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O DIRIGENTE SINDICAL: COMPANHEIRO OU PATRÃO ? Uma Análise em Sindicatos de Minas Gerais Autor: Allan Claudius Queiroz Barbosa Resumo O movimento sindical vem sofrendo nos últimos anos o impacto da reestruturação na esfera produtiva. A globalização trouxe para o mundo do trabalho modificações que afetaram a conduta e a prática sindical nas suas múltiplas dimensões. Dentro dessa perspectiva, o presente trabalho propõe analisar como se processa a articulação entre a função executiva desempenhada pelo dirigente, ou seja, como ele atua à frente das questões de natureza administrativa do sindicato, e seu papel de liderança política. Após o mapeamento dos 133 sindicatos de trabalhadores da Região Metropolitana de Belo Horizonte, determinando a escolha dos 30 mais representativos segundo critérios previamente definidos, foi traçado o perfil dos diretores responsáveis pela coordenação e funcionamento dos sindicatos selecionados, demonstrando a existência de uma dicotomia entre a figura do gestor e do líder de classe, expressa não só pela ambigüidade de papéis, mas também pela estrutura dos sindicatos. I. Introdução O atual momento do sistema produtivo traz consigo novas respostas para o processo de trabalho e de produção e nada mais natural que o impacto desse fenômeno sobre o mundo do trabalho se fizesse sentir. Alves et al (1997) destacam que as conseqüências mais marcantes estão relacionadas com a não geração de empregos formais, redução dos empregos intermediários devido aos avanços tecnológicos e a tendência de polarização dos postos de trabalhos restantes, divididos entre empregos qualificados com alto grau de intelectualização e empregos precários e parciais. Isso atinge diretamente as formas de representação do trabalho. Por causa disso, o sindicalismo, espaço por excelência de representação de interesses, se vê às voltas com uma alteração significativa em sua perspectiva de atuação. Essa situação acabou por descortinar a sua fragilidade gerencial, às voltas com crises administrativas nem sempre contornáveis. O sindicato é também um espaço organizacional, com papéis e atribuições típicas de uma empresa nos moldes capitalistas. Certamente os objetivos são diferentes, mas a similaridade orgânica, bem como o gerenciamento sistemático do indivíduo e das ações joga luz sobre o papel do dirigente sindical e suas atribuições. No seu bojo, a identificação do dirigente sindical com um duplo papel de gestor organizacional e representante de categoria profissional permite analisar o sindicato sob a ótica interna, de seu funcionamento e dinâmica, e externa, no que se refere às práticas políticas adotadas. É dentro dessa perspectiva que este artigo discute o dirigente sindical e seu papel em uma estrutura organizativa com características semelhantes àquelas existentes no locus capitalista. O espaço de gestão sindical é visto a partir de sindicatos de trabalhadores da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. II. Aspectos Teóricos As alterações que atingiram a sociedade contemporânea tornaram visível o esvaziamento da perspectiva que privilegia as chamadas ideologias coletivas. A derrocada do 1

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O DIRIGENTE SINDICAL: COMPANHEIRO OU PATRÃO ? Uma Análise em Sindicatos de Minas Gerais

Autor: Allan Claudius Queiroz Barbosa Resumo

O movimento sindical vem sofrendo nos últimos anos o impacto da reestruturação na esfera produtiva. A globalização trouxe para o mundo do trabalho modificações que afetaram a conduta e a prática sindical nas suas múltiplas dimensões. Dentro dessa perspectiva, o presente trabalho propõe analisar como se processa a articulação entre a função executiva desempenhada pelo dirigente, ou seja, como ele atua à frente das questões de natureza administrativa do sindicato, e seu papel de liderança política. Após o mapeamento dos 133 sindicatos de trabalhadores da Região Metropolitana de Belo Horizonte, determinando a escolha dos 30 mais representativos segundo critérios previamente definidos, foi traçado o perfil dos diretores responsáveis pela coordenação e funcionamento dos sindicatos selecionados, demonstrando a existência de uma dicotomia entre a figura do gestor e do líder de classe, expressa não só pela ambigüidade de papéis, mas também pela estrutura dos sindicatos. I. Introdução

O atual momento do sistema produtivo traz consigo novas respostas para o processo

de trabalho e de produção e nada mais natural que o impacto desse fenômeno sobre o mundo do trabalho se fizesse sentir. Alves et al (1997) destacam que as conseqüências mais marcantes estão relacionadas com a não geração de empregos formais, redução dos empregos intermediários devido aos avanços tecnológicos e a tendência de polarização dos postos de trabalhos restantes, divididos entre empregos qualificados com alto grau de intelectualização e empregos precários e parciais.

Isso atinge diretamente as formas de representação do trabalho. Por causa disso, o sindicalismo, espaço por excelência de representação de interesses, se vê às voltas com uma alteração significativa em sua perspectiva de atuação. Essa situação acabou por descortinar a sua fragilidade gerencial, às voltas com crises administrativas nem sempre contornáveis. O sindicato é também um espaço organizacional, com papéis e atribuições típicas de uma empresa nos moldes capitalistas. Certamente os objetivos são diferentes, mas a similaridade orgânica, bem como o gerenciamento sistemático do indivíduo e das ações joga luz sobre o papel do dirigente sindical e suas atribuições.

No seu bojo, a identificação do dirigente sindical com um duplo papel de gestor organizacional e representante de categoria profissional permite analisar o sindicato sob a ótica interna, de seu funcionamento e dinâmica, e externa, no que se refere às práticas políticas adotadas. É dentro dessa perspectiva que este artigo discute o dirigente sindical e seu papel em uma estrutura organizativa com características semelhantes àquelas existentes no locus capitalista. O espaço de gestão sindical é visto a partir de sindicatos de trabalhadores da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

II. Aspectos Teóricos

As alterações que atingiram a sociedade contemporânea tornaram visível o

esvaziamento da perspectiva que privilegia as chamadas ideologias coletivas. A derrocada do

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chamado socialismo de caserna1 e a agudização de conflitos distributivos foram a contrapartida da alteração no padrão produtivo, com a incorporação maciça de novas tecnologias produtivas e gerenciais e o conseqüente redesenho organizacional.

