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GABRIELA GARCIA BATISTA LIMA O DIREITO COMO INSTRUMENTO PARA A GOVERNANÇA GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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GABRIELA GARCIA BATISTA LIMA

O DIREITO COMO INSTRUMENTO PARA A GOVERNANÇA GLOBAL

DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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GABRIELA GARCIA BATISTA LIMA

Doutoranda em Direito pelo UniCEUB, em cotutela com a Universidade de Aix-Marseille, França. Mestre e Bacharel em Direito pelo UniCEUB. Especialista em Direito

Internacional Ambiental pelo UNITAR-UNEP.

O DIREITO COMO INSTRUMENTO PARA A GOVERNANÇA GLOBAL DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

BrasíliaCentro Universitário de Brasília

2013

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LIMA, Gabriela Garcia Batista.O DIREITO COMO INSTRUMENTO PARA A GOVERNANÇA GLOBAL DO DESENVOLVI-

MENTO SUSTENTÁVEL: Análise do alcance da proteção sócio-ambiental em dois estudos de caso sobre a atuação do Brasil no comércio. Gabriela Gabriela Garcia Batista Lima. Brasília, 2012.

144 p.

ISBN XXXXX

Dissertação de Mestrado (Programa de Mestrado em Direito e Políticas Públicas) - Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2012.

1. Desenvolvimento Sustentável. 2. Ambiental.

CDD 340

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Agradeço ao Professor Marcelo Varella que pacientemente me orientou no curso deste trabalho.

Agradeço aos meus amigos, aos meus pais e irmãos pela parceria ao longo do trajeto.

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Dedico esse trabalho aos meus pais, José Batista Lima e Iozenita Garcia da Silva Lima. Por seu amor incondicional.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................9

CAPÍTULO I – O DIREITO COMO INSTRUMENTO PARA A GOVERNANÇA GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: uma compreensão para o estudo do alcance da proteção sócio-ambiental no comércio ............................... 12

1.1 Governança global do desenvolvimento sustentável: considerações quanto ao conceito .........................................................................................................................................13

1.1.1 O âmbito geral no qual se insere um estudo em termos de governança global . 131.1.2 Governança global: ações coletivas de cooperação face à questões de interde-pendência e globalização ....................................................................................................... 15

1.1.2.1 Interdependência: fundamento para a cooperação e ações coletivas ............ 151.1.2.2 Globalização e seus efeitos normativos ............................................................. 18

1.1.3 Algumas das possíveis abordagens de governança ................................................. 201.1.4 Considerações acerca do modelo ‘governança sem governo’, estudo útil para posterior compreensão da governança global do desenvolvimento sustentável .......... 23

1.1.4.1 Governança e os regimes internacionais ........................................................... 261.1.4.2 Governança e o direito ......................................................................................... 27

1.1.5 A governança global do desenvolvimento sustentável: uma perspectiva jurídica do direito como seu instrumento, no âmbito do comércio ............................................ 31

1.2 Do conceito de desenvolvimento sustentável pelo direito internacional e como parâ-metros para análise do alcance da proteção sócio-ambiental ............................................... 34

1.2.1 O conceito de desenvolvimento sustentável pelo direito internacional .............. 341.2.2 Do conceito de desenvolvimento sustentável como parâmetro de avaliação: uma perspectiva integradora ......................................................................................................... 38

CAPÍTULO II – A CONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁ-VEL VIA INSTITUIÇÃO DA GOVERNANÇA GLOBAL: o caso dos pneus refor-mados na OMC .......................................................................................................... 42

2.1 A OMC na governança global do desenvolvimento sustentável: legitimidade e eficácia ...........................................................................................................................................42

2.2 A OMC e a relação entre comércio, proteção de questões ambientais e saúde humana ..........................................................................................................................................46

2.2.1 Considerações quanto à diferença entre o regime comercial e ambiental ........... 462.2.2 A proteção do ambiente e da saúde na OMC: a aplicação do artigo XX do GATT 1994 ............................................................................................................................ 49

2.3 A controvérsia dos pneus reformados na OMC .............................................................. 522.3.1 Do resumo do contencioso no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC .. 52

2.3.1.1 Dos principais pontos até a decisão do Painel .................................................. 522.3.1.2 Do momento posterior ao Painel ....................................................................... 54

2.3.2 Elementos do contexto brasileiro que ensejaram a controvérsia na OMC ......... 562.3.2.1 As questões ambientais dos pneus inservíveis no Brasil ................................. 572.3.2.2 As medidas do governo brasileiro para a questão dos pneus inservíveis ..... 59

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2.3.2.3 A reação dos principais atores às políticas públicas ......................................... 672.3.2.4 Considerações acerca da construção do desenvolvimento sustentável no momento anterior e que permeou a controvérsia na OMC ........................................ 72

2.3.3 A interpretação do artigo XX pelo OSC .................................................................. 732.3.3.1 A apuração da necessidade .................................................................................. 732.3.3.2 A análise do caput do artigo XX do GATT 1994 ............................................ 762.3.3.3 Da efetividade do desenvolvimento sustentável pela interpretação do artigo XX do GATT/1994 .......................................................................................................... 82

2.3.4 Os reflexos da controvérsia da OMC no Brasil para a construção da sustentabi-lidade ....................................................................................................................................83

2.3.4.1 Da ADPF n. 101 ................................................................................................... 842.3.4.2 O processo de implementação de política comum de comércio de pneus usados no MERCOSUL ................................................................................................... 85

CAPÍTULO III - O CASO DO BIOETANOL BRASILEIRO NA CONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: a efetividade sócio-ambiental face ações públicas e privadas ........................................................................................... 87

3.1 Do cenário internacional: questões emergenciais e dificuldade de institucionalização global sobre o tema ..................................................................................................................... 88

3.1.1 As preocupações globais em torno dos biocombustíveis: segurança energética, questões ambientais, questões sociais e segurança alimentar .......................................... 88

3.1.1.1 A segurança energética: diversificação, universalização, produtividade e o etanol como vetor de desenvolvimento .......................................................................... 883.1.1.2 As principais questões ambientais e sociais envolvidas ................................... 933.1.1.3 A segurança alimentar envolvida ......................................................................... 97

3.1.2 Das dificuldades da institucionalização pública global acerca do tema ............... 99

3.2 Aspectos do bioetanol brasileiro: efetividade do desenvolvimento sustentável atrelada às ações estatais e privadas e sua projeção para o âmbito global ........................104

3.2.1 O mercado do etanol e sua eficiência energética, reflexos da interação entre atores públicos e privados ..................................................................................................1053.2.2 Eficácia nacional atual acerca da sustentabilidade do etanol brasileiro..............1093.2.3 A efetividade jurídica do desenvolvimento sustentável no contexto do etanol: exemplos de descentralização da tradicional tutela ambiental estatal para a esfera privada ..................................................................................................................................112

3.2.3.1 Do exemplo de descentralização por parceria público-privada ...................1133.2.3.2 A efetividade sócio-ambiental em vista da atuação do setor privado e dos seus esforços de internacionalização jurídica para o desenvolvimento sustentável global ..................................................................................................................................115

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 128

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 133

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INTRODUÇÃO

A pesquisa proposta insere-se no âmbito do direito como instrumento da governança global do desenvolvimento sustentável e busca avaliar empiricamente o alcance da proteção jurídica do meio ambiente e de temas diversos sociais, como clivagens do desenvolvimento sustentável, pela atuação do Brasil no comércio, haja vista dois estudos de caso: o caso dos pneus reformados, na OMC e o caso do etanol brasileiro e a busca por sua difusão comercial global.

Ao avaliar tal atuação, a pesquisa enquadra-se como análise do Brasil no âmbito da governança global do desenvolvimento sustentável, o que pode ser entendido ainda como forma de diagnóstico do Brasil na concretização da proteção sócio-ambiental. Ressalta-se que, por proteção sócio-ambiental, de modo geral, entendem-se as concretizações dos objetivos legais nos âmbitos sociais e ambientais junto ao campo econômico do desenvolvimento. São os diversos aspectos de desenvolvimento humano e manutenção da qualidade de vida, que na presente análise restringem-se à proteção da saúde humana e do meio ambiente, envolvidos em atividades que promovam o desenvolvimento econômico em sociedade. Ainda do ponto de vista do rigor conceitual, é importante explicar de maneira geral que, na relação entre o direito e o desenvolvimento sustentável, este é entendido pela sua normatização nos diversos âmbitos do direito internacional e sua interação com o direito interno. Sobre os elementos de proteção sócio-ambiental que serão analisados no campo da proteção da saúde e meio ambiente, ressalta-se que são melhor identificados a partir de cada caso, quando se identifica o que o direito pretende ver realizado.

Do ponto de vista jurídico, visa-se o aprimoramento do direito como instrumento para a governança global do desenvolvimento sustentável e, por conseguinte, para a proteção sócio-ambiental. Vale dizer: como objeto do direito, a proteção sócio-ambiental é atribuída tradicionalmente ao direito público e âmbito estatal, responsáveis pela manutenção da saúde e proteção do meio ambiente propriamente dito. Entretanto, esse ramo não parece ser suficiente para tal objetivo, e os instrumentos do direito privado mostram-se elementos-chave para o seu alcance, onde o âmbito público não alcança.

É importante explicar ainda que o estudo do direito como instrumento da governança global do desenvolvimento sustentável restringe-se para a relação entre comércio, meio ambiente e desenvolvimento, onde atuam conjuntamente Estados, empresas e organizações internacionais, entre outros entes que não serão abordados e cujas atuações refletem diretamente no cumprimento das normas pertinentes, inclusive as de proteção sócio-ambiental.

Ademais, a análise do Brasil na construção do desenvolvimento sustentável no comércio posiciona-se no estudo da interação entre direito internacional e nacional, na relação da dinâmica entre direito e relações internacionais, no cenário geral dos efeitos da globalização, tal como podem ser estudados a partir da segunda metade do século XX. Nesse contexto, optou-se focalizar a pesquisa no âmbito da governança global do desenvolvimento sustentável por ser capaz de contextualizar as movimentações dos atores em torno de um problema que se intenta resolver, uma vez que consiste em instrumento de investigação na relação entre direito e relações internacionais.

Com essas considerações, o estudo da atuação brasileira na atividade comercial pode envolver aspectos de governança global na medida em que a análise do cumprimento das normas ultrapassa o âmbito jurídico para estruturar e avaliar as interferências políticas, econômicas e sociais existentes que repercutiram no alcance da proteção sócio-ambiental. O

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exame restringe-se à atuação estatal e de algumas empresas privadas no que se refere aos efeitos nacionais e internacionais de suas ações e reações e no que diz respeito à preservação do meio ambiente, da saúde humana, promoção da qualidade de vida do ser humano e desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a análise detém-se majoritariamente à atuação no âmbito público do direito, interno e internacional, responsável pela implementação da proteção sócio-ambiental. Entretanto, permeia também a atuação de empresas privadas, com o objetivo de verificar os fatores de influência para a concretização ou não dos elementos de sustentabilidade.

Como a proteção sócio-ambiental vem sendo realizada pelo Brasil no comércio? Visa-se a resposta em cada caso em concreto, cujas indagações seguem-se para responder: as normas existentes – identificadas em cada caso – foram suficientes para a efetividade dessa proteção? Como as questões sócio-ambientais pertinentes eram levadas em consideração no plano da tomada de decisão, tanto para constituição, quanto para implementação da norma? Como se deu a movimentação dos atores envolvidos nos respectivos casos, responsáveis pela efetividade sócio-ambiental pertinente? Ainda a ser delineado em cada caso, quais os fatores que repercutiram e como influenciaram na concretização jurídica da proteção sócio ambiental?

Analisar o contexto em torno do cumprimento de uma norma ou, de forma mais ampla, em torno de ações articuladas para a resolução de uma questão sócio-ambiental apresenta-se, assim, como a busca pela realização da sustentabilidade, elementar ao estudo do direito como instrumento do desenvolvimento sustentável, tanto no plano normativo nacional, quanto global.

Uma série de variáveis podem elencar-se para aferir a relação entre comércio, direito e alcance do desenvolvimento sustentável, dentre as quais é que se destaca a avaliação da sua eficácia normativa, tendo em vista, então, a realização ou não da proteção sócio-ambiental pelas movimentações dos atores envolvidos no campo do direito público e privado, que podem ser encontradas na dinâmica da governança global do desenvolvimento sustentável, identificadas em cada caso. Ressalta-se que, para a avaliação da eficácia, analisa-se a efetividade pela influência das questões ambientais e sociais em torno da tomada de decisão em algum plano jurídico normativo e a conseqüente repercussão disso para a realização e, nesse sentido, o alcance dessa proteção. Identificar essas influências consiste em estudar a atuação dos principais atores envolvidos em cada um dos problemas.

Tem-se como principal forma de pesquisa o estudo de caso, sem que tire a relevância do estudo teórico realizado principalmente sobre governança global do desenvolvimento sustentável, responsável por subsidiar os estudos de caso que se sucederam. Assim, primeiro procurou-se entender tal modelo de governança e o direito como seu instrumento na busca pelo desenvolvimento sustentável, que também teve seu conceito verificado teorica e normativamente, de acordo com o direito internacional no comércio, momento no qual prevaleceu a pesquisa bibliográfica e normativa.

Em seguida, a avaliação da eficácia jurídica para determinado objetivo é, então, suscitada por meio do estudo de caso, por permitir a identificação de um problema sócio-ambiental que se apresenta na relação entre comércio, direito, desenvolvimento sustentável e a possibilidade de medir, então, se o direito resolveu o problema para o que se propôs resolver, limitada a avaliação para aquele caso concreto. Para o estudo dos casos, foram analisados principalmente os documentos envolvidos, notícias divulgando a realidade da proteção sócio-ambiental e entrevistas com representantes dos atores implicados. E também, buscou-se verificar a repercussão da maior ou menor importância das questões sócio-ambientais no comportamento dos atores responsáveis pela sua implementação e como isso refletiu em tal realização, quando isso foi possível - nas audiências assistidas no decorrer da pesquisa.

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Assim, a análise foi estruturada em três capítulos. Parte-se da análise geral sobre a governança global do desenvolvimento sustentável; demonstra-se o contexto e a abrangência conceitual, da qual se extraem considerações sobre governança sem governo, sua relação com regimes internacionais e o direito, a fim de permitir melhor entendimento sobre o molde escolhido para subsidiar a pesquisa, qual seja, governança global do desenvolvimento sustentável. Em seguida, relaciona-se o modelo com o conceito de desenvolvimento sustentável tal como delimitado pelo direito internacional, haja vista ser o parâmetro que se pretende ver concretizado ou não na avaliação da construção do desenvolvimento sustentável.

O segundo capítulo vislumbrou a construção do desenvolvimento sustentável no Brasil em face da influência de uma das instituições de governança global, a OMC, pela análise da controvérsia dos pneus reformados. Para essa avaliação, o estudo do caso permeia três principais momentos: o contexto brasileiro que ensejou a demanda, contrastando a capacidade institucional do Brasil em concretizar a proteção ambiental e da saúde humana na conjugação com interesses diversos; em segundo lugar, como o OSC interpretou o artigo XX do GATT/1994, haja vista ser o dispositivo para materializar essas exigências no âmbito conduzido pela organização; e, em um terceiro momento, analisam-se alguns reflexos do resultado do caso na construção da sustentabilidade no Brasil.

No terceiro capítulo, a configuração do modelo sustentável deu-se pela análise dos esforços públicos e privados, do âmbito nacional para o global, no cenário do etanol. Para tanto, primeiro a análise contextualizou as preocupações globais em torno do tema, assim como as dificuldades da consolidação de uma institucionalização global a respeito. Em seguida, descreveu a relação do cenário do etanol brasileiro com os aspectos de sustentabilidade e, finalmente, buscou-se delinear atuações públicas e privadas para sua efetividade.

Nesse sentido, compreende-se que os conceitos trabalhados no primeiro capítulo, quais sejam, a governança global do desenvolvimento sustentável, além da própria concepção adotada de desenvolvimento sustentável, visam subsidiar os estudos de caso que se seguem. Além disso, a relação entre os estudos de caso se dá na análise da atuação do Brasil na construção do desenvolvimento sustentável, haja vista a interação do direito internacional no direito nacional - perspectiva estruturada no segundo capítulo; e repercussão do direito nacional no direito internacional – panorama delineado no terceiro capítulo.

Como hipóteses levantadas, são discutidas duas perspectivas distintas, porém complementares. Em primeiro lugar, em vista da controvérsia dos pneumáticos reformados, afirma-se que os reflexos da OMC no Brasil ensejaram em entraves para a construção da sustentabilidade, a eficácia sócio-ambiental da instituição – especificamente, a aplicação do artigo XX do GATT 1994 – não foram suficientes para a concretização do desenvolvimento sustentável nesse caso, haja vista a fraca capacidade brasileira na atuação dos três poderes e na interação com a sociedade, especificamente com o setor privado (empresas), para tal implementação. Afirma-se então a insuficiência do âmbito público do direito para a realização do desenvolvimento sustentável.

Como complemento, segue-se a segunda proposição, a ser comprovada ou negada e que foi estudada no terceiro capítulo, o caso do bioetanol, no qual se buscou saber em que medida o âmbito do direito privado – pela atuação de empresas multinacionais – repercute para a ocorrência da proteção sócio-ambiental, junto com a busca pelo desenvolvimento. Procurou-se afirmar a pertinência da utilização de instrumentos do direito privado para firmar a responsabilidade com a proteção sócio-ambiental e não se restringir somente aos instrumentos de direito público para tanto. Isso porque, no caso do bioetanol brasileiro, o desenvolvimento sustentável vem sendo constituído gradualmente e o sucesso de tal construção atribui-se aos resultados que decorrem de ações estatais e de iniciativas privadas.

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CAPÍTULO I

O DIREITO COMO INSTRUMENTO PARA A GOVERNANÇA GLOBAL DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA COMPREENSÃO PARA O

ESTUDO DO ALCANCE DA PROTEÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL NO COMÉRCIO

No contexto paradigmático1 do desenvolvimento sustentável, o direito internacional permeou sua institucionalização por organizações internacionais, formação regimes e outras formas de pactuar-se a condução de ações coletivas nas relações internacionais face aos elementos de globalização e interdependência, dando forma à governança global do desenvolvimento sustentável. Tanto a OMC quanto a condução das relações públicas e privadas no âmbito do etanol – estudos dos capítulos segundo e terceiro – são exemplos delineados no âmbito da governança global do desenvolvimento sustentável, contextualizada nesse sentido. Percebe-se utilização do direito como instrumento para a condução dessas ações coletivas, diante da preocupação do alcance global2 de seus efeitos, com vistas à viabilização de cooperação3 entre os atores envolvidos e também a fim de executar os objetivos traçados por eles como comuns.

Esse contexto exige o entendimento de como a pesquisa visa aplicar governança global do desenvolvimento sustentável e o direito como instrumento, de modo que o presente capítulo visa compreender tal relação, que irá subsidiar os posteriores estudos de caso. A análise sobre esse modelo de governança permeia entendimento encontrado a partir da segunda metade do século XX, uma vez que comporta mecanismo de percepção da interface entre direito e relações internacionais no contexto atual de globalização e interdependência, em que estão presentes diferentes atores e esferas de atuação, com diferentes níveis de normas, que coexistem e interferem, uma na efetividade da outra.

Para tanto, primeiro traça-se esclarecimento acerca do âmbito geral em que se insere um estudo de governança global e a amplitude que seu conceito pode tomar. Dentre essas diversas concepções que governança pode ter, focalizaram-se, posteriormente, as principais características do modelo de governança sem governo, por ajudar na compreensão de governança global do desenvolvimento sustentável. Nessa explicação de governança sem governo, procurou-se esclarecer ainda sua relação com regimes internacionais e com o direito, determinando-se de que forma tal interface é útil ao estudo do alcance dos resultados de alguma norma jurídica.

1 Traça-se paralelo com o conceito de paradigma, delineado por Thomas Kuhn, que explica que os paradigmas são re-alizações científicas universalmente reconhecidas durante algum tempo, fornecendo problemas e soluções modelados para uma comunidade específica. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira; revisão: Alice Kyoko Miyashiro. São Paulo: Editora Perspectiva S. A, 1975, p. 13. A mudança de paradigma aplicada ao Direito, de uma maneira geral, verifica-se na alteração dos valores, conceitos, teorias e inter-pretações em determinado âmbito do Direito. Nesse caso, o direito do desenvolvimento passou a ponderar questões ambientais e de qualidade de vida na normatização de definições e regulamentação das diversas atividades.

