessoas competentes em ofícios úteis - mas criar um ambiente de saber, facilitador da

participação de todos na formação intelectual da experiência humana (FÁVERO, 2001). Assim,

a heterogeneidade e a deficiência dessas diferentes culturas individuais e individualistas fazem

com que o campo de ação intelectual e pública se constitua num campo de lutas mesquinhas e

pessoais entre os intelectuais no contexto nacional. A universidade que se inaugura, então, teria

como uma de suas preocupações preparar quadros intelectuais e profissionais para atacar o

isolamento verificado.

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No entanto, ressaltamos que para cumprimento do projeto outrora idealizado por

Teixeira, seria fundamental a efetivação da autonomia universitária Aí que residem os

problemas para as pretensões contidas neste projeto universitário. Em 1935, Pedro Ernesto,

então prefeito do Rio de Janeiro cede à pressão dos grupos de interesse (educadores

conservadores, sobretudo católicos) e afasta Anísio Teixeira. Como desfecho, em 1º de

dezembro de 1935, Anísio pede exoneração do cargo, aceita por Pedro Ernesto, após tecer-lhe

grandes elogios e agradecer o trabalho desenvolvido pelo educador à frente da secretaria92.

No que diz respeito ao campo acadêmico, a ênfase na ciência básica e em um saber

"desinteressado" marcará as pretensões da UDF93. Para isto, fez-se necessário recorrer às

missões estrangeiras de professores juntamente com professores brasileiros para formação da

equipe de docentes. No entanto, a atuação dos primeiros, mesmo por um período curto, esteve,

em geral, voltada para a formação de pesquisadores. Há registros da presença e da atuação de

professores franceses na UDF, em 1936, lecionando nas Escolas de Economia e Direito e de

Filosofia e Letras. Vemos a partir da chegada destes professores, que mesmo com a saída de

Teixeira e das demissões e prisões de professores, a universidade continuou a funcionar

regularmente em 1936.

No entanto, esta conjuntura não se repetiria nos anos seguintes: as ofensivas do

governo federal serão decisivas para sua extinção. Na concepção do Ministério da Educação

(MEC), a existência da UDF passa a constituir uma situação de indisciplina e de desordem no

seio da administração pública do país, e, embora o ministro tenha se cercado de argumentos

baseados em decretos e lei - notadamente o Estatuto das Universidades Brasileiras - o que

acontece na prática é que a presença da UDF era incômoda justamente pela autonomia

intelectual que reclamava, e que nos seus momentos iniciais, obteve.

Isto por se tratar de uma instituição universitária constituída de escolas e institutos

voltados principalmente para as ciências humanas, tendo uma linha de pesquisa e de confrontos

com a realidade e não com um objetivo de ser mera agência de ensino, preocupada com a

transmissão ou repetição de um saber constituído e a manutenção da conjuntura vigente.

92 Exonerado do cargo de Secretário, Anísio recebe o imediato apoio de colaboradores nos serviços de educação

do Distrito Federal, alguns dos quais integrantes dos quadros da Universidades e também demissionários. A partir

de 1936, professores da Universidade, juntamente com outros intelectuais e educadores, são presos e demitidos,

como: Hermes Lima, também diretor da Escola de Economia e Direito, Castro Rabello, Leônidas Rezende e Luiz

Carpentier (PAIM, 1982). 93 Veremos quando falarmos de Sociologia na USP e UDF que esse objetivo se consolidou de maneira diferente

nas duas universidades.

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O fechamento da UDF ocorre justamente quando a força política se fortaleceu ao

ponto de englobar a autonomia aos intelectuais. A UDF nasce num momento em que o país

caminhava a largos passos para um recrudescimento ideológico e para a implantação declarada

de um regime autoritário, que fez com que sua presença, enquanto instituição se tornasse

incômoda. Com efeito, em nome da disciplina e da ordem, o Ministro Capanema encaminha ao

presidente exposição de motivos que acompanha o decreto de extinção (Decreto 1.063, de 20

de janeiro), justificando a extinção da UDF.

Não se trata de simples incorporação dos cursos da UDF pela Universidade do

Brasil (UB), na verdade, a UDF é efetivamente extinta e seus cursos são transferidos para a UB,

em 1939. Fávero (2001), considera a extinção da UDF como extinção de uma utopia:

Por ter representado, em matéria de instituição universitária, uma ruptura em relação

ao modelo estabelecido. Como parte de um programa integrado de educação pública

para a capital do País, ela surge como um projeto de Universidade a ser construído,

em direção a uma nova realidade. Surge com a preocupação de ser um centro de

estudos, de produção de saber e de cultura, marcada pela liberdade de expressão e de

pensamento, o que lhe dá ao menos potencialmente caráter de uma instituição crítica

e inovadora. (FÁVERO, 2001, p.4).

Destacamos este trecho ao final desta subseção, pois a Universidade de São Paulo

(USP) que veremos a seguir acabou por conseguir através de uma autonomia relativa ao

governo federal, se manter ativa e atingir, mesmos com momentos tortuosos.

3.3.3. A Universidade de São Paulo (USP) nas franjas da autonomia

A Universidade de São Paulo (USP) tem seu nascedouro a partir do começo da

década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, no processo no qual são nomeados

interventores militares para o estado de São Paulo sem quaisquer vínculos com a oligarquia

local, com objetivo de enfraquecer o poder político da classe dirigente local.

“Vencidos pelas armas, sabíamos perfeitamente que só pela ciência e pela

perseverança no esforço voltaríamos a exercer a hegemonia que durante longas décadas

desfrutáramos no seio da federação”, a frase de Júlio de Mesquita Filho94 (1969, p.199),

94 Julio César Ferreira de Mesquita Filho (1892-1969) foi jornalista, seguiu os passos de seu pai, Júlio de Mesquita,

proprietário do jornal O Estado de S. Paulo. Em 1927 e engaja-se ao término do governo Washington Luís na

candidatura de Getúlio Vargas, que em sua Aliança Liberal apresenta um programa de reformas institucionais, tais

como o voto secreto e o fim da política dos governadores. Apoia, portanto a revolução de 1930, mas decepciona-

se com o descumprimento das promessas iniciais de Getúlio Vargas. Organiza dois anos depois o movimento

conhecido por Revolução Constitucionalista de 1932 que exigia do governo provisório o estabelecimento de uma

nova Carta ao País e o resgate das promessas perdidas de 1930. Exilado pela primeira vez após a derrota da

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proprietário do jornal O Estado de S. Paulo, deixa clara a conjuntura paulista pós-revolução de

1930: o estado economicamente mais forte da federação queria retomar sua hegemonia política,

e o campo da educação se mostrava como alternativa e caminho possível para que isto se

consolidasse.

No ambiente intelectual – num movimento anterior as medidas legais organizadoras

da universidade brasileira e a constituição das primeiras instituições orientadas por esses

dispositivos - o debate sobre a universidade já fazia presente e se espraiava através da imprensa

e circulava em conferências, palestras e debates fomentados por entidades da sociedade civil.

Sendo assim, o grupo do jornal O Estado de S. Paulo elege a reforma educacional

como tarefa política prioritária e indispensável para a “regeneração política” do país95. Para

Mesquita Filho, as classes cultas do país padeciam de “insuficiência intelectual”, em nada

semelhante aos países em que “o político, o jornalista e todos os que direta ou indiretamente

intervêm na direção dos negócios públicos, atuam no terreno das realizações práticas sob as

vistas vigilantes das elites intelectuais” (MESQUITA FILHO, 1925, p. 17-19).

Ainda segundo o empresário, na ausência de um centro de cultura superior no

Brasil, imperava uma “anarquia mental” favorável à intervenção de agitadores e oligarcas,

enquanto as elites intelectuais se encontravam afastadas da política, refugiadas nas carreiras

liberais, na indústria e na agricultura. A universidade proveria quadros capazes de reformar a

mentalidade média dos jovens no ensino secundário, assim como reuniria os melhores espíritos

para “formular o problema brasileiro”, refundindo sua cultura em altos estudos (MESQUITA

FILHO, 1925).

Armando de Salles Oliveira96 é nomeado interventor por Vargas em agosto de 1933,

cunhado de Júlio de Mesquita Filho e herdeiro das antigas dissidências, é o principal

responsável pela reunificação em torno das forças políticas oligárquicas. Como desta Miceli:

Revolução, Mesquita Filho volta a São Paulo ainda a tempo de fundar, com seu cunhado Armando de Salles

Oliveira, então interventor de São Paulo, a Universidade de São Paulo, vista pelo jornalista como essencial para a

formação de uma nova elite política e cultural para o Brasil. A partir do golpe do Estado Novo, em 1937, Julio de

Mesquita Filho é preso e levado ao exílio pela ditadura. O Estado de S. Paulo é expropriado da família em 1940

e, somente em 1945, ante uma decisão do Supremo Tribunal Federal, é devolvido a seus legítimos proprietários. 95 Esse debate também tem como fator motivador, a Liga Nacionalista, “onde se plasmam os apelos doutrinários

e principais objetivos políticos que marcarão a atuação futura da maioria dos membros desse grupo” (LIMONGI,

1989, p.113). A Liga, sem se desconectar de aspectos patrióticos e militaristas, concentrou sua ação em três frentes:

a necessidade de reformas políticas, com a adoção do voto secreto e obrigatório; a erradicação do analfabetismo e

a assimilação do imigrante. 96 Armando de Salles Oliveira (1887-1945) foi um engenheiro e político, interventor federal em São Paulo entre

21 de agosto de 1933 a 11 de abril de 1935 e governador (eleito pela Assembléia Constituinte) de 11 de abril de

1935 a 29 de dezembro de 1936. Salles Oliveira apoiou a Revolução de 1930 juntamente com o jornal O Estado

de S. Paulo, do qual era sócio. Em 1937, Salles Oliveira deixou o governo de São Paulo para ser candidato ao

cargo de Presidente da República, nas eleições marcadas para janeiro de 1938, eleições estas que não ocorreram

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Ao invés de se darem conta da emergência de demandas sociais que haviam sido

represadas por falta de canais de expressão e participação, os dirigentes da oligarquia

paulista atribuem as derrotas sofridas em 1930 e 1932 à carência de quadros

especializados para o trabalho político e cultural e, escorados nesse diagnóstico,

passam a condicionar suas pretensões de mando no plano federal à criação de novos

instrumentos de luta: a Escola de Sociologia e Política, a Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras no contexto da nova Universidade de São Paulo, o Departamento

Municipal de Cultura, são iniciativas que se inscrevem nesse projeto (MICELI, 1979,

p. 20-21).

Mesquita Filho então se convence da necessidade da criação, antes da universidade,

de um liceu de alto nível que suprisse as lacunas do secundário e onde se pudesse preparar os

futuros professores. Na segunda metade de 1927, o jornal O Estado de S. Paulo publica uma

série de conferências de Paul Fauconett, também da Sorbonne, e um artigo de Dumas, onde se

defende a constituição em São Paulo de uma Faculdade de Filosofia e Letras e de uma

Faculdade de Ciências. Ainda em 1926, é realizado o inquérito coordenado por Fernando de

Azevedo e publicado ao longo de vários meses, que é considerado o grande marco do

movimento que acabou resultando na criação da universidade.

No inquérito, Azevedo articula as problemáticas que articulam os ensinos

secundário e superior. A interpretação que faz das finalidades de um e de outro converge para

as teses políticas de seu mentor. Para Azevedo (1957, p.189), “não há democracias que possam

subsistir sem uma classe média, cada vez mais larga e difundida, empregada como elemento

assimilador e propagador de ideias e de opinião”. A incumbência de “criar e desenvolver essa

cultura geral e desinteressada” caberia ao ensino secundário; por sua vez, seria tarefa das

universidades criar para os ginásios e os colégios um corpo de professores, “educados sob as

sugestões de um mesmo ambiente, segundo uma orientação uniforme e animados por ideias

comuns” (AZEVEDO, 1957, p.190).

Além de fazer do corpo de professores um “organismo de sangue vivo e

constantemente renovado”, os centros de alta cultura e de pesquisas científicas teriam como

função preparar e aperfeiçoar as classes dirigentes (AZEVEDO, 1957). Daí se estabelecem

pontos de contato: a universidade viria resolver, pela qualificação dos professores, a formação

porque Getúlio Vargas deu um golpe de estado que implantou no Brasil o Estado Novo, em 10 de novembro de

1937. Em 1940 o jornal O Estado de S. Paulo foi confiscado. Salles permaneceu cerca de um ano em prisão

domiciliar, exilando-se para a França em novembro de 1938. O nome de Armando de Salles Oliveira está associado

à criação da Universidade de São Paulo, em 1934, já que foi nomeado como primeiro interventor da universidade

por seu cunhado Júlio de Mesquita Filho. A cidade universitária do campus da USP na capital paulista, recebeu

seu nome.

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da cultura média; na ponta mais avançada, produziria o progresso do saber humano, substância

da opinião pública que sustentaria as democracias.

No inquérito, a ideia de universidade prendeu-se predominantemente ao

regionalismo paulista, seja pela consideração quase unânime de que aquele estado já possuiria

as condições para a fundação e o desenvolvimento de altos estudos, seja porque havia a

expectativa política de frações dissidentes da oligarquia – como a organizada em torno de

Mesquita Filho e sua empresa jornalística – de galgar o poder republicano, sustentada no voto

secreto de uma classe média esclarecida, isto é, politicamente orientada por uma elite de

homens superiormente formados em altos estudos culturais e pesquisas científicas.

Assim como no inquérito da ABE, ressalta-se a vinculação estreita entre

universidade, formação de elites e democracia, desembocando esse círculo virtuoso em

progresso moral e político. Se nas respostas dos entrevistados por Fernando de Azevedo a fala

política é mitigada com relação aos respondentes da ABE, ele próprio não se exime de afirmar

que, ao sumariar as conclusões do inquérito que o alto grau de civilização “foi marcado pelo

valor de suas classes dirigentes” (AZEVEDO, 1957, p.191). Como consequência, o interventor

Armando Salles de Oliveira cria a comissão para estudar a fundação da Universidade de São

Paulo, a Universidade de Comunhão Paulista como foi chamada porque representava um

projeto de reconstrução educacional da nacionalidade.

A liderança política da comissão ficou a cargo de Júlio de Mesquita Filho, e a

liderança pedagógica, foi conferida à Fernando de Azevedo97, membros estes das famílias da

elite paulistana, ansiosa para reconquistar a hegemonia perdida no cenário nacional. A criação

da Universidade de São Paulo (USP), em 25/01/1934, através do decreto estadual 6283/34,

integra o projeto político dos paulistas na formação de uma elite dirigente dotada de altos

conhecimentos culturais, científicos, literários e artísticos.

Abaixo confeccionamos uma tabela que resume os princípios, as concepções e as

motivações da sua criação e seus primeiros cursos. Salientamos que diferentemente do Estatuto

das Universidades, o decreto de criação da USP deixa clara suas intenções, além de conter logo

em sua fundação os cursos necessários segundo a lei:

97 Para Mesquita, “as universidades têm o objetivo de cultivar as ciências, ajudar o progresso do espírito humano

e dar às sociedades elementos para a renovação incessante de seus quadros científicos, técnicos e políticos”, são

“o próprio cérebro da nacionalidade, o centro regulador de toda a sua vida psíquica”. A USP vinha como parte “de

uma vigorosa política educacional, único meio de se evitar a catástrofe final” (MESQUITA FILHO, 1925).

Interessante notar a semelhança destas considerações com as de Anísio Teixeira sobre a UDF.

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Tabela 8: Fins e objetivos da universidade e composição da Universidade de São Paulo

(USP) FINS E OBJETIVOS DA UNIVERSIDADE COMPOSIÇÃO DA INSTITUIÇÃO

a) promover pela pesquisa, o progresso da ciência;

b) transmitir, pelo ensino, conhecimentos que

enriqueçam ou desenvolvam o espírito ou sejam úteis

à vida;

c) formar especialistas em todos os ramos da cultura,

e técnicos e profissionais em todas as profissões de

base científica ou artística;

d) realizar a obra social de vulgarização das ciências,

das letras e das artes, por meios de cursos sintéticos,

conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes

científicos e congêneres.

A instituição é criada pela composição de 10 unidades

de ensino:

1 - Faculdade de Direito, criada em 1827;

2 - Faculdade de Medicina, criada em 1913;

3 - Faculdade de Farmácia e Odontologia, criada em

1899;

4 - Escola Politécnica, criada em 1894;

5 - Instituto de Educação, antigo Instituto Caetano de

Campos, transformado em Instituto de Educação em

1933;

6 - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, criada

pelo Decreto de sua fundação;

7 - Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais,

criado apenas em 1946;

8 - Escola de Medicina Veterinária, criada em 1928;

9 - Escola Superior de Agricultura, criada em 1899;

10- Escola de Belas Artes, que deveria ser instalada

posteriormente.

Fonte: ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto nº 6.283, de 25/01/1934. Tabela elabora pelo autor.

No projeto dos idealizadores da USP, a ciência moderna se caracterizaria por estar

a serviço do ensino voltado para a formação de professores secundários, mas, principalmente,

para a formação de especialista, para o desenvolvimento de pesquisas “desinteressadas”, de

“pesquisa pura”, não aplicável imediatamente (ao contrário dos conhecimentos voltados para

as áreas de formação profissional). Desta forma, estaria garantida a criação da “alta cultura”

brasileira, que seria levada ao resto da população através dos professores secundaristas, de

conferências e cursos de pesquisa e extensão universitária, como destaca Cunha (1989):

Desde a sua instalação como universidade, a USP esteve sempre em busca de uma

estruturação que permitisse organizar-se e funcionar como autêntica universidade

liberal". O seu núcleo seria a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, considerada

por Júlio de Mesquita Filho como a "elite dentro dos próprios domínios da nossa

universidade, a instituição cuja principal missão seria a de criar um "ideal", uma

consciência coletiva", uma "mística nacional", dentro da concepção de que a cultura

desinteressada é um "apanágio dos eleitos", conforme relata Irene Cardoso em "A

Universidade da Comunhão Paulista"38.Segundo o mesmo registro de Irene Cardoso,

"Armando de Salles Oliveira, dentro de sua concepção de universidade como cérebro

da nacionalidade, centro regulador de sua vida psíquica, atribuía à Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras o lugar de crítica e da síntese, dentro do sistema

universitário". Finalmente, no caso da USP, é significativo citar os três princípios

básicos do projeto de criação da universidade: universidade caracterizada pela criação

da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras como núcleo universitário; Integração do

ensino superior paulista; autonomia universitária para o pleno exercício de suas

atividades e funções (CUNHA, 2007, p.15).

Nota-se que, quanto a autonomia, a USP obteve mais sucesso que a UDF na criação

de cursos, contratação de professores, além do desenvolvimento do seu instituto vinculado às

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ciências humanas. Acreditamos que isto se deve primordialmente ao enfraquecimento dos

políticos paulistas que abriram maiores concessões aos intelectuais no momento da fundação

da universidade, na esperança de retomada deste espaço político enfraquecido.

O contrário ocorreu no Rio de Janeiro, em que a classe política – principalmente o

grupo de oposição ao modelo vigente de universidade - se fortalecia cada vez mais. Ou seja, os

interesses dos intelectuais estão presentes nos dois casos, mas encontram possibilidades

diferentes de afirmação. Investigaremos agora como a Sociologia, enquanto disciplina

universitária e/ou “científica”, se desenvolveu nesta conjuntura.

3.4. A Sociologia universitária/acadêmica: ciência ou diletantismo?

Discutir os rumos da Sociologia acadêmica, significa pensar seu processo de

institucionalização, e este, nos leva a diferentes caminhos interpretativos e delimitações

históricas, embora exista consenso que os anos 1930 cumprem papel crucial nesta trajetória.

A criação das faculdades e cursos de Ciências Sociais (na Escola Livre de

Sociologia e Política, em 1933, na Universidade de São Paulo, na cidade de São Paulo, e na

Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, ambos em 1934) será considerado o marco

inicial da produção científica, amadurecimento e desenvolvimento da Sociologia no Brasil,

período no qual os estudos teriam adquirido tom científico dando início à fase moderna da

sociologia brasileira.

Nos anos 1930 e 1940, terá início o processo de institucionalização da Sociologia

no campo acadêmico. Elide Rugai Bastos (1998), por exemplo, localiza o início deste processo,

com a obra Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, que representaria “um ponto de

inflexão, o fechamento de um ciclo: marca o momento em que a teoria social deixa de se

apresentar como manifestação dispersa e surge como um sistema: a Sociologia” (BASTOS,

1998, p.146). Esse fato ilustraria “o abandono do discurso jurídico” e a “incorporação do

discurso sociológico”, de forma que a “metamorfose do jurídico ao sociológico é o componente

fundamental do processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil” (BASTOS,

1998, p.146).

Outro que vê esse amadurecimento da teoria sociológica em outro período é Renato

Ortiz (2002) que delimita esse processo na emergência da geração de sociólogos da

Universidade de São Paulo (USP) na década de 1940, quando a Sociologia emerge como

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“ciência”, ou quando o trabalho intelectual passa a ser pautado por normas, valores e ideais do

saber científico.

Isto teria significado “uma ruptura em relação ao senso comum, o discurso dos

juristas, jornalistas e críticos literários” por um lado, e por outro “um distanciamento em relação

à aplicação imediata do método sociológico para a resolução dos problemas sociais: uma crítica

de sua utilidade” (ORTIZ, 2002, p.182). Como explicam Segatto e Bariani (2009), a Sociologia

passa a ser considerada efetivamente uma ciência no Brasil, pois passou a atender a alguns

critérios específicos antes não verificados:

As interpretações que consideram a institucionalização como marco inicial ou ponto

de mutação das ciências sociais no Brasil, em geral, compreendem alguns elementos

comuns ou frequentes que, para efeito de interpretação, consideraremos como uma

construção conceitual tipológica relativamente ideal. Tais elementos supostos

compreendem uma noção da sociologia como ciência empírico-indutiva, baseada no

rigor metodológico e num elevado padrão de trabalho científico, no distanciamento

com relação a valores, na integração entre ensino e pesquisa, no funcionamento

regular de formas de pós-graduação, financiamento à pesquisa, divisão do trabalho,

quantidade e estabilidade da atuação, mormente em regime integral numa comunidade

marcada pelos ethos acadêmico e por meios próprios de hierarquização, legitimação

e divulgação/controle da produção (SEGATTO e BARIANI, 2009, p. 8).

Partindo das demarcações acima, o espaço universitário será entendido como

elemento forjador de um profissional, a partir da consolidação de um mercado capaz de

absorvê-lo e da entrada da disciplina no debate público. Havia necessidade de um novo tipo de

cientista social capaz de adquirir conhecimento especializado referente a sociedade brasileira,

conhecimento este capaz de auxiliar na resolução dos impasses que se colocavam a sociedade.

Como deixa claro Arruda (1995):

A universidade erigiu (...) uma nova modalidade cultural, implicando num tipo de

reflexão constante e pontuado de exigências próprias, respaldado tanto na produção

de um conhecimento voltado para a carreira, quanto num saber que exigia as

preocupações com a transmissão. O profissional universitário é, ao mesmo tempo,

professor. A transmissão dos conteúdos gera o esforço de sistematização dos sistemas

de pensamento expresso em grandes sínteses, frequentemente apoiado em grandes

discursos sobre o método. Procedimentos desta natureza são típicos da academia: o

homo academicus gosta do acabado. Daí a permanente discussão teórica como

resultado do papel professoral. (ARRUDA, 1995, p. 116).

A construção de um campo disciplinar acontece a partir da definição de um objeto

próprio e do estabelecimento de uma autonomia que envolve a diferenciação em relação aos

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campos correlatos98. Precisamos, portanto, para melhor entendermos este processo, investigar

as relações entre a configuração deste saber e o processo de racionalização que avança na

sociedade. A análise do surgimento da Sociologia passa por investigar as tensões e lutas

empreendidas por seus praticantes frente ao universo cultural da sociedade na qual a disciplina

está sendo implementada.

Acreditamos que grande parte das razões deste descolamento da escola para a

universidade se desenvolvem a partir do meio da década de 1930 e início das 1940 com o

surgimento dos primeiros cursos de Ciências Sociais no Brasil, estabelecidos no Rio de Janeiro

e em São Paulo, que iremos privilegiar em nossa análise, já que existem diferenças

significativas entre as experiências nas duas cidades, como nos aponta Miceli:

Tais diferenças estão na raiz de definições bastante contrastantes do que seja a ciência

social, prevalecendo no Rio de Janeiro uma concepção “intervencionista”, “militante”

e “aplicada”, cuja expressão intelectualmente acabada são as teorias

desenvolvimentistas, enquanto em São Paulo parece se impor uma preocupação

marcante com o treinamento metodológico, as leituras dos clássicos, o trabalho de

campo individual e/ou em equipe e toda uma socialização acadêmico-disciplinar

então sob hegemonia do paradigma sociológico funcionalista. (MICELI, 1987, p.

92).

Embora nosso movimento seja destacar idiossincrasias de cada processo, cabe nos

lembrar que tanto na USP, como posteriormente na Universidade do Brasil (UB), as Ciências

Sociais se originaram dentro das faculdades de Filosofia (excetuando a ELSP – da qual

falaremos adiante), ou seja, faculdades que formavam professores para o ensino secundário. O

grande impulso, portanto, desses cursos em termos de institucionalização seria o magistério

secundário, que irá sofrer grande revés com a Reforma Capanema. O que redirecionará os

cursos para valorização da formação especializada, científica, para o bom desempenho

profissional e a considerar de forma renovada o mercado de trabalho e as fontes de

financiamento.

98 Este complexo processo não está desligado de acontecimentos políticos, econômicos e sociais. Há, portanto,

uma variedade de grupos envolvidos neste empreendimento: grupos doutrinários, como os ligados à Igreja

Católica; grupos já inseridos na estrutura do ensino secundário, como os catedráticos do Colégio Pedro II; ou do

ensino superior, como os professores das Escolas Superiores e da extinta UDF; a elite paulistana no caso uspiano;

técnicos já pertencentes a burocracia do Estado, ligados a órgãos como o DASP, o IBGE, o Museu Nacional;

quadros do Ministério da Educação, como o próprio ministro Capanema; além do próprio presidente Vargas,

estiveram envolvidos no momento inicial da montagem destas instituições e cursos.