A força desse processo encontra ressonância na reformulação atual das empresas frente ao novo arranjo produtivo e institucional que se configura. É no bojo desse contexto de crise que são identificadas alternativas de reorganização produtiva2. Calcadas na incorporação de novas tecnologias organizacionais, destacam-se características que ganham ênfase no contexto de globalização dos mercados e acirramento da competitividade.

Com efeito, a postura empresarial ajudou a desnudar as dificuldades enfrentadas pelos sindicatos para fazer frente a esse quadro, que ficaram patentes no campo político e administrativo. A crise de representação de interesses, que surge no bojo de um amplo processo de reorganização, atingiu os sindicatos de maneira intensa. Prensados pelo esvaziamento sistemático de sua base de sustentação, através da redução do número de sindicalizados3, o sindicato, como qualquer organização inserida no contexto capitalista, também sentiu os efeitos das alterações que atingem as organizações em sua forma de atuação.

Visível no campo de sua atuação política, esse impacto encontra ressonância nas próprias práticas de gestão sindical, pois o sindicato necessita de práticas, instrumentos e mecanismos de gestão que permitam seu funcionamento dentro de parâmetros de racionalidade. É no interior dessa concepção que torna-se indispensável o entendimento da dimensão gerencial, parte indissociável do aparato administrativo. Por essa perspectiva, a complexidade e multiplicidade de atribuições que compõem o escopo gerencial ganha uma nova dimensão quando se pensa no espaço sindical.

A gestão colocou o dirigente sindical como responsável direto pelo funcionamento do aparato administrativo. Embora tal relação possa parecer explícita em qualquer organização, no que se refere aos sindicatos ela mostra-se mais complexa pelo fato do dirigente ser um representante dos trabalhadores. Essa situação, que aproxima e distancia dirigentes sindicais e diretores de empresas, nem sempre é reconhecida pelos sindicalistas. Pelo fato de se considerar representante dos trabalhadores, a não aceitação da posição gerencial acaba reduzindo a importância das atribuições administrativas.

Para os dirigentes sindicais, reconhecer o papel de gestor significaria reconhecer uma posição privilegiada na relação entre empregado e empregador no interior da organização sindical. A análise de seu duplo papel à frente das organizações sindicais pressupõe a compreensão da dinâmica interna dessas organizações e de que forma se insere no contexto sindical dos últimos anos. Dentro dessa perspectiva insere-se o foco central deste trabalho,

1 expressão utilizada por Kurz (1992) para identificar os países do leste europeu. Esse autor sustenta que o sentido da vitória do mundo ocidental, antes de confirmar a hegemonia do mercado, expõe sua fragilidade frente às dificuldades encontradas seja nos países avançados, seja nos países em desenvolvimento do terceiro mundo. 2 Humphrey (1989) chama a atenção para o abandono da produção em larga escala e a opção por uma produção diferenciada. Womack et alli (1992) tratam do surgimento da chamada produção enxuta, desenvolvida pelos japoneses. Este, aliás, é um dos aspectos importantes do modelo japonês de gestão e Marx (1998), ao analisar o trabalho em grupo na década de 90, observa que os resultados alcançados por empresas automobilísticas japonesas nos anos 80 são um importante fator que levou ao seu fortalecimento. 3 segundo Antunes (1997) as últimas décadas evidenciaram queda nas taxas de sindicalização em países como Estados Unidos, Japão, França, Itália, Alemanha, Holanda, Suíça, Reino Unido, dentre outros. Williams (1997) observa que desde 1979, por exemplo, a Inglaterra teve uma substancial redução no número de sindicalizados, caindo de aproximadamente 13 milhões em 1979 para perto de 5 milhões em 1997. Kochan (1988) também identifica isso para os Estados Unidos, chamando a atenção de que em 1986 os sindicatos representavam 20% dos empregados enquanto na década de 50 chegava a 35% esse percentual. No caso italiano Giovannini (1989) destaca que no final dos anos oitenta a crise do sindicato é um acontecimento crucial em um país que sempre se caracterizou pela ampla e forte presença das organizações de representação dos trabalhadores.

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que é a figura do dirigente sindical e seu papel de gestor de uma estrutura organizacional com semelhanças às demais existentes no contexto capitalista e com peculiaridades típicas de um movimento social organizado. III. Aspectos Metodológicos

Os procedimentos metodológicos da pesquisa foram os seguintes: em um primeiro momento, observou-se a concentração sindical no Estado de Minas Gerais e na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH); em um segundo momento, definiu-se o grupo de sindicatos dentre aqueles localizados na RMBH que seria objeto de levantamento; na seqüência, foi feito o mapeamento para caracterização desses sindicatos, no sentido de escolher os trinta mais representativos que seriam objeto do levantamento junto aos dirigentes; selecionados os 30 sindicatos, em função de critérios delimitadores e de representatividade, foram aplicados questionários junto aos diretores deste sindicatos selecionados para posterior escolha daqueles que fizeram parte do conjunto de 60 dirigentes entrevistados.

Na RMBH concentram-se 217 sindicatos conforme levantamento efetuado pela Secretaria de Estado do Trabalho de Minas Gerais (1993). Foram considerados na análise somente sindicatos de trabalhadores, o que significou a exclusão de 87 (40,1%), restando um contingente de 130 sindicatos ou 59,9% deste total4. A esse conjunto de 130 sindicatos foram acrescidos mais três sindicatos localizados posteriormente, compondo o grupo de 133 sindicatos.

