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Maria Ligia da Cunha Gomes PósGraduado em Direito Público latu sensu pela UGF, no Curso Tríade 1 O Direito Penal do Inimigo: e sua Possibilidade de Aplicação no Direito Penal e Processual Penal brasileiro. Maria Ligia da Cunha Gomes Advogada PósGraduado em Direito Público latu sensu pela UGF, no Curso Tríade Petrópolis - RJ RESUMO: Direito Penal do Inimigo. Teoria desenvolvida pelo Doutrinador germânico Günter Jakobs, catedrático emérito de Direito Penal e Filosofia do Direito na Universidade de Bonn, defende a divisão do direito penal em dois pólos, a depender das características pessoais de cada Réu. Em tempos de crimes bárbaros, de violência exacerbada e de uma falha total do programa de Segurança Pública dos Estados e da União; em tempos que a sociedade clama por um recrudescimento da legislação penal, tentando, com isso, uma diminuição da criminalidade, busca-se, com o presente trabalho, uma análise crítica do denominado Direito Penal do Inimigo e a possibilidade de sua aplicação prática em nossa legislação pátria. O DIREITO PENAL DO INIMIGO e sua possibilidade de aplicação no Direito Penal e Processual Penal Brasileiro Os primeiros relatos de um Direito Penal destinado aos inimigos datam do século XII, época em que se difundiu mais rapidamente a idéia do sabá – reunião noturna onde as bruxas se entregavam ao Demônio. Entretanto, foi apenas no ano de 1484 que o Papa Inocêncio VIII publicou a bula summis desinderantes affectibus, reconhecendo a suposta união das bruxas com o Demônio. Confirmada pelo Imperador Maximiliano I, foram designados os primeiros monges para exterminar tais “criaturas”. Em 1486 foi publicado o Malleus Melleficarum (O Martelo das Feiticeiras), um código atroz que, dividido em três partes, ensinava a reconhecer as bruxas, os malefícios por elas praticados e como julgar e condená-las. O número de vítimas ficou entre os 50 e 100 mil, sendo que a grande maioria foi julgada e morta entre os anos de 1550 e 1650. A partir de 1700 os julgamentos desapareceram por completo.

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Maria Ligia da Cunha Gomes

Pós‐Graduado em Direito Público latu sensu pela UGF, no Curso Tríade  

1

O Direito Penal do Inimigo: e sua Possibilidade de Aplicação

no Direito Penal e Processual Penal brasileiro.

Maria Ligia da Cunha Gomes

Advogada

Pós‐Graduado em Direito Público latu sensu pela UGF, no Curso Tríade  

Petrópolis - RJ

RESUMO:

Direito Penal do Inimigo. Teoria desenvolvida pelo Doutrinador germânico Günter Jakobs,

catedrático emérito de Direito Penal e Filosofia do Direito na Universidade de Bonn, defende

a divisão do direito penal em dois pólos, a depender das características pessoais de cada Réu.

Em tempos de crimes bárbaros, de violência exacerbada e de uma falha total do programa de

Segurança Pública dos Estados e da União; em tempos que a sociedade clama por um

recrudescimento da legislação penal, tentando, com isso, uma diminuição da criminalidade,

busca-se, com o presente trabalho, uma análise crítica do denominado Direito Penal do

Inimigo e a possibilidade de sua aplicação prática em nossa legislação pátria.

O DIREITO PENAL DO INIMIGO –

e sua possibilidade de aplicação no Direito Penal e Processual Penal Brasileiro

Os primeiros relatos de um Direito Penal destinado aos inimigos datam do século

XII, época em que se difundiu mais rapidamente a idéia do sabá – reunião noturna onde as

bruxas se entregavam ao Demônio. Entretanto, foi apenas no ano de 1484 que o Papa

Inocêncio VIII publicou a bula summis desinderantes affectibus, reconhecendo a suposta

união das bruxas com o Demônio. Confirmada pelo Imperador Maximiliano I, foram

designados os primeiros monges para exterminar tais “criaturas”.