2 A definição “global” aqui é aplicada para caracterizar a afetação das ações coletivas permearem âmbitos nacionais e internacionais, seja do ponto de vista territorial, seja do ponto de vista do direito, seja do ponto de vista dos efeitos aos atores, independentemente se são públicos ou privados. Em outras palavras, o sentido de global é aplicado de forma ampla, para englobar as conseqüências como um todo e para todos os envolvidos. DINGWERTH, Klaus; PATTBERG, Philipp. Global governance as a perspective on world politics. Global Governance, n. 12, 2006, p. 185–203.

3 Deve-se explicar que cooperação aqui é entendida como o estabelecimento de ações coletivas face à possibilidade dos efeitos alcançarem a todos, haja vista um contexto de globalização e interdependência. DINGWERTH, Klaus; PATTBERG, Philipp. Global governance as a perspective on world politics. Global Governance, n. 12, 2006, p. 185–203.

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Finalmente, analisa-se a noção de governança global do desenvolvimento sustentável propriamente dita, a fim de extrair de seu contexto, estudo acerca do próprio conceito de desenvolvimento sustentável, entendido tal como normatizado no direito internacional econômico no âmbito do comércio, parâmetro diante do qual o alcance da proteção sócio-ambiental será estudado nos capítulos seguintes.

1.1 Governança global do desenvolvimento sustentável: considerações quanto ao conceito

Governança global do desenvolvimento sustentável, tal como aqui aplicado, conceitua-se – de modo geral – como um contexto que implica no reconhecimento de uma pluralidade de níveis de atuação e de atores e toma como premissa a busca por cooperação, ou seja, o estabelecimento de ações coletivas face à possibilidade dos efeitos dessas ações alcançarem a todos, haja vista um contexto de globalização e interdependência4, delineado no âmbito do desenvolvimento sustentável como objetivo comum.5 E uma primeira característica diz respeito à seguinte questão: uma abordagem nesse sentido possibilita importante abrangência no estudo da interface entre o direito e as relações internacionais ao não se limitar na relação entre Estados e ao possibilitar o estudo com elementos do direito nacional e internacional, vislumbrados em vista de um objetivo em comum.

Para uma melhor compreensão sobre o tema, seguem considerações sobre governança global enquanto instrumento de análise, em seguida, sua relação com interdependência e globalização e, posteriormente, demonstra-se a amplitude que a noção pode tomar. Desse panorama, destaca-se a noção de governança sem governo a fim de compreender melhor o modelo de governança global do desenvolvimento sustentável, do qual se extrai entendimento do conceito de desenvolvimento sustentável segundo o direito internacional econômico, na atividade comercial, onde se contextualizam os posteriores estudos do alcance da proteção sócio-ambiental no comércio, presente no segundo e terceiro capítulos.

1.1.1 O âmbito geral no qual se insere um estudo em termos de governança global

A fim de ilustrar a pertinência do estudo com a utilização da governança global, mister sua breve compreensão como matéria do campo das relações internacionais. Conforme segue abaixo, uma forma de absorver tal entendimento pode ser contrastando o modelo com algumas diferenças básicas, em relação à sistemática tradicional das relações internacionais, que são aqui apontadas – importante explicar – apenas de maneira breve, com o objetivo claro de permitir melhor compreensão acerca de governança global, não consistindo, pois, em análise 4 Embora os conceitos de globalização e interdependência serão melhor esclarecidos futuramente ainda nesse capítulo,

adianta-se como uma noção do modo que a presente pesquisa os aplica que, sobre globalização, adota-se a perspec-tiva de Ulrich Beck, que, dentre outros, retrata o fenômeno sob o ponto de vista da velocidade e caráter expansivo da formação das diversas relações econômicas, jurídicas ou/e políticas. BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo: respostas à globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 08-09; e sobre interdependência, a pesquisa aplica perspectiva segundo Keohane e Nye, dentre outros autores e ponderações, que a contextualizam em torno da idéia geral de interferência mútua das ações coletivas. KEOHANE, Robert Owen; NYE, Joseph S. Power and interdependence. 3 ed. United States: Longman, 2001, p. 08-09.

5 DINGWERTH, Klaus; PATTBERG, Philipp. Global governance as a perspective on world politics. Global Governance, n. 12, 2006, p. 185–203.

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profunda da sistemática tradicional das relações internacionais, na medida em que esse não é especificamente objeto da presente pesquisa. Mais precisamente, o contraste aqui é formulado em torno de alguns dos principais elementos de estudo de cada esfera: destacam-se no âmbito da sistemática tradicional, pontos sobre as relações de poder entre Estados, entre outras considerações e no âmbito da governança global, retrata-se sua a constatação da insuficiência das teorias anteriores para lidar com os efeitos de interdependência da globalização.

Explica Barros-Platiau que, normalmente, ao abordar-se sobre governança global, as relações de poder tendem a ser afastadas, na consideração da crise do multilateralismo jurídico, político e econômico, efeito dessa fragmentação do poder e das fontes reguladoras globais.6

De forma diversa, pela sistemática tradicional, a composição política do âmbito internacional seria definida a partir do equilíbrio de poder entre os Estados, cujas premissas restringem-se à considerações sobre o potencial militar, da iniciativa diplomática e do poder econômico.7 As relações internacionais eram entendidas pela sua condução entre governos, em que o principal dever de cada governo restringiria-e ao de preservar os interesses do povo que representa face aos interesses rivais.8. A política internacional limitava-se a descrever relações de Estados soberanos, cujas principais ilustrações eram o diplomata e o soldado.9

As relações internacionais sempre foram uma prática sobre equilíbrio, que estabelece suas próprias exigências, reunindo vários fatores explicativos da convivência comunitária que se incrementam através dos subsídios da tecnologia, economia e reflexos sóciopolíticos, como forma de coexistência.10 Pela sistemática tradicional, de modo geral, são elementos de estudo, as considerações de poder em torno das relações entre Estados, estudos nos quais prevalecia uma idéia de rivalidade, ou pelo menos onde cada Estado objetivava a defesa de seus interesses em face do interesse dos demais.

Hedley Bull, com um cunho mais abrangente, acrescenta que a sistemática internacional composta por novos atores e novos assuntos soma-se ao contexto da guerra e da disputa pelo poder. O autor ressalta que em diferentes fases históricas do sistema de Estados, e nas políticas adotadas, um desses elementos pode predominar sobre o outro, porém, constantemente estão presentes.11

Outros elementos foram acrescidos aos estudos das relações internacionais, os fundamentos da política internacional atual hoje explicam-se em vista de interdependências entre os Estados, que se projetam como ligação indispensável da globalização. As mudanças rápidas suscitadas por essas impositivas modalidades tem consequências de ampla extensão e atuam como desestabilizadores do poder. Esse enfraquecimento enseja a forte tendência dos

6 Tal ressalva é aqui delineada para abordagens de governança em geral. Entretanto, mister explicar que a autora aponta tal observação ao descrever sobre a governança enquanto o fenômeno da institucionalização dos objetivos comuns. BARROS-PLATIAU, Ana Flávia. Novos atores, governança global e o direito internacional ambiental. Série Grandes Eventos – Meio Ambiente, 2001, p. 01-11.

7 WIGHT, Martin. A política do poder. 2ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002, p. 167.

8 Ibidem, p. 77.9 ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Tradução Sérgio Bath. 1ª edição. Brasília: Editora Universidade de

Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002, p. 52.

10 STRENGER, Irineu. Relações Internacionais. São Paulo: LTr Editora LTDA, 1998, p. 14-15.11 BULL, Hedley. A sociedade anárquica. 1ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de

Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002, p. 51.

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Estados de buscar associações e a aproximação, de modo a se integrarem com maior solidez nos espaços comerciais e políticos.12

Nesse sentido, o presente estudo destaca que as abordagens sobre governança tem em comum o reconhecimento da insuficiência da perspectiva tradicional para o estudo atual das relações internacionais, no momento em que a cooperação internacional ganha força diante das diversas interdependências e quando estudos tradicionais sobre equilíbrio de poder não conseguem explicar tal contexto de interdependência.13

Destarte, enquanto estudos tradicionais acerca das relações internacionais são delineados em termos de equilíbrio do poder, política entre os Estados, o termo governança global pode dar igual atenção para essas diferentes esferas.14 Estuda-se, pois, no processo de coordenação política dos interesses e a consideração da influência de fatos específicos nas resoluções de disputas.

De certa forma, uma noção de governança pode ou não permear esses elementos de equilíbrio de poder, relações entre Estados, no entanto, não se restringe a eles. Governança global responde a aspectos que ensejam para o desejo de um mínimo de previsibilidade em um contexto de globalização e interdependência, que estimulou cooperações internacionais. Nesse sentido, faz-se importante a compreensão desses dois pressupostos, conforme se vislumbra a seguir.

1.1.2 Governança global: ações coletivas de cooperação face às questões de interdependência e globalização

A compreensão do contexto de governança permite vislumbrar aspectos de influência das suas instituições, como a OMC, na atuação dos atores, como o Brasil e, da mesma forma, o próprio papel da atuação pública e privada brasileira aos objetivos inseridos em um campo de governança, como o desenvolvimento sustentável, e por isso a utilidade do seu estudo.

Abordagens em geral sobre governança global inserem-se como mecanismos que visam algum grau de ordem, alguma previsibilidade nas atuações e riscos, para lidar com os desafios dos efeitos da globalização e interdependência, que não se restringem nem aos território, nem aos Estados, alcançam âmbitos nacionais e internacionais, governos, empresas e indivíduos. Além disso, é preciso compreender que, do ponto de vista jurídico, esses mesmos fenômenos relacionam-se com tensões de ineficácias institucionais ao contribuir com a pluralização das fontes e agentes normativos. Faz-se importante conhecer essas bases, raciocínio que segue abaixo, para compreender os pressupostos de abordagens em governança global.

1.1.2.1 Interdependência: fundamento para a cooperação e ações coletivas

A interdependência, de modo geral, é pressuposto de formação de regras em comum haja vista a restrição da autonomia, ao contextualizar que as consequências das 12 STRENGER, Irineu. Relações Internacionais. São Paulo: LTr Editora LTDA, 1998, p. 27.13 PATERSON, Matthew. Interpreting Trends in Global Environmental Governance. International Affairs (Royal Insti-

tute of International Affairs 1944-), Vol. 75, No. 4. (Oct., 1999), pp. 793-802. Disponível em: <http://links.jstor.org/sici?sici=00205850%28199910%2975%3A4%3C793%3AITIGEG%3E2.0.CO%3B2-V> Acesso em: 20 mar. 2009.

14 DINGWERTH, Klaus; PATTBERG, Philipp. Global governance as a perspective on world politics. Global Governance, n. 12, 2006, p. 185–203.

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atuações envolvidas na cena internacional, alcançam a todos, tornando-se necessário mesurar alguma espécie de ação coletiva. A relação com as abordagens de governança dá-se tanto com o conceito em si, quanto com a concepção de globalização que será vista em seguida. Abaixo, buscou-se estudar interdependência como conceito analítico e como retórica, a fim de demonstrar que tais esferas influenciam na tomada de decisão e feitura de normas.

Governança global e interdependência estão relacionadas, uma vez que as racionalizações esquematizadas em modelos de governança respondem ao contexto de interdependência envolvido. Os envolvidos ponderam riscos que escolhem passar e sistematizam regras para condução das atividades. A criação de elementos que visem a cooperação reflete a necessidade de se racionalizar as consequências destas interdependências. 15

Keohane e Nye analisam a interdependência diante de duas perspectivas: como uma nova retórica na política internacional e, outra, como um conceito analítico, sendo ambas úteis para contextualizar modelos de governança global. Como conceito analítico, dependência significa um estado que é determinado ou consideravelmente influenciado por forças externas; interdependência, por sua vez, refere-se, na política mundial, para a situação caracterizada pelos efeitos recíprocos entre os países ou atores. Essas repercussões podem resultar das transações internacionais, fluxos de dinheiro e bens, gerarem custos e benefícios etc., definindo maior ou menor grau de interdependência, na medida em que interferem nas tomadas de decisão dos envolvidos.16

Em outras palavras, consiste na sistematização dos riscos discutidos. Ulrich Bech explica que tais racionalizações são ponderações dos atores para tentar o máximo grau de previsão das consequências de suas decisões, que refletem no campo político e jurídico.17 Nesse sentido, contextualiza-se o cenário político global, com sua consequente elaboração de normas jurídicas e sistematização dos riscos, politizando estratégias escolhidas para evitar-se o perigo nas várias facetas da interdependência.18

Sobre interdependência como retórica, Nye e Keohane retratam principalmente o discurso na política mundial, em que a interdependência se tornou o contra-argumento da segurança nacional. Durante a guerra fria, a segurança nacional foi o slogan americano para gerar suporte para suas políticas, fundamentando racionalizações para suas ações protecionistas e expansionistas, alianças, ajudas estrangeiras e envolvimento militar. Com o declínio da guerra fria, também enfraqueceu o poder simbólico desse argumento. 19 Afinal, também interferem na formação e decadência das estruturas de ordem, a manutenção e diminuição do poder das idéias vigentes, na medida em que são essas justificativas que movimentam transformações em sociedade. Significa, pois, compreender que, enquanto o sistema de idéias entra em colapso, os regimes baseados na antiga construção podem perder sua eficácia. 20 A dinâmica da cooperação como argumento político institucionaliza-se no

15 YOUNG, Oran R. A eficácia das instituições internacionais: alguns casos difíceis e algumas variáveis críticas. In: ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo: ordem e transformação na políti-ca mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 239-253.

16 KEOHANE, Robert Owen; NYE, Joseph S. Power and interdependence. 3 ed. United States: Longman, 2001, p. 07.17 BECK, Ulrich. World risk society. Polity Press: Cambridge, 2000, p. 06-03.18 HERMITTE, Marie-Angèle. A fundação jurídica de uma sociedade das ciências e das técnicas através das crises e dos

riscos. In VARELLA, Marcelo Dias. Direito, sociedade e riscos: A sociedade contemporânea vista a partir da idéia de risco. Rede Latino-Americana e Européia sobre Governo dos Riscos. Brasília: UniCEUB, UNITAR, 2006, p. 11-56; p. 11.

19 KEOHANE, Robert Owen; NYE, Joseph S. Power and interdependence. 3 ed. United States: Longman, 2001; p. 05-07.

20 KEOHANE, Robert Owen; NYE, Joseph S. Power and interdependence. 3 ed. United States: Longman, 2001, p. 05-07.

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direito internacional e reflete para o aumento do número das organizações internacionais, tratados bilaterais e multilaterais. 21

Além da preocupação em evitar uma nova guerra, foi um momento em que a promoção do desenvolvimento por organizações internacionais ganharam espaço diante dos processos de descolonização e reconhecimento dos países. Foi também quando se incrementou a promoção dos direitos humanos e do reconhecimento político e jurídico dos riscos ambientais.22 Intensificou-se a criação de elementos que visavam a cooperação, para racionalizarem-se as consequências dessas interdependências. 23

Seja como retórica, seja do ponto de vista analítico, o conceito de interdependência está diretamente ligado a restringir a autonomia, o que depende dos valores dos atores e da natureza da relação. Restrições da autonomia são relativizadas de acordo com as fontes de influências nas relações de interdependência. As fontes de influência estão ligadas à relação entre poder e interdependência, que podem ser percebidas, dentre outros aspectos, do ponto de vista da atuação dos atores envolvidos e do impacto dos objetos envolvidos. 24 A cooperação corresponde tanto a uma resposta aos efeitos de interdependência das diversas dimensões da globalização, como a manutenção do poder nas relações internacionais em relação aos efeitos da atuação dos atores envolvidos e dos impactos dos objetos, e também, no aspecto da globalização.25

A interdependência como fundamento de modelos de governança corresponde assim, a um dos seus aspectos basilares, haja vista a busca por cooperação, no sentido de se ter um mínimo de controle ou ações coletivas, haja vista os objetivos em comum. Busca-se por um mínimo de cooperação em um contexto de interdependência em que as ações de uns podem alcançar a todos, ressaltando-se uma cena de assimetrias, diferentes graus de poder e influência, do ponto de vista dos atores e objetos envolvidos. Esse cenário de interdependência está diretamente relacionado com os efeitos da globalização, tornando-se necessária sua compreensão, conforme se segue.

21 Zacher aponta outros fatores contextuais que podem também ser ligados à mudança de ênfase da segurança nacional para a cooperação diante da interdependência: a difusão da existência das armas nucleares e potencial destrutivo dos Estados, a avaliação do custo-benefício das guerras e manutenção das conquistas. E, nesse cenário, mecanismos visando alguma ordem são promovidos, estimulando políticas de estabilidade nas relações econômicas e desestimu-lando a aquisição de armas nucleares. ZACHER, Mark W.. Os pilares em ruína do templo de Vestfália: implicações para a governança e a ordem internacional. In: ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 92-95.

22 WEISS, Thomas G. Governance, good governance and global governance: conceptual and actual challenges. Third World Quarterly, vol. 21, n. 5, oct. 2000, p-795-814. Disponível em:<http://links.jstor.org/sici?sici=0143-6597%28200010%2921%3A5%3C795%3AGGGAGG%3E2.0.CO%3B2-O>. Acesso em 29 jan. 2009.

23 YOUNG, Oran R. A eficácia das instituições internacionais: alguns casos difíceis e algumas variáveis críticas. In: ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo: ordem e transformação na políti-ca mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 239-253.

24 As fontes de influência estão ligadas à relação entre poder e interdependência, para a qual os autores Keohane e Kye delimitam a análise em dois planos: sensibilidade e vulnerabilidade. Sensibilidade envolve graus de responsabilidade dentro de uma estrutura política, com o pressuposto de que essa estrutura permanece imultável e pode envolver interdependência econômica política ou social e avaliar os aspectos influenciadores. Fora dessa estrutura política é a vulnerabilidade. Keohane e Nye explicam que a análise das causas e efeitos das relações de interdependência não se restringem à linha econômica clássica (mesurar custos e benefícios em relação ao mercado), que é incompleta ao deixar de lado uma das principais questões da política internacional: a de quem leva o que. Entretanto, tal abordagem também não elimina o status quo de competição e mecanismos inerentes ao mercado, pois envolvem competição mesmo quando largo campo de benefícios são esperados da cooperação. KEOHANE, Robert Owen; NYE, Joseph S. Power and interdependence. 3 ed. United States: Longman, 2001, p. 08-09.

25 BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo: respostas à globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 08-09.

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1.1.2.2 Globalização e seus efeitos normativos

A relação entre governança e globalização pode ser explicada em relação aos efeitos dessa no direito internacional. Os âmbitos de interdependência globalizados ensejaram uma necessidade de cooperação, o que levou para a consequente normatização e formação de instituições e regimes jurídicos, contexto em que se insere a própria institucionalização do desenvolvimento sustentável como condição de legitimidade e eficácia. Por outro lado, essa mesma pluralidade é o que vem repercutindo em questionamentos de legitimidade e eficácia sobre determinadas instituições dessa governança.

Podendo o fenômeno da globalização ser percebido pelo ponto de vista da velocidade e formação das mais diversas relações econômicas, políticas e jurídicas, corrobora-se com a perspectiva de Ulrich Beck sobre globalização, que apresenta estratégias de cunho político-jurídico para lidar com os efeitos desse fenômeno.

