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O ensino de História nos jogos digitais: questões importantes e necessárias Luisa da Fonseca Tavares Mestre em História Social da Cultura - PUC- Rio [email protected] Diana Jane Barbosa da Silva Graduada em História - UFRJ Resumo Atualmente a História e seu ensino vêm sendo alvos de muitas críticas de revisionistas e de grupos extremistas. Essa ciência desde seu nascimento enfrenta discussões sobre seu papel na sociedade. O interesse pelo passado perpassava pela vontade de aprender e angariar experiências para a vida, formar politicamente os cidadãos a partir de um viés específico, e também estabelecer bases para a construção de pessoas atuantes e reflexivas diante das ações humanas. Ela era fornecida principalmente pelas escolas, mas hoje observamos um fluxo intenso, muito propiciado pelas inovações tecnológicas, pelas mídias digitais, programas audiovisuais (novelas, séries e filmes) e a internet. A História está em diferentes instâncias, o que gerou debates acerca de seu impacto no campo educacional. Esse trabalho apresenta o jogo digital HistQuiz desenvolvido pela empresa Outra Coisa e criado por quatro professoras de História, lançado em aplicativo para dispositivos móveis, como smartphone e tablet, com o conteúdo de História. As preocupações, embates e dificuldades que rodeiam o campo do ensino da disciplina sempre estiveram em pautas durante a produção do jogo. Dentre elas: o currículo mínimo considerado pelas autoras como eurocentrado e limitado; a cronologia linear e evolucionista dos fatos; a história dividida em quatro períodos; e a lógica da memorização que caracteriza o aprendizado. Essas são algumas questões que apresentamos e problematizamos utilizando a experiência do processo e as perguntas e respostas, formato que o jogo foi estruturado. Apresentação

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O ensino de História nos jogos digitais: questões importantes e necessárias

Luisa da Fonseca Tavares

Mestre em História Social da Cultura - PUC- Rio

[email protected]

Diana Jane Barbosa da Silva

Graduada em História - UFRJ

Resumo

Atualmente a História e seu ensino vêm sendo alvos de muitas críticas de revisionistas e

de grupos extremistas. Essa ciência desde seu nascimento enfrenta discussões sobre seu

papel na sociedade. O interesse pelo passado perpassava pela vontade de aprender e

angariar experiências para a vida, formar politicamente os cidadãos a partir de um viés

específico, e também estabelecer bases para a construção de pessoas atuantes e

reflexivas diante das ações humanas. Ela era fornecida principalmente pelas escolas,

mas hoje observamos um fluxo intenso, muito propiciado pelas inovações tecnológicas,

pelas mídias digitais, programas audiovisuais (novelas, séries e filmes) e a internet. A

História está em diferentes instâncias, o que gerou debates acerca de seu impacto no

campo educacional. Esse trabalho apresenta o jogo digital HistQuiz desenvolvido pela

empresa Outra Coisa e criado por quatro professoras de História, lançado em aplicativo

para dispositivos móveis, como smartphone e tablet, com o conteúdo de História. As

preocupações, embates e dificuldades que rodeiam o campo do ensino da disciplina

sempre estiveram em pautas durante a produção do jogo. Dentre elas: o currículo

mínimo considerado pelas autoras como eurocentrado e limitado; a cronologia linear e

evolucionista dos fatos; a história dividida em quatro períodos; e a lógica da

memorização que caracteriza o aprendizado. Essas são algumas questões que

apresentamos e problematizamos utilizando a experiência do processo e as perguntas e

respostas, formato que o jogo foi estruturado.

Apresentação

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Histgame, conhecido e renomeado depois como HistQuiz, nasceu como uma

proposta de jogo voltado para a disciplina de História. O desenvolvimento do conteúdo

ficou a cargo de quatro profissionais da área disciplinar que tinham em comum o

mesmo interesse: o ensino de História.

