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607 O ENSINO DAS DISCIPLINAS DE MORAL E CÍVICA E DE ESTUDOS SOCIAIS DURANTE A DITADURA MILITAR (1964-1985) Jefferson da Silva Pereira Universidade Estadual de Maringá/ Câmpus Sede Resumo: O presente texto pretende realizar uma reflexão sobre o Ensino das disciplinas de Moral e Cívica e de Estudos socais no contexto da ditadura militar brasileira, bem como a sua dinâmica social e política.Para discutir as implicações da Ditadura Militar no ensino dessas, precisamos compreender que, quando os militares assumiram o governo, começou a longa agonia do poder civil. Assim, as pessoas com maior senso crítico passaram a sofrer intensas perseguições, inclusive os professores sobretudo os professores das disciplinas de humanas. Diante desses fatos, os professores da então disciplina de história se constituíram num dos principais alvos de vigilância educacional que se instalou após a implantação do Regime Militar e eles , tiveram sua disciplina reduzida e incorporada a outras, como Educação Moral e Cívica. Essas disciplinas tinham por objetivo buscar cidadãos de acordo com o que o país estava precisando naquele período, pois,os formuladores dos métodos disciplinares entendiam que era preciso o professor inserir no aluno a magnificência da pátria e seu amor e despojamento a esta. A metodologia para a coleta de dados e informação é a história oral e a historiografia.Com isso, foi entrevistado professores de História que lecionou na educação básica durante esse contexto de ditadura militar brasileira Por fim, os resultados mostram que o Estado utilizou o ensino de História como um mecanismo para a imposição e dominação social em um contexto político de poder autoritário que sobreviveu por mais de vinte anos. Palavras- chave: Ensino-História;regime militar;Ditadura;

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O ENSINO DAS DISCIPLINAS DE MORAL E CÍVICA E DE ESTUDOS SOCIAIS DURANTE A DITADURA MILITAR (1964-1985)

Jefferson da Silva Pereira Universidade Estadual de Maringá/ Câmpus Sede

Resumo: O presente texto pretende realizar uma reflexão sobre o Ensino das disciplinas de Moral e Cívica e de Estudos socais no contexto da ditadura militar brasileira, bem como a sua dinâmica social e política.Para discutir as implicações da Ditadura Militar no ensino dessas, precisamos compreender que, quando os militares assumiram o governo, começou a longa agonia do poder civil. Assim, as pessoas com maior senso crítico passaram a sofrer intensas perseguições, inclusive os professores sobretudo os professores das disciplinas de humanas. Diante desses fatos, os professores da então disciplina de história se constituíram num dos principais alvos de vigilância educacional que se instalou após a implantação do Regime Militar e eles , tiveram sua disciplina reduzida e incorporada a outras, como Educação Moral e Cívica. Essas disciplinas tinham por objetivo buscar cidadãos de acordo com o que o país estava precisando naquele período, pois,os formuladores dos métodos disciplinares entendiam que era preciso o professor inserir no aluno a magnificência da pátria e seu amor e despojamento a esta. A metodologia para a coleta de dados e informação é a história oral e a historiografia.Com isso, foi entrevistado professores de História que lecionou na educação básica durante esse contexto de ditadura militar brasileira Por fim, os resultados mostram que o Estado utilizou o ensino de História como um mecanismo para a imposição e dominação social em um contexto político de poder autoritário que sobreviveu por mais de vinte anos. Palavras- chave: Ensino-História;regime militar;Ditadura;

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Introdução

O presente trabalho vem destacar a trajetória do ensino das disciplinas

de Moral e Cívica e Estudos Sociais no Brasil, bem como as políticas utilizados

pelo governo no campo educacional durante o contexto da ditadura militar

brasileira (1964-1985).

A ditadura militar foi implantada no Brasil em 1º de Abril de 1964, com

substancial apoio de pessoas e entidades da sociedade civil, bem como de

órgãos representativos do poder econômico nacional, de uma parte

considerável dos superiores da hierarquia católica e ainda de importantes

órgãos de comunicação de massa que se proclamam tradicionalmente liberais.

