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1 O ENSINO DE BOTÂNICA NA EJA: UMA EXPERIÊNCIA DIDÁTICA SOBRE PLANTAS MEDICINAIS BASEADA NA METODOLOGIA DE ESTUDOS DE CASO Rosalina Evangelista dos Santos Guadalupe Edilma Licona de Macedo Julio César Castilho Razera Resumo Este artigo refere-se a um relato de experiência didática de Botânica, que foi aplicada numa turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Baseada na metodologia de estudos de caso apresentada por Andrew Graham, foram abordadas e analisadas três situações fictícias sobre plantas medicinais. O objetivo investigativo da experiência didática esteve pautado no delineamento de limites e possibilidades dos estudos de caso na EJA serem utilizados para favorecer a aprendizagem significante (Rogers) e significativa (Ausubel) em assuntos de botânica. Os resultados mostraram que o saber popular pode servir de base para a construção do saber cientifico, havendo flexibilidade na interpretação e analise dos resultados por meio da metodologia estudo de caso. Os estudos de caso destacam-se por sua versatilidade e por permitirem transitar por diferentes áreas do conhecimento, permitindo uma construção teórica, cientifica, permeando o cotidiano dos pesquisando. Ao final, as possibilidades superaram os limites na experiência executada, notadamente na articulação entre o perfil dos alunos, o tema botânico escolhido, os procedimentos metodológicos dos estudos de casos e os pressupostos teóricos (ausubelianos e rogerianos). Palavras-chave: Plantas Medicinais. Estudos de Caso. Aprendizagem Significativa. Introdução Diferentes dificuldades que envolvem a disciplina de Botânica na educação básica já foram apontadas na literatura e, ainda, continuam nos dias de hoje: desinteresse dos alunos (MENEZES et al., 2008), conteúdo complexo, excesso de termos técnicos, conceitos desvinculados do cotidiano (FIGUEIREDO, 2009), insegurança dos professores em relação aos conteúdos, falta de atividades práticas (MATOS et al., 2015; MELO et al., 2012).

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O ENSINO DE BOTÂNICA NA EJA: UMA

EXPERIÊNCIA DIDÁTICA SOBRE PLANTAS

MEDICINAIS BASEADA NA METODOLOGIA

DE ESTUDOS DE CASO

Rosalina Evangelista dos Santos

Guadalupe Edilma Licona de Macedo

Julio César Castilho Razera

Resumo

Este artigo refere-se a um relato de experiência

didática de Botânica, que foi aplicada numa turma de

Educação de Jovens e Adultos (EJA). Baseada na

metodologia de estudos de caso apresentada por

Andrew Graham, foram abordadas e analisadas três

situações fictícias sobre plantas medicinais. O

objetivo investigativo da experiência didática esteve

pautado no delineamento de limites e possibilidades

dos estudos de caso na EJA serem utilizados para

favorecer a aprendizagem significante (Rogers) e

significativa (Ausubel) em assuntos de botânica. Os

resultados mostraram que o saber popular pode

servir de base para a construção do saber cientifico,

havendo flexibilidade na interpretação e analise dos

resultados por meio da metodologia estudo de caso.

Os estudos de caso destacam-se por sua

versatilidade e por permitirem transitar por

diferentes áreas do conhecimento, permitindo uma

construção teórica, cientifica, permeando o cotidiano

dos pesquisando. Ao final, as possibilidades

superaram os limites na experiência executada,

notadamente na articulação entre o perfil dos alunos,

o tema botânico escolhido, os procedimentos

metodológicos dos estudos de casos e os

pressupostos teóricos (ausubelianos e rogerianos).

Palavras-chave: Plantas Medicinais. Estudos de

Caso. Aprendizagem Significativa.

Introdução

Diferentes dificuldades que envolvem a disciplina de

Botânica na educação básica já foram apontadas na literatura e,

ainda, continuam nos dias de hoje: desinteresse dos alunos

(MENEZES et al., 2008), conteúdo complexo, excesso de termos

técnicos, conceitos desvinculados do cotidiano (FIGUEIREDO,

2009), insegurança dos professores em relação aos conteúdos,

falta de atividades práticas (MATOS et al., 2015; MELO et al.,

2012).

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Sabendo-se que diversas dessas dificuldades estão

relacionadas com as estratégias desenvolvidas no ensino de

assuntos botânicos (SILVA, 2008), nos últimos anos o nosso

grupo de estudos vem desenvolvendo e analisando diversas

experiências didáticas teórica e metodologicamente

fundamentadas.

