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75 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 28, p. 75-97, jun. 2007 Wagner Iglécias O EMPRESARIADO DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL: AÇÃO COLETIVA E FORMAS DE ATUAÇÃO POLÍTICA – AS BATALHAS DO AÇÚCAR E DO ALGODÃO NA OMC Recebido em 12 de fevereiro de 2007. Aprovado em 16 de junho de 2007. O texto refere-se à pesquisa em andamento sobre as formas de ação coletiva e articulação política que vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos pelo empresariado brasileiro atuante no setor do agronegócio. Ela tem como objeto de análise as estratégias conjuntas desenvolvidas pelo setor e pelo governo brasileiro para fazer frente, nas arenas internacionais de regulação do comércio mundial, às práticas protecionistas levadas a cabo por países desenvolvidos. Parte do estudo de caso relativo às recentes vitórias obtidas pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio diante dos governos de Estados Unidos e União Européia, no tocante à produção, acesso a mercados e exportação de algodão e açúcar, respectivamente. PALAVRAS-CHAVE: agronegócio; empresariado rural ; Estado; padrões de articulação Estado- empresariado; açúcar; algodão; Organização Mundial do Comércio; desenvolvimento. I. INTRODUÇÃO O interesse pelo tema das novas formas de ação coletiva e articulação política do empresariado do agronegócio reside no objetivo deste pesquisa- dor em contribuir, juntamente a diversas outras pesquisas que têm sido realizadas nos últimos anos, para o aumento da compreensão sobre as transformações pelas quais vem passando o capi- talismo brasileiro. Trata-se, mais especificamen- te, do período que inicia-se na virada dos anos 1980 para os anos 1990, quando a economia bra- sileira tornou-se progressivamente mais integrada à economia mundial e, por esta razão, mais ex- posta à competição internacional. Existe uma sé- rie de pesquisas e estudos, em andamento ou já concluídos, acerca dos impactos das transforma- ções recentes do capitalismo brasileiro sobre seus principais segmentos empresariais, tanto em ter- mos econômicos quanto sob o ponto de vista do desenvolvimento de novas formas de ação coleti- va e relacionamento com o Estado. São inúmeros os trabalhos nesta perspectiva que têm por foco o empresariado industrial, dos quais nos limitare- mos a citar os de Diniz e Boschi (2003; 2004) e Diniz (2000; 2002), assim como há vários traba- lhos que têm como objeto privilegiado de análise o empresariado do setor financeiro, dentre os quais, citamos Minella (2005) e Grün (2004a, 2004b). Acreditamos, porém, que, no conjunto das pesquisas sobre esta temática, há uma des- proporção, para menos, no que tange aos estudos específicos sobre o empresariado do setor agropecuário. Neste sentido, a presente pesquisa vem somar-se à produção recente que pode ser encontrada sobre o tema, como em Mendonça (2005), Ortega (2005) e Bruno (2006), entre ou- tros, tendo por objetivo a ampliação do entendi- mento sobre um segmento do empresariado bra- sileiro que tem comandado um conjunto de ativi- dades de importância fundamental para o ajusta- mento do país às novas condições da economia mundial, manifestadas, sobretudo, a partir de fins da década de 1980. O objeto de estudo da pesquisa retratada no presente artigo diz respeito às modalidades de ação coletiva e de atuação política recentemente desen- volvidas pelo empresariado brasileiro do agronegócio, abordando uma vasta temática rela- cionada a ele, que parte da retomada da agropecuária como atividade de relevo na econo- mia brasileira até o papel de grande importância que o setor vem desempenhando na nova etapa da vida econômica nacional, expresso, sobretu- do, num regime produtivo baseado no mercado e,

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 75-97 JUN. 2007

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 28, p. 75-97, jun. 2007

Wagner Iglécias

O EMPRESARIADO DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL:AÇÃO COLETIVA E FORMAS DE ATUAÇÃOPOLÍTICA – AS BATALHAS DO AÇÚCAR E

DO ALGODÃO NA OMC

Recebido em 12 de fevereiro de 2007.Aprovado em 16 de junho de 2007.

O texto refere-se à pesquisa em andamento sobre as formas de ação coletiva e articulação política que vêmsendo desenvolvidas nos últimos anos pelo empresariado brasileiro atuante no setor do agronegócio. Elatem como objeto de análise as estratégias conjuntas desenvolvidas pelo setor e pelo governo brasileiro parafazer frente, nas arenas internacionais de regulação do comércio mundial, às práticas protecionistas levadasa cabo por países desenvolvidos. Parte do estudo de caso relativo às recentes vitórias obtidas pelo Brasil naOrganização Mundial do Comércio diante dos governos de Estados Unidos e União Européia, no tocanteà produção, acesso a mercados e exportação de algodão e açúcar, respectivamente.

PALAVRAS-CHAVE: agronegócio; empresariado rural; Estado; padrões de articulação Estado-empresariado; açúcar; algodão; Organização Mundial do Comércio; desenvolvimento.

I. INTRODUÇÃO

O interesse pelo tema das novas formas deação coletiva e articulação política do empresariadodo agronegócio reside no objetivo deste pesquisa-dor em contribuir, juntamente a diversas outraspesquisas que têm sido realizadas nos últimosanos, para o aumento da compreensão sobre astransformações pelas quais vem passando o capi-talismo brasileiro. Trata-se, mais especificamen-te, do período que inicia-se na virada dos anos1980 para os anos 1990, quando a economia bra-sileira tornou-se progressivamente mais integradaà economia mundial e, por esta razão, mais ex-posta à competição internacional. Existe uma sé-rie de pesquisas e estudos, em andamento ou jáconcluídos, acerca dos impactos das transforma-ções recentes do capitalismo brasileiro sobre seusprincipais segmentos empresariais, tanto em ter-mos econômicos quanto sob o ponto de vista dodesenvolvimento de novas formas de ação coleti-va e relacionamento com o Estado. São inúmerosos trabalhos nesta perspectiva que têm por foco oempresariado industrial, dos quais nos limitare-mos a citar os de Diniz e Boschi (2003; 2004) eDiniz (2000; 2002), assim como há vários traba-lhos que têm como objeto privilegiado de análiseo empresariado do setor financeiro, dentre os

quais, citamos Minella (2005) e Grün (2004a,2004b). Acreditamos, porém, que, no conjuntodas pesquisas sobre esta temática, há uma des-proporção, para menos, no que tange aos estudosespecíficos sobre o empresariado do setoragropecuário. Neste sentido, a presente pesquisavem somar-se à produção recente que pode serencontrada sobre o tema, como em Mendonça(2005), Ortega (2005) e Bruno (2006), entre ou-tros, tendo por objetivo a ampliação do entendi-mento sobre um segmento do empresariado bra-sileiro que tem comandado um conjunto de ativi-dades de importância fundamental para o ajusta-mento do país às novas condições da economiamundial, manifestadas, sobretudo, a partir de finsda década de 1980.

O objeto de estudo da pesquisa retratada nopresente artigo diz respeito às modalidades de açãocoletiva e de atuação política recentemente desen-volvidas pelo empresariado brasileiro doagronegócio, abordando uma vasta temática rela-cionada a ele, que parte da retomada daagropecuária como atividade de relevo na econo-mia brasileira até o papel de grande importânciaque o setor vem desempenhando na nova etapada vida econômica nacional, expresso, sobretu-do, num regime produtivo baseado no mercado e,

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no caso específico da agropecuária, no peso desuas atividades no comércio exterior do país. Par-timos do pressuposto de que as estratégias con-juntas levadas a cabo por governo e empresários,no sentido de ampliação da participação do paísno comércio mundial de bens agropecuários, in-serem-se numa nova matriz regulatória, que nãomais caracteriza-se pelo protagonismo estatal nadefinição do que poderíamos chamar, grossomodo, de “política agrícola”. A interação entreEstado e empresariado agropecuário não mais re-sume-se à tradicional agenda formada por metasde garantia de preços, estoques reguladores, cré-dito agropecuário, pesquisa e desenvolvimento,assistência técnica etc., mas amplia-se no sentidoda interlocução permanente entre instâncias go-vernamentais e agentes privados. Pretende dis-cutir, negociar e formular políticas específicaspara cada subsetor da atividade agropecuária, apartir das transformações que aquela atividadevem experimentando no Brasil e na esfera mun-dial, ainda que temas como crédito agropecuário,pesquisa e desenvolvimento e assistência técni-ca, por exemplo, continuem a fazer parte da pautadas relações entre governantes e empresários doagronegócio.

O cerne da análise ocorre sobre as estratégiasconjuntas desenvolvidas por Estado eempresariado do setor, para combater as políticasprotecionistas adotadas pelos países desenvolvi-dos em relação a seus produtores rurais, as quaissão deletérias aos interesses de diversos segmen-tos do agronegócio brasileiro. Tais estratégias ga-nharam importância crescente nos últimos anos epassaram a integrar-se ao campo da formulação eda implementação de políticas públicas destina-das tanto à agropecuária, de forma mais ampla,quanto de maneira mais específica ao fomento dasexportações agropecuárias brasileiras. A pesquisaanalisa as recentes vitórias obtidas pelo Brasil, noâmbito da Organização Mundial do Comércio(OMC), relativas à condenação dos subsídios eincentivos praticados pelas nações desenvolvidasno setor do agronegócio. Aliados ao governo, nosúltimos anos, os produtores e exportadores deaçúcar e algodão pleitearam com êxito, na OMC,a ilegalidade das subvenções praticadas pelos go-vernos da União Européia e dos Estados Unidos aseus produtores rurais. Como é sabido, os subsí-dios e incentivos concedidos pelos países desen-volvidos a seus produtores vão de encontro aodiscurso sobre o livre comércio e prejudicam a

competitividade dos produtos agropecuários depaíses pobres e em desenvolvimento, como é ocaso do Brasil.

O presente artigo é dividido em três seções. Aprimeira apresenta a economia política doagronegócio brasileiro, traçando suas principaiscaracterísticas e sua estrutura de representaçãode interesses, bem como trazendo dados do de-sempenho econômico do setor nos últimos anos.A segunda trata das recentes batalhas travadas peloBrasil no âmbito da Organização Mundial do Co-mércio, relativas às questões da liberalização docomércio internacional de açúcar e algodão. A ter-ceira, finalmente, aponta para algumas conclusõesa que a pesquisa que motiva este artigo chegouaté o presente momento, bem como para novasreflexões sobre as quais pode vir a debruçar-seno futuro próximo.

II. A ECONOMIA POLÍTICA DO AGRONEGÓ-CIO BRASILEIRO

II.1. Uma breve introdução

O agronegócio pode ser conceituado, em li-nhas gerais, como toda e qualquer atividade liga-da ao comércio de produtos agropecuários. En-tretanto, a acepção que faremos deste termo aolongo do artigo referir-se-á ao conjunto de ativi-dades agropecuárias relativas à produção, indus-trialização, distribuição e comercialização de pro-dutos agropecuários, pautadas por algumas ca-racterísticas bastante peculiares, comocompetitividade, gestão, foco no consumidor, al-tos índices de produtividade, desenvolvimentopermanente de ciência e tecnologia, intensividadeem capital (e, em algumas cadeias produtivas, tam-bém em trabalho) e inserção nas cadeias produti-vas, financeiras e comerciais globais.

O agronegócio, por tratar-se de um conjuntode atividades extremamente complexas ediversificadas, que abarcam extensas cadeias pro-dutivas crescentemente globalizadas, relações co-merciais internacionais e mercados financeirosmundiais, bem como as implicações de sua ób-via interação com o meio ambiente, está relacio-nado com uma enorme quantidade de atores. Dosgovernos que definem as diretrizes de políticaeconômica à indústria e aos centros de pesquisaque desenvolvem novas tecnologias de produ-ção no campo, dos movimentos sociais àscorporações mundiais do setor, dos trabalhado-res que emprega ao consumidor final que adqui-

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re seus produtos, dos governos estrangeiros queinterpõem barreiras às organizações multilaterais,em que tais barreiras são questionadas, oagronegócio interage com uma infinidade destakeholders, e de tão múltiplas interações de-pende, em grande medida, a sua própria viabili-dade econômica.