Os militares na época justificaram o golpe, sob a alegação de que havia uma

ameaça comunista no país.

Os militares impuseram os mais brutais acontecimentos sob a forma de

violência, censura, repressão, exílio, prisão e diversas outras formas de

coerção da sociedade. O objetivo do Estado era criar um sistema que

concretizasse seu monopólio intelectual sobre a massa populacional. Os que

se opunham ao regime foram colocados para o caminho da violência e da

repressão feita pelos militares. Assim,os militares pretendiam a

homogeneização de toda essa sociedade,para que não houvesse outros

distúrbios contra os ideais militares.Ideais estes que eram comumente

transmitidos para a população de uma forma completamente

distorcida,somente buscando o convencimento do publico em geral.

Diante desse panorama, as pessoas com maior senso crítico passaram

a sofrer intensas perseguições. E com os professores das disciplinas de

Humanas não foi muito diferente, sobretudo com os professores da disciplina

de História, que tiveram algumas limitações ao lecionar, uma vez que a

disciplina de história está relacionada diretamente com aos acontecimentos

ligados à política do país. Assim,os professores de História foram um dos

principais alvos dos militares e tiveram suas disciplinas reduzidas e

substituídas por outras disciplinas, como Educação Moral e Cívica e Estudos

Sociais. Portanto, o estado usa as instituições educacionais para manter o

controle da sociedade.

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O ensino de história durante o contexto da ditadura militar brasileira

(1964-1985)

A partir da década de sessenta do século XX, o Brasil passou a ser

governado por João Goulart, um presidente que tinha que como objetivo

estabelecer reformas.Entretanto,essas reformas não agradavam as classes

dominantes.Porém,para evitar a revolta dos setores contrários a sua posse,

Jango viu-se obrigado a aceitar uma medida alternativa de governo, que foi o

Parlamentarismo e somente após consulta popular (plebiscito) é que pode

retomar as funções para as quais fora eleito, que era a de governar o

Brasil.Seu governo foi considerado de cunho nacionalista e logo, acabou

sendo destituído pelo golpe militar,iniciado no do dia 1 de abriu de 1964. Golpe

este que posteriormente enveredou pelo caminho do fechamento político e do

processo de instauração de uma ditadura militar,que segundo Germano (2005)

foi uma intervenção duradoura, mediante a implantação de um regime político,

de cunho ditatorial, num momento em que os militares (juntamente com a

classe dominante) estiveram diretamente a frente do aparelho de Estado.

Logo após a tomada do poder pelos militares, estes adotaram uma série

de medidas para prover o regime de meios necessários para que pudesse se

manter, pois a sociedade mesmo tendo apoiado o Golpe em 1964 começou a

questionar o poder instituído nos anos que se seguiram, fruto das atitudes

arbitrárias do governo dos militares. Assim, greves, manifestações estudantis e

criticas ao regime através dos jornais, rádio e TV, passou a ser combatido pelo

governo que se utilizada de Atos Institucionais para legitimar tais ações. De

acordo com Skidmore (1988), tornou-se necessário naquele momento, adequar

todas as instâncias nacionais aos interesses da nova classe no poder para que

o Regime Militar pudesse ser legitimado e não correr o risco de ser deposto.

Nesta perspectiva, foi criado um aparato governamental que restringia os

direitos civis e políticos da população a fim de calar as possíveis vozes de

contestação ao regime.

A partir de 1964 com a ditadura militar, as pessoas com um maior senso

crítico passaram a sofrer perseguições do referido governo, sendo necessário

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uma forma mais sutil de contestação e defesa dos direitos democráticos e civis.