Em 1486 foi publicado o Malleus Melleficarum (O Martelo das Feiticeiras), um

código atroz que, dividido em três partes, ensinava a reconhecer as bruxas, os malefícios por

elas praticados e como julgar e condená-las. O número de vítimas ficou entre os 50 e 100 mil,

sendo que a grande maioria foi julgada e morta entre os anos de 1550 e 1650. A partir de 1700

os julgamentos desapareceram por completo.

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O Filósofo inglês Thomas Hobbes, defendeu, em 1651, a idéia de que o inimigo é

o indivíduo que rompe com a sociedade civil e volta a viver no estado de natureza, definindo

como estado de natureza a liberdade total do homem de usar seu poder (força) da maneira que

achar melhor, para proteger seus direitos1.

Para Hobbes o direito reduz-se à força, entretanto, essa força se distingue em dois

momentos da história: o estado natural e o estado político. No estado natural cada um tem

tanto direito quanto tem força, assim, todos conservam seus direitos á força, sabendo que, se o

direito de um se opuser ao direito de outro mais forte, certamente o perderá.

Já no estado político, o homem se submete, por vontade (concorda), a uma vida

em sociedade, e por isso, às regras impostas para a convivência dentro daquele ‘contrato

social’. Assim, os homens se uniram entre si em cidades, renunciando alguns de seus direitos

em prol do coletivo e do Estado tornando-se cidadãos. Em vista disso, as leis civis possuem

como destinatários os cidadãos já que os inimigos não estão a elas sujeitos, pois renegam a

autoridade do Estado constituído, podendo assim receber os castigos que os representantes do

Estado acharem convenientes.

Em 1762, o filósofo francês Jean-Jaques Rousseau defendia que qualquer malfeitor

que ataque o direito social deixa de pertencer ao Estado, uma vez que se encontra em guerra

com este. Assim, “ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo do que como cidadão”2.

Immanuel Kant, filósofo prussiano, em 1795, afirma que o estado de natureza do

homem é o estado de guerra e que só é possível alcançar a paz através do estado civil. No

estado de natureza há uma ameaça mútua entre os homens, sem que suas hostilidades sejam

necessariamente reveladas, colocando, assim, em risco a segurança de todos os demais. Ao

ingressar no estado civil, há a garantia de não hostilidade pelos homens3.

De acordo com a doutrina de Kant, se um homem considera o outro como seu inimigo

por este não lhe garantir segurança, por não participar do estado civil comum, pode tornar-se

uma ameaça perpétua. Assim, se um homem permanece em seu estado de natureza, torna-se,

automaticamente um inimigo, sendo, portanto, legítima qualquer hostilidade contra ele, sem

que sequer tenha cometido delitos, pois o simples fato de não estar no estado civil é o

1 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. MONTEIRO, João Paulo e SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ed. Nova Cultural: São Paulo, 1997. p. 109 2 ROSSEAU. Jean-Jaques. Staat und Gesellschaft. Contrat Social, traduzido e comentado por Weigend, 1959, p. 33 (segundo livro, capítulo V). Apud JAKOBS, Günter e MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. Trad. CALLEGARI, André Luís e GIACOMOLLI, Nereu José. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005. p. 25. 3 KANT. Immanuel. A paz Perpétua. São Paulo:Brasil, 1936. p. 45/46.

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suficiente para ameaçar constantemente a paz. “Posso obrigá-lo, ou a entrar comigo em um

estado legal comum, ou mesmo a afastar-se do meu lado.”.

