o ensino de botÂnica na eja: uma havendo flexibilidade … · o objetivo investigativo da...
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O ENSINO DE BOTÂNICA NA EJA: UMA
EXPERIÊNCIA DIDÁTICA SOBRE PLANTAS
MEDICINAIS BASEADA NA METODOLOGIA
DE ESTUDOS DE CASO
Rosalina Evangelista dos Santos
Guadalupe Edilma Licona de Macedo
Julio César Castilho Razera
Resumo
Este artigo refere-se a um relato de experiência
didática de Botânica, que foi aplicada numa turma de
Educação de Jovens e Adultos (EJA). Baseada na
metodologia de estudos de caso apresentada por
Andrew Graham, foram abordadas e analisadas três
situações fictícias sobre plantas medicinais. O
objetivo investigativo da experiência didática esteve
pautado no delineamento de limites e possibilidades
dos estudos de caso na EJA serem utilizados para
favorecer a aprendizagem significante (Rogers) e
significativa (Ausubel) em assuntos de botânica. Os
resultados mostraram que o saber popular pode
servir de base para a construção do saber cientifico,
havendo flexibilidade na interpretação e analise dos
resultados por meio da metodologia estudo de caso.
Os estudos de caso destacam-se por sua
versatilidade e por permitirem transitar por
diferentes áreas do conhecimento, permitindo uma
construção teórica, cientifica, permeando o cotidiano
dos pesquisando. Ao final, as possibilidades
superaram os limites na experiência executada,
notadamente na articulação entre o perfil dos alunos,
o tema botânico escolhido, os procedimentos
metodológicos dos estudos de casos e os
pressupostos teóricos (ausubelianos e rogerianos).
Palavras-chave: Plantas Medicinais. Estudos de
Caso. Aprendizagem Significativa.
Introdução
Diferentes dificuldades que envolvem a disciplina de
Botânica na educação básica já foram apontadas na literatura e,
ainda, continuam nos dias de hoje: desinteresse dos alunos
(MENEZES et al., 2008), conteúdo complexo, excesso de termos
técnicos, conceitos desvinculados do cotidiano (FIGUEIREDO,
2009), insegurança dos professores em relação aos conteúdos,
falta de atividades práticas (MATOS et al., 2015; MELO et al.,
2012).
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Sabendo-se que diversas dessas dificuldades estão
relacionadas com as estratégias desenvolvidas no ensino de
assuntos botânicos (SILVA, 2008), nos últimos anos o nosso
grupo de estudos vem desenvolvendo e analisando diversas
experiências didáticas teórica e metodologicamente
fundamentadas.
No presente artigo relatamos uma dessas experiências,
que foi aplicada numa turma de Educação de Jovens e Adultos
(EJA). Baseada na metodologia de estudos de caso apresentada
por Graham (2010), foram abordadas e analisadas três
situações fictícias sobre plantas medicinais. O objetivo
investigativo da experiência didática esteve pautado no
delineamento de limites e possibilidades dos estudos de caso na
EJA serem utilizados para favorecer a aprendizagem significante
(Rogers) e significativa (Ausubel) em assuntos de botânica.
Breves considerações sobre nossas opções e
articulações teórico-metodológicas
A seguir, apresentamos um conjunto de conhecimentos
que embasaram nossa experiência. Esperamos, com isso,
responder brevemente alguns porquês de nossas opções sobre
a EJA, a estratégia dos estudos de caso, o tema, e os
referenciais teóricos. Vejamos.
I. EJA: Superando estigmas nesta modalidade de ensino
Ao fazer um balanço sobre a EJA, Arroyo (2007) analisa
sob a perspectiva do que vem acontecendo nos últimos anos
com os próprios jovens e adultos. Diz que eles estão cada vez
mais "demarcados, segregados e estigmatizados" (p. 6), além
de se configurarem como pessoas em níveis sociais de grande
vulnerabilidade. Diante desse panorama, Arroyo nos alerta que
a EJA não está ajudando a diminuir essa marca social. Para
Arroyo, uma EJA baseada no conteudismo ou no cientificismo
não propicia mudanças, ou seja, não oferece oportunidades
para transformação social dos jovens e adultos.