No presente artigo relatamos uma dessas experiências,

que foi aplicada numa turma de Educação de Jovens e Adultos

(EJA). Baseada na metodologia de estudos de caso apresentada

por Graham (2010), foram abordadas e analisadas três

situações fictícias sobre plantas medicinais. O objetivo

investigativo da experiência didática esteve pautado no

delineamento de limites e possibilidades dos estudos de caso na

EJA serem utilizados para favorecer a aprendizagem significante

(Rogers) e significativa (Ausubel) em assuntos de botânica.

Breves considerações sobre nossas opções e

articulações teórico-metodológicas

A seguir, apresentamos um conjunto de conhecimentos

que embasaram nossa experiência. Esperamos, com isso,

responder brevemente alguns porquês de nossas opções sobre

a EJA, a estratégia dos estudos de caso, o tema, e os

referenciais teóricos. Vejamos.

I. EJA: Superando estigmas nesta modalidade de ensino

Ao fazer um balanço sobre a EJA, Arroyo (2007) analisa

sob a perspectiva do que vem acontecendo nos últimos anos

com os próprios jovens e adultos. Diz que eles estão cada vez

mais "demarcados, segregados e estigmatizados" (p. 6), além

de se configurarem como pessoas em níveis sociais de grande

vulnerabilidade. Diante desse panorama, Arroyo nos alerta que

a EJA não está ajudando a diminuir essa marca social. Para

Arroyo, uma EJA baseada no conteudismo ou no cientificismo

não propicia mudanças, ou seja, não oferece oportunidades

para transformação social dos jovens e adultos.

Os currículos de Ciências na EJA, para não se

apresentarem anacrônicos, devem sair desse foco cientificista.

Entendemos que os conhecimentos trabalhados na EJA devem

ser potencializadores para o trabalho, para a tomada de

decisões, para elevarem o nível de participação cidadã dos

jovens e adultos que voltaram à escola por meio dessa

modalidade de ensino.

Diante desses argumentos, como podemos ensinar

botânica na EJA? Entendemos que estratégias baseadas em

estudos de caso, que tenham como foco temas contextualizados

e problematizadores, podem ser um interessante caminho nesse

viés proposto por Arroyo. É dentro dessa perspectiva que

colocamos em prática a nossa experiência didática, utilizando-

se a estratégia dos estudos de caso.

II. Os estudos de caso

Os estudos de caso que Andrew Graham (2010)

apresenta são recursos úteis para diferentes tipos de ensino,

incluindo-se o escolar. A metodologia constitui-se basicamente

numa história, real ou fictícia, a envolver uma situação

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problemática contextualizada que deverá ser analisada,

discutida e resolvida. "Estudos de caso apresentam um cenário

para aprendizagem que espelha a vida real, na qual decisões

são tomadas e conclusões feitas" (p. 25). O ensino com casos

apresenta características diferentes do modelo tradicional

(Figura 1).

Figura 1 - Os papéis de alunos e professores nos

dois modelos de ensino

Fonte: Graham (2010, p. 39)

Independente de serem histórias reais ou fictícias,

devem apresentar um cenário cotidiano, facilmente identificado

com a vida real. Os estudos de caso não darão conta de tudo,

de todos os fatos. As situações que formam o caso têm

características de um campo incompleto de conhecimento, que

deverão desafiar os alunos "a acrescentar a própria

interpretação" (p. 25). No ensino formal, os estudos de caso

podem ser usados para criar situações reais ou fictícias, a fim

de que os alunos apliquem suas teorias, apresentem análises e

solução do problema apresentado. Portanto, a problematização

é um dos princípios inerentes aos estudos de caso. Os três

casos utilizados em nossa experiência são fictícios, mas foram

construídos com esse propósito estimulador de discussão e

tomadas de decisão.

III. Plantas medicinais: um tema botânico com

potencialidades para a EJA

O ensino de botânica é, muitas vezes, implementado

sem referências à vida do aluno. Na escola em que realizamos

nossa experiência, o campo é o lugar de trabalho da maioria

dos alunos da EJA. Diariamente, eles e suas famílias lidam com

plantas medicinais. Portanto, nesse caso, o ensino sobre plantas

medicinais apresenta elementos com fortes relações com o que

foi manifestado acima sobre a EJA (e.g., agrega tomada decisão

e discussões sobre senso comum e conhecimento científico) e

os estudos de caso (e.g., item curioso e contextualizado). Além

das plantas medicinais, outros temas botânicos poderiam ser

utilizados na EJA, contemplando-se ao mesmo tempo as

características rurais dos alunos e o distanciamento do foco

meramente cientificista, como aponta Arroyo logo acima?