Em cada um deles foi feito um trabalho preliminar que envolveu a aplicação de questionário em cada um abordando as seguintes questões: abrangência do sindicato, região de maior concentração da base do sindicato, região de maior concentração dos filiados do sindicato, categoria(s) representada(s), número de empresas na base, número de empresas que atinge, principais empresas atingidas, filiação à central sindical, número de filiados, número de empregados do sindicato, número de diretores do sindicato, estrutura organizativa do sindicato, distribuição dos empregados do sindicato quanto às suas atividades no interior do sindicato. IV. Resultados Encontrados

Do total de 133 sindicatos, foram localizados 125 sindicatos (93,98% do total) e 08 sindicatos não foram encontrados (6,02%). Desse número de 125 sindicatos, 90,4% responderam os questionários de mapeamento, conforme Quadro 1 a seguir:

Quadro 1 - Sindicatos Respondentes – Quantidade e Percentual Questionários Respondidos

Questionários não Respondidos

Federação Desativados Total

113 7 1 4 125 90,4% 5,6% 0,8% 3,2% 100%

Fonte: a partir de levantamento junto aos Sindicatos

4 Em 1994, o Governo do Estado de Minas Gerais, através da Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social, ratificou que na Região Metropolitana de Belo Horizonte estavam concentrados 130 sindicatos, assim distribuídos: Belo Horizonte, 93 sindicatos (63 assalariados urbanos, 13 trabalhadores autônomos e 17 profissionais liberais) e restante da Região 37 sindicatos (29 de assalariados urbanos e 08 de assalariados rurais).

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Após o mapeamento dos 113 sindicatos, foi possível identificar o conjunto utilizado como referência na escolha dos dirigentes para entrevistas. Essa identificação levou em consideração a representatividade dos mesmo nesse conjunto. Por causa disso, foram selecionados os seguintes sindicatos, conforme quadro 2 a seguir.

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Quadro 2 – Sindicatos Selecionados

Sindicato Abrangência Nº de empresas na

base

Nº de empresas atingidas

Filiação à Central

Base Exata

Base Estimada Nº de filiados

Nº de empregados

Nº de diretores

Nº de diretores liberados

Hoteleiro BH 29.000 - Não - 35.000 2.000 21 12 3 Bancários RMBH + 152 Cidades 85 85 CUT - 30.000 14.346 86 50 35 Costureiras RMBH 1.650 950 CGT - 8.000 3.500 29 33 4 Professores MG 2.800 2.667 CUT - 35.000 26.497 60 72 32 Sindibel BH 5 5 CUT - 35.000 5.600 16 31 12 Aux. Adm. Escolar MG 3.500 2.500 CUT - 25.000 11.799 20 36 8 Ferroviários MG/DF/GO/SP/RJ 1 1 Não - 70.000 20.000 45 84 9 Sinttel MG 3 3 CUT - 10.000 9.000 42 72 10 Transp. Rodoviário

RMBH 200 - Não - 80.000 8.000 76 102 18

Seguros MG 200 120 CUT - 5.000 1.500 17 30 6 Contabilistas BH 200 - Não - 18.000 1.200 16 14 6 Conservação RMBH 20.000 8.500 Não - 22.000 5.000 36 6 3 Comerciários RMBH 27.000 27.000 Não - 100.000 7.000 150 46 15 Sindieletro MG 1 1 CUT 15.600 13.000 9.800 46 102 13 Sindute MG - - CUT - 200.000 55.000 30 54 8 Sintsprev MG 2 2 CUT - 15.000 9.183 15 17 3 Taxistas MG - - Não - 60.000 6.500 35 6 Construção BH e outros 4.700 4.700 Não - 110.000 5.000 70 122 11 Engenheiros MG - 600 CUT - 50.000 10.500 24 39 3 Serjusmig MG 292 292 Não - 10.500 8.500 19 23 3 Farmacêuticos MG 890 - Não - 10.000 1.000 37 18 2 Sintappi MG 5.000 400 CUT - 5.000 1.600 20 12 2 Sindágua MG 1 1 Não - 9.200 7.000 17 46 6 Tecelagem

RMBH 89 62 Força Sindical

- 3.900 1.800 42 38 7

Ind. Metarlúrgicas de Betim

Betim e Região 210 - CUT - 30.500 4.800 39 40 12

Transp. Contagem Contagem 590 442 Não - 26.000 5.000 15 36 8 Metalúrgicos de BH BH/Contagem 4.100 580 CUT - 35.000 9.000 73 44 23 Químicos de BH MG 980 490 CUT - 16.000 2.000 16 28 3 Trab. Rurais de Esmeraldas

Esmeraldas 1.500 600 Não - 7.000 600 46 6 1

Mineiros de Nova Lima Nova Lima 4 4 CUT - 1.300 800 29 21 4 Total 103.003 50.005 15.600 1.075.400 273.525 1.187 1.234 276 Fonte: a partir de levantamento feito pelo autor

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Esses sindicatos apresentam a seguinte representatividade quando comparados ao conjunto de 113 sindicatos, conforme Quadro 3 a seguir.

Quadro 3 – 30 Sindicatos selecionados - Representatividade Sindicatos Número

Empresas Base

Número Empresas Atingidas

Base Estimada

Número Filiados

Número Empregados

Número Diretores

Diretores Liberados

30 103.003 50.005 1.075.400 273.525 1.187 1.234 276 113 167.767 67.050 1.658.140 432.773 1.516 2.686 415

% (30/113) 61,39 74,57 64,85 63,20 78,29 45,94 66,50 Fonte: a partir de levantamento junto aos Sindicatos

Pelos dados, fica nítida a representatividade do conjunto de sindicatos escolhidos,

sendo possível a realização da segunda parte da pesquisa. Nesse sentido, através de aplicação de questionários junto aos diretores liberados dos sindicatos escolhidos, escolheram-se os 60 dirigentes submetidos a entrevistas, realizadas na terceira parte deste levantamento.