Os currículos de Ciências na EJA, para não se
apresentarem anacrônicos, devem sair desse foco cientificista.
Entendemos que os conhecimentos trabalhados na EJA devem
ser potencializadores para o trabalho, para a tomada de
decisões, para elevarem o nível de participação cidadã dos
jovens e adultos que voltaram à escola por meio dessa
modalidade de ensino.
Diante desses argumentos, como podemos ensinar
botânica na EJA? Entendemos que estratégias baseadas em
estudos de caso, que tenham como foco temas contextualizados
e problematizadores, podem ser um interessante caminho nesse
viés proposto por Arroyo. É dentro dessa perspectiva que
colocamos em prática a nossa experiência didática, utilizando-
se a estratégia dos estudos de caso.
II. Os estudos de caso
Os estudos de caso que Andrew Graham (2010)
apresenta são recursos úteis para diferentes tipos de ensino,
incluindo-se o escolar. A metodologia constitui-se basicamente
numa história, real ou fictícia, a envolver uma situação
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problemática contextualizada que deverá ser analisada,
discutida e resolvida. "Estudos de caso apresentam um cenário
para aprendizagem que espelha a vida real, na qual decisões
são tomadas e conclusões feitas" (p. 25). O ensino com casos
apresenta características diferentes do modelo tradicional
(Figura 1).
Figura 1 - Os papéis de alunos e professores nos
dois modelos de ensino
Fonte: Graham (2010, p. 39)
Independente de serem histórias reais ou fictícias,
devem apresentar um cenário cotidiano, facilmente identificado
com a vida real. Os estudos de caso não darão conta de tudo,
de todos os fatos. As situações que formam o caso têm
características de um campo incompleto de conhecimento, que
deverão desafiar os alunos "a acrescentar a própria
interpretação" (p. 25). No ensino formal, os estudos de caso
podem ser usados para criar situações reais ou fictícias, a fim
de que os alunos apliquem suas teorias, apresentem análises e
solução do problema apresentado. Portanto, a problematização
é um dos princípios inerentes aos estudos de caso. Os três
casos utilizados em nossa experiência são fictícios, mas foram
construídos com esse propósito estimulador de discussão e
tomadas de decisão.
III. Plantas medicinais: um tema botânico com
potencialidades para a EJA
O ensino de botânica é, muitas vezes, implementado
sem referências à vida do aluno. Na escola em que realizamos
nossa experiência, o campo é o lugar de trabalho da maioria
dos alunos da EJA. Diariamente, eles e suas famílias lidam com
plantas medicinais. Portanto, nesse caso, o ensino sobre plantas
medicinais apresenta elementos com fortes relações com o que
foi manifestado acima sobre a EJA (e.g., agrega tomada decisão
e discussões sobre senso comum e conhecimento científico) e
os estudos de caso (e.g., item curioso e contextualizado). Além
das plantas medicinais, outros temas botânicos poderiam ser
utilizados na EJA, contemplando-se ao mesmo tempo as
características rurais dos alunos e o distanciamento do foco
meramente cientificista, como aponta Arroyo logo acima?
Entendemos que sim, desde que também ofereça oportunidades
para transformação social dos jovens e adultos. A nossa
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experiência envolve apenas um tema botânico; não é exaustiva.
Todavia, pode servir de parâmetro para o planejamento de
outros temas com tais potencialidades para a EJA. Aí reside
uma das relevâncias de nosso intento.
IV. Aprendizagem significante (Rogers)
A aprendizagem significante é um dos dez princípios
apresentados por Carl Rogers (1973), quando se pensa em
processo de ensino escolar centrado no aluno. Esse princípio
tem como base o pressuposto de que "uma pessoa só aprende
significativamente aquelas coisas que percebe implicarem na
manutenção ou na elevação de si mesma" (p. 154). Dito de
outra forma, se uma pessoa não necessita ou não percebe
necessitar daquela matéria que é ensinada, não ocorrerá
aprendizagem funcional daquilo que está sendo ensinado, mas
apenas um tipo de aprendizagem infrutífera, por exemplo,
relacionada a como passar nas provas. De acordo com Rogers
(1973), "se o aprendiz percebe que o assunto se relaciona com
os seus objetivos pessoais", a aprendizagem significante
ocorrerá de forma mais breve e facilitada.