Entendemos que sim, desde que também ofereça oportunidades

para transformação social dos jovens e adultos. A nossa

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experiência envolve apenas um tema botânico; não é exaustiva.

Todavia, pode servir de parâmetro para o planejamento de

outros temas com tais potencialidades para a EJA. Aí reside

uma das relevâncias de nosso intento.

IV. Aprendizagem significante (Rogers)

A aprendizagem significante é um dos dez princípios

apresentados por Carl Rogers (1973), quando se pensa em

processo de ensino escolar centrado no aluno. Esse princípio

tem como base o pressuposto de que "uma pessoa só aprende

significativamente aquelas coisas que percebe implicarem na

manutenção ou na elevação de si mesma" (p. 154). Dito de

outra forma, se uma pessoa não necessita ou não percebe

necessitar daquela matéria que é ensinada, não ocorrerá

aprendizagem funcional daquilo que está sendo ensinado, mas

apenas um tipo de aprendizagem infrutífera, por exemplo,

relacionada a como passar nas provas. De acordo com Rogers

(1973), "se o aprendiz percebe que o assunto se relaciona com

os seus objetivos pessoais", a aprendizagem significante

ocorrerá de forma mais breve e facilitada.

V. Aprendizagem significativa (Ausubel)

Aprendizagem significativa e significante apresentam

concepções diferentes. A primeira tem bases no cognitivismo. A

segunda, no humanismo ou, mais especificamente, na

psicologia centrada na pessoa. Ao comentar sobre ambas,

Moreira (2011, p.140) diz que "a qualificação 'significativa' [da

teoria ausubeliana] vem do significado cognitivo que emerge na

interação entre a nova informação e o conceito subsunçor

especificamente relevante". Moreira complementa a

diferenciação, dizendo que na aprendizagem de Rogers "o

'significante' se refere muito mais à significação pessoal, i. e.,

significado para a pessoa".

Para Ausubel, a aprendizagem significativa ocorre

somente quando uma nova informação encontra ancoragem na

estrutura cognitiva do aprendiz. Portanto, nessa estrutura

cognitiva já deve existir conhecimento prévio específico que

permita essa ancoragem. Quando isso ocorre, a própria

estrutura cognitiva (o conhecimento que o aprendiz já possuía)

é alterada.

Nas palavras de Ausubel, Novak e Hanesian (1980, p.

522), aprendizagem significativa refere-se à "aquisição de

novos significados; pressupõe uma disposição para a

aprendizagem significativa e uma tarefa de aprendizagem

potencialmente significativa (isto é, uma tarefa que pode ser

relacionada de modo não arbitrário e substancial àquilo que o

aprendiz já conhece".

Entendemos que trabalhar sobre plantas medicinais com

alunos da EJA, oriundos em sua maioria do campo, apresenta

características que potencializam os dois tipos de aprendizagem

acima, que acabam se completando: uma mais centrada na

pessoa (humanista rogeriana) e outra no conhecimento

(cognitivista ausubeliana). Entre outras, estas são duas das

caracteristicas potenciais e de partida que podemos mencionar:

i) o tema apresenta significação pessoal e familiar; ii) os alunos

já apresentam seus próprios conhecimentos sobre o tema.

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Procedimentos metodológicos

A presente proposta baseou-se no Estudo de Casos

(GRAHAM, 2010). O conjunto de ações foi desenvolvido em dois

encontros, com duração de três horas-aula, na disciplina de

Ciências, numa turma do ensino fundamental do II da EJA, em

escola da rede pública do interior da Bahia. A turma era

composta por 20 estudantes (A1, A2...), com faixa etária entre

18 e 45 anos. A maioria era da zona rural. Baseados em fatos

concretos da vida real, os casos aplicados e analisados foram

construídos pela primeira autora deste relato - a principal

responsável por esse projeto.

A experiência didática aqui relatada fez parte de um

conjunto maior de temas e ações a envolver o ensino de

Botânica. No caso específico desta experiência, a estrutura

básica constou de:

i) Apresentação inicial do tema "Plantas Medicinais", por

meio de exposição oral de uma profissional farmacêutica, que

foi convidada pela docente para participar dessa atividade.