Segundo Beck, um efeito dos diversos âmbitos da globalização é a politização, ainda que seja um fenômeno que descentralize do Estado, a capacidade de tocar a ordem e os assuntos internacionais e também as funções de informatização e influência do comportamento em sociedade. Isso porque, qualquer argumento com base na globalização (seja econômica, ambiental, dos mercados etc.) aponta as suas consequências políticas postas em andamento: instituições sócio-industriais, as premissas do Estado do bem-estar social etc.26

Focalizando-se o âmbito desta pesquisa, ilustra-se a globalização econômica pela expansão do comércio, que é atribuída em grande parte, assim como a liberalização do mercado, às consequências do GATT/47 e sua evolução até a constituição e atuação da OMC, com o discurso da promoção do desenvolvimento e da mudança de perspectiva deste para o desenvolvimento sustentável.27

É nesse contexto ainda que o desenvolvimento sustentável torna-se paradigma para uma abordagem coerente e multilateral, pois proporciona um largo e compreensível campo onde é possível lidar com questões que se globalizam e estão interligadas tais como proteção ambiental, o crescimento econômico, a democratização, a proteção dos direitos humanos etc.28 A globalização econômica, social e ambiental leva a um quadro de interdependência; demonstram a base de cooperação.

Entretanto, é preciso explicar que a globalização contextualiza-se também pela velocidade de formação de relações jurídicas, pluralidade de atores, pelo aumento nas formas de normas e regimes internacionais, além do número de assuntos que agora são globais e antes eram apenas regionais ou locais. Compreende a expansão do direito internacional, que enseja para a descentralização das fontes e da legitimidade de atores na sua dinâmica.29

26 BECK, Ulrich. O que é globalização? equívocos do globalismo: respostas à globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 14.

27 ZACHER, Mark W. Os pilares em ruína do templo de Vestfália: implicações para a governança e a ordem internacio-nal. In: ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 117-119.

28 HAAS, Peter M. Promoting knowledge based international governance for sustainable development. In THOYER, Sophie; MARTIMORT-ASSO, Benoît (eds.). Participation for sustainability in trade. England: ASHGATE Publish-ing Limited, 2007, p. XXIV-XXVII, p. XXIII.

29 VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional. Alguns problemas de coerên-cia sistêmica. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 42 n. 167, p.135-170, jul./set. 2005.

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Vale ressaltar, cenários estruturados para cooperação não deixam de ser imersos nas características de poder e vulnerabilidade nas relações internacionais30, vale dizer, da influência dos sistemas de governança na atuação dos atores, na influência de diferentes atores e diferentes objetos na atuação do Brasil, por exemplo. É dizer que o contexto globalizado das relações internacionais torna complexo, embora não anule o papel do Estado na defesa dos seus interesses.

Importante ressaltar a vertente de Ha-Joon Chang, que explica que os países em desenvolvimento vem sofrendo pressão por parte dos países desenvolvidos, para seguir as políticas internacionais por estes apontadas. Chang demonstra que, de modo geral, essas demandas de institucionalizações inserem-se no contexto dos países, visando dificultar o caminho para o desenvolvimento em si, pois não foram exatamente aquelas aplicadas pelos países desenvolvidos quando estavam em processo de desenvolvimento.31 A perspectiva do autor não consiste no foco do presente trabalho, é apenas utilizada aqui para ilustrar a complexidade das relações internacionais, ainda que inseridas em um âmbito legítimo de sistematizações por cooperação e interdependência entre os atores, que fundamenta tentar facilitar suas interações.

A relação desses diversos elementos de globalização veio a ensejar outros efeitos que, de modo geral, colocam em questão a legitimidade dos sistemas de ação coletiva, o que pode ser vislumbrado em vista do grau de satisfação da sua eficácia normativa. Focalizando-se para a presente pesquisa, tais efeitos consistem na avaliação do modelo institucional de governança global para a efetividade do desenvolvimento sustentável. É dizer que, em vista da globalização, novos atores, assuntos e formas de normatizações emergem e repercutem nas instituições de governança, cuja efetividade é, em uma perspectiva geral, enfraquecida.

Vale destacar, sobre essas transformações no direito, Claudia Lima Marques, que apresenta as teorias de pensamento de Erik Jayme. Destaca que o autor caracteriza o pluralismo como um dos grandes elementos do direito atual frente aos efeitos da globalização. Um pluralismo de agentes, e a sua diferenciação por papéis, status, culturas; um pluralismo de fontes jurídicas que dialogam entre si. Segundo Erik Jayme, consiste em um pluralismo de métodos para o alcance de um resultado justo e útil e mesmo um pluralismo de sujeito de direitos. Para o autor, a concepção pluralista é a própria superação da crise do direito.32

A relação dessa crise do direito com o presente trabalho consiste no próprio foco desta pesquisa, vale repetir: de modo geral, tendo em vista a efetividade dos campos ambientais, sociais e econômicos, analisa-se a dinâmica do Brasil na construção do desenvolvimento sustentável no comércio, de um lado, por uma via institucional de governança e de outro lado, por atuações públicas e privadas que não se restringem ao cumprimento de normas institucionalizadas.

Em síntese, tem-se os efeitos da globalização no direito, seja do ponto de vista do direito como instrumento de busca por um mínimo de ordem pelos atores na cena internacional, haja vista a difusão de diferentes assuntos e objetos e legitimação de diferentes atores, assim como, também por essas mesmas características, o contexto de globalização é

30 DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito internacional publico. 2a ed. Tradução Vítor Marques Coelho. Fundação Calouste Guldenkian, 2003, p. 71.

31 CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. Tradução: Luiz Antônio de Oliveira Araújo. São Paulo: Editora UNESP, 2004, p. 12.

32 MARQUES, Claudia Lima. Direito na pós-modernidade e a Teoria de Erik Jayme. p. 21-26. In OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de (org.). Faces do multiculturalismo: Teoria-Política-Direito. Rio Grande do Sul: Santo Ângelo: EDIURI, 2007,p. 21.

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útil para avaliar se o direito vem sendo capaz de cumprir sua função como tal instrumento, em um contexto específico, a governança global do desenvolvimento sustentável.

Uma vez compreendidas as questões de interdependência e globalização com governança global, faz-se mister agora esclarecer as várias abordagens que essa concepção pode tomar, a fim de propiciar um melhor esclarecimento sobre a noção utilizada sobre governança.

1.1.3 Algumas das possíveis abordagens de governança

Observa-se inicialmente que aplicar uma única perspectiva de governança pode ensejar conclusão cética de que não tem valor de conselho político e nem de ação, dada a subjetividade na escolha das bases da pesquisa. Entretanto, analisar em termos de governança é também delinear um sistema de avaliação capaz de identificar as fraquezas e potências em uma estrutura.33 Apenas tem que se entender que é importante identificar claramente os limites do modelo a ser utilizado, assim como a sua pertinência para o objetivo almejado. Para essa descrição, ressalta-se que o estudo abordou algumas composições vislumbradas na segunda metade século XX.

Existe a visão empresarial, normalmente conceituada como “governança corporativa”, que visa princípios éticos e procedimentos na condução dos negócios, noção largamente empregada para tratar do desempenho da empresa e gestão empresarial.34 A pesquisa não parte desse conceito, vez que o âmbito de pesquisa não é o empresarial, mas sim, parte do campo da efetividade da norma jurídica pública.

Fora da linhagem empresarial, governança pode voltar-se para âmbitos de inserção distintos: um mais restrito, que normalmente é apontado apenas como “governança” ou “boa governança”, que envolve princípios e estruturas voltadas para guiar a ação estatal, embora possa também abordar a ação não-estatal.35 E outro, mais amplo, normalmente vislumbrado como “governança global”, que compreende influências na tomada de decisão, de diferentes centros de autoridade que definem a implementação das ações em determinado contexto.

Thomas Weiss busca diferenciar “governança”, “ boa governança” de “governança global”. Sobre os dois primeiros, aponta que, intensificado o uso do termo, no início dos anos 80, “governança” e especialmente “boa governança” permeou o discurso do desenvolvimento, principalmente para o nível nacional. Esse conceito está ligado à transparência, participação, promoção dos direitos humanos e baixo índice de corrupção. E o termo “governança global” refere-se às análises que não se restringem ao nível nacional, englobam também o nível internacional para lidar com fenômenos que são difíceis de serem explicados pela sistemática tradicional das relações internacionais.36 Ademais, vale ressaltar, o

33 KAUFMANN, Daniel; RECANATINI, Francesca; BILETSKY, Sergiy. Assessing governance: diagnostic tool and applied methods for capacity building and action learning. The World Bank. Disponível em:

<http://www.worldbank.org/wbi/governance/assessing/pdf/kauf_recan_bilet_assessing.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2013.

34 ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal. Governança Corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2004, p. 20.

35 YOUNG, Oran R. Teoria de regimes e a busca de governança global. In VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 371-398; p. 372.

36 WEISS, Thomas G. Governance, good governance and global governance: conceptual and actual challenges. Third World Quarterly, vol. 21, n. 5, oct. 2000, p-795-814. Disponível em:<http://links.jstor.org/sici?sici=0143-6597%28200010%2921%3A5%3C795%3AGGGAGG%3E2.0.CO%3B2-O>. Acesso em: 29 jan. 2013.

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termo “global” também se distingue pelo menos em dois significados distintos: ou o último grau de atividade, ao lado da nacional e local, ou a suma de todas as atividades.37

O Banco Mundial, no discurso do desenvolvimento no final do século XX, trouxe o termo “governança” e “boa governança” como a capacidade governativa, que não seria avaliada apenas pelos resultados das políticas governamentais, mas também pela forma do governo exercer o seu poder. 38 Nesse sentido, o termo “governança” é utilizado pelo Banco para voltar-se à ação nacional estatal, a fim de que essa tenha uma boa internação internacional. E ainda hoje, a definição de governança do Banco Mundial aborda, como forma ou procedimento, o exercício da autoridade, controle, administração e poder de governo. Recentemente revisou sua abordagem do termo para não deixar de lado aspectos complementares de governança do setor privado.39 E “boa governança” corresponde à substância de que deve esta forma alcançar o desenvolvimento sustentável, em suas três dimensões.40

Assim também a OCDE levantou uma série de princípios para uma boa governança, na década de 90, do uso da autoridade política e do exercício do controle em uma sociedade, em relação à administração dos seus recursos de desenvolvimento social e econômico na distribuição equitativa dos benefícios e garantia dos direitos humanos.41 Tal concepção influencia uma série de políticas nacionais na medida em que comporta a OCDE, assim como o Banco Mundial, atores importantes na promoção do desenvolvimento.

Rosenau ressalta que, ao abordar-se sobre governança como a capacidade estatal, pode ensejar uma aparente confusão com o conceito de governo; entretanto, são concepções distintas. Ambos, governança e governo, referem-se a sistemas de ordenação, organização dos comportamentos visando objetivos comuns, a atividades orientadas por metas. Todavia, enquanto governo sugere atividades sustentadas por uma autoridade formal, está limitado ao Estado, à sua soberania, território e organização do poder estatal, a governança refere-se a atividades apoiadas em objetivos comuns que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas e não dependem, necessariamente, do poder de polícia para que sejam aceitas. 42

Face ao que foi ressaltado, configuram-se pelo menos três âmbitos gerais sobre o tema: é possível permear a esfera empresarial (governança corporativa) ou a dimensão da compreensão da condução da política internacional. Essa última, por sua vez, engloba dimensão valorativa geral – boa governança –centrada em dirigir os sistemas sociais a fim de otimizar o bem-estar global, e esse repercute no termo “governança” enquanto condução da sua eficácia. Existe ainda “governança global”, que visa abranger tanto âmbito interno quanto externo, admitindo-se sistematização com pluralidade de atores e assuntos em atividades transnacionais.

37 DINGWERTH, Klaus; PATTBERG, Philipp. Global governance as a perspective on world politics. Global Gover-nance n. 12, 2006, p. 185–203.

38 GONÇALVES, Alcindo. O conceito de governança. CONPEDI, Manaus, Anais, 2006. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Alcindo%20Goncalves.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2013.

39 KAUFMANN, Daniel. Rethinking governance. Empirical Lessons challenge orthodoxy. The World Bank. Disponívelem:<http://siteresources.worldbank.org/INTWBIGOVANTCOR/Resources/rethink_gov_stanford.pdf>Acesso em: 01 fev 2013.

40 BANCO MUNDIAL. What is our approach to governance? Disponível em: <http://go.worldbank.org/MK-OGR258V0>. Acesso em: 28 jan. 2013.

41 MACNEILL, Jim. Leadership for sustainable development. In: OCDE Sustainable Development Studies. Institu-tionalising Sustainable Development. OCDE Publishing, 2007, p. 19-23; p. 20.

42 ROSENAU, James N. Governança, ordem e transformação na política mundial. In: ROSENAU, James N.; CZEM-PIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 15-16.

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Nos estudos da condução da compreensão da política internacional, existem outras perspectivas de diferenciação. Para esse entendimento, vale ressaltar a caracterização delineada por Matthew Paterson. Embora limite-se a analisar nas políticas de questões ambientais, tais considerações podem ser estendidas como noções gerais acerca da diferenciação das formas de governança global. O autor separa pelo menos três modos diferentes acerca do tema, diante de considerações a respeito da posição da autoridade na condução dos assuntos internacionais.

O primeiro modo, inserindo-se na teoria dos regimes internacionais, envolve práticas que operam no sistema interestatal ora o complementando, ora o suplementando. Sobre esse modelo, já defendido por autores como OranYoung, o autor explica que governança global é primariamente um fenômeno interestatal e a autoridade central na condução desses assuntos permanece nesse âmbito. As considerações acerca da interferência das questões de legitimidade, relacionadas à participação dos atores não estatais e repercussão de novos assuntos e demandas são para delinear uma questão da efetividade do sistema como um todo. E nominar como global (em oposição à internacional) para explicar as redes de conexões delineadas pela formação de regimes internacionais. 43

De forma alternativa e descrevendo-a como complementar, Paterson ressalta a governança apresentada por Rosenau, em que as práticas das governanças são para tentar conduzir os efeitos da globalização e, também, de forma ampla, integrar relações transnacionais, considerando que os seus efeitos não se limitam a território ou nacionalidade.

Como terceira abrangência, descreveu existir outra concepção que enfatiza a natureza transnacional da governança de forma mais consolidada, admitindo uma ordem fora das relações entre os Estados e o reconhecimento de uma sociedade civil transnacional que pode ou não ter a participação estatal. 44

A respeito da existência de uma sociedade paralela à estatal, tem-se a concepção de sociedade civil global e delimita-se que a atividade em rede, do conjunto de ações definidas pela participação de ONGs, escritórios de advocacia e movimentos sociais caracterizam ações coletivas em um terceiro sistema de agentes, com organizações sociais que se distinguem dos governos, suas agências e organizações internacionais.45

Esse outro sistema não é somente para abranger exigências de efetividade face às práticas transnacionais, mas são esforços que podem servir como fundamento para argumentos de reforma da política global e que exigem mudança de perspectiva na legitimidade como é conduzida.46 Cohen e Sabel, a fim de diferenciar de governança global, vislumbrada por Rosenau, apontam tais esforços como a “global administrative law”. 47

43 PATERSON, Matthew. Interpreting trends in global environmental governance. International Affairs (Royal Institute of International Affairs 1944), Vol. 75, n. 4., Oct., 1999, p. 793-802. Disponível em: <http://links.jstor.org/sici?sici=00205850%28199910%2975%3A4%3C793%3AITIGEG%3E2.0.CO%3B2-V>. Acesso em: 20 mar. 2013.

44 Ibidem, Disponível em: <http://links.jstor.org/sici?sici=00205850%28199910%2975%3A4%3C793%3AITIGEG%3E2.0.CO%3B2-V> Acesso em: 20 mar. 2013.

45 PRICE, Richard. Transnational civil society and advocacy in world politics. World Politics, n. 55. July, 2003, p. 579–606.

46 CHESTERMAN, Simon. Globalization rules: accountability, power, and the prospects for global administrative law. Global Governance, n. 14, 2008, 39-52. Disponível em: <http://heinonline.org/HOL/Page?handle=hein.journals/glogo14&id=1&size=2&collection=journals&index=journals/glogo> Acesso em: 14 abr. 2013. E nesse sentido, também: COHEN, Joshua; SABEL, Charles F. Global democracy? International Law and Politics, nov. 06, vol. 37:763, p.763-796.

47 COHEN, Joshua; SABEL, Charles F. Global democracy? International Law and Politics, nov. 06, vol. 37:763, p.763-796.

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Tal abordagem sugere um direito global administrativo em forma de normas, instituições e redes de relacionamentos que regulam a tomada de decisão, que passam a exigir substantivamente elementos de responsabilidade (accountability). Esta exigência de responsabilidade permeia tanto o conteúdo quanto a forma e é por isso que se relaciona como modelos de governança; requer, pois, sistematizações de ações coletivas, com consenso, transparência e equidade, para que então seja capaz de englobar o interesse de todos os envolvidos no processo.48

É importante ter em mente que uma perspectiva não exclui a outra, apenas consiste em diferentes formas de análise. Assim, de modo geral, governança corresponde a uma noção capaz de envolver elementos de legitimação, jurídicos ou não, públicos ou privados, nacionais ou internacionais. É o processo contínuo pelo qual interesses conflitantes ou diversos são tratados e em que ações coletivas são tomadas, seja no âmbito global ou nacional, e formam os procedimentos a serem seguidos para que tal ação seja legítima e tenha condições de ser efetiva.

Destaca-se, para esta pesquisa, governança global envolve tanto o âmbito nacional, quanto internacional. Permitindo esta abrangência, o termo não exclui o alicerce valorativo da “boa governança”, aqui atrelado à própria construção do significado de desenvolvimento sustentável, e também não se restringe à atuação governamental ao vislumbrar sua relação com os efeitos da globalização. Com essas considerações, discorre-se abaixo sobre o modelo de governança como institucionalização dos objetivos comuns, assim colocado principalmente por Rosenau.

1.1.4 Considerações acerca do modelo ‘governança sem governo’, estudo útil para posterior compreensão da governança global do desenvolvimento sustentável

Uma vez compreendido o contexto geral de governança global, segue-se na perspectiva da governança sem governo a fim de compreender, posteriormente, a governança global do desenvolvimento sustentável, onde é possível ver atuando instituições como a OMC, que será vista no caso dos pneus, e em âmbitos não institucionalizados, como será visto no caso do etanol.

Tendo em consideração um contexto de globalização e interdependência entre os envolvidos, apresenta-se aqui a perspectiva geral apresentada por Rosenau sobre governança sem governo, em que a institucionalização das ações coletivas é abordada. Pretende-se, com esse esclarecimento prévio, demonstrar como esta pesquisa aplica os conceitos de institucionalização e instituição, assim como retrata governança com regimes internacionais e com o próprio direito, o que pode ainda ser relacionado, de modo geral, com a perspectiva da internacionalização dos direitos. Esse entendimento prévio justifica-se como contexto no qual se insere a própria noção de governança global do desenvolvimento sustentável, pois tal concepção é aplicada aqui, no sentido de que os atores interagem entre si buscando ações coletivas face às diversas consequências de interdependência diante dos efeitos da globalização, buscando, sempre que possível, a institucionalização dos riscos e

48 CHESTERMAN, Simon. Globalization rules: accountability, power, and the prospects for global administrative law. Global Governance, n. 14, 2008, p. 39-52. Disponível em: [http://heinonline.org/HOL/Page?handle=hein.jour-nals/glogo14&id=1&size=2&collection=journals&index=journals/glogo]. Acesso em: 14 abr. 2013.

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obtendo instituições de governança, regimes ou outras formas de normatização e resolução das questões levantadas em torno da sustentabilidade. Mas para tal entendimento, mister primeiro esclarecimento das características de governança sem governo, tal como pondera-se abaixo.

Rosenau esclarece que, para estudos acerca de governança sem governo são possíveis duas perspectivas distintas e conexas entre si: pode ser entendida como um programa político, inseridos em uma lógica de interação, e formas coletivas de regulamentação das atividades sociais, ou vista como um simples fenômeno observável nas relações internacionais. Como programa político são os esforços de controlar as atividades diante da fragmentação da autoridade sobre a condução dos assuntos no processo de globalização. Nesse sentido, restringe-se ao plano político-normativo, a condução das atividades, vislumbrando-se formulações normativas diversas, estipuladas em tratados, organizações e regimes internacionais com apresentação de âmbitos de eficácia. E como fenômeno observável, comporta perspectiva predominantemente empírica, com variedade de fenômenos como os movimentos sociais globais, atividades das organizações internacionais, mudanças na capacidade regulatória do Estado, organizações privadas e redes transnacionais.49

Nesse sentido, é possível observar, tanto sobre como se objetiva conduzir politicamente determinada atividade, quanto a respeito de como tal atividade vem, de fato, sendo conduzida no âmbito da governança sem governo, como estão sendo abordadas as questões institucionalizadas, atividades, tanto das instituições existentes, quanto de outras formas pactuadas para as ações coletivas pertinentes, seja entre Estados, seja entre Estado e outros atores envolvidos.