Apesar de estarem em diferentes locais e trajetórias acadêmicas, uniram-se num

esforço intelectual para produzir um material didático virtual em formato de aplicativo

de dispositivos móveis. O trabalho criativo exigiu um esforço e tempo inimagináveis,

servindo como experiência de conhecimento para as envolvidas. Inicialmente, a ideia

era lançar apenas para uma escola específica no Rio de Janeiro, mas logo em seguida

ampliou-se o acesso ao ser disponibilizado na loja Playstore, e então, a todos que

possuem sistema operacional android.

O jogo é formado por perguntas e respostas onde o participante deve escolher

apenas uma correta num tempo limite, por meio de um temporizador. Dessa maneira, e

pelas perguntas rápidas e diretas, o jovem da atualidade pode sentir-se desafiado. São

estratégias elaboradas para atrair o público, acrescentado ao rankeamento gerado ao

final, que acaba por criar uma grande competição. Foram elementos já incorporados a

plataforma pela empresa produtora do aplicativo.

Antes de começar, o jogador pode optar dentre os cinco eixos temáticos na qual

o quiz está dividido: 1. Introdução a História; 2. Questões sociais; 3. Território e meio;

4. Políticas e poder; 5. Questões econômicas. Esta divisão parte-se dos princípios da

História temática. Está baseada nas críticas a História tradicional positivista, linear e

evolucionista. As autoras compreendiam a existência de diferentes tempos e de

maneiras próprias de relacionamento das sociedades com o tempo, como desenvolvido

por Hartog (1996). Afastar-se desse paradigma foi um propósito tendo em vista a luta

por um conhecimento plural e democrático. De antemão negamos a divisão em quatro

grandes períodos (História Antiga, História Medieval, História Moderna e História

Contemporânea), que encontramos nas escolas e nos livros didáticos. Apostamos na

História temática como melhor proposta para atender nossos anseios de gerar

problematizações e reflexões. Segundo Bittencourt (2009) sua utilização permanece

minoritária, mas a principal inovação reside na impossibilidade de se “estudar toda a

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história da humanidade”, meio de superar a noção de tempo evolutivo e basicamente na

flexibilização curricular para a montagem e organização de conteúdos.

Figura 1: tela inicial do jogo

No primeiro eixo, “Introdução à História”, buscamos trabalhar conceitos

históricos dentro das questões, entendendo ser fundamental para a iniciação e posterior

aprofundamento das discussões. No eixo seguinte, criamos questões de ordem social, ou

seja, das relações inerentes da sociedade, entre os seres humanas dentro do individual e

coletivo, as desigualdades e preconceitos. Em “Território e meio” abordamos conteúdos

relacionados à disputa territorial, mudanças nas organizações espaciais, mudanças

climáticas, desastres ambientais, migrações, tecnologia e a terra. Trazer a discussão da

imbricação entre território e meio ambiente é uma urgência, pensando em refletir as

consequências ambientais decorrentes da interferência humana e o intenso trabalho no

modo de produção capitalista. O quarto eixo foi intitulado de “Políticas e poder” para

pensar os formatos que o poder adquire e os lugares que habita. Por último, ficou o eixo

“Questões econômicas”, cuja finalidade foi levantar temas que de alguma forma

versavam sobre economia.

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Em debate: a História pública

O HistQuiz é um jogo com conteúdo de história disponibilizado a qualquer

pessoa. Ou seja, é um meio de acesso ao conhecimento histórico fora dos lugares

tradicionais como escola, universidade e biblioteca. Recentemente tem estado em debate

e em expansão a História pública, a história para além dos muros da Academia, de

modo a proporcionar o passado para um vasto público. Um campo que merece cuidado

e atenção devido a popularização de séries de TV, novelas e documentários históricos

que cada vez mais tem sido produzido. Almeida e Rovai (2011, p. 02) destacam que a

história pública é uma possibilidade não apenas de conservação e divulgação,

mas de construção de um conhecimento pluridisciplinar atento aos processos,

às suas mudanças e tensões. Num esforço colaborativo, ela pode valorizar o

passado para além da academia; pode democratizar a história sem perder a

seriedade ou o poder de análise.