Johann Fichte, filósofo alemão, discípulo de Kant, entendia de modo similar que

aquele que abandona o ‘contrato cidadão’, seja voluntariamente ou por imprevisão, perde seus

direitos de cidadão e de ser humano, passando a viver em um “estado de ausência completa

de direitos”4, atenuando, entretanto, a morte civil mediante a construção de um contrato de

penitencia, salvo hipótese de homicídio premeditado, onde se mantém a privação de direitos

“ao condenado se declara que é uma coisa, um peço de gado.”. Prossegue ainda afirmando

que a falta de personalidade, a execução do criminoso não é uma pena, mas só um

instrumento de segurança.

No início do século XIX, o castigo passa a ser secreto e surgem as prisões, em

fenômenos típicos do autoritarismo punitivo, que se dividia em três sistemas: a) sistema penal

oficial: composto pelas leis, códigos e juízes; b)sistema penal paralelo: composto por

tribunais especiais como tribunais de exceção; c)sistema penal subterrâneo: que não está

reconhecido pela lei. Punia-se o ser e não o fazer. Como exemplo maior tem-se o holocausto.

Em 1985 foi divulgada por Günther Jakobs a teoria denominada Direito Penal do

Inimigo como resultado da adição de fatores da expansão do Direito Penal – O Direito Penal

Simbólico e o ressurgir do Punitivismo. Assim, defende Jakobs explicitamente o

desenvolvimento de um direito penal de aplicação diferenciada para todos aqueles que se

portarem como inimigos do Estado, afirmando, todavia que “não se trata de contrapor duas

esferas isoladas do Direito penal, mas de descrever dois pólos de um só mundo ou de

mostrar duas tendências opostas de um só contexto jurídico penal”5.

Inicia a exposição de sua teoria definindo “Direito”, in verbis: “Denomina-se ‘direito’

o vínculo entre pessoas que são titulares de direitos e deveres, ao passo que a relação com o

inimigo não se determina pelo direito, mas pela coação”6.

No que concerne à coação existente no Direito Penal, entende Jakobs que a esta possui

um significado, que é a resposta do fato como sendo ato praticado por uma pessoa racional.

Esse ato praticado significa uma desautorização da norma, um ataque a sua vigência e a pena

significa que a afirmação do autor, por mais que dotada de significado, não afeta a norma

4 FICHTE, Johann Gottlieb. Grundlage des Naturrechts nach den Prinzipeien der Wissenschafislebrel em: Sämtliche Werke, ed. a cargo de J.H. FICHTE, Zweite Abtheilung. A. Zur Rechts – und Sittenlehre, tomo I, s. f., p. 260. Apud JAKOBS, Günter e MELIÁ, Manuel Cancio. op.cit. p. 26. 5 JAKOBS, Günter e MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. Trad. CALLEGARI, André Luís e GIACOMOLLI, Nereu José. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005. p. 21. 6 Op. cit. p. 25.

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vigente, mantendo-se assim a configuração da sociedade. Nesse panorama, tanto o fato quanto

a pena são considerados “meios de interação simbólica”, sendo o autor pessoa capaz, pois se

incapaz fosse “não haveria necessidade de negar seu ato” Entretanto, a pena não só significa

algo, mas produz algo. Nesse ponto a coação deve ser efetiva, não se dirigindo contra a pessoa

“em Direito, mas contra o inimigo perigoso”, não contemplando, assim, somente o fato

realizado, mas, e principalmente, o futuro, evitando-se que a tendência a cometer crimes

graves prejudique toda a ordem social.

Em relação ao processo de aplicação da coação – processo penal – Jakobs aponta sua

aplicabilidade. Considera que o imputado, quando pessoa que participa, recebe a

denominação de “sujeito processual”7, possuindo direitos processuais. Por outro lado, face à

postura avessa à de sujeito processual, existem múltiplas formas de coação, em especial na

prisão preventiva, que não significa a culpabilidade do acusado, mas sim uma coação física.

“Essa coação não se dirige contra a pessoa em Direito (...) mas contra o indivíduo, que com

seus instintos e medos põe em perigo a tramitação ordenada do processo, isto é, se conduz,

nesta medida, como inimigo.”8.