A interação do setor com o Estado, em sen-tido amplo, englobando os três poderes consti-tuídos e as esferas federal, estadual e municipal,é vasta, variada e complexa. O produtor ruraldepende de uma série de políticas para desen-volver sua atividade. O segmento necessita definanciamento para a produção e, por esta razão,depende de uma política monetária pautada portaxas de juros moderadas, bem como pela con-cessão de linhas de crédito diferenciadas porparte dos bancos oficiais. Ao mesmo tempo,como é cada vez mais vinculado á exportação,sofre com todas as flutuações da taxa de câmbioe é particularmente prejudicado em períodos deapreciação da moeda nacional. Outro elementofundamental para o bom desenvolvimento dasatividades agropecuárias é o seguro rural, quebaliza a política agrícola em termos mais geraise garante uma renda mínima ao produtor. Doseguro dependem ainda a necessária continuida-de do investimento em tecnologia, a geração deempregos e a incorporação do segmento ao mer-cado de capitais.

As relações do agronegócio com o governopassam ainda pela capacidade de atração que aspolíticas para o setor podem ter em relação aosfundos de investimento globais. Estima-se queexistam hoje, mundialmente, cerca de US$ 165bilhões disponíveis, para o financiamento de ati-vidades agropecuárias. Além disso, é fundamen-tal para o segmento a manutenção de investimen-tos públicos em órgãos voltados ao desenvolvi-mento de Ciência e Tecnologia destinados ao in-cremento da produtividade agropecuária. Depen-dem ainda do governo leis de interesse central parao agronegócio, como as relativas ao meio ambi-ente, ao direito de propriedade e ao regime de tra-balho. Os investimentos públicos em logística einfra-estrutura, destinados a dar melhores condi-ções de armazenagem, transporte e distribuiçãode produtos agropecuários, é outro item de gran-de importância para a viabilidade da atividade.Pode-se citar ainda a questão das regras sanitári-as e das leis de certificação, que são definidas pelas

agências internacionais, mas cujo cumprimentodepende, em última instância, das políticas de fis-calização dos governos nacionais. Por fim, masnão menos importante, aparece a temática dasestratégias desenvolvidas em parceria portecnocratas governamentais e empresários do se-tor para fazer frente às políticas protecionistaspraticadas no mercado mundial, bem como a atu-ação do país nas arenas internacionais de negoci-ação, que ocorrem, periodicamente, em institui-ções multilaterais como a OMC.

Além do governo, o setor agropecuário brasi-leiro, em especial seus segmentos voltados aomercado internacional, mantém relações com inú-meros atores e entidades, dentre os quais, desta-cam-se os seguintes:

- fornecedores (de máquinas, equipamentos,insumos, implementos, consultorias técni-cas e de gestão, de serviços diversos etc.);

- trabalhadores e pequenos produtores rurais(que, por motivos distintos, têm, eventual-mente, posições antagônicas com os em-presários do agronegócio, especialmente osde grande porte e vinculados à exportação);

- cooperativas de produtores rurais (que po-dem estar ou não inseridos em grandes ca-deias produtivas do agronegócio);

- sindicatos e federações (que representamos interesses dos produtores rurais);

- distribuidores (que constituem a rede físi-ca de distribuição propriamente dita dos pro-dutos agropecuários);

- consumidor final (aquele que, progressiva-mente, ganha capacidade de determinar ca-racterísticas várias dos produtos, comoníveis de preço, qualidade, procedência,correção ambiental e social etc.);

- governos de outros países (que, via de re-gra, interpõem barreiras tarifárias efitossanitárias aos produtos brasileiros);

- organizações multilaterais (das quais ema-nam as regras do jogo do comércio inter-nacional e nas quais são solucionados osconflitos surgidos do cumprimento ou nãodaquelas regras);

- sistema financeiro nacional (que tem tor-nado-se, nos últimos anos, crescente fon-

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te de financiamento para a agropecuáriabrasileira);

- sistema financeiro internacional (no qualsão estabelecidas as cotações e as modali-dades de negociação de diversos produtosda pauta de exportação de produtosagropecuários);

- sociedade civil nacional e internacional (queexerce pressão sobre o setor agropecuárioem relação a temas como meio ambiente,pesquisa científica e regime de trabalho);

- mídia (que ajuda a construir ou desconstruira imagem social do agronegócio);

- concorrentes internacionais (que exercempressão política sobre seus respectivosgovernos para que interponham as barrei-ras à importação de produtos agropecuáriosbrasileiros);

- corporações mundiais do setor (que atuammundialmente nas diversas cadeias produ-tivas da agropecuária e têm poder de esta-belecer níveis de preço nos mercados in-ternacionais, bem como atuar diretamentena produção agropecuária brasileira);

- centros de pesquisa governamentais, pri-vados e universitários (com os quais osprodutores rurais estabelecem parceriaspara o desenvolvimento de novastecnologias produtivas).

III. A ESTRUTURA DA REPRESENTAÇÃO DEINTERESSES

A estruturação formal da representação dosinteresses do setor agropecuário no Brasil data doinício do fim do século XIX, com a criação deentidades que serviam tanto à representação pro-priamente dita quanto à prestação de serviços aosempresários rurais. A Constituição de 1891 foi omarco legal que regulou a criação e o funciona-mento das primeiras organizações empresariaisrurais de peso, como a Sociedade Nacional daAgricultura (SNA), fundada no Rio de Janeiro em1897, e a Sociedade Rural Brasileira (SRB), fun-dada em São Paulo em 1919. A SNA foi a primeiraentidade de representação autônoma dos produ-tores rurais brasileiros e constituiu-se como umimportante interlocutor do governo durante a Re-pública Velha, tendo tido papel fundamental nacriação do Ministério da Agricultura, ocorrida em

19301. Mas teve de dividir o monopólio da repre-sentação empresarial rural a partir do governoVargas com a SRB, que foi criada com o propósi-to de defender os interesses dos segmentos maismodernos do campo, especialmente aqueles maisintegrados, do ponto de vista produtivo, com aindústria. Durante o Estado Novo, ganhou forçatambém no setor rural, tanto quanto no setor in-dustrial, o modelo corporativista de representa-ção dos interesses empresariais, com averticalização, por lei, do associativismo empre-sarial no campo. A então recém-criada Confede-ração Rural Brasileira (CRB), fundada em 1928,tornou-se, ao longo das décadas seguintes, a es-trutura de cúpula da representação dos empresá-rios rurais e de controle, por parte do Estado, deseus interesses. Ela foi substituída pela Confede-ração Nacional da Agricultura e da Pecuária (CNA),criada por decreto-lei de 1964, juntamente daConfederação Nacional dos Trabalhadores da Agri-cultura (Contag) (ORTEGA, 2005).

Ainda que representassem segmentos distintosdo empresariado rural e tivessem divergências pon-tuais em relação a questões agrárias diversas, Soci-edade Nacional da Agricultura, Sociedade Rural Bra-sileira e Confederação Nacional da Agricultura, his-toricamente, convergiram em seus pontos de vistaacerca das iniciativas governamentais voltadas à re-forma agrária, como no caso da SNA e da SRB du-rante o governo João Goulart e, logo depois, com aforte oposição das três entidades ao Estatuto da Ter-ra, proposto pelo governo Castelo Branco. Oposicionamento das três organizações foi um fatorfundamental para que se dissociassem, naquela ini-ciativa, os conceitos de reforma agrária e moderni-zação da agricultura. Na votação do Estatuto, peloCongresso Nacional em fins de 1964, esvaiu-se aproposta de uma reforma agrária ampla e prevale-ceu o conceito de “empresa agrícola”, legitimando acapitalização da agricultura brasileira sem que se to-casse, de maneira mais significativa, na questão daestrutura fundiária do país (BRUNO, 1997).

1 A existência formal do Ministério da Agricultura data de1930, mas cabe ressaltar que ele foi precedido pela Secreta-ria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio eObras Públicas, criada em 1860. Aquela Secretaria existiupor três décadas, até ser absorvida, em 1892, pelo Ministé-rio da Indústria, Viação e Obras Públicas, do qual só eman-ciparia-se exatamente em 1930, com a criação do Ministé-rio da Agricultura.

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A crescente diversificação da atividade ruralno país, ocorrida, sobretudo, a partir da décadade 1970, reforçou a pravalência do conceito deempresa agrícola, especialmente no tocante à for-mulação de políticas públicas para o campo, eprovocou mudanças no padrão associativo doempresariado rural. Atualmente, o modelo de re-presentação dos interesses empresariais rurais éestruturado por dois eixos: o setorial e o regional.Nos municípios, há sindicatos rurais locais, deacordo com a vocação agropecuária de cada ci-dade. Referente aos estados, existem as federa-ções de agricultura e pecuária, que congregam ossindicatos municipais. Atuando como uma enti-dade de cúpula, que reúne as federações estadu-ais da agricultura e da pecuária, observa-se a CNA,que conta com a filiação de 2 127 sindicatos ru-rais locais, representados por 27 federações esta-duais. Para além da representação piramidal de in-teresses, formada por uma organização de cúpu-la, entretanto, existe uma plêiade de entidades queatuam nacionalmente, representando setores es-pecíficos da atividade agropecuária. Elas não tra-balham de forma paralela às entidades oficiais derepresentação do patronato da agropecuária. Aocontrário, estão em permanente intersecção comas federações estaduais e os sindicatos ruraismunicipais. São chamadas de “extensões de base”,e 1 072 delas estão atualmente filiadas à CNA.Enquanto as federações estaduais da agricultura epecuária contribuem para a CNA, compulsoriamen-te, com o imposto sindical, às extensões de basesão permitidas para a contribuição voluntária.

O órgão mais importante da CNA é o Conse-lho de Representantes, composto pelos presiden-tes das 27 federações estaduais, e a ele está su-bordinada a diretoria-executiva da entidade. A CNAmantém ainda 22 comissões nacionais para deba-ter temas específicos da agropecuária, que são asseguintes: assuntos fundiários, assuntos indíge-nas, assuntos do nordeste, assuntos da pequenapropriedade, borracha natural, cacau, café, cana-de-açúcar, caprinocultura, carcinicultura, cereais,fibras e oleaginosas, sisal, comércio exterior, cré-dito rural, endividamento, pecuária de corte, fru-ticultura, meio ambiente, mercosul, pecuária deleite, trabalho e previdência social, suinocultura,cavalo, Amazônia legal e seguro rural.

Ainda no âmbito da CNA, funciona o Conse-lho Superior da Agricultura e Pecuária do Brasil(Rural Brasil) que, segundo a entidade, é uma are-na para a comunhão de idéias e princípios, masque, na prática, é a instância na qual organiza-se ogrande lobby da agropecuária brasileira junto aostrês poderes. Ele é sucedâneo da extinta FrenteAmpla da Agricultura Brasileira (FAAB), criada em1986 por iniciativa da Organização das Cooperati-vas do Brasil (OCB) para defender os interessesdo empresariado rural durante o processo consti-tuinte, que durou até 1988. Fazem parte do RuralBrasil, presidido pela CNA, a OCB, a SRB, a As-sociação Brasileira de Criadores (ABC), a Associ-ação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), aAssociação Brasileira de Produtores de Algodão(Abrapa), o Conselho Nacional do Café (CNC), aUnião Brasileira de Avicultura (UBA) e a UniãoDemocrática Ruralista (UDR)2.

2 É interessante notar que a União Democrática Ruralistafaça parte hoje do Rural Brasil, dado que a criação da FAAB,antecessora do Conselho, foi não apenas uma iniciativadestinada a congregar as lideranças das principais entida-des do patronato rural, mas também um dos principaislances da luta travada na década de 1980 entre aquela enti-dade e a OCB, quando da disputa pela hegemonia da repre-sentação dos interesses da agropecuária brasileira. A UDR,

inicialmente excluída da composição da FAAB, no entan-to, liderou o patronato rural durante os trabalhos da As-sembléia Nacional Constituinte, no tema específico do com-bate às propostas parlamentares voltadas à questão da re-forma agrária. Finda a Constituinte, a entidade submergiudurante parte da década de 1990, mas a questão da manu-tenção da estrutura fundiária brasileira e o recrudescimentodos conflitos no campo nos últimos anos parecem ter sidoa razão de seu recente reaparecimento.