Assim, houve manifestações através das canções de protestos, bem como dos

sindicatos de trabalhadores,das mobilizações estudantis entre outros. Segundo

Angelo Priori:

Destacam-se as músicas de protesto de Chico Buarque, Taiguara,

Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Capinam, Torquato

Neto, entre outros. Mas foi a voz de uma mulher que imortalizou a

canção de João Bosco e Aldir Blanco, “O bêbado e o equilibrista”,

consagrada como o hino da anistia aos banidos e exilados políticos

do país. A voz emocionada de Elis Regina, entoava com beleza

singular os versos de Aldir Blanco, sobre assassinatos nos porões da

ditadura, de maridos pranteados por suas “Marias e Clarices” e sobre

a luta pela anistia aos desaparecidos, presos e exilados políticos, ao

pedir a volta do “irmão do Henfil e tanta gente que partiu num rabo de

foguete”. (PRIORI,2004, p.9).

É neste contexto histórico‐político que os militares entenderam que era

necessário um maior controle sobre o sistema educacional.Assim, surgiu a

Lei 5.540/68, baseada nos interesses do regime estabelecido.Esta foi

instaurada pelos militares,e trouxe consigo uma série de medidas que

mudaram em muitos aspectos as políticas educacionais. Através desta lei, foi

oficializado o ensino dos estudos sociais nas Escolas brasileiras, ou seja, a

historiografia foi repensada, uma vez que ficando os específicos da História

destinados somente ao segundo grau. (SCHIMIDT e CAIINEL, 2004, p.11). O

ideário da educação nesse período baseava-se também em um

desenvolvimento econômico mediante o controle da Segurança Nacional. De

acordo Selva Guimarães, este fato é explicado pela ordem política,

fundamentalmente, nos propósitos do poder que agia no sentido de controlar e

reprimir as opiniões e os pensamentos dos cidadãos, de forma a eliminar toda

e qualquer possibilidade de resistência ao regime autoritário (FONSECA, 1993,

p. 25).

Ao analisar todas essas questões que permearam o ensino de História

no período ditatorial brasileiro , destaco algumas questões sobre as práticas

pedagógicas desse contexto.Entretanto, para adentrar nessas questões, torna-

se necessário fazer uma abordagem sobre a questão da cultura escolar.A

cultura escolar não é um conceito simples de delimitar.Considera-se que,

nesse espaço,(a escola), foram sendo historicamente construídas normas e

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práticas definidoras dos conhecimentos que seriam ensinados e dos valores e

comportamentos que seriam inculcados, gera o que se pode chamar de cultura

escolar. Conhecimentos, valores e comportamentos que, embora tenham

assumido uma expressão peculiar na escola, e, principalmente em cada

disciplina escolar, são produtos das lutas e dos embates da sociedade que os

produziu e foi produzida também por essa escola.

O conceito de cultura escolar aparece sempre relacionado com um

espaço destinado/privilegiado para transmissão de conhecimentos e,

principalmente, valores (FORQUIN, 1993; WARDE, 1997; FARIA FILHO, 1996;

JULIA, 2001). As origens das palavras disciplina e didática parecem trazer

também a idéia de espaço, pátio onde se reuniam estudantes, ou lugares

(livros, estantes) onde se reuniam as idéias. Assim, parece ter surgido a

expressão “em primeiro lugar” usada nas argumentações. Nesse espaço, foi-se

constituindo a cultura escolar, através das normas e práticas que definiam os

valores e comportamentos que seriam inculcados.

No entanto, se o espaço, é o território comum para analisar a cultura

escolar, a sua definição como objeto de conhecimento também não é tão

simples. Ao abordar essa temática, Julia destaca:

Poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas

que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um

conjunto de práticas que permitem a transmissão desses

conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e

práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as

épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de

socialização) (JULIA, 2001, p.10).

Estudar a cultura escolar significa estudar os processos e produtos das

práticas escolares, isto é, práticas que permitem a transmissão de

conhecimentos e de condutas circunscritas a um espaço/tempo identificado

como escola. Parece claro, portanto, que considerar a cultura escolar como

objeto histórico, que implica analisar o significado imposto aos processos de

transmissão de saberes e inculcação de valores dentro desse espaço. Implica

também considerar a transmissão como elemento central desse processo,

tendo-se cuidado de não fazer exclusivamente uma análise ideológica (JULIA,

2001: 34).