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3.5. As Ciências Sociais no Rio de Janeiro: Universidade do Distrito Federal,

Universidade do Brasil e a formação da Faculdade Nacional de Filosofia nos anos

1930 e 1940.

A UDF esteve no centro da disputa entre escolanovistas e católicos. Um grande

revés para os primeiros foi a ascensão de Alceu Amoroso Lima como reitor da universidade em

1938, acelerando seu processo de extinção. A argumentação em torno da extinção da UDF teve

como aspecto a argumentação legalista, a partir de sua suposta não adequação ao modelo do

Ministério da Educação:

Os argumentos levam em conta que o decreto municipal que definia a organização da

UDF era inconstitucional por faltar competência ao prefeito; que seus estatutos

também haviam sido aprovados pelo prefeito e não pelo ministério da educação, e,

por fim, que a UDF não tinha todos os institutos previstos na Lei Federal para este

tipo de instituição (OLIVEIRA, 1995, p.242).

O próximo passo no ministério foi a criação da Universidade do Brasil já prevista

no Decreto-lei de 5 de julho de 1937 e regulamentada pelo Decreto-lei nº.1.190, de 4 de abril

de 1939; o mesmo em que a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, passa a denominar-se

Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi). Esse instrumento legal estabeleceu que seriam as

seguintes as suas finalidades: a) preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas

atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica; b) preparar candidatos ao magistério

do ensino secundário e normal; c) realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que

constituam objeto de seu ensino (BRASIL, 1939).

A FNFi inaugurou em 1939 seus cursos ordinários, que conferiam o título de

bacharel ou de licenciado, e seus cursos extraordinários, de aperfeiçoamento, especialização e

doutorado, em quatro seções fundamentais: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, além do

setor de Didática. Para assegurar o seu imediato funcionamento, a prefeitura cedeu o prédio em

que funcionava a UDF, a antiga Escola José de Alencar, no Largo do Machado.

No período que vai de 1935 a 1945, a FNFi não apenas formou os docentes de

ciências humanas que iriam tomar em suas mãos o ensino dessas disciplinas, como preparou

diversos pesquisadores que passaram a integrar os quadros das instituições públicas99. Nesse

mesmo ciclo iniciaria o programa de formação de professores para o ensino secundário. A

História, a Sociologia e a Antropologia também adquirem, portanto, a possibilidade de

institucionalizar seu ensino de modo autônomo.

99 Que incluem o Instituto Oswaldo Cruz, do Museu Nacional, do Departamento Nacional da Produção Mineral e

do Instituto Nacional de Tecnologia.

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Deste modo, a FNFi deu forma nova a uma tradição emergente, denunciando os

“defeitos” de formação de sucessivas gerações de professores, em especial o autodidatismo e a

improvisação. A pesquisa que era igualmente privilégio de umas poucas instituições passa a

integrar a formação curricular. Como reação procura-se incorporar institucionalmente o

intercâmbio com instituições estrangeiras, a coleta sistemática de bibliografia e a realização de

simpósios e seminários como ferramentas de trabalho dos cientistas e pesquisadores brasileiros

(PAIM, 1982).

O primeiro curso de Ciências Sociais da cidade do Rio de Janeiro, portanto não

ganha vida dentro da Universidade do Brasil (UB), mas no âmbito da FNFi, em 1939. Segundo

o artigo 15, do decreto supracitado, o curso de Ciências Sociais será de três anos e terá a seguinte

estrutura disciplinar:

Tabela 9: Currículo do 1º Curso de Sociologia da Universidade do Brasil Primeira série 1. Complementos de matemática.

2. Sociologia.

3. Economia política.

4. História da filosofia.

Segunda série 1. Estatística geral.

2. Sociologia.

3. Economia política.

4. Ética.

Terceira série 1. Sociologia.

2. História das doutrinas econômicas.

3. Política.

4. Antropologia e etnografia.

5. Estatística aplicada.

Fonte: Decreto-lei nº.1.190, de 4 de abril de 1939. Tabela elaborada pelo autor.

O curso de Ciências Sociais iniciou suas atividades com um total de trinta alunos e

parte da turma provinha da UDF. Alguns estudantes trabalhavam e tinham idade bem acima da

média dos jovens oriundos de famílias abastadas, que também começavam sua formação

universitária. Aqueles que testemunharam sua abertura em 1939 não poderiam prever que o ato

desencadeasse uma prática de ensino e formação, cuja regularidade se impôs até o dia de hoje,

com Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

(IFCS) (VILLAS BÔAS, 1993).

Nos anos 1930 e 1940, este curso será herdeiro direto do legado da UDF no que diz

respeito às disputas internas. Exemplo disto é que a Igreja Católica e o Ministério da Educação

se unem para a montagem do curso e do quadro docente da FNFi. Convidado para dirigir a

FNFi – de modo a dar prosseguimento ao trabalho iniciado na UDF - Alceu condiciona sua

aceitação a não incorporação dos profissionais da extinta universidade. Como isto não pode ser

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atendido integralmente, em 23 de dezembro de 1941, assume como reitor Francisco Clementino

San Tiago Dantas, por indicação do ministro Capanema, mantendo a hegemonia católica.

A montagem do quadro docente não foi pacífica: os primeiros problemas surgem já

seleção e chegada de professores estrangeiros - contratados para iniciar o departamento de

Ciências Sociais - que provocaram a reação dos que aqui se julgavam capacitados a assumir as

cátedras, o que obrigou o próprio ministro Capanema a argumentar e justificar esta presença,

vista como uma intrusão.

Este problema inicial foi revelador do que estaria por vir, envolvendo problemas

como conciliar múltiplos pretendentes as cátedras, agregar professores que já ocupavam as

cadeiras da UDF; além da tarefa árdua harmonizar candidatos nacionais e estrangeiros a partir

do problemático contato inicial. As confluências de critérios múltiplos, nem todos de cunho

acadêmico, no momento de fundação da FNFi, inclusive pela ingerência do presidente da

república e do ministro da educação, certamente deixaram marcas na vida de uma instituição

que pretendia ter autonomia que sua antecessora alcançou apenas por um breve período.

O complexo processo através do qual um profissional era indicado professor

catedrático ou auxiliar sofria influências múltiplas de dentro e de fora da universidade. A

carreira também seguia as mais diferentes trilhas, que se definiam pela presença ou ausência de

obstáculos de ordem diversa, como catedráticos interinos que permaneciam como tal até a

aposentadoria e a não realização de concursos. Este processo de constituição confuso, causou

problemas e perseguição aos aspirantes as cadeiras na universidade, a fez também perder

quadros para instituições nascentes de pesquisa do estado (OLIVEIRA, 1995).

Nos anos 1930, portanto, nos parece que a universidade não foi no Rio de Janeiro

locus de debate acadêmico, já que não foi criada a partir dela uma cultura organizacional capaz

de fazê-la conviver com o acirramento das lutas políticas. A vida intelectual de fato se

concentrou em institutos de pesquisa como o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)

e o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) que podem ser tomados como espaços

de debate político-ideológico, mas não como instituições acadêmicas ou universitárias que

objetivavam o ensino ou a pesquisa na área das Ciências Sociais. Os institutos de pesquisa se

tornaram alternativa frente aos problemas que a universidade vivia, já que possuíram recursos

da UNESCO e Fundação Ford, por exemplo.

Esta rápida visão da montagem inicial da FNFi nos alerta sobre a complexa relação

entre instâncias políticas e a organização de uma faculdade de Filosofia que pretendia ser o

padrão das demais no Brasil. Porém, a parca autonomia didática e administrativa, a ausência de

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critérios explícitos ou mesmo a não obediência aos implícitos por ocasião de formação de

quadros novos levaram de fato à ausência de uma carreira universitária nas Ciências Sociais do

Rio de Janeiro e, principalmente, a falta de um espaço social onde deveria acontecer a vida

acadêmica. Não houve, nos anos 1930 e início dos 1940, a construção de um espaço intelectual

universitário onde quadros de referência do conhecimento sociológico fossem relacionados,

aprendidos e transmitidos (OLIVEIRA, 1995).

3.6. As Ciências Sociais em São Paulo: A Universidade de São Paulo e a busca pela

sociologia científica

A criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) foi fundamental no

contexto uspiano, já que representava os valores dos fundadores da mesma, nos quais a

instituição deveria conter todas as virtudes que eram atribuídas à universidade como o lugar do

refúgio do espírito crítico e objetivo, promoção da ciência e da cultura livre. Ela era entendida

como o local onde seriam formados os novos quadros de dirigentes capazes de ultrapassar a

visão profissional e técnica restrita que caracterizava os cursos superiores dominantes até então

(HEY E CATANI, 2006). O curso de Ciências Sociais, será criado neste contexto, a partir com

a seguinte grade curricular:

Tabela 10: Currículo do Curso de Ciências Sociais e Políticas da USP 1º ano História da Civilização, Sociologia Geral Psicologia Social, Antropologia Social;

2º ano História da Civilização Brasileira (interpretação econômica), Sociologia Política, Economia

Política;

3º ano Estatística Econômica História das Doutrinas Econômicas, Direito Político.

Fonte: Decreto nº 6.283 de 25 de janeiro de 1934. Tabela elaborada pelo autor.

As Ciências Sociais no Brasil foram marcadas, até a década de 1930, por uma

carência de quadros formados cientificamente para atuação na área. Desta forma, uma das

maneiras encontradas pelos criadores da USP para realizarem a contento este projeto ideológico

e político foi o mesmo da UDF/FNFi: recorrer a contratação de professores estrangeiros para

as primeiras cadeiras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Razões de ordem política,

ideológica e científica podem ser apontadas neste movimento:

Parte-se implicitamente do princípio de que o Brasil, tendo entrado tarde para o

conjunto das nações de civilização ocidental, entre as quais floresceram as ciências,

se vira impedido de desenvolver proposições cientificamente válidas, a não ser

quando ensinadas por mestres vindos do exterior; dessa forma, antes da organização

do ensino sistemático na área do conhecimento que se chamou das ciências humanas

e sociais, nenhuma contribuição nacional teria sido efetivamente válida. Os cientistas

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estrangeiros, isso sim, haviam trazido consigo conhecimentos de valor e práticas

inovadoras, que transmitiam aos nacionais, capacitando-os a analisar os dados do real

para diagnosticar com mais acerto processos sociais em curso e talvez, aventar alguma

solução possível a problemas intrincados (QUEIROZ, 1996, p. 229-230).

De acordo com o anuário de 1934-1935, para a composição do corpo docente da

FFCL entendeu-se que seria preciso buscar professores estrangeiros, além dos nacionais.

“Contratados pelo Governo de São Paulo, vieram ocupar as suas cátedras eminentes professores

nacionais e estrangeiros, aos quais coube a tarefa de dar vida à recém-criada Faculdade” (USP,

1937). Com efeito, professores estrangeiros constituíram a maior parte do corpo docente da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) durante os primeiros anos da USP”

(PETITJEAN, 1996).

Os especialistas estrangeiros (Emílio Willems, Donald Pierson, Roger Bastide,

Horace Davis, T. Lynn Smith, Claude Lévi-Strauss, Paul Arbouse-Bastide, entre outros) foram

contratados para ajudar na tarefa de introduzir a investigação de campo e fazer a disciplina

caminhar na direção dos padrões e ideais do trabalho científico. Em outras palavras, o alcance

de um status de disciplina científica envolveria a transformação da análise histórico-sociológica

em investigação positiva e a introdução da pesquisa de campo como recurso sistemático de

trabalho.

A busca por conhecimento especializado envolveu uma crítica àqueles que até

então se dedicavam a pensar e a escrever sobre as coisas brasileiras. Atacava-se o antigo,

literato, jurista, pensador, ensaísta, oriundo de família abonada, que podia se dedicar as

atividades do pensamento de forma diletante (OLIVEIRA, 1995). Com efeito, os cientistas

estrangeiros gozavam de uma posição específica no campo científico nacional, foi a eles

creditado um capital científico superior aos da maior parte dos professores nacionais, que no

geral se caracterizam pelo autodidatismo e pela formação apenas secundária. Os estrangeiros

seriam, neste contexto, mais preparados, pois estudaram e se formaram em escolas superiores.

Eles eram capacitados a realizar um ensino satisfatório, mas principalmente, a orientar e formar

uma elite intelectual brasileira por meio do desenvolvimento de pesquisas “desinteressadas”.

Embora, não tenha funcionado exatamente como uma máquina bem azeitada100, o

sistema se completaria com a absorção destes conhecimentos e métodos pelos professores

100 Irene Cardoso (1982, p. 183) fornece explicação abrangente a respeito. A partir de entrevista com Roger Bastide

constatou que havia um clima hostil à missão francesa por parte dos católicos, “que julgavam os professores

franceses de esquerda; por parte das escolas profissionais, que achavam que o Brasil não precisava de humanismo,

mas de técnicos para o seu progresso econômico; por parte dos integralistas, que defendiam um nacionalismo de

direita e julgavam dispensável a presença de professores franceses na Faculdade. Conforme entrevista com Cruz

Costa, o jornal A Gazeta teria combatido intensamente a Universidade, especialmente a vinda dos professores

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assistentes brasileiros, encarregados de propagá-los e de no futuro substituir seus mestres nas

cátedras das universidades.

Desta forma, o projeto liberal de “regeneração política” nacional da Comunhão

Paulista estaria alicerçado e seria progressivamente implantado pelas mãos dos jovens

licenciados, pesquisadores e professores formados pela filosofia e pelo conhecimento

difundidos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Os professores franceses foram

peça chave para que os projetos de universidade e de nação criados pelos fundadores da USP

entrem em funcionamento e se disseminem nos campos científico e político brasileiros.

Lembremos que a USP – ao contrário da UDF que estava no centro do governo

federal e em conflito com ele, a partir do embate de Anísio Teixeira e a Igreja Católica101 -

estava no centro do poder econômico e social, tendo seu nascedouro na elite paulista. A

universidade pôde aí encontrar situação fértil para consolidar-se e desenvolver-se e como

destaca Miceli (1987), “logo enveredou por um processo acelerado de profissionalização, e, por

conseguinte, dando margem a constituição de uma cultura acadêmica como substituto

envolvente de uma ideologia meramente corporativa ou profissional” MICELI (1987, p. 8)

No campo profissional, o cenário para os primeiros formados pela universidade era

incerto, somente a partir de 1943 surgiram oportunidades para os licenciados, com a abertura

de concursos para a já crescente rede de ensino secundário oficial paulista. Não parece

exagerado afirmar que a retribuição da ofertada pela FFCL foi, nos seus primeiros anos, para

muitos estudantes, de caráter simbólico.

No entanto, os intelectuais formados, que se tornaram diretamente vinculados à

FFCL, representam ao mesmo tempo a força e a fraqueza do projeto original. A força reside no

fato de serem especialistas em vários ramos da cultura, preparados na própria instituição e que

se encontravam no momento trabalhando para o desenvolvimento da ciência como docentes e

investigadores; a fraqueza é apontada pois se “sucedeu em São Paulo uma colisão entre o

‘projeto iluminista’ das elites locais e a irresistível profissionalização de setores médios em

ascensão social” (MICELI, 1987, p.10).

franceses para a Faculdade. A reação das faculdades profissionais da própria Universidade expressava a luta

interna que foi travada para a implantação da FFCL, expressa nos debates do Conselho Universitário, contra a

ideia da integração naquela Faculdade de todas as cadeiras de conteúdo não profissionalizante da Universidade. 101 “Semelhante à USP na concepção, a UDF não dispunha, contudo, da mesma rede social de apoio. A instituição

paulista foi percebida, pelas elites locais, como parte de um projeto de redenção política através da afirmação da

hegemonia cultural paulista. E, como tal, legitimou-se e pode ficar relativamente ao abrigo de tempestades

políticas”. (ALMEIDA, 1987, p. 140)

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Neste sentido, apesar da abertura nas escolhas intelectuais, a preocupação em

construir uma reflexão pautada pelos cânones científicos isolou esses professores dos

problemas candentes do Brasil. Houve conflito entre o modelo francês de aprendizado, sem

muita conexão com a realidade e a necessidade de se olhar a realidade brasileira, os problemas

conceituais e acadêmicos importavam muito mais que um projeto de nação. As grandes

questões dos anos 1930 em relação a composição de um ideário nacional através da educação

parecem ter encontrado um ponto de limite/estrangulamento na FFCL, embora as contradições

e estudos conceituais abrissem caminhos metodológicos a partir do crescimento dos

profissionais qualificados e atualizados.

Sendo assim, Limongi (1989) esclarece que, embora os mentores da FFCL a

imaginassem como o destino natural das elites de São Paulo, a faculdade rapidamente assumiria

feições diferentes destas. Os alunos que se encaminhavam para a FFCL e para as faculdades

profissionais já existentes, tinham perfis sociais claramente distintos. Para estas últimas,

encaminhavam se os filhos das elites, os possuidores de diplomas secundários obtidos nas

melhores escolas, aqueles que saíam diretamente do secundário para a faculdade, alunos desse

segundo tipo eram raros na FFCL.

Se o objetivo era se constituir em uma alternativa às escolas existentes para formar

“elites”, se, portanto, pretendia “concorrer” com estas, os anos iniciais da FFCL acumulam

sinais do fracasso destas pretensões. Os filhos da elite continuaram a se encaminhar para as

mesmas faculdades que seus pais e estas continuaram a ser responsáveis pela formação das

‘elites’102 (LIMONGI, 1989).

3.7. A Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) e a formação dos sociólogos

profissionais

Na mesma conjuntura em que foram criadas USP, UDF e UB, nasce também em

São Paulo, em 1933, a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP). Concebida

como escola isolada, essa instituição teve por objetivo contribuir para a formação de uma elite

102 Fruto destas contradições é a figura de Florestan Fernandes, que é em si mesmo um ponto de encontro de duas

tradições sociológicas brasileiras: uma acadêmica que seguia os preceitos científicos e um tipo de formação voltada

para empiria; e a tradição “engajada” ligada a investigação e enfrentamento das grandes questões nacionais, uma

“sociologia ativa”. Além disso, não era herdeiro direto da elite paulistana, ganhando espaço, força e tamanho na

própria academia com os acostumados acerca do discurso acadêmico. Florestan assentou no Brasil, as bases da

Sociologia acadêmica ao impor novos padrões de feitura das obras e transmiti-los aos seus discípulos, rompendo

os modelos do passado. O que vai causar, nos anos 1950, debates com os sociólogos até então estabelecidos, como

Gilberto Freyre e Guerreiro Ramos.

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numerosa, instruída segundo a moderna ciência e com capacidade de compreender antes de

agir, o meio social em que vivemos (ELSP, 1933).

A criação da Escola está situada historicamente também nos conflitos oriundos da

ascensão varguista, contribuindo para a articulação de um grupo de jovens ligados aos

movimentos renovadores dos anos 1920 no do Partido Republicano Paulista para estimular a

música e as artes plásticas pela concessão de bolsas de estudo na Europa a jovens artistas

nacionais (BERLINCK, 1973).

Como veremos, a escola terá como norte primordial a formação de cientistas

sociais, além da Sociologia e a Antropologia como disciplinas norteadoras de seu currículo. No

entanto, se diferenciará da experiência da UDF e da USP, criando sentido próprio para

disciplina e para atuação do cientista social/sociólogo no Brasil. Tendo como base seu

documento de fundação, vemos que já está presente a demarcação da ELSP como formadora

da elite paulista, o que desemboca na formação acadêmica oferecida. A necessidade de formar

elites está acima da necessidade de formar profissionais para educação básica, por exemplo.

Para seus signatários, a história registra “grandes civilizações construídas sem base

na instrução popular. Mas não há exemplo de civilização alguma que não tivesse por alicerce

elites intelectuais sábia e poderosamente constituídas” (ELSP, 1933). Estas elites também

deveriam ser formadas para a ação política e social, ou seja, a escola seria uma tentativa de

formar profissionais para o corpo dirigente da sociedade, seja à frente dos empreendimentos

privados, e sobretudo, para a atuação na área pública103. O próprio conceito de atuação nos diz

bastante sobre a ELSP, a ideia não eraatuar dentro da esfera pública de forma passiva, mas sim

pensar e atuar em intervenções práticas na vida social.

A atenção à questão social colocava-se assim no centro da inovação representada

pela ELSP. Concebida como escola que unia a compreensão científica mais atualizada possível

aos requisitos da intervenção nos problemas investigados, a ELSP deveria cumprir uma função

ainda ausente no nosso aparelho educacional, qual seja a de formar governantes e

administradores públicos de nível superior. (ELSP, 1933).

A missão de qualificar os futuros governantes associava-se ao tratamento científico

da questão social. Estas duas orientações – qualificar os futuros “homens de governo” e o

tratamento científico da questão social – indicam a identidade da ELSP no momento de sua

criação. Por um lado, a atenção à esfera pública, ao Estado, por outro, a questão da

103 O mesmo Manifesto prega que a nova escola ofereça àqueles que a frequentem “[...] preparo indispensável para

eficiente atuação na vida social” (ELSP, 1933).

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industrialização tomada por um prisma que contempla muito mais do que a simples expansão

desse setor, mas privilegia o tratamento da questão social através da resolução dos

desequilíbrios gerados nesse processo104 (DEL VECCHIO, 2009).

Na prática, a ELSP se dedicou menos para as preocupações teóricas e conceituais

num primeiro momento, e muito mais para a compreensão das transformações por que passava

o país. Se a questão fora o Brasil, ou a sociedade brasileira, para além de formar quadros para

nessa realidade atuar, a ideia dos dirigentes da ELSP foi pensar e tornar a Sociologia a disciplina

científica mais competente para gerar o conhecimento necessário que fizesse jus a tais

pretensões, cabia definir a maneira pela qual a ciência social seria praticada de desenvolvida na

instituição (DEL VECCHIO, 2009).

Em “Rumo à Verdade”, título que deu ao seu discurso quando da inauguração da

ELSP, Simonsen afirmou sua afinidade com a obra de Le Play, pois em seu entendimento, esse

autor seria o pioneiro da sociologia aplicada, dirigida especificamente para a solução de uma

questão concreta, adequada, portanto, a seu entendimento sobre as ciências sociais

(SIMONSEN, 1933).

Temos, portanto, uma declaração de afinidade com determinada modalidade de

Sociologia, que busca intervir diretamente na realidade estudada, no sentido de apresentar

soluções aplicáveis à resolução dos problemas de que trata. Em seu pronunciamento, Simonsen

(1933) conclui que “uma escola como a que imaginamos, visa promover e sistematizar no Brasil

o estudo da sociologia nacional, em harmonia com pesquisas orientadoras das instituições

políticas, jurídicas e econômicas mais adequadas ao nosso meio e à nossa raça” (SIMONSEN,

1933).

Esta Sociologia deveria, segundo ele, evitar o “didatismo” e, ao mesmo tempo, não

recair nas infindáveis contendas “dialéticas”. Interessante notar como se materializa a crítica

aos dois modelos que vimos acima, tanto do diletantismo dos primeiros sociólogos da era “pré-

científica”, quando das discussões infindáveis na universidade “científica”. Portanto, podemos

dizer, que uma fuga deliberada, em termos do sociológicos, do que fora produzido aqui e dos

padrões europeus, notadamente da escola francesa105 (DEL VECCHIO; DIÉGUEZ, 2008). Em

104 A tentativa da escola era pensar em conjunto questões de Estado e de desenvolvimento, ao esboçar crítica à

“escola econômica liberal que “procurou sempre separar as funções de governo dos problemas econômicos;

entretanto já verificamos hoje a crescente reação, clamando pela intervenção do Estado nessa matéria”.

(SIMONSEN, 1933). 105 Isto se reflete, inclusive, nas primeiras pesquisas feitas na ELSP. Buscou-se de primeira, temas pungentes na

realidade social, o que se materializou na pesquisa sobre o padrão de vida dos trabalhadores urbanos de São Paulo,

dirigida pelo professor Horace Brancoft Davis, e noutra posterior, iniciada em 1936 e dirigida pelo também

professor da Escola, Samuel Lowrie.

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outras palavras, buscava-se uma sociologia brasileira e aplicada à resolução de questões

concretas do desenvolvimento nacional.

Este movimento levou a conformação de práticas pedagógicas que apontavam para

um claro perfil do graduado, e, posteriormente, pós-graduado, com pesquisas acerca de temas

e método determinados. A própria forma institucional da ELSP se adequava aos objetivos

anunciados, já que está dentro do debate sobre ensino superior no Brasil, no entanto, seus

fundadores investem numa “escola livre”106, que, como expressa o seu manifesto de fundação,

que se propunha um centro de cultura político-social que não teria vínculo com a universidade.

Essa denominação como escola livre, se deve também ao seu direcionamento

pedagógico e ideológico. Embora Simonsen (1933) não tenha declarado predileção ou afiliação

a qualquer escola sociológica e a nenhum autor específico, sua exposição revela apreço pelo

debate científico com peso óbvio do campo sociológico. No entanto, o debate que resulta do

confronto e/ou sobreposição de determinadas correntes sobre outras teria para ele menor

importância, sua visão da ciência era cumulativa, de tal modo que as novas contribuições se

somavam às anteriores e, ao mesmo tempo, as superavam, mas não as anulavam ou tornavam

seu aprendizado desprezível.

Esta linha de atuação é determinante para não implementação da Sociologia

europeia na ELSP. Em rápida investigação acerca da produção dos sociólogos europeus,

Simonsen reconheceu que suas obras desenvolveram a disciplina a partir de seu aspecto

objetivo e pelo diálogo com outros campos das ciências humanas como a psicologia, a história

e a filosofia. Esse caráter interdisciplinar fugia em grande parte ao campo da Sociologia

aplicada que havia sido delineado para a escola livre; o modelo buscado e que mais se adequava,

portanto, foi o norte americano – oposto ao movimento realizado por USP e UDF.