Nessa etapa, por meio da apresentação do tema e de diversos

questionamentos, foram detectados os conhecimentos prévios

dos alunos.

ii) Apresentação de três casos (ver o tópico seguinte),

intercalados pelos respectivos questionamentos da docente e

discussões e depoimentos dos alunos.

iii) Análise dos depoimentos dos alunos, baseada no

quadro teórico escolhido.

Resultados e discussão

I. Iniciando o tema com os alunos

Como dissemos acima, os alunos participantes da

experiência tinham forte ligação laboral com o campo.

Tomando-se como ponto de partida o pressuposto de a turma

ter conhecimentos sobre o uso medicinal de plantas, o primeiro

encontro iniciou com alguns questionamentos sobre o que os

alunos sabiam das plantas medicinais. Essas duas

características - ligação laboral com o campo e diagnóstico de

conhecimentos prévios sobre o assunto - implicam diretamente

aspectos teóricos rogerianos e ausubelianos.

Nessa etapa houve, ainda, uma exposição oral

informativa sobre o tema: i) diferenças entre plantas medicinais

e fitoterápicas; ii) diferentes nomes dados a uma determinada

planta, conforme a cultura regional (e.g., erva cidreira -

melissa); iii) relacionamento entre o poder curativo das plantas

e os respectivos princípios ativos; iv) maneiras diversas de

produzir chás, como a infusão, a decocção, as tinturas

(garrafadas1); v) a maneira mais segura de se fazer o chá de

flores e folhas; vi) conhecimento popular, cultura, crendices e

constatações históricas sobre plantas medicinais; vii) veracidade

dos conhecimentos sobre plantas medicinais; viii) usos

incorretos; ix) toxidades.

Para esse encontro, pedimos que os alunos trouxessem

plantas de seus quintais (Figura 2), que eles relacionavam com

1 Beberagem de curandeiro aplicada como remédio (FERREIRA, 1999).

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algum uso medicinal. Juntamos várias figuras às plantas e

solicitamos identificações e comentários, principalmente nomes

e usos medicinais.

Figura 2 - Atividade com plantas medicinais na turma de EJA

Fonte: autora principal

Os alunos analisaram e identificaram diversas plantas

expostas. Indicaram quais eram utilizadas na culinária e aquelas

que tinham potencial medicinal. Estas foram algumas das

plantas (ou partes delas) comentadas: laranja, boldo, santa

bárbara, noz moscada, “paratudo”, abóbora, pau-ferro, canela,

erva-doce, cidreira.

Relataram, ainda, suas próprias experiências com as

chamadas garrafadas, que são preparadas com álcool e alguma

planta. Os mais conhecidos e citados por eles foram: pau-ferro

e álcool, para problemas estomacais de má digestão; o mastruz

com álcool, usado como anti-inflamatório. Uma das alunas fez o

seguinte relato: “Quando tive o meu primeiro filho, servi

coquinho para as visitas” (A7).

Outros relatos se seguiram: i) o uso da berinjela para

diminuição do colesterol; ii) o mastruz como anti-inflamatório;

iii) o boldo para problemas gástricos e hepáticos; iv) a folha de

laranjeira como calmante e antitérmico; v) a folha do capim-

cidreir no preparo de chá.

Os conhecimentos que os alunos demonstraram sobre a

indicaão de plantas medicinais para tratamento de diversas

doenças fazem parte da cultura do homem do campo. Os

relatos dos alunos confirmam que o tema apresenta significado,

pois faz parte de seu dia a dia (bases potenciais para a

aprendizagem significante). Além disso, são subsunçores

presentes na sua estrutura cognitiva, ou seja, possibilitam

ancoragem com as novas informações conceituais escolares e

alteração cognitiva, dentro da perspectiva apontada por

Ausubel, Novak e Hanesian (1980).

II. O primeiro caso

Caso nº 1

João sempre viveu no campo. Trabalhando na lavoura para

sustentar a família, conhecia tudo sobre as plantas ali presentes.