FLUXOGRAMAConselho Superior daAgricultura e Pecuária

do Brasil

OCB SRB ABC ABCZ Abrapa CNC UBA UDR

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Também está sob o comando da CNA oFórum Permanente de Negociações Agrícolas In-ternacionais, do qual fazem parte a OCB e a As-sociação Brasileira de Agribusiness (ABAG). Aentidade busca ainda aglutinar em torno do Fórumoutras organizações, como a SNA, a Federaçãodas Associações dos Plantadores de Cana do Bra-sil (Feplana) e o Conselho Nacional de Pecuáriade Corte (CNPC). Para além da atuação domés-tica, a CNA é filiada a diversas instituições inter-nacionais do agronegócio, como a Aliança Lác-tea Global, a Confederação Interamericana deCriadores de Gado e Agricultores (Ciaga), a Fe-deração de Associações Rurais do Mercosul(FARM), o Fórum Consultivo Econômico e So-cial do Mercosul (FCES), o Fórum Mercosul daCarne, o Fórum Mercosul do Leite, a FederaçãoInternacional de Produtores Agrícolas (IFAP), aOficina Permanente Internacional da Carne(OPIC) e a Seção Nacional de Coordenação dosAssuntos Relativos à Área de Livre Comérciodas Américas (Senalca).

A internacionalização da atuação política dopatronato rural brasileiro insere-se nas necessida-des advindas do projeto político que tornou-sehegemônico entre os empresários do campo apóso final da Constituinte, qual seja, aquele da OCB,voltado à modernização da agricultura, a partir deseu funcionamento em bases empresariais e in-ternacionais e da incorporação, definitiva, do con-ceito de agronegócio às políticas públicas desti-nadas à agropecuária brasileira (MENDONÇA,2005). É nesse sentido que pode ser compreendi-da a explosão associativista da década de 1990,quando inúmeras associações do empresariadorural foram criadas já sob a égide do agribusinesse da atuação em fóruns nacionais e, sobretudo,internacionais, destinados a ampliar a participa-ção brasileira no comércio mundial de bensagropecuários. Dentre elas, pode-se destacar aAbag e as entidades dos setores de algodão e cana-de-açúcar, cuja atuação foi de fundamental im-portância durante as batalhas travadas pelo paísna Organização Mundial do Comércio contra osEstados Unidos e a União Européia. De fato, nosanos 1990, parece definitivamente ter começadoa sair de cena no imaginário social a figura dovelho fazendeiro, provinciano e atrasado, e tercomeçado a ganhar terreno o modelito do moder-no empresário agroindustrial, cosmopolita e pro-dutivo, numa espécie de reinvenção do próprio

conceito de agricultura no Brasil3.

Tão importante quanto a atuação coordenado-ra dos interesses da agropecuária exercida por umaentidade de cúpula como a CNA tem sido a atua-ção específica exercida pelas inúmeras organiza-ções setoriais ou organizações por cadeia produti-va da agropecuária. Há, pelo menos, três déca-das, a agropecuária brasileira vive processo nãoapenas de internacionalização, mas, sobretudo, decrescente especialização por cadeias, e é notávelo surgimento de entidades voltadas à representa-ção de interesses específicos, à medida queestruturam-se as diversas cadeias produtivas daagropecuária nacional. Como aponta Graziano daSilva (1996), as associações setoriais passaram aafirmar-se, cada vez mais, como a representaçãoreal em oposição à representação formal das gran-des organizações da agropecuária sem que, noentanto, estas deixassem de ter importância emmomentos específicos da atuação política(GRAZIANO DA SILVA, 1996). Nos dois casosabordados, a representação dos interesses empre-sariais é exercida pela Abrapa e pela AssociaçãoNacional dos Exportadores de Algodão (Anea), nocaso do algodão, e pela União da IndústriaCanavieira do Estado de São Paulo (Unica), nocaso do açúcar.

A Abrapa foi criada em 1999 e congrega 80%dos produtores brasileiros de algodão. Sua sementefoi a Associação Mato-Grossense dos Produtoresde Algodão (AMPA), e, atualmente, ela é com-posta por oito associações estaduais (Mato Gros-so, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo, Paraná,

3 Para além das inovações recentes observáveis noempresariado rural, como a progressiva profissionalizaçãoda gestão, a crescente flexibilidade da estrutura de repre-sentação de seus interesses e a própria sucessão geracional,o empresariado da agropecuária faz uso, há longa data, deuma estratégia diversificada de relacionamento com o Esta-do. Tal estratégia é expressa, sobretudo, no lobby legislativo,buscando eleger seus representantes em todos os estadosda federação e tê-los atuando nas diversas comissões parla-mentares que tratam de assuntos ligados à produção rural,bem como na participação direta de seus líderes em cargosno Executivo, visto que é comum que empresários ruraisocupem ministérios e secretarias ligadas à agropecuária.Não desprezam ainda ações de impacto junto à opiniãopública, principalmente em momentos de tensionamentonas relações com os governos, como ocorre com ostratoraços e demais tipos de manifestação de mesma natu-reza.

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Minas Gerais, Bahia e Maranhão). A entidade temcomo missão “representar os interesses dacotonicultura nacional junto às autoridades públi-cas e privadas, promover a relação entre produto-res, governo, comerciantes e indústria têxtil e pro-mover o algodão brasileiro nos mercados internoe externo”. A Anea, criada por um conjunto deempresas brasileiras em 2000, tem por objetivo“promover e ordenar as exportações brasileirasde algodão, agindo perante os participantes domercado e as autoridades pertinentes”. A entidadebusca aproximar os variados atores presentes naexportação do algodão, como produtores, impor-tadores, autoridades governamentais, instituiçõesfinanceiras, bolsas de mercadorias, corretoras devalores e empresas que atuam na logística dasexportações, constituindo-se num exemplo bas-tante concreto do associativismo por cadeia pro-dutiva que tem ganho terreno na agropecuária eque encontra similares também na indústria, comono caso da Organização Nacional da Indústria doPetróleo (ONIP), que reúne todos os atores en-volvidos na produção e comercialização do petró-leo no Brasil.

A Unica foi criada em 1997, por conta da ne-cessidade de readequação da ação coletiva dosprodutores de açúcar e de álcool, surgida com adesregulamentação do setor sucroalcooleiro, ocor-rida ao longo dos anos 1990. Oriunda da Associ-ação das Indústrias de Açúcar e Álcool do Estadode São Paulo (AIAA), que existia desde o iníciodaquela década, a Unica buscava solucionar o his-tórico problema da representação de interesses tãoheterogêneos como os que existem na cadeia pro-dutiva sucro-alcooleira4. Embora pouco tempoapós sua criação a entidade tenha sofrido uma dis-sidência, que resultou na criação da Coligação das

Entidades Produtoras de Açúcar e Álcool (Cepaal),a entidade teve seu poder de negociação fortaleci-do. Ela manteve os recursos de poder mais rele-vantes do setor, na medida em que congrega asunidades industriais com menor custo de produ-ção, transação e mais produtividade, além de se-rem as mais integradas verticalmente e as unida-des com controle maior sobre os mercados inter-no e externo. Além disso, ela ganhou status políti-co quando o governo federal manteve sua condi-ção de representação e negociação junto ao Con-selho Interministerial do Açúcar e do Álcool, apartir de 1997 (MELLO & PAULILLO, 2005)5.

Atualmente, a Unica representa mais de 100unidades produtoras, agrupadas em dois sindica-tos: o da Indústria da Fabricação de Álcool noEstado de São Paulo e o da Indústria de Açúcarno Estado de São Paulo. A entidade defende comosua missão “a expansão dos mercados de álcool eaçúcar em diversas frentes”, para o que apóia “asiniciativas governamentais pela derrubada das bar-reiras protecionistas no campo externo” (UNICA,2007). A Unica luta ainda pela “universalização daprodução e do uso de álcool combustível, paraque este torne-se uma commodity ambiental”, bemcomo, no caso do açúcar, advoga “a adoção dasmedidas necessárias à ampliação do mercadomundial – um dos mais protegidos –, bem como aredução do apoio interno e a eliminação dos sub-sídios à exportação” (idem). A entidade, que re-presenta as mais competitivas indústrias do setorsucroalcooleiro, insere-se na intrincada rede derepresentação dos interesses dos produtores na-cionais de açúcar e de álcool e tem na Federaçãodos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana) umaespécie de contraparte dos demais estados pro-dutores, na medida em que aquela associação, quetem sede em Brasília, representa a base dosplantadores de cana-de-açúcar do país, contando

4 A Associação das Indústrias de Açúcar e Álcool de SãoPaulo, por sua vez, era originária da antiga Associação dosUsineiros do Estado de São Paulo. Trazia em seu nome areferência ao setor industrial, numa provável tentativa demodernização da imagem do usineiro, identificado comoproprietário fundiário e não como industrial. Cabe lembrarque a Aiaa havia conhecido uma dissidência logo depois desua fundação, ainda no começo dos anos 1990, formadapor produtores favoráveis à completa e imediatadesregulamentação do setor sucro-alcooleiro, agrupados emtorno da Associação das Indústrias Sucro-Alcooleiras doEstado de São Paulo (Sucresp). AIAA e Sucresp só volta-riam a reaproximar-se em 1997, já em uma outra etapa dadesregulamentação do setor, exatamente por ocasião dafundação da Unica.

5 Pesquisa de campo realizada entre julho de 2000 e julhode 2001, por Carlos Vian e Walter Belik, demonstra que osetor sucroalcooleiro enfrentava, na época, dificuldadespara emergir, após a desregulamentação e o fim da tutelaestatal, como um bloco de interesses constituído. De acor-do com os autores, o que havia era “uma série de interessesfragmentados, refletindo um enorme conjunto de alternati-vas estratégicas que se apresentam para as diferentes em-presas atuantes no setor” (VIAN & BELIK, 2003). Deacordo com nosso entendimento, aquele momento foi su-perado, mesmo que parcialmente, após a parceria dos pro-dutores de açúcar e o governo brasileiro no contencioso daOMC.

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com 70 mil produtores em âmbito nacional, filiadosa 42 entidades associadas espalhadas por 22 uni-dades da federação. Surgida em 1934, sob Vargas,a Feplana foi criada para vocalizar as demandasdo setor nas discussões com o governo, em es-pecial, nas questões relacionadas a financiamentoao plantio, níveis de produção e fixação de pre-ços, que constituíam-se nos temas típicos do re-gime produtivo vigente na época.

A importância crescente que associaçõessetoriais da agropecuária ganharam no Brasil du-rante os anos 1990 e 2000 é fruto, segundo nossoentendimento, de importantes inovações ocorri-das nos padrões de relacionamento entre Estado eempresariado observáveis desde o início da déca-da passada. A conjunção de fatores tão distintoscomo a crise fiscal do Estado, a redemocratizaçãoda esfera pública e a crescente especialização daagricultura em cadeias produtivas impulsionou acriação e o funcionamento das câmaras setoriaisda agropecuária. Criadas em 1991 para auxiliar oConselho Nacional de Política Agrícola (CNPA).As câmaras constituiram-se, ao longo dos anos,num instrumento fundamental de interlocução,negociação e estabelecimento de ações conjuntasentre a burocracia estatal e os empresários daagropecuária. É verdade que aquela novainstitucionalidade sofreu forte abalo durante ogoverno de Fernando Henrique Cardoso, com oesvaziamento e a extinção de quase todas as câ-maras entre 1996 e 2002, mas manteve-se vivacom a difusão de inúmeras câmaras setoriais daagropecuária no âmbito dos estados ao longo detoda a década de 1990 e dos anos 20006. A recri-ação, a partir de 2003, já sob o governo Lula, demuitas das antigas câmaras, bem como a criaçãode câmaras temáticas e de conselhos formadospor empresários rurais e a tecnocracia estatal, têmconformado, no entanto, uma determinada con-cepção de matriz regulatória que proporciona es-paços mais amplos de negociação e articulação depolíticas entre Estado e empresariado do que aque-les que o agronegócio conheceu no passado re-

cente. Além disso, as câmaras e os conselhos fun-cionam como caixas de ressonância do setor pri-vado, canalizando pressões e ajudando a legitimaras tomadas de decisão da burocracia estatal7.