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Além de todas essas implicações abordadas por Julia, Chervel (1990)

destaca que , a prática escolar fornece informações sobre a produção do

conhecimento que não são encontradas no nível de sua produção dentro da

ciência ou em outras instâncias da sociedade. Essa constatação fez com que

seus estudos se dirigissem para a investigação da história das disciplinas

escolares que lida com fontes primárias como, por exemplo, os manuais

didáticos e os cadernos escolares, com milhões de páginas escritas que,

segundo ele, podem revelar uma história ainda não relatada nem analisada.A

partir dessas análises de Cherveu e da Julia, descatamos a questão do ensino

de História durante o período da Ditadura Militar.Partindo desses príncipios, e

sabendo de toda importância e do conhecimento que se encontra nas

instituições escolares,foi realizado uma entrevista com a professora

aposentada Rosa Maria dos Santos, que durante a década de 70 lecionou a

disciplina de Moral e Cívica em um colégio na Zona Leste da cidade de São

Paulo.Assim, ela destaca alguns detalhes desse momento histórico.

[...] O controle da educação básica no país no contexto da ditadura

militar não se deu apenas em forma de perseguição contra

professores com história pessoal de militância. Nós também fomos

seguidas e perseguidas, eu tive várias amigas, que sofreram torturas

psicológicas ou foram afastadas.Era preciso cumprir rigorosamente o

programa da disciplina elaborado pelo governo, e muitas vezes, os

próprios professores, ou funcionários das escolas faziam

denúncias.Além disso, muitas vezes, os militares ficavam na escola.

A Lei 869 de 12 de setembro de 1969, estabeleceu, em caráter

obrigatório, como disciplina e, também, como prática educativa, as disciplinas

de “Educação Moral e Cívica” e de „‟Estudos Sociais‟‟ em todos os sistemas de

ensino no Brasil. A disciplina de “Educação Moral e Cívica” tinha muitas

finalidades, dentre elas o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento

de solidariedade humana, o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na

dedicação à família e à comunidade e o preparo do cidadão para o exercício

das atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação

construtiva, visando o bem comum.

Introduzir as disciplinas sobre civismo significa impor a ideologia da

ditadura, reforçada pela extinção da Filosofia e diminuição da carga

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horária de História e Geografia, que exerce a mesma função de

diminuir o senso crítico e consciência política da situação (VEDANA,

1997, p.54).

Como os militares entendiam que os brasileiros tinham esquecido o

patriotismo, eles tentam impor uma nova cultura escolar, uma vez que era

preciso reativar esse espírito patriótico. Ao destacar essas questões , a ex

professora Rosa Maria dos Santos destaca:

O estado usou as instituições educacionais para manter o controle

da sociedade. Foi durante esse momento histórico que foi

introduzido nas escolas brasileiras o uniforme, as cadeiras em

fileiras,o tablado que deixava o professor em um nível elevado dos

alunos, capas de cadernos do Brasil, hino nacional no verso dos

cadernos.Enfim, com a ditadura surge uma série de elementos que

visavam impor o patriotismo nos estudantes.

Nos relatos sobre como eram suas aulas, a professora aposentada

Rosa Maria manifestou um discurso crítico:

Nós só repassávamos conteúdo...Entrava na sala, cumprimentava os

alunos, dizia “hoje nós vamos estudar isso aqui, peguem o livro na

página tal”, e falava sobre aquele conteúdo. Era desse jeito. Hoje

não, hoje você conversa, você parte daquilo que o aluno sabe e

também deixa o aluno falar. Na época a gente não deixava os alunos

falarem, eles não tinham opinião própria.