Casado com Joana, tinha dois filhos. Certo dia, juntamente com

Joana, decidiu que ia se mudar para [...], a cidade mais próxima

da fazenda, pois sentia necessidade de proporcionar aos filhos o

contato com uma escola melhor, para que tivessem um destino

diferente do seu. E assim foi feito. No primeiro dia de aula, um fato

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triste aconteceu: o filho mais novo tomou um lanche composto de

pão, queijo e suco de laranja com leite. No entanto, ao chegar a

casa, começou a sentir um enjoo, que culminou em vômito e

diarreia. Dona Joana, logo correu para a cozinha e preparou um

chá para seu filho. Que tipo de ervas você acredita ter feito parte

do chá de dona Joana, para resolver o problema da diarreia do

filho? Em sua opinião, o que pode ter acontecido com o filho mais

novo de seu João e dona Joana? Se você estivesse lá, que

sugestão de planta ou erva para chá daria para a mãe do menino?

Fonte: autora principal

Após a leitura desse primeiro caso, os alunos

compartilharam suas respostas, num processo de negociação de

significados dentro da perspectiva ausubeliana (AUSUBEL;

NOVAK, HANESIAN, 1980). No processo de negociação a

estrutura cognitiva vai se alterando. Para tal, utilizaram seus

próprios conhecimentos, mesclando-se na negociação os

conhecimentos científicos (conceitos formais escolares): "Eu

acho que ele comeu demais por isso fez vômito" (A1); "A dor de

barriga pode ter sido causada pela comida que estava

estragada" (A2); "Ele pode ter o estômago sensível para esse

tipo de comida. Na roça não tem isso" (A3); "Se fosse meu filho

eu dava um purgante de azeite. Uma vez tomei purgante de

azeite de mamona para limpar o intestino" (A4). Nessas falas os

seguintes pressupostos rogerianos se evidenciam: i) matéria

relacionada com seus próprios objetivos; ii) “confronto

experiencial direto com problemas práticos” (ROGERS, 1973, p.

157).

Quadro 1 - Síntese das respostas dos alunos para o primeiro caso

Fonte: autora principal

III. O segundo caso

Caso nº 2

Pedro, morador da cidade desde criança, e desgostoso com a onda

de violência cotidiana, resolve se aposentar e ir morar no campo.

"Maria, minha querida, estou cansado desta vida agitada. Agora que

me aposentei, gostaria de morar no campo. Vamos criar o nosso

filho longe dessa onda de violência? Morar no campo tem sido o

meu sonho desde aquele dia que fomos assaltados na porta de

casa. Não que vamos estar livres disso lá, mas, com certeza,

teremos uma qualidade de vida melhor". O que Pedro não esperava

era que seu único filho, uma criança inocente, ficasse doente logo

nos primeiros dias no campo. O filho, certamente atraído pelo

colorido, mastigou a folha de uma planta que desconhecia e passou

mal. O que teria acontecido com o filho desse casal, ao mastigar a

folha daquela planta tão vistosa? Que planta poderia ter causado

alergia ao filho deles? Como você ajudaria Pedro e Maria, caso

estivesse lá? Você conhece algum tipo de planta tóxica? Qual?

Fonte: autora principal

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Após análise das respostas apresentadas pelos discentes

pode-se perceber que os alunos aprenderam que as plantas

naturalmente podem ter substâncias perigosas e até nocivas. A

síntese abaixo revela isso, bem como a sua consonância com os

estudos científicos que vêm comprovando o potencial agressivo

de diversas plantas. conforme síntese.

Quadro 2 - Síntese das respostas dos alunos para o segundo caso

Fonte: autora principal

Pesquisas revelam que o uso das plantas como remédios

deve ser controlado e cercado de cuidados, porque envolve

potenciais tóxicos prejudiciais à saúde humana. Embora existam

plantas que apresentem princípios ativos com poder curativo, o

uso indiscriminado das plantas com essa finalidade não deve

ocorrer; contrariando, portanto, o conhecimento popular que diz

que "as plantas são usadas há milênios e, por isso, são seguras"

(MACIEL; PINTO; VEIGA-JÚNIOR, 2002).

IV. O terceiro caso

Caso nº 3

Antônio está morando em Salvador; deixou a cidade de Vitória da

Conquista ainda jovem. Depois de muitos anos sem ver os

familiares, amigos e colegas, decide voltar a sua cidade natal para

rever a todos. Em uma carta, diz à mãe: "Mãe, estou com muita

saudade de todos. Estou indo aí fazer uma visita. Me aguarde".