Simonsen era entusiasta da maneira pela qual os norte-americanos resolviam os

problemas do desenvolvimento (SIMONSEN, 1933), concentrava-se na admiração acerca da

experiência de construção do capitalismo industrial e estendeu-se à esfera do conhecimento e

da ciência daquele país. Para ele, o mérito até então inigualável da Sociologia norte-americana

seria a construção de um conjunto de pesquisas onde predominava o “estudo mais objetivo e

comparativo dos fenômenos do grupo social, tornando ao mesmo tempo salientes os fatos da

106 Cabe ressaltar que, mesmo sendo entes privados, as escolas livres, ao modo dos estabelecimentos similares

mantidos pelo poder público, estavam sujeitas à “inspeção do Governo Federal, que para esse fim nomeará

delegados que tenham o grau de doutor ou bacharel pelos estabelecimentos que devam fiscalizar ou por outros

aqueles equiparados”. (BRASIL, 1892).

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psicologia social” (SIMONSEN, 1933); esta objetividade seria condição necessária para a

transposição das conclusões e descobertas da ciência social para a prática de reforma social.

A busca por um modelo que privilegiasse os critérios acima, aponta diretamente

para a Sociologia norte-americana, já que a disciplina ganha status científico e lugar na

universidade naquele país para também pensar formas de resolver objetivamente seus

problemas sociais, oriundos dos conflitos entre o norte e o sul do país.

Como destaca Del Vecchio (2009), essa adoção do modelo americano mostrava-se

inadequada se transposto sem críticas à realidade brasileira, já que a sociedade norte-americana

dos anos 1930 não só era bastante diferente, como a reprodução de seu processo de

desenvolvimento só poderia servir de modelo para empreendedores brasileiros de origem

abastada, tais como Simonsen, um admirador confesso do capitalismo ianque.

Ao adicionarmos a influência americana nos anos 1930107, podemos asseverar que

a Sociologia brasileira constrói seu sentido a partir da combinação/contato de múltiplas

referências e modelos. Levando em conta que o processo de constituição da disciplina científica

obedece a esse percurso histórico singular, não podemos dizer o mesmo sobre as questões com

que se defronta e para as quais deve apresentar soluções de natureza diferente. Como vimos,

desde o fim do Império, a Sociologia no Brasil assumiu (ou foi assumida) como a ciência que

ajudaria a construir e unificar a nação, de modo racional. Como destaca, Glaucia Villas Bôas:

Quando a Sociologia surge no Brasil como disciplina acadêmico-científica, não

indaga o fundamento da associação entre os homens, à maneira dos franceses, nem a

possibilidade teórica e metodológica de conhecer a sociedade, à maneira dos alemães.

Tampouco a ela interessam as reformas sociais ou a integração de grupos de diferentes

origens étnicas, a exemplo dos sociólogos norte-americanos que fundaram o

Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago. A pergunta que funda a

disciplina já estava inscrita na tradição sobre o Brasil e dizia respeito à identidade da

sociedade brasileira. Interessava investigar os problemas concretos do país,

principalmente conhecer suas peculiaridades e para saber de suas possibilidades de

integrar-se ao concerto das nações modernas (VILLAS BÔAS, 1997, p. 74).

Este processo, portanto, não se deu como nos países centrais, onde a ciência

preocupava em estudar a sociedade industrial e como setores ou grupos se adaptam a ela. Seu

objetivo em solo brasileiro se conectou, até a década de 1930 a construção do tecido social para

a afirmação da nação. A ELSP, desse modo, aparece como elemento a bagunçar essa estrutura,

107 Como demarcamos, nos anos 1930, a posição ocupada pelo Departamento de Sociologia de Chicago era de

liderança e hegemonia incontrastáveis no meio acadêmico americano. Os famosos estudos de ecologia humana,

que tiveram por origem a pesquisa e intervenção em situações de inadaptação social na Chicago das três primeiras

décadas do século passado projetavam os sociólogos de Chicago em escala mundial, influenciando em terras

brasileiras, não só a ELSP, como também Gilberto Freyre (VIANNA, 2007).

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já que questiona, mesmo que de forma não intencionada, a disciplina como elemento de

edificação da nação, a partir da reivindicação de uma constituição dela mesma como ciência,

recorrendo à investigação e à intervenção frente aos problemas nacionais. Em suma, os

problemas brasileiros levam a Sociologia a percorrer um caminho diferente daqueles trilhados

pelas sociologias estrangeiras, porém, com o auxílio de mestres fundadores oriundos desses

países.

Deste modo, se explicam as razões que levaram os primeiros mestres estrangeiros,

os norte-americanos Horace Davis e Samuel Lowrie, a aportarem em terras paulistanas em 1934

para lecionar na ELSP. Estes professores, além de Sérgio Milliet e Bruno Rudolfer, exerciam,

em mais de um posto, essa militância pela institucionalização das ciências humanas que se

operava de forma intensa na São Paulo dos anos 1930108.

Esses cientistas participavam, não só da construção de um complexo aparato de

produção e difusão das “humanidades”, mas também da empreitada de desenvolvimento de

uma modalidade de Sociologia até então não praticada no país, fundada em métodos e técnicas

que incorporavam o tratamento quantitativo e que apontava para a resolução prática dos

problemas estudados. Nesse contexto, a formação dos profissionais da área de ciências humanas

e, em especial, das ciências sociais, ocorria no ambiente formado por um complexo de

instituições às quais os pesquisadores vinculavam-se de modo cumulativo.

Neste primeiro momento, a ELSP concentrava-se na pesquisa predominantemente

empírica e voltada para a proposição de ações que superassem problemas claramente

delimitados no sentido de proporcionar maior desenvolvimento social. A atuação dos mestres

estrangeiros e a formação dos novos cientistas ocorriam em projetos e pesquisas que

informavam intervenções, mormente públicas, e que articulavam estreitamente a ELSP e a

Subdivisão de Documentação Social e Estatísticas Municipais, de forma a torná-las em algum

nível conectadas. O ensino e a prática da Sociologia Aplicada estavam relacionados tanto ao

campo das atividades didáticas e ao efetivo exercício da profissão.

Esta primeira dupla de sociólogos americanos na ELSP terá peso e atuação

diferente. Enquanto Davies teve curta estadia no país, retornando aos Estados Unidos logo após

a conclusão do inquérito sobre condições de vida dos operários paulistanos. Lowrie, por outro

lado, permanece até 1939, recrutando docentes e pesquisadores já treinados nas investigações

108 Além de serem da primeira equipe de professores contratados pela ELSP, integravam os quadros da Subdivisão

de Documentação Social e Estatísticas Municipais do Departamento de Cultura desde a sua implantação, em 1935.

Além deles, alunos da ELSP ali atuavam como pesquisadores permanentes, integrantes do grupo de investigação

sobre o padrão de vida dos trabalhadores na Limpeza Pública.

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da escola. Lowrie é quem convida Donald Pierson, para que este atue como professor na ELSP

e o substituísse não só nas atividades docentes, mas também para que se constituísse na nova

liderança intelectual da Escola, processo que investigaremos adiante.

3.7.1. Donald Pierson: ELSP, consolidação da Sociologia aplicada e científica e a criação

da pós-graduação.

O convite a Pierson, para integrar a ELSP veio em 1939, ele já estivera no Brasil

anteriormente, entre 1935 e 1937, quando realizou levantamentos para sua tese de doutorado

junto à população negra da Bahia, sob a orientação de Robert Park na escola de Chicago.

Naquele momento atuava também como docente na Universidade de Fisk, Tennessee.

Lowrie e Pierson trocaram correspondências entre abril e agosto de 1939 para

acertar sua vinda, tanto que Berlinck, então diretor da ELSP, informa que havia “contatado por

intermédio do referido Dr. Lowrie, um novo professor, o Dr. Donald Pierson, já conhecido no

Brasil, onde realizara pesquisa sobre a população afro-brasileira da Bahia, e falava bem o

português” (BERLINCK, 1973). Pierson terá papel determinante na ELSP, como destaca

Limongi, sobre o profissional que trouxe:

Novos rumos ao “projeto”, dotando-o de uma base acadêmica de que não dispunha.

Isto é, a formação e o conhecimento produzidos pela Escola passam a se inscrever no

interior do mundo acadêmico e deixam de se referir ao Estado. A preocupação em

formar elites técnicas cede lugar à insistência em treinar e formar sociólogos

profissionais. A necessidade e essencialidade da pesquisa empírica são mantidas. O

intervencionismo e aplicação postergados. E é por estruturar seu apelo neste campo

que o “projeto” de Pierson foi capaz de obter sucesso nos meios acadêmicos em

formação. (LIMONGI, 2001, p.263).

Diante do relatado acima, podemos dizer que Pierson se diferenciou dos sociólogos

que haviam chegado ao Brasil anos antes: enquanto os profissionais que vieram anteriormente

focaram sua atuação na docência e em métodos de pesquisa já consolidados externamente,

Pierson, a partir de seus métodos de trabalho representou a transformação da análise histórico-

sociológica em investigação positiva e a introdução da pesquisa de campo controlada como

recurso sistemático de trabalho, inaugurando uma nova tradição na Sociologia nacional com

um renovado padrão de cientificidade. Tradição esta que estava em confronto com o que fora

sociologicamente produzido antes dela, e passou a considerar atrasado o pensamento social até

então produzido.

Esta consideração aparece consolidada na uma bibliografia comentada sobre a

Sociologia no Brasil, redigida por Pierson, que compõe o capítulo “Sociologia” do Manual

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Bibliográfico de Estudos Brasileiros publicado em 1949, sob a direção de Rubens Borba de

Moraes e William Berrien. Segundo Pierson, duas conclusões contraditórias e inexatas marcam

os trabalhos que fazem um inventário das obras sociológicas escritas no Brasil: a primeira é de

que essas obras existem em profusão, e a segunda, de que elas são virtualmente inexistentes

(PIERSON, 1945).

Circunstâncias especiais explicaram tal desencontro. Uma delas seria o fato de o

“material sociológico” estar disperso em diferentes obras sob títulos que ocultam seu conteúdo:

obras de História, Geografia, Economia, Ciência Política e Etnologia, o que demonstra a falta

de especialização no campo das Ciências Sociais, ou seja, que a Sociologia no Brasil se acha

em sua infância. Soma-se a isso, a falta de bibliotecas e de compreensão dos responsáveis por

arquivos públicos dificulta o trabalho dos pesquisadores. Notamos como a visão de Pierson e

Simonsen converge no que diz respeito a pouca especialização do sociólogo no Brasil e a

interdisciplinaridade, que seria maléfica à disciplina.

Pierson realizará este movimento na ELSP, procurando marcar a especificidade da

Sociologia através da reafirmação de sua identidade em contraste com as fronteiras

disciplinares, tentando definir de forma mais aguçada do que verificado até então, o objeto

científico da Sociologia.

Neste empreendimento, a influência da Escola de Chicago será marcante,

principalmente no que ficou conhecido como campo da “Ecologia Humana”. Pierson partirá

para a tentativa de compreensão sociológica mais ampla possível da realidade brasileira em sua

densidade (WIRTH, 1967), realizando levantamentos sobre as características físicas da

população brasileira, os processos de povoamento, de amalgamação e de formação de novas

raças; a competição biótica; o imperialismo ecológico; a imigração europeia e asiática; a

importação de africanos; a utilização de terras, e a origem e os tipos de cidades (PIERSON,

1945).

Outro campo explorado por Pierson, também por influência de Chicago é da

organização social e o papel das instituições sociais como família, religião, a influência da

escravidão, das relações de raça, miscigenação, conflito e controle social, movimentos sociais,

acomodação, assimilação, aculturação, isolamento, comunicação, solidariedade, divisão do

trabalho, relações entre classes, status, papel da mulher e da criança, entre outros (PIERSON,

1945).

Como material para suas pesquisas Pierson utilizou, contraditoriamente, a produção

dos estudiosos brasileiros como Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Nina

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Rodrigues, Monteiro Lobato, Oliveira Viana e Gilberto Freyre. No entanto, faz questão de

diferenciar sua perspectiva de investigação daqueles sociólogos:

A sociologia ainda é em grande parte definida no Brasil conforme conceberam-na

Comte e Spencer, antes de sugerirem disciplinas especiais como a psicologia, a

economia e a ciência política e antes de ser desenvolvido por parte da sociologia

propriamente dita um caráter específico e limitado através dos trabalhos de Simmel,

Durkheim e Summer. Apenas pouco antes de encerrar-se o período ora sob survey é

que começou a ser conhecida no Brasil a mais ou menos recente verificação e

reformulação da teoria sociológica nos Estados Unidos (PIERSON, 1945, p. 794).

Pierson também critica a prevalência no Brasil dos autores frente à disciplina

sociológica. Isto representaria uma perspectiva atrasada, pré-científica, do tempo em que os

“grandes nomes” dominavam as disciplinas sociais. Em sua visão, deveriam ser privilegiados

os problemas, os conceitos e a metodologia que concentram o principal interesse.

Este movimento estará presente ao longo de sua passagem pelo Brasil e reverberará

no destaque aos estudos coletivos, de comunidade, nos quais, segundo sua perspectiva,

deveriam ser valorizados como metodologia o estudo de caso e a observação participante. Neste

sentido, considera a realidade como um dado a ser apreendido, novamente trazendo à baila a

característica fundante da ELSP de deslocamento dos problemas do grande campo da edificação

nacional, para a pesquisa cotidiana, investigação das questões sociais básicas - o treinamento

profissional dos novos sociólogos deveria passar amplamente por isso. O desenvolvimento da

Sociologia e a valorização do trabalho de campo com o momento privilegiado da formação

profissional começam a encontrar aceitação nos meios acadêmicos em constituição

(LIMONGI, 2001).

A formação profissional dos egressos da ELSP, como veremos, também é um

elemento que a diferencia no campo das ciências sociais. Devido a sua ligação intima com os

departamentos municipais paulistas e sua formação voltada para pesquisa, a instituição

contribuiu para formação e aperfeiçoamento dos servidores públicos, preparando especialistas

em atuação em áreas especificas, se distanciando do modelo uspiano na década de 1930, cujo

objetivo era formar professores para as escolas secundária especializados nas ciências básicas

com alta cultura geral.

No entanto, este comprometimento acadêmico com o campo da pesquisa e do

ensino acabaria por aproximar ELSP e USP, a partir da criação da seção de pós-graduação da

ELSP em 1941. A inovação institucional representada pela pós-graduação encontrou apoio da

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unidade científica em formação que buscava no aprimoramento próprio de sua especialização

os recursos para sua autoafirmação (LIMONGI, 2001).

3.7.2. Estudos de pós-graduação ELSP

Desde sua chegada a ELSP, Donald Pierson vinha se tornando um defensor da

Sociologia aplicada e científica, tentando repensar a aplicação das ciências sociais no Brasil, se

destaca nesse empreendimento os estudos de comunidade e a valorização da empiria como

método de análise. Na ELSP, Pierson organizou e dirigiu o Departamento de Sociologia e

Antropologia Social, instituindo um seminário extracurricular de Métodos e Técnicas de

Pesquisa, além de promover levantamentos referentes à alimentação e à habitação na cidade de

São Paulo com o objetivo de treinar alunos no uso de instrumental de pesquisa.

A década de 1940 foi especialmente frutífera já que atuou como docente,

orientador, editor da Revista Sociologia, tradutor, pesquisador, além representante de

instituições de fomento e financiamento à pesquisa, estrangeiros109. Para os objetivos desta tese,

consideramos, no entanto, um dos papeis mais notáveis que exerceu nessa década foi de

responsável pela criação - além de atuar docente orientador - do primeiro curso de pós-

graduação em Ciências Sociais no Brasil, em 1941, junto a Herbert Baldus e Emílio Willems,

a primeira Seção de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais do país.

O curso de pós-graduação representava a consolidação do projeto de Pierson para

a instituição, que em vários níveis o questionamento do projeto original da instituição, fundada

por médicos, engenheiros e intelectuais oriundos das elites políticas e econômicas de São Paulo.

O enfoque da escola torna-se o treinamento profissional e a produção de conhecimento referidos

ao mundo acadêmico (LIMONGI, 2001). Pierson conferiu peso à coleta de dados primários e à

imersão do pesquisador no campo, na esteira dos estudos que se desenvolveram em Chicago

sob a orientação de Robert Park e Ernest Burgess.

Formado em uma tradição disciplinar que valorizava a associação estreita entre

Sociologia e Antropologia Social, Pierson mostrava preferência por um modelo investigativo

109 Em 1945, tornou-se o responsável no Brasil pelo Programa do Instituto de Antropologia Social do Smithsonian

Institution, conseguindo atrair recursos para projetos de pesquisa. Realizou levantamentos prévios em cidades no

interior de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e, entre 1947 e 1948, sempre assistido por alunos, conduziu

um estudo de comunidade em Araçariguama, cujos resultados deram origem, em 1951, à publicação de Cruz das

Almas: A Brazilian Village (Pierson, 1951). No início dos anos 1950, coordenando diferentes equipes de

pesquisadores, Pierson promoveu amplo projeto de investigação em localidades distribuídas pelo Vale do São

Francisco.

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de cunho etnográfico sem aderir, contudo, a uma visão ingênua de objetividade segundo a qual

os fatos falariam por si mesmos. Buscando se afastar do empiricismo, o sociólogo sublinhava

a importância da teoria na observação da realidade aproximando-se da tradição antropológica

da pesquisa etnográfica (CAVALCANTI, 1999).

Na visão de Pierson, o “fact-finding”, isto é, o acúmulo de fatos avulsos sem

referência a um quadro teórico ou a hipóteses de pesquisa, constituía, tanto quanto a

especulação filosófica vazia, ameaça ao desenvolvimento do conhecimento sociológico

(PIERSON, 1945). Além de instituir a pesquisa, os sociólogos norte-americanos haviam

travado contato com a produção intelectual europeia, rompendo as fronteiras nacionais que

poderiam restringir o alcance de suas teorias. Pierson afirmava que este cosmopolitismo

intelectual era condição indispensável para a consolidação da sociologia enquanto ciência:

Quando o isolamento (cultural) desaparecer completamente em todos os países e for

possível uma comunicação livre e desembaraçada entre todos os sociólogos do

mundo, o desenvolvimento de um corpo comum de conhecimentos sociológicos será

questão de tempo relativamente curto (Pierson, 1945a, p.95).

Pierson observa que a falta de profissionais treinados em pesquisa, capazes de

trabalhar de forma conjunta e coordenada em torno de uma mesma linguagem conceitual, era,

em grande parte, responsável pelo estágio pré-científico da produção intelectual local. A

pesquisa sociológica no Brasil estava dominada em geral por médicos, engenheiros e advogados

de formação que se limitavam a compor textos a partir da combinação de pontos de vista e

teorias heterogêneas e da livre manipulação de ideias sem o respaldo da empiria. O esforço da

escola também passar por criar uma cultura institucional e profissional de pós-graduação e:

Nos princípios de 1941, o diretor Cyro Berlink, da então “livre” Escola de Sociologia

e Política de São Paulo, gentilmente acedendo ao meu pedido, deu-me permissão para

organizar aulas pós-graduadas, no “Departamento de Sociologia e Antropologia” que,

ao convite dele, eu estava organizando naquele ano. O interesse nisso veio da minha

observação que estava faltando tempo para nossos alunos, enquanto frequentaram o

curso sub-graduado, receberem instrução quanto a uma grande parte do acervo de

ciência social já desenvolvido, naquele tempo. [...] Nestes primeiros meses de uma

inciativa “pioneira” no nosso querido Brasil, esforçamos para explicar aos alunos, à

administração da Escola, e à alguns professores para as quais era o novo

empreendimento, as características e o valor deste tipo de ensino. [...] Assim, nestes

primeiros anos, as aulas pós-graduadas tinham aumentadas em número até o ponto

onde nos foi concedido permissão para organizar, uma “Divisão de Estudos Pós-

graduados” que, depois, dirigi durante vários anos até eu ter de deixar o Brasil, por

razões de saúde (PIERSON, 1946, p. 1-2).

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Este movimento foi interpretado por ele como uma redução eclética e sem método

da pesquisa se passava por Sociologia, em um expediente característico das ciências sociais em

processo de institucionalização, cujos atores muitas vezes se valeram de ensaios sobre a

realidade social para designar as atividades intelectuais das quais buscavam se diferenciar

(BOTELHO, 2010). Neste contexto, nasce o curso de pós-graduação, para melhorar e

intensificar o processo de formação desses cientistas sociais, a partir do apoio as pesquisas

empíricas:

Logo depois de iniciar os trabalhos em São Paulo, observei que estava faltando a meus

alunos, enquanto frequentavam o curso de graduação, tempo para receberem instrução

sobre uma parte considerável do acervo em Ciência Social já desenvolvido naquele

tempo e disponível aos alunos, ao menos em outras línguas. Fiquei mui satisfeito,

então, quando o diretor Berlinck, gentilmente aprovando meu pedido a respeito, deu-

me permissão, no início de 1941, para oferecer algumas aulas pós-graduadas no

“Departamento de Sociologia e Antropologia”, que, com a permissão também dele,

eu já estava organizando naquele ano na Escola (PIERSON apud CORRÊA, 1987,

p.55)

O corpo docente da pós-graduação110 combinando professores especialistas em

diversas áreas das ciências humanas possibilitou uma formação interdisciplinar auxiliou

posteriormente na disseminação dos trabalhos dos alunos então formados, estavam nesta equipe

Sérgio Milliet, Noemy da Silveira Rudolfer, Cecília Castro da Silva, Pedro Egydio de Carvalho,

Mário Wagner Vieira da Cunha, Emílio Willems e Herbert Baldus.

Sendo este o primeiro curso de pós-graduação na área, nota-se um incremento nas

disciplinas já nos dois primeiros anos, além da quantidade de aulas com temas diversos, entre

estas destacam-se: “Os Tapirapé do Brasil” (Baldus); “O Estudo da Sociedade” (Pierson);

“Assimilação e Aculturação entre os Imigrantes Alemães no Brasil Meridional” (Willems) e

“O Negro no Brasil” (Pierson).

Além disso, juntou-se ao curso no segundo, o conhecido antropólogo inglês

Radcliffe-Brown111, da Universidade de Oxford, professor visitante da ELSP, que, a princípio,

deu aulas pós-graduadas sobre três matérias: “Princípios de Antropologia Social”,

“Organização Social” e “Desenvolvimento do Direito” e permanece até 1994; bem como,

durante um semestre, o sociólogo norte-americano, professor T. Lynn Smith, da Louisiana State

University, especialista em estudos rurais, em viagem de estudos no Brasil, que embora com

110 Análise do Programa do Curso, presente no Anexo 3: Princípios curriculares e organizativos do Primeiro Curso

de Pós-Graduação da ELSP. 111 Anexo 5: Carta de Donald Pierson a Radcliffe-Brown.

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mesa na embaixada norte-americana no Rio, veio periodicamente a São Paulo, a fim de orientar

a coleta de dados de seu interesse por alunos cursando o Seminário dele sobre “Pesquisas nas

Comunidades Rurais do Brasil”.

O curso se subdividia em 5 seções: 1) Sociologia e Antropologia, 2) Economia, que

constituem o cerne do curso, e três seções “oportunamente adicionadas” tais como 3) Política,

4) Psicologia, e 5) Estatística. Cada seção ministraria oito disciplinas, com duração de um

semestre cada uma, sendo livre a possibilidade de adição, no futuro, de outras. Na seção 1, as

disciplinas foram a) Origens e desenvolvimento da sociologia na Europa e américa, b) Origens

e desenvolvimento da Antropologia na Europa e américa, c) Estudos da sociedade, d) Raça e

Cultura, e) Personalidade, f) Seminário sobre Antropologia e Sociologia, g) Pesquisas no Brasil,

h) Índios na América do Sul. Cada seção teria um Decano e um subdecano para formulação e

aplicação de atividades formativas aos discentes. Produzimos

Sendo assim, na década de 1940 a divisão de pós-graduação foi tomando corpo,

novos professores e disciplinas se congregaram a ela possibilitando a formação de uma nova

geração de mestres em ciências sociais em uma instituição brasileira. Formam-se entre outros

Oracy Nogueira, Virgínia Leone Bicudo, Gioconda Mussolini, Florestan Fernandes e Fernando

Altenfelder Silva, Levy Cruz112. Interessante notar que a escola estabelece como objetivo da

divisão, o que se consolidou em maior ou menor grau na carreira de seus egressos113:

a. Dar ao aluno conhecimentos mais amplos e profundos sobre a natureza do homem

e a atuação dos processos sociais, preparando-o especialmente para realizar e difundir

pesquisas.

b. Levar efeito a investigações sobre problemas fundamentais, tanto teóricos como

práticos, da vida coletiva. (ELSP, 1941).

A partir da criação na ELSP, vemos um movimento já explorado frente a um novo

modelo de fazer Sociologia, que havia sido descrito como um modelo “profissionalizante” de

Sociologia. Esse movimento ganha novos contornos com a pós-graduação, isto porque apesar

da formação da ELSP na graduação primar por um padrão teórico e temático “moderna e

científica” voltado para prática, na pós-graduação e na formação que esta oferece passa a ser

sobretudo, acadêmico – inaugurando assim um novo sentido para disciplina, marcando sua

história.

112 Na década de 1950 ainda se formam David Maybury Lewis e Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo. 113 Anexo 6: Finalidades/Admissão de Alunos/Organização da Pós da ELSP.

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Como nos mostra, por exemplo o documento “RESPONSABILITIES OF THE

DEAN OF GRADUTE WORK”114, produzido por Pierson em 1943, em que o coordenador do

curso de pós define as responsabilidades dos alunos no curso: seu principal objetivo seria achar

com seu orientador um tema de tese, definição de seu seu problema, bibliografia e métodos.