V. Aprendizagem significativa (Ausubel)
Aprendizagem significativa e significante apresentam
concepções diferentes. A primeira tem bases no cognitivismo. A
segunda, no humanismo ou, mais especificamente, na
psicologia centrada na pessoa. Ao comentar sobre ambas,
Moreira (2011, p.140) diz que "a qualificação 'significativa' [da
teoria ausubeliana] vem do significado cognitivo que emerge na
interação entre a nova informação e o conceito subsunçor
especificamente relevante". Moreira complementa a
diferenciação, dizendo que na aprendizagem de Rogers "o
'significante' se refere muito mais à significação pessoal, i. e.,
significado para a pessoa".
Para Ausubel, a aprendizagem significativa ocorre
somente quando uma nova informação encontra ancoragem na
estrutura cognitiva do aprendiz. Portanto, nessa estrutura
cognitiva já deve existir conhecimento prévio específico que
permita essa ancoragem. Quando isso ocorre, a própria
estrutura cognitiva (o conhecimento que o aprendiz já possuía)
é alterada.
Nas palavras de Ausubel, Novak e Hanesian (1980, p.
522), aprendizagem significativa refere-se à "aquisição de
novos significados; pressupõe uma disposição para a
aprendizagem significativa e uma tarefa de aprendizagem
potencialmente significativa (isto é, uma tarefa que pode ser
relacionada de modo não arbitrário e substancial àquilo que o
aprendiz já conhece".
Entendemos que trabalhar sobre plantas medicinais com
alunos da EJA, oriundos em sua maioria do campo, apresenta
características que potencializam os dois tipos de aprendizagem
acima, que acabam se completando: uma mais centrada na
pessoa (humanista rogeriana) e outra no conhecimento
(cognitivista ausubeliana). Entre outras, estas são duas das
caracteristicas potenciais e de partida que podemos mencionar:
i) o tema apresenta significação pessoal e familiar; ii) os alunos
já apresentam seus próprios conhecimentos sobre o tema.
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Procedimentos metodológicos
A presente proposta baseou-se no Estudo de Casos
(GRAHAM, 2010). O conjunto de ações foi desenvolvido em dois
encontros, com duração de três horas-aula, na disciplina de
Ciências, numa turma do ensino fundamental do II da EJA, em
escola da rede pública do interior da Bahia. A turma era
composta por 20 estudantes (A1, A2...), com faixa etária entre
18 e 45 anos. A maioria era da zona rural. Baseados em fatos
concretos da vida real, os casos aplicados e analisados foram
construídos pela primeira autora deste relato - a principal
responsável por esse projeto.
A experiência didática aqui relatada fez parte de um
conjunto maior de temas e ações a envolver o ensino de
Botânica. No caso específico desta experiência, a estrutura
básica constou de:
i) Apresentação inicial do tema "Plantas Medicinais", por
meio de exposição oral de uma profissional farmacêutica, que
foi convidada pela docente para participar dessa atividade.
Nessa etapa, por meio da apresentação do tema e de diversos
questionamentos, foram detectados os conhecimentos prévios
dos alunos.
ii) Apresentação de três casos (ver o tópico seguinte),
intercalados pelos respectivos questionamentos da docente e
discussões e depoimentos dos alunos.
iii) Análise dos depoimentos dos alunos, baseada no
quadro teórico escolhido.
Resultados e discussão
I. Iniciando o tema com os alunos
Como dissemos acima, os alunos participantes da
experiência tinham forte ligação laboral com o campo.
Tomando-se como ponto de partida o pressuposto de a turma
ter conhecimentos sobre o uso medicinal de plantas, o primeiro
encontro iniciou com alguns questionamentos sobre o que os
alunos sabiam das plantas medicinais. Essas duas
características - ligação laboral com o campo e diagnóstico de
conhecimentos prévios sobre o assunto - implicam diretamente
aspectos teóricos rogerianos e ausubelianos.