IV.1. Os Dirigentes Entrevistados: Escolha no Conjunto de 30 Sindicatos

Após a definição do conjunto dos 30 sindicatos com maior representatividade dentre aqueles localizados na região metropolitana de Belo Horizonte, a escolha dos dirigentes para realização de entrevistas semi-estruturadas definiu inicialmente o grupo de dirigentes liberados como sendo aquele de interesse maior.

Essa opção se deu pela maior participação desse grupo de dirigentes nos aspectos cotidianos dos sindicatos, tendo em vista sua permanência no espaço físico e nas decisões mais prementes. Essa situação não se repete para os demais dirigentes, restritos a uma atuação na(s) empresa(s) que atua(m) e, portanto, mais distantes do “desenrolar” administrativo do sindicato em seu dia-a-dia.

Sendo assim, do total de 415 diretores liberados entre todos os sindicatos, os 276 dirigentes, correspondentes ao conjunto de 30 sindicatos (66,50%) formaram o conjunto definido para análise nesta etapa da pesquisa, que constou de procedimentos próprios no sentido de selecionar um conjunto representativo para realização de entrevistas semi-estruturadas.

Foram aplicados 276 questionários, sendo que 176 (ou 63,77% do total) foram respondidos. foram selecionados, dentre estes dirigentes que responderam ao questionário, 60 (34,1%) a partir da representatividade dentre os aspectos relacionados no levantamento feito. Assim sendo, foram considerados na escolha: sexo, escolaridade, idade, tempo de diretoria e atividades desempenhadas. Esta classificação permitiu que dirigentes de vinte e seis sindicatos5 fossem selecionados, totalizando o conjunto de 60 entrevistas. V. As Entrevistas com os Dirigentes Sindicais

As entrevistas realizadas com os dirigentes sindicais selecionados foram feitas a partir de um roteiro semi-estruturado (em anexo) contendo questões que abrangeram quatro grandes blocos: o dirigente sindical, identificando suas características e percepções frente ao contexto sindical e à gestão; a estrutura organizacional do sindicato, os mecanismos de

5 Bancários, Mineiros, Ferroviários, Metalúrgicos, Construção, Sindágua, Servidores Públicos, Farmacêuticos, Servidores da Justiça, Administração Escolar, Sindibel, Transporte Rodoviário, Comerciários, Professores, Telecomunicações, Securitários, Trabalhadores Rurais, Engenheiros, Contabilistas, Conservadoras, Química, Eletricitários, Educação, Taxistas, Previdência e Confecções

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gestão utilizados no cotidiano sindical e aspectos gerais do ambiente externo que agem sobre o gerenciamento do sindicato.

V.1. O Dirigente Sindical: Características e Atuação

Neste bloco, as questões trataram da trajetória do dirigente e o que o levou ao sindicato, suas atividades principais, o que é necessário para ser dirigente sindical, a sua posição simultânea de patrão e empregado, sua atuação enquanto dirigente sindical e sua continuidade ou não no sindicato.

De um modo geral, a entrada no movimento sindical aconteceu em momentos distintos para o conjunto de dirigentes entrevistados, e se deu através da participação em assembléias e reuniões onde os mesmos passaram a ser destacar em função de suas características de liderança e enfrentamento ao sistema político e econômico vigente e às ações empresariais.

Aspectos relacionados às características pessoais são identificados como de maior ênfase. São eles: ser um líder, ser desinibido, ter compromisso, conhecer os aspectos políticos, sociais e econômicos que envolvem a sociedade, ser desprendido e abnegado e possuir bom relacionamento interpessoal:

“(...) não precisa ser formado e nem ter estudado, precisa apenas ter vontade política e coragem.” (relato de dirigente)

Nesse item, é importante observar que a visão do dirigente sindical enquanto um

indivíduo com capacidade de suportar os momentos difíceis de pressão por parte da situação política, aliado a um certo “desprendimento”, fazem com que ele seja capaz de conduzir as reivindicações da categoria a qual representam. Some-se a isso o interesse manifesto pelas “causas” sociais e pela cena política, permitindo inclusive a ampliação da conscientização em relação aos problemas da sociedade. Os dirigentes sindicais consideram como necessidade primordial para alcançar a posição que ocupam pertencer à categoria e ser associado ao sindicato num tempo mínimo:

“Basta ser membro da categoria (...) vontade de exercer uma atividade num âmbito mais geral (...) converter isso em prol da categoria dos trabalhadores.” (relato de dirigente)

Esse conjunto de aspectos delineiam atributos fundamentais para o exercício da

atividade sindical, ou seja, é importante um vínculo ao contexto social através da conscientização das demandas existentes, características pessoais de liderança e capacidade de representar os interesses da categoria. A função exercida pelos dirigentes sindicais acaba criando para os mesmos alguns embaraços quanto à sua postura, tendo em vista a ambigüidade existente. Esse aspecto pode ser explicado por se tornarem patrões mantendo a situação de empregado. Isso traz inúmeras contradições e dificuldades no exercício das atividades de dirigente:

“O diretor como administrador tem duas funções (...) às vezes ele se envolve muito com um trabalho e não faz o outro”. (relato de dirigente)

Com essa situação, as entrevistas identificaram que a posição de “companheiro” tende

a prevalecer:

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“Olhando dentro da ótica de uma empresa, eu me considero mais patrão sem, contudo, esquecer o lado do companheirismo e da solidariedade para com os funcionários.”(relato de dirigente)

Isso ganha um reforço adicional quando observa-se o tipo de relação desenvolvida

entre os dirigentes e os empregados que atuam nos sindicatos, ou seja, em função do tamanho da estrutura do sindicato, acaba ocorrendo uma aproximação das pessoas, tornando esta relação mais informal. Entretanto, o dirigente vive a ambigüidade, pois “incorpora” seu papel de gestor:

“(...) depende do conceito de patrão (...) é aquele que está explorando o outro, que a outra pessoa dá lucro, existe um conflito aberto, aqui eu não me sinto assim. O que eu sinto é que nós temos responsabilidades diferentes (...), nós somos iguais, as atribuições e responsabilidades são diferentes, eu tenho autoridade que não posso abrir mão dela, de fazer as coisas funcionarem (...) tem que cobrar produção, tem que chamar atenção, tem que fazer avaliação de desempenho. Isso não é ser patrão, é cobrar a contrapartida de um contrato. Por isso me sinto companheiro, porque somos iguais do ponto de vista do respeito, mas (...) existem regras a serem cumpridas.” (relato de dirigente)

A dicotomia vivida pelos dirigentes serve como agudizador de contradições e conflitos

no gerenciamento do sindicato, pois, se de um lado o empregado espera uma postura menos patronal por parte do dirigente, por outro o dirigente não consegue se distanciar e assumir uma posição isenta e “profissional”:

“(...) eu sou muito aberto para qualquer tipo de discussão (...). Mas nesse tipo de discussão sempre aflora a questão de patrão e empregado” (relato de dirigente)

Além dessa dificuldade que permeia a dificuldade de gerenciamento, a atuação do

dirigente sindical ainda é dificultada por aspectos administrativos, devido a falta de formação gerencial. É importante ressaltar que, dos 176 diretores submetidos ao mapeamento inicial que indicou aqueles entrevistados posteriormente, 90 (ou 51,13%) não fizeram nenhum curso de aperfeiçoamento para exercício da atividade gerencial.

Essa situação quase “ambígua” é reforçada quando observa-se a importância desse conhecimento gerencial. Os conhecimentos relacionados à administração referem-se basicamente a finanças e pessoal, apesar de considerarem também os conhecimentos gerais de administração importantes. O aprendizado de administração na prática é mais valorizado e alguns sindicatos acreditam que a administração deve ficar nas mãos de assessores qualificados:

“Se não temos um conhecimento mínimo administrativo (...) a gente acaba não conseguindo responder aos problemas políticos” (relato de dirigente)

Essa situação acaba gerando dificuldades em lidar com as questões que envolvem o gerenciamento administrativo, atrapalhando a implementação de projetos mais amplos. Some-se a isso a falta de planejamento do tempo necessário para execução das tarefas, trazendo insegurança e insatisfação em relação ao trabalho realizado. Esse aspecto ganha um reforço adicional quando observa-se que grande parte das situações que o dirigente enfrenta

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estão relacionadas ao cotidiano, demonstrando um desequilíbrio na condução do dia-a-dia do sindicato.

De um modo geral, mesmo com as dificuldades existentes, os dirigentes consideram que sua atuação é boa, mas com limitações que se agravam pela falta de repostas em relação à crise política, social e econômica do país e pelas questões ditas “burocráticas” que atrapalham os ideais políticos. Junte-se a isso o tempo de dedicação ao sindicato. Mesmo considerando a situação de diretores liberados, o tempo varia em função da situação do sindicato, do trabalho proposto e das necessidades da categoria. Ou seja, o tempo disponível, considerado curto, gera dificuldades:

“(...) me vejo aí num tempo relativamente curto (...) para representar os nossos iguais, isso carece as vezes de uma vivência um pouco mais profunda dentro desse movimento sindical (...)” (relato de dirigente)

Em função disso, os dirigentes consideram que duas gestões ou dois mandatos seriam

necessários para implantação do plano de trabalho. É importante ressaltar que isso acaba favorecendo um “envelhecimento” do quadro dirigente, na medida em que esta permanência pode levar a uma baixa oxigenação do movimento.

V.2. A Estrutura Organizacional e o Gerenciamento dos Sindicatos

Neste bloco, aspectos ligados à estrutura administrativa dos sindicatos e sua

articulação ao gerenciamento são discutidos e sinalizam para sua importância, tanto no âmbito da vantagem que pode apresentar quanto nas amarras e/ou desvantagens geradas. Para um grupo significativo de sindicatos, a administração é de fundamental importância, pois é através dela que os recursos são alocados para o atendimento do objetivo final do sindicato, ou seja, sua ação no campo político:

“A administração é fundamental porque você está mexendo com um dinheiro que não é seu. (...) Você está administrando um dinheiro que é público.” (relato de dirigente) “A importância da administração é porque você tem um patrimônio, tem o dinheiro (...) agir de acordo com os interesses da categoria” (relato de dirigente)

De maneira distinta, alguns sindicatos minimizam a atividade administrativa, que

funcionaria mais como complemento às ações no campo político. Mesmo com essa contraposição, é unânime a importância de se poder planejar, controlar, prever objetivos e fazer orçamentos, além da possibilidade de melhoria da organização interna. Isso, inclusive como reflexo junto à própria categoria:

“(...) transferir credibilidade para a categoria (...). A administração é justamente para equilibrar e melhorar a função e a organização interna.” (relato de dirigente)

Aqui, fica reforçada a necessidade do preparo para o desempenho de funções gerenciais, traduzida pela importância da profissionalização da estrutura administrativa, adequando pessoas aos cargos e conseqüentemente liberando os dirigentes sindicais para o exercício da função política:

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“(...) seria bom um administrador para cuidar do sindicato e não participar de nenhuma corrente política.” (relato de dirigente)

Mas, a despeito desta importância que assume a estrutura e seu gerenciamento para o

corpo dirigente, são identificados problemas que dificultam a efetiva profissionalização do aparato sindical. O mais citado foi a falta de planejamento das ações a serem desenvolvidas pelos sindicatos. Outros problemas mencionados foram: dificuldade de obtenção de recursos financeiros face à redução do número de empregos formais, tendo como reflexo imediato a redução do número de filiações sindicais (escassez); falta de pessoal qualificado com percepção da importância da dimensão; conflitos com funcionários (patrão X empregado) e dentro da própria diretoria (desavenças políticas e ideológicas); e a conjuntura atual, de restruturação produtiva, impondo novas práticas políticas.