Tais considerações dizem respeito à condução dos objetivos comuns, que, no plano do direito, podem referir-se à formação do plano da eficácia, constituição de instituições e regras, normas, e procedimentos, com a politização dos objetivos e sua normatização frente à ponderação dos riscos, distribuindo normas de conduta entre os envolvidos, assim como as formas que devem ser realizadas.50 É nesse sentido que as organizações internacionais e regimes diversos são vislumbrados como instituições de governança, uma vez que consistem nos instrumentos de definições de sistema de regras, direitos e deveres em face de questões globais de interdependência.51

Com tais esclarecimentos, de início, deixa-se claro como a presente pesquisa permeia os conceitos de institucionalização e instituição: os aplica tal como são entendidos nesse contexto de institucionalização como a formação do plano da eficácia, sistema de regras frente aos objetivos comuns diante de uma questão que pede por resolução dos principais atores envolvidos e instituições consistem na própria estrutura formalizada. E dos atores que podem ser abordados, restringe-se à atuação estatal e de empresas privadas.

Ademais, uma vez que diferentes âmbitos normativos interagem-se entre si, tendo em vista sua institucionalização, essas relações podem ser descritas pela internacionalização

49 DINGWERTH, Klaus; PATTBERG, Philipp. Global governance as a perspective on world politics. Global Gover-nance, n. 12, 2006, p. 185–203.

50 ROSENAU, James N. Governança, ordem e transformação na política mundial. In: ROSENAU, James N.; CZEM-PIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Tradução: Sér-gio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 16. E também: DINGWERTH, Klaus; PATTBERG, Philipp. Global governance as a perspective on world politics. Global Governance n. 12, 2006, p. 185–203.

51 BARROS-PLATIAU, Ana Flávia. Novos atores, governança global e o direito internacional ambiental. Série Grandes Eventos – Meio Ambiente, 2001, p. 01-11.

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dos direitos. Isso porque o estudo dos efeitos dessas institucionalizações, instituições ou outras formas pactuadas para se conduzir ações coletivas em torno de uma questão que demandou resolução, pode ser vislumbrada na influência do direito internacional no direito interno e vice-versa. Aprofundar-se sobre internacionalização dos direitos não se consiste no foco da presente pesquisa, entretanto, ressalta-se que, seguindo os fundamentos de Mireille Delmas-Marty, corresponde a um sistema de unificação, uniformização e harmonização entre as esferas normativas diante das quais é possível vislumbrar formulação e cumprimento das normas.52 A utilidade de tal relação aqui restringe-se a entender apenas a questão de traçarem-se estudos no âmbito da governança sem governo – apresentada sua utilidade para o entendimento da governança global do desenvolvimento sustentável – por meio da dinâmica entre direito nacional e internacional, ensejada seja pelos efeitos das instituições, seja pelas buscas de institucionalizações, ou pelos efeitos de outras formas pactuadas pelos atores envolvidos.

Tais considerações giram em torno das características da noção de governança sem governo veiculada por Rosenau. Conceitualmente, consiste em composição que inclui sistemas de regras em diferentes níveis da atividade humana, que foram constituindo-se para conduzir a cooperação global face aos objetivos comuns. Essas normas englobam tanto o campo nacional quanto internacional, assim como o exercício do controle possuir uma repercussão transnacional.53 Tal definição possui quatro elementos essenciais que são: sistema de regras, níveis da atividade, definição de objetivos e repercussão transnacional.

A respeito da delimitação dos níveis da atividade e de quais objetivos, responde-se a uma demanda de racionalização e ponderação dos riscos para orientação das ações que, conforme já ressaltado, dizem respeito aos diversos âmbitos de globalização e interdependência. E a noção de repercussão transnacional, por sua vez, é ressaltada em uma abordagem generalizada do termo, para explicar que as consequências não se limitam a fronteiras e que podem atrelar-se também ao fato de que não foram necessariamente ensejadas por atores estatais face ao sistema de regras vislumbrado.54

Sobre a questão de transnacionalidade, vale destacar uma possível interpretação do conceito, visto no âmbito do direito internacional. Dinh, Daillier e Pellet explicam que a concepção pode inspirar um panorama amplo, onde direito internacional público e privado coexistem, e também referir-se restritivamente a regras criadas no âmbito privado.55 Interligando-se essa breve consideração com governança, ambas as perspectivas espelham

52 A unificação é raramente espontânea, e normalmente se realiza pelo direito internacional, pelas convenções que sub-stituem as regras nacionais diferentes. A uniformização é um processo diferente que consiste em adaptar os direitos nacionais às regras definidas pelas convenções internacionais, sendo que cada ordenamento mantém sua identidade, suas técnicas, que então veiculam a aplicação de uma regra internacional comum. Tanto a unificação como a uni-formização baseiam-se em um principio de identidade das práticas nacionais reguladas por uma norma comum a ambas e conduzem a uma única decisão. A harmonização, entretanto, é ordenada diante da impossibilidade de iden-tidade ou de proximidade entre os sistemas, diante de diferenças que são julgadas incompatíveis, diante dos quais se definem critérios de comparação, argumento e interpretação. DELMAS-MARTY, Mireille. Trois défis pour un droit mondial. Paris, Éditions du Seuil, novembre 1998, p. 118.

53 ROSENAU, James N. Governança, ordem e transformação na política mundial. In: ROSENAU, James N.; CZEM-PIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 15-16.

54 ROSENAU, James N. Governança, ordem e transformação na política mundial. In: ROSENAU, James N.; CZEM-PIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Tradução: Sér-gio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 16.; e também: DINGWERTH, Klaus; PATTBERG, Philipp. Global governance as a perspective on world politics. Global Governance, n. 12, 2006, p. 185–203.

55 DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito internacional publico. 2a ed. Tradução Vítor Marques Coelho. Fundação Calouste Guldenkian, 2003, p. 40.

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consequências face à globalização, com sua expansão também com efeitos no direito internacional diretamente ligado à dinâmica das relações internacionais.

Quanto ao sistema de regras, tem-se como relevantes os aspectos de controle e distribuições de poder, capacidade dos atores, que são questões que se inserem na natureza do regime e descrição do sistema de regras, delineando-se sua legitimidade e eficácia. Nesse sentido, sobre a estrutura normativa, importa saber como o controle é exercido, quem são os envolvidos, como as normas são aplicadas, como é a interação entre esses atores, como o comportamento é afetado e como reflete na efetividade das regras.56 Interessante relação pode ser delineada entre a busca por tais características e o estudo do regime internacional pertinente.

Assim, do modelo de governança sem governo, tem-se que a característica da institucionalização e suas consequentes instituições, bem como outras formas de sistematização das ações coletivas para condução dos objetivos comuns constitui-se na construção de mecanismos de eficácia a fim de implementar-se uma ordem legitimada por ter sido delineada racionalmente entre os envolvidos. Com esse entendimento, a pesquisa segue para uma compreensão da sua relação com os regimes internacionais. Faz-se mister um melhor esclarecimento sobre essa interação, uma vez que viabiliza a posterior análise do alcance da proteção sócio-ambiental no comércio no âmbito da governança global do desenvolvimento sustentável.

1.1.4.1 Governança e os regimes internacionais

Governança e regimes internacionais, embora com aspectos em comum, não se confundem. Relembrando-se o conceito precursor de Krasner, os regimes internacionais se estruturam nos princípios, normas, regras e decisões, reflexos da convergência de interesses dos seus atores. São específicos no que se refere à matéria e ao modo de tratá-la, adquirindo uma verdadeira autonomia, uma sistêmica própria, descentralizando também o processo de efetivar a norma. 57

Rosenau afirma serem os regimes internacionais formas de governança. Explica que, como a governança, os regimes abrangem atores governamentais e não governamentais. Ambos concordam sobre a necessidade de cooperação para os interesses compartilhados, que justifica a aceitação de princípios, normas, regras e procedimentos, e cuja efetividade não está necessariamente vinculada a uma autoridade central. Todavia, os regimes internacionais referem-se a atividades específicas, com uma estrutura em que é possível, com maior precisão, definir os envolvidos, normalmente especificados pelo próprio regime, assim como define também o modo de efetividade de suas normas. 58

É possível afirmar que os comprometimentos internacionais, ligados à natureza do regime, limitam a ação estatal envolvida, nas suas políticas internas.59 São

56 DINGWERTH, Klaus; PATTBERG, Philipp. Global governance as a perspective on world politics. Global Gover-nance, n. 12, 2006, p. 185–203.

57 KRASNER, Stephen D. Structural conflict: The third world against global liberalism. University of California Press, p. 04.58 ROSENAU, James N. Governança, ordem e transformação na política mundial. In: ROSENAU, James N.; CZEM-

PIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 21.

59 BOYLE, Alan. Relationship between International environmental law and other branches of International Law. In: BONDANSKY, Daniel; BRUNNÉE, Jutta; HEY, Ellen. The Oxford Handbook of International Environmental Law. Oxford University Press, 2007, p. 125-246; p. 126.

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estruturas afetadas pelo comportamento desses atores e por uma série de outros fatores contextuais. Os regimes podem afetar o comportamento intensificando a preocupação com um problema, melhorando o ambiente contratual entre os participantes ou capacitando-os para lidar com a questão. É possível examinar o impacto dos regimes como provedores de autoridade, legitimidade e como mecanismos de efetividade. 60

Keohane retrata que outra função dos regimes é procurar estruturar um equilíbrio nessas relações, ou seja, tentar corrigir assimetrias causadas pela política mundial e condição dos atores envolvidos.61 Nesse sentido, tem-se também que o papel dos regimes jurídicos como provedores de governança na possibilidade de conjugar os diferentes objetivos e impedir que a ação individual conduza à diminuição do bem-estar social.62

É nessa interação que os regimes jurídicos internacionais são vistos como instrumentos de governança, ao sistematizar o modo de realização de determinada atividade, ligando os âmbitos nacionais e internacionais de forma legítima, na visão dos envolvidos. Estudar a natureza do regime permite vislumbrar as bases da legitimidade para as ações coletivas, assim como permite uma compreensão de como se dá a sua efetividade. Com vista a esse contexto, vislumbra-se a seguir, o cerne entre governança e o direito.

1.1.4.2 Governança e o direito

A expansão normativa internacional é diretamente relacionada com a tomada de consciência das interdependências e a busca por sistematizações para reger as relações comuns.63 Conforme segue abaixo, uma forma de se interpretar a pertinência da relação entre governança e o direito pode orientar-se pelo estudo da legitimidade e efetividade da norma jurídica, âmbito dentro do qual se insere uma análise da concretização do objetivo almejado por determinada norma, no caso da presente pesquisa, do alcance da proteção sócio-ambiental no liame normativo inserido na atividade comercial, como será visto nos capítulos posteriores, pelos estudos de caso.

a) As bases da governança: a legitimidade do direito internacional

Busca-se aqui esclarecer a importância das noções de legitimidade e governança sem governo, relação diante da qual utiliza o conceito de legitimidade como a concepção de aceitação de determinada regra ou conduta por determinada sociedade ou grupo de pessoas. 64 60 YOUNG, Oran R. Teoria de Regimes e a busca de Governança Global. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU,

Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 371-398, p. 377.

61 KEOHANE, Robert O. The demand for international regimes. International Organization, vol. 36, No. 2, International Regimes (Spring, 1982), p. 325-355. Disponível em: <http://links.jstor.org/sici?sici=0020-8183%28198221%2936%3A2%3C325%3ATDFIR%3E2.0.CO%3B2-J>. Acesso em: 10 fev. 2013.

62 YOUNG, Oran R. Teoria de Regimes e a busca de Governança Global. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 371-398; p. 377.

63 DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito internacional publico. 2a ed. Tradução Vítor Marques Coelho. Fundação Calouste Guldenkian, 2003, p. 74.

64 BERNSTEIN, Steven. Legitimacy in Global Environmental Governance. Journal of International Law & Interna-tional Relations, vol 1 (1-2) p. 139-166.

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Tal relação incorpora tanto uma medida empírica de legitimidade, de aceitação da regra por uma comunidade; quanto um argumento normativo, que se refere à legitimidade ou não daquele argumento de autoridade da norma.65 Em ambos os sentidos, a governança global apresenta as bases de justificação de um conjunto de ações por certa comunidade, que então serão institucionalizadas de forma a constituir-se em sistema de condução, com princípios, regras e normas direcionando as ações dos atores envolvidos. No caso da governança global do desenvolvimento sustentável, essa aceitação é o pressuposto que relaciona a necessidade do direito em se apoiar em valores que abrangem os três pilares do desenvolvimento sustentável, como elementos justificadores das ações coletivas, que se fizeram necessárias diante das consequências de interdependências causadas por essas ações.

A legitimidade das instituições de governança como a OMC, ou dos regimes internacionais em geral, ou mesmo das movimentações em torno da resolução de uma questão de repercussão transnacional, como no caso do etanol, é identificada pelo estudo das justificativas da elaboração e execução das normas pertinentes, ou seja, foram aceitas e estão sendo aplicadas ou colocadas em discussão pelos atores envolvidos, por visarem um objetivo comum, cuja apreciação é tida como importante. Na pesquisa em questão, tendo o desenvolvimento sustentável inserido na atividade comercial, é possível dizer que suas regras de condução foram legitimadas em torno de objetivos, dentre os quais, é interesse dos envolvidos a condução sustentável da atividade.

Além disso, quando se relata acerca de governança global, nesta pesquisa, fala-se em movimentações voltadas para ações coletivas, onde a participação e apreciação do interesse dos envolvidos é importante do ponto de vista normativo, a legitimação das ações ocorre em vista de serem as normas reguladoras oriundas do consenso e de os mecanismos de implementação permitirem a argumentação, ou seja, associa-se a legitimidade com a forma pela qual as regras foram elaboradas; serão, pois, legítimas, por serem resultado do discurso e da apreciação dos diferentes interesses envolvidos.66

Em outras palavras, a legitimidade relaciona-se com a governança global na medida em que as normas jurídicas são reflexos do consenso entre as partes em uma sistematização de regras que se formou como eficaz para englobar os diferentes interesses envolvidos. Essa interação enfatiza o debate, argumentação e fundamentação das decisões, para possibilitar a manifestação de dimensões morais, políticas e de fidelidades no âmbito da normatização e implementação da norma. Nesse sentido, estando legítimas as normas, a efetividade é proporcional ao grau de estabilização das expectativas associadas.67

E o modelo de governança é útil para identificar a legitimidade em seu âmbito empírico e também normativo. Permite o estudo do que levou os atores buscarem consenso e ações coletivas; da mesma forma, possibilita a percepção de quando e porque uma norma

65 BERNSTEIN, Steven. Legitimacy in Global Environmental Governance. Journal of International Law & Interna-tional Relations, vol 1 (1-2) p. 139-166.

66 Significa preencher, ou pelo menos responder em maior intensidade à tensão entre fato e validade, entre a posi-tividade do direito e a legitimidade pretendida por ele. Importante explicar que existem diferenças significativas na teoria do agir comunicativo de Habermas e uma abordagem sobre governança global, que não cabe aqui a extensão. O paralelo com Habermas é apenas para definir a posição da racionalidade no debate, uma vez que o consenso, na governança global, legitima as bases institucionais. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume I. Tradução: Flávio Beno Seibeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 128.

67 Nesse sentido, delineia-se que Habermas ressalta para a relevância de uma autoridade moral dos direitos subjetivos, como pretensão de legitimidade, para além da legalização democrática. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume I. Tradução: Flávio Beno Seibeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 121.

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já existente não satisfaz determinados atores que, então, empenham-se para colocá-la em debate, ou seja, já que o liame entre a norma e o interesse pela sua realização é o objetivo que tornou possível sua existência, e tal objetivo atrela-se aos interesses does atores envolvidos, sua legitimidade pode ser questionada no âmbito da governança global, por possibilitar estudos em torno desse contexto da norma e dos atores que as implementam.

Vale dizer, a governança global possibilita a identificação de mecanismos de eficácia e efetividades úteis para análise da adequação e cumprimento da norma jurídica e da satisfação do resultado almejado. Nesse sentido, e conforme segue abaixo, é importante compreender a relação entre efetividade da norma e estudos no âmbito da governança global.

b) Governança e efetividade do direito

A pertinência da análise no âmbito da governança global para o estudo da efetividade do direito permite trabalhar com aspectos que ultrapassam o âmbito jurídico da norma. Mais precisamente, por relacionar direito e relações internacionais, estudos na governança global permitem a identificação de alguns possíveis critérios para avaliação da efetividade jurídica. Critérios com repercussão no âmbito jurídico, mas que possuem espaço em outras clivagens próprias das relações internacionais, de cunho político, econômico, entre outros. Elementos na governança global giram em torno da movimentação dos atores, de como e o porquê de agirem como o fazem e como isso reflete na estrutura jurídica envolvida.

A efetividade jurídica pode ser relacionada com governança global pela abrangência de pluralidade de atores, assuntos, valores, e de formas das normas jurídicas, regimes e assimetrias de poder, inerentes às relações internacionais. Associando-se à presente pesquisa, a relação entre governança e efetividade jurídica permite a identificação de elementos oriundos das relações políticas e/ou econômicas que repercutem na aplicação do direito e concretização dos objetivos de determinada norma.

Vale relembrar que, para a construção da realidade jurídica efetiva, exige-se uma integração dos problemas axiológicos, históricos, econômicos e sociais, essenciais para a adequação do direito à realidade.68 Contudo, mesmo estando apta para a produção de seus efeitos, sendo essa aptidão caracterizada na sua congruência técnica e formal, bem como sua congruência valorativa e de adequação com a realidade69, não significa que eles realmente ocorrerão; eis o plano da efetividade.

Efetividade jurídica é o grau de incidência de obediência à norma: remonta saber se é ou não fiel e constantemente seguida. É o passo para além do mundo jurídico, sendo a realização do direito no desempenho concreto de sua função social. Identifica-se, de modo geral, uma diferença técnica entre eficácia e efetividade da norma, sendo a primeira a aptidão para produzir seus efeitos, e a segunda, a análise da real produção desses efeitos.70

Especificamente para o âmbito normativo internacional, Varella exemplifica como indicativos de efetividade para o grau de eficácia de uma norma, aspectos normativos e aspectos que também são dotados de cunho político e econômico, cuja repercussão é maior

68 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 08-14.69 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti, apresentação

Alaôr Caffé. São Paulo: EDIPRO, 2001, p. 47-48.70 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional

transformadora. 5. ed. Editora Saraiva, 2003, p. 247.

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ou menor, dependendo de cada caso. No liame normativo, apresenta-se como indicativo de efetividade a própria apresentação da eficácia pertinente, ou seja, as características da organização do conjunto das normas em estudo: definição clara dos objetivos, graduação de níveis de obrigações conforme as diferentes capacidades nacionais, existência de organizações internacionais responsáveis pelo monitoramento e aprimoramento dos avanços produzidos, existência de sanções para os casos de não cumprimento e mecanismos de soluções de controvérsias com poder de sanção para as suas decisões. Quanto à eficácia política e econômica da norma internacional, destacam-se a legitimidade do tema para os diferentes atores, a concordância e participação dos Estados mais importantes, a viabilidade dos procedimentos e objetivos almejados, o interesse econômico positivo dos atores envolvidos e a sensibilização da população sobre o tema.71

Oran Young delimita que também é medida de efetividade para a eficácia da norma a sua forma, em que se aprecia sua legitimidade, e também sua natureza jurídica, que poderá apresentar sua capacidade de lidar com outros sistemas normativos. Tais considerações podem atrelar-se à identificação de elementos não necessariamente jurídicos, mas majoritariamente políticos e econômicos que refletem na aplicação da norma. A respeito da forma, a concretização da norma dependerá, em alguma medida, da transparência no monitoramento das condutas; e do ponto de vista da sua capacidade de lidar com outros sistemas normativos, a sua natureza como norma jurídica, com maior ou menor força de implementação (enforcement), aponta o seu grau de resistência dos mecanismos em face de turbulências externas e internas, do rigor das regras reconhecidas que governam as mudanças nas suas normas substantivas, da capacidade dos governos em implementar suas normas, das assimetrias atreladas à distribuição do poder e grau maior ou menor de interdependência, e da permanência da legitimidade das idéias de ordem intelectual que a sustentam. 72

Vale dizer, o direito internacional apresenta uma peculiaridade a mais com relação à efetividade: por vezes refere-se à adoção de normas que inicialmente não buscam solucionar o problema, mas dar sim buscar levantar sua discussão política e a organização dos seus efeitos econômicos, políticos e sociais; funciona como primeiro passo para o convencimento dos principais atores a comprometerem-se para tratar daquele tema. Ressalta Varella que é uma medida política, mais do que jurídica. Assim, pode ocorrer que a norma seja cumprida, mas não resolva o problema.73 Dessa forma, é possível vislumbrar a efetividade jurídica pelo seu cumprimento e maximizado esse, quando é também efetiva em razão do resultado que se almejava.