Nessa etapa houve, ainda, uma exposição oral
informativa sobre o tema: i) diferenças entre plantas medicinais
e fitoterápicas; ii) diferentes nomes dados a uma determinada
planta, conforme a cultura regional (e.g., erva cidreira -
melissa); iii) relacionamento entre o poder curativo das plantas
e os respectivos princípios ativos; iv) maneiras diversas de
produzir chás, como a infusão, a decocção, as tinturas
(garrafadas1); v) a maneira mais segura de se fazer o chá de
flores e folhas; vi) conhecimento popular, cultura, crendices e
constatações históricas sobre plantas medicinais; vii) veracidade
dos conhecimentos sobre plantas medicinais; viii) usos
incorretos; ix) toxidades.
Para esse encontro, pedimos que os alunos trouxessem
plantas de seus quintais (Figura 2), que eles relacionavam com
1 Beberagem de curandeiro aplicada como remédio (FERREIRA, 1999).
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algum uso medicinal. Juntamos várias figuras às plantas e
solicitamos identificações e comentários, principalmente nomes
e usos medicinais.
Figura 2 - Atividade com plantas medicinais na turma de EJA
Fonte: autora principal
Os alunos analisaram e identificaram diversas plantas
expostas. Indicaram quais eram utilizadas na culinária e aquelas
que tinham potencial medicinal. Estas foram algumas das
plantas (ou partes delas) comentadas: laranja, boldo, santa
bárbara, noz moscada, “paratudo”, abóbora, pau-ferro, canela,
erva-doce, cidreira.
Relataram, ainda, suas próprias experiências com as
chamadas garrafadas, que são preparadas com álcool e alguma
planta. Os mais conhecidos e citados por eles foram: pau-ferro
e álcool, para problemas estomacais de má digestão; o mastruz
com álcool, usado como anti-inflamatório. Uma das alunas fez o
seguinte relato: “Quando tive o meu primeiro filho, servi
coquinho para as visitas” (A7).
Outros relatos se seguiram: i) o uso da berinjela para
diminuição do colesterol; ii) o mastruz como anti-inflamatório;
iii) o boldo para problemas gástricos e hepáticos; iv) a folha de
laranjeira como calmante e antitérmico; v) a folha do capim-
cidreir no preparo de chá.
Os conhecimentos que os alunos demonstraram sobre a
indicaão de plantas medicinais para tratamento de diversas
doenças fazem parte da cultura do homem do campo. Os
relatos dos alunos confirmam que o tema apresenta significado,
pois faz parte de seu dia a dia (bases potenciais para a
aprendizagem significante). Além disso, são subsunçores
presentes na sua estrutura cognitiva, ou seja, possibilitam
ancoragem com as novas informações conceituais escolares e
alteração cognitiva, dentro da perspectiva apontada por
Ausubel, Novak e Hanesian (1980).
II. O primeiro caso
Caso nº 1
João sempre viveu no campo. Trabalhando na lavoura para
sustentar a família, conhecia tudo sobre as plantas ali presentes.
Casado com Joana, tinha dois filhos. Certo dia, juntamente com
Joana, decidiu que ia se mudar para [...], a cidade mais próxima
da fazenda, pois sentia necessidade de proporcionar aos filhos o
contato com uma escola melhor, para que tivessem um destino
diferente do seu. E assim foi feito. No primeiro dia de aula, um fato
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triste aconteceu: o filho mais novo tomou um lanche composto de
pão, queijo e suco de laranja com leite. No entanto, ao chegar a
casa, começou a sentir um enjoo, que culminou em vômito e
diarreia. Dona Joana, logo correu para a cozinha e preparou um
chá para seu filho. Que tipo de ervas você acredita ter feito parte
do chá de dona Joana, para resolver o problema da diarreia do
filho? Em sua opinião, o que pode ter acontecido com o filho mais
novo de seu João e dona Joana? Se você estivesse lá, que
sugestão de planta ou erva para chá daria para a mãe do menino?