Para Jakobs o mesmo princípio se aplica a qualquer medida de coação, como as

medidas de supervisão das quais o imputado nada sabe quando de sua execução, como as

interceptações telefônicas e outros tipos de investigações secretas: “o Estado elimina direitos

de modo juridicamente ordenado.”.

Assim, entende que o Estado pode ver o delinqüente de dois modos: como pessoas que

delinqüem, que tenham cometido um erro ou como indivíduos que possam vir a destruir com

sua conduta todo o ordenamento jurídico. Ressalva entretanto que ambas as perspectivas

possuem seu lugar legítimo em determinados âmbitos, ao mesmo tempo em que também

podem ser usadas em lugar equivocado. Afirma, ainda, que, em princípio, nem todo

delinqüente é um adversário do ordenamento jurídico.

Jésus-María Silva Sánchez apresenta suas considerações sobre a aplicabilidade do

direito penal do inimigo (denominado por ele Direito penal de Terceira Velocidade)

defendendo que tal direito deveria se basear na absoluta necessidade, subsidiariedade e

eficácia. Quando se trata de reações ajustadas ao ‘estritamente necessário’ para oferecer

resposta a altura de fenômenos excepcionalmente graves, sendo tal reação pautada pelo

princípio da proporcionalidade, não oferecendo assim perigo de ‘contaminação’ do

7 PAWLIK, GA 1998, p. 378 e ss., com amplas referencias. ROXIN, Claus. Strafverfabrensrecht. 25ª ed., 1998, § 18. Apud, JAKOBS, Günter e MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. p. 39. 8 JAKOBS, Günter e MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. p. 40.

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denominado Direito penal da normalidade “seria certamente o caso de admitir que, mesmo

considerando o Direito Penal da terceira velocidade um ‘mal’, este se configura como um

‘mal menor’”9. Entretanto, informa ainda que tal justificativa obriga, necessariamente, a uma

“revisão permanente e especialmente intensa da concorrência dos pressupostos de regulação

dessa índole”.

De acordo com os ensinamentos do mestre Miguel Reale, o Direito corresponde a três

aspectos básicos, que podem ser identificados em qualquer momento da vida jurídica: aspecto

normativo, que vislumbra o direito como o ordenamento e sua respectiva ciência; o aspecto

fático, onde o Direito é encarado em sua efetividade social e histórica e o aspecto axiológico,

onde o Direito é o valor de justiça10.

A partir da teoria tridimensional desenvolvida pelo emérito professor, temos que,

sempre que surja um novo comportamento humano ou que se exacerbe um comportamento de

forma recorrente (fato), natural que tal comportamento seja valorado, para se aprová-lo ou

reprová-lo (valor). Em sendo reprovado tal comportamento, surge dai a norma, que irá

tipificar aquele comportamento como crime ou majorar as sanções a este previstas.

O renomado doutrinador português José Canotilho, destacando o que denomina de

“cumplicidade” entre o Direito Constitucional e o Direito Penal ensina que não se pode

subestimar os custos processuais e penais do hipergarantismo. Está radicado na cultura

hipergarantista um processo drástico de “desvitimização”. É necessário que se dê prioridade à

tutela da vítima em relação à proteção dos criminosos; deve-se afirmar, como teleologia do

direito penal e do processual penal, a tutela de inocentes (“das vítimas inocentes”) e não do

imputado, presumidamente autor do fato. A condensação normativo-constitucional e

normativo-penal não é posta em causa, mas deve-se insistir na injustiça da absolutização dos

direitos do réu culpado que se traduzem na infravalorização da tutela primária da vítima.