Entre as obrigações da escola, estaria estimular o interesse dos alunos a continuar seus estudos

(PIERSON, 1943). Percebemos que, enquanto a UDF e a UB no Rio de Janeiro pouco

avançaram, seja no ensino ou pesquisa; e a USP, nos seus primeiros passos, avança na formação

para o magistério (pelo menos em intenção), a ELSP avança na formação acadêmica científica

especializada. Para obtenção do título de mestre ou doutor, o aluno teria que mostrar sua

“capacidade de fazer pesquisas”115. Notemos que os horizontes teóricos e expectativas em

relação à Sociologia que confluíam na direção que o Delgado de Carvalho tinha apontando no

Rio de Janeiro alguns anos antes, na construção de uma disciplina científica, de corpo trabalho

definido, que pudesse se afastar de análises e condutas normativas.

Em outras palavras, a geração formada pela ELSP criou uma nova mentalidade,

desenvolveu linhas de pesquisa que marcaram projetos e instituições posteriores. Este novo

modelo sociológico foi absorvido supondo que suas teorias eram científicas, o que significava

estarem libertas do tempo e do espaço em que foram elaboradas. Isto levou a alguns

“abandonos”, pensando os caminhos do ensino, sentidos e na história da própria disciplina no

Brasil, já que autores e análises foram deixadas de lado porque não atendiam a determinados

cânones acadêmicos, e passaram a não fazer parte da “tradição” sociológica.

Este debate só será retomado no final da década de 1960 e início da de 1970, a partir

da demarcação das diferenças entre as duas escolas realizada por Florestan Fernandes, que

demonstrará que ELSP e USP116 se diferenciaram pelo seus métodos de ensino, aprendizagem

e pesquisa baseados de um lado na empiria (apoiada em modelo indutivo) ou na teórica

(apoiada em modelo dedutivo) dos programas de pesquisa desenvolvidos por elas.

Por fim, podemos dizer que a Sociologia se desenvolve na universidade nos anos

1930/1940 a partir de caminhos tortuosos, mas de maneira geral, a disciplina percorre um

114 Anexo 6: Finalidades/Admissão de Alunos/Organização da Pós da ELSP. 115 Anexo 4: Princípios curriculares e organizativos do Primeiro Curso de Pós-Graduação da ELSP 116 As duas instituições distanciavam-se também politicamente: a ELSP representava, do ponto de vista dos

sociólogos formados na USP, um projeto político e acadêmico conservador. O que Florestan contrapõe, mostrando

o que ansiava a Sociologia uspiana: a compreensão de uma “sociologia do desenvolvimento” brasileiro,

sintonizada com o contexto intelectual e político do pós-guerra. Ou, como esta se consolidou, a partir do estudo

das “relações raciais”, temática a que Florestan seria conduzido por Roger Bastide na conhecida pesquisa

patrocinada pela Unesco, que ele e seus dois principais discípulos, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni,

dariam os primeiros passos concretos em direção ao projeto “Economia e sociedade no Brasil”, encampado pelo

grupo no início dos anos de 1960.

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caminho que a torna científica e acadêmica – o que ajuda a romper com seus ideais nacionalistas

e positivistas, mas a afasta da docência no secundário e de uma aproximação com as classes

populares e do debate público que anteriormente travava.

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V. CAPÍTULO 4: DESCOLAMENTO ENTRE AS SOCIOLOGIAS

ACADÊMICA E ESCOLAR: EM BUSCA DE RESPOSTAS

Ao longo dos últimos capítulos, contextualizamos e investigamos os rumos da

Sociologia em dois campos/instituições distintos de saber: a universidade e a escola. Vimos

que, neste processo, a referida disciplina formatou e adquiriu novos sentidos até sua saída

definitiva do ambiente escolar e ascendência no mundo acadêmico, com a criação dos primeiros

cursos acadêmicos – inclusive de pós-graduação - e realização das primeiras pesquisas. A partir

de 1942 e nas décadas seguintes (até os anos 2000 na legislação federal) a disciplina esteve fora

da escola.

Nosso objetivo neste capítulo é investigar quais as razões deste descolamento entre

as sociologias, ocorrido na década de 1940, já que a tendência verificada nesta década de

reorientação do saber sociológico se aprofunda no período imediatamente posterior. Para isto,

recorreremos, primeiramente ao debate sobre cientificidade e história das disciplinas escolares

para depois investigar os movimentos feitos pela Sociologia e seu descolamento da escola,

trazendo caminhos para entendimento do problema de pesquisa.

Definimos como descolamento das sociologias, como o processo no qual os

sentidos, práticas e orientação voltados ao espaço escolar da disciplina, tornaram-se sentidos,

práticas e orientação voltados a sociologia cientifica e ao espaço universitário. Pretendemos

analisar este processo através da constituição do discurso científico, das histórias das disciplinas

escolares e do currículo, do próprio debate interno do campo e, por fim, do insulamento

acadêmico da disciplina. Entre outras palavras, uma vez que a Sociologia se constituiu como

disciplina escolar, seu objetivo era ensinar/disciplinar quem? Para que? Onde? A partir da

inserção em quais diretrizes?

4.1. Currículo, cientificidade e história das disciplinas escolares e sua influência no

debate sobre as sociologias do Brasil nas décadas de 1930 e 1940

A História das Disciplinas Escolares é um dos campos da história da educação que

busca produzir conhecimento sobre a historicidade dos saberes que, em determinado momento,

constituem-se em disciplinas escolares e os modos como estas contribuem para a realização do

processo de escolarização nos diferentes tempos históricos e lugares nos quais são aprendidas

e ensinadas.

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Como podemos entender o processo de disciplinarização escolar? Esse conceito diz

respeito à presença, legitimidade e consolidação das disciplinas no espaço escolar. Como nos

alerta Chervel (1990), apesar de termos consolidada uma história do ensino escolar, o

detalhamento das disciplinas do ensino secundário e sua relação com dinâmicas externas a este

ainda carece de investigação nas diferentes políticas e ambientes escolares.

Segundo o autor, as disciplinas escolares têm sido vistas historicamente como

“aquilo que se ensina e ponto final” (CHERVEL, 1990), sendo importante questionar esse

paradigma para verificação precisa do processo de formulação dos conteúdos presentes no

interior dessas disciplinas. O autor destaca que após a primeira guerra mundial (1914-1918) as

disciplinas escolares passaram cada vez mais a serem vistas como algo próprio e restrito ao

ambiente escolar:

Logo após a primeira guerra mundial, enfim o termo “disciplina” vai perder a força

que o caracterizava até então. Torna-se uma simples e pura rubrica que classifica as

matérias de ensino, fora de qualquer referência às exigências da formação do espírito.

Basta dizer que o quanto é recente o termo que utilizamos atualmente: no máximo uns

sessenta anos. Mas, ainda que esteja enfraquecido na linguagem atual, ele não deixou

de conservar e trazer à língua um valor específico ao qual nós, queiramos ou não,

fazemos inevitavelmente apelo quando o empregamos. Com ele, os conteúdos de

ensino são concebidos como entidades sui generis, próprios da classe escolar,

independentes, em uma certa medida de toda realidade cultural exterior à escola, e

desfrutando de uma organização, de uma economia interna e de uma eficácia que elas

não parecem dever a nada além delas mesmas, quer dizer a sua própria história. Além

do mais não tem sido rompido o contato com o verbo disciplinar, o valor forte do

termo está sempre disponível. Uma “disciplina”, é igualmente, para nós, em qualquer

campo que se encontre, um modo de disciplinar o espírito, quer dizer de lhe dar os

métodos e as regras para abordar os diferentes domínios do pensamento (CHERVEL,

1990, p: 180).

Foi no final do século XIX e primeiros anos do XX, momento em que já se discutia

a renovação do ensino fundamental e médio, que a palavra disciplina adquiriu novo sentido.

Derivada do verbo “disciplinar”, passou a significar também “ginástica intelectual”, transitando

entre a perspectiva de inculcar conhecimentos e comportamentos nas crianças para a ideia de

disciplinar suas inteligências, desenvolvendo o julgamento, a razão, a faculdade de combinação

e invenção (CHERVEL, 1990).

No início do século XX, a noção de disciplina escolar já remetia às disciplinas, no

plural, vistas como matérias de ensino que favoreciam o exercício intelectual No ensino

secundário, contudo, a ideia de pluralidade de disciplinas não fez sentido até que o currículo

centrado nas humanidades (e quase estritamente nas línguas antigas) passasse a conviver com

um currículo científico (CHERVEL, 1990).

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Logo depois da Primeira Guerra Mundial, o termo “disciplinas escolares”, apesar

de enfraquecido, ainda preservou seu valor ao aludir aos conteúdos de ensino como uma

formação própria da escola e, de algum modo, independente da realidade cultural exterior

(CHERVEL, 1990). Percorrendo um trajeto que vai desde os termos ambíguos dos séculos

XVIII e XIX até o pós-guerra, o autor termina por identificar a palavra disciplina como uma

entidade própria da escola de forma que estudá-la e compreendê-la ajuda a estudar e

compreender a própria escola, mas sob um foco diferente: a escola por meio dos saberes que

ela transmite em cada época e em cada contexto117 (CHERVEL, 1990).

A história das disciplinas escolares, não viria apenas preencher uma lacuna: trata-

se de uma nova categoria historiográfica que precisa dar conta de três problemas: a gênese das

disciplinas (como a escola age para produzi-las); a função (para que servem as disciplinas

escolares) e o seu funcionamento (como elas agem sobre os alunos) (CHERVEL, 1990).

Ao encarar a história das disciplinas escolares desta maneira, o autor evidencia o

caráter criativo da escola, que ao produzir as disciplinas produz também uma cultura própria,

as culturas escolares. Assim, Chervel propõe considerar no estudo histórico das disciplinas

escolares que cada uma delas é portadora de uma problemática própria, o que, contudo não

impede de estabelecer traços comuns para a análise: o conteúdo central da história de qualquer

disciplina é a história dos conteúdos a serem ensinados ao passo que o objetivo desse estudo

deve ser o de realizar a relação entre as finalidades que originam cada disciplina e os resultados

concretos a que elas chegam interna (CHERVEL, 1990).

Ressaltamos que na abordagem por ele proposta, ainda que se leve em conta os

fatores externos, a história do que efetivamente se processa no interior da escola é pouco

considerada – o que irá se modificar nas acepções contemporâneas sobre currículo e disciplinas.

Por enxergar na diferença própria de cada disciplina um grau de inteligibilidade, é que ele

propõe uma estrutura de investigação historiográfica das disciplinas escolares, por meio do tripé

finalidades-práticas-efeitos.

Considerando-se que em cada época a escola se coloca a serviço de diferentes

finalidades que no seu conjunto fornecem a esta instituição o seu caráter educativo, é por meio

das disciplinas escolares que ela sempre vai colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma

finalidade educativa. Conforme mudam as finalidades educativas, vão modificando-se também

117 Até o século XIX, a noção de disciplina resumia-se, na escola, à parte da educação dos alunos direcionada à

repressão de condutas tidas como prejudiciais à boa ordem, não encontrou uma única acepção da palavra associada

aos conteúdos de ensino. A inexistência desse termo resultou na profusão de “fórmulas confusas”, abarcando

nomenclaturas como “faculdades”, “objetos”, “partes”, “ramos” e “matérias de ensino” e expressões como “lista

de cursos agrupados por analogia de ensino” (CHERVEL, 1990).

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os conteúdos de instrução a serem ensinados. As disciplinas portadoras destes conteúdos serão

as que alcançarão maior visibilidade e com “útil” finalidade em cada período e as que deixam

de satisfazer a essas finalidades são as que tendem a cair no abandono (CHERVEL, 1990).

As fontes a serem utilizadas para compreender as finalidades de uma disciplina são,

segundo o autor, “a série de textos oficiais programáticos, discursos ministeriais, leis, ordens,

decretos, acordos, instruções, circulares fixando o plano de estudos, os programas, os métodos,

os exercícios” (CHERVEL, 1990). Entretanto tal documentação, só dá conta de um aspecto do

problema, o das finalidades inscritas. Para se chegar às finalidades reais, as que realmente se

atingiram, será necessário percorrer a literatura produzida sobre o sistema educacional:

“relatórios de inspeção, projetos de reforma, artigos ou manuais de didática, prefácios de

manuais, polêmicas diversas, relatórios de presidentes de bancas, debates parlamentares, etc.”

(CHERVEL, 1990).

O modo como Chervel propõe a abordagem sobre a histórias das disciplinas

escolares, nos permite evidenciar o quanto a escola é um fundamental sujeito sociológico, já

que, a partir do diálogo com as demandas advindas dos grupos sociais aos quais serve, produz

novas realidades, novas culturas, das quais as disciplinas escolares são, de certa maneira, uma

de suas produções e/ou reproduções.

Por fim, Chervel destaca que disciplinas escolares têm proporcionado aos jovens

estudantes versões vulgarizadas e simplificadas de suas ciências de origem, tendo como

objetivo não apresentar a ciência de maneira integra, mas a partir de métodos que permitam que

os alunos assimilem o mais rápido possível, porções da ciência de referência (CHERVEL,

1990).

Sendo assim, a presença de algumas disciplinas nos currículos escolares foi

revestida de certa naturalidade e inquestionável relevância, como se tivessem sido estabelecidas

ali desde o início dos tempos (BITTENCOURT, 2003). Com efeito, desde a década de 1970,

os estudos do campo da nova Sociologia da Educação e da História das Disciplinas escolares

não apenas repensaram a presença das disciplinas no currículo, como também a analisaram para

além de questões epistemológicas e didáticas.

Esses estudos reconheceram o papel político de diferentes agentes – como Estado,

parlamento, sindicatos, associações científicas, professores, estudantes, entre outros – que se

posicionavam diante da validade dos saberes estabelecidos no currículo e delimitavam a sua

legitimidade em cada contexto educacional (FORQUIN, 1992). Neste sentido, a seleção do

conhecimento escolar não é um ato desinteressado e neutro: é resultado de lutas, conflitos e

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negociações. Assim, entende-se que o currículo é culturalmente determinado, historicamente

situado e não pode ser desvinculado da realidade social.

Ivor Goodson, por exemplo, a partir da investigação nos currículos oficiais de

ensino, propôs novas formas de encarar as imposições curriculares, tomando-as como ponto

culminante de um conflito extenso e contínuo em torno dos objetivos da escolarização conforme

concebidos por grupos externos que além de estarem em disputa com os que atuam no interior

da escola e a ela estão sujeitos, realizam negociações também entre si (GOODSON, 1997).

A partir do currículo oficial é possível avançar diacronicamente na compreensão

das experiências históricas em torno dele. Para Goodson (1997), a produção do currículo não

se dá por meio de acomodações, mas disputas ocorridas tanto entre agentes no interior da escola

como externos a ela. Da mesma forma que o currículo, as disciplinas que o compõem são

tomadas por este pesquisador como o resultado de disputas e negociações. O autor chama a

atenção para fatores internos e externos que atuam durante o processo de estabelecimento das

disciplinas escolares no currículo oficial e também estabelece uma relação entre estas e as

matérias acadêmicas, que da mesma forma são construídas socialmente. Nestas últimas se

transmite o “saber sabido” enquanto as primeiras transmitem o “saber ensinado” (GOODSON,

1997).

Ao contrário do que até então se imaginava, ou seja, que as disciplinas acadêmicas

vinham antes das escolares, Goodson (1995) demonstra que cada disciplina é resultado de um

processo onde, às vezes, as disciplinas escolares precedem as suas disciplinas acadêmicas,

como ocorreu com a Sociologia no caso brasileiro, por exemplo.

Quanto à esta construção das disciplinas escolares, o autor identifica um movimento

de ordem interna é o que chama de invenção. Estas invenções podem surgir dos próprios

professores que ensaiam novas ideias ou práticas; ou podem ser às vezes o resultado das

demandas do alunado ou de sua resistência às formas existentes; ou podem, ainda, surgir como

uma resposta a novos estados de opinião (GOODSON, 1995).

O conjunto de relações externas que atuam na construção das disciplinas escolares

pode ser caracterizado por grupos de interesses que surgem na sociedade em cada época, até

mesmo sem relação direta com o ambiente escolar, e que interferem na seleção das disciplinas

escolares e às vezes até mais do que as relações internas. Goodson demonstra isso, por exemplo,

assinalando a influência que interesses industriais e comerciais podem exercer em determinados

momentos históricos por meio de discursos e retóricas de legitimação (GOODSON, 1995).

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Podemos, seguindo a linha do autor, exemplificar com a conjuntura em que o ensino

de Sociologia entra e sai da escola nas primeiras décadas do século XX: enquanto servia a uma

narrativa nacional reformadora a disciplina esteve na escola, quando essa mesma narrativa se

esgota, a disciplina é retirada dos bancos escolares.

O ponto culminante para a definição das disciplinas escolares para o autor seriam o

seu assentamento acadêmico, caracterizado por quatro momentos: invenção (semelhante à

ocorrida com as matérias escolares), a promoção por parte de educadores (com interesses

análogos aos da fase de coalizão da matéria escolar), a legislação quando se estabiliza a

constituição da disciplina acadêmica (GOODSON, 1995).

Esses momentos revelam o jogo de interesses presente no processo de construção

de uma disciplina e os modos como esses interesses se correspondem: interesses surgidos no

interior e exterior da escola (como os mesmos dialogam) e das relações estabelecidas entre a

escola e a universidade, já que um saber - por mais que este se torne necessário pelas demandas

internas de constituição da disciplina - só será, segundo o autor, plenamente legitimado quando

for alçado à condição de saber acadêmico. O que por si só não impede a sua existência, mas

demarca o grau de importância que ocupará dentro do currículo prescrito (GOODSON, 1995).

A legitimação plena se dá em dois planos: o da legislação, que após uma fase de

lutas e experimentações incorpora uma disciplina ao currículo prescrito e o da universidade,

que concentra os direitos em torno de determinado ramo de conhecimento. O jogo de poder se

opera em diversos graus e escalas: professores, alunos, setores da sociedade, políticas de

governo e universidade. Em suma, cada um desses graus é uma camada, um elemento que o

autor propõe que sejam considerados pelos pesquisadores das disciplinas escolares na

investigação de seu objeto de estudo (GOODSON, 1997).

Assim, enquanto Chervel (1990) conferia um peso maior ao que acontecia no

interior do espaço escolar para determinação do rumo das disciplinas escolares. Goodson (1997)

nos traz como objeto importante de estudo as práticas educacionais, contribuindo para situar o

conjunto de agentes constituintes do saber escolar, especialmente professores, alunos e

comunidade escolar frente a arbitrariedade presente nos processos de seleção e organização dos

conteúdos de ensino, por meio justamente da historicização do currículo. Em suma, Goodson

investigou a fabricação do currículo, portanto, entendendo-o não como um dado neutro da

realidade, mas, antes, como “um artefato social, concebido para realizar determinados objetivos

humanos específicos” (GOODSON, 1997), sujeito a constantes modificações e tendo sua

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interpretação condicionada à da dinâmica social que o moldou e não da mera descrição da sua

organização como conhecimento escolar em certo período da história118.

Sendo assim, o currículo que tem como base as disciplinas foi apenas uma entre

diversas alternativas de estruturar a educação escolar ao longo da história do ensino. As

instituições de ensino submeteram-se então a uma “reestratificação de acordo com um currículo

que tinha como núcleo as disciplinas” (GOODSON, 2008) que representou tanto a

fragmentação (dada a divisão do conhecimento em diferentes disciplinas) quanto a

internalização (visto que os debates extrapolaram a escola, para serem desenvolvidos nos

limites das disciplinas) das lutas em prol do ensino público (GOODSON, 2008).

Quando analisamos o caso específico da Sociologia escolar/acadêmica frente a

discussão curricular e histórica das disciplinas, tentando identificar razões do descolamento

entre as sociologias acadêmica e escolar, a pergunta inevitável é: uma vez que a Sociologia se

constituiu como disciplina escolar, seu objetivo era ensinar/disciplinar quem? Para que? Onde?

A partir da inserção em quais diretrizes?

Respondendo a essas perguntas, podemos dizer que os conflitos em torno da

introdução, retirada e permanência da disciplina da escola brasileira exemplificam bem as

relações e embates entre o campo científico e escolar (nos quais se forma a disciplina), de um

lado, e da esfera política, de outro, presentes no processo de constituição de uma disciplina

escolar.

Com efeito, as relações sociais estabelecidas no processo de produção da

cientificidade da disciplina são complexas e devem ser constantemente (re)analisadas. Questões

epistemológicas como a tendência para a individualização da explicação dos fenômenos sociais

e a relação de tensão permanente entre os problemas sociais e os problemas sociológicos, que

por vezes nos levam a desconstruir categorias e ângulos de visão normativos sobre os quais

questionamos a realidade, são questões de grande importância para a investigação sociológica

acadêmica, mas também para a prática profissional dos sociólogos. Se os obstáculos

epistemológicos à produção de conhecimento em Sociologia devem ser constantemente

pensados, também a discussão sobre a escolarização e cientificidade da Sociologia é uma

discussão que, de fato, não pode ser deixada de lado.

Como apontam autores como Meucci (2011), Soares (2009) e Sarandy (2012), as

pesquisas no campo sociológico nacional no começo do século XX são rudimentares, feitas por

118 Goodson (2001) já alertava para a necessidade de não compreender o currículo como um processo evolutivo

de progressivo aperfeiçoamento. Antes, caberia ao pesquisador diagnosticar rupturas e captar os diferentes

significados a ele atribuídos (GOODSON, 2001).

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poucos especialistas que incentivavam seus alunos a realizarem levantamentos, e estas por si

só foram poucos criticadas dentro dos padrões cientificamente vigentes, o que só começa a

acontecer com a fundação das primeiras universidades e cursos.

Poucas possibilidades existiam, portanto, para questionar a produção sociológica

vigente naquele período. Conforme a Sociologia se consolida como ciência a partir do

surgimento das universidades, há possibilidade de estabelecimento de um campo científico

sistemático para exposição e possível falseabilidade e ou refutação das teorias, conceitos e

pesquisas sociológicas e construção/desconstrução de paradigmas.

Falando especificamente da Sociologia, devemos lembrar de outro aspecto: a

construção da cientificidade no campo das ciências humanas. Esta se realiza através da

transição para um padrão científico de conhecimento que se realizou primeiro no âmbito das

ciências da natureza, no século XVII e só no século XIX ela se processa nas ciências humanas,

fruto de uma transposição metodológica das ciências naturais. O projeto de construção da

autonomia científica das ciências humanas conduziu, intencionalmente, a um distanciamento

da filosofia – lugar originário da reflexão racional sobre o homem no mundo ocidental – e das

ideologias, consideradas ambas como discursos não científicos. Ao eleger os parâmetros de

cientificidade como critério único de verdade (RODRIGO, 2007).

Na dianteira deste processo, estava o positivismo comtiano que atribuiu à ciência o

monopólio cognitivo da totalidade do real – natureza e cultura humana –, classificando a

tradição filosófica como etapa ultrapassada de uma ciência imatura. Por isso, quando no século

XIX o conhecimento sobre o homem passou a situar-se no plano positivista, os discursos

anteriores foram considerados ideológicos, representações pré-científicas. As teorias

positivistas constituíram os primeiros esboços de uma teoria geral das ciências humanas,

assinala o fim da teoria do conhecimento, instalando em seu lugar uma teoria da ciência.

O objetivismo inerente a essa posição teórica reduziu o conhecimento científico a

um conjunto de fatos estruturados por leis, sem se dar ao trabalho de problematizar o ato mesmo

de constituição dos fatos ou a participação do sujeito cognoscente nesse processo. Este processo

atinge a produção sociológica, se pensarmos no contexto brasileiro, já que como vimos o

currículo escolar da Sociologia é confeccionado a partir das teorias positivistas, através de um

currículo enciclopédico e pouco problematizado a partir de um debate amplo com os

especialistas na disciplina, além dos docentes e discentes da mesma119.

119 Nessa perspectiva, Habermas afirma que “a postura positivista mascara a problemática da constituição de

mundo. O sentido do próprio conhecimento torna-se irracional, e isso em nome de um conhecimento exato.”

(HABERMAS, 1982, p.94). A indagação sobre o sentido do conhecimento é substituída pela questão positivista

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Comte substitui o conceito filosófico do conhecimento por uma explicação do

sentido da ciência; com isso, a objetividade do conhecimento deixa de ser pensada a partir do

horizonte do sujeito, passando a ser compreendida como derivada exclusivamente da área do

objeto. Podemos afirmar que, nos termos em que foi posta no século XIX, a questão da

cientificidade dos estudos sobre o homem viveu e vive até hoje uma situação paradoxal: as

ciências humanas não conseguem realizar inteiramente o modelo de positividade emprestado

das ciências da natureza, mas também não se decidem a abandoná-lo, com receio de perderem

seu direito de acesso à positividade e/ou objetividade.

O positivismo comteano pode ser considerado o grande responsável pela

formulação de uma metodologia derivada das ciências da natureza. Essa transposição foi

justificada com base na premissa de que a sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis

invariáveis e independentes da vontade e da ação humanas. Sendo assim, o mesmo método de

estudo poderia ser aplicado ao estudo tanto da natureza como da sociedade. Os positivistas

julgavam que nas ciências sociais se deveria proceder como nas ciências da natureza, isto é,

deixar de lado as pressuposições, separar os julgamentos de fato dos julgamentos de valor, a

ciência da ideologia, visando alcançar um conhecimento inteiramente objetivo.

Durkheim, por exemplo, assevera que a interferência de juízos de valor na

investigação sociológica apenas revelaria a imaturidade dessa ciência em relação à matemática

e às ciências exatas. Não à toa, ele pede ao sociólogo que estude os fatos sociais como “coisas”:

o que se reclama do sociólogo é que adote o estado de espírito em que

se colocam os físicos, químicos ou fisiologistas, quando se embrenham

numa região ainda inexplorada do seu domínio científico. Ora, falta à

sociologia atingir este grau de maturidade intelectual (DURKHEIM,

1973, p.379).