IV. DADOS DO DESEMPENHO RECENTE DOSETOR AGROPECUÁRIO

É bastante provável que o setor agropecuáriobrasileiro tenha sido, ao longo de todo o séculoXX, aquele que contou com os maiores incenti-vos por parte de sucessivos governos no perío-do. A questão do peso da agropecuária no comér-cio exterior não é nova, dado que este peso foi atémuito maior, em termos proporcionais, no perío-do anterior ao ciclo de industrialização do país.Ele experimentou queda relativa durante meadosdo século, quando o Brasil industrializava-se apassos largos, e voltou a ter grande relevânciadurante os anos 1970 e 1980, quando, para debe-larem-se ciclos sucessivos de crise econômica,tratava-se de gerar superávits comerciais e redu-zir a escalada inflacionária por meio da queda dospreços agrícolas. Mas, o grande salto daagropecuária brasileira parece ter ocorrido na dé-cada de 1990, quando a combinação entre a dimi-nuição do fluxo de recursos públicos para o fi-nanciamento das atividades rurais, adesregulamentação da atividade agropecuária, a

6 Entre 1991 e 1995, foram criadas, na esfera federal, 36câmaras setoriais ligadas à agropecuária. Embora, a partirde 1995, elas tenham sofrido um forte refluxo, dissemina-vam-se, desde a primeira metade da década, inúmeras câ-maras, na esfera estadual, como em São Paulo, SantaCatarina, Espírito Santa, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Gran-de do Sul, Gioás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais(TAKAGI, 2002).

7 Em janeiro de 2007, eram as seguintes as câmaras setoriaisligadas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-mento: Açúcar e Álcool; Agricultura Orgânica; Algodão;Arroz; Aves e Suínos; Borracha Natural; Cacau; Cachaça;Caprinos e Ovinos; Carne Bovina; Citricultura; Culturasde Inverno; Eqüideocultura; Feijão; Flores e Plantas Orna-mentais; Fruticultura; Fumo; Hortaliças; Leite e Deriva-dos; Mandioca; Mel; Milho e Sorgo; Oleaginosas e Biodiesel;Viticultura, Vinhos e Derivados. Na mesma época, eram asseguintes as câmaras temáticas ligadas ao ministério: Agri-cultura Competitiva e Sustentável; Ciências Agrárias; Fi-nanciamento e Seguro do Agronegócio; Infra-Estrutura eLogística; Insumos Agropecuários; Negociações AgrícolasInternacionais. Todas as câmaras estão sob a coordenaçãodo Conselho do Agronegócio (Consagro) que, por sua vez,é subordinado ao CNPA e conta com a participação defuncionários de diversos ministérios (Agricultura, Pecuáriae Abastecimento, Desenvolvimento, Indústria e ComércioExterior, Desenvolvimento Agrário, Fazenda, Meio Ambi-ente, Transportes, Relações Exteriores etc.), além de re-presentantes de entidades do setor privado, como CNA,OCB, Abag, SRB, Confederação Nacional dos Trabalhado-res na Agricultura (Contag) e do Instituto de Defesa doConsumidor (IDEC), entre outros. A criação de novas câ-maras temáticas, como as de Defesa Sanitária e deCooperativismo, foi proposta para 2007.

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abertura comercial e a busca por ganhos de pro-dutividade tornaram-se a peça fundamental para asobrevivência do setor num cenário de crescenteconcorrência externa8.

Os dados recentes do desempenho do setoragropecuário dão a medida da importância que asatividades rurais têm na atualidade para a econo-mia brasileira. De acordo com o Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento, oagronegócio brasileiro foi responsável, em 2004,por 33% do produto interno bruto (PIB), 42% dovolume das exportações e 37% dos empregos dopaís. O PIB do setor naquele ano chegou a US$180,2 bilhões, contra US$ 155,2 bilhões alcança-dos em 2003. Entre 1998 e 2003, a taxa de cres-cimento do PIB agropecuário foi de 4,67% ao ano.Em 2004, as exportações do setor agropecuáriorenderam ao país US$ 39 bilhões, com superávitcomercial de US$ 34,1 bilhões. No ano de 2005,o país obteve um novo recorde, com exportaçõesna ordem de US$ 43,6 bilhões e superávit de US$38,4 bilhões, para finalmente atingirem, em 2006,a marca de US$ 49,4 bilhões e gerarem um supe-rávit comercial de US$ 42,7 bilhões.

O Brasil, atualmente, é líder mundial na pro-dução e exportação de café, açúcar, álcool e su-cos de frutas. Lidera ainda as vendas internacio-nais de soja, carne bovina, carne de frango, fumo,couro e calçados de couro. Segundo projeções daConferência das Nações Unidas sobre Comércioe Desenvolvimento (Unctad), o país deverá ser,dentro de poucos anos, o maior pólo mundial deprodução de algodão, biocombustíveis derivadosda cana-de-açúcar e óleos vegetais. Outros itensde destaque da pauta produtiva do agronegóciobrasileiro são arroz, milho, frutas frescas, cacau,castanhas, carne de porco e pescado, bem comoborracha e papel e celulose. Dono de vantagenscomparativas que provavelmente não encontramparalelo em nenhum outro país do mundo, o

agronegócio brasileiro conta com uma combina-ção de elementos fundamentais para a obtençãode altas taxas de produtividade rural, como climaprivilegiado, solo fértil, disponibilidade de água ebiodiversidade. Como obstáculo, porém, enfren-ta, como já dissemos anteriormente, o protecio-nismo de outros países que possuem grandesmercados consumidores em potencial, mas nãocontam com o variado conjunto de vantagenscomparativas que detém a agropecuária nacional.

A balança comercial brasileira, após vários anosapresentando déficits, inverteu a tendência recen-temente e, nos últimos exercícios, tem apresenta-do superávits, motivados quase em sua totalidadepelo desempenho das exportações de commoditiesagropecuárias9. Os dados demonstram que, sobo governo Collor, embora houvesse superávit co-mercial, foram crescentes as despesas com im-portações. Elas podem ser explicadas, generica-mente, pelo ritmo, pela abrangência e pela pro-fundidade da abertura comercial realizada duranteaquele governo. Mas, os resultados ruins no de-sempenho do comércio exterior brasileiro ocor-reriam, de fato, entre 1995 e 1999, quando vigo-rou a política de sobrevalorização cambial. O re-sultado concreto daquela política foi a estabiliza-ção do volume das exportações em torno de US$50 bilhões anuais e o estímulo às importações,que saltaram de US$ 33 bilhões, em 1994, paraUS$ 49 bilhões, em 1999, tendo chegado ao re-corde de US$ 60 bilhões, em 1997. Apenas após adesvalorização do real, as exportações do paísvoltaram a crescer, revertendo a tendência dedéficits sucessivos e apresentando, em 2001, oprimeiro superávit comercial em sete anos, con-forme demonstra a tabela abaixo.

8 Concorreram para a diminuição dos fluxos de recursospúblicos para as atividades agropecuárias a quedasubstancial dos volumes financeiros destinados ao créditosubsidiado para o campo, comum nas décadas de 1960 e1970, e o esvaziamento das políticas de garantia de preçosmínimos, motivados pelos ajustes fiscais preconizados peloFundo Monetário Internacional (FMI) e aplicados pelopaís nos sucessivos planos de estabilização da economia(GASQUES et al., 2004).

9 É importante ressaltar que, se por um lado houve quedadas tarifas de importação de diversas commodities agríco-las desde fins dos anos 1980, por outro também foram decrucial importância para o aumento das exportações debens agropecuários as quedas de tributos que oneravam asvendas para o exterior, como o Imposto de Exportação e oImposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, ocor-ridas em 1991 e 1996, respetivamente (GASQUES et al.,2004).

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O EMPRESARIADO DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL

As exportações de produtos agropecuários têmsido responsáveis por cerca de 40% das receitasobtidas pelo país no comércio exterior desde oinício da atual década, ao passo que a participa-ção do agronegócio nas despesas relacionadas à

TABELA 1 – BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA(1990-2006; EM US$ MILHÕES/ANO)

Apesar dos superávits comerciais dos últimos

anos, que tornaram-se particularmente notáveis a

partir de 2002, após ultrapassarem a marca dos

US$ 20 bilhões, o saldo comercial dos demais

setores da economia brasileira acumulou sucessi-

vos déficits entre 1994 e 2004.Desta maneira,

pode-se concluir que a reversão da trajetória de

acumulação de déficits nas transações comerciais

com outros países desde 2001 tem sido ocasio-

nada pelo desempenho do setor agropecuário, ao

passo que os setores industriais e de serviços con-

tinuaram acumulando perdas no comércio exteri-

or, passando a obter pequenos superávits apenas

muito recentemente, a partir de 2005, conforme

mostra o gráfico a seguir.

FONTE: Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2007).

importação de bens pelo Brasil vêm caindo siste-maticamente nos últimos anos. No início dos anos1990, a agropecuária era responsável por cercade 15% das importações brasileiras, enquanto hojeé responsável por apenas pouco mais de 5%, con-forme mostra o gráfico abaixo.

FONTE: Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria eComércio Exterior (2007).

ANO EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO 1990 31 413,80 20 661,40 10 752,40 1991 31 620,40 21 040,50 10 579,90 1992 35 793,00 20 554,10 15 238,90 1993 38 554,80 25 256,00 13 298,80 1994 43 545,20 33 078,70 10 466,50 1995 46 506,30 49 971,90 -3 465,60 1996 47 746,70 53 345,80 -5 599,10 1997 52 994,30 59 747,20 -6 752,90 1998 51 139,90 57 714,40 -6 574,50 1999 48 011,40 49 210,30 -1 198,90 2000 55 085,60 55 783,30 -697,70 2001 58 222,60 55 572,20 2 650,40 2002 60 361,80 47 240,50 13 121,30 2003 73 084,10 48 290,20 24 793,90 2004 96 475,20 62 809,00 33 666,20 2005 118 309,00 73 545,00 44 764,00 2006 137 471,00 91 385,00 46 086,00

GRÁFICO 1 - BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA – SALDOS COMERCIAIS DO AGRONEGÓCIO E DOSDEMAIS SETORES DA ECONOMIA (1990-2006; EM US$ MILHÕES/ANO)

Saldo agronegócio

45 00040 00035 00030 00025 00020 00015 00010 000

5 0000

-5 000-10 000-15 000-20 000-25 000

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FONTE: Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2007).

A análise da balança comercial do agronegócio,especificamente, demonstra a vitalidade econômicado segmento, observável por meio dos superávitsque ocorriam desde o início da década de 1990mas que intensificaram-se de maneira muito sig-nificativa durante os anos 2000, quando as expor-tações de produtos agropecuários bateram recor-des ano após ano (de pouco mais de US$ 20 bi-lhões, em 2000, para os US$ 49 bilhões, em 2007),ao mesmo tempo em que observou-se a estabili-

zação das importações do setor em torno dos US$5 bilhões anuais. Cabe notar que os números cres-centes da exportação agropecuária brasileira guar-dam estrita relação com o aumento da produtivida-de rural observada desde o início dos anos 1990. Aprodução nacional de grãos cresceu desde a déca-da passada a médias anuais bastante elevadas –9,49% em 2003 (IPEA, 2007). Ao mesmo tempopouco se alterou a área agricultável do país no pe-ríodo (GASQUES et al., 2004).

FONTE: Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2007).