Relacionando-se esse ponto de vista com a perspectiva dos regimes internacionais, a efetividade de um regime pode tomar duas perspectivas: focalizar a natureza do problema e focalizar a capacidade de resolver o problema. Com relação à natureza do problema, a idéia básica é que algumas dificuldades são intelectual e politicamente menos complicadas e mais benignas que outras, portanto, mais fácil de resolver; com respeito à capacidade de resolução, a efetividade pode tomar um sentido diferente, uma vez que

71 VARELLA, Marcelo Dias. A efetividade do direito internacional ambiental: análise comparativa entre as convenções da CITES, CDB, Quioto e Basiléia no Brasil. In: BARROS-PLATIAU, Ana Flávia; VARELLA, Marcelo Dias (orgs.). A efetividade do direito internacional ambiental. Brasília: Ed. UNICEUB, UNITAR e Unb, 2009, p. 29-50; p. 34-35.

72 YOUNG, Oran R. A eficácia das instituições internacionais: alguns casos difíceis e algumas variáveis críticas. In: ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo: ordem e transformação na políti-ca mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 239-253.

73 VARELLA, Marcelo Dias. A efetividade do direito internacional ambiental: análise comparativa entre as convenções da CITES, CDB, Quioto e Basiléia no Brasil. In: BARROS-PLATIAU, Ana Flávia; VARELLA, Marcelo Dias (orgs.). A efetividade do direito internacional ambiental. Brasília: Ed. UNICEUB, UNITAR e Unb, 2009, p. 29-50; p. 34-35.

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alguns problemas são resolvidos mais rápidos porque existem capacidades institucionais e políticas mais fortes por trás.74

O desafio intelectual e tecnológico é identificar o problema e as medidas de efetividade; o desafio político é mobilizar atores relevantes em propósito de ações coletivas para buscar uma solução efetiva. 75 Pela perspectiva da efetividade jurídica de questões ambientais, e, em consequência do desenvolvimento sustentável, esse ponto de vista é importante como ponto de avaliação da eficácia das instituições da governança global. Analisar, pois, para além do cumprimento da norma é buscar elevar ao máximo a concretização de questões ambientais e sociais, junto com valores econômicos, enquanto pilares da sustentabilidade.

Na atuação do Estado em face de um modelo de governança, a efetividade corresponde à realização das normas, compatibilizando os compromissos internacionais com as necessidades nacionais e repercussões diversas, que dependem da sua capacidade em gerir esta interação. Além disso, observando-se outros atores e relacionado a determinado problema no âmbito da governança – aqui, se diz respeito à algumas empresas privadas, contextualiza-se outros fatores de repercussão na concretização de um objetivo normatizado.

Nos estudos dos capítulos segundo e terceiro desta pesquisa, como critério utilizado para análise da efetividade das normas envolvidas em cada caso, estuda-se o alcance da proteção sócio-ambiental almejada – e identificado em cada caso – nas ações estatais e de empresas privadas. Em outras palavras, busca-se avaliar tal alcance na movimentação dos atores principais envolvidos em cada caso, para a resolução do problema ou questão sócio-ambiental pertinente, ou seja, o que fizeram e como vêem agindo em torno de um problema sócio-ambiental, respostas que terão seus elementos associados a questões tanto de proteção sócio-ambiental, propriamente dita, quanto a colocações políticas, econômicas e sociais, a serem identificadas no âmbito jurídico, quando da aplicação ou elaboração das normas.

Alinha-se, tem-se a utilidade do estudo no âmbito da governança global, dos regimes internacionais, diante do caráter de sistematização de regras que possuem, a ser aplicado em vista da condução de algum problema ou atividade comum a todos, sendo o direito um dos seus instrumentos. Uma vez compreendida esta questão, é possível adentrar no modelo da governança global do desenvolvimento sustentável, raciocínio que se segue.

1.1.5 A governança global do desenvolvimento sustentável: uma perspectiva jurídica do direito como seu instrumento, no âmbito do comércio

Até aqui, restou entendido, primeiro, a pertinência de um estudo no âmbito da governança global, em contraste com perspectivas gerais acerca da sistemática tradicional das relações internacionais é, pois, capaz de englobar elementos de estudos que teorias mais tradicionais das relações internacionais simplesmente não se mostram suficientes. Esclareceu-se que, para a presente pesquisa, de modo geral, estudar no âmbito de governança global, justifica-se na medida em que não se restringe à análise ds relações entre Estados, pois

74 Ibidem, p. 29-50, p. 34-35.75 ANDRESEN, Steinar; SKJAERSETH. Science and technology from agenda setting to implementation. In: BO-

DANSKY, Daniel; BRUNNÉE, Jutta; HEY, Ellen. The OXFORD handbook of international environmental law. OXFORD University Press Inc., New York, 2007, p. 182-204; p. 185.

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abordará também o âmbito das empresas privadas, e por encontrar-se na relação entre direito nacional e internacional, aspecto jurídico do uso do termo “global”. Além disso, falar no contexto da governança global é útil em razão do estudo situar-se também na dinâmica das ações coletivas em torno dos efeitos de globalização e interdependência – nesta pesquisa, a serem delineadas no âmbito do comércio, meio ambiente, questões sociais e desenvolvimento.

A partir desse panorama, compreendeu-se também a amplitude que a noção de governança pode tomar, dentre as quais se julgou pertinente melhor entendimento sobre governança sem governo, haja vista sua relação com a formulação de normas e sistemas de regras, institucionalizados ou não, por parte dos atores envolvidos, públicos e privados, na condução de alguma ação coletiva,, o que permitiu entendimento também da interface entre governança, regimes internacionais e o direito. Buscou-se explicar então que, sendo o direito instrumento de governança, o âmbito em torno de um modelo de governança pode trazer elementos contextuais que explicam em alguma medida os motivos para o alcance ou não de algum objetivo normatizado. Tais elementos podem ser de cunho não necessariamente jurídico, mas políticos ou econômicos, embutidos na característica dos atores responsáveis por sua implementação e na sua capacidade de lidar com as diferentes facetas das relações internacionais e do âmbito nacional no qual estão inseridos. Para que não haja dúvidas, mais uma vez explica-se que tais elementos serão delineados de acordo com cada estudo de caso, no âmbito do estudo do alcance sócio-ambiental envolvido em cada caso.

A governança global do desenvolvimento sustentável, por sua vez, permeia institucionalizações, instituições, regimes e outras formas de pactos tidos como mecanismos de eficácia e efetividade, que visam lidar com os desafios dos efeitos da globalização e interdependência. Conceitualmente, constitui-se então a composição resultante da dinâmica ensejada no âmbito das ações coletivas globais em torno de uma questão de desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, destaca-se abaixo melhor compreensão de algumas características gerais inseridas nesse âmbito, em torno da implementação da proteção sócio-ambiental. Ressaltam-se elementos como a ponderação, formulação e difusão dos riscos e sua normatização no direito internacional e nacional. Além disso, dados os aspectos de transnacionalidade que as violações a valores ambientais e sociais podem tomar, podendo afetar a tudo e a todos, podem ser vislumbrados como bens comuns globais, exigindo-se, para a viabilidade de sua proteção, elementos como equidade, participação, distribuição de direitos e deveres, apreciação dos diferentes interesses, a fim de que seja possível a concretização das diversas clivagens do desenvolvimento sustentável, tanto nos campos econômicos, quanto ambiental e social.

Juridicamente, desenvolvimento sustentável tornou-se a abordagem mais compreensiva para lidar com questões globalizadas como proteção do meio ambiente, implementação dos direitos humanos, desenvolvimento econômico, equidade, democratização, justiça e paz.76 O desenvolvimento sustentável comporta questão de estratégia global para conjugar interesses sociais, ambientais e interesses econômicos. São perspectivas que integram a governança global do desenvolvimento sustentável. É dizer que, pelo norte ensejado na noção de desenvolvimento sustentável, atores públicos e/ou privados organizam-se, formulam sistemas de normas e de implementação de ações coletivas na condução das atividades inseridas em suas relações comuns atreladas àquela questão específica.

Com o desenvolvimento sustentável, o direito internacional tornou-se mais interconectado. A normatização dos diferentes setores não apenas regulava aquela atividade, 76 REDE Brasil Voluntário. Os objetivos do milênio. Disponível em: <http://www.objetivosdomilenio.org.br/objeti-

vos/> Acesso em: 28 jan. 2013.

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dispunha também acerca de como se compreendia o tratamento dos valores de proteção ambiental e direitos humanos, quando envolvidos naquela atividade. Para apreciação de quais elementos do desenvolvimento sustentável são então levados ao debate, para sua possível institucionalização ou formulação de regimes e/ou regras para sua condução, a participação dos atores para a definição dos riscos são características importantes no âmbito dessa governança. Essa governança ressalta a importância central do papel de instituições formais e informais, ou seja, das organizações internacionais, dos grupos científicos transnacionais, sociedade civil e o setor privado na implementação do desenvolvimento sustentável.77

A inserção de mecanismos que permitam a formulação dos riscos e a sua consideração são questões de legitimidade e de eficácia, por corresponder ao que será levado em conta na sistematização da condução daquela atividade e ações coletivas. Nesse sentido, Peter Haas chama atenção para a importância da interação com as comunidades epistêmicas78, que são responsáveis pelo estudo dos riscos e por sua formulação. O resultado é o que Haas chama de usable knowledge, que consiste na informação apurada sobre determinada questão, que foi politicamente formada.79

Eis a importância das inovações tecnológicas para os problemas ambientais, a ciência adverte o que fazer, enquanto a tecnologia determina a limitação e oportunidades para os problemas alvos, limitações então determinadas politicamente em torno da interação no campo das comunidades epistêmicas e na dinâmica das relações internacionais como um todo.80 E, nesse sentido, a importância das comunidades epistêmicas ocorre na medida em que desenvolvem e fazem circular no contexto político e jurídico, valores, interesses e preferências, assim como permitem identificar participantes legítimos no processo de formação da política, e influencias na forma e conteúdo, constituindo como os conflitos de interesse serão resolvidos.81

Pela perspectiva jurídica, destaca-se a constituição e dinamização dessa governança diante da formulação de sistemas, distribuição de responsabilidades, direitos e deveres entre os envolvidos, mecanismos de implementação e, do ponto de vista do direito nacional, envolve a inserção de aspectos do desenvolvimento sustentável e de mecanismos para sua concretização, nas constituições e legislações, ou seja, a formulação de sua eficácia normativa. E a sua implementação propriamente dita, depende de algumas questões que, dentre outras, destacam-se a capacidade estatal e dos demais atores envolvidos, de conjugar essa concretização com os diferentes interesses presentes. 82

77 HAAS, Peter M. Promoting knowledge based international governance for sustainable development. In THOYER, Sophie; MARTIMORT-ASSO, Benoît (eds.). Participation for sustainability in trade. England: ASHGATE Publish-ing Limited, 2007, p. XXIV-XXVII; XXIII.

78 Segundo Peter Haas, comunidades epistêmicas são redes, em geral, transnacionais, de conhecimento baseado em especialista com uma demanda de autoridade ao exigir a inserção deste conhecimento nas políticas de sua especial-ização. HAAS, Peter. Epistemic Communities. In: BODANSKY, Daniel; BRUNNÉE, Jutta; HEY, Ellen. The OX-FORD handbook of international environmental law. OXFORD University Press Inc., New York, 2007, p. 791-806, p. 799.

79 HAAS, Peter M. Promoting knowledge based international governance for sustainable development. In THOYER, Sophie; MARTIMORT-ASSO, Benoît (eds.). Participation for sustainability in trade. England: ASHGATE Publish-ing Limited, 2007, p. XXIV-XXVII, p. XXV.

80 ANDRESEN, Steinar; SKJAERSETH. Science and technology from agenda setting to implementation. In BO-DANSKY, Daniel; BRUNNÉE, Jutta; HEY, Ellen. The OXFORD handbook of international environmental law. OXFORD University Press Inc., New York, 2007, p. 182-204, p. 184.

81 HAAS, Peter. Epistemic Communities. In: BODANSKY, Daniel; BRUNNÉE, Jutta; HEY, Ellen. The OXFORD handbook of international environmental law. OXFORD University Press Inc., New York, 2007, p. 791-806, p. 799.

82 OCDE Sustainable Development Studies. Institutionalising Sustainable Development. OCDE Publishing, 2007, p. 11.

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Além disso, a proteção dos valores ambientais e sociais, como objetivos no âmbito da governança global do desenvolvimento sustentável, pode ser caracterizada de maneira geral, pela não-rivalidade e não-exclusividade, haja vista sua violação não estar restrita a ator ou território, ou questão. Conforme visto, uma violação a tais questões podem gerar efeitos a todos e alcança qualquer lugar; nesse sentido, são elementos essenciais na dinâmica dessa governança, elementos como equidade e mecanismos de ações coletivas, com nivelamento de responsabilidades, em que se intenta abranger ainda, as necessidades de desenvolvimento da população, requerendo-se também sua participação. Pelas características de não-rivalidade e não-exclusividade, de modo generalizado, tais valores entram na lógica dos bens públicos globais junto com os desafios de paz e segurança, manutenção da saúde, estabilidade financeira, compartilhamento de conhecimento e a abertura do mercado. 83

Contudo, essas são características gerais, uma vez que a implementação de elementos sociais e ambientais do desenvolvimento sustentável depende de como é conduzido em cada atividade e de acordo com o conjunto de normas para ela designados. Tendo em vista então que a pesquisa em questão é abordada no âmbito jurídico do comércio nesse modelo de governança, busca-se analisar o conceito de desenvolvimento sustentável delineado no direito internacional econômico voltado para a atividade comercial, como instrumento dessa governança, e, nessas condições, torna-se objeto de análise dos estudos de caso, tendo o próprio desenvolvimento sustentável como parâmetro de avaliação do alcance da proteção sócio-ambiental, conforme segue abaixo.

1.2 Do conceito de desenvolvimento sustentável pelo direito internacional e parâmetros para análise do alcance da proteção sócio-ambiental

O conceito do desenvolvimento sustentável, veiculado pelo direito internacional, levanta considerações acerca de como foram sendo integrados direito ao desenvolvimento e direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tal aspecto normativo espelha nova perspectiva do desenvolvimento, que não podia mais limitar-se ao âmbito econômico, mas deveria integrar também os campos sociais e ecológicos. Para essa compreensão, primeiro segue-se a linha normativa do conceito de desenvolvimento sustentável no direito internacional e, na sequência, tem-se análise desse conceito enquanto parâmetro de desenvolvimento em uma perspectiva integradora das três clivagens de sustentabilidade.

1.2.1 O conceito de desenvolvimento sustentável pelo direito internacional

O direito do desenvolvimento emergiu do direito internacional econômico, no período após a 2ª Guerra Mundial, das negociações entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, cujo início é simbolizado pela Conferência de Bretton Woods, visando à reconstrução da ordem polícia e econômica internacional com o objetivo de desenvolvimento.84

Destaca-se que, com a Carta de Havana, na primeira rodada de negociações do GATT (1946), promovia-se o desenvolvimento como uma construção com estágios

83 THOYER, Sophie. Global public good and governance of sustainable development. In: THOYER, Sophie; MARTI-MORT-ASSO, Benoît (eds.). Participation for sustainability in trade. England: ASHGATE Publishing Limited, 2007, p.43-60, p. 43.

84 Para um histórico da formação da OMC, ver: BARRAL, Welber, org. Tribunais internacionais: mecanismos contem-porâneos de solução de controvérsias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.

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sucessivos na perspectiva econômica, sem, contudo, haver algo a respeito da criação de um sistema preferencial. O desenvolvimento econômico aparece como ferramenta para a paz mundial e como único meio de propiciar melhoria no nível de vida.85

A partir da segunda metade do século XX, tem-se momento de transição dos alicerces da legitimidade das ações estatais internacionais. De uma lógica onde prevalecia uma ênfase para a segurança nacional na estruturação das políticas internacionais para uma em que, reconhecidos determinados âmbitos de globalização e interdependência, passasse a permear mecanismos para promover a colaboração entre Estados, como forma de alcance dos objetivos em comum.86 E o direito internacional se constrói como reflexo desta dinâmica nas relações internacionais.

Assim, o direito do desenvolvimento segue com premissa no discurso da cooperação. E, tendo em vista a divergência de nível em termos de potência econômica e militar nas relações internacionais, corrobora-se aqui com a perspectiva teórica de que o direito do desenvolvimento foi construído inicialmente como forma de manutenção do poder por parte dos países desenvolvidos em detrimento aos países em desenvolvimento. 87

Nos anos que se seguem, no âmbito das negociações comerciais, os países em desenvolvimento formulam uma série de reivindicações para essa condição de país em desenvolvimento. Os objetivos incluíam crescimento econômico, igualdade na política internacional, influência no processo de decisões internacionais, autonomia e preservação da integridade territorial de invasão externa. As táticas variavam da criação de organizações internacionais e programas como a UNCTAD, que promoveu o G77, além de alianças com poderes maiores, guerras locais para manipular forças maiores, violências irregulares como movimentos nacionais, entre outras. Consistiu nos esforços dos países em desenvolvimento para assegurar controle e melhora pelo estabelecimento de regimes internacionais que legitimam a um modo mais autoritário, ao invés do mercado liberal.88

Ilustram esse cenário, a Conferência de Bandoeng, em 1955, a UNCTAD, criada em 1965, o G77 em meados de 70 e o PNUD. Nesse sentido, o direito do desenvolvimento então compreende o conjunto de normas e princípios que asseguram os países do Sul, condições propícias ao seu desenvolvimento, distinguindo-se do direito ao desenvolvimento, que é o direito strictu sensu de cada um, ou cada país de desenvolver.89

Ressalta-se que o direito do desenvolvimento, nesse momento, ainda não tratava de questões ambientais, sua perspectiva era predominantemente econômica. Entretanto, a lógica sustentável começa a ganhar espaço e, a partir dos anos 60, o direito internacional ambiental emerge e segue como resposta a um contexto caracterizado pela internacionalização dos problemas ambientais até então locais ou regionais.90 São, pois, os estudos sobre os

85 VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 8-9.86 CZEMPIEL, Ernst-Otto. Governança e democratização. In: ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernst-Otto (orgs.).

Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: Editora Uni-versidade de Brasília, 2000, p. 335.

87 VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 9.88 KRASNER, Stephen D. Structural conflict: The third world against global liberalism. University of California Press,

p. 14.89 A título ilustrativo, um dos resultados destas pressões corresponde ao sistema de preferências no GATT, baseado

essencialmente nos princípios da não-reciprocidade, da desigualdade compensadora a fim de que se viabilizasse a competitividade para os países do Sul no mercado dos países desenvolvidos. VARELLA, Marcelo Dias. Direito inter-nacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 08-12.

90 PORTER, Gareth, BROWN, Janet Welsh; CHASEK, Pamela S, Global environmental politics. 3. ed.

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riscos ambientais, que se inserem na racionalização das decisões no campo político e com consequências jurídicas, de prever e controlar as futuras consequências das ações humanas.91

Reconheceu-se a relevância da biodiversidade para um ambiente equilibrado, e deste para a sobrevivência do homem na Terra, além da fragilidade com que estes se mantêm.92 O desenvolvimento sustentável ganha força no contexto do direito internacional ambiental que passa a direcionar a ação dos Estados e indivíduos para a regulamentação das suas atividades, para conjugar o crescimento econômico e social, com a conservação ambiental, e com isso, a possibilidade de continuidade das atividades humanas e a melhoria da qualidade de vida.