Pela primeira vez, as ciências humanas procurariam preservar seu direito de acesso

à positividade e/ou objetividade, submetendo-se aos parâmetros de cientificidade que vigoram

no âmbito das ciências da natureza, embora reconhecendo seus limites, na medida em que o

processo de objetivação só é aplicável a uma parte do fenômeno humano. As ciências humanas

podem, portanto, empregar procedimentos científicos, sem que isso implique a redução do

acerca do sentido dos fatos. Embora Habermas, não considere Comte um pensador original no plano metodológico

- uma vez que este último elabora sua teoria com base numa combinação eclética de elementos da tradição

empirista e racionalista pré-crítica - reconhece que esse pensador produz uma inovação na postura filosófica frente

às ciências ao formular “uma metodologia científica que põe, em lugar do sujeito da teoria do conhecimento, o

progresso técnico-científico como sujeito de uma filosofia cientificista da história” (HABERMAS, 1982, p. 94).

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homem a essa forma de estudo. Existem, obviamente, processos e fenômenos humanos

objetiváveis, mas o homem não é inteiramente objetivável. No âmbito das ciências humanas,

não há como evitar inteiramente as conotações valorativas, ideológicas, subjetivas; a identidade

parcial entre o sujeito e o objeto de estudo por si só já inviabiliza a efetivação do ideal positivista

de objetividade. O sociólogo não pode se colocar de fora da sociedade para estudá-la; o mesmo

acontece com o historiador em relação à história, com o linguista em relação à língua, e assim

por diante o elemento subjetivo é parte fundamental das ciências humanas, embora precisemos

de critérios objetivos para sua produção.

Uma alternativa a este panorama, seria defender a autonomia metodológica das

ciências humanas, criando uma forma própria e específica de acesso à positividade. Não se

trataria, na verdade, de abrir mão da possibilidade de cientificidade, mas de abdicar do padrão

positivista de ciência para construir um modelo próprio, adequado ao seu domínio de

investigação e epistemologicamente viável. Esta alternativa implicaria assumir um

posicionamento contrário à negação positivista da especificidade metodológica das ciências

humanas em relação às ciências da natureza, que desqualifica o conhecimento produzido pelas

primeiras em nome de um ideal unitário e homogêneo de cientificidade. Nas ciências humanas

não se trataria de eliminar totalmente a influência de determinações sociais e juízos de valor

em nome de um conhecimento neutro, mas, como propõe Lucien Goldmann, de tornar

conscientes tais interferências e integrá-las na investigação científica para evitar, ou reduzir ao

mínimo, sua ação deformante (GOLDMANN, 1986).

Em certa medida, assumimos que, mesmo que seja impossível produzir um

conhecimento neutro, alguma forma de objetividade se revela viável: não aquela de caráter

positivista, mas um discurso apropriado à compreensão do fenômeno humano como tal, que

não condena a priori toda e qualquer forma de subjetividade, porque se recusa a admiti-la

incompatível com a elaboração de um conhecimento objetivo sobre o homem.

Neste sentido, na primeira metade do século XX, a Sociologia foi atrelada ao ideário

de modernização e democratização do Brasil, sobretudo pela possibilidade de construir novos

parâmetros para pensar e intervir de modo racional na realidade e superação do suposto atraso

nacional. Sua presença na forma de disciplina escolar fazia coro com a promessa de renovação

intelectual e de formação de cidadãos para atuar em um país moderno, mas sem abrir mão da

ordem social.

Basta lembrar que a Sociologia surge como disciplina obrigatória apenas para os

candidatos ao ensino superior – um conhecimento julgado necessário para parcela privilegiada

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da sociedade que realizaria ensino superior e que teria o monopólio do discurso sobre o social.

Um discurso que era, como vimos, enciclopédico e de acesso restrito.

Apesar de no campo ideológico estar ligada à “reconstrução” do país, de fato e na

prática, a disciplina assumiu um papel normativo, prescritivo de noções de civilidade, civismo

e até mesmo higienismo e, de forma, quase imperceptível fez parte de um processo de

reconstrução dos ideais nacionais; sua contribuição inclusive pode ser sentida, no sentido

oposto, de reafirmação das noções acima.

Indo além, a Sociologia ofereceu uma metáfora completa de sociedade, a partir do

positivismo comteano e durkheimiano: a metáfora do funcionamento orgânico, na qual se

ocultaram desigualdades sociais sob os argumentos da funcionalidade, solidariedade e

autoridade – já que este como vimos, foi o sentido formulado e/ou conferido a ciência

sociológica que se constituía entre nós. Indo mais à frente. Meucci (2001) argumenta, inclusive,

que a Sociologia escolar, cumpriu um papel crucial para o período que consiste em ser o de

justificativa discursiva do Estado Novo.

Não é difícil de notar que a Sociologia não constituiu um projeto público de

educação: a disciplina no início do século XX tornou-se objeto de disputa entre intelectuais

com diferentes posicionamentos ideológicos (positivistas, conservadores, liberais e humanistas)

que concorriam pelo “monopólio da explicação legítima sobre a natureza da sociedade e de

suas instituições” (MEUCCI, 2011) e que pareciam aspirar pela consolidação do conhecimento

sociológico para compreender a sociedade, reorganizar o Estado e prescrever a ordem social ao

seu modo.

É notável o fato de que o conhecimento sociológico escolar tenha se tornado

dispensável exatamente no momento dos primeiros sinais de esgotamento do pacto que deu

origem ao Estado Novo, quando as bases do nacionalismo que o fundamentaram também se

abalaram pelo curso da Segunda Guerra Mundial. Com efeito, considerando que a Sociologia

escolar teve grande êxito relacionado à crise do pacto republicano e à aspiração por uma

organização nacional antiliberal, o esgotamento desses fundamentos logo nos primeiros anos

da década de 1940 fez com que ela desaparecesse da escola120.

Com efeito, ainda que sua reintrodução após a democratização tenha sido tema de

discussão, não houve mais uma agenda propositiva para redefinição de sua importância

120 Moraes (2011) tematizou essa questão da saída da Sociologia do ensino secundário sugerindo outro elemento

importante para a compreensão dessa exclusão. Para ele, a Sociologia, nesse novo plano curricular, não teve um

lugar para se acomodar posto que não tinha ainda nem legitimidade científica, tampouco era considerada uma área

de formação literária e filosófica. Não era reconhecida nem como clássica, nem como científica.

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curricular capaz de exorcizar o seu conteúdo escolar autoritário e normativo recentemente

interrompido. Ao passo que, rompendo essa experiência escolar, nas principais universidades

brasileiras naquele período, a Sociologia foi representada como uma das mais contribuições

necessárias aos processos de racionalização do pensamento comprometida com uma agenda de

modernização e democratização – tarefa necessária que, não obstante, parecia ser

intelectualmente complexa para as condições do ambiente escolar, como veremos adiante.

Notamos como este debate, sobre objetividade e subjetividade, gestado na

conjuntura europeia do século XIX, só começa a ser assimilado no Brasil a partir da metade da

década de 1930. Na passagem da década de 1930 para 1940, portanto, a Sociologia se viu objeto

de representações contraditórias: por um lado, seu passado escolar a condenava pelo que tinha

de antidemocrática, enciclopédica, diletante e conservadora, e, por outro, sua atualidade

acadêmica, universitária e científica reconhecia sua contribuição para a democratização, mas

pouco esteve presente no debate público. Esse fenômeno pode ter favorecido para que não se

constituíssem, no período, agentes e sujeitos sociais capazes de protagonizar sua reintrodução

no ensino secundário, dilema que exploraremos na próxima sessão.

4.2. Saída da Sociologia da escola: esgotamento do processo de construção da

disciplina escolar e a reação no campo sociológico acadêmico à retirada

O sentido conferido à Sociologia, como vimos, nos anos 1930, esteve conectado a

um ideário e suposto papel “missionário” que viria a ser assumido pela disciplina com objetivo

de interpretar/compreender racionalmente a sociedade brasileira, além de auxiliar sua ruptura

com seu atraso e os problemas oriundos deste. Seu ensino, nas escolas secundaristas, fora

encarado como um instrumento para “elevar o nível intelectual das grandes massas”

(FERNANDES, 1977) e um efetivo instrumento de mudança social e democratização da

sociedade brasileira, pois produziria respostas aos problemas sociais existentes.

Não à toa, Meucci (2011), ao investigar as influências teóricas dos primeiros livros

didáticos de Sociologia, observa a influência de Herbert Spencer. Segundo o autor inglês, os

organismos vivos, bem como as sociedades humanas, estão igualmente submetidos a uma lei

inexorável da natureza (SPENCER, 1939)121.

A ideia de progresso que fora apropriada pelos primeiros sistematizadores da

disciplina estivera associada à evolução orgânica, que corresponderia acumulativa e

121 Lei esta que comandaria um processo de evolução que conduz os organismos vivos e as sociedades à um

crescente heterogeneização de suas respectivas funções, orgânicas ou sociais (SPENCER, 1939).

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progressivamente à complexidade conferida a crescente da divisão do trabalho social, causada

pela diferenciação das funções dos grupos membros da mesma sociedade122.

A partir desta perspectiva fica clara, para os intelectuais que sistematizavam a

disciplina, a inexistência de uma forma de vida social organizada no Brasil. Estes

compreendiam que a sociedade brasileira sofrera um processo de dissolução particularmente

após a abolição do trabalho escravo e que esta representara a dissolução da divisão do trabalho

social tal como institucionalizada entre nós e, por conseguinte, conduzira a uma total

desorganização da vida social. A Sociologia se torna a resposta para pensar a reorganização e

a evolução social.

Na metade da década de 1930 e início da de 1940, à medida que as disputas dentro

do campo sociológico se aprofundam, mais a disciplina se afasta da escola. Ainda no campo

dos manuais, como aponta Meucci (2001), ganha força na década supracitada a teoria

funcionalista dos autores norte-americanos que passaram a considerar fatores psicológicos e

ambientais na determinação do progresso de uma sociedade, uma quebra frente ao padrão

anterior. Conceitos como adaptação, assimilação, cooperação e competição social, inspiram-se

numa compreensão funcionalista da sociedade fundamentada/legitimada pelas pesquisas

sociológicas desenvolvidas naquele país e amplamente difundidas entre nossos autores.

As propostas apresentadas pelos cursos acadêmicos de Ciências Sociais estavam se

modificando e conectando à possibilidade de compreensão aluno da realidade brasileira, a partir

da interface com as teorias sociológicas (e não o contrário), o que deixa clara a necessidade de

formulação de um novo sentido para Sociologia escolar, objetivo, que sabemos, não fora

plenamente atendido. Como exemplifica Glaucia Villas Bôas, a partir da metade da década de

1940, a conjuntura se modifica de forma contundente:

Nos 20 anos transcorridos entre 1945 e 1964 (...) um conjunto de livros, grande parte

de autoria dos recém-formados cientistas sociais egressos das faculdades de Filosofia,

circulou nos meios intelectuais e universitários, trazendo para o cerne dos debates a

construção de uma sociedade de classes, secularizada, democrática, sujeita a uma

ordem burocrática, impessoal, legal. A imagem do futuro inscrita nesses livros, tivesse

por fundamento uma filosofia defensora das leis determinantes da história (como a

hegeliana ou a marxista), tivesse por fundamento simplesmente a ideia burguesa de

progresso, apoiava-se em uma visão linear e evolucionista da história e em uma

concepção universalista do mundo. Recebida e adotada nos meios intelectuais e

políticos, tornou-se parâmetro para interpretar a sociedade brasileira. (VILLAS

BÔAS, 2006, p. 61).

122 O conceito de solidariedade orgânica formulado por Durkheim (2008) também fora bastante acionado nesta

conjuntura.

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De modo a realizar um rápido movimento didático rumo às décadas de 1940 e 1950,

para investigação desta mudança de postura, encontramos a edição de setembro de 1949 da

Revista Sociologia – Didática e Científica que é representativa deste debate e apresenta os

textos oriundos do “Symposium sobre o ensino de sociologia e etnologia no Brasil” ocorrido

no mesmo ano. Com contribuições de Antônio Candido, Costa Pinto, José Artur Rios, Donald

Pierson e Octavio da Costa Eduardo, os textos refletem sobre as condições do ensino desses

temas no Brasil até a década de 1940.

O texto de Costa Pinto, em particular, sua tese de livre docência, se mostra singular,

o autor defende a educação como processo social e faz uma análise da educação no país, do

processo de escolarização dos jovens e das reformas educacionais, criticando a reforma

Capanema de 1942; e, por último, defende o lugar da sociologia no nível secundário,

ressaltando que:

O essencial é desenvolver no estudante a capacidade de analisar e compreender a vida

social como parte da realidade objetiva, na qual ele vai intervir como sujeito e não

apenas sofrer a ação como objeto. O fundamental é capacitá-lo, por meio do estudo

objetivo dos processos sociais básicos, a tomar consciência do processo histórico geral

de transformação da sociedade que ocorre em seu derredor e do qual deve participar

como socius consciente (COSTA PINTO, 1949, p. 306).

Como podemos perceber, a concepção acerca da Sociologia escolar apresenta

modificações na década de 1940 em relação ao verificado na década de 1930. Chama atenção

a necessidade proclamada de “estudo objetivo dos processos sociais básicos” (COSTA PINTO,

1949) pelo estudante; reparemos que o autor se diferencia do ideário de progresso e se aproxima

do campo da investigação sociológica, propondo, inclusive, como caminho para tomada de

consciência e transformação, já que a disciplina poderia oferecer um conjunto de noções básicas

e operativas, além de ensinar técnicas, suscitar atitudes mentais, o espírito crítico e a vigilância

intelectual.

Verificamos também em Costa Pinto uma preocupação com a inserção profissional

dos cientistas sociais. O autor enxergava que a retomada da Sociologia no espaço escolar

poderia tornar a docência um vislumbre/alternativa ambicionada pelos setores emergentes da

sociedade representada pelo formado em Ciências Sociais (COSTA PINTO, 1949)123.

123 Isto torna complexa a relação universidade x escola já que esta última não constituía apenas o lugar cuja função

principal era depositar a mão-de-obra recém-diplomada, mas possuía de fato oportunidades permanentes de

colocação, garantindo o sustento material de postulantes e candidatos ao ensino superior, já que concentrando-se

no perfil social e nas trajetórias dos egressos das recém-criadas instituições de ensino superior Neste sentido, a

importância dada a disciplina se conecta em um primeiro momento à ideia da profissionalização via ensino e não

para pesquisa. perspectiva que se modifica fortemente no final da década de 1930 quando o público alvo principal

do curso se torna a elite paulistana que o redireciona para análise de grandes temas e problemas sociais – o que

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Ainda na edição de 1949 da Revista Sociologia, há posicionamentos que reforçam

o aprofundamento das diferenças entre as sociologias no período, o que fica claro na fala de

Antônio Candido, que discorda do reestabelecimento da Sociologia na escola secundária:

Não nos parece, contrariamente à opinião predominante entre sociólogos, que deva o

seu ensino ser reestabelecido no curso colegial, de onde o retirou a reforma Capanema,

juntamente com a economia e a estatística. Com efeito, não apenas o currículo do

curso secundário, em ambos os ciclos, padece de sobrecarga, como a sociologia é

matéria que pressupõe conhecimentos de história, geografia e filosofia. Seria de toda

conveniência iniciar o seu estudo depois de alguns anos dessas disciplinas, elas sim

indispensáveis à formação secundária (CANDIDO, 1949, p. 283).

A ciência sociológica deve ser encarada, para Candido, segundo seus três aspectos

essenciais: como ponto de vista, como técnica social e como ciência dos fatos sociais. Assim,

para este autor, os objetivos do ensino de sociologia devem ser:

(...) munir o estudante de instrumentos de análise objetiva da realidade social; mas

também, complementarmente, o de sugerir-lhe pontos de vista mediante os quais

possa compreender o seu tempo, e normas com que poderá construir a sua atividade

na vida social (CANDIDO, 1949, p. 279).

A posição de Candido no debate indica elementos sobre a retirada de

reconhecimento institucional da disciplina em sua faceta escolar, à medida que a disciplina não

seria indispensável para formação do estudante, bem como seu aprendizado requereria

maturidade que supostamente não existiria nesse nível de ensino, concentrá-lo no ensino

superior seria, portanto, o melhor caminho.

O ensino de Sociologia foi tema de debate ainda, na década de 1950, a partir da

realização do I Congresso Brasileiro de Sociologia, promovido em 1954 pela Sociedade

Brasileira de Sociologia (SBS). Lembremos que o primeiro congresso da SBS é influenciado

pelas mudanças ocorridas no interior do campo sociológico e educacional brasileiro, o próprio

tema do congresso “O ensino e as pesquisas sociológicas; organização social; mudança social”,

evidencia a preocupação com as dimensões científica e profissional da entidade e registrou o

posicionamento político propositor e interventor destes intelectuais em uma conjuntura

marcada por intensas disputas internas e externas pelos rumos da educação, da política e da

economia no país.

Não temos o objetivo de cobrir o debate dos anos 1950, mas percebemos que a

reivindicação pela volta da disciplina ao currículo reaparece e/ou permanece. Em um contexto

Costa Pinto pretendia retomar, embora o sistema escolar de então era bastante concentrado, quase um terço das

escolas secundárias, por exemplo, estava em São Paulo.

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no qual a Sociologia acadêmica/universitária/científica incrementa sua importância e o

imaginário ligado à modernização como resolução do atraso da nação sofre uma reviravolta124.

Nessa lógica, a comunicação de Florestan Fernandes no congresso torna-se

marcante já que o autor propôs uma análise sobre as possibilidades da reintrodução da

Sociologia no ensino secundário, partindo da avaliação da posição deste nível de ensino no

sistema educacional, considerando este sistema em relação às condições socioculturais que o

suportam para, por fim, analisar os efeitos da introdução da disciplina neste contexto.

O autor sustenta que o ensino secundário brasileiro dos anos 1950 seria definido

por um tipo de educação estática que visa unicamente à conservação da ordem social,

impossibilitado de “tornar-se um instrumento consciente de progresso social”, de uma educação

dinâmica125 (CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 1955). Notamos que para

Fernandes, portanto, o sistema educacional na década de 1950, apesar de sua relativa expansão

nos anos anteriores, basicamente padecia dos mesmos problemas da década de 1930 e vira

objeto anexo de sua formulação crítica. O autor assevera que neste sistema educacional de tipo

estático, as Ciências Sociais não poderiam exercer nenhum papel, fato que lamenta levando em

consideração as condições de formação da sociedade brasileira126.

Na sua perspectiva, em face de todas as mudanças sociais da sociedade brasileira,

à escola não foi dado nenhum papel construtivo na “formação da consciência cívica dos

cidadãos”; Fernandes, deste modo, defende a legitimidade do ensino de Sociologia na escola

secundária contribuindo justamente para a “formação de atitudes cívicas e para a constituição

de uma consciência política definida em torno da compreensão dos direitos e dos deveres dos

cidadãos” (CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 1955).

Os estudos sobre ensino de Sociologia tendem a enfocar de forma significativa a

fala de Fernandes em si e para si, mas sem mencionar que a mesma foi alvo de discussão durante

todo o congresso. A comunicação teve recepção mista por parte dos seus pares com Oracy

124 Como deixa claro VILLAS BÔAS (2006), o modernismo sociológico dos anos 1950, renuncia à procura de um

espírito nacional a caminho de si mesmo e, nos seus contornos próprios, tenta romper com o círculo de ferro

imposto pela herança dos modelos interpretativos anteriores, para legitimar, no seu próprio tempo, ideias que

aparecem como novas. As concepções igualitárias, universalistas e progressistas tiveram de se defrontar com a

eficácia simbólica das interpretações do caráter nacional brasileiro, sobretudo com uma visão da imutabilidade da

vida social que aquelas interpretações contêm, uma vez que se apoiam em características supostamente constantes

de grupos sociais ao longo do tempo. O pensamento sociológico dos anos 1950 questionou a naturalização da vida

social difundida pela ideia do ethos brasileiro e aportou novas categorias de entendimento para a compreensão de

uma sociedade “em mudança”. (VILLAS BÔAS, 2006, p. 62). 125 Ainda carecemos de investigação, mas cabe lembrar preliminarmente, que a própria Sociologia escolar quando

ainda presente no currículo visava também a conservação da ordem social. 126 O processo emperrado de democratização do ensino com a ampliação do acesso à escola, de desagregação da

ordem escravocrata, a instauração da democracia, a formação das classes sociais e dos partidos políticos.

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Nogueira, Nelson Pesciotta, Arthur Rios, Costa Pinto e Donald Pierson defendendo a inserção

da disciplina na escola, enquanto que Lourival Machado, Guerreiro Ramos, Lucila Hermann

apresentaram argumentos contrários.

Podemos dizer que Fernandes estava preocupado com a reforma do sistema

educacional brasileiro, manifestando uma noção clara do papel que a Sociologia poderia

desempenhar neste contexto, já que a visão reivindicada por ele estabelece contato com os

progressos teórico-metodológicos realizados pela Sociologia até então. Em outras palavras,

embora considerasse a importância que os cidadãos compreendessem seus direitos e deveres,

a disciplina, na sua visão, poderia conferir – a partir dos instrumentos já consolidados em sua

vida acadêmica de 20 anos e do debate candente sobre “mudança social” - um elemento para

embasada tomada de consciência no espaço escolar e disrupção frente a realidade social para

além do mesmo.

No entanto, nos chama a atenção, sobretudo, a fala de Lourival Machado que,

posicionou-se contrariamente à presença da Sociologia como disciplina do ensino secundário

já que em vez “de elemento de mudança, a disciplina seria convertida em instrumento de

conservação, sendo usada por aqueles que se opunham à renovação” (CONGRESSO

BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 1955), evocando a própria história da disciplina no

secundário até então. Destacamos esta fala pois nos parece significativa a preocupação de que

a Sociologia pudesse assumir, num eventual retorno à escola, o sentido assumido na década de

1930 e 1940 quando fortemente influenciada pela Igreja Católica e pelos governos autoritários

de Getúlio Vargas.

Reforçamos, nesse sentido, nosso argumento que a disciplina se constituiu como

ciência a partir de seu distanciamento do espaço escolar e isso impacta seu reconhecimento

institucional127, o retorno da Sociologia à escola também foi encarado como um processo que

poderia ocasionar perdas no caminho científico traçado até então. Florestan Fernandes no ano

de 1977, no prefácio à A Sociologia no Brasil em que foram compilados textos de sua autoria

que versam sobre a inserção da disciplina no país, relembra o debate dos anos 1950 (remetendo-

se sobre a comunicação no I Congresso da SBS):

127 Apesar disso, ressaltamos que existe a necessidade de uma pesquisa de maior vulto sobre o I Congresso

Brasileiro de Sociologia. Este é o momento em que a geração profissionalizada na academia retoma a discussão

sobre os sentidos escolares da sociologia. É preciso ainda aumentar o horizonte cronológico e retomar esse debate.

Acreditamos que não é possível explicar o congresso apenas a luz dos anos de 1930 e 1940, mas deve-se investigar

também os anos de 1950: por que sociologia não retorna à escola com a democratização? Apenas assim poderíamos

confirmar o novo sentido do conhecimento sociológico, o que ressaltamos, não foi o objetivo da tese.

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O outro capítulo, sobre “o ensino de sociologia na escola secundária brasileira”,

possui um sabor amargo. Ele documenta o quanto avançamos rapidamente para trás.

Na década de 1950 discutíamos qual seria a importância pedagógica da sociologia na

formação adolescente. Hoje nos vemos diante de pressões que visam extirpar as

ciências sociais mesmo do ensino superior e eliminar a sociologia de todos os nichos

que ela já conquistou! Por “irresponsabilidade do sociólogo” como querem alguns, ou

porque a “reação burguesa” gerou os seus próprios ritmos históricos, sufocantes e

destrutivos? (FERNANDES, 1977, p.14).

Esta fala de Fernandes denota uma decepção com os rumos tomados pelo país e

pelo debate anteriormente travado na década de 1940. As Ciências Sociais, apesar de terem

saído do currículo do secundário em 1942, construíram a partir da década de 1940/1950 um

lugar respeitado na academia, mas Fernandes reivindica que os sociólogos da sua geração

apesar de primar pela construção de um arcabouço científico para a disciplina, não procuraram

incorporar as elites culturais do país uma nova interpretação sobre a realidade nacional:

Postos diante das expectativas conservadoras dos ‘donos do poder’, eu e meus

companheiros de geração não procuramos nos incorporar às elites culturais do país;

apegamo-nos a um radicalismo científico, que servisse, ao mesmo tempo, como um

escudo protetor e um recurso de autoafirmação. Portanto, não cerramos fileiras com

o “liberalismo esclarecido, que via, na criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras ou da Escola Livre de Sociologia e Política, um mecanismo de renovação do

poder os estratos dirigentes das classes dominantes, empenhados na defesa da

hegemonia paulista. Procuramos legitimar uma área própria de autonomia intelectual

e o fizemos em nome da ‘ciência’ e da ‘solução racional’ dos problemas sociais

(FERNANDES, 1977, p.14).

O impacto da retirada da Sociologia dos cursos secundários exigiu novo

redirecionamento e acelerou mudanças dos cursos acadêmicos antes voltados particularmente

para a preparação de professores mais do que pesquisadores propriamente ditos. Uma dessas

mudanças diz respeito ao redirecionamento das Ciências Sociais para a temática da “mudança

social” já que questões fundamentais da realidade brasileira como a questão racial, educacional,

desigualdades sociais e a própria atuação dos intelectuais na vida política brasileira foram

ganhando terreno e pesquisas cientificas de grande escopo.

É interessante notar que na década de 1930 e início dos 1940 temos um processo de

sistematização da disciplina que acompanha e “respeita” a disciplinarização escolar da

Sociologia. As sociologias escolar e acadêmica andam juntas, portanto, até 1942, pois uma

precisa da legitimidade - em processo de construção - da outra. A medida que a sociologia

acadêmica avança, com ascensão da metodologia científica, a sociologia escolar desanda.