Frente a esse quadro, os sindicatos vêm adotando medidas de “contenção”, isto é, visando amenizar o quadro de crise. Para isso, tem sido tomadas medidas como informatização das atividades, remodelagem departamental, como supressão de áreas consideradas inadequadas e/ou sua fusão a outras, descentralização das atividades e redução da estrutura assistencial:

“(...) pagamos as dívidas, aumentamos o patrimônio, criamos departamentos (...) melhoramos a parte social. Não concordo com a estrutura assistencialista, isso custa dinheiro, (...) tem que ter aqui um mínimo possível de gente e jogar o resto na rua para mobilizar” (relato de dirigente) “(...) estamos tentando mudar e tivemos que fazer algumas demissões devido a diminuição da receita e ao próprio processo de reestruturação” (relato de dirigente)

V.3. Mecanismos de Gestão Sindical

Neste bloco, aspectos que operacionalizam o gerenciamento da estrutura e das

questões administrativas por parte dos dirigentes são discutidos à luz de sua posição enquanto gestores. Um primeiro aspecto é a diversidade de atividades e atribuições que permeiam o cotidiano do gerenciamento sindical: cuidar de pessoal, patrimônio, contabilidade, coordenação de planejamento estratégico, atividades políticas em geral, atendimento à associados, gerenciamento dos departamentos, são algumas destas atividades.

Como mecanismo facilitador do gerenciamento, o planejamento estratégico foi mencionado , sendo que ele é feito a partir do Planejamento Estratégico Situacional6, mas em sua maioria não existe nenhum plano formalizado, devido ao dinamismo e necessidade de mobilidade que a gestão deve ter:

“É difícil fazer um planejamento a médio e longo prazo. A gente procura trabalhar por etapas, dentro dos recursos que a entidade dispõe e dentro das necessidades que o trabalho do sindicato envolve(...)” (relato de dirigente)

6 Metodologia desenvolvida por MATUS (1989) e que genericamente consiste na “arte de ‘governar’ em situações de poder compartilhado” (p. 29)

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O tratamento dos dirigentes em relação aos empregados do sindicato é bastante paternalista prevalecendo sempre o informalismo, fazendo com que a gestão se torne pouco profissionalizada. São poucas as políticas de pessoal existentes, com falta de treinamento, desenvolvimento e requalificação de pessoal. Some-se a isso a tentativa de engajar os empregados do sindicato na atividade política do sindicato.A necessidade de mudanças administrativas nos sindicatos está relacionada com a maior capacitação e requalificação dos funcionários, busca de maior profissionalismo, obtenção de novas formas de receita, adquirindo autonomia, busca de maior agilidade e eficiência, e contratação de um administrador ou um assessor para cuidar da parte administrativa para que o dirigente se concentre na parte política.

A articulação política e administrativa é feita sem planejamento fazendo com que o discurso político não tenha base administrativa. Ou seja , há uma dissonância entre a prática política desenvolvida e o gerenciamento cotidiano da estrutura sindical.

V.4. Aspectos Gerais

Neste bloco, o ambiente macro surge como indicador da pouca ênfase dada à prática administrativa e gerenciamento efetuado pelos dirigentes. Normalmente, não há ações concretas que sirvam como balizadoras de ações e medidas que impactam a estrutura sindical.

Com efeito, o intercâmbio com outras entidades sindicais, como CUT, Escola Sindical, DIEESE, e em alguns casos com universidades e faculdades, é basicamente político e poucas vezes usado para melhoria administrativa.

Entretanto, os dirigentes de sindicatos tidos como mais estruturados consideram que o contexto sócio-político interfere diretamente no gerenciamento do sindicato, a partir do momento em que ocorre a redução do nível de emprego, levando a uma conseqüente redução do número de associados, redução da receita do sindicato, causando “estragos” na atividade política, com a diminuição da representatividade, acarretando, em última instância, uma crise política da direção do sindicato.

Por causa disso, os dirigentes observam que o sindicalismo deverá se adequar ao novo quadro, passando fundamentalmente pela dimensão social e não somente pelas reivindicações salariais. Na visão de dirigentes de sindicatos tidos como menos estruturados prevalece um pensamento de decadência do sindicalismo oriundo das políticas sócio-econômicas vigentes:

“(...) se acabar com o imposto sindical e assistencial, o sindicato enfraquece, com a diminuição do imposto, o sindicato tem que reduzir gastos.” (relato de dirigente)

VI. Análise dos Resultados: Comentários Gerais

A consolidação dos resultados encontrados demonstra que a gestão sindical apresenta particularidades que, ao mesmo tempo em que diferenciam o universo sindical da esfera produtiva, também permite uma aproximação, tendo em vista a essência da gestão se manter intacta. Em primeiro lugar, os dados levantados permitem uma categorização que sinaliza para a existência de dois grandes grupos de sindicatos, distintos quanto à preocupação e formalização das práticas gerenciais. Um primeiro grupo, que pode ser definido genericamente como de sindicatos estruturados, representa aproximadamente 20% do total, majoritariamente ligados à Central Única dos Trabalhadores. O restante dos sindicatos podem ser denominados sindicatos não estruturados. As características que identificam os dois grandes grupos estão descritas no quadro 4 a seguir.