Fonte: autora principal
Após a leitura desse primeiro caso, os alunos
compartilharam suas respostas, num processo de negociação de
significados dentro da perspectiva ausubeliana (AUSUBEL;
NOVAK, HANESIAN, 1980). No processo de negociação a
estrutura cognitiva vai se alterando. Para tal, utilizaram seus
próprios conhecimentos, mesclando-se na negociação os
conhecimentos científicos (conceitos formais escolares): "Eu
acho que ele comeu demais por isso fez vômito" (A1); "A dor de
barriga pode ter sido causada pela comida que estava
estragada" (A2); "Ele pode ter o estômago sensível para esse
tipo de comida. Na roça não tem isso" (A3); "Se fosse meu filho
eu dava um purgante de azeite. Uma vez tomei purgante de
azeite de mamona para limpar o intestino" (A4). Nessas falas os
seguintes pressupostos rogerianos se evidenciam: i) matéria
relacionada com seus próprios objetivos; ii) “confronto
experiencial direto com problemas práticos” (ROGERS, 1973, p.
157).
Quadro 1 - Síntese das respostas dos alunos para o primeiro caso
Fonte: autora principal
III. O segundo caso
Caso nº 2
Pedro, morador da cidade desde criança, e desgostoso com a onda
de violência cotidiana, resolve se aposentar e ir morar no campo.
"Maria, minha querida, estou cansado desta vida agitada. Agora que
me aposentei, gostaria de morar no campo. Vamos criar o nosso
filho longe dessa onda de violência? Morar no campo tem sido o
meu sonho desde aquele dia que fomos assaltados na porta de
casa. Não que vamos estar livres disso lá, mas, com certeza,
teremos uma qualidade de vida melhor". O que Pedro não esperava
era que seu único filho, uma criança inocente, ficasse doente logo
nos primeiros dias no campo. O filho, certamente atraído pelo
colorido, mastigou a folha de uma planta que desconhecia e passou
mal. O que teria acontecido com o filho desse casal, ao mastigar a
folha daquela planta tão vistosa? Que planta poderia ter causado
alergia ao filho deles? Como você ajudaria Pedro e Maria, caso
estivesse lá? Você conhece algum tipo de planta tóxica? Qual?
Fonte: autora principal
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Após análise das respostas apresentadas pelos discentes
pode-se perceber que os alunos aprenderam que as plantas
naturalmente podem ter substâncias perigosas e até nocivas. A
síntese abaixo revela isso, bem como a sua consonância com os
estudos científicos que vêm comprovando o potencial agressivo
de diversas plantas. conforme síntese.
Quadro 2 - Síntese das respostas dos alunos para o segundo caso
Fonte: autora principal
Pesquisas revelam que o uso das plantas como remédios
deve ser controlado e cercado de cuidados, porque envolve
potenciais tóxicos prejudiciais à saúde humana. Embora existam
plantas que apresentem princípios ativos com poder curativo, o
uso indiscriminado das plantas com essa finalidade não deve
ocorrer; contrariando, portanto, o conhecimento popular que diz
que "as plantas são usadas há milênios e, por isso, são seguras"
(MACIEL; PINTO; VEIGA-JÚNIOR, 2002).
IV. O terceiro caso
Caso nº 3
Antônio está morando em Salvador; deixou a cidade de Vitória da
Conquista ainda jovem. Depois de muitos anos sem ver os
familiares, amigos e colegas, decide voltar a sua cidade natal para
rever a todos. Em uma carta, diz à mãe: "Mãe, estou com muita
saudade de todos. Estou indo aí fazer uma visita. Me aguarde".
Dona Maria sente o coração palpitar e fica cheia de ansiedade,
imaginando como será bom rever o filho. Porém, algo a deixa
intranquila e preocupada, o perigo das estradas, pois viu uma
matéria no jornal que mostrava um acidente de ônibus vindo de
São Paulo para a Bahia. Dona Maria, a partir do recebimento da
notícia, passou a ter insônia e ficar nervosa e ansiosa. Que planta
medicinal pode ser usada para Dona Maria se tranquilizar? Que
parte da planta sugerida contém o princípio ativo que acalma as
pessoas? Como você define princípio ativo?