Nessa acepção, como apontam Luiz de Aguiar Costa Pinto e Edison Carneiro

(1955) - a Reforma Francisco Campos, ao tornar obrigatório o estudo da Sociologia no ensino

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secundário, ao conferir “a essas ciências o papel fundamental de uma nova atitude diante da

vida, base de um novo humanismo, elemento essencial da integração do homem moderno na

sociedade moderna” (COSTA PINTO e CARNEIRO, 1995), poderia dado “uma resposta da

inteligência nacional ao desafio representado pelos problemas colocados diante dela pelas

mudanças sociais em processo, problemas que o movimento revolucionário que inaugurou o

decênio tinha que, como tarefa histórica, atacar de frente” (COSTA PINTO e CARNEIRO,

1995).

No entanto, estes mesmos autores concluiriam que a reforma não rendeu os frutos

prometidos. Os programas de Sociologia, foram entregues inicialmente a pessoas alheias aos

debates das Ciências Sociais e o próprio Campos mostrou-se como uma figura com posições

contraditórias: ao mesmo tempo em que tentou implementar uma política educacional de caráter

nacional e ratificou a permanência da Sociologia no ensino secundário, em uma reforma

revestida de caráter modernizante e democrático, estabeleceu o ensino religioso nas escolas

públicas e redigiu a Constituição Federal que instituiu o Estado Novo (SAVIANI, 2010).

Problemas que segundo Costa Pinto e Edison Carneiro (1955), se adensaram no

contexto pós-Reforma Capanema e representaram um retrocesso no desenvolvimento da

Sociologia escolar, à medida que diminuíram a atração do curso/diploma destituído de um dos

seus principais sentidos profissionais. Estes assinalam ainda que a maioria dos que procuravam

os cursos de Ciências Sociais, buscavam candidatar-se ao magistério secundário e não fazia

sentido – em um meio em que o mercado de trabalho era tão restrito – que um curso

universitário existisse como esforço isolado para a formação de técnicos e pesquisadores de

alto nível em Ciências Sociais.

Sua defesa da Sociologia na escola básica aparece então, novamente, vinculada à

igual defesa de um “mercado de trabalho intelectual” (COSTA PINTO & CARNEIRO,1955)

sólido para os egressos dos cursos de ciências sociais que poderia, inclusive, contribuir para

aprimorar sua formação acadêmica128 – o que acabou por não se realizar em larga escala129.

128 Como aponta Meucci (2001) o desaparecimento da Sociologia dos cursos complementares causou impacto

negativo na produção de obras didáticas. Após 1942 foram elaborados apenas dois novos compêndios de

sociologia que são obras que compõe uma nova ‘safra’ dedicada especialmente (ainda que não exclusivamente)

ao ensino superior. Teoria e Pesquisa em Sociologia de Donald Pierson e Sociologia: uma introdução aos seus

princípios de Gilberto Freyre estavam certamente voltados ao público dos estudantes de graduação em ciências

sociais. O que nos permite dizer que a preocupação quanto ao que ensinar no ensino secundário, já havia de várias

maneiras minguado, enquanto florescem alternativas para disciplina acadêmica 129 Importante destacar que Florestan Fernandes, Costa Pinto e Antonio Candido não foram os únicos expoentes

da academia a tomar parte nos debates sobre a Sociologia enquanto disciplina escolar. Já versamos sobre a

importância de Delgado de Carvalho e Fernando de Azevedo na década de 1920 e 1930, além dele se destacam

Antonio Carneiro Leão, professor da Universidade do Brasil, criou a cadeira de Sociologia na Escola Normal de

Pernambuco, que teve como titular, entre 1929 e 1930 onde atuou Gilberto Freyre; Roger Bastide, da Universidade

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4.3. Diletantismo x ciência no debate acadêmico dos anos 1930/1940

Uma das razões do descolamento entre as sociologias escolar e acadêmica também

passa pela consolidação de uma nova geração de sociólogos que modificou a maneira que a

disciplina se apresentava entre nós, a partir de um debate interno ao campo acerca das diretrizes

da disciplina. Antes de entrarmos na análise das oposições ocorridas entre as gerações de

sociólogos, nos cabe lembrar que processos de ruptura no que diz respeito a relação da

Sociologia com outros campos disciplinares/científicos aconteceram desde o século XIX.

Uma dessas primeiras rupturas se deu no campo do Direito. Como destaca Cigales

(2016), os primeiros cursos de Direito no Brasil (em 1827, em São Paulo, e em Olinda,

posteriormente Recife, em 1854) surgiram concomitantemente ao processo de independência

do país e a construção do Estado nacional, tendo duas funções demarcadas: ser polo de

sistematização e irradiação do liberalismo enquanto nova ideologia político-jurídica capaz de

defender e integrar a sociedade, e, ao mesmo tempo, dar condições institucionais ao liberalismo,

ao formar o quadro administrativo-profissional, ou seja, a burocracia local.

Sendo assim, as escolas de Direito, a partir da segunda metade do século XIX,

recepcionaram um discurso secular que possibilitava uma diversidade temática entrelaçada ao

discurso jurídico, como a Biologia, História e Sociologia, representando uma vanguarda

científica no país (ENGERROFF e CIGALES, 2017)130.

No entanto, as discussões acerca do ensino jurídico eram intensas, aprimorando-se

a defesa por reformas das academias no início do século XX, especialmente pela crise do

bacharelismo. Assim, a Sociologia é invocada de modo a propiciar a renovação intelectual das

faculdades de Direito, dando um suporte científico a estas, como destaca Meucci:

Se não foi nas faculdades de Direito que a disciplina sociológica ganhou espaço

institucional, autonomia epistemológica e, sobretudo, prática de pesquisa, foi, porém,

de São Paulo, e Donald Pierson, da Escola de Sociologia e Política, estiveram envolvidos com o Instituto de

Educação de Florianópolis, quando a Sociologia foi elevada a disciplina do curso normal de formação de

professores para o ensino primário. Emílio Willems foi professor da Escola de Sociologia e Política e da

Universidade de São Paulo, lecionou no ensino secundário e em escolas normais, em Santa Catarina e São Paulo,

ao longo de uma década, antes de se estabelecer no ensino superior. 130 Além disso, ainda que a formação nestas escolas indicasse o título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais,

a Sociologia não integrava diretamente os currículos escolares. De todo modo, mesmo com críticas acerca da baixa

qualidade do ensino, das precárias estruturas e do autodidatismo nas escolas de Direito, estas faculdades e seu

entorno se constituíram de ponto estratégico para a ampla formação da classe dirigente nos quais a ordem jurídica

vindicava o preparo metódico de noções antropológicas e sociológicas para alargar os horizontes dos estudantes,

dando-lhes elementos para entender o homem e a sociedade, mas sem compreender um conhecimento sociológico

ordenado (ENGERROFF e CIGALES, 2017).

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sob as arcadas que obteve significação capaz de mobilizar esforços intelectuais para

sua ampla repercussão. Depositária da expectativa de renovas a vida do país, com uma

tarefa civilizadora, a Sociologia, com efeito, ganhara legitimidade para se estabelecer

no sistema de ensino brasileiro (MEUCCI, 2000, p. 31).

No entanto, a partir dos anos 1930, a partir do discurso já trabalhado de ruptura do

Brasil com sua origem arcaica, a Sociologia se descola do Direito. Já que para modificar o

Brasil, era preciso conhecê-lo a fundo, direcionar-se a resolução dos problemas presentas na

“realidade brasileira”. O conhecimento acerca da realidade social passou, então, a ser

compreendido como um imperativo, condição necessária para celebração de um novo acordo

político capaz de nos conduzir a um melhor destino. Neste período, houve, simultaneamente, a

crítica severa à formação dos juristas e o estímulo à repercussão do conhecimento sociológico.

Entendia-se que os bacharéis em direito acumulavam saber literário e

enciclopédico, empolgavam-se pela abstração teórica sem estabelecer nexos com o curso da

vida social. A Sociologia, por sua vez, parece então ter representado uma porta de entrada para

uma nova atitude na qual o conhecimento estaria duplamente ligado à realidade: de um lado, a

produção do saber sociológico teria a sua origem na observação de fatos, de outro, o

conhecimento, assim produzido, resultaria em intervenções eficientemente planejadas e

controladas país (ENGERROFF e CIGALES, 2017).

A expectativa era de que o conhecimento sociológico - originário da observação

empírica - permitisse que a transformação da realidade fosse possível sobre bases concretas e

factíveis. Assim se imaginava uma conciliação entre as ideias e os fatos, entre as leis e o

processo social, entre Estado e Sociedade. A Sociologia foi compreendida como uma novidade

na vida intelectual que contrastava com o idealismo imobilista da perspectiva jurídica

(MEUCCI, 2000).

Esta crítica ao imobilismo jurídico terá repercussões nos debates do interior do

próprio campo. A reivindicada relação com a realidade social foi compreendida como oposição

à “ficção literária”, à “erudição”, ao “diletantismo”, ao “proselitismo”. A Sociologia foi então

representada como um conhecimento “exato”, “imparcial” e “aplicável”. Diletantismo,

proselitismo e enciclopedismo foram compreendidos como atitudes a serem combatidas. Não

se queria, principalmente, ver a sociologia como uma disciplina objeto do exercício intelectual

de diletantes.

Esta oposição dará origem a já debatida conexão com o campo educacional,

sobretudo os autores ligados à Escola Nova, que entre outros aspectos, criticavam o ensino

superior existente, centrado nas profissões liberais, para defender a criação de faculdades de

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Ciências Sociais e Econômicas, Matemáticas, Físicas e Naturais, e de Filosofia e Letras. Estes

criticavam também à formação de professores, até então recrutados entre pessoas sem

preparação profissional adequada para lecionar no ensino secundário ou entre os egressos de

escolas normais que não ofereciam a necessária preparação geral e pedagógica para o

magistério.

Esses debates não impulsionaram mudanças efetivas no campo escolar, mas foram

fundamentais para fundar os primeiros cursos de graduação em Ciências Sociais no Brasil. A

partir da fundação das universidades e dos cursos, a luta contra a tradição sociológica anterior

se adensa. Há uma clara ruptura entre os cientistas sociais paulistas – especialmente na

Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP) – em

relação aos intelectuais não acadêmicos dos anos de 1930 e 1940, que se expressavam,

sobretudo, através do ensaio histórico/sociológico – gênero indefinido entre Literatura,

Sociologia e História – interpretando de forma abrangente o processo de formação da sociedade

e da nação, em meio à radicalização política que seguiu a Revolução de 1930.

Livros até então considerados clássicos da literatura sociológica brasileira131 são

questionados quanto a sua validade científica, sobretudo quanto suas supostas

abordagens/interpretações generalistas e pouco apreço aos dados empíricos e recursos

analíticos. A busca de cientificidade passa a ser encarada como etapa indispensável ao

desenvolvimento da sociologia no Brasil (JACKSON, 2007).

Em outras palavras, a descontinuidade verificada na recorrência de temas e linhas

de interpretação de uma geração para outra representava uma renovação de métodos, teorias e

fundamentos empíricos. Como nos orienta Jackson (2007), a oposição entre um modelo

ensaístico e o científico deve ser pensada como relação complexa, em torno da qual

diferenciavam-se personagens e grupos, mais ou menos envolvidos no projeto de opor a

Sociologia como ciência ao ensaio, isto porque ninguém na universidade poderia fugir a essa

orientação geral, decorrente do processo abrangente de legitimação das Ciências Sociais no

período. Esta conjuntura, por exemplo, foi essencial para a construção de uma identidade

profissional específica, na qual se incorporam teorias e técnicas de pesquisa trazidas pelos

professores estrangeiros, além de novas formas de organização e avaliação do trabalho

intelectual, tornando quase inevitável o fortalecimento de nova geração com nova forma

expressiva de pensar ciência, em oposição à precedente, legitimada progressivamente.

131 Notadamente, Casa Grande & senzala (FREYRE, 1933) e Raízes do Brasil (BUARQUE DE HOLANDA,

1936).

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Figura proeminente nesta movimentação teórico-metodológica foi Roger Bastide,

que assume a cadeira de Sociologia II, substituindo Lévi-Strauss, e se interessa imediatamente

pela leitura de autores brasileiros, indignando-se com a ignorância de muitos alunos a esse

respeito e insistindo para que os estudassem: entre estes estavam Florestan Fernandes e Antonio

Candido. Enquanto o primeiro reivindicou a prática e a consolidação da sociológica de cunho

científico; o segundo dividiu-se entre a Sociologia e a Literatura, pelo menos até o final dos

anos de 1950, o que teve impactos em sua compreensão acerca do campo, como verificamos

em textos como “A Sociologia no Brasil” e “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, nos quais o

autor destaca, como forma típica de expressão do nosso pensamento, o “sincretismo” entre os

dois campos.

Esse debate ganha contorno intenso nas décadas posteriores com eco nos embates

entre Octavio Ianni e Gilberto Freyre, com o primeiro discutindo a concepção sociológica do

autor no livro “Sociologia, introdução ao estudo de seus princípios” (FREYRE, 1945)

criticando-o por confundir linguagens distintas, como arte e ciência. Novamente, buscava-se

afirmar o projeto do grupo, de constituir em bases sólidas a Sociologia como ciência, já que

separação radical entre os domínios da ciência e da arte, proposta defendida por Ianni (1958),

apoia-se no pressuposto de que somente a ciência dispõe de meios para afastar-se do mundo

dos valores, nisso consistindo a diferença de abstração que a separa da literatura.

Essa oposição também se manifesta no campo do ensino já que os uspianos também

defendiam um tipo de ensino da Sociologia que fosse “verdadeiramente científico”, isto é,

centrado na análise dos processos sociais efetivos e não na história das ideias sociológicas, esta

considerada característica dos períodos pré-científicos da disciplina (JACKSON, 2007).

Percebemos que a Sociologia, a partir dessas oposições expostas acima, inicia um movimento

de consideração de seus próprios problemas e debates acadêmicos internos, se afastando do

debate público, e, consequentemente do espaço e debate escolar, perspectiva que valorizava

anteriormente em publicações como a Revista Sociologia.

4.4. Revista Sociologia: Didática e Científica (1939-1950)

A Revista Sociologia foi publicada entre 1939 e 1966 e é considerada um dos mais

antigos periódicos brasileiros, pois acompanhou o movimento de institucionalização das

Ciências Sociais no Brasil, a partir da criação dos primeiros cursos superiores de Ciências

Sociais, na ELSP e na USP. Como apontaram Almeida e Silva (2015) “em 27 anos de

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existência, foram editados pouco mais de 100 números que contabilizam milhares de artigos e

dezenas de assuntos e temas relacionados à grande área das Ciências Sociais”.

A revista não será responsável direta pelo descolamento das sociologias, mas sua

trajetória - reconstruída aqui com auxílio de Almeida e Silva (2015), Jackson (2007) e Neuhold

(2014) - ajuda a compreender o movimento delineado acima, principalmente quando a revista

deixa o complemento “Didática e Científica” de sua apresentação. Durante os primeiros anos a

revista tenta estabelecer uma conexão entre

A revista tornou-se rapidamente o maior periódico brasileiro especializado em

Sociologia e não tardou a ser reconhecida, dentro e fora do país, como importante divulgador

das Ciências Sociais, desde os seus primórdios, no entanto, enfrentou dificuldades financeiras,

para as quais encontrou solução definitiva na incorporação, em 1947, à ELSP – tendo como

editores os professores Emílio Willems e Romano Barreto.

A relação com a ELSP, inclusive, é marcante, sobretudo sua relação com os três

professores que lideraram a criação do programa de pós-graduação em Sociologia e Política:

Emílio Willems, Donald Pierson e Herbert Baldus. Willems, que desde 1941 lecionava na USP,

respondia pelas disciplinas de Sociologia e Antropologia na ELSP, foi o maior colaborador do

periódico, ao lado de Pierson, entre 1939 e 1949, quando deixou o Brasil.

Pierson assinava a seção “Notas sociológicas” e dirigiu a revista entre 1950 e 1957.

Herbert Baldus por sua vez, que a partir de 1947 também editaria a Revista do Museu Paulista

(JACKSON, 2007), mantinha Sociologia atualizada no que de mais recente se produzia na

Antropologia Social. Coordenava também a “Seção etnológica” onde publicava textos próprios,

traduções e materiais de outros autores. Essa participação decisiva de professores da ELSP no

periódico desde as suas origens, porém, não anulou o fato de a revista ter nascido de iniciativa

particular e mantido existência autônoma daquela instituição entre 1939 e 1947 (NEUHOLD,

2014).

Com relação a sua proposta/linha editorial, podemos dizer que a revista teve duas

fases: entre 1939 e meados de 1950, quando Sociologia nomeadamente se caracterizou como

uma “revista didática e científica”; e a partir de 1950, quando renunciou definitivamente à sua

preocupação didática para se apresentar apenas como revista de divulgação científica

(NEUHOLD, 2014).

A proposta original de Sociologia encontrava-se intimamente relacionada à

trajetória acadêmica e profissional de seus fundadores/editores. Como seus currículos deixam

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claro 132, portanto, ambos fundadores/editores da revista lecionavam no magistério secundário

e escola normal. Como aponta Willems, o ensino secundário representa dificuldades quanto ao

ensino da disciplina já que “inegavelmente, a Sociologia como sendo a ciência mais complexa

de todas quantas se ensinam nos cursos profissionais e complementares, coloca o professor

diante de problemas didáticos de difícil solução” (WILLEMS, 1940, p.83). Ao mesmo tempo,

as dificuldades com o magistério despertaram o interesse dos autores em experimentar e

difundir suas experiências didáticas, com intenção de formar uma rede de colaboração e

divulgação de práticas de ensino de Sociologia.

Definida por seus diretores como “revista e compêndio ao mesmo tempo”

(SOCIOLOGIA, 1939 apud NEUHOLD, 2014), a revista foi originalmente criada como uma

publicação didática destinada a docentes e alunos das escolas normais, do ensino secundário e

superior. Nos números iniciais, mostrava interesse pelos estudantes do ensino secundário e

normal, anunciando a intenção de lhes fornecer subsídios para o estudo dessa nova disciplina

dos programas das escolas normais e do curso complementar do ensino secundário: “Sociologia

pretende ir ao encontro dos que desejam conhecer seriamente essa disciplina e, nesse sentido,

propõe-se como programa acompanhar o estudante, proporcionando-lhe a ajuda necessária para

o enriquecimento e organização de sua cultura” (SOCIOLOGIA, 1939 apud NEUHOLD,

2014).

No número de estreia (v. 1, n. 1, 1939), seus diretores declaravam que o periódico

não era “a primeira revista de caráter científico entre as que aparecem em São Paulo”, mas que

seria “a primeira revista didática destinada aos cursos secundários, profissional e superior”

(SOCIOLOGIA, 1939a, p. 5). O objetivo era levar a revista a quem quisesse conhecê-la, em

um formato mais flexível que o do livro, podendo ser constantemente aperfeiçoado e renovado.

132 Romano Barreto lecionava no Colégio Universitário anexo à Faculdade de Direito da Universidade de São

Paulo (USP). Era professor efetivo de Sociologia do curso complementar do ensino secundário, destinado aos

candidatos à Faculdade de Direito e à seção de Filosofia, Ciências Sociais e Políticas, Geografia e História da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Segundo Antonio Candido (1993 apud NEUHOLD, 2014), antigo aluno

do colégio, os professores formavam um “corpo especial”: não eram os mesmos dos cursos da universidade, mas

ministravam aulas nas próprias unidades da USP. Enquanto, Emílio Willems também ministrava aulas no ensino

secundário e na escola normal, ofício ao qual se dedicou durante uma década, entre 1931, quando chegou ao Brasil,

até 1941, quando foi nomeado professor de Antropologia da USP. Conforme apontado anteriormente, apesar de

não falar com entusiasmo sobre sua carreira no ensino secundário, Willems dividia suas atividades no ensino

superior como assistente no Instituto de Educação com o magistério no Liceu Nacional Rio Branco, escola

particular de São Paulo. Em São Paulo, Willems iniciou suas atividades na Universidade de São Paulo a convite

de Fernando de Azevedo, lecionando Sociologia. Em 1941, assumiu a disciplina de Antropologia que, até então

oferecida de forma intermitente, tornou-se obrigatória para os cursos de Ciências Sociais, História e Geografia.

Sob sua influência, a área de Antropologia transformou-se em uma especialização do curso de Ciências Sociais,

ao lado da Sociologia e Ciência Política, e, em 1948, em uma cadeira.

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Na “carta os nossos leitores” (v. 1, n. 2, 1939b), Willems e Barreto explicitavam a linha editorial

da revista:

Sociologia é uma revista e compêndio a um tempo. Entendendo que uma ciência tão

ligada à realidade social e à necessidade de observação e investigação incessantes não

pode ser condensada apenas em livros, resolvemos dar-lhe uma apresentação mais

plástica, suscetível de ser renovada e aperfeiçoada continuamente. Além de

proporcionar ao estudante o contato com a matéria dos programas oficiais, Sociologia

pretende incentivar, mediante suas seções de consultas e pesquisas, o “trabalho de

campo”, a observação direta e a investigação de fatos concretos para lançar, desse

modo, os fundamentos de uma Sociologia brasileira, isto é, uma Sociologia das

realidades sociais do nosso país (SOCIOLOGIA, 1939b, p. 7). [...] Assim é que, em

cada número, publicará matéria não só dos dois anos do curso de formação

profissional do professor das escolas normais, como do curso complementar e Colégio

Universitário, contando para isso com a colaboração dos professores de Sociologia

(SOCIOLOGIA, 1939b, p. 6).

Ainda na carta aos leitores, os diretores convocavam professores a contribuir com

um suplemento que forneceria “subsídios para a didática da Sociologia” (SOCIOLOGIA,

1939b). Pediam, neste sentido, a colaboração dos professores, para que remetessem relatórios

acerca de suas experiências didáticas, planos e resumo de aulas sobre determinados assuntos

dos “programas oficiais, aulas-modelos, reportagens sociais, observações que possam servir de

exemplos didáticos, trabalhos de alunos, sugestões acerca da organização de pesquisas, planos

detalhados de investigações, etc.” (SOCIOLOGIA, 1939b, p.7).

Sendo assim, a carta ao leitor evidenciava alguns aspectos do projeto original de

Sociologia: interlocução com estudantes e professores; discussão de assuntos presentes nos

programas de ensino das escolas normais e do ensino secundário; foco na pesquisa empírica;

produção colaborativa com professores do ensino secundário, normal e superior. Os quatro

números lançados em 1939, inclusive, foram compostos pelos conteúdos e programas das

escolas normais e dos cursos complementares do ensino secundário ministrados no Colégio

Universitário da USP e trouxeram ainda artigos sobre sociólogos e suas teorias, quase todos

com manifesta preocupação didática (NEUHOLD, 2014).

Este panorama, no entanto, começa a se modificar na década de 1940, os sumários

dos dois primeiros números de Sociologia iniciavam com a inscrição: “Subsídios para o estudo

da Sociologia nas escolas normais, Colégio Universitário e cursos complementares; o que se

modifica a partir do terceiro número de Sociologia deste mesmo ano, em que o sumário deixou

de conter a inscrição “Subsídios para o estudo da Sociologia nas escolas normais, Colégio

Universitário e cursos complementares”. Os planos e programas não foram mais publicados

regularmente, havendo apenas mais uma ocorrência em 1943, com os “Programas de

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Sociologia”, de José Querino Ribeiro (v. 3, n. 4, 1941). No primeiro número de 1942, a “Seção

didática” já estava extinta (NEUHOLD, 2014).

Embora os assuntos pertinentes ao ensino de Sociologia tenham sido retomados

esporadicamente nos volumes posteriores, voltaram a ter proeminência somente na já destacada

edição de 1949 com os artigos do Symposium onde os autores133 discutiam as possibilidades e

dificuldades envoltas no ensino de Sociologia e Etnologia, nas escolas normais, no ensino

secundário e superior. Talvez esse tenha sido o ato final dos esforços daquela revista de manter

sua vocação original de fornecer subsídios didáticos para aqueles que ensinavam e aprendiam

Sociologia. Depois disto, a revista modifica sua trajetória, como aponta Neuhold (2014),

analisando declarações dos diretores da revista:

Em 1954, ao traçar, uma história de Sociologia antes de sua incorporação à Escola

Livre de Sociologia e Política, Romano Barreto (1954, p. 8) recordou o “desejo de

tornar didática a revista”. Lembrou que o “Suplemento” foi lançado em 1939,

“visando tornar clara nossa ideia e mostrar o que pretendíamos para os estudiosos de

Sociologia com a colaboração deles mesmos. Não foi possível publicar mais nenhum

suplemento...”. As reticências que finalizaram o relato de Barreto não permitem

responder por que aquele suplemento para a didática da Sociologia não teve

continuidade ou por que a revista logo deixou de ter a didática como foco de sua

produção. Algumas pistas, porém, foram encontradas em depoimento de Emílio

Willems (1987) e nas próprias chamadas publicadas nos primeiros números do

periódico. Dessas pistas sobre o enfraquecimento da vocação didática de Sociologia

foi possível extrair uma hipótese: a revista nasceu com o propósito de difundir

conhecimentos sociológicos e, sobretudo, criar um espaço colaborativo de troca de

experiências didáticas relacionadas ao ensino da Sociologia que se estabelecia como

disciplina escolar (desde os decretos 2.940/1928, 19.890/1931 e 21.241/1932) e

acadêmica (desde a fundação da Escola Livre de Sociologia e Política e da

Universidade de São Paulo); porém, Sociologia não recebeu participações constantes

e suficientes de professores e estudantes do ensino secundário e das escolas normais

como planejado originalmente, tendo conquistado apoio de antropólogos e sociólogos

que lecionavam no ensino superior (com destaque para Donald Pierson e Herbert

Baldus) e que acabaram imprimindo-lhe características associadas mais à divulgação

científica e ao meio acadêmico do que propriamente à didática da Sociologia no

âmbito escolar (NEUHOLD, 2014, p. 206-207).