Essas produções midiáticas possibilitam viagens para tempos remotos,

reconhecimentos de lugares e culturas não mais acessíveis. Jornalistas têm escrito livros

de história que estão entre os mais vendidos. Malerba (2014, p. 31) apresenta esse

desenvolvimento no Brasil associado a uma necessidade social de fazer história para um

público leigo1:

O crescimento desse campo sem fronteiras muito definidas que se chamou de

Public History articula-se de modo orgânico com a recente explosão ruidosa

de formas populares de apresentação do passado. Esses mesmos fenômenos

acontecem em maior ou menor medida no Brasil: constata-se uma sensível

demanda social por história nos mais diversos espaços de formação de

opinião fora das universidades, novos lugares de exercício da profissão, uma demanda crescente de consumo popular de história, verificável no

aparecimento de revistas especializadas de divulgação com grandes tiragens

e, por outro lado, uma agressiva produção “historiográfica” que insiste em se

autopromover como uma “nova história” – não acadêmica, diferente e

superior àquela.

Mas afinal, quem está por detrás dessas representações do passado para

audiências fora dos limites da academia? Liddington (2011, p. 32) explica que “o

passado, ou ao menos suas formas populares, está a nos rodear. E passado significa

negócio. Produtores de rádio vasculham seus contatos em busca de historiadores

1 Termo usado por Malerba (2014).

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capazes de resumir a pesquisa atual em poucas sentenças”. Olhando para nosso país,

Malerba (2014, p. 29) descreve o que acontece aqui:

No Brasil, onde os folhetins televisivos têm grande audiência, incontáveis

minisséries de sucesso tiveram como enredo questões de fundo histórico.

Seguindo a moda estrangeira, inúmeras revistas de história com fim de

divulgação científica circulam hoje no país. Em suas mais diversas formas de

apresentação popular, também aqui o passado nos cerca. Editores,

publicitários e homens de mídia em geral descobriram que o passado pode

representar bons negócios. Uma ampla demanda social por história é patente, e historiadores rompem a “torre de marfim” para tornarem-se personas

públicas.

Em muitas situações notamos a ausência de historiadores. Segundo Liddington

(2011) os historiadores públicos buscam colocar a história para grandes audiências,

trabalhar em parceria com outros profissionais, como bibliotecários, arquivistas,

jornalistas, e, assegurar consumidores ativos e participativos mantendo o rigor crítico de

fazer pesquisa. Por outro lado, há profissionais externos à área acadêmica da História

interessados nesse campo em ascendência. Malerba (2014, p. 32) alerta para o problema

da falta desses profissionais capacitados e engajados, que incidem diretamente na

qualidade dos produtos finais gerados perante o crescente interesse pelo passado

histórico nos dias atuais:

Mas há também um lado sombrio desse fenômeno, que é justamente o da

qualidade dessa história feita por pessoas sem treinamento profissional. Um

dos maiores especialistas na área, Roy Rosenzweig, é muito crítico. Essa história produzida por leigos costuma ser uma história muito ruim. A história

social, processual, interpretativa, estrutural, analítica, crítica, não chega ao

grande público, e sim a história paroquial, episódica, factual, pitoresca,

anedótica, biográfica, das grandes batalhas, em rápidas narrativas dramáticas

inflamadas. Para Rosenzweig, a história é importante para o público. O

problema é que essa história popular é de qualidade questionável.

Muitos desses profissionais visualizam o que Linddington (2011) destaca: as

questões comerciais. Segundo Marlerba (2014, p. 32) “hoje o passado significa

‘negócios’ e, não menos importante, ‘poder’!”. Esse fato também não é esquecido pelos

historiadores públicos, assim como salienta Linddington (2011), esses serviços e

produtos culturais como entretenimento precisam estar na pauta, exemplo: os jogos

tanto digitais quanto físicos.

Hoje, existem muitos jogos construídos com cenários históricos, mostrando e

simulando guerras, invasões, personagens baseados em figuras que existiram, assim

como muitos roteiros de jogos que tem como contexto a cultura greco-romana e

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mitologias. Os mais conhecidos e famosos são Age of empires (Microsoft), World in

conflict (Sierra Games), Assassin's creed (Ubisoft), além de muitos outros que se

baseiam na História europeia de reinados, princesas, cavaleiros, Idade Média e

Moderna.