A construção do programa de Educação Moral e Cívica consta de

documentos oficiais, tais como o Decreto 869/69 que tornou a disciplina

obrigatória e o documento.A amplitude e desenvolvimento dos programas de

Educação Moral e Cívica em todos os níveis de ensino, que tinha o objetivo de

definir os programas de EMC. Estes documentos revelam as reais intenções da

disciplina, entre elas: “aperfeiçoamento do caráter do brasileiro e ao seu

preparo para o perfeito exercício da cidadania democrática” (BRASIL, 1970, p.

9). Os documentos oficiais são instrumentos formulados sob coordenação dos

condutores do regime em vigor, conseqüentemente, expressam os reais

objetivos dos membros do poder. Tais documentos revelam os propósitos que

dirigentes do governo tinham em relação à EMC, o que também contribui na

análise dos livros didáticos.

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Os conteúdos destes livros abarcam todos os aspectos possíveis da vida

social. Em todos os capítulos os livros procuravam interferir tanto no que diz

respeito aos valores, proporcionando a formação de comportamentos, quanto

nas questões relacionadas à política e à economia. Tentava-se formar idéias

favoráveis ao processo político em curso. Buscava-se convencer os estudantes

de que os militares eram os únicos capazes de consolidar uma suposta forma

de democracia, onde não havia espaço para contestação de qualquer natureza.

Os conteúdos relacionados com as questões econômicas afirmavam que todos

os brasileiros, das diversas regiões do país, participavam da construção do

“Brasil grande potência” e também desfrutavam dos lucros do desenvolvimento

econômico.

A tentativa de controlar a educação básica veio também em forma de

censura ao conteúdo ensinado, aos livros adotados, aos termos que podiam

ser ditos.Quando perguntada sobre os livros didáticos, a professora Rosa

Maria dos Santos disse:

Os livros didáticos, se caracterizam por ser textos de respostas e

questionários, que não possuíam leitura informativa, consistindo-se

apenas um textos para exercícios de linguagem e vocabulário.Alguns

livros eram exclusivamente glossários de definições, apresentavam

textos estereotipados e factuais.Os exercícios não levavam a

reflexão, ao pensamento crítico, levavam apenas á memorização,

com a repetição do trecho lido.

Além da disciplina de Moral e Cívica, a lei 5.540/68 cria-se também a

disciplina de Estudos Sociais para o 1o grau, lecionada por professores

polivalentes na 1a a 4a séries e por profissional oriundo da História ou dos

cursos de Estudos Sociais entre a 5a e a 8a séries. A possibilidade de a

História continuar como disciplina autônoma, conforme previa a legislação

estadual em São Paulo (Lei 10.038/68), foi suprimida pela legislação federal

em 1971, “com a Reforma do Ensino feita pela ditadura militar, que efetivou os

Estudos Sociais para o currículo nacional da escola de 1 grau (8 anos) e

incentivou a criação do curso superior de Estudos Sociais, responsável pela

formação de professores para atuarem nessa nova disciplina.” (MARTINS,

2002: 105).

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Para Helfer e Lenskij (2000), estava evidente que a proposta da

disciplina Estudos Sociais, visava ajustar o indivíduo à ordem, desenvolvendo

nos alunos uma postura de submissão, de acomodação, de resignação,

tornando-os simples contempladores da realidade, através da identificação e

observação. Não era permitida a intervenção do aluno na realidade como

sujeito da construção do processo histórico e de conhecimento.

Entre as atividades extra classe havia a „‟hora cívica‟‟ que era realizada

periodicamente , em intervalos de uma semana ou quinze dias.Um momento

no qual os alunos eram reunidos para hastear as bandeira, cantar o hino

nacional e apresentar poemas ou jograis sobre a pátria ou os símbolos e

heróis nacionais.Ao relembrar esses momentos a professora Rosa Maria

destaca:

Uma vez por semana tinha a hora cívica e fazíamos hasteamento da

bandeira, cantávamos o hino nacional e dizíamos versinhos. Os

alunos tinham que saber alguma poesia sobre a pátria, sobre

Tiradentes. As datas cívicas eram muito comemoradas [...] tinha

muita poesia sobre 31 de março, e nós tínhamos que ler, de uniforme

e com a bandeira nacional.