Dona Maria sente o coração palpitar e fica cheia de ansiedade,

imaginando como será bom rever o filho. Porém, algo a deixa

intranquila e preocupada, o perigo das estradas, pois viu uma

matéria no jornal que mostrava um acidente de ônibus vindo de

São Paulo para a Bahia. Dona Maria, a partir do recebimento da

notícia, passou a ter insônia e ficar nervosa e ansiosa. Que planta

medicinal pode ser usada para Dona Maria se tranquilizar? Que

parte da planta sugerida contém o princípio ativo que acalma as

pessoas? Como você define princípio ativo?

Fonte: autora principal

Após a leitura do terceiro caso, os alunos apresentaram

soluções difusas, abrangentes, mas de senso comum. No

entanto, foram respostas relevantes para o processo de

discussão e negociação de significados. No quadro 3, a seguir, é

apresentada uma síntese das respostas.

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Quadro 3 - Síntese das respostas dos alunos para o terceiro caso

Fonte: autora principal

Sobre princípio ativo, os alunos deram respostas

diversas: "É o remédio presente na planta" (A1); "É a

substância que funciona como remédio na planta" (A2); "É o

fitoterápico da planta" (A3). Observa-se nesses exemplos um

indicativo de inserção de conhecimento formal na estrutura

cognitiva deles. Além disso, por causa de suas vivências no

campo e proximidades com plantas medicinais diversas, os

alunos apresentaram respostas pertinentes à literatura. As

plantas citadas pelos alunos têm como característica combater a

ansiedade e o nervosismo (LORENZI; MATOS, 2008; DI STASI,

2007).

Considerações finais

Dentro do que propusemos verificar, as potencialidades

superaram os limites. Restrições sempre ocorrerão em qualquer

experiência didática, por causa da inerente complexidade da

aprendizagem (processo com características de continuidade,

que não se finda). Não conseguimos avaliar profundamente e

confirmar de modo categórico que em todos os alunos houve

aprendizagem nos moldes teóricos que utilizamos. Houve

aspectos que não puderam ser confrontados. No entanto, mais

do que esperar de nossos alunos, ao final, sempre apresente

conhecimentos cientificamente corretos, a experiência que

desenvolvemos na EJA indicou possibilidades didáticas

relevantes. Uma delas refere-se à justa e compatível articulação

entre a estratégia dos estudos de caso (que implica

problematização, necessidade de posicionamento ativo dos

alunos etc.) e os referenciais teóricos das aprendizagens

significante (aprendizagem centrada na pessoa, valorização do

aluno, tema afim, motivação para aprender) e significativa

(conhecimentos prévios, compartilhamento de significados com

os colegas e professor, alteração da estrutura cognitiva,

reorganização conceitual).

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Referências

ARROYO, M. Balanço da EJA: o que mudou nos modos de vida

dos jovens-adultos populares? Revista de Educação de Jovens e

Adultos, v.1, n.0, p. 1-108, 2007.

AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J. D.; HANESIAN, H. Psicologia

educacional. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980.

DI STASI, L. C. Plantas medicinais: verdades e mentiras: o que

os usuários e os profissionais de saúde precisam saber. São

Paulo: UNESP, 2007.

FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio Eletrônico: século XXI. Rio

de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

FIGUEIREDO, J. A. O ensino de botânica em uma abordagem

ciência, tecnologia e sociedade: propostas de atividades

didáticas para o estudo das flores nos cursos de ciências

biológicas. 88f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências) -

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte,

2009.

GRAHAM, A. Como escrever e usar estudos de caso para ensino

e aprendizagem no setor público. Brasília: ENAP, 2010.

LORENZI, H.; MATOS, J. A. Plantas medicinais no Brasil: nativas

e exóticas. 2. ed. Nova Odessa: Instituto Plantarum, 2008.

MACIEL, M. A. M.; PINTO, A. C.; VEIGA-JÚNIOR, V. F. Plantas

medicinais: a necessidade de estudos multidisciplinares.

Química Nova, v.25, n.3, p.429-438, 2002.

MATOS G. M. A. et al. Recursos didáticos para o ensino de

botânica: uma avaliação das produções de estudantes em

universidade sergipana. Holos, v.31, n.5, p. 213-230, 2015.

MELO, E. A. et al. A aprendizagem de botânica no ensino

fundamental: dificuldades e desafios. Scientia Plena, v.8, n.10,

2012.

MENEZES, L. C. et al. Iniciativas para o aprendizado de botânica

no ensino médio. In: ENCONTRO DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA,

11., Atas... João Pessoa: UFPB- PRG, 2008.