GRÁFICO 2 - BALANÇA COMERCIAL – PARTICIPAÇÃO DO AGRONEGÓCIO - 1990-2006 (EM %)

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 20060

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50Balança comercial - Participação do agronegócio - 1990-2006 (em %)

Exportações Importações

GRÁFICO 3 - BRASIL - BALANÇA COMERCIAL DO AGRONEGÓCIO (1990/2006; EM US$ BILHÕES)

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De acordo com o Ministério do Desenvolvi-mento, Indústria e Comércio Exterior entre mar-ço de 2005 e março de 2006, os dez principaisprodutos da pauta de exportações agropecuáriabrasileira eram, pela ordem, complexo soja; car-nes; açúcar e álcool; papel e celulose; madeiras;couros, peles e calçados; café, chá, mate e espe-ciarias; algodão e fibras têxteis vegetais; sucos defrutas; fumo e tabaco. A variação da receita deexportações do açúcar foi de 46,4%, naquele pe-ríodo, ao passo que, no caso do algodão, atingiu13,5%. Entre março de 2005 e março de 2006, avariação nas receitas de exportação do agronegóciobrasileiro foi de 16,2%. Parte das variações posi-tivas nas exportações de açúcar e algodão podeser explicada pelo esforço conjunto desenvolvidopelo empresariado rural e pelo governo brasileirono sentido de superar as barreiras protecionistase as práticas de subsídios praticados pelos Esta-dos Unidos e pela União Européia no mercadomundial, conforme trataremos na seção a seguir.

V. AS BATALHAS DO BRASIL NA OMC – ALGO-DÃO E AÇÚCAR

As batalhas travadas recentemente pelo Brasilnas instituições multilaterais voltadas ao comér-cio exterior pela queda de práticas protecionistase relativas à produção e transação de produtosagropecuários têm feito do país um dos princi-pais players do processo de liberalização comer-cial da agropecuária mundial. Entre 2002 e 2004,ocorreram pleitos e vitórias brasileiras no âmbitodo sistema de solução de controvérsias da OMC,contra os Estados Unidos, na questão do algodão,e a União Européia, na questão do açúcar. Em 2005,ocorreu a reiteração das vitórias brasileiras na ins-tância máxima de apelação daquela entidade. Porque razão o país obteve tais êxitos? Nossa hipóte-se é a de que, por meio de uma bem alicerçadaaliança entre associações empresariais e setoresdo governo brasileiro, como os ministérios dasRelações Exteriores, Desenvolvimento, Agriculturae Fazenda, o país conseguiu impor derrotas im-portantes aos governos e produtores dos EstadosUnidos e da União Européia. Esta aliança relacio-na-se com a formação, em curso, de uma novainstitucionalidade das relações entre Estado eempresariado, bem como ao projeto político doatual governo em relação à inserção do país naeconomia mundial e, ainda, à crescenteprofissionalização do lobby do setor doagronegócio, cada vez mais voltado à atuação in-ternacional.

A nova institucionalidade das relações entregoverno e empresários do campo guarda relaçãocom a já citada existência das arenas de negocia-ção entre governos e empresários do Agronegócio– se, antes, os dois lados sentavam-se à mesa paradiscutir políticas públicas para o campo, há al-guns anos, agregaram àquela tarefa o estabeleci-mento de estratégias comuns de atuação nos mer-cados e fóruns internacionais, conforme discuti-mos anteriormente. A experiência acumulada nascâmaras setoriais parece ter colaborado para asintonia estabelecida entre produtores rurais e aburocracia estatal nos casos das batalhas do açú-car e do algodão na OMC.

Entendemos também como um dos fatoresque levaram ao êxito nos embates internacionais aaliança preferencial estabelecida entre o governobrasileiro, principalmente desde o início do atualgoverno, e os segmentos da economia nacionaldotados de vantagens competitivas e comparati-vas crescentemente inseridos no mercado mun-dial de bens e serviços. Isto ocorreu a partir doestabelecimento de uma nova concepção de in-serção do país nos fóruns de negociação e nocomércio internacional, perceptível, sobretudo,entre o final do segundo governo de FernandoHenrique Cardoso e o governo de Luís Inácio Lulada Silva. Tal concepção ganhou contornoscrescentemente mais nítidos durante o governodo petista por meio da progressiva aproximaçãoentre Estado e empresariado e do estabelecimentode estratégias comuns de atuação nas arenas in-ternacionais de negociação com governos e pro-dutores de outros países em desenvolvimento ousubdesenvolvidos10.

Outra razão importante para as vitórias doagronegócio brasileiro nos dois casos aqui abor-dados refere-se ao fato de que, há algum tempo,vem ocorrendo a profissionalização crescente da

10 A Coalizão Empresarial Brasileira (CEB) tem sido umadas mais importantes arenas nas quais os empresários doagronegócio discutem a inserção dos segmentos que repre-sentam nos mercados internacionais. No âmbito da CNA,o Fórum Permanente de Negociações Agrícolas Internacio-nais tem sido o mecanismo pelo qual a Confederação con-sulta os diversos segmentos do agronegócio em relação àtemática do comércio exterior e a instância na qual sãocanalizadas e direcionadas ao governo as principais deman-das dos empresários agrícolas em relação ao assunto. Oprincipal canal de interlocução com o Fórum é a CâmaraTemática de Negociações Agrícolas Internacionais, do Mi-nistério da Agricultura.

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gestão e do lobby, de cunho internacional, inclu-sive, das entidades representativas dos diversossetores do agronegócio brasileiro. Cabe lembrarainda que, para além das iniciativas levadas a cabopelas associações empresariais, em âmbitos do-méstico e internacional, o setor passou a contar,nos últimos anos, com a colaboração de thinkthanks, voltado a pensar a temática da agropecuáriacontemporânea em geral e a questão da inserçãoda produção rural brasileira no comércio mundialem particular. Este é o caso do Instituto de Estu-dos do Comércio e Negociações Internacionais(Icone), fundado em 2003 por iniciativa um gru-po de associações empresariais rurais “em res-posta à necessidade de prover ao governo e aosetor privado estudos e pesquisas aplicadas emtemas de comércio e política comercial, relacio-nados principalmente à área da agricultura e doagronegócio”11. O instituto clama para si a mis-são de “entender a dinâmica global doagronegócio, da bioenergia e do comércio exteri-or por meio de pesquisa aplicada, contribuindo,assim, para aprofundar a inserção econômica doBrasil no mundo”12.

V.1. O Brasil e a batalha do algodão na OMC

O Brasil é um importante produtor de algodãomundial. Suas exportações, direcionadas, sobre-tudo, para países asiáticos, saltou de cerca de 10mil toneladas, em 1997, para cerca de 400 miltoneladas em 2005, ano no qual a receita de ex-portações superou a marca de US$ 450 milhões.A motivação que levou o Brasil, em parceria comoutros países produtores de algodão, a recorrer àOMC contra os Estados Unidos é o fato de que ogoverno daquele país aplica US$ 3,2 bilhões desubsídios a seus produtores de algodão e maisUS$ 1,6 bilhão em créditos de exportação por ano,constituindo um montante superior ao permitidopor acordos comerciais vigentes. Por conta da-quela prática, os preços do algodão no mercadomundial caíram 25% desde o início da presentedécada. Além disso, os Estados Unidos viram suaparticipação no comércio mundial do bem passa-rem de 17%, entre 1998 e 1999, para 42%, entre2002 e 2003. Outros países produtores, reconhe-cidamente mais eficientes do que os Estados Uni-dos no mercado mundial de algodão, não pude-ram aumentar seu market share no período13. Ospaíses africanos, inclusive, viram sua participa-ção cair de 15% para 11%, entre 1998 e 2003. Noperíodo, as exportações norte-americanas de al-godão mais do que dobraram, ainda que o dólartenha-se valorizado 154% em relação à cesta demoedas de moedas dos demais países produto-res. Entre 1999 e 2002, os produtores brasileirosde algodão amargaram perdas de US$ 480 mi-lhões nas exportações por conta dos subsídiosnorte-americanos (COSTA & BUENO, 2004).

No início de 2002, o Ministério da Agricultu-ra, ainda no governo Fernando Henrique Cardo-so, convidou a Associação Brasileira dos Produ-tores de Algodão (Abrapa) para discutir a possibi-lidade de os produtores e exportadores de algo-dão apoiarem o governo numa ação, no âmbito daOMC, contra os subsídios praticados pelo gover-no norte-americano a seus produtores14. A asso-

11 São mantenedoras do Icone as seguintes entidades:Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), AssociaçãoBrasileira dos Produtores e Exportadores de Frango (Abef),Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Car-ne (Abiec), Associação Brasileira da Indústria de ÓleosVegetais (Abiove) e a União da Indústria da Cana-de-Açú-car de São Paulo (Unica) (ICONE, 2007).12 Cabe destacar ainda o importante papel desempenhadono contencioso do açúcar pela Datagro, entidade especi-alizada em análise econométrica voltada especificamentepara a temática da produção e do comércio mundiais deaçúcar e álcool. Uma série de outros think thanks, com ousem fins lucrativos, ligados a empresas ou a universidades,tem auxiliado governo e setor privado em suas iniciativasde aumentar a participação brasileira no comércio mundial.Entre eles, destacam-se entidades como Prospectiva, Cen-tro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Institutode Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento(Idcid), Centro de Estudos de Negociações Internacionais(Caeni), Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais(Nupri), Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip),Grupo de Negociações Comerciais (GNC), Centro de Es-tudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e Instituto Bra-sileiro de Concorrência, Consumo e Comércio Internacio-nal (Ibrac), entre outros. Eles formam, progressivamente,uma rede com as associações empresariais e as diversasagências governamentais que contribui para aumentar aexpertise brasileira em relação a uma melhor inserção dopaís no comércio mundial e nas suas arenas de negociação.

13 O custo médio de produção do quilo de algodão noBrasil, segundo a Abrapa, é de US$ 1,01, enquanto que,nos Estados Unidos, aquele custo chega a US$ 1,41. Opreço médio do quilo de algodão no mercado mundial é deUS$ 1,21, mas o governo norte-americano assegura a seusprodutores o pagamento de US$ 1,59 por quilo.14 Cabe ressaltar que, na mesma época, também por inici-ativa do Ministério da Agricultura, houve a consulta aosprodutores brasileiros de soja no sentido de saber deles a

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ciação já havia discutido internamente possibilida-de semelhante no ano anterior, por meio dacontratação da assessoria de um escritório de ad-vocacia brasileiro que tinha por objetivo impetraruma ação antidumping ou de medidas compensa-tórias contra os subsídios norte-americanos. Porconta do convite do governo para dar início aocontencioso, a Abrapa buscou o apoio de suasassociadas à iniciativa e articulou também a cola-boração política e financeira da CNA e da Agênciade Promoção de Exportações do Brasil (APEX).

Em julho de 2002, após uma reunião conjuntapromovida em Washington pelo Banco Mundial epelo Comitê Consultivo Internacional do Algodão,a Abrapa foi convencida, por iniciativa da embai-xada brasileira nos Estados Unidos, de que o ca-minho para os cotonicultores brasileiros era a idaà OMC. Naquele mesmo mês, a entidade empre-sarial e a Coordenadoria Geral de Contenciososdo Ministério das Relações Exteriores passaram atrabalhar de forma mais estreita no sentido de to-mar as providências necessárias à apresentaçãodo pleito brasileiro. As reuniões ocorreram tam-bém entre a Abrapa e diversas outras instânciasdo governo. Após uma série de consultas, a asso-ciação optou por contratar os serviços jurídicosde uma banca internacional de peso na questão docomércio internacional. A escolha ocorreu sobreo escritório norte-americano de advocacia SidleyAustin Brown & Wood LPP, que havia sido omesmo que trabalhara no contencioso da Embraercontra a canadense Bombardier, também no âm-bito da OMC, na segunda metade da década de1990.