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Quadro 4 - Comparativo Sindicatos Estruturados x Sindicatos não Estruturados ESTRUTURADOS NÃO ESTRUTURADOS

Estrutura administrativa bem definida com a existência formal de algumas políticas de pessoal

desorganização na estrutura administrativa com a ausência de políticas de pessoal (não formalização das políticas de pessoal)

ênfase não apenas na questão política, mas também, no aspecto administrativo como forma de fornecer o suporte para as ações políticas

ênfase apenas na questão política, dando pouca importância aos aspectos administrativos, considerados como prejudiciais ao funcionamento do sindicato

atendem às reivindicações da categoria de forma mais organizada

desorganização no que diz respeito ao atendimento das reivindicações da categoria

planejamento das ações políticas, conjuntamente com as ações administrativas

falta de planejamento tanto político quanto administrativo, com as ações realizadas “a toque de caixa”

divisão clara das tarefas de cada dirigente dentro do sindicato

divisão das tarefas pouco definida: o dirigente é aquele “que faz um pouco de tudo”

problemas são ocasionados tanto pelas deficiências internas quanto externas

problemas do sindicato são sempre encarados como oriundos do ambiente externo

maior facilidade para detectar as deficiências administrativas

dificuldade em perceber problemas administrativos

conhecimento da estrutura organizacional do sindicato

desinformação a respeito da estrutura existente no sindicato

consideram o funcionário do sindicato como companheiro, tratando com grande paternalismo, mas sabem que existem responsabilidades diferentes e entendem a contradição da relação

consideram o funcionário do sindicato como companheiro, tratando com grande paternalismo e a relação é bastante informal; chegam a sentir-se ofendidos com o questionamento

percepção da interferência do ambiente sócio-econômico dentro do sindicato como fator reestruturante, onde o sindicato terá que se adequar a nova realidade imposta

percepção do ambiente externo como algo determinante do fim do próprio sindicato, visão de “caos” e falta de perspectiva

buscam algum treinamento na área gerencial para suprir a falta deste conhecimento

o treinamento na área gerencial é pouco freqüente, devido a pouca importância dada à administração do sindicato

dirigente sindical ingressou no movimento juntamente com a ascensão do mesmo, o que corresponde ao final da década de 70 e início da década de 80

dirigente sindical ingressou no movimento mais recentemente, na década de 90

É importante observar que, mesmo dentro destes dois grupos, existem diferenças de

visão administrativa entre os sindicatos e divergências entre os próprios dirigentes de um mesmo sindicato.

Isto pode ser percebido através da diferença de estratégia de gestão administrativa utilizada por sindicatos mais estruturados. Alguns consideram que a solução para uma melhor gestão administrativa está na contratação de uma assessoria capacitada tecnicamente, com a conseqüente liberação dos diretores para a ação política; enquanto outros consideram que investir em treinamentos e cursos de gestão para seus dirigentes seria a melhor forma de acabar com as deficiências administrativas impactando positivamente a questão política.

Além disso, percebe-se também diferenças, no que diz respeito à visão político/administrativa, entre sindicatos de profissionais liberais e sindicatos de trabalhadores de empresas. Estas diferenças se relacionam com o tratamento dado pelos sindicatos de profissionais liberais às reivindicações da categoria. Ou seja, o sindicato funciona como uma entidade basicamente prestadora de serviços assistenciais, dando pouca ou nenhuma ênfase às questões políticas.

As características apontadas pelos dirigentes sindicais como necessárias para desempenhar essa função tem natureza pessoal e dão pouca ênfase na dimensão gerencial. Outro aspecto que merece destaque é a percepção de que a dificuldade de se gerenciar o

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sindicato está relacionada exclusivamente com a questão dos recursos financeiros, ficando em segundo plano o conjunto das questões de cunho administrativo.

Esse aspecto, aliás, está em consonância com o momento de dificuldades vivenciado pelos sindicatos no que se refere à situação financeira. A redução significativa nas taxas de sindicalização veio acompanhada pela queda na arrecadação de taxas sindicais, além da devolução do chamado imposto sindical por parte daqueles sindicatos que são contra sua manutenção. Esse quadro demonstra a ambigüidade existente, onde os dois tipos genéricos de sindicato “caminham em sentidos opostos mas convergentes”: tanto sindicatos estruturados como não estruturados buscam a ampliação de suas atividades assistencialistas como forma de satisfazer às reivindicações dos associados. Esse aspecto é emblemático da nova “filosofia” sindical: é imprescindível ampliar a base de sustentação, o que pressupõe um resgate de práticas tidas como anacrônicas por uns, mas pragmáticas por outros. A ausência de uma visão administrativa organizada afeta diretamente o gerenciamento do sindicato e, conseqüentemente, sua atividade fim, ou seja, sua ação política. A ação administrativa raramente é vinculada à questão política.

O perfil dos dirigentes sindicais está mais próximo de questões de natureza macro, o que os distancia das questões administrativas. Por atribuírem uma importância maior ao aspecto político, não conseguem incluir em seu espectro gerencial a execução e planejamento de ações. Esse desinteresse pelas questões administrativas levam os sindicatos a agir de forma imediatista, desorganizada, com funções pouco definidas e sem saber os anseios da categoria. É importante salientar que muito deste imediatismo é decorrente do mau planejamento (quando ele é existente), mesmo alguns dirigentes tendo participado de cursos e treinamentos de planejamento estratégico em sindicatos.

A estrutura administrativa é encarada como diretamente relacionada com os recursos financeiros, não existindo prioridades e agindo com muita informalidade. Essa postura gera um paradoxo de gestão: mudar em função da dinâmica financeira faz com que o sindicato deixe de cumprir o papel de representação passando a ser moldável pelas circunstâncias.

Este trabalho constatou que os dirigentes sindicais encontram inúmeras dificuldades para desenvolver sua atividade gerencial. Esse quadro de dificuldades, descrito pelo tripé perfil do dirigente sindical x mecanismos de gestão x estrutura organizativa dos sindicatos, serve como forte indicador da incompatibilidade do modelo adotado em um contexto de crise. Ou seja, os resultados encontrados corroboram as dificuldades vividas pelos sindicatos no que se refere ao seu dia-a-dia gerencial e, por que não dizer, político.

Os dirigentes apresentam dificuldades no campo administrativo, devido à falta de maior formação no campo gerencial. A dicotomia patrão-empregado traz inúmeras dificuldades no exercício da função gerencial. Neste aspecto, a posição de “companheiro” sempre prevalece à de patrão, devido à natureza ideologizada das relações e o formato organizativo dos sindicatos, proporcionando uma aproximação dos dirigentes à estrutura existente. A falta de planejamento das ações gerenciais e a conseqüente insegurança para execução das tarefas e a dificuldade em tratar de questões tidas como burocráticas mas relacionadas ao cotidiano gerencial também assumem relevância.