Tal repercussão é ilustrada pela Declaração sobre o ambiente humano, oriunda da Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, no ano de 1972, com a participação de delegações de 113 países, 700 representantes de cerca de 400 Organizações não Governamentais e inúmeras Organizações Intergovernamentais. Em termos de governança, o seu formato holístico e multidisciplinar foi inovador com a inclusão de vários círculos de debates: envolvendo Estados e a sociedade civil organizada. 93

Essa Conferência marcou a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela inclusão na pauta da questão do patrimônio comum da humanidade, formado por bens públicos internacionais, tais como os fundos marinhos, os oceanos, a atmosfera etc. Houve também que a incorporação da problemática ambiental com estratégias de desenvolvimento, dado que as consequências de degradação ao meio ambiente foram percebidas como resultado das disparidades políticas sociais e econômicas, estando diretamente relacionadas com a pobreza de um lado e, de outro, com a apropriação tecnológica por minorias ricas. 94

O conceito de desenvolvimento sustentável foi finalmente expresso, em 1987, pelo Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazerem as suas próprias necessidades” 95 Essa racionalização reflete uma nova hierarquia de valores. 96 Envolve o incremento para transformações na ciência e na política em resposta aos problemas ambientais. As mudanças tecnológicas se

United States of America: Westview Press, 2000, p. 01-02.91 BECK, Ulrich. World risk society. Polity Press: Cambridge, 2000, p. 03-06.92 KISS, A, Introduction to International Environmental Law, 2nd Revised Edition, UNITAR, Geneva, Switzerland,

2005, p. 23-24.93 SACHS, Ignacy. Desenvolvimento sustentável: do conceito à ação de Estocolmo a Joanesburgo. In: VARELLA,

Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 37-48; p. 40.

94 SACHS, Ignacy. Desenvolvimento sustentável: do conceito à ação de Estocolmo a Joanesburgo. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 37-48, p. 41.

95 Descreve o Relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente que a satisfação das necessidades e aspirações humanas consiste no objetivo do desenvolvimento. Significa suprir as necessidades essenciais dos seres humanos, como a alimentação, vestuário, habitação e emprego e lhes dar oportunidades de satisfazer suas aspirações por uma melhor qualidade de vida. ONU. Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O Con-ceito de desenvolvimento sustentável. Disponível em: <http://www.un-documents.net/ocf-02.htm> Acesso em 03 fev. 2013.

96 HERMITTE, Marie-Angèle. A fundação jurídica de uma sociedade das ciências e das técnicas através das crises e dos riscos. In: VARELLA, Marcelo Dias. Direito, sociedade e riscos: A sociedade contemporânea vista a partir da idéia de risco. Rede Latino-Americana e Européia sobre Governo dos Riscos. Brasília: UniCEUB, UNITAR, 2006, p. 11-56, p. 13.

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dão diante dos problemas de degradação ambiental ligados ao crescimento econômico e produção insustentável e, por outro lado, representa a forma de solução a estes problemas.97

As inovações na tecnologia tomam lugar no contexto comercial, envolvendo companhias privadas e também tendem a ser o alvo de grupos de política ambiental. Interferem na efetividade dos regimes internacionais, na medida em que assumem importante características nas agendas, provendo as premissas para a formação de políticas coletivas. Nesse sentido, a ciência permite o conhecimento do problema, enquanto a tecnologia determina as possibilidades de respostas. O cenário político e a repercussão das questões e dos atores envolvidos, por sua vez, definem o caminho a ser seguido. 98

Tal normatização se manifestou tanto em dois níveis: o da dimensão individual, decorrente da conscientização dos cidadãos relativamente à perenidade dos recursos e à necessidade de contribuir para a preservação da natureza, emergindo uma opinião pública acerca da necessidade de proteção ambiental; e o da dimensão institucional, com a multiplicação dos movimentos ambientalistas, de departamentos nos governos ligados ao meio ambiente e de regimes internacionais ambientais. Refletiu também, no âmbito axiológico do direito, para a constituição do direito ao ambiente como direito do homem, integrando a terceira geração dos direitos fundamentais e da sua proteção como problema do Estado.99

Especificamente no plano internacional, tratados sobre diversos assuntos e atividades passaram a ter que regulamentá-las para que sejam executadas de forma sustentável. A questão, primeiro, ganhou espaço setorial, com a manutenção das atividades por setores: oceanos, fauna e flora etc; em um segundo momento, a regulamentação surge diante do aparecimento dos produtos tóxicos, atividades nucleares e o problema do desperdício; e, em um terceiro período, o direito internacional visou atender os problemas ambientais globais para a necessidade de se implementar a cooperação entre os países. E por essa normatização, o conceito de desenvolvimento sustentável toma forma e conteúdo nos diversos âmbitos do direito internacional. 100 Nesse cenário, sua concepção se sobressai da fusão dos princípios do direito ao desenvolvimento e o da preservação do meio ambiente no direito internacional.101

Interessante ressaltar como Freestone delimita desenvolvimento sustentável. O faz em vista de elementos substantivos e procedimentais, segundo interpretação da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente. 102 Os elementos substantivos, dispostos nos artigos 3º ao 8º, são a utilização de recursos naturais, a integração entre proteção ambiental

97 ANDRESEN, Steinar; SKJAERSETH. Science and technology from agenda setting to implementation. In: BO-DANSKY, Daniel; BRUNNÉE, Jutta; HEY, Ellen. The OXFORD handbook of international environmental law. OXFORD University Press Inc., New York, 2007, p. 182-204, p. 183.

98 Ibidem, p. 183.99 SILVA, Vasco Pereira da. Verde Direito: o direito fundamental ao ambiente. In: DAIBERT, Arlindo (org). Direito

ambiental comparado. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 17-44, p. 20-21.100 Ilustram o primeiro estágio, a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, de 1982, que trata da conservação

do ambiente marinho, com a regulamentação dos usos deste ambiente, como a navegação, e da emergência de se tratar os novos problemas como a poluição do mar e suas consequências. A Convenção de Viena para a proteção da Camada de Ozônio, de 1985, complementada pelo Protocolo de Montreal, a Convenção sobre Mudanças Climáticas e outros. No segundo estágio, pode ser citada como exemplo, a Convenção sobre o controle de movimentos trans-fronteiriços de resíduos perigosos e sua eliminação, de 1992, e, no terceiro período, os acordos que enfatizam a rele-vância da cooperação entre os países para a implementação da conservação ambiental e do crescimento econômico dos Estados, de forma que, ligando o desenvolvimento dos países com a conservação ambiental. KISS, A, Introduc-tion to International Environmental Law, 2nd Revised Edition, UNITAR, Geneva, Switzerland, 2005, p. 28-29.

101 VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 29-31.102 BOYLE, Alan; FREESTONE, David. Introduction. In: FREESTONE, David; BOYLE, Alan (eds.) International law

and sustainable development: past achievements and future challenges. Oxford University Press, 1999, p.01-18; p. 08.

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e desenvolvimento econômico, o direito ao desenvolvimento e a busca pela equidade na alocação dos recursos para presentes e futuras gerações. Os princípios procedimentais, artigos 10º ao 17º, são os princípios referentes à participação pública na tomada de decisão e no processo de responsabilização ambiental.103 Tais perspectivas apoiadas no direito internacional permitem visualizar a necessidade de inserção na norma, aspectos sobre a conservação ambiental e questões atreladas ao social, como saúde, qualidade de vida etc.

Assim, a generalização da consciência ecológica nos anos oitenta e noventa trouxe consigo uma nova base legitimadora das ações coletivas, que se inseriu nas forças políticas e que ocasionou uma proliferação de leis no âmbito internacional e nacional, em matéria de ambiente, que se seguiu de forma descentralizada, assimétrica e dispersa, com ponderações distintas para cada âmbito do direito internacional. Aos poucos foram se mesclando direito do desenvolvimento e direito do meio ambiente para tentar conjugar essa situação. Ademais, conceito de desenvolvimento sustentável, para além dessa perspectiva normativa, pode ser vislumbrado também por uma perspectiva integradora dos três âmbitos que o incorporam, tal como segue abaixo.

1.2.2 Do conceito de desenvolvimento sustentável como parâmetro de avaliação: uma perspectiva integradora

A efetividade jurídica do desenvolvimento sustentável envolve definir os três parâmetros que o integram, e nesse sentido, importa observar que, do ponto de vista do resultado, a efetividade deve atrelar-se à maximização da concretização dos elementos inseridos nessas clivagens ambientais, sociais e econômicas; seja em procedimento, seja na aplicação da norma final. Tem-se uma perspectiva integradora, a fim de delinear tais pilares como critérios de efetividade do direito, como instrumento da governança global.

O modo como os valores ambientais, sociais e econômicos são dispostos na governança global possui direta relevância com sua realização. 104 De modo geral, implica em avaliar se desenvolvimento sustentável é prioridade nos âmbitos de tomada de decisão. Em outras palavras, como as decisões abordam e integram os três pilares do desenvolvimento.105 Esse aspecto se relaciona com a capacidade de interação dos diferentes âmbitos e realização dos interesses coexistentes. Nesse sentido, não é somente como tais valores estão normatizados e como se dá a aplicação dessas regras, importa observar também como tais regras estão sendo conduzidas, levando-se em consideração a interação entre os diferentes setores e entre o governo e sociedade, que permitem aspectos de adequação do modelo de governança ao contexto local, e, portanto, a realização de seus termos, das regras e dos valores ali normatizados.106

Além disso, tal perspectiva integradora envolve dizer que o desenvolvimento abrange tanto o crescimento econômico de um país, quanto à expansão das liberdades de

103 DECLARAÇÃO DO RIO DE JANEIRO SOBRE MEIO AMBIENTE. Disponível em: <http://www.ufpa.br/npadc/gpeea/DocsEA/DeclaraRioMA.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013.

104 HAAS, Peter M. Promoting knowledge based international governance for sustainable development. In THOYER, Sophie; MARTIMORT-ASSO, Benoît (eds.). Participation for sustainability in trade. England: ASHGATE Publish-ing Limited, 2007, p. XXIV-XXVII, p. XV.

105 OCDE Sustainable Development Studies. Institutionalising Sustainable Development. OCDE Publishing, 2007, p. 11.

106 OCDE Sustainable Development Studies. Institutionalising Sustainable Development. OCDE Publishing, 2007, p.11.

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seus cidadãos, como o acesso à saúde, educação etc, que então correspondem tanto ao fim, quanto aos instrumentos do desenvolvimento. Isso porque tais elementos de desenvolvimento podem ser traduzidos como parte dos âmbitos sociais, ambientais e econômicos do objetivo maior de desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, Amartya Sen preceitua que “as pessoas tem de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento”107

Segundo Ignacy Sachs, o desenvolvimento sustentável aposta na capacidade natural da região, valorizando os seus recursos específicos para a satisfação das necessidades fundamentais da população em matéria de alimentação, habitação, saúde e educação etc, e fortalecendo o que aquela comunidade tem de fraquezas. Ou seja, não é meramente aplicar um modelo de desenvolvimento, mas buscar uma adequação com as características e condições de determinada localidade, a fim de maximizar a eficiência das atividades para o desenvolvimento.108

E eficiência da norma, então, envolve não apenas o crescimento econômico com o suprimento das necessidades locais, mas a possibilidade de continuidade da atividade para aquela região. Esclarece Sachs, envolve a inserção de aspectos éticos não somente com relação a que valores abordar, mas a qual tipo de estratégia de desenvolvimento se pretende implementar:

Com efeito, ecodesenvolvimento subordina o crescimento a objetivos sociais e explicita as condicionalidade ambientais sem descuidar-se da viabilidade econômica, indispensável para fazer acontecer as coisas. Dito isso, a viabilidade econômica avaliada à luz dos critérios macrossociais não pode ser reduzida ao lucro medido com critérios microeconômicos. Em outras palavras, o desenvolvimento deve pautar-se por dois princípios éticos que se complementam: a solidariedade sincrônica com as gerações presentes e a solidariedade diacrônica com as gerações futuras. A harmonização dos objetivos sociais, ambientais e econômicos exige ação conjugada sobre o padrão da demanda e as modalidades da oferta. Nesse jogo de harmonização, a ação sobre a demanda, ou seja, os estilos de vida e de consumo, visado à redução do consumismo desenfreado e do desperdício dos recursos por parte das minorias ricas e à cobertura universal das necessidades básicas da maioria pobre, é a variável mais importante e, ao mesmo tempo, mais difícil de manejar. Entretanto, o padrão da oferta depende da escolha das energias e dos demais recursos naturais, das tecnologias empregadas e da localização das produções. As mesmas produções tem impactos ambientais diferenciados segundo o lugar onde acontecem.109

O desafio para a continuidade das atividades que utilizam recursos naturais nessas regiões é gerar no seu complexo econômico social e político, o uso sustentável. E nesse sentido, desenvolvimento sustentável corresponde à própria concepção de desenvolvimento

107 SEN, Amartya Kumar, Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Comanhia das Letras,2000, p. 71.108 SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986, p. 15-16.109 SACHS, Ignacy. Desenvolvimento sustentável: do conceito à ação de Estocolmo a Joanesburgo. In: VARELLA,

Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 37-48; p. 39.

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humano. Comporta como um instrumento que, não somente orienta como devem ser as atividades, mas que também as promove.

Do raciocínio delineado acima, um ponto importante que ambos Sachs e Sen acrescentam é a forma como este princípio pode ser realizado. Enfatizam a interação entre a sociedade e os programas de desenvolvimento do governo, assim como oportunidades fora do âmbito estatal. Nesse sentido, por um lado, a relação dessa perspectiva com o direito internacional é que este apresenta uma série de disposições, em diferentes regimes, que orientam como devem ser as atividades, sob o argumento da sustentabilidade e, por outro lado, a capacitação nacional dos países é parte do sucesso da efetividade destas disposições jurídicas internacionais.

Ademais, outro aspecto enfatizado especialmente por Sachs é tomar como parte do processo não apenas os recursos e o seu uso sustentável, mas fazê-lo de forma que sejam maximizadas as potencialidades locais para suprimir suas fraquezas. Em outras palavras, não basta haver um programa e diretrizes para o desenvolvimento sustentável, é preciso mecanismos de envolvimento e interação da sociedade e interessados com aqueles que executam as normas.

Em que pese a coerência dos pensamentos acima descritos, desenvolvimento sustentável, enquanto valor jurídico, não tem sua aplicação unificada nos ordenamentos, nem do direito internacional. Nesse sentido, a sua concepção toma forma de acordo com o seu uso110, esse que, por sua vez, depende tanto da estrutura normativa e suas condições de legitimidade e eficácia, quanto da clareza do texto e dos critérios legitimados de interpretação e também do envolvimento de outros elementos não necessariamente jurídicos, mas de cunho político, como a repercussão da decisão para as relações políticas.

Nesse sentido, mesmo reconhecidos juridicamente, não existe na prática, um consenso sobre quais pilares de sustentabilidade são absolutos, pois, estão envolvidas no processo de decisão e execução da atividade, diferentes categorias de interessados, cada um seguindo as suas prioridades. 111 Diante disso, de um lado, quando há participação de organizações internacionais é importante a forma como interpretam tais aspectos. De outro lado, tem relevância também observar outros âmbitos de repercussão ainda que não institucionalizados.

De modo generalizado, essa contextualização envolve tanto apreciar a capacidade do Estado em lidar com essas questões, quanto a capacidade dos envolvidos em intermediar os compromissos próprios com aqueles inseridos naquela governança. Do ponto de vista jurídico, leva para a valorização do debate, da capacidade de interação entre as diferentes esferas de atuação, públicas e privadas, seja na constituição, seja na aplicação da norma.

Destarte, restou compreendido que se trouxe aqui governança global do desenvolvimento sustentável a fim de contextualizar o cenário no qual se insere pesquisa do alcance da proteção sócio-ambiental pela avaliação da atuação do Brasil no comércio. No que diz respeito aos atores, restringem-se aqueles inseridos no âmbito estatal, mais precisamente, no âmbito da atuação dos três poderes, em suas funções e ainda, de

110 ABREU, Luiz Eduardo. A Troca das palavras e a troca das coisas. Política e Linguagem no Congresso Nacional. MANA, 11 (2), p. 329-356, 2005, p. 349.

111 THOYER, Sophie; MARTIMORT-ASSO, Benoît. Introduction: Participation for Sustainability in Trade. In: THOY-ER, Sophie; MARTIMORT-ASSO, Benoît (eds.). Participation for sustainability in trade. England: ASHGATE Pub-lishing Limited, 2007, p. 01-13; p. 05.

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empresas privadas, ambos a serem identificados nos casos que se seguem. Além disso, também em vista do contexto dessa governança, é possível identificar em cada caso, um conjunto de normas e ações coletivas em torno da resolução de um problema e, por essa identificação, é possível delinear se tais normas estão sendo cumpridas e se tal cumprimento está ou não levando ao resultado almejado pelos objetivos comuns traçados naquela sistemática de normas ou ações coletivas, além de ser possível identificar possíveis fatores de repercussão nesse resultado.

Ademais, compreendeu-se que, sendo o desenvolvimento sustentável um objetivo almejado nessa governança global, tornou-se importante o entendimento de como a presente pesquisa aplica o seu conceito, como parâmetro de análise do alcance dos resultados, o que se buscou fazer pelo estudo de como foi moldado no direito internacional econômico no âmbito da atividade comercial, assim como se procurou também entender como seria sua aplicação em uma perspectiva integradora, a fim de que se tenha a maximização do alcance dos resultados nos respectivos âmbitos de desenvolvimento: social, ambiental e econômico. É essa perspectiva a ser aplicada nos dos próximos capítulos, a fim de que, pelo estudo da interação entre elementos dessas clivagens de sustentabilidade, buscou-se investigar o alcance da proteção sócio-ambiental almejada, no âmbito das ações públicas e privadas em torno da resolução de uma questão comum.

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CAPÍTULO II

A CONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL VIA

INSTITUIÇÃO DA GOVERNANÇA GLOBAL: O CASO DOS PNEUS

REFORMADOS NA OMC

A OMC influencia na construção do desenvolvimento sustentável uma vez que consiste em uma instituição da respectiva governança global. Apresenta mecanismos de eficácia sócio-ambiental na promoção do desenvolvimento dos países, contudo, não é simples essa realização em um regime predominantemente comercial, como é a organização. Tendo em vista sua capacidade de afetar o direito nacional, destaca-se a importância do OSC para a concretização do alcance de elementos sócio-ambientais envolvidos em cada caso. Alcance esse que está, também, diretamente relacionado com a capacidade estatal em gerir os diferentes interesses envolvidos, internos e internacionais, no âmbito das funções de seus poderes.

A pertinência do caso dos pneus reformados na OMC para a presente pesquisa se dá diante da abrangência da controvérsia que permite analisar o Brasil na construção do desenvolvimento sustentável, uma vez que foi capaz de envolver estes três âmbitos de desenvolvimento – o econômico, ambiental e social – na atuação do OSC. Da mesma forma, o caso pode contribuir na análise sobre as consequências de uma boa ou má governança nacional, ou seja, a capacidade brasileira em interagir esses diferentes interesses. Nesse sentido, é importante realizar uma análise preliminar sobre o papel da OMC na governança global do desenvolvimento sustentável, em especial em relação à institucionalização, legitimidade e eficácia para a relação com meio ambiente e saúde humana. Assim, teremos a base teórica preliminar para uma possível análise do alcance da proteção sócio-ambiental em um caso específico que ilustra o problema, o caso dos pneus reformados.

2.1 A OMC na governança global do desenvolvimento sustentável: legitimidade e eficácia

Relacionar o papel da OMC na governança global do desenvolvimento sustentável compreende sua importância para o direito do desenvolvimento, que se dá na medida em que institucionaliza formalmente a promoção do desenvolvimento sustentável e cria normas e mecanismos para o alcance desse objetivo. E nesse sentido, faz-se mister uma compreensão mais aprimorada quando repercutem questões de meio ambiente e saúde humana na organização.