Além da consultoria jurídica, liderada pelo ad-vogado norte-americano Scott Andersen, os pro-dutores de algodão brasileiros contrataram as aná-lises dos economistas Daniel Sumner, diretor doAgricultural Issues Center da Universidade daCalifórnia, Davis, e Bruce Babcock, diretor doCenter for Agricultural and Rural Development daIowa State University. A contratação dos traba-lhos dos dois acadêmicos teve por finalidade

quantificar os impactos dos subsídios norte-ame-ricanos no mercado mundial e os prejuízos cau-sados por eles aos demais países produtores dobem. Eles utilizaram, em seus cálculos, o mesmomodelo econométrico usado pelo Congresso dosEUA para avaliar as conseqüências econômicas efinanceiras de suas decisões em relação a subsí-dios e alocação de recursos. Os dois economistasforam subsidiados em suas análises por informa-ções fornecidas pelo Ministério da Agricultura, pelaCâmara de Comércio Exterior (Camex) e pelaCompanhia Nacional de Abastecimento (Conab)15.A estratégia da Abrapa e do governo brasileiro nocontencioso do algodão contemplou ainda a utili-zação de testemunhos de produtores nacionais quedemonstravam como haviam tido prejuízos, deuma maneira ou de outra, com os subsídios nor-te-americanos. Somaram-se ao processo mais detrinta testemunhos escritos, além de dois teste-munhos dados em reuniões do painel. Um delesfoi dado por um produtor neozelandês radicadoem Mato Grosso e o outro por um especialista demercado (expert witness), presidente da LiverpoolCotton Association, a mais prestigiosa associaçãode produtores de algodão do mundo, e tambémprodutor no Brasil.

Em setembro de 2002, a Camex recomendouao governo brasileiro que fizesse a solicitação ofi-cial ao governo norte-americano para a realizaçãode consultas informais a respeito do tema, e as-sim foi feito. Naquele mesmo mês, a Oxfam, or-ganização não-governamental que luta pela redu-ção da pobreza no mundo e pela diminuição dasdesigualdades econômicas entre países ricos e po-bres, divulgou um relatório sobre os impactos ne-gativos, sobre os países pobres, ocasionados pe-los subsídios praticados pelo governo dos Esta-dos Unidos a seus produtores domésticos. O do-cumento saudava a iniciativa brasileira junto àOMC e afirmava que “se for bem-sucedida [a re-clamação], vão melhorar as perspectivas para re-duzir a pobreza em um bom número de paísesdependentes do algodão” (OXFAMINTERNATIONAL, 2002, p. 1).

disposição em firmarem uma parceria com o governo vi-sando ao estabelecimento de um contencioso na OMC porconta das práticas protecionistas de países desenvolvidosem relação à soja brasileira. Os preços daquela commodityno mercado mundial, no entanto, passaram a subir signifi-cativamente naquela mesma época, e o setor optou por nãodar continuidade àquela iniciativa.

15 Um passo fundamental para o Brasil deste início aocontencioso foi a elaboração, pelo Ministério da Agricultu-ra, de uma nota técnica que constituia-se de um inventáriosobre as políticas norte-americanas para a agricultura, bemcomo os recursos financeiros nela envolvidos e sua confor-midade ou não com os tratados internacionais de comércioem vigência.

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Diante da impossibilidade da celebração de umacordo sobre o assunto, o Brasil formalizou, emjaneiro de 2003, na primeira reunião da Camexsob o governo Lula, o pedido de formação de umpainel junto ao Órgão de Solução de Controvérsi-as da Organização Mundial do Comércio para aanálise da Lei Agrícola norte-americana que regu-la os subsídios governamentais aos produtores dealgodão. A alegação brasileira era a de que aquelaprática estimulava, de maneira artificial, o aumen-to da produção de algodão nos EUA, gerando au-mento da oferta global do bem e a conseqüentequeda de preços no mercado mundial. Ressalte-se que havia, entre os produtores brasileiros, cer-ta insegurança em relação ao novo governo, queacabara de ser empossado. Alguns setores dacotonicultura brasileira imaginavam que o novogoverno talvez não encampasse a batalha contraos Estados Unidos na OMC, mas certificaram-sedo apoio por conta da atuação do Ministério daAgricultura, a partir de então, comandado porRoberto Rodrigues, ex-Presidente da ABAG, e doMinistério das Relações Exteriores, comandadodesde então pelo Chanceler Celso Amorim, quehavia sido o representante do Brasil em Genebraquando o país decidiu dar início ao contenciosona OMC.

Em março de 2003 foi autorizada pelo Órgãode Solução de Controvérsias a instauração do pa-inel, num primeiro momento, levado a cabo ape-nas pelo Brasil. Após as iniciativas de aproxima-ção do governo e dos produtores brasileiros comgovernos e produtores de outros países, junta-ram-se aos reclamos do Brasil como terceiraspartes nações também afetadas pelos subsídiosnorte-americanos como Argentina, Austrália,Benin, Canadá, China, Índia, Nova Zelândia,Paquistão, Paraguai, Taiwan, União Européia eVenezuela. Segundo a argumentação do Brasil,apresentada em junho daquele ano, o governonorte-americano concedeu a seus produtores dealgodão cerca de US$ 12,9 bilhões num períodode quatro anos, quando os tratados da RodadaUruguai, dos quais os norte-americanos foramsignatários, previam um limite de concessão deUS$ 8 bilhões. Os Estados Unidos estavam bur-lando a chamada “cláusula da paz”, que consta doAcordo sobre Agricultura estabelecido na RodadaUruguai, que permitia que os subsídios oficiais aprodutores rurais não fossem superiores àquelesdo ano-safra de 1992.

Em abril de 2004, foi divulgado, em caráterconfidencial, apenas para as partes envolvidas naquestão, um relatório preliminar sobre o caso. Opainel considerou que o governo dos EstadosUnidos direcionou subsídios aos produtoes de al-godão daquele país em níveis superiores aos per-mitidos pelos acordos comerciais vigentes, comimpactos diretos no preço do bem nos mercadosinternacionais. Além disso, o painel condenou oscréditos à exportação da commodity concedidospelo governo norte-americano a seus produtores,posto que os mesmos violariam as regras daOMC.

Em junho de 2004, a entidade anunciou publi-camente a decisão sobre a disputa travada entreBrasil e Estados Unidos. A OMC reiterou seu en-tendimento de que a prática de subsídios que ogoverno norte-americano tradicionalmentereeditava para seus fazendeiros de algodão pro-vocou uma distorção artificial nos preços do pro-duto, forçando sua queda no mercado internacio-nal e prejudicando os produtores brasileiros, bemcomo produtores de diversos países africanos quetêm no algodão o item fundamental de suas pau-tas de exportações, como Mali, Bênin, BurquinaFasso e Chade, por exemplo16. A decisão da enti-dade constituiu-se num marco histórico nas rela-ções comerciais internacionais, posto que, pelaprimeira vez, um país havia sido condenado porconceder subsídios considerados ilegais.

No mês de outubro, os Estados Unidos apela-ram da decisão preliminar do painel, alegando queos subsídios concedidos a seus produtores do-mésticos não desrespeitavam os limites estabele-cidos em acordos anteriores e que os créditosoficiais à exportação do produto não aplicavam-se ao que a OMC define a respeito do assunto e,portanto, não poderiam ser considerados para efei-to de cálculo do volume total de recursosdirecionados por seu governo aos produtores dealgodão. No mês seguinte, o Brasil apresentou suatréplica em relação à apelação norte-americana,solicitando a condenação de outros programas de

16 De acordo com a análise econométrica do economistaDavid Sumner, se não fossem os subsídios, a produçãoamericana, entre 1999 e 2002, teria sido 28,7% menor, e aexportação teria sido reduzida em 41,2%. Os preços inter-nacionais, ainda segundo os cálculos de Sumner, seriam12,6% mais altos.

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subsídios praticados pelo governo dos EstadosUnidos, que não haviam sido apresentados no pri-meiro recurso direcionado pelo país ao painel.

Após meses de análise e negociações, em marçode 2005 o Órgão de Apelação da OMC negou aréplica do governo dos Estados Unidos e reiterouo pleito do Brasil. A OMC estabeleceu então, parajulho de 2005, o step one, data-limite para o fimde um conjunto inicial de subsídios por parte da-quele governo. Para setembro de 2005, foi esta-belecido o step two, com o fim de um conjuntomais abrangente de subsídios. Como, em outubrode 2005, o referido país ainda não havia cumpri-do as medidas relativas ao step two, o Brasil soli-citou à OMC sanções comerciais da ordem de US$1 bilhão ao ano contra os Estados Unidos.

Diante do impasse, em novembro de 2005, osdois países firmaram um acordo, postergando parasetembro do ano seguinte o fim dos subsídios.Ainda em dezembro de 2005, durante a reuniãoda OMC, em Hong Kong, foi aprovado documen-to reiterando a necessidade de eliminação daque-les subsídios. De acordo com estimativas daAbrapa, o fim dos subsídios do governo norte-americano a seus produtores provocaria um au-mento aproximado de 13% no preço da commodityno mercado internacional, por conta de uma re-dução de cerca de 16% da participação dos Esta-dos Unidos no mercado (OXFAMINTERNATIONAL, 2002, p. 11). A iniciativa bra-sileira de proposição do painel, inicialmente orça-da em US$ 280 mil, custou ao governo e aos pro-dutores nacionais, aproximadamente, US$ 2 mi-lhões, dadas as inúmeras protelações e artimanhasjurídicas interpostas ao longo do processo pelaparte contrária. Para que pudesse ser comprova-da a procedência de suas reclamações, os empre-sários do setor cotizaram-se, a partir de doaçõesde cada seção regional da Abrapa, a fim de cobriros custos dos profissionais contratados (MELLO,2003).

Em 2007, o governo norte-americano enviouao Congresso do país a nova Farm Bill, lei agrí-cola norte-americana que pode ser aceita, modifi-cada ou rejeitada pelos congressistas. Apesar de avotação da lei estar sujeita a pressões diversas degrupos internos que pleiteiam o corte de gastospúblicos, o fato de a maioria da Câmara dos De-putados ser democrata não significa, na avaliaçãodo governo e de empresários brasileiros, a apro-vação de medidas mais duras em relação ao corte

de subsídios. O fato de grande parte dos deputa-dos ser oriunda de regiões produtoras de bensagropecuários provavelmente resultaria, na avali-ação brasileira, em uma nova legislação tímida emrelação à diminuição dos subsídios. De fato, foi oque ocorreu, visto que a oferta norte-americana àRodada de Doha, por meio da aprovação da novaFarm Bill, prevê a queda dos subsídios governa-mentais para os produtores de algodão, arroz, tri-go, soja e milho, entre outros, de US$ 19,1 bi-lhões anuais para US$ 7,6 bilhões anuais, o queainda constitui-se em uma clara discordância emrelação aos preceitos de liberalização comercialpreconizados pela OMC e na desconsideração,ainda que parcial, das decisões do painel levado acabo desde 2002 por iniciativa do Brasil.

V.2. O Brasil e a batalha do açúcar na OMC

O Brasil sempre foi um dos maiores produto-res mundiais de açúcar. A vasta extensão territoriale o clima propício ao cultivo favoreceram, desdeo período da colonização, o plantio da cana-de-açúcar em larga escala. A cana é plantada no Cen-tro-Sul e no Norte-Nodeste do país, a partir docalendário das estações do ano. Isto permite queo país colha duas safras anualmente, tendo umaprodução praticamente ininterrupta. Durante 60anos, foi o modelo de intervenção estatal que pro-moveu o desenvolvimento sucroalcooleiro do país.As decisões eram monopolizadas pelo Estado, mashavia intercâmbio político e econômico entre fun-cionários do governo e os agentes privados dosetor, por meio do qual eram formuladas eimplementadas as políticas públicas concernentesa ele. O Estado concedia aos grupos de interessemonopólio de representação, acesso privilegiadoa algumas informações e recursos financeiros erecebia, em troca, legimitidade, informação e apoiopolítico (MELLO & PAULILLO, 2005).