De fato, foram diversas tentativas dos diretores de Sociologia, no seu primeiro ano

de existência, para conseguir o apoio de estudantes e professores. Além dos anúncios na própria

revista, os diretores também explicitaram a intenção de tornar o periódico “um centro de

convergência das atividades escolares no que diz respeito à Sociologia, razão por que destinará

parte de suas páginas às publicações de trabalhos dos estudantes da matéria” (SOCIOLOGIA,

1939a, p. 6). Assim, esperavam que a revista fosse “aceita por mestres e alunos e, mais, por

quantos se interessem” (SOCIOLOGIA, 1939a, p.6). Apesar das tentativas para angariar apoio,

133 Antonio Candido, Luiz de Aguiar Costa Pinto, José Arthur Rios, Donald Pierson e Octavio da Costa Eduardo.

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foi, segundo Willems (apud CORRÊA, 1987, p. 119), “sumamente difícil conseguir

colaboração”.

São sintomáticas as influências neste processo da virada do campo científico e da

Reforma Capanema, já que a Sociologia ganhou maior importância/relevância acadêmica e

precisava de uma revista para publicação dos trabalhos produzidos na universidade, enquanto

que a produção didática perde força. Basta tomar como exemplo, novamente, a atuação dos

próprios editores. Willems se estabeleceu no ensino superior a partir de 1941, deixando de

lecionar definitivamente em escolas, o que pode ter contribuído para perder o interesse em

abordar questões associadas àquele nível de ensino; e o Colégio Universitário da USP, onde

lecionava Barreto, funcionou apenas até 1943 (NEUHOLD, 2014).

Por fim, não é possível ignorar que o ensino secundário e o normal abarcavam uma

parcela mínima da população e, embora não haja dados sobre o efetivo de professores de

Sociologia na ativa naquela conjuntura, é muito provável que não reunissem muitos potenciais

autores que por ventura, alimentariam as páginas da revista. As dificuldades para conseguir

colaboradores regulares entre professores do ensino secundário e das escolas normais e o perfil

científico dos autores que se tornaram assíduos na revista, somados à Reforma Capanema e à

própria trajetória acadêmica e profissional de Willems, contribuíram para que Sociologia

ganhasse, aos poucos, feições que não estavam centradas unicamente na didática da disciplina

na escola.

4.5 . Sociologia e ensino secundário: qual o papel da disciplina no debate público?

Como indica Romanelli (2005), em 1940 as taxas de escolarização no ensino

secundário no Brasil eram de, em média, 2% da população. As escolas particulares respondiam

pela maior parte das matrículas, sendo que, em 1920, contabilizavam 9 mil contra 764

registradas nos ginásios públicos. Segundo Limongi (2001), o ensino secundário em 1930, no

Estado de São Paulo (o maior em termos econômicos da nação), era oferecido somente por três

ginásios públicos, um deles localizado na capital e os outros dois no interior, nas cidades de

Ribeirão Preto e Campinas. O sistema escolar, reduzido ao mínimo necessário, resumia-se à

educação básica e ao ensino normal.

No Rio de Janeiro, os reformadores da educação (Anísio Teixeira, Fernando de

Azevedo, Carneiro Leão, Francisco Campos e Lourenço Filho) enfatizam, em suas reformas, a

preocupação com o trabalho intelectual e pedagógico dos professores. Fernando de Azevedo,

Diretor de Instrução Pública no Rio de Janeiro (1927-1930), em um momento caracterizado

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pelo surgimento de grande efervescência cultural, social, econômica e política, convive com a

visão da educação como fator de desenvolvimento que provoca a ampliação dos estudos

brasileiros.

A discussão da modernidade e de projetos político-educativos, as visões acerca das

relações Estado, sociedade e educação, os impasses da construção da cidadania, as alternativas

de organização da cultura e da educação na sociedade civil e no Estado que desenvolvem os

intelectuais da cidade, mostram que a conjuntura propiciava projetos de mudança e

transformação social. Dessa forma, a preocupação com a competência profissional do

professor, reveste-se de importância pela possibilidade de impulsionar o movimento de

profissionalização do educador brasileiro.

Os dados e as intenções expostos acima demonstram que, de um lado, havia a

necessidade de ampliar a rede educacional brasileira e, de outro, fomentar a qualificação dos

profissionais para atuação nessas unidades, o que se coadunaria com o surgimento de novas

universidades e a ampliação da formação do Ensino de Sociologia134. No entanto, a empolgação

com o campo educacional, visto da segunda metade da década de 1920 até o manifesto dos

pioneiros em 1932, havia perdido força. A educação, entendida como atividade ou projeto, não

possuía os recursos necessários que a situação exigia. No campo sociológico, a questão

educacional e do próprio ensino da disciplina se esvai frente à ambição que tomou a frente: a

consolidação do campo na academia e seu reconhecimento enquanto ciência instituída nos

modernos quadros da divisão disciplinar.

Nesse sentido, acreditamos que este processo acabou por gerar uma cisão dentro da

própria ciência social brasileira que nos ajuda a explicar o descolamento entre as duas

concepções de Sociologia que investigamos. Como sabemos quem mais sofre com esse

descolamento é a escola secundária, e, também, de forma anexa, a escola normal. Lembramos

desta segunda para reforçar nosso argumento, pois estas também demarcam/demonstram o

processo de desvalorização do campo educacional, que atinge também a sociologia escolar.

Lembramos que nos anos 1920, as escolas normais estavam em franca expansão

devido a introdução do curso normal nas iniciativas privada e pública, com o qual se procurava

compensar a escassez de estabelecimentos oficiais na maioria dos estados. As escolas normais,

portanto, já haviam ampliado a duração e o nível de seus estudos, possibilitando, via de regra,

134 Mas, na prática, isto não aconteceu, pois, a década de 1930 é marcada pela disputa que envolve explicações

escolares e católicas frente as explicações científicas no campo da educação. O debate sociológico neste contexto

vai começar a deixar de lado o debate no campo amplo da educação, a própria Revista Sociologia como vimos

anteriormente abandona o campo da educação como espaço dialógico.

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articulação com o curso secundário e alargando a formação profissional propriamente dita,

graças à introdução de disciplinas, princípios e práticas inspirados no escolanovismo

(TANURI, 1970 e 1979).

Como vimos, a literatura didático-pedagógica, até então voltada quase que

exclusivamente para uma abordagem ampla dos problemas educacionais brasileiros, partindo

de uma perspectiva social e política determinada, passa a tratar os problemas educacionais de

um ponto de vista técnico, “científico”, e a contemplar, desde questões teóricas e práticas do

âmbito intraescolar, até abordagens pedagógicas mais amplas, da perspectiva da escola

renovada.

O modelo de escola normal vigente até então começa a ser criticado por

supostamente delimitar os problemas educacionais a uma abordagem estritamente técnica que

foi apontada como responsável por uma visão ingênua e tecnicista da educação, isolada de seu

contexto histórico-social, que faria carreira na educação brasileira a partir de então e da qual

resultaria uma ampliação da ênfase nos conteúdos pedagógicos, no caráter “científico” e

“quantitativo” da educação e na suposta “neutralidade” ou “imparcialidade” dos procedimentos

didáticos (NAGLE, 2001 e SAVIANI, 2010). O campo educacional, portanto, também é

atingido pelo debate sobre cientificidade, o que acaba por distanciar as duas áreas que detinham

intimo contato.

Significativo nesse sentido, será o movimento do governo federal, a partir da

Reforma Campos em transformar a Escola Normal do Distrito Federal em Instituto de

Educação, constituído de quatro escolas: Escola de Professores, Escola Secundária, Escola

Primária e Jardim-de-infância. Em 1935, a Escola de Professores foi incorporada à então criada

Universidade do Distrito Federal, com o nome de Faculdade de Educação, passando a conceder

a licença magistral àqueles que obtivessem na universidade a licença cultural. Em 1939, com a

extinção da UDF e a anexação de seus cursos à Universidade do Brasil, a Escola voltaria a ser

integrada ao Instituto de Educação, mas existiria duas maneiras de formar professores, via

escola secundária e cursos universitários.

À medida que a educação ganhava importância como área técnico-profissional,

diversificavam-se as funções educativas, surgindo cursos especificamente destinados à

preparação de pessoal para desempenhá-las. Cursos regulares de aperfeiçoamento do

magistério e de formação de administradores escolares apareceram, nos primeiros anos da

década de 1930, no estado de São Paulo e no Rio de Janeiro e, posteriormente, em outras

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unidades da Federação, como no Rio Grande do Sul, em Pernambuco, na Bahia, em Minas

Gerais, em Sergipe, no Ceará, no Maranhão, no Rio de Janeiro (BARBIERI, 1973).

Em 1939, surgia o curso de Pedagogia, inicialmente criado na Faculdade Nacional

de Filosofia da Universidade do Brasil (Decreto 1.190, de 4/4/1939), visando à dupla função de

formar bacharéis, para atuar como técnicos de educação, e licenciados, destinados à docência

nos cursos normais. Iniciava-se um esquema de licenciatura que passou a ser conhecido como

“3 + 1”, ou seja, três anos dedicados às disciplinas de conteúdo – no caso da Pedagogia, os

próprios “fundamentos da educação” – e um ano do curso de Didática, para a formação do

licenciado (SILVA, 1999).

O ensino normal sofreu a primeira regulamentação do governo central em

decorrência da orientação centralizadora do Estado Novo. A constituição outorgada em 1937

não conferia aos estados atribuição expressa quanto à organização de seus sistemas de ensino -

atribuição essa consagrada pela Carta de 1934 - mas incumbia à União a competência de “fixar

as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve

obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude” (art. 15, inciso IX).

Em consonância com essa orientação, a política educacional centralizadora traduziu-se na

tentativa de regulamentar minuciosamente em âmbito federal a organização e o funcionamento

de todos os tipos de ensino no país, mediante “Leis Orgânicas do Ensino”, decretos-leis federais

promulgados de 1942 a 1946. Fizemos este pequeno recorte sobre a escola normal no período

analisado, pois esta demarca o lugar onde a Sociologia escolar continua presente, apesar de sua

saída formal do secundário: na formação de professores, sem avançar, no entanto, de forma

significativa.

Com efeito, como observa Cunha (1992) enquanto a produção sociológica da USP

em Sociologia da educação parecia florescer, sobretudo pela produção de Sociologia

Educacional (1940), Fernando de Azevedo escolheu como assistentes jovens intelectuais

promissores como: Florestan Fernandes, Marialice Foracchi e Luiz Pereira, que depois desse

contato inicial com o tema só vão retomá-lo na Campanha de Defesa da Escola Pública, por

ocasião da tramitação no Congresso Nacional do projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases

(LDB). A educação deixa de ser um tema proeminente nos estudos sociológicos brasileiros.

Cunha (1992) destaca que este distanciamento entre Sociologia e Educação foi

sentido no campo universitário, já que paulatinamente, as Faculdades de Educação para

comporem seus currículos, foram criando disciplinas próprias para o ensino das ciências sociais

e humanas. Alguns chegaram a criar departamentos de Ciências Sociais Aplicadas à Educação,

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que ofereciam, até mesmo, introdução à Sociologia como disciplina obrigatória para os alunos

do curso de pedagogia. No entanto, como destaca o autor, esse distanciamento gera um desvio

temático no campo sociológico, além de um recorte profissional:

Primeiramente, vale retomar a proposição do princípio deste texto, a propósito da

importância da indução governamental (Anísio Teixeira na rede INEP) para as

pesquisas em sociologia da educação. Por que será que essa indução é assim tão vital

a ponto de os sociólogos a tomarem com objeto? Outros temas prescindem de indução

governamental para terem nossa atenção: militares, sindicatos, partidos políticos,

minorias, movimentos sociais, e tantos outros. Com efeito, são temas que adquiriram

importância no meio acadêmico devido à sua relevância social. Mas, isso só foi

possível porque os sociólogos os consideraram relevantes. Quanto à educação, não

me resta dúvida da importância a ela conferida por toda a população. Seja vista como

requisito para a obtenção de ocupação remunerada, seja como meio de fixar o homem

à terra, seja como disciplinadora dos desviantes, seja como libertadora, a educação

está posta como um dos mais graves "problemas nacionais". Por que será que os

sociólogos particularmente os universitários a desprezam? Gostaria de oferecer à

discussão uma hipótese para responder à questão. Com exceção dos pedagogos, os

professores universitários inclusive os sociólogos não se veem como educadores. Para

eles, somente o são os professores da faculdade (centro ou departamento) de

educação. Quantas vezes não teremos ouvido o vocativo: "vocês, educadores..."? A

questão da identidade profissional dos educadores universitários, que não se entendem

como tais, é um importante tema de pesquisa sociológica: como se ajustam (?) práticas

cada vez mais formalizadas e pré-configuradas para a formação do lado, digamos

técnico do professor/pesquisador universitário (como biólogo, psicólogo, engenheiro,

filósofo etc) e as práticas "inconscientes'' para a formação do lado docente? Para um

lado, a profissionalização cada vez mais sofisticada, para outro, o diletantismo

resistente ou complacente (CUNHA, 1992, p. 9).

Retomamos a questão do ensino normal já que este está na intersecção entre as duas

sociologias que investigamos. Já que, embora tenha permanecido no curso normal, a Sociologia

assume um caráter ligado a educação e formação de professores, o que a difere na questão

identitária profissional dos educadores que se formam na universidade, ligados a pesquisa, que

teoricamente dominam a ciência sociológica, mas desprezam a formação de professores.

Ocorre, portanto, uma inversão daquilo que estudamos na tese: na década de

1920/1930 acusavam os professores da disciplina, enquanto produtores de conhecimento, como

diletantes quanto a produção de pesquisas sociológicas; com a fundação das universidades

vemos a crescente atuação de professores diletantes, que por vezes não dominam a discussão

teórica sobre o ensino, somente focando na sua área sociológica de atuação, o que por fim, gera,

segundo Cunha (1982), uma reprodução da lógica elitista no campo educacional:

Sem o embargo de sua origem elitista, enraizada na cultura tradicional dos bacharéis

do Brasil arcaico, será que o diletantismo docente resulta, ou, pelo menos é reforçado

pela rejeição das disciplinas didático-pedagógicas conhecidas durante a licenciatura?

Mas, como se produziria essa rejeição no caso dos profissionais que não as

experimentaram nem tiveram contato com seus colegas dessa área, em universidades

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ainda muito compartimentadas? Longe de mim sugerir que a licenciatura a que aí está

seja requisito para o magistério superior. Mas, convenhamos: será que não faz falta

um aprendizado sistematizado sobre os procedimentos didáticos mais elementares,

ainda que fosse a mera crítica dos casos horripilantes de que estão cheios os cursos

superiores das nossas melhores universidades? (CUNHA, 1982, p. 9-10).

Se analisarmos o Ensino de Sociologia na escola no período considerado pela tese,

vemos que este distanciamento profissional, acadêmico e/ou pedagógico tem como origem

principal, na diferenciação de classe social ou status entre ensino secundário e superior, a partir

da consolidação do último. Se analisarmos o próprio currículo do Colégio Pedro II veremos um

ponto de partida interessante para pensarmos a diferenciação anunciada acima. A Sociologia

no currículo da instituição é pensado de forma enciclopédica dentro de um curso de nível médio,

que atuava para preparar o estudante para o ensino superior.

Não há naquele momento uma preocupação com o ensino ou formação secundária,

este tinha poucos alunos que fariam somente a passagem para o ensino superior. O ensino

secundário no Brasil, portanto, interessava e fazia diferença, de fato, para as classes populares

e trabalhadores, aqueles que realmente precisavam do ensino fornecido neste estágio de

aprendizado para qualificação profissional e que não estavam sendo plenamente atingidos.

Deste modo, um ensino enciclopédico e bacharelesco de Sociologia na escola nos anos 1930,

este tem força neste contexto em que o ensino secundário atinge a poucos e não constitui nada

mais do que um lugar de passagem para chegar no ensino superior, onde as elites ansiavam

chegar.

Interessante notar como Miceli (1987) concentrando-se no perfil social e nas

trajetórias dos egressos das recém-criadas instituições de ensino superior, mostra que muitos

desses egressos buscavam inserção profissional pela via do magistério no ensino secundário,

não somente pelo fato deste ser uma alternativa decisiva, num mercado de trabalho então com

poucas opções, mas pelo fato do magistério “liberar” seus docentes para realização do curso

superior.

De todo modo, era fato que o magistério no ensino secundário se constituía numa

possibilidade real de inserção dos egressos e segundo o autor, talvez este seja um dos motivos

para atrair jovens imigrantes e mulheres aos cursos de Ciências Sociais. No entanto, vemos que

nas décadas posteriores essa primeira “vocação” do curso não se confirma à medida em que as

ciências sociais vão ganhando contornos mais científicos, o Ensino de Sociologia neste grau de

ensino vai perdendo espaço para práticas científicas em instituições de pesquisa e instituições

de ensino superior (MICELI, 1987). Isto acontece, a nosso ver, pois, apesar de demonstrar uma

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preocupação inicial com a questão do magistério, este permaneceu talvez apenas como rótulo

dos primeiros anos de fundação dos cursos da USP e ELSP.

O ensino secundário permanece, inclusive até hoje, como uma necessidade das

classes trabalhadoras mesmo que essa definição de classe social e status no Brasil fomente

diversas discussões, mas o abismo entre as classes é crescente e o investimento no secundário

para equiparar isto ficou aquém do esperado. Basta olhar, como fizemos, para as reformas

educacionais do século XIX até 1942, pouca coisa se realiza de forma efetiva no

desenvolvimento do ensino secundário. Deste modo, podemos dizer que a Sociologia na escola

ou na academia nunca constituiu de fato um projeto popular de ensino das massas, tanto que o

discurso sobre atraso, civilização, normatividade, atitude científica e ensino superior tem sua

origem naqueles que conceberam esta lógica no próprio campo acadêmico.

O lugar do qual a Sociologia foi retirada concentra, portanto, problema: o ensino

secundário, técnico e o normal. Problema este e necessidade das classes trabalhadoras. A

Sociologia, sempre fez parte, seja na escola ou na academia do “cardápio” das elites letradas

brasileiras, a saída da Sociologia da escola em 1942, mesmo que ela estivesse num processo de

reconstrução de suas bases teórico-conceituais e a própria escola secundária ainda fosse restrita

em termos de rede e atuação, representa um baque na trajetória da disciplina, se entendermos

que a mesma estaria longe do debate com as classes populares e do cotidiano escolar – distante,

portanto, do debate público.

O universo de sentido ou sentidos “oficiais” da Sociologia foi construído no Brasil,

portanto, historicamente pelas elites letradas, urbanas e rurais brasileiras, não é um universo de

sentido construído pela classe trabalhadora, que com a disciplina poderia neste embate entre

poderia questionar a estrutura de classe brasileira ou, pelo menos, conhece-la de forma

qualificada. A questão da escola normal nesta conjuntura é marcante, já que surge no Brasil

para atender necessidades das classes trabalhadoras, não das elites letradas, sendo assim nos

parece um motivo razoável para que a disciplina nunca tenha desaparecido da escola normal.

O que nos leva ao questionamento de qual Sociologia estava lá, de fato? Uma

pergunta com muitos matizes e necessidade de uma pesquisa dedicada, mas que de antemão

acreditamos que podemos dizer que não atendia aos cânones acadêmicos estabelecidos nas

universidades, mas que se desenvolve no magistério, um caminho próprio, cabe aos

pesquisadores investigarem se a disciplina se desenvolveu de forma próxima aos trabalhadores

ou constituiu apenas uma versão escolarizada da ciência de origem. Defendemos novamente,

que seja por um caminho ou por outro, que a Sociologia não constituiu um projeto de ensino

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popular, pois a própria educação brasileira e a saída da disciplina da escola impediram que isto

acontecesse, mesmo identifiquemos mudanças de rota verificada quanto a cientificidade e a

abordagem da disciplina na década de 1930/1940.

4.6. Pós-graduação, pesquisa e “insulamento acadêmico”

Neste subitem trataremos do processo de insulamento acadêmico da Sociologia.

Tratamos deste tema por último, pois não se trata de uma hipótese original, mas advinda da

reflexão de dois outros autores do campo do ensino de Sociologia: Amaury Morares (2011) e

Flávio Sarandy (2012). Além disso, o movimento feito pelos autores busca um enfoque dos

processos e construção de sentido da disciplina nos anos 1950/1960 com a ditadura militar, o

que não constituiu o tema principal da tese. No entanto, resolvemos trazer esta discussão,

mesmo que rapidamente, para ilustrar os rumos tomados e sentidos estabelecidos pela disciplina

frente a conjuntura política e adensamento de sua cientificidade.

Como vimos, autores como Costa Pinto, Fernandes, Pierson e Rios propõem o

retorno da Sociologia aos bancos escolares entre a década de 1940 e 1950, tendo como tarefa

dar aos jovens elementos intelectuais de uma “cidadania consciente” (COSTA PINTO, 1949,

p. 62) e porque “a ciência operava num mundo que se transformava para o moderno e a

sociologia ensinaria ao indivíduo a ‘como pensar’ as situações sociais complexas que o rodeiam

com um método rigorosamente científico” (COSTA PINTO, 1949, p.63).

Pierson, no artigo “Difusão da ciência sociológica nas escolas” (1949), discorreu

sobre a urgência de definir o que ensinar em Sociologia e de quais maneiras, defendeu a

comunicação efetiva entre professores e alunos, a consideração dos conhecimentos prévios dos

discentes, entre outras estratégias que dialogavam com o debate pedagógico da época,

assentado na Escola Nova.

Segundo o autor, conhecer a Sociologia ajudaria o aluno a compreender a natureza

humana, orientar sua atuação nos processos sociais, continuar estudando por meio da pesquisa,

desenvolver o espírito crítico, reconhecer generalizações e aprender como fazê-las, diferenciar

fato e opinião e identificar o valor dos fatos e suas limitações, tomando-os como instrumentos

a serviço da compreensão e não como fins em si mesmos (PIERSON, 1949).

Rios em seu artigo “Contribuição para uma didática da Sociologia” (RIOS, 1949)

argumentava que Sociologia no ensino secundário poderia contribuir para crítica a “ideia

errônea” difundida no Brasil de que essa disciplina era assunto somente para sociólogos.

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Argumentou nesse sentido, dizendo que nos Estados Unidos o papel da Sociologia como

matéria básica, em qualquer currículo, já seria assunto pacífico e que se sabia do vasto número

de profissões que requeriam seus conhecimentos. Classificou como um retrocesso a exclusão

da disciplina do ensino secundário pela Reforma Capanema, considerando inaceitável que

jovens destinados às profissões liberais não tivessem conhecimentos sociológicos (RIOS,

1949).

No entanto, como vimos, a defesa da Sociologia na escola, não se pautava mais

pelo momento cívico e/ou foi talhado pelo questionamento do atraso brasileiro, que já havia

perdido força. Como bem exemplifica Willems (1940c), a discussão girava em torno de pensar

outras maneiras de ensinar a disciplina já que os programas de ensino das escolas eram

diferentes dos programas do ensino superior que formavam especialistas. A questão, portanto,

se centrava num debate sobre mediação didática, na ideia que os fenômenos básicos da vida

social poderiam discutidos na sala de aula por meio de exemplos concretos, com ênfase na

pesquisa empírica e liberdade didática do professor para organizar os conteúdos, selecionando-

os e definindo uma ordem para abordá-los135; estratégias como leituras rápidas para

exemplificação e análise suplementar, desenvolvimento de forma concisa do programa oficial,

enriquecendo-o com “tópicos para discussão em classe, questionários, sugestões e planos para

aulas suplementares e trabalhos de pesquisa” (WILLEMS, 1940c).

Naquela conjuntura o discurso científico já ganhara o debate e um movimento de

concentração da Sociologia no campo acadêmico, se consolidava/aprofundava. Este

distanciamento, já iniciara com a Reforma Campos que dificultou a realização do projeto

escolanovista, fato que possivelmente acabou contribuindo para a busca de um “escudo de

autoafirmação” da disciplina no meio acadêmico que nos descreve Fernandes (1977). A

academia tornou-se lugar de consolidação profissional e de produção de pesquisa, o que gerou

gradual afastamento que as gerações de cientistas sociais da escola e do debate público, com

consequências diretas para as reflexões sobre Ensino de Sociologia (SARANDY, 2012).

Como Moraes (2011) aponta, como a Sociologia como disciplina do secundário

nasce décadas antes da sociológica acadêmica, permanecerá por décadas uma distinção136 entre

os cursos superiores (Ciências Sociais) e a disciplina de nível médio (Sociologia). Enquanto a

135 Guerreiro Ramos (1955) também aponta este caminho, argumentando que a disciplina se mostrava “alienada

da realidade nacional”, refletindo apenas sobre problemas de outros países; e, mesmo no caso de ser superada tal

“alienação”, não existiam especialistas em número suficiente para que houvesse o “ensino proveitoso da

Sociologia” (CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 1955). 136 Distinção entendida no sentido conferido por Pierre Bourdieu (1979), a ideia de que agentes sociais tendem a

ter gostos relacionados com suas condições econômicas e sociais, produtos do habitus.

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segunda tem como destino fundamental o trabalho como professor, colocando de lado a

formação acadêmica objetiva de lado; a primeira contribui para formação de quadros para a

burocracia estatal e privada e/ou formação de pesquisadores (MOARES, 2011). No entanto,

Moraes (2011) nos aponta que a saída da Sociologia dos bancos escolares, talvez não tenha

atendido somente a questões profissionais ou ideológicas:

Pela leitura do Decreto n. 4.244/1942, não fica clara a orientação político-ideológica

da Reforma e somente a partir de certas observações – por exemplo, de Costa Pinto

(1949) – fica-se com a impressão de que o caráter da exclusão da Sociologia do

currículo secundário atendia a razões ideológicas. Mas é de se questionar se, de ambos

os lados – os que são contra e os que são a favor da presença da Sociologia –, não há

mesmo certo parti-pris ideológico ou no mínimo preconceitos recíprocos. Pode-se,

no entanto, aventar uma hipótese de interpretação bastante diversa e que daria conta

também de explicar a exclusão da Sociologia do currículo do colegial, quer clássico,

quer científico. A esta altura, 1942, as Ciências Sociais, em geral, e a Sociologia, em

particular, ainda não tinham ganhado legitimidade para figurar como uma ciência e

não se assumiam como uma possível alternativa a isso – Literatura –, de modo que

não cumpriam, de certa forma, os quesitos necessários para se enquadrarem no

currículo do clássico ou do científico (MORAES, 2011, p. 364).