MOREIRA, M. A. Teorias de aprendizagem. 2. ed. São Paulo:

EPU, 2011.

ROGERS, C. R. Liberdade para aprender. 2. ed. Tradução de

Edgar de Godói da Mata Machado e colaborador. Belo Horizonte:

Interlivros, 1973.

SILVA, P. G. P. O ensino da botânica no nível fundamental: um

enfoque nos procedimentos metodológicos. Tese (Doutorado em

Educação para a Ciência) - Faculdade de Ciências, Universidade

Estadual Paulista, Bauru, 2008.

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Sobre os autores

Rosalina Evangelista dos Santos

Mestre em Educação Cientifica e Formação de Professor pela

UESB (2016). Pós-graduada em Educação de Jovens e Adultos

(IFBA), Mídias na Educação (UESB), Ensino de Ciências e

Matemática UFRPE), Gestão Escolar (UNIMES). Professora da

Rede Estadual de Ensino do Estado da Bahia.

E-mail: [email protected]

Júlio César Castilho Razera

Doutorado em Educação para a Ciência - UNESP Professor

Titular do Departamento de Ciências Biológicas, da UESB.

Atuação em disciplinas da Área de Educação em Ciências na

Graduação e Pós-Graduação. Docente credenciado no Programa

de Pós-Graduação em Educação Científica e Formação de

Professores na UESB.

E-mail: [email protected]

Guadalupe Edilma Licona de Macedo

Doutorado em Botânica pela UFRPE. Professora titular da UESB.

Professora e orientadora no Programa de Pós-Graduação em

Educação Científica e Formação de Professores da UESB.

Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Formação de

Educadores em Ciência - GEP/FEC.

E-mail: [email protected]

BOTANY IN YAE: A CLASSROOM EXPERIENCE

ON MEDICINAL PLANTS BASED UPON CASE

STUDY METHODOLOGY

Abstract

This paper refers reports on an experience related to the

teaching of Botany to youth and adult education (YAE)

classroom. Based on case study methodology presented

by Andrew Graham, three fictitious situations on medicinal

plants were presented and analyzed. The goal was to

establish limits and possibilities of case studies in the YAE

to be used to favor the significant learning (Rogers) and

valuable learning (Ausubel) of issues related to botany.

Results showed that popular knowledge can serve as a

basis for the construction of scientific knowledge, if there

is flexibility in the interpretation and analysis of the

results through the case study methodology. The case

studies stand out for their versatility and for allowing

traverse different areas of knowledge, permitting

theoretical and scientific constructions, permeating

participants’ daily life. In the end, possibilities exceeded

limits in the performed experience, especially in the

articulation among the profile of the students, the

botanical theme chosen, the methodological procedures of

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the case studies and the theoretical assumptions

(Ausubelian and Rogerian).

Keywords: Medicinal Plants. Case studies. Valuable

learning.

LA ENSEÑANZA DE BOTANICA EN LA EJA:

UNA EXPERIENCIA DIDÁCTICA SOBRE

PLANTAS MEDICINALES CON BASE EN LA

METODOLOGIA DE ESTUDIOS DE CASO.

Resumen

Este artículo narra una experiencia didáctica de Botánica,

que fue aplicada en una clase de Educación de Jóvenes y

Adultos (EJA). Basada en la metodología de estudios de

caso presentada por Andrew Graham, se abordaron y

analizaron tres situaciones ficticias sobre plantas

medicinales. El objetivo investigativo de la experiencia

didáctica fue basado en el delineamiento de límites y

posibilidades de los estudios de caso en la EJA que son

utilizados para favorecer el aprendizaje significante

(Rogers) y significativo (Ausubel) en asuntos de botánica.

Los resultados mostraron que el saber popular puede

servir de base para la construcción del científico, habiendo

flexibilidad en la interpretación y análisis de los resultados

por medio de la metodología estudio de caso. Los estudios

de caso se destacan por su versatilidad y transitividad por

diferentes áreas del conocimiento, permitiendo una

construcción teórica, científica, permeando el cotidiano de

los investigadores. Al final, las posibilidades superaron los

límites en la experiencia realizada, notoriamente en la

articulación entre el perfil de los alumnos, el tema

botánico elegido, los procedimientos metodológicos de los

estudios de casos y los presupuestos teóricos

(ausubelianos y rogerianos).

Palabras clave: Plantas Medicinales. Estudios de caso.

Aprendizaje Significativo.