Três marcos históricos ocorridos nas últimasdécadas concorreram para que o país alcançassea liderança na produção mundial de açúcar. O pri-meiro foi a criação do Programa Nacional do Ál-cool (Proálcool), inaugurado em 1975 e destina-do a desenvolver tecnologia nacional voltada asubstituir a utilização dos derivados de petróleo,bem como diminuir a dependência do país em re-lação às nações produtoras daquele bem e a suasoscilações de preço no mercado mundial. O se-gundo ocorreu no início da década de 1990, coma crise fiscal do Estado, o declínio dos mecanis-mos de controle da economia e a implantação no

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país de reformas orientadas para o mercado. En-tre as diversas medidas visando àdesregulamentação da economia brasileira promo-vidas pelo governo Collor, esteve a extinção, em1990, do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA),criado em 1933 durante o primeiro governo Vargas.Com aquela iniciativa, acrescida de outras medi-das adotadas nos anos seguintes, o governo dei-xava de intervir, de forma direta, na definição depreços e estoques reguladores de açúcar e álcool.No início de 1999, por fim, ocorreu outro fatofundamental para a expansão da participação dopaís no comércio mundial de açúcar. A mudançada política cambial, com a desvalorização do realfrente ao dólar, aumentou a competitividade doaçúcar brasileiro e garantiu novos mercados aopaís (PERERA et al., 2006).

O fim da regulamentação estatal, acrescido dacondição cambial mais favorável à conquista demercados no exterior, impulsionou aprofissionalização da gestão do segmentosucroalcooleiro, a contínua busca pela diminui-ção dos custos de produção e o conseqüente au-mento dos níveis de produtividade. SegundoRodrigues (1998), aquelas metas já eramobserváveis, em maior ou menor grau, ainda noinício da década de 1990, a partir da implementaçãode programas de qualidade e reengenharia em inú-meras usinas de cana-de-açúcar, localizadas em suamaioria no estado de São Paulo (RODRIGUES,1998). As inovações gerenciais e produtivasintroduzidas no setor ao longo dos anos 1990 fize-ram do Brasil o maior produtor mundial de açúcar.O país responde por 25% da produção mundial totale por 40% da produção dentre os nove maioresprodutores mundiais da commodity. O custo deprodução, que gira em torno de US$ 150 por tone-lada, é o mais baixo do mundo. (BRASIL. MINIS-TÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABAS-TECIMENTO, 2007).

Para além da liderança na produção, o Brasilalcançou, nos anos 2000, o posto de maior ex-portador mundial de açúcar. Em 1992, havia ex-portado 2,1 milhões de toneladas do produto etinha obtido uma receita correspondente de US$599 milhões. Em 2006, foram exportadas 18,8milhões de toneladas e gerada receita de US$ 6,1bilhões (BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICUL-TURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2007).

Os ganhos de produtividade alcançados nosúltimos anos reduziram os impactos negativos que

as práticas protecionistas dos países desenvolvi-dos causaram sobre os preços médios do açúcarno mercado mundial. Mesmo assim, o Brasil foimembro fundador, em 1999, da Global SugarAlliance (Global Alliance for Sugar Trade Reformand Liberalisation), entidade voltada a liberalizar ocomércio mundial de açúcar, ampliando o acessodos principais produtores aos maiores mercadosconsumidores, como Estados Unidos e UniãoEuropéia. Além do país, fazem parte da organiza-ção: África do Sul, Austrália, Canadá, Chile, Co-lômbia, Guatemala, Honduras, Índia e Tailândia.

A controvérsia do açúcar na OMC é um pou-co diferente em relação à do algodão. O regime deaçúcar da União Européia (UE) choca-se com asregras da OMC em duas questões: acesso prefe-rencial ao mercado europeu por parte de algunspaíses africanos, asiáticos e caribenhos e a ex-portação de um volume de açúcar subsidiado maiordo que o permitido por tratados internacionais,dos quais a UE é signatária. Os países europeusimportavam de algumas de suas antigas colônias,no início dos anos 2000, cerca de 1,6 milhão detoneladas de açúcar bruto por ano, pagando US$600 por tonelada, faziam o refino e reexportavamo produto com subsídios, por US$ 200 por tone-lada. Aquela prática provocava a queda artificialdo preço do bem no mercado mundial e prejudi-cava países que tinham maiores níveis de eficiên-cia na produção de açúcar17. Como notam Costae Burnquist (2006), o regime do açúcar europeu,inaugurado em 1967, não só permitiu que aquelebloco econômico fosse auto-suficiente na produ-ção do bem como passasse da condição de im-portador líquido de açúcar, na década de 1970,para a de maior exportador mundial, ainda nosanos 1980 (COSTA & BURNQUIST, 2006). AUnião Européia concedia, no início dos anos 2000,subsídios aos produtores que superavam os limi-tes anuais de 1,273 milhões de toneladas de açú-car e • 499,1 milhões estabelecidos em 1995 noAcordo sobre Agricultura da Rodada Uruguai.

Além de fomentar a queda do preço mundialdo produto, o regime açucareiro europeu permitiaa prática dos subsídios cruzados, pela qual umadeterminada modalidade de subsídio à produção

17 Entre os principais fornecedores de açúcar bruto para aUnião Européia, estão Fiji, Ilhas Maurício, Suazilândia,Guiana e Jamaica.

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de 13 milhões de toneladas anuais, destinada aomercado doméstico, era utilizada para a exporta-ção outros 3 milhões de toneladas de açúcar. Deacordo com a política agrícola da União Européia,o açúcar é dividido em três categorias: cota A, des-tinada ao mercado interno, com direito a subsídi-os à produção; cota B, destinada à exportação, comdireito a subsídios à produção; cota C, destinada àexportação, sem direito a subsídios à produção.Na prática, a UE vinha transferindo, nos últimosanos. ao açúcar da cota C os subsídios concedi-dos à produção de açúcar nas cotas A e B, ade-quando assim o açúcar que exportava à média depreços do mercado mundial. Estimativas do go-verno brasileiro davam conta de que o país perdiacom aquelas práticas, por parte da UE, cerca deUS$ 494 milhões por ano. Apesar disto, em 2001,o Brasil exportou 11,1 milhões de toneladas de açú-car, contra 4,2 milhões da União Européia, 3,5milhões da Austrália, 3,3 milhões da Tailândia, 1,3milhão da Guatemala e 1,1 milhão da India, de acor-do com dados da International Sugar Organization.

No início de 2002, a Unica levou ao governobrasileiro a questão de que a UE não estava, naépoca, respeitando os compromissos anteriormenteassumidos junto à OMC de limitar suas exporta-ções subsidiadas de açúcar aos níveis acordados.Os grandes produtores brasileiros de açúcar, re-presentados pela entidade, articularam-se com seuspares da Austrália e da Tailândia no sentido de con-vencer mutuamente seus respectivos governos adar início ao contencioso. Coube à associaçãoempresarial paulista contratar o escritório de ad-vocacia que reuniu os argumentos jurídicos favo-ráveis ao pleito brasileiro. No caso, o mesmo SidleyAustin Bown & Wood LPP, que atuava tambémno contencioso do algodão. A consultoria econô-mica necessária para embasar a causa do açúcarbrasileiro foi contratada pela Unica à LCMInternational, empresa britânica que realizou a aná-lise do regime açucareiro europeu, seus custos deprodução e sua competitividade no mercado mun-dial.

Em setembro de 2002, Brasil e Austrália solici-taram consultas à UE para discutir a adequação doregime açucareiro europeu às regras do comérciointernacional bem definidas pela OMC. As consul-tas foram realizadas em novembro daquele ano e,delas, participaram como terceiras partes diver-sos países dos quais a UE importa açúcar, comoBarbados, Belize, Costa do Marfim, Fiji, Guiana,

Jamaica, Quênia, Madagascar, Malavi, St. Kitts& Nevis e Zimbábue. A estratégia européia eradesviar o foco de seu regime açucareiro, emdissonância com as regras da OMC, para a ques-tão do regime diferenciado de favorecimento àimportação que dedicava a algumas de suas anti-gas colônias, em sua totalidade países de Tercei-ro Mundo e entre as quais destaca-se um grandeprodutor de açúcar como a India. Diante doimpasse estabelecido entre as partes, Brasil e Aus-trália optaram por dar continuidade ao caso, con-siderando como cada vez maiores as chances deacionar o Órgão de Solução de Controvérias daentidade, no que passaram a ter a companhia daTailândia. O país asiático também solicitou con-sultas às autoridades da UE, as quais foram reali-zadas em março de 2003. Reiterada a impossibi-lidade de chegar-se a um acordo entre as partes,os três países pediram, em julho, a instauraçãode um painel para a resolução do caso. O painelfoi estabelecido em dezembro daquele ano18. Duasreuniões foram realizadas com as partes envolvi-das, em março e maio de 2004, e o relatório finaldo painel, divulgado em outubro, deu ganho decausa aos três países.

Em janeiro de 2005, a UE deu início aos pro-cedimentos de apelação. Novas reuniões entre aspartes ocorreram entre março e abril daquele ano.A Corte de Apelações da OMC reiterou a vitória,em última instância, da reivindicação de Brasil,Austrália e Tailândia, indicando que a argumenta-ção européia feria as regras de liberalização docomércio internacional. A Corte entendeu queFrança e Alemanha, os dois maiores produtoresde açúcar da União Européia, incentivavam a pro-dução além das cotas permitidas para o bom fun-cionamento do comércio internacional dacommodity. Em setembro de 2005, Brasil, Aus-trália e Tailândia conseguiram estabelecer, junto àOMC, um teto máximo de 1,3 milhão de tonela-das anuais de açúcar subsidiado a ser exportadopela Europa. Em novembro daquele ano, os mi-nistros da agricultura de todos os países mem-bros da UE informaram, em reunião conjunta, que

18 Participaram dos procedimentos do contencioso, nacondição de terceiras partes interessadas, os seguintes pa-íses: Barbados, Belize, Canadá, China, Colômbia, Costado Marfim, Cuba, Estados Unidos, Fiji, Guiana, Índia,Jamaica, Quênia, Madagascar, Malavi, Maurício, NovaZelândia, Paraguai, Saint Kitts & Nevis, Suazilândia,Tanzânia e Trinidad e Tobago.

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estudavam medidas de adequação do regime açu-careiro europeu às regras do comércio internaci-onal, as quais foram anunciadas em maio de 2006.

VI. CONCLUSÕES E NOVOS APONTAMEN-TOS PARA PESQUISA

Conforme ressaltamos no início, o presenteartigo refere-se a uma pesquisa em andamento.Pretendemos apresentar e discutir aqui, de formabreve, a temática das novas formas de articulaçãopolítica e ação coletiva surgidas no seio doempresariado rural após o período dedesregulamentação da agropecuária brasileira. Pormeio do estudo dos casos da interação entre osempresários dos segmentos de açúcar e de algo-dão com altas instâncias do Estado brasileiro, bus-camos chamar atenção para a capacidade de adap-tação de setores do empresariado agropecuário,via de regra, entendido como atrasado em relaçãoa outras parcelas da elite econômica nacional, aonovo regime produtivo que vem constituindo-seno Brasil desde a virada dos anos 1980 para adécada de 1990. A articulação entre empresários egoverno para os embates no front internacionaldas disputas comerciais é, segundo nosso enten-dimento, um elemento novo na matriz regulatóriaque tem sido contruída no país nas duas últimasdécadas.

Como vimos, as vitórias do algodão e do açú-car brasileiros representaram um esforço concen-trado entre o governo e o setor privado, compar-tilhando experiências, definindo estratégias e divi-dindo custos relativos a questões técnicas e jurí-dicas. Estimativas de entidades do agronegóciomundial dão conta de que o Brasil possa passar alucrar US$ 1 bilhão ao ano com a eliminação dosincentivos e subsídios concedidos aos dois pro-dutos. A vitória brasileira nas duas contendas, alémde significar um produtivo trabalho conjunto en-tre a tecnocracia governamental e os empresáriosdos dois setores, tem abrangência mundial, poiscria jurisprudência para que outros países tam-bém pleiteiem, com reais chances de êxito, a que-da de outras formas de subsídios e incentivos quedistorcem os fluxos mundiais de comércio e pre-judicam o desempenho de seus produtos no mer-cado internacional.