Fonte: autora principal
Após a leitura do terceiro caso, os alunos apresentaram
soluções difusas, abrangentes, mas de senso comum. No
entanto, foram respostas relevantes para o processo de
discussão e negociação de significados. No quadro 3, a seguir, é
apresentada uma síntese das respostas.
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Quadro 3 - Síntese das respostas dos alunos para o terceiro caso
Fonte: autora principal
Sobre princípio ativo, os alunos deram respostas
diversas: "É o remédio presente na planta" (A1); "É a
substância que funciona como remédio na planta" (A2); "É o
fitoterápico da planta" (A3). Observa-se nesses exemplos um
indicativo de inserção de conhecimento formal na estrutura
cognitiva deles. Além disso, por causa de suas vivências no
campo e proximidades com plantas medicinais diversas, os
alunos apresentaram respostas pertinentes à literatura. As
plantas citadas pelos alunos têm como característica combater a
ansiedade e o nervosismo (LORENZI; MATOS, 2008; DI STASI,
2007).
Considerações finais
Dentro do que propusemos verificar, as potencialidades
superaram os limites. Restrições sempre ocorrerão em qualquer
experiência didática, por causa da inerente complexidade da
aprendizagem (processo com características de continuidade,
que não se finda). Não conseguimos avaliar profundamente e
confirmar de modo categórico que em todos os alunos houve
aprendizagem nos moldes teóricos que utilizamos. Houve
aspectos que não puderam ser confrontados. No entanto, mais
do que esperar de nossos alunos, ao final, sempre apresente
conhecimentos cientificamente corretos, a experiência que
desenvolvemos na EJA indicou possibilidades didáticas
relevantes. Uma delas refere-se à justa e compatível articulação
entre a estratégia dos estudos de caso (que implica
problematização, necessidade de posicionamento ativo dos
alunos etc.) e os referenciais teóricos das aprendizagens
significante (aprendizagem centrada na pessoa, valorização do
aluno, tema afim, motivação para aprender) e significativa
(conhecimentos prévios, compartilhamento de significados com
os colegas e professor, alteração da estrutura cognitiva,
reorganização conceitual).
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Referências
ARROYO, M. Balanço da EJA: o que mudou nos modos de vida
dos jovens-adultos populares? Revista de Educação de Jovens e
Adultos, v.1, n.0, p. 1-108, 2007.
AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J. D.; HANESIAN, H. Psicologia
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DI STASI, L. C. Plantas medicinais: verdades e mentiras: o que
os usuários e os profissionais de saúde precisam saber. São
Paulo: UNESP, 2007.
FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio Eletrônico: século XXI. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
FIGUEIREDO, J. A. O ensino de botânica em uma abordagem
ciência, tecnologia e sociedade: propostas de atividades
didáticas para o estudo das flores nos cursos de ciências
biológicas. 88f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências) -
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2009.
GRAHAM, A. Como escrever e usar estudos de caso para ensino
e aprendizagem no setor público. Brasília: ENAP, 2010.
LORENZI, H.; MATOS, J. A. Plantas medicinais no Brasil: nativas
e exóticas. 2. ed. Nova Odessa: Instituto Plantarum, 2008.
MACIEL, M. A. M.; PINTO, A. C.; VEIGA-JÚNIOR, V. F. Plantas
medicinais: a necessidade de estudos multidisciplinares.
Química Nova, v.25, n.3, p.429-438, 2002.
MATOS G. M. A. et al. Recursos didáticos para o ensino de
botânica: uma avaliação das produções de estudantes em
universidade sergipana. Holos, v.31, n.5, p. 213-230, 2015.
MELO, E. A. et al. A aprendizagem de botânica no ensino
fundamental: dificuldades e desafios. Scientia Plena, v.8, n.10,
2012.
MENEZES, L. C. et al. Iniciativas para o aprendizado de botânica
no ensino médio. In: ENCONTRO DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA,
11., Atas... João Pessoa: UFPB- PRG, 2008.
MOREIRA, M. A. Teorias de aprendizagem. 2. ed. São Paulo:
EPU, 2011.
ROGERS, C. R. Liberdade para aprender. 2. ed. Tradução de
Edgar de Godói da Mata Machado e colaborador. Belo Horizonte:
Interlivros, 1973.