Constatou-se, também, a prevalência da informalidade gerencial, com pouca ênfase na profissionalização; a quase inexistência de política de pessoal, gerando ausência de treinamentos, desenvolvimento e requalificação profissional e plano de carreiras; prática administrativa desarticulada das ações no campo político; discrepância entre as atividades desempenhadas, reforçando a baixa capacitação gerencial do grupo gestor.

No que se refere à estrutura organizativa, constatou-se a insatisfação com o formato administrativo adotado e as rápidas alterações no plano estrutural dos sindicatos, que não vieram acompanhadas de profissionalização da mesma. De maneira conclusiva, os resultados

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encontrados demonstram nitidamente que a desarticulação das ações no campo administrativo influenciam a postura dos sindicatos frente ao quadro mais amplo. Isso significa dizer que a perda de espaço e representatividade tem como explicação possível a falta de maior profissionalização e vínculo de políticas internas às políticas externas, fragilizando o discurso e acentuando as deficiências.

O dirigente sindical apresenta um conjunto de características básicas que derrubam a dicotomia mais estruturados versus menos estruturados, permitindo identificar um conjunto comum de variáveis que são:

postura ambígua: dirigente e companheiro, patrão e empregado. pouca formação gerencial para atuar na condução dos assuntos sindicais grau de escolaridade formal acima dos padrões médios encontrados na sociedade

brasileira, com aproximadamente 1/5 dos dirigentes possuindo formação superior engajamento político como prerrogativa de atuação sindical, o que favorece a

minimização de aspectos formais na definição de seu perfil. VII. Considerações Finais

Após mapear e analisar os sindicatos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, concentrando-se nos 30 maiores em termos de representatividade, constatou-se que os dirigentes desses sindicatos encontram inúmeras dificuldades para desenvolver sua atividade gerencial. Alicerçado no tripé perfil do dirigente sindical x mecanismos de gestão x estrutura organizativa dos sindicatos, os resultados encontrados evidenciam as dificuldades vividas pelos sindicatos no seu dia-a-dia gerencial e político.

O sindicato, que se apresenta como representante de interesses da categoria, é também um espaço organizacional. O dirigente sindical, por sua vez, nesse contexto, assume uma dupla situação: gestor organizacional e representante de categoria profissional. Essa duplicidade vem acompanhada de um mix nem sempre coerente de aspectos que teoricamente deveriam estar associados a papéis de conotação racional, isto é, onde ao mesmo tempo seja visível a face profissional do gerenciamento e aspectos inerentes ao indivíduo que trilham o caminho comportamental.

Por causa disso, podem ser identificados como principais pontos que expressam o papel de dirigente e sua prática os seguintes aspectos: a “militância” política, isto é, um engajamento que é o reflexo de uma trajetória ideológica

e de uma posição política acerca de assuntos gerais e situações de uma dada categoria profissional;

a prevalência de características pessoais no gerenciamento (ênfase em qualidades como coragem, disposição e honestidade, dentre outros). Essas características tendem a ser mais valorizadas do que aquelas ligadas à formação gerencial clássica, normalmente entendida como necessária para reduzir a pessoalidade no trato de questões organizativas.

a postura dos dirigentes é de dificuldade no posicionamento “duplo” enquanto patrão e ao mesmo tempo “companheiro”. Isso acaba gerando atitudes e práticas que esbarram no paternalismo ou na inexistência de critérios de natureza técnica que regulamentem as atividades.

entendimento da gestão está diretamente associado a aspectos de natureza financeira, no que se refere à existência ou não de recursos. Essa visão descarta uma dimensão administrativa mais abrangente, multidisciplinar.

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a multiplicidade de atribuições que o dirigente sindical se vê obrigado a desempenhar, além da falta de sistematização das mesmas. Isso acaba proporcionando atenção acima da necessária a aspectos menores, comprometendo ações mais estruturadas.

Esses aspectos vêm acompanhados da visão restrita do sindicato como uma

organização que necessite de um gerenciamento com perfil profissional. Como não prevalece a percepção de que o sindicato precisa se organizar administrativamente para poder tornar mais efetivas as ações no campo político, isso acaba por reforçar a política de “apagar incêndios”. VIII. Bibliografia Alves, E. (org) Modernização produtiva e relações de trabalho – perspectivas de políticas públicas. Petrópolis: Vozes, 1997. Antunes, Ricardo Trabalho, reestruturação produtiva e algumas repercussões no sindicalismo brasileiro IN ANTUNES, R. (org) Neoliberalismo, trabalho e sindicatos. São Paulo: Boitempo, 1997 Giovannini, P. El sindicato en Italia: una crisis de representación ? España: Papers: Revista de Sociologia. 32 (1989) 11-36 Humphrey, J. Novas formas de organização do trabalho na indústria: suas implicações para o uso e controle da mão de obra no Brasil IN Seminário Internacional padrões tecnológicos e políticas de gestão: comparações internacionais. São Paulo: maio/agosto de 1989. Anais Kochan, T. The future of worker representation: na american perspective. Labour and Society, vol. 13, nº 2, april 1988. Kurz, R. O colapso da modernização. São Paulo: Paz e Terra, 1992. Marx, R. Trabalho em grupos e autonomia como instrumentos da competição. São Paulo: Atlas, 1998. Matus, C . Planificação, liberdade e conflito. Venezuela: Ministério da saúde e Assistência Social, 1989. (mimeo) Williams, S The nature of some recent trade union modernization policies in the UK. British Journal of Industrial Relations. 35:4 December 1997 pp. 495-514 Womack, J. et alli A máquina que mudou o mundo. São Paulo: Campus, 1992.