O autor argumenta que a exclusão da Sociologia do currículo escolar está menos

relacionada a preconceitos ideológicos e mais à indefinição do papel dessa disciplina no

contexto de uma formação que se definia mais orgânica, resultado do estabelecimento de uma

burocracia mais técnica e mais exigente ou convicta em relação à concepção de educação:

De certa forma, pode-se dizer que os defensores da Sociologia não conseguiram

convencer essa burocracia educacional quanto à necessidade de sua presença nos

currículos. Assim, enquanto o clássico era uma forma de manter ou não contrariar

interesses humanistas, a inovação representada pelo científico já indicava uma

guinada na concepção curricular, que tardiamente trazia para a educação a

modernização, marca dos anos de 1920 e 1930 no Brasil, projeto sempre perseguido...

No limite, o que temos é uma consagração da concepção de escola secundá- ria,

sobretudo agora do colegial, como preparatória para o ensino superior, um curso

propedêutico, aliás, como vinha sendo definido desde que surgiram os cursos

superiores no Brasil e precisou-se de uma “preparação” – não dada pela escola

primária – mais voltada para a especificidade dos cursos superiores. Nesse sentido, a

Sociologia, definindo-se cada vez mais como uma disciplina “formativa” e não

preparatória – propedêutica – não tinha mais lugar nessa nova configuração

(MORAES, 2011).

Dois movimentos são significativos nesta conjuntura: o primeiro é a

institucionalização da disciplina via cursos de pós stricto sensu, vai começar em 1941 com a

ELSP que vai ter impacto decisivo no desenvolvimento da Sociologia entre nós, no entanto,

contribuirá de forma decisiva para o afastamento da disciplina da escola; o segundo a aprovação

da Lei de Diretrizes e Bases, n. 4.024/1961, que apesar de ter sido aprovada após 13 anos de

tramitação no Congresso Nacional, fruto de amplos debates, pressões e negociações, num

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período democrático (a partir de 1946), não previu o retorno da Sociologia para o secundário e

não propôs/realizou alterações profundas ao estabelecido na Reforma Capanema. Desse jeito,

a Sociologia tornou-se uma disciplina opcional, mantendo-se excluída do currículo.

Da primeira, segundo Sarandy (2012), decorre a segunda. A expansão da pós-

graduação constituiu um caminho para pensarmos o descolamento das duas sociologias. A

constituição dos cursos de pós-graduação em Sociologia acontece, justamente, no momento em

que o discurso científico sobre a disciplina havia se consolidado, a Revista Sociologia já havia

mudado seus rumos, a inserção da disciplina no secundário e a produção dos seus primeiros

manuais e textos de reflexão voltados para o ensino médio tornavam-se um passado recente e

pré-científico, do qual já era necessário esquecer para avançar.

A institucionalização da disciplina tornara-se uma consequência de sua

consolidação enquanto prática científica e crescente inserção na universidade pública e

constantes rearranjos institucionais e burocráticos. Com a ascensão da pós-graduação se

consolida no campo - para além da dicotomia professor do ensino secundário x professor

acadêmica a dicotomia ensino x pesquisa, ou professores x pesquisadores, tornando a produção

científica, o recorte.

Este processo de (re)institucionalização da ciência, deixa marcas profundas nas

Ciências Sociais, produzindo intelectuais comprometidos com a lógica da carreira e da

institucionalização da atividade intelectual e a confirmação de um sistema de orientação que os

afastou das controvérsias políticas e da vida pública. Ainda segundo Melo (1999), foi

prejudicial o fato de ter imposto aos cientistas sociais mais jovens um padrão de formação e de

institucionalização desprovido de conexões efetivas com a sociedade e a vida pública, dado o

contexto geral de restrições à liberdade (MELO, 1999).

Situação esta que irá se adensar nas décadas de 1960/1970, as quais não

analisaremos em detalhes, mas que fomentaram no Brasil, uma mudança de rota na história da

disciplina com “uma ciência social impedida de estabelecer conexões efetivas com a sociedade

e, simultaneamente, isolada da vida universitária” (MELO, 1999, p.212). Portanto, uma nova

condição para a prática científica já estava dada com a implantação da pós-graduação, de

padrões mais rígidos de pesquisa empírica, com a renovação dos quadros por novas gerações

de cientistas acadêmicos e pelo relativo distanciamento das ciências sociais em relação à vida

pública. O que se pode dizer a respeito desse período de institucionalização das Ciências Sociais

é que sua profissionalização e especialização crescentes lhe impuseram uma condição de

elevado insulamento, causado segundo Sarandy (2012), por três fatores principais:

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Acentuada divisão racional do trabalho intelectual; um relativo fechamento em “ilhas

burocráticas” de especialistas detentores de informação privilegiada e com um

mínimo de influência externa; por fim, um caráter setorial, aplicado à gestão racional

e eficiente de um setor específico da vida pública, sem incursões generalizadas no

debate dos grandes temas – há mesmo uma indiferença pela agenda pública vista em

sua totalidade. A participação ativa por parte de nossos intelectuais, de caráter até

mesmo missionário, interessada na modernização da sociedade brasileira, foi

substituída pelo desempenho profissional, constituído por um ethos científico

(SARANDY, 2012, p. 7-8).

O insulamento universitário se relaciona com a profissionalização das Ciências

Sociais e o investimento da comunidade dos cientistas sociais na academia e na pesquisa, que

aliás teve seu início já na década de 1940, após a Reforma Capanema (de 1942), que logrou

enfraquecer os debates acerca da modernização da sociedade brasileira por meio da educação,

ou pelo menos, na relação educação x sociologia (SARANDY, 2012).

Este panorama só será modificado, como sabemos na década de 1980, com a

retomada da luta pela inserção da disciplina na escola básica. No entanto, acreditamos que a

dicotomia ensino x pesquisa e seus espraiamentos institucionais, nunca foi muito bem

equacionada pelas Ciências Sociais brasileiras, visto que hoje, temos associações profissionais

estanques de pesquisa e ensino de ciências no Brasil137, cursos de licenciatura na área que pouco

dialogam com os bacharelados e um recorte profissional que precisa ser melhor compreendido

entre pesquisadores e professores acadêmicos e professores do ensino secundário no campo

cientifico.

Acreditamos que o distanciamento dos sociólogos da escola e das questões

escolares, a partir da saída da disciplina causou impactos na maneira como o profissional de

Ciências Sociais enxerga sua atuação no espaço escolar, mas para analisarmos isto

precisaríamos de uma pesquisa detalhada. Fato é, que ao mesmo tempo em que se descolam as

sociologias escolar e acadêmica, se descola o sociólogo do professor secundário e ainda não

achamos meios efetivos para reconectar estas instâncias.

Esta hipótese do insulamento também é passível de críticas, já que a sociologia

escolar não teve o movimento de aderir à crítica social e aos pressupostos democráticos pois

isto não era possível num contexto ditatorial. Isto, inclusive após o fim do Estado Novo, pois

houve reposicionamento dos fundamentos do regime, mas acreditamos que não houve de

imediato um enfraquecimento de seus instrumentos autoritários. Nesse sentido, a sociologia

137 Menção honrosa devemos fazer a Sociedade Brasileira de Sociologia, que vem ao longo dos últimos 10 anos

estabelecer linhas de contato entre os dois campos.

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escolar não poderia ter sido democrática sob o duro regime de Vargas. Não podia ser

racionalista sob o controle institucional dos setores católicos. Além disso, precisamos pensar

sobre a repressão sobre os agentes que eram portadores dos ideais de sociedade mais

democráticos, racionalizadores e universalizantes.

Outra crítica possível seria ao fato de que a sociologia ficaria isolada da sociedade

quando sai da escola. Acreditamos que existem outras formas de conexão possível entre um

campo de conhecimento e a sociedade. Campos que não possuem institucionalização escolar

não são desconectados da sociedade, como a economia, por exemplo. Acreditamos que cabe a

uma pesquisa mais detalhadas sobre os anos 1950, se perguntar quais seriam as formas

disponíveis de conexão possível da sociologia com a sociedade no período; se a sociologia e os

sociólogos tomaram parte do projeto democrático pós Estado Novo; quais foram as zonas

alternativas de repercussão do conhecimento sociológico; e, por fim, qual o papel dos

equipamentos culturais e da imprensa. Em outras palavras, acreditamos que ainda caiba

investigar quais os pressupostos adotados nas conexões entre escola, sociedade, conhecimento

sociológico e universidade.

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VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O PASSADO COMO BÚSSOLA PARA O

FUTURO

Neste percurso de pesquisa, optamos por nos apoiar no campo do ensino de

Sociologia: investigar de forma renovada a institucionalização da disciplina na vida educacional

e acadêmica brasileira (SARANDY, F.M.S, 2004; MEUCCI, 2000, MORAES, 2011.

Tentamos, assim, nos afastar das análises e debates que atribuem as idas e vindas da disciplina

no currículo a um processo de intermitência ligado à emergência de regimes mais ou menos

democráticos (MACHADO, 1987; COSTA PINTO, 1949; AZEVEDO, 1955), não

considerando isto por si só uma explicação sobre o campo.

Como colocado acima, trata-se de se afastar, mas não, negar. Nos parece óbvio que

a história da disciplina na escola pode ser explicada por sua presença intermitente, mas

procuramos qualificar a forma como se entende esta intermitência.

A periodização realizada por Machado (1987) permitiu ao campo do Ensino de

Sociologia reconstruir uma parte relevante da história de institucionalização da Sociologia no

Brasil, demonstrando como esta chega primeiro à educação básica, para só depois se constituir

na academia. Esta interpretação teve ampla aceitação no campo, como nos aponta Handfas

(2017): dissertações e teses sobre o ensino de Sociologia, produzidas na pós-graduação

brasileira a partir da década de 1990, seguiram a perspectiva de reconstituição histórica da

disciplina e buscaram encontrar no passado razões para legitimá-la no presente (HANDFAS,

2017).

Esta perspectiva é relevante para separar períodos históricos de presença/ausência

da disciplina no currículo e nos ajuda a identificar recortes para o estudo da história da

disciplina, como, por exemplo os períodos de institucionalização (1890 -1941), exclusão (1942-

1981), luta pela reinserção (1982-2007) e o retorno obrigatório (2008). No entanto, é possível

também formular uma leitura crítica sobre esta periodização, já que esta por si só não elucida

os diferentes sentidos atribuídos à Sociologia ao longo do tempo e as percepções dos atores

sociais que se movimentaram pela sua manutenção ou supressão em um cada dos períodos

históricos relacionados acima.

Exemplo disto, é a presença da disciplina na escola até os anos 1940. Como vimos,

a disciplina em seus primórdios não esteve desconectada da conjuntura política a sua volta,

pensada inclusive como um dos vértices para superação do atraso brasileiro, mas na prática

tornou-se ao mesmo tempo um espelho desta: enciclopédica, conservadora e elitista. Nesse

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sentido, como apontamos, poderia ter continuado na escola básica, mesmo com o advento da

Reforma Capanema.

Na década de 1930, permanece na escola com o advento da Reforma Campos, mas

quase como uma honraria, dentro de cursos complementares acessados somente por estudantes

de elite, dentro da excludente educação nacional. Quando consegue se descolar do cenário

acima, valorizando sua construção como área científica de conhecimento, sai da escola – através

de intenso debate com os grupos conservadores católicos.

Na universidade, por meio especialmente, das experiências da USP e da ELSP,

atinge os padrões esperados academicamente e, progressivamente, se distancia do debate

público. Enquanto esteve no espaço escolar, a disciplina foi ponta de lança no processo de

superação do atraso brasileiro. A medida que investiga, de fato, as mazelas brasileiras, as torna

visíveis, perde espaço no debate público, o que se acentua a partir da Reforma Universitária de

1968. Identificamos aqui, de fato, o descolamento138 das duas sociologias, à medida em que as

universidades vão ganhando força, as pós-graduações e pesquisam assumem espaço

fundamental na vida da disciplina esta acaba se afastando da escola, em outras palavras, o

critério científico se torna central no debate.

Esse afastamento da escola debate público foi timidamente percebido e refutado no

final dos anos 1940 e nos anos 1950, são significativas, neste sentido, as edições da Revista

Sociologia no período e o 1º Congresso Brasileiro de Sociologia. Embora estes movimentos

não tenham gerado grande repercussão e/ou movimentações fortes o bastante que exigissem a

volta da disciplina aos bancos escolares, estes acentuaram o ideário acerca da “função” da

disciplina conectada a produção de um saber acadêmico139.

Os debates da década de 1950, no entanto, sobre o retorno tiveram impacto

significativo sobre as gerações posteriores, especialmente o debate sobre a “formação de

atitudes cívicas e para a constituição de uma consciência política” (FERNANDES, 1977), que

ressoou na luta pela volta da disciplina ao currículo, a partir dos anos 1980.

A partir de meados dos anos de 1980, na luta pela reintrodução da disciplina, seja

em âmbitos estaduais ou nacional, foram utilizadas saberes e informações acumuladas sobre a

trajetória histórica. Com efeito, importante observar que os debates em torno da Constituinte

de 1988 e o ordenamento constitucional que ela prevê ajudaram a gestar um novo sentido para

138 O descolamento, como vimos, foi causado por diversas razões tais como a inadequação do currículo e a

construção de uma cientificidade acadêmica que não se conectava com a escola, causando causou o esgotamento

das possibilidades de construção de um novo caminho para disciplina neste espaço. 139 Lembramos, que nos bancos escolas, apenas permanece a disciplina de “Sociologia da Educação”, restrita às

escolas normais

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a presença da Sociologia na educação básica, associado, deste vez, a um novo padrão de

normatividade: a associação do ensino de Sociologia à desnaturalização e estranhamento da

realidade social, consolidado nas Orientações Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006) como

fator importante para construção de uma cultura democrática e respeito à diversidade – embora,

acreditemos, que há ainda pouca clareza na construção deste ideário ligado a democracia,

cidadania e diversidade.

No entanto, não há como negar, que esta construção discursiva remete ao passado:

a saída da disciplina no currículo em períodos autoritários foi efetiva para mobilizar o debate

em torno da volta da disciplina ao currículo, mas parece pouco para pensar a efetiva

contribuição da disciplina ao ensino escolar. Pouco foram pensados os condicionantes da

presença ou não da disciplina no currículo, e, principalmente quais relações a disciplina, de

fato, estabeleceu com a dinâmica escolar:

Sobretudo nos estudos voltados para a Sociologia no ensino médio, há uma tendência

de privilegiar a história da legislação, sem uma pesquisa mais detalhada dos agentes

que produziram a legislação e o movimento dos vários sujeitos em torno dessas

legislações e, especificamente, do processo de inclusão dessa disciplina nos currículos

das escolas. (...) não se verificam análises que contemplem como esses espaços foram

formados e a partir de quais sujeitos/agentes, ou seja, quem se movimentou, em quais

sentidos, junto e a partir de quais estruturas/instituições para criar a possibilidade de

constituição da Sociologia como disciplina escolar (SILVA, 2006, p. 40-41).

Seria um procedimento metodológico equivocado de nossa parte limitar a análise da

trajetória da Sociologia no Ensino Secundário aos momentos em que ela esteve

presente ou ausente do contexto escolar. Uma direção mais pertinente é a de

identificar as forças políticas hegemônicas que atuaram nesse processo, de modo a

confrontar as diferentes motivações e sentidos dados à Sociologia no contexto escolar

(HANDFAS, FRANÇA e SOUZA, 2012, p. 111).

Com efeito, olhando o passado para projetar o futuro, analisando o que vimos até a

década de 1940, nos parece ainda existir alguns desafios para consolidação da disciplina no

currículo e para o próprio campo do ensino de Sociologia: o primeiro se conecta à interpretação

anterior sobre a intermitência e o que trouxemos sobre a história das disciplinas escolares:

garantir que a disciplina tenha espaço no currículo para efetivamente se desenvolver e realizar

seus processos de transposição didática.

Acreditamos que isto tenha se consolidado nos últimos 10 anos: com sua presença

na escola, com os eventos voltados para área do Ensino de Sociologia, com a presença da

disciplina nos exames nacionais do ensino médio e a produção de materiais voltados para o

espaço escolar. Todos os fatores acima ajudam a criar uma incipiente, mas presente “tradição”

da disciplina no ensino médio, mas esta não ajudou a consolidar a presença e/ou garantir sua

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continuidade no currículo: na maioria das redes estaduais, a disciplina conta com um tempo de

aula e é lecionada por profissionais não formados na área, além disso não sabemos qual será o

efetivo espaço da disciplina no ciclo de humanidades da nova Reforma do Ensino Médio.

Outro desafio do campo do Ensino de Sociologia é conseguir estreitar os laços do

campo da sociologia acadêmica com o campo educacional. De forma a deixar claro nosso

ponto, não se trata de aproximar o campo da Sociologia que pesquisa quantitativamente e

qualitativamente o espaço escolar, não tratamos aqui da Sociologia que analisa a escola “de

fora” a partir de grandes estatísticas, rendimento e evasão escolares – a Sociologia brasileira já

analisava a escola a partir destas perspectivas analíticas.

No entanto, tem se acentuado nos últimos anos o caminhar para a produção de uma

Sociologia “de dentro” do espaço escolar, na produção de currículo, escuta e compreensão do

corpo docente e discente, compreensão do papel da disciplina no espaço escolar e como se dá

sua efetiva implementação. Acreditamos, que esta segunda forma de fazer Sociologia, como

nos aponta Cunha (1992) sofre com a falta de conexão com a vida profissional do sociólogo

formado no Brasil, o campo da educação penando a partir do “chão da escola” permanece como

um objeto rejeitado nas formulações sociológicas. Isto é preocupante, já que utilizamos pouco

os conceitos, teorias e abordagens sociológicas em diálogo com a educação para analisar um

espaço onde a disciplina está presente de forma ampla.

Segundo dados do MEC, o ensino médio é oferecido em 28,5 mil instituições de

ensino que atendem 7,9 milhões de matriculados, dos quais 7,9% têm atividades em tempo

integral140, mas pouco pesquisamos qual é o impacto da presença da disciplina na vida destes

milhões de jovens, abrindo caminho inclusive para interpretações obscurantistas141. Como

demarcamos no capítulo 4, isto se deve a persistência do ideário ligado a um status profissional,

iniciado na década de 1940 ligado a oposição entre o pesquisador e o professor de Sociologia,

que acreditamos, que se confrontado, pode ajudar a destravar e complexificar o debate sobre a

presença e o caráter do ensino de Sociologia na escola.

Nos parece que há um campo de investigação parcialmente inexplorado que se

debruça nas relações socias que constituem, de fato, as efetivas experiências de ensino-

140 MEC divulga dados do Censo Escolar da educação básica:

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-

estudante/ensino_educacaobasica/2018/01/31/ensino_educacaobasica_interna,656887/mec-divulga-pesquisa-

sobre-censo-escolar-da-educacao-basica.shtml 141 Filosofia e sociologia obrigatórias derrubam notas em matemática:

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/04/filosofia-e-sociologia-obrigatorias-derrubam-notas-em-

matematica.shtml

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aprendizagem de Sociologia. As pesquisas tem se aberto aos poucos para investigação de

diversos vértices de análise como: atuação dos professores, as instituições e programas

escolares e acadêmicos, livros didáticos, conteúdos e questões das provas nacionais,

entendimento da conjuntura político-social das épocas em que disciplina esteve presente

(identificando grupos sociais com posições contrárias ou favoráveis à disciplina, que fizeram

parte desse percurso, seus interesses e estratégias de mobilização e ação; e a compreensão dos

distintos sentidos conferidos à Sociologia no tempo histórico – movimento de necessário

aprofundamento.

Deste modo, acreditamos que exista, por fim, um último desafio, dentre tantos

outros: como vimos alguns sentidos foram atribuídos à disciplina ao longo do século XX e no

início do século XXI, conformando uma disputa por normatividade entre as sociologias escolar,

da educação, da acadêmica e do campo sociológico pós-graduado, voltado para pesquisa. No

entanto, a partir dos anos 1980, o campo sociológico tem se debruçado na análise e reconstrução

de si mesmo, destacamos, neste campo a noção bourdiana de reflexividade (BOURDIEU,

1999).

O projeto de uma sociologia reflexiva, se assentaria na possibilidade de que

disposições impensadas de pensamento e comportamento possam ser racionalmente

controladas ao acederem ao nível da consciência. No âmbito epistemológico, trata-se de uma

atualização sociológica da noção kantiana de crítica, originalmente concebida como a

capacidade de reflexão do pensamento ou razão acerca de seus próprios pressupostos e limites

(PETERS, 2017).

Bourdieu sustenta a importância da reflexividade sobretudo como uma ferramenta

metodológica indispensável ao trabalho socio-científico, ele também veio a atribuir a esta um

valioso papel ético-político, pois tratara-se de conscientizar os atores e sujeitos sociais sobre os

determinismos que pesam, externa e internamente, sobre suas condutas, abrindo aos mesmos a

“possibilidade de uma emancipação fundada na consciência” fundamentando “novos

condicionamentos duravelmente cunhados para contrabalançar efeitos de uma socialização

anterior” (Bourdieu, 1999, p. 340).

Não iremos nos debruçar no amplo debate sobre o conceito de reflexividade, mas

acreditamos que esta tese pretende contribuir para investigar as relações sociais de dominação,

presentes como supostas verdades históricas contingentes e travestidas como ordenamentos

naturais das coisas para a consciência comum. Caminhando assim para pensar numa proposta

de ensino de Sociologia que se proponha reflexiva, ou seja, se repense constantemente e

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questione a construção de seu sentido, seus padrões normativos, seu processo de construção de

“verdade”, sua passagem e construção enquanto ciência de origem para escola, sua forma de

enxergar sua relação ensino-aprendizagem e o próprio espaço escolar, dentre outros.

Neste sentido, o que tentamos fazer nesta tese foi estabelecer relações entre os

campos da educação, história e sociologia de modo que elas funcionassem como um corpus

analítico e reflexivo estruturado, pensando os agentes, sujeitos e o debate acerca da construção

de sentidos para as sociologias na primeira metade do século XX, investigando a produção

destes ideários e os relacionando as políticas nacionais e institucionais, e, como estes entram

em disputa no campo científico de maior escopo.

Com isto, acreditamos que podemos avançar em relação a conceituação de que o

processo de produção de ideias e sentidos sociológicos se relacionam aos períodos que

estudamos, isto nos parece claro. No entanto, a reiterada investigação da produção destes

sentidos, pode nos ajudar a refletir sobre o tempo presente, sob pena de não avançarmos no

debate sobre o papel da Sociologia na escola.

Nos capítulos 1 e 2 da tese, por exemplo, vimos que a Sociologia esteve conectada

a um projeto nacional de superação do atraso, e, em pleno século XXI, enquanto concluímos a

tese são pensadas e implementadas reformas na educação, na economia, na política e na

previdência social que são justificadas, quase sempre, sob o argumento de sincronizar o Brasil

com as nações “modernas do mundo” e “abrir fronteiras” – o que pode nos indicar que se não

se estabelece e se avança numa perspectiva reflexiva sobre a realidade social, os mesmos

debates se repetem e a busca pelo futuro corre o risco de se tornar a reificação do passado.

Sendo assim, acreditamos que o debate sobre a intermitência da Sociologia na

escola básica deve ser efetivamente recuperado não como instrumento retórico e/ou somente

para realizar uma reconstituição histórica repetida da disciplina nas análises sobre a mesma,

mas, como ferramenta para imersão nas conjunturas sociais, políticas e históricas desses

períodos, revelando seus avanços e limites de forma ativa para que consigamos repensar e

construir um Ensino de Sociologia radicalmente reflexivo, que, de fato, consiga desatar os nós

impostos pelo presente e futuros momentos históricos.

Acreditamos que esse movimento talvez se mostre necessário, especialmente para

o tempo futuro, que não parece ser especialmente amigável para as reflexões das Ciências

Humanas e, em especial, para o Ensino de Sociologia. Mas isto, só o tempo, nos dirá.

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VIII. ANEXOS

ANEXO 1: Sociologia no currículo proposto por Rui Barbosa.

Fonte: Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares de Instrução

Pública. In: BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Ministério

de Educação e Saúde, 1947a. v.X, t.I, II, III, IV. P. 182.

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208

ANEXO 2: Carta de Delgado de Carvalho ao Secretário da Presidência da República, Luís

Vergara (com o programa oficial vigente com anotações).

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225

Fonte: CPDOC, FGV. Classificação: LV c 1938.06.22. Série: c – Correspondência. Data de

produção: 22/06/1938. Quantidade de documentos: 1 (17 folhas).

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ANEXO 3: Resposta enviada a ao Secretário da Presidência da República, Luís Vergara, por

Getúlio Vargas – de forma a responder os questionamentos de Delgado de Carvalho.

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229

ANEXO 4: Princípios curriculares e organizativos do Primeiro Curso de Pós-Graduação da

ELSP.

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230

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231

Fonte: Arquivo Edgard Leurenroth, 2016, Donald Pierson – Pasta 21

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232

ANEXO 5: Carta de Donald Pierson a Radcliffe-Brown.

Fonte: Arquivo Edgard Leurenroth, 2016, Donald Pierson – Pasta 21

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233

ANEXO 6: Finalidades/Admissão de Alunos/Organização da Pós da ELSP

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Fonte: Arquivo Edgard Leurenroth, 2016, Donald Pierson – Pasta 21