SILVA, P. G. P. O ensino da botânica no nível fundamental: um
enfoque nos procedimentos metodológicos. Tese (Doutorado em
Educação para a Ciência) - Faculdade de Ciências, Universidade
Estadual Paulista, Bauru, 2008.
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Sobre os autores
Rosalina Evangelista dos Santos
Mestre em Educação Cientifica e Formação de Professor pela
UESB (2016). Pós-graduada em Educação de Jovens e Adultos
(IFBA), Mídias na Educação (UESB), Ensino de Ciências e
Matemática UFRPE), Gestão Escolar (UNIMES). Professora da
Rede Estadual de Ensino do Estado da Bahia.
E-mail: [email protected]
Júlio César Castilho Razera
Doutorado em Educação para a Ciência - UNESP Professor
Titular do Departamento de Ciências Biológicas, da UESB.
Atuação em disciplinas da Área de Educação em Ciências na
Graduação e Pós-Graduação. Docente credenciado no Programa
de Pós-Graduação em Educação Científica e Formação de
Professores na UESB.
E-mail: [email protected]
Guadalupe Edilma Licona de Macedo
Doutorado em Botânica pela UFRPE. Professora titular da UESB.
Professora e orientadora no Programa de Pós-Graduação em
Educação Científica e Formação de Professores da UESB.
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Formação de
Educadores em Ciência - GEP/FEC.
E-mail: [email protected]
BOTANY IN YAE: A CLASSROOM EXPERIENCE
ON MEDICINAL PLANTS BASED UPON CASE
STUDY METHODOLOGY
Abstract
This paper refers reports on an experience related to the
teaching of Botany to youth and adult education (YAE)
classroom. Based on case study methodology presented
by Andrew Graham, three fictitious situations on medicinal
plants were presented and analyzed. The goal was to
establish limits and possibilities of case studies in the YAE
to be used to favor the significant learning (Rogers) and
valuable learning (Ausubel) of issues related to botany.
Results showed that popular knowledge can serve as a
basis for the construction of scientific knowledge, if there
is flexibility in the interpretation and analysis of the
results through the case study methodology. The case
studies stand out for their versatility and for allowing
traverse different areas of knowledge, permitting
theoretical and scientific constructions, permeating
participants’ daily life. In the end, possibilities exceeded
limits in the performed experience, especially in the
articulation among the profile of the students, the
botanical theme chosen, the methodological procedures of
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the case studies and the theoretical assumptions
(Ausubelian and Rogerian).
Keywords: Medicinal Plants. Case studies. Valuable
learning.
LA ENSEÑANZA DE BOTANICA EN LA EJA:
UNA EXPERIENCIA DIDÁCTICA SOBRE
PLANTAS MEDICINALES CON BASE EN LA
METODOLOGIA DE ESTUDIOS DE CASO.
Resumen
Este artículo narra una experiencia didáctica de Botánica,
que fue aplicada en una clase de Educación de Jóvenes y
Adultos (EJA). Basada en la metodología de estudios de
caso presentada por Andrew Graham, se abordaron y
analizaron tres situaciones ficticias sobre plantas
medicinales. El objetivo investigativo de la experiencia
didáctica fue basado en el delineamiento de límites y
posibilidades de los estudios de caso en la EJA que son
utilizados para favorecer el aprendizaje significante
(Rogers) y significativo (Ausubel) en asuntos de botánica.
Los resultados mostraron que el saber popular puede
servir de base para la construcción del científico, habiendo
flexibilidad en la interpretación y análisis de los resultados
por medio de la metodología estudio de caso. Los estudios
de caso se destacan por su versatilidad y transitividad por
diferentes áreas del conocimiento, permitiendo una
construcción teórica, científica, permeando el cotidiano de
los investigadores. Al final, las posibilidades superaron los
límites en la experiencia realizada, notoriamente en la
articulación entre el perfil de los alumnos, el tema
botánico elegido, los procedimientos metodológicos de los
estudios de casos y los presupuestos teóricos
(ausubelianos y rogerianos).
Palabras clave: Plantas Medicinales. Estudios de caso.
Aprendizaje Significativo.