Afirma ainda que o direito penal contra o inimigo tem testado com acerto suas

propostas constitucionais e penais e três setores – a legislação anti-terrorista, a criminalidade

organizada e a delinqüência sexual. “O inimigo nega-se a si próprio como pessoa e aniquila a

sua existência como cidadão, exclui-se de forma voluntária e permanente da sua comunidade

e do sistema jurídico que a regula”11. Neste caso o fim da pena deixa de ser a prevenção geral

9 SILVA SÁNCHEZ, Jésus-María. A Expansão do Direito Penal. Aspectos da Política Criminal nas Sociedades Pós-Industriais. Tradução de Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 150/151. 10 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 65/67. 11 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Justiça Constitucional e Justiça Penal. Artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº. 58. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 330/334.

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e passa a ser a repressão expiatória através da segregação e neutralização do autor do fato que,

pelo seu comportamento desestabilizou as expectativas compartilhadas pelos cidadãos,

colocando-se em guerra com o Estado e com a sociedade.

Manuel Cancio Meliá apresenta suas críticas à teoria do Direito Penal do Inimigo,

iniciando-se pelo nome utilizado por Jakobs para descrever sua teoria, argumentando que,

“Direito penal do cidadão é pleonasmo, e Direito penal do inimigo uma contradição em seus

termos”12.

Em relação ao conceito de Direito Penal do Inimigo, destaca Meliá que, o mesmo

constitui tão só a reação do ordenamento jurídico contra indivíduos perigosos, e que para

tanto a reação é desproporcional e não condiz com a realidade.

Meliá não aceita a teoria do Direito Penal do Inimigo como inevitável, entendendo,

ainda, ser a mesma inconstitucional, além de não ser efetiva na prevenção de crimes e na

garantia da segurança social. Em relação à hipótese Direito Penal do Inimigo fazer parte

conceitualmente do Direito Penal, informando que: “a) o Direito penal do inimigo não

estabiliza normas (prevenção geral positiva), mas denomina determinados grupos de

infratores; b) em conseqüência, o Direito penal do inimigo não é um Direito penal do fato,

mas do autor”13.

Crítica que se faz à Teoria do Direito Penal do Inimigo é quanto à afirmação de Jakobs

de que o inimigo é uma não-pessoa. Resta saber se os inimigos estariam identificados antes da

incidência do Direito Penal do Inimigo ou somente seriam classificados como tais após a

incidência do mesmo. Tem-se que a segunda hipótese seria a mais correta vez que, conforme,

afirma Jakobs, do contrário, estar-se-ia supondo que o Direito Penal do Inimigo pudesse ser

aplicado também aos cidadãos, pois como identificar, previamente, o cidadão do inimigo?14.

Crítica mais ferrenha às idéias de Jakobs vem de Eugenio Raúl Zaffaroni que, em

conferência enfatizou diversos aspectos sobre a sua inaplicabilidade, onde se destaca: “j) o

criminoso é um ser inferior, um animal selvagem, pouco evoluído; u) o direito penal na

atualidade é puro discurso, é promocional e emocional: fundamental sempre é projetar a dor

12 JAKOBS, Günter e MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. p. 54. 13 Idem, p. 75. 14 MARTÍN, Luis Gracia. Consideraciones críticas sobre el actualmente “Derecho Penal del enemigo”. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. 2005, n. 07-02. Disponível em: http://criminet.urg.es/recpc/07/recpc07-02.pdf .Acesso em 02/06/2006 às 22:50h, p. 27- 8.

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da vítima (especialmente nos canais de TV); aa) o direito penal tornou-se um produto de

mercado...”15.

Inspirado nas idéias de Zaffaroni, Luiz Flávio Gomes apresenta sua crítica à teoria do

Direito Penal do Inimigo afirmando que o Direito penal do Inimigo é claramente

inconstitucional, já que só é concebível “medidas excepcionais em tempos anormais (Estado

de Defesa e de Sítio)”16. Que a criminalidade rotulada como inimiga não põe em risco real o

Estado vigente nem suas instituições essenciais, apesar do apelo da mídia.