Com cerca de 150 membros, a OMC é dotada de autonomia, não sendo submissa a outras organizações e nem tendo que levá-las em consideração. Formada somente por Estados, sua natureza jurídica é a de uma organização internacional de finalidade mista (política e econômico-comercial), parauniversal, intergovernamental, de cooperação e independente.112 De modo geral, contém três grupos principais de normas: regras sobre encargos aduaneiros, regras sobre limitações quantitativas, regras referentes a outras barreiras não tarifárias. 113

112 CRETELLA NETO, José. Direito processual na Organização Mundial do Comércio, OMC: casuística de interesse para o Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 64.

113 UNCTAD. Solução de Controvérsias. Organização Mundial do Comércio: visão geral. Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 28.

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É sua função a implementação dos Acordos que engloba, ser um fórum permanente para as negociações entre seus membros, administrar o Sistema de Solução de Controvérsias e o mecanismo de revisão de política comercial (TPRM), que estabelece uma apreciação e avaliação regular coletiva das políticas e práticas comerciais de cada membro. Esses documentos de revisão são publicados, o que corresponde um ponto positivo em termos de boa governança.114

Para tais objetivos, a organização possui vários órgãos, Comitês subordinados e grupos de trabalho. Destacam-se: a Conferência Ministerial, órgão supremo, composta por representantes de nível ministerial de todos os membros, com poderes para decidir em todas as matérias dos acordos multilaterais da OMC; o Conselho Geral, composto por diplomatas em nível de embaixador, representa os membros da OMC, sendo responsável por dar continuidade no dia a dia da organização. Existem ainda os Conselhos Especializados, Comitês e Grupos de Trabalho, dentre os quais se destaca o Comitê em Comércio e desenvolvimento, e o Comitê em Comércio e meio ambiente.115

Destacam-se os órgãos quase judiciais inseridos no OSC, que são o Painel e o Órgão Permanente de Apelação. Apresentam-se, em termos de governança, mecanismos de ponderação de diferentes interesses e capacidades. O OSC é administrado pelo Conselho Geral da OMC, e regido pelo ESC, que estabelece procedimentos para que uma disputa comercial seja resolvida no marco das regras multilaterais e não por medidas unilaterais.116

A respeito do papel da organização na governança global, apresenta-se hoje veículo de implementação do direito do desenvolvimento sustentável para o comércio, em um contexto de globalização e interdependência, nas relações entre os Estados. Constitui-se como fórum internacional legítimo de negociação, cujas normas acordadas são resultantes do consenso e a composição contem também mecanismos para gerenciar os acordos entre os membros, assim como possui mecanismos com alto grau de eficácia, em especial, pela existência do OSC.

Esses aspectos alinham-se aos quesitos da legitimidade e eficácia, tanto quanto ao processo de negociação, quanto ao reconhecimento dos princípios que regem esse processo e quanto à concretização das normas resultantes. É possível afirmar que o papel do OSC constitui-se não apenas como mecanismo de adequação do direito nacional às normas da OMC, mas também como ferramenta de revisão da boa governança estatal; ou seja, ao serem questionados, os Estados podem rever, racionalizar e aprimorar suas decisões.

Destaca-se o reconhecimento dos princípios, o consenso e a ação racional enquanto elementos de governança. A constituição das normas e sua interpretação são discutidas com bases nos princípios da organização, nos momentos de negociações (as rodadas, reuniões dos

114 Ibidem, p. 12.115 Idem, p. 18-19.116 O processo no OSC inicia-se com consultas ou pela mediação do Diretor Geral da OMC. Não havendo acordo em

60 dias, o reclamante pode solicitar um painel ao OSC. Decorrido os prazos pertinentes e após as reuniões com as partes, o painel apresenta Relatório Provisório, com recomendações às partes, que têm uma semana para se manife-star, prorrogável até uma semana e então se tem o Relatório Final. O OSC deve adotar a decisão em 60 dias, exceto se uma das partes notificar pretensão de apelação ao Órgão de Apelação, que não deve ser menor que 60 dias e maior que 90, restringida às questões de direito ou à interpretação legal do painel. Nos 30 dias seguintes ao Relatório Final definitivo, o país perdedor deve informar o modo de implementação. Pode negociar “um prazo razoável”, na impos-sibilidade de fazê-lo de imediato. Esse prazo não deve exceder 15 meses da adoção do Relatório Final, exceto em “circunstâncias particulares”. Com o descumprimento, o país deve negociar com o reclamante uma compensação e, sem acordo, este pode pedir ao OSC autorização para retaliar. UNCTAD. Solução de controvérsias. Organização Mundial do Comércio: apelação. Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 29-30.

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Comitês, etc.) e pelos árbitros do OSC. É possível às partes, também em razão dos princípios da organização, pedir esclarecimentos ao Comitê pertinente, por meio do Secretariado, sobre alguma informação ou se existe dúvida a respeito da interpretação de determinado artigo.

Nesse sentido, a promoção da boa governança nacional é vislumbrada principalmente nos princípios da organização e pela orientação específica para cada âmbito de regulamentação da organização. Dentre os princípios, ressaltam-se os pilares do livre comércio, multilateralismo, não-discriminação, reciprocidade e transparência, para os objetivos de abertura comercial como meio de elevação dos padrões de vida, realização do pleno emprego, desenvolvimento sustentável e da integração dos países em desenvolvimento no comércio internacional.117 Visam à cooperação nas negociações, e buscam permitir um cenário apto para a discussão e flexibilização dos interesses.

O multilateralismo é a perspectiva geral de que as regras negociadas refletem a todos os membros. O princípio da não-discriminação visa o livre comércio e é composto, essencialmente, pela Cláusula da Nação Mais Favorecida (artigo I do GATT/1994), que proíbe o tratamento desfavorável de quaisquer produtos em relação aos produtos similares, independente de sua origem; e pelo Princípio do Tratamento Nacional (artigo III do GATT/1994), que visa o acesso aos mercados, em geral, proibindo tratamentos distintos entre produtos nacionais e importados.

Pela característica de ser a OMC também um fórum político, ainda que tenham algum peso os aspectos de barganha entre os membros, esses princípios permitem considerável medida de proteção ao protecionismo e ao unilateralismo e permitem, ademais, a redução dos custos do comércio. É nesse sentido também que orientam a reciprocidade e transparência, além das características particulares de cada um desses princípios. O princípio da reciprocidade, fundamental em um processo de negociação, visa limitar a abertura comercial para uma liberalização que não favoreça a apenas uma das partes, instrumentalizando uma racionalização das ações coletivas.118

Assim também o princípio da transparência corresponde a um mecanismo que permite a previsão das ações orientadas pela instituição, o que possibilita um cenário para investimentos, ações coletivas e cooperação. Interessante como a instituição conjuga o princípio da transparência com a importância da confidencialidade, pois, propicia mecanismos para a realização de ambos. O princípio da transparência se aplica como obrigação para os membros, com respeito aos seus atos internos e também com relação ao acesso dos documentos na OMC, são disponibilizados por meio de publicação após algum tempo e, por outro lado, o acesso `as reuniões é controlado, a fim de preservar as partes que estão naquela negociação, de possíveis pressões políticas ou econômicas para a direção daquela negociação.119

O princípio da transparência também dirige-se à governança nacional. Exige-se igualmente que os membros publiquem todas as leis de comércio, regulamentos e decisões judiciais, a fim de permitir que os governos e os comerciantes as conheçam e seja-lhes 117 UNCTAD. Solução de Controvérsias. Organização Mundial do Comércio: visão geral. Genebra: Nações Unidas,

2003, p. 10-11.118 HOEKMAN, Bernard; MATTOO, AAditya. Development, trade and the WTO: a handbook. Washington: World

Bank, 2002, p. 42.119 No âmbito do OSC, inclusive, o acesso é restrito aos Estados. O ESC apenas concede terceiros, com interesse

substancial no conflito, ou seja, também Estados. Assim, grupos ambientais não governamentais e outros interes-sados apenas podem apresentar seus argumentos por meio de lobbies junto aos governos de seus países. WEISS, Edith Brown; JACKSON, John J. O enquadramento dos conflitos entre meio ambiente e comércio. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p.295-344; p. 324.

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assegurado o acesso ao mercado. Do mesmo modo, existe a obrigação de manter ou instituir tribunais de justiça, para que as decisões possam ser revistas, o que é essencial para garantir a segurança e previsibilidade no comércio internacional.120 Uma vez estabelecidas as regras na organização, cabe aos Estados a sua aplicação interna e execução, abordagem inserida no âmbito nacional da governança.

Ao institucionalizar o desenvolvimento sustentável, a OMC acaba por afetar a boa governança nacional: orienta, pois, como deve ser a atuação estatal tanto substantivamente, quanto em termos procedimentais para o alcance dos objetivos da organização, corroborados por seus membros. Diz respeito à adequação do direito nacional às normas da OMC, com relação aos produtos e direitos envolvidos na atividade comercial e exige também dos seus membros que tenham mecanismos de transparência e de revisão, a fim de permitir tanto o conhecimento da perspectiva do Estado em determinado assunto.

Além disso, a questão da legitimidade e eficácia pode ser vista na perspectiva da racionalidade das decisões no seguinte sentido: tendo em vista a institucionalização princípios, regras e procedimentos que exigem o debate e o consenso para as decisões são assim tomadas como decisões racionais. E nesse raciocínio, a relação entre o direito nacional e as regras da organização operacionaliza a cooperação e ponderação dos riscos da decisão.121 A possibilidade de os Estados levarem para o debate tais normas permite que racionalizem e flexibilizem suas ações nacionais, promovendo a boa governança nacional tanto de forma substantiva como procedimental. 122

Nesse raciocínio, o plano da eficácia pode ser visualizado pelos princípios e a sua organização, conforme acima abordado e também pelas regras que visam uma equidade entre os membros, tanto para possibilitar a atuação deles no mercado internacional, como para balancear o desequilíbrio inerente à disparidade em termos de desenvolvimento.

De regra, a OMC é pautada por seu objetivo principal de incentivar o livre comércio. No entanto, há exceções previstas, como para a proteção a saúde humana, da proteção dos animais e dos vegetais (Artigo XX). Uma vez vislumbrada a organização da instituição, faz-se mister um maior aprofundamento da relação entre comércio, saúde e proteção do meio ambiente, o que se faz a seguir.

120 UNCTAD. Solução de Controvérsias. Organização Mundial do Comércio: visão geral. Genebra: Nações Unidas, 2003, p. 28.

121 Diferentemente da perspectiva adotada nessa pesquisa, Bhuiyan fala em realocação do poder (de regulamentação do Estado) entre os níveis nacionais e internacionais, diante de sua interferência substantiva e procedimental no direito nacional. BHUIYAN, Sharif. National Law in WTO Law. Effectiveness and good governance in the World Trading System. Series: Cambridge Studies in International and Comparative Law, n. 55. Cambridge University Press, 2009, p. 13.

122 É possível que a relação entre direito nacional e as normas da OMC posa ensejar uma discussão de mitigação de soberania. De fato, o conceito tradicional de soberania não resiste às modificações contemporâneas. Seguindo-se o raciocínio de Lupi, a soberania relaciona-se com a OMC no seguinte sentido: atuação da OMC é dotada de uma autonomia que foi cedida pelos seus Estados membros com uma cessão de competências específicas. Em termos de conteúdo, Lupi explica que a margem de autonomia (do Estado brasileiro) pode ser definida através de um conceito material de soberania, ou seja, o conceito de soberania será preenchido por uma dialética variável entre o grau de au-tonomia do Brasil na OMC. LUPI, André Lipp Pinto Basto. Soberania, OMC e MERCOSUL. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 336-337.

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2.2 A OMC e a relação entre comércio, proteção de questões ambientais e saúde humana

A relação entre comércio, questões de meio ambiente e saúde humana enfrenta constantemente um impasse: são âmbitos oriundos de lógicas distintas de tratamento e, portanto, constantemente se chocam; a realização de um é normalmente caracterizada como entrave para a concretização do outro. Tais elementos enquanto valores normatizados envolvem diferenças entre o regime comercial e ambiental.

No caso da OMC, o tratamento ambiental e de saúde humana é tido como exceção, ressaltado no artigo XX do GAT/1994, de forma que, ainda que tais valores tenham sido inseridos pela instituição, tem efetividade restrita em comparação com a implementação dos objetivos comerciais. Diante do limite normativo e institucional dessas questões, enfatiza-se o papel do OSC na sua realização. Com estas considerações, mister primeiro compreender a disparidade entre regime ambiental e comercial para, em seguida, abordar a eficácia apresentada pelo artigo XX do GATT/1994, o que leva para a questão da atuação do OSC, questões que afetam diretamente na efetividade do desenvolvimento sustentável na OMC.

2.2.1 Considerações quanto à diferença entre o regime comercial e ambiental

As diferenças entre o regime comercial e ambiental envolvem considerações acerca da natureza dos problemas e das estruturas institucionalizadas, tais como reguladas no direito internacional, que seguem em linhas distintas. Em especial, com respeito à OMC, refletem nas consequências institucionais e normativas de as questões ambientais serem consideradas exceções e a sua valoração ter um caráter secundário na resolução dos conflitos. 123

Do entendimento de que a efetividade pode ser construída acerca da capacidade institucional para resolver o problema, a disparidade entre o regime ambiental e comercial demonstra diferentes perspectivas de efetividade. De um modo geral, é possível afirmar que o direito internacional ambiental, com todas as suas falhas estruturais, é repleto de soluções tecnológicas para os problemas do meio ambiente e, diferentemente, a OMC, enquanto parte do regime comercial, embora dotada de uma estrutura mais consubstanciada institucionalmente, não possui uma efetividade plena com respeito à solução do problema ambiental propriamente dito. 124,

A inadequação entre a natureza da lógica ambiental e comercial reflete na própria constituição da norma, nos conceitos que envolve. Consiste na distinção normativa entre produto e processo. Do ponto de vista ambiental, o processo de fabricação de um produto é, com muita frequência, mais importante que o produto e, em termos comerciais, o foco normativo é normalmente para os produtos, como ocorre com a maioria das regras da OMC.

Nesse sentido, no direito internacional ambiental, busca-se o campo conceitual em questões de estrutura e processo. As questões ambientais tem dimensões políticas de

123 BOSSELMANN, Klaus. Jurisprudência das Cortes Internacionais em matéria ambiental: fazendo a sustentabilidade valer. In: DAIBERT, Arlindo (org.). Direito ambiental comparado. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.323-345; p. 338.

124 ANDRESEN, Steinar; SKJAERSETH. Science and technology from agenda setting to implementation. In BO-DANSKY, Daniel; BRUNNÉE, Jutta; HEY, Ellen. The OXFORD handbook of international environmental law. OXFORD University Press Inc., New York, 2007, p. 183-204, p. 185.

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escolhas sobre quais problemas e formas irá abordar. Envolvem impactos com processos físicos complicados que podem ser entendidos somente com a ajuda da ciência, e por isso a relação direta da regulamentação dos procedimentos com os problemas ambientais, elemento complicado de se conjugar em uma relação comercial cuja regulamentação volta-se, em sua grande maioria, não para o processo, mas para o produto. 125

Além disso, com relação à estrutura institucional do regime, tem-se que as normas ambientais internacionais são, na maioria, de caráter não cogente (soft-norms), o que torna consideravelmente limitada sua efetividade jurídica, se forem comparados o regime da OMC com normas de caráter vinculante (hard-law). Ademais, o direito internacional ambiental não possui uma estrutura unificada e conta com cerca de 500 tratados que muitas vezes se sobrepõem.126 As secretarias dos acordos são separadas e os sistemas de monitoramento individualizados para cada tratado. Os mecanismos de fundos públicos para induzir a capacidade nacional de cumprir os tratados são geralmente separados. 127

O PNUMA, locus privilegiado para uma eventual coordenação da governança global do meio ambiente no sistema onusiano, limita-se a propiciar informação e administração de vários desses tratados e não possui uma estrutura unificada e vinculante como a OMC, não podendo estabelecer tratados. Além disso, o seu orçamento depende majoritariamente de doações, o que sugere um caráter de filantropia e não de obrigação com o meio ambiente.128

Fora os problemas do PNUMA, as falhas do regime ambiental incluem a fragmentação na governança global ambiental: ausência de consenso acerca de regras e conceitos de uma atividade, ausência de coordenação efetiva entre as secretarias e os tratados ambientais, a incoerência entre os diferentes instrumentos disponíveis, com a descentralização da responsabilidade com o meio ambiente. Essa fragmentação reflete a falta de consenso internacional sobre as prioridades, normas e atuação, assim como a dificuldade de definição do problema e soluções apropriadas. 129

Além disso, o direito comercial é anterior ao ambiental e arranjado para o lucro, cuja efetividade depende do grau de compatibilidade com interesse privado, enquanto o ambiental é mais recente e apoiado por um público difuso. 130 Weiss e Jackson esclarecem:

O sistema de comércio internacional, construído sobre o princípio da vantagem comparativa, tem o objetivo de promover o crescimento. Ele obriga os países a reduzir barreiras ao comércio eficiente – tarifas, quotas de importação, subsídios e outras barreiras não-tarifárias – de

125 BODANSKY, Daniel; BRUNNÉE, JUTTA; HEY, Ellen. International Environmental Law: Mapping the Field. In: BODANSKY, Daniel; BRUNNÉE, JUTTA; HEY, Ellen. The OXFORD handbook of international environmental law. OXFORD University Press Inc., New York, 2007, p. 01-28; p. 06.

126 LE PRESTRE, Philippe; MARTIMORT-ASSO, Benoît. A reforma na governança internacional do meio ambiente: os elementos do debate. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (org). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p.399-480, p. 401.

127 WEISS, Edith Brown; JACKSON, John J. O enquadramento dos conflitos entre meio ambiente e comércio. In: VA-RELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (org). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 295-344; p. 311.

128 LE PRESTRE, Philippe; MARTIMORT-ASSO, Benoît. A reforma na governança internacional do meio ambiente: os elementos do debate. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacio-nal do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 399-480, p. 407.

129 Ibidem, p. 422-423.130 WEISS, Edith Brown; JACKSON, John J. O enquadramento dos conflitos entre meio ambiente e comércio. In: VA-

RELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 295-344, p. 299.

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modo a capacitar as economias a crescer. Não se ocupa, com muita freqüência, dos processos pelos quais os produtos são produzidos ou os recursos coletados. Assim, não lhe importa tanto se os processos são ambientalmente sustentáveis; pelo contrário, as normas ambientais a respeito do tema são vistas como incomodas barreiras ao comércio. (...) Não surpreende que os dois esforços – proteger o meio ambiente e promover o comércio irrestrito – choquem-se. As interseções entre o meio ambiente e o comércio provocam colisões entre governos, organizações não-governamentais, grandes empresas e outros atores e em cada uma dessas comunidades, como, por exemplo, entre governo federal e estadual ou local, ou entre diferentes ONGs.131

A perspectiva ambiental contrasta consideravelmente com a que predomina no comércio. A primeira é aberta, confia no acesso público à informação e está acostumada a exigir a participação pública direta na tomada de decisões. Em contraste, a cultura do comércio é mais fechada. Assuntos comerciais tem sido considerados por muitos governos, como de sua exclusiva competência, onde a participação pública não está vinculada diretamente à tomada de decisão. Ainda que haja empenhos para a transparência, essa é conjugada com a segurança jurídica dos negócios que tráz a regra do sigilo para preservar o acordo entre as partes. 132

Na OMC existe, entretanto, o Comitê de Comércio e Meio Ambiente, que foi encarregado da relação entre as disposições do sistema multilateral do comércio e as medidas comerciais para fins ambientais. Suas responsabilidades englobam intermediar as relações entre as regras da OMC e regras de encargos e taxas e exigências ambientais, regras sobre a transparência de medidas comerciais com propósitos ambientais, a relação entre os mecanismos de resolução de conflitos da OMC e outros temas encontrados em acordos ambientais multilaterais, sobre o efeito de medidas ambientais no acesso ao mercado e a questão da exportação de bens que são proibidos no país de origem. 133

Ademais, participam no Comitê de Estados Membros e observadores. Há cooperação com o Comitê sobre agricultura, o Comitê sobre barreiras técnicas, Comitê sobre medidas sanitárias e fitossanitárias, o Comitê sobre comércio e desenvolvimento e o Comitê de subsídios134. Trata-se de âmbito que pode chegar a soluções importantes. As mudanças observadas pelo Comitê devem ser enviadas ao Conselho da OMC; no entanto, não são vinculantes. Embora o Comitê reúna-se regulamente, pouco progresso é visto de forma concreta.135

Isso porque afirma-se falta de clareza e cooperação entre a OMC e outros organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Trabalhista Internacional (OTI), e o PNUMA. Além disso, não se admite a participação de pessoas

131 Ibidem, p. 297.132 WEISS, Edith Brown; JACKSON, John J. O enquadramento dos conflitos entre meio ambiente e comércio. In: VA-

RELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 295-344; p. 318.