Alguns depoimentos afirmam que, em algumas ocasiões, essas

atividades assumiram um aspecto meramente formal, não conseguindo tornar a

escola um ambiente cívico como punham as prescrições educativas.Assim, a

professora Rosa Maria relata:

Eles tentaram muitas vezes introduzir, mas não funcionava. Às vezes

o Governo exigia que se cantasse o hino nacional todas as vezes no

começo da aula. Os diretores, no começo do ano, tentavam por uma

ou duas semanas e depois aquilo caía na rotina, tornava-se uma

coisa sem graça, caía no vazio e não acontecia.

Entre as comemorações cívicas, o desfile de Sete de Setembro é

relembrado como uma ocasião em que a população se reunia para assistir o

desfile organizado pela escola, com muito empenho e dedicação.Ao analisar os

desfiles, a professora Rosa Maria afirma:

Naquela época nós tínhamos uma fanfarra com 30 pessoas mais ou

menos. Eram alunos da escola, usavam calça branca, jaqueta

vermelha e chapéu, tudo confeccionado aqui mesmo, (rindo) não

vinha nada de fora, era bem interessante. E muito bonito. Depois... as

coisas foram se modernizando e foi tudo... sabe, tudo aquilo... “Ah

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isso não é necessário pra quê?” [...] aquele patriotismo, aquele

sentimento de amor à pátria, não sei se era um sentimento de amor à

pátria, mas era um sentimento assim, de cumprir com a sua

obrigação [...] Se a escola, a sociedade pedia, era assim que tinha

que ser. Muito diferente do que hoje em dia

Dessa forma, não era do interesse dos militares estruturar uma escola

com base no desenvolvimento do senso critico, o que, de certa forma, poderia

colocar em risco os planos traçados pela Escola Superior de Guerra. Com isso,

essas disciplinas (OSPB, Educação Moral e Cívica e Estudos Sociais)

representaram o ponto estratégico na veiculação da ideologia defendida pelo

Regime Militar. Neste sentido, os conteúdos foram direcionados para um

modelo propagandístico e cívico de educação em comum acordo com a política

repressiva do governo militar. Com o passar dos anos, o ensino da disciplina foi

sendo flexibilizado. Primeiro, tornou-se obrigatória apenas em uma série de

cada grau., e em 1992, passou a ser opcional e, em 1993 foi extinta.

Considerações finais

Em 2014 completa-se 50 anos do golpe militar, e esse é um momento

de extrema importância para questionarmos, debatermos e jamais

esquecermos esse triste período da história do Brasil.Sendo assim,.a partir

dos textos de Chervel e Julia, que abordam questão da cultura escolar,

destacamos o ensino de História durante esse contexto ditatorial.Nesse

período o Brasil foi governado pelos militares e toda uma estratégia foi

implantada para que o país entrasse nos eixos estabelecidos pela doutrina de

segurança nacional.Assim, nesse momento houve uma intensa repressão

contra aquelas pessoas que o estado entedia que eram perigosas.E o

professor da disciplina de História se enquadrava perfeitamente nesse

pensamento dos militares.

A educação brasileira desse período sofreu profundas reformas que

buscavam, como principal objetivo, reformular e adaptar o sistema educacional

aos objetivos políticos implantados pelo golpe de 1964.Com a reforma

implantada pela Lei 5692/71 o controle e a preparação de conteúdos passa a

ser exclusividade do governo, que monopoliza o ensino em todas as áreas do

conhecimento através da imposição e da determinação dos programas com as

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matérias a serem dadas através de livros didáticos escritos à semelhança dos

programas adotados em grande escala Além desse controle sobre a formação

do profissional em educação, uma outra forma de controle será o programa

curricular imposto ao ensino de História que será extremamente rígido quanto

ao que ensinar e como ensinar, impedindo uma análise crítica dos fatos.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional. Lei nº 5692, de 11 de agosto de 1971. Pedagogia em foco. Disponível em: . Acesso em: 25

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