As várias as críticas de historiadores direcionadas a esses jogos pela falta de

cientificidade, veracidade e equívocos. Por isso, a importância da ocupação desses

profissionais no processo criativo. Liddington (2011, p. 50) resume o debate exposto:

A história pública tem real importância e urgente, dada a crescente

popularidade das representações do passado nos dias de hoje. Em um

contexto de segmentação acadêmica e profissionalização restrita, os

historiadores públicos podem fornecer uma mediação, inspiradora e

revigorante entre o passado e seus públicos. Os fornecedores do passado para

as grandes audiências ignoram os historiadores por sua conta e risco.

Diante desse cenário promissor e das potencialidades do jogo tanto na

divulgação do conhecimento quanto no ensino, existem outras iniciativas como a daqui

apresentada, conformo explorado por Costa (2017). Mencionamos o jogo Tríade –

Igualdade, Liberdade e Fraternidade, um game desenvolvido pelo grupo Comunidades

Virtuais; o “Jogo da Cabanagem”, criado pelo Laboratório de Realidade Virtual da

Faculdade de Engenharia de Computação da Universidade Federal do Pará (UFPA) e o

jogo Capoeira Legends, que realiza um mergulho na cultura brasileira ao abordar o

universo dessa arte marcial centenária, trabalhando e resgatando, assim, a história do

Brasil.

A discussão acerca do campo da História pública ainda é acirrada, evidenciando

esses novos tempos de abertura do campo e questionamento do papel e atuação do

profissional. São outros espaços e formatos que tem no seu centro o conhecimento

histórico, não devendo ser, portanto, negligenciados. Esse cenário impõe reflexão aos

modos de fazer, ordenar e pensar a lógica da História de acordo com as demandas

atuais, de equidade e reparação social.

Os jogos no ensino

A ideia de conjugar o jogo e a educação em outras áreas de conhecimento é

estudada por Vygotsky e Piaget (apud BARANITA, 2012). São conhecidos por uma

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abordagem distinta dessa relação dentro do desenvolvimento da criança. Para o

primeiro, o jogo ajuda no crescimento intelectual, social, desenvolvimento da

imaginação e entendimento de conceitos; Já o segundo estudioso, essa ferramenta pode

contribuir em momentos diferentes, mas também está em consonância com o

desenvolvimento da inteligência.

O universo dos jogos nos conduz aos debates sobre a linguagem, o lúdico, o

brincar e o próprio desenvolvimento emocional ao lidar com competição, vitória,

derrota, frustração e empatia. São aspectos que perpassam toda a vida de um ser

humano e um jogo pode potencializar de maneira trabalhar as dificuldades ou mesmo

descobrir talentos. Nessa lógica apoiamos um ensino que coloque no mesmo patamar a

racionalidade e a sensibilidade. Não existe uma separação do corpo e da mente, a

relação com o mundo é corporal, exige percepção, criatividade e subjetividade humana.

No contexto das novas formas de ensino e aprendizagem utilizando o meio

digital os jogos transformaram-se em mais um instrumento com o qual o professor pode

pensar em trabalhar. Porém, há desafios em qual seria qual método, como abarcar esse

lúdico e aproveitar o potencial de todo esse material já pronto sem perder os objetivos

pedagógicos e a cientificidade do conhecimento.

O problema desses jogos comerciais já começa pelo objetivo, que não é

propriamente a história em si. Por outro lado, há um estímulo do real com a imaginação

que pode ser jogado, simulado pelo jogador e aproveitado pelo docente. Os games

existem e geram muita curiosidade e adrenalina nas crianças e adolescentes, que mais

facilmente são atraídos do que uma aula tradicional. Não sendo obrigação de o professor

trazer o lúdico para a sala de aula e nem absorver todos os jogos disponíveis no

mercado, como fazer dos jogos ou fazer um jogo mais relacionado a disciplina História

proveitoso para o processo de ensino-aprendizagem?