A breve análise do caso das batalhas levadas acabo pelo Brasil na OMC mostra-nos que há umasérie de fatores estruturais e históricos noagronegócio que colaboraram para o relativo êxi-

to obtido pelo país em seus objetivos. Em primei-ro lugar, cabe ressaltar que, diferentemente doocorrido em diversos outros setores da economiabrasileira, como a indústria nacional, uma porçãobastante significativa das atividades ligadas àagropecuária, se não foi beneficiada, ao menos,parece não ter sido tão prejudicada pelo processode abertura comercial iniciado nos anos 1990 epela crescente integração da economia brasileiraaos fluxos globais do capital. Embora seja umahipótese que mereça maior elaboração, nos pare-ce que o campo reunia à época melhores condi-ções para a exposição à competição externa doque outros setores da economia brasileira. Assimcomo também nos parece que o setor agropecuáriojá passava, antes da introdução das reformas ori-entadas para o mercado, por um processo de con-centração da propriedade mais consolidado que,por exemplo, a indústria nacional. É preciso fazeravançar as reflexões acerca destas questões, mas,no momento, elas se apresentam como condiçõesque teriam sido funcionais para a estratégia go-vernamental de atrelamento da evolução do co-mércio exterior brasileiro ao aumento significati-vo das exportações do setor agropecuário, aindaque às expensas da pequena agricultura, da agri-cultura familiar, da resolução da questão fundiáriae da preservação ambiental de determinadas regi-ões do país.

É importante destacar também que as formasde organização associativa da agropecuária naci-onal concorreram para os resultados que o paístem alcançado nas arenas internacionais deregulação do comércio exterior. De fato, oassociativismo do agrobrasileiro é, historicamen-te, diverso daquele constituído em outros setoresempresariais nacionais. Embora conte com umaestrutura organizativa piramidal, cuja matriz é se-melhante, por exemplo, àquela do corporativismooficial da indústria, e em que pese a presença deassociações setoriais que são, em teoria, paralelasao corporativismo oficial, a estrutura de repre-sentação dos interesses do mundo agropecuáriono Brasil construiu-se, nas últimas décadas, emforma de rede, ainda que consideremos a existên-cia de entidades de cúpula como, no passado, aSociedade Rural Brasileira e, mais recentemente,a Confederação Nacional da Agricultura e da Pe-cuária. Representados por meio de umamultiplicidade de entidades, de corte setorial e re-gional, os produtores rurais brasileiros desenvol-veram, ao longo do tempo, estratégias baseadas

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na conjugação de lutas políticas pontuais eparticularistas permeadas por lutas políticas maisamplas. É provável que, nesta forma mais dinâ-mica de atuação, crescentemente profissionalizadae internacionalizada, resida o sucesso da ação co-letiva do empresariado rural. Historicamente me-nos tutelados por instituições de cúpula, emboraelas existissem, os empresários da agropecuáriabrasileira puderam adaptar-se, mais facilmente, àsnovas características das relações entre público eprivado inauguradas com as reformas econômi-cas e políticas que o país viveu desde o final dadécada de 1980.

Cabe ressaltar que o desempenho recente doagronegócio brasileiro, tanto como atividade eco-nômica quanto como ação coletiva, é fruto, entreuma série de razões, da criação e da manutençãode arenas de negociação e formulação de políticascompostas por Estado e empresariado. Com acrescente especialização da produçãoagropecuária, conjugada com o fim dos projetosmais gerais de política agrícola, com as restriçõesao apoio governamental oriundas da crise fiscaldo setor público, com a redemocratização da vidabrasileira e com a desregulamentação das ativida-des do setor agropecuário, entre outros fatores,tornou-se imperioso ao empresariado rural atuarno sentido de (re)criar ou participar dos canais deinterlocução oferecidos pelo Estado, por meio defóruns de discussão e de formulação de políticaspúblicas específicas para cada cadeia produtiva,a fim de poder capacitar-se para a competição in-ternacional. Caso considere-se, a partir de umaperspectiva neocorporativista, que a atuação decâmaras setoriais é capaz de impulsionar aimplementação de políticas públicas para os seto-res envolvidos, parece-nos que a experiência dascâmaras setoriais da agropecuária tem sido bem-sucedida, notadamente a partir do momento emque a agropecuária brasileira é chamada à compe-tição no comércio mundial19. Como vimos anteri-ormente, a herança da cultura de convivência enegociação entre Estado e empresariado rural ge-rada nos anos recentes parece ser um fator fun-damental para o sucesso dos pleitos dos quais aspartes têm participado internacionalmente, como

nos casos do algodão e do açúcar, independente-mente dos recentes revezes observados na Roda-da de Doha.

Finalmente, cabe afirmar que os estudos decaso dos êxitos do açúcar e do algodão na Orga-nização Mundial do Comércio ajudam-nos aproblematizar alguns pontos de vista consagra-dos pela literatura dedicada às relações entre Es-tado e empresariado no Brasil, observável, porexemplo, em Diniz (2000) e Schneider (1997). Aarticulação das agências governamentais como oItamaraty e o Ministério da Agricultura, Pecuáriae Abastecimento para os embates na OMC nãoocorreu com as organizações de cúpula doempresariado rural. Ao contrário, o que a análisedos dois casos mostra é que os interlocutores datecnocracia governamental nos dois contenciososforam associações representativas dos grandesprodutores de açúcar e de algodão, respectiva-mente. As entidades de cúpula da agropecuáriabrasileira, como a CNA, ou mesmo a SRB e aSNA, apenas secundaram a atuação das associa-ções setoriais. O que isto significa? Que aquelasentidades, em especial a CNA, não congregam,na prática, todos os interesses existentes noempresariado rural e que, por conseguinte, nãosão entidades de cúpula? A experiência deinterlocução e ação conjunta do governo com aAbrapa e com a Unica apenas confirma a tradiçãobrasileira de constituição de um sistema híbridode representação dos interesses empresariais, noqual convivem estruturas corporativas e entida-des setoriais de filiação voluntária? Estaríamosdiante de um fato inédito na história das relaçõescapitalistas no Brasil ou, ao contrário, apenas di-ante de mais um caso de setorialização de deman-das? É preciso relativizar as visões que sempreapontaram para uma certa fraqueza política doempresariado brasileiro por conta da inexistênciade entidades de cúpula das classes empresariaisem nosso país, mesmo diante das vitórias con-tundentes e históricas obtidas na OMC? Ou, dife-

19 A crescente especialização da agropecuária brasileira emcadeias produtivas tem conduzido o empresariado do setora interagir com o Estado de acordo com interesses particu-lares a cada subsetor ou cada cadeia produtiva. No entanto,esta estratégia contempla também que aquela interação ocor-

ra sob uma plataforma composta por “temas mais gerais”,visto que a complexidade da atividade agropecuária e asparticularidades do mundo rural brasileiro trazem perma-nentemente à tona questões que atingem todas as cadeiasprodutivas da agropecuária, como as questões fundiária,do meio ambiente, do regime de trabalho, da necessidade deadequação do setor como um todo às exigênciasfitossanitárias do mercado mundial e das regras do comér-cio mundial.

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rentemente do que as questões acima sugerem,seria o caso de, por conta da profunda diversifi-cação das atividades agropecuárias ocorridas nasúltimas décadas, falarmos daqui para frente emmuitas “agropecuárias” ou mesmo em muitas“agriculturas”, em vez de “agropecuária” e “agri-cultura”?

Para além das questões da estrutura da repre-sentação dos interesses empresariais no Brasil edo maior ou menor grau de força política doempresariado brasileiro em geral e doempresariado rural em particular, há uma série deoutros pontos que necessita ser melhor desenvol-vida nas próximas etapas da pesquisa. Um destespontos refere-se, por exemplo, ao seguintequestionamento: em que medida os dois casosabordados no presente artigo não representam, emque pese a interessante experiência das câmarassetoriais agropecuárias que os antecederam, umretorno à antiga dinâmica de negociações setoriaise bipartires entre setores poderosos doempresariado e tecnocratas governamentais rela-tivamente insulados, posto que as estratégiasestabelecidas pelas associações empresariais ru-rais e o governo para as batalhas na OMC nãocontemplaram outros atores presentes na arenado regime agrícola brasileiro? De que forma o êxitoalcançado nos embates na OMC não pode ter con-tribuído para cristalizar, nas relações intra-empre-sariais do campo, a força política e econômica desegmentos já altamente poderosos? Além disso,em que medida as duas vitórias obtidas signifi-

cam, de algum modo, que as prioridades gover-namentais para o campo deslocam-se, cada vezmais, para a conversão da agropecuária brasileiranuma atividade econômica de exportação, em de-trimento do atendimento da demanda domésticapor bens agropecuários e dos atores econômicose políticos mais dedicados a ela do que ao comér-cio exterior?

Em termos um pouco mais amplos, queextrapolam, inclusive, a questão rural, podería-mos ainda perguntar como estão modificando-seas relações de força intra-empresariais no capita-lismo brasileiro, dado o peso do agronegócio naformação do Produto Interno Bruto (PIB) e nosresultados da Balança Comercial e as recentes vi-tórias alcançadas na OMC. Haverá espaço sufici-ente, daqui por diante, para o (re)surgimento deoutros setores da atividade econômica no novoregime produtivo brasileiro e no modelo de de-senvolvimento que lhe é relativo? As relações quetêm sido estabelecidas entre Estado e empresariadodo agronegócio expressam os principais contor-nos da matriz regulatória em construção no Brasilou limitam-se unicamente ao mundo rural e aosdois casos abordados no presente artigo? O êxitodo agronegócio, tanto como força econômicaquanto como exemplo de concertação entre Esta-do e empresariado, poderá conduzir o país de voltaao passado e à condição de economia predomi-nantemente agroexportadora? Estas e outras ques-tões são tarefas a que a pesquisa aqui retratadapretende abordar no futuro próximo.

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Wagner Iglécias ([email protected]) é Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP)e Professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da mesma instituição.

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21 Os portais eletrônicos indicados abaixo foram acedidosem vários momentos, de modo que não haverá menção adatas específicas de acesso.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 259-263 JUN. 2007

ENTREPRENEURS IN BRAZILIAN AGRIBUSINESS: COLLECTIVE ACTION AND FORMSOF POLITICAL ACTIVITY. A CASE STUDY OF THE SUGAR AND COTTON WARS INWORLD TRADE ORGANIZATION

Wagner Iglécias

This text presents work in progress on the forms of collective action and political articulation thatBrazilian entrepreneurs from the agri-business sector have been implementing in recent years. Ourobject of analysis consists of the joint strategies developed by the sector and by the Braziliangovernment in order to confront - within the international arenas of the regulation of world trade -protectionist practices carried out by developed countries, on the basis of a case study of recentvictories that Brazil has achieved within the World Trade Organization vis-à-vis the US and theEuropean Union regarding production, market access and cotton and sugar exports, respectively.

KEYWORDS: agro-business; rural entrepreneurs; State; State-entrepreneur articulation patterns;sugar; cotton; World Trade Organization; development.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 267-271 JUN. 2007

L’ENTREPRENEUR DE L’AGROALIMENTAIRE AU BRÉSIL – ACTION COLLECTIVEET FORMES D’ACTION POLITIQUE – ÉTUDE DE CAS DES GUERRES DU SUCRE ETDU COTON À L’OMC

Wagner Iglécias

Cet article se reporte à la recherche en cours sur les formes d’action collective et l’articulationpolitique mise en oeuvre dans les dernières années par les entrepreneurs brésiliens liés au secteuragroalimentaire. Elle a pour objet d’analyse les stratégies menées ensemble par ce secteur et legouvernement brésilien en vue de faire face, dans les arènes internationales de régulation du commercemondial, aux mesures protectionnistes prises par les pays développés, à partir de l’étude de casconcernant les victoires récemment remportées par le Brésil dans l’Organisation mondiale ducommerce vis-à-vis des gouvernements des États-Unis et de l’Union Européenne en ce qui concernela production, l’accès aux marchés et l’exportation du coton et du sucre, respectivement.

MOTS-CLÉS: agroalimentaire; entrepreneur rural; état; modèles d’articulation état-entreprise; sucre;coton; Organisation mondiale du commerce; développement.

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