133 Ibidem, p. 297.

134 OLIVEIRA, Bárbara da Costa Pinto. Meio ambiente e desenvolvimento na Organização Mundial do Co-mércio: normas para um comércio internacional sustentável. São Paulo: IOB Thomson, 2007, p. 98.

135 WEISS, Edith Brown; JACKSON, John J. O enquadramento dos conflitos entre meio ambiente e comércio. In: VA-RELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 295-344, p. 297.

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físicas, e a participação de terceiros não-estatais restringe-se ao status de amicus curiae, que apresenta considerável limite na sua participação.136

Nesse sentido, a OMC, por apresentar uma estrutura centralizada, com responsabilidade definida, vinculante e com mecanismos que são capazes de exigir o cumprimento da norma, apresenta alto grau de relevância dentre as instituições da governança global para a efetividade do desenvolvimento sustentável. Entretanto, a pluralidade de atores e assuntos envolvidos nos problemas ambientais, junto com as divergências de natureza entre o regime ambiental e o regime comercial, determina certo grau de deficiência institucional da OMC para a atuação em cooperação com as outras organizações.

Dada as especificidades sistemáticas que essa institucionalização centralizada acarreta, existe um tratamento aos problemas ambientais na OMC que segue, entretanto, uma lógica distinta dos tratamentos nos regimes ambientais, embora o fato gerador dessas considerações seja semelhante: a necessidade de se integrar a proteção ambiental e à saúde humana como valores a serem apreciados no desenvolvimento nas atividades humanas, que no caso da OMC, consiste no comércio.

Em outras palavras, a organização apresenta forte institucionalização, aspecto capaz de acrescer à efetividade dos objetivos em comum. Entretanto, com relação aos problemas ambientais existe uma limitação considerável na sua eficácia, onde prevalece a lógica da eficiência econômica, em que os valores ambientais e de proteção à saúde, ainda que considerados na fundamentação da decisão de um tribunal internacional como o OSC, são pontos secundários desta, conforme se vislumbra a seguir.

2.2.2 A proteção do ambiente e da saúde na OMC: a aplicação do artigo XX do GATT 1994

A atual estrutura de eficácia da OMC é bastante limitada em relação à efetividade da proteção ambiental e, portanto, em relação à eficácia da governança global do desenvolvimento sustentável.137 Com respeito à relação entre comércio, questões em meio ambiente e saúde humana, o desenvolvimento sustentável é vislumbrado como princípio.138

Para a sua promoção, existem normas de conteúdo de proteção ambiental ao longo dos acordos da OMC, como aquelas relacionadas com medidas sanitárias e fitossanitárias, e também, a atuação do próprio Comitê de Comércio e meio ambiente. Na medida em que se visa, posteriormente, a avaliação empírica da sua aplicação, com o caso dos pneus, destaca-se, entre esses dispositivos, a regra do artigo XX do GATT 1994. São ressaltadas também algumas regras acerca da sua aplicação, consolidadas na jurisprudência da OMC, que estão diretamente ligadas à interpretação desse artigo no caso dos pneus reformados.

É nesse artigo que se vislumbra a fundamentação da proteção do meio ambiente e saúde humana no âmbito do direito internacional econômico. Concede aos Membros regras que permitem justificar as discriminações e restrições ao comércio que visem a conservação

136 LE PRESTRE, Philippe; MARTIMORT-ASSO, Benoît. A reforma na governança internacional do meio ambiente: os elementos do debate. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacio-nal do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 399-480, p. 407.

137 JACKSON, John H. The jurisprudence of GATT and the WTO: insights on treaty law and economic relations. Cambridge University Press, 2002, p. 438.

138 BOSSELMANN, Klaus. Jurisprudência das Cortes Internacionais em matéria ambiental: fazendo a sustentabilidade valer. In: DAIBERT, Arlindo (org.). Direito ambiental comparado. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 232-345; p. 335.

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ambiental e proteção da saúde humana, desde que aplicadas de uma forma razoável que não seja arbitrária e injusta, segundo o caput do artigo.139 Pela regra desse artigo, não é da competência da organização conceituar o que é ou não é prejudicial ao meio ambiente e à saúde humana, mas sim orientar a ação estatal, quando envolver tais objetivos no âmbito do comércio. O dispositivo permite que os Estados executem suas políticas públicas, desde que as realize de forma justa e não arbitrária.

O caput desse artigo avalia a maneira pela qual a medida é aplicada, a fim de prevenir que as exceções sejam utilizadas para disfarce de protecionismo. Não fica caracterizada a legitimidade da exceção se a aplicação da medida que resultou em discriminação, foi assinalada como injustificável ou arbitrária. É a justificação da discriminação que circunscreve a oportunidade de execução de políticas públicas legítimas e ações que visam implementá-las. A restrição disfarçada ao comércio fica caracterizada em geral quando a justificativa não condiz com os compromissos assumidos internacionalmente pelo Estado.

Ressalta-se que a falta de um acordo próprio para disciplinar a matéria, dificulta uma compilação em adequar a legislação nacional às diretrizes da OMC em conservação ambiental e proteção da saúde humana. Quando envolvem comércio, enfatiza a importância do OSC nesse âmbito; importância ainda maior por ser um mecanismo compulsório de solução.140 Dado o alargamento da disposição, dizer o que é “arbitrário” e o que é “injusto” acaba sendo papel do OSC na interpretação das controvérsias que lhe são apresentadas que, então, dependerá das provas e da coerência nos argumentos apresentados pelas partes.

A relação entre comércio e meio ambiente enseja, de um lado, a verificação da existência ou não de um protecionismo disfarçado e, de outro lado, a relação entre a sanção comercial e a efetividade da proteção ambiental e à saúde humana.141 Corresponde à questão da caracterização142 das regras de aplicação do artigo XX, que então envolverá a definição dos parâmetros que legitimarão ou não a exceção. Acerca desse aspecto, é importante compreender o modo da interpretação em três etapas do artigo XX, e como são caracterizados os elementos “necessidade”, “arbitrariedade” e “injustiça”.

Klaus Bosselmann, em uma análise da jurisprudência das Cortes Internacionais em matéria ambiental, ressalta alguns casos anteriores à OMC no sistema GATT, que merecem serem apontados haja vista sua ligação com a interpretação da exceção de questões ambientais. Entre eles, destaca-se o caso Atum-Golfinho I – México vs. Estados Unidos (1991), em que ainda não se tinha a forma hermenêutica das três fases do artigo XX, mas, todavia, para o reconhecimento da exceção, exigiu-se a relação da necessidade da medida com a inevitabilidade do problema. E ainda, o painel impôs o ônus da prova à parte que invocava o artigo para justificar o seu pleito.143

139 GATT/1994. Disponível em: <http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/gatt47_02_e.htm> Acesso em: 01.mar.2013.

140 MICHELOT, Agnès. Environmental and trade. Geneva, Switzerland: UNITAR, p. 05-06.141 WEISS, Edith Brown; JACKSON, John J. O enquadramento dos conflitos entre meio ambiente e comércio. In: VA-

RELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 295-344; p. 299.

142 Sharif Bhuiyan estuda a relação entre as regras da OMC com direito nacional. E traz a noção de “caracterização” para abordar quando regras de um sistema legal chegam a um órgão de julgamento internacional como fato para ser avaliado; sua natureza é diferente da natureza de um mero fato, possui, pois, natureza normativa. BHUIYAN, Sharif. National Law in WTO Law. Effectiveness and good governance in the World Trading System. Series: Cambridge Studies in International and Comparative Law, n. 55. Cambridge University Press, 2009, p. 123.

143 BOSSELMANN, Klaus. Jurisprudência das Cortes Internacionais em matéria ambiental: fazendo a sustentabilidade valer. In: DAIBERT, Arlindo (org.). Direito ambiental comparado. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 232-345, p. 335-339.

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Posteriormente, o autor cita o caso Atum-Golfinho II, enfatizando sua importância para o estabelecimento de etapas na interpretação do artigo XX, e segue com o caso Tartaruga-Camarão, da Índia e outros contra os Estados Unidos (1998), em que o Órgão de Apelação rejeitou a abordagem do painel que não seguiu a interpretação trifásica do artigo XX, na ordem de primeiro verificarem-se as exceções, para depois verificar-se o caput, consolidando-se essa regra de interpretação. 144

No caso Atum-Golfinho II – Comunidades Européias e Holanda contra os Estados Unidos, também anterior à OMC, de 1994, foi o marco da atual abordagem que diz respeito ao teste de três etapas para a consideração das exceções do Artigo XX. Primeiro, deveria ser determinado se a política acusada de violar os dispositivos da organização se inseria no campo das políticas para conservar ou para proteger saúde ou vida. Segundo, deveria ser determinado se as medidas para as quais a exceção estava sendo invocada eram “necessárias”. Terceiro, deveria ser determinado se a medida fora aplicada de maneira coerente com o caput, ou seja, se não foi injusta ou arbitrária.145

Nesse caso, em geral, a questão ambiental girava em torno do embargo à importação de atum por procedimentos que colocassem em perigo a vida dos golfinhos. A discriminação relacionava-se ao conceito dado pela legislação americana a respeito das nações intermediárias, que eram aquelas para as quais o embargo era direcionado, a não ser que houvesse um acordo entre o país responsável pela captura e os Estados Unidos. As Comunidades Européias argumentaram no OSC que eram restrições quantitativas sobre a importação, o que era incompatível com normas da OMC e os Estados Unidos argumentaram que estavam sendo contemplados pelas exceções do artigo XX.146

O Painel considerou que a política era inserida no âmbito de proteção à vida e saúde dos golfinhos dentro da jurisdição americana. Mas entendeu que medidas para mudar as políticas dos outros países não poderiam ser consideradas “necessárias” para a proteção da vida animal, não ultrapassando a segunda etapa - e, nesse sentido, também se constituía como medida arbitrária e injustificável. Com efeito, foi a primeira menção ao desenvolvimento sustentável pelo painel que o reconheceu como princípio legal, mas também o tratou como mera alegação secundária.147

O papel do OSC é fundamental para barrar o unilateralismo e intermediar a ponderação de questões ambientais com a harmonização dos ordenamentos e contextos envolvidos. Isso porque dada a diversidade contextual de cultura, economia, desenvolvimento etc., os países são dotados de diferentes ajuizamentos acerca dos valores sociais, ambientais e econômicos.148

144 Ibidem, p. 335-339.145 Nesse caso, os Estados Unidos estavam impondo embargo às nações intermediárias (França, Itália, Espanha, Reino

Unido e Holanda). As Comunidades Européias requereram o estabelecimento de um Painel, frustrado o consenso pela fase da consulta. Os Estados Unidos aprovaram na sua legislação, novo ato a respeito da conservação do gol-finho, modificando a definição de “nações intermediárias”, excluindo França, Holanda e Reino Unido, além de outras modificações, de maneira que o embargo não seria aplicado se o país responsável pela captura chegasse a um acordo com os Estados Unidos para trabalhar pela redução da pesca acidental de golfinhos. Idem, p. 335-339.

146 BOSSELMANN, Klaus. Jurisprudência das Cortes Internacionais em matéria ambiental: fazendo a sustentabilidade valer. In: DAIBERT, Arlindo (org.). Direito ambiental comparado. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 232-345, p. 335-339.

147 Ibidem, p. 335-339.148 JACKSON, John H. The jurisprudence of GATT and the WTO: insights on treaty law and economic relations.

Cambridge University Press, 2002, p. 428.

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Assim, tem-se que o modo de aplicação do artigo XX afeta diretamente a construção do conceito do desenvolvimento sustentável na OMC e nos contextos nacionais dos Estados. A forma pela qual é veiculada detém forte aspecto jurisprudencial e insere-se no âmbito da internacionalização dos direitos ao buscar uma harmonização entre ordenamentos, por intermédio da adequação destes com as suas regras. O caso dos pneus, conforme se verifica a seguir, ilustra essa relação. O grau de eficácia sobre tais questões depende de como são conduzidos os choques entre comércio e meio ambiente.

2.3 A controvérsia dos pneus reformados na OMC

O caso dos pneus reformados, na OMC, engloba a relação entre comércio, questões ambientais e questões de proteção à saúde humana. A controvérsia surgiu em vista da restrição da importação de pneus recauchutados, fundamentada pelo governo brasileiro, como medida de proteção à saúde pública e ao meio ambiente.

Inicialmente, faz-se um resumo da demanda na OMC, passando-se rapidamente pelos principais argumentos das Comunidades Européias e do Brasil, assim como os principais pontos da decisão do OSC, que envolveram questões ambientais e de saúde com o objetivo de permitir o estudo de temas que são abordados logo em seguida. Uma vez compreendidas as problemáticas sanitárias e ambientais, desenvolve-se como as incoerências nacionais foram se constituindo, ao ponto de ensejar a demanda e levar à caracterização das medidas brasileiras como arbitrárias por parte do OSC. Essa parte do estudo permite contextualizar o Brasil na construção do desenvolvimento sustentável no momento anterior e que permeou a controvérsia na OMC.

Na sequência, a pesquisa caminha para análise do modo como o OSC tratou das questões de meio ambiente e saúde no comércio, estudando-se a interpretação do artigo XX do GATT/1994. Posteriormente, trata do momento seguinte à controvérsia, voltando-se para a maneira pela qual o Brasil vem tratando a implementação do desenvolvimento sustentável com vistas para o cumprimento da decisão.

2.3.1 Do resumo do contencioso no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC

Tendo em vista a abrangência de pontos que podem ser abordados no caso, destaca-se a seguinte perspectiva: até a decisão do painel, serão ressaltados os principais elementos questionados, a fim de posteriormente ilustrar como constituídos pelo Brasil; no âmbito do Órgão de Apelação e o que se seguiu, destacam-se alguns aspectos sobre a interpretação do artigo XX do GATT 1994, assim como os principais pontos do laudo arbitral, uma vez que estão relacionados com análise posterior.

2.3.1.1 Dos principais pontos até a decisão do Painel

Destacam-se alguns dos argumentos das Comunidades Européias, das medidas que questionou, e da defesa do Brasil, uma vez que será vislumbrado como os contrastes foram desenvolvidos no momento anterior e que percorreu a controvérsia. Não se abordou a Decisão do painel, tendo em vista que foi superada pela Decisão do Órgão de Apelação.

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O estabelecimento do painel ocorreu em 17 de novembro de 2005, por Reclamação das Comunidades Européias, que questionaram, dentre outras medidas: a imposição pelo Brasil de banimento à importação de pneus usados, na medida em que alcançavam os pneus reformados; a imposição de banimento à importação de pneus reformados, pelo artigo 40 da Portaria SECEX n.º 14/2004; a imposição de multa sobre a importação, comercialização, transporte, armazenagem, guarda ou manutenção em depósitos de pneus reformados importados, em que se destaca o Decreto presidencial n.º 3.919/01; a isenção da proibição de importações a pneus remoldados importados dos países integrantes do MERCOSUL, em cumprimento da decisão do Tribunal ad hoc do MERCOSUL, por meio da Portaria SECEX 14 de 2004, e das respectivas penalidades financeiras, através do Decreto Presidencial No. 4592 de 11 de fevereiro de 2003. Alegou também a inadequação de uma série de Portarias, Decretos e mesmo uma Lei do Rio Grande do Sul, que demonstravam discriminação no comércio de pneus reformados.149

A Comunidade Européia retratou que tais medidas eram contrárias às normas da OMC, em especial, aos artigos: I:1 (Cláusula da Nação Mais Favorecida); artigo III:4 (Tratamento Nacional); artigo XI:1 (Eliminação de Restrições Quantitativas) e artigo XIII:1(Aplicação Não- Discriminatória das Restrições Quantitativas) do GATT/1994. Sustentou que o Brasil não precisaria impedir a importação de pneus para atingir seus objetivos, e que deveria ter encorajado melhor a recauchutagem de pneus de origem nacional com campanhas de sensibilização ou então com o uso das compras públicas para impor a instalação de pneus recauchutados nos veículos oficiais.

Além disso, argumentou que havia medidas alternativas à proibição, como formas de o Brasil efetivar os objetivos almejados, e indicaram como exemplo o depósito controlado em pilhas e aterros, atividades que se tornaram proibidas na própria demandante. Sugeriram também como alternativa para a melhora do processo de reforma de pneu, coleta e mecanismos de destinação, como a coincineração.150

Dentre os argumentos de defesa, o Brasil alegou que a proibição das importações de pneus reformados (contida na Portara SECEX 14/2004) justificava-se pelo Artigo XX(b) do GATT, pois era medida necessária para proteger a saúde e vida humana, animal e vegetal; que as multas (aplicadas de acordo com o Decreto 3.919/2001) também estavam justificadas pelo Artigo XX(b) e (d) do GATT, pois eram necessárias para proteger a saúde e vida humana e animal e o meio ambiente e para assegurar o cumprimento da proibição das importações; e que a isenção limitada aos países do MERCOSUL do banimento das importações pelo Brasil (tornada efetiva através da Portaria No. 14 de 17 de novembro de 2004) estava autorizada pelo Artigo XXIV, pois fora adotada de acordo com as obrigações do Brasil no âmbito do MERCOSUL, e era justificada pelo Artigo XX(d), sendo também necessária para assegurar o cumprimento de suas obrigações com o MERCOSUL. 151

149 A isenção da proibição de importação concedida a países do MERCOSUL é a previsão do artigo 40 da Portaria SECEX 14/2004, e aplica-se exclusivamente a pneus remoldados, subcategoria de pneus reformados. A isenção das multas associadas à proibição de pneus reformados está prevista no artigo 1º do Decreto 4.952 de 11 de fevereiro de 2003 (Anexo BRA-79 submetidos pelo Brasil ao Painel) e isenta a importação de todas as categorias de pneus reformados originários em países do MERCOSUL das multas previstas no artigo 47-A do Decreto 3.179 e alterações. OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Parágrafo 2. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm> Acesso em: 05 nov. 2013.

150 OMC. WT/DS332/R. Parágrafos i 218- i221. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/Relat%C3%B3rio%20-%20Parte%20descritiva%20-%20Port%20I.pdf> Acesso em: 07 jun. 2013.

151 OMC. WT/DS332/R de 02 de junho de 2007. Parágrafo i.28. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 07 jun. 2013.

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Nesse sentido, as medidas restritivas mostravam-se caracterizadas como exceções, pois serviam para evitar o risco de danos ambientais e sanitários diretamente envolvidos com o acúmulo de pneumáticos usados. De modo geral, o Brasil explicou que, enquanto pneus reformados, possuíam vida útil mais curta, uma vez que não lhes cabia nova reforma e os problemas acumulavam-se em vista do aumento da demanda pela importação, pois os reformados importados eram consideravelmente mais baratos.152

Demonstrou-se que as consequências dessa situação tornavam-se ainda mais graves em vista da incapacidade brasileira em comportar medidas de destinação final para a grande quantidade de pneus envolvidos (40 milhões de pneus por ano). O Painel, embora tenha corroborado com a análise do risco, apurada pelo Brasil, julgou as restrições mencionadas, como arbitrárias face ao caput do artigo XX, e que, portanto, não se justificavam como restrições.153

2.3.1.2 Do momento posterior ao Painel

Destaca-se, dentre os argumentos e interpretações ensejadas, aqueles relacionados com a interpretação do artigo XX do GATT de 1994. Em 3 de setembro de 2007, as Comunidades Européias notificaram o OSC sobre a sua