As implicações de desenvolvimento de um software para a educação são que um

jogo primeiro é lúdico, e não é para ser especificamente para a docência. Contudo, é

raro um jogo atual que não tenha elemento “histórico” de alguma forma explicam

Santos e Zamorano (2019). A arte de fazer qualquer jogo está em utilizar o que existe na

sociedade, e o romantismo da era medieval e antiga é colocada em muitos RPG, FPS

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entre outros, monstros, fadas, cavaleiros, guerreiros, soldados, personagens que são

"resgatados" da História real.

Essa reflexão é pertinente e necessária já que esse contato do jogo com o aluno é

direta e muito presente. Questões que existem e aparecem nestes jogos são trazidas

pelos estudantes durante as aulas. Numa situação de escola uma das autoras do presente

texto foi lembrada por um aluno que no jogo Assassin’s creed aparece que a autoria das

obras de arte pode não ser somente de uma pessoa. São pequenos detalhes que os jovens

passam a observar por conta da linguagem empregada. A demanda existente não força o

professor a pesquisar jogos específicos, mas a refletir sobre como o jogo pode ser uma

possibilidade, assim como música e filmes.

A relação entre tecnologia e sala de aula ainda é um "terreno problemático", ou

seja, para muitas escolas a experiência de jogos e/ou tecnologia ainda é algo desafiador,

distante ou incipiente. As dificuldades perpassam questões básicas de infraestrutura,

material, falta de incentivo, falta de conhecimento e mesmo, descrença nas

potencialidades do novo.

Sobre o planejamento e formas diferentes de aprendizagem com o uso de jogos,

talvez, o professor mais “tradicional” não se arrisque a esse patamar, mesmo que exista

intenção. O que acontece é que além da falta de recursos físicos e conhecimento de

como lidar com a máquina, um dos problemas são os estudantes não terem acesso igual

como o professor a esse conhecimento. Ou seja, nessa situação pede-se um tempo para a

explicação de como utilizar o recurso ou o programa acarretando um “atraso” no

objetivo principal da atividade.

Outro fator está falta efetiva de computadores em na sala de aula, quadro

interativo, datashow, entre outros muitos recursos existentes no século XXI, somente

disponibilizado em escolas mais elitizadas. Como igualar o acesso a um jogo específico

em todos de uma turma, sabendo da desigualdade existente? Se todos possuem

celulares, será que são smartphones? E se for, o celular roda a versão exigida do

software? E ultrapassando essas questões, como o professor/escola pode ter

equipamentos necessários para usar a reprodução em tempo real do jogo de modo a

acompanhar o uso que os estudantes fazem? Existem aplicativos e recursos para isso,

que exigem um datashow e um dispositivo de espelhamento de celulares (chrome cast,

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xiaomi mibox, cast etc), entretanto mesmo com a existência por vezes barata e acessível

(de ser pouco investimento em grupo) falta iniciativa financeira das escolas,

conhecimento da existência, e principalmente iniciativa pública e social para a

educação.

Os desafios do HistQuiz

No caso específico que esse texto se propôs a trazer, as dificuldades foram de

ordem técnica da própria estrutura do jogo ofertado, mas também intelectual de

produção do conteúdo.

Primeiramente, existiam os limites de um aplicativo, diante de tudo que o ensino

de história precisa evocar na sua prática. No desenvolvimento das perguntas e das

alternativas a serem respondidas, havia limite de caracteres. Esse fator limitante imposto

pela plataforma foi algo bastante desafiador haja vista a complexidade do conhecimento

em questão. Mas, nesse momento foi preciso trabalhar a transposição desse conteúdo. O

que estávamos a enfrentar não era algo novo, pois a todo o momento nos deparamos

com escassez de recursos: tempo, material, fatores sociais limitantes. Em jogos temos

regras pré-existentes, por personagens já criados, pelo tempo disponível, por fatos e

cenários escolhidos previamente.

No quesito do ensino de História, as autoras questionaram o currículo mínimo

concordando, que os textos curriculares são limitados, eurocêntricos e

hegemonicamente brancos. A opção pela História temática atendia a vontade de ampliar

essa abordagem e contribuir na construção de um currículo decolonial e diversificado.

Em tempos de novas demandas, concordamos em buscar meios de não reproduzir uma

história singular colonizadora.