Por todo acima exposto, chega-se a conclusão de que é sim possível a aplicação do

Direito Penal do Inimigo, de forma a não violar a ordem Constitucional existente no País. Não

se duvida que alguma providência deve ser tomada, e que segurança é uma palavra que a

muito só se conhece o significado.

É essencial que se faça uma ponderação de valores entre os direitos e garantias

fundamentais dos acusados e condenados com os direitos e garantias de todo o resto da

sociedade.

Na atualidade todos questionam quando se fala em direitos humanos, isso porque na

visão popular, eles só são aplicados quando se trata de criminosos condenados. Não é raro ver

famílias de vítimas da violência urbana se perguntar onde as organizações que defendem os

seus direitos, quando muitas existem para cobrar os direitos dos delinqüentes que as

vitimizaram.

Os resultados práticos alcançados na Europa e nos Estados Unidos não podem ser

ignorados. Efetivamente, a aplicação de uma punição majorada para autores crimes como o

terrorismo, a criminalidade organizada e os crimes sexuais, fez com que diminuíssem as

ocorrências de tais delitos.

Não se pode olvidar que há sim indivíduos voltados ao crime de tal forma que sua

recuperação é impossível, restando apenas um meio para se evitar a ação desse indivíduo em

detrimento da sociedade.

Questão que deve ser considerada é a da produção legislativa nos tempos de crise.

Neste sentido se mostra totalmente acertada a observação de Ronald Dworkin, afirmando que

15 GOMES, Luiz Flávio. Reação de Zaffaroni ao direito penal do inimigo. Artigo extraído da internet. Disponível em http://ultimainstancia.uol.com.br/colunas/ler_noticia.php?idNoticia=6000. Acesso em 15/03/2006 as 1:40h 16 GOMES, Luiz Flávio. Críticas à Tese do Direito Penal do Inimigo. Artigo extraído da internet. Disponível em http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Artigo_Detalhar&did=15528. Acesso em 13/08/2006 as 14:00h

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o Governo não pode se deixar levar pela emoção, sob pena de se perder um bem de difícil

reparação17.

Assim, necessário se faz que toda a alteração legislativa – que se mostra imperiosa

para garantir sua eficácia – seja idealizada de forma serena e tenha seu tramite regular sem

qualquer intenção político-eleitoral, levando-se em consideração todos os bens a serem

protegidos e os direitos que poderão ser suprimidos em decorrência de tal proteção, realizando

um juízo de valor Constitucional e sem ter como foco a satisfação da mídia.

Por todo esse caos que se vive há anos no país, o Direito Penal do inimigo poderia sim

trazer uma maior pacificação social. Mas para que sua aplicação fosse válida e justa,

imprescindível uma reestruturação de todo o sistema de execução penal nacional, onde as

análises criminológicas teriam, além da obrigatoriedade, papel fundamental para a separação

do delinqüente comum, que tem toda a condição de retornar à sociedade do “inimigo”,

considerado irrecuperável.

BIBLIOGRAFIA:

– HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil.

Trad. MONTEIRO, João Paulo e SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ed. Nova Cultural: São

Paulo, 1997.

– KANT. Immanuel. A paz Perpétua. São Paulo:Brasil, 1936.

– JAKOBS, Günter e MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas.

Trad. CALLEGARI, André Luís e GIACOMOLLI, Nereu José. Porto Alegre: Livraria do

Advogado. 2005. – SILVA SÁNCHEZ, Jésus-María. A Expansão do Direito Penal. Aspectos da Política

Criminal nas Sociedades Pós-Industriais. Tradução de Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São

Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002.

– REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987.

– CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Justiça Constitucional e Justiça Penal. Artigo

publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 58. São Paulo: editora Revista dos

Tribunais, 2006.

17 “What we lose now, in our commitment to civil rigths and fair play, may be much harder later to regain” DWORKIN, Ronald: The Threat to Patrotism. The New York Review, 28 de fevereiro de 2002.