Araújo (2009) aprofunda o estudo na possibilidade de construir narrativas outras

pautadas naqueles negligenciadas pela historiografia. Assim, oportunizar espaços nas

perguntas para as vozes dos “esquecidos”, devido a essa história única e conquistadora.

Pensando a partir disso, fizemos algumas questões sobre a história dos “indígenas”, por

exemplo, não o índio como sendo todos iguais e sem distinção entre as etnias, mas

dando lugar as diferenças que os constituem.

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Portanto, procuramos justamente destacar a diversidade cultural e étnica do

Brasil e dos próprios povos indígenas, também agentes da História. Vimos nesse

movimento uma contribuição importante para a construção dessas outras “histórias

possíveis”, descritas por Araújo (2009) e não só uma história eurocêntrica e

colonizadora.

Acreditamos e buscamos aumentar o diálogo e alargar a discussão com relação

ao contexto intolerante e de manifestações extremistas de ódio com aquele que nos é

diferente. A incapacidade de lidar com o outro é um sintoma de uma sociedade

preconceituosa. Baseadas nas reflexões do campo histórico, visamos destacar os outros

sujeitos sociais que representam a diversidade e nos indiciam sobre a importância de

trabalhar a alteridade cultural.

O processo de redução da diversidade de mundos e tempos ao lado da singularidade da concepção de História estabelece uma relação bastante

característica com a diversidade. A ideia de totalidade homogênea e singular

expressa na noção de progresso, central para a concepção moderna de

História, cria assimetrias históricas capazes de promover a não existência da

diferença. (ARAUJO, 2013, p. 273)

Obviamente, não conseguimos – nem tínhamos a pretensão – de contemplar

tudo, mas tentamos trazer outras “Histórias”.

Outro movimento que objetivamos fazer durante a construção do game foi a

diversidade das fontes usadas pelos historiadores, desde fontes escritas, até música e

cinema, por exemplo, dos mais diversos períodos históricos. Dessa forma,

desconstruímos a visão do ofício do historiador enquanto aquele que se dedica somente

a livros velhos e alargamos o conceito de fonte histórica.

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Figura 2: Exemplo de questão eixo 1

Considerações finais

O presente trabalho tratou de maneira introdutória pensar a inserção dos jogos

digitais na sala de aula, principalmente nas de História. A demanda atual da sociedade é

uma escola mais envolvida nos acontecimentos virtuais, ou seja, mais atualizada na

cybercultura e no digital. Ao mesmo tempo é preciso pensar com cautela na articulação

entre a disciplina de História e essa necessidade tecnológica. Os jogos com temas

históricos existem e podem ser utilizados como um meio, assim como é possível inserir

o historiador e o professor de história no desenvolvimento do conteúdo dos jogos ao

reconhecer o caráter didático que podem ter, e o público em comum.

Seria o ideal pensar na possibilidade de ter os professores de História na

consultoria de elaboração dos jogos de modo a evitar equívocos e também contribuir no

melhor aproveitamento educacional. Apesar das limitações do HistQuiz, buscou-se

torná-lo mais eficiente de acordo com os objetivos do ensino de História contornando as

críticas direcionadas ao modelo tradicional.

Referências:

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Introdução a História Pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011. p. 7-15.

ARAUJO, C. M. O ensino de história e a educação intercultural: por uma outra história

possível. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS PARA ENSINO DE

HISTÓRIA, 7., 2009, Uberlândia. Anais... Uberlândia: Edufu, 2009.

BARANITA. I.M.C. A importância do Jogo no desenvolvimento da Criança. Tese

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http://www.saosebastiao.sp.gov.br/ef/pages/Corpo/Habilidades/leituras/a1.pdf Acesso

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BITTENCOURT, C. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História. In:

BITTENCOURT, C. (Org.). O saber histórico na sala de aula. 11 ed. São Paulo: Contexto,

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COSTA, M. A. F. Ensino de História e games: dimensões práticas em sala de aula.

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J. R.; ROVAI, M. G. O. (Org.). Introdução a História Pública. São Paulo: Letra e

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Ago, p. 27-50, 2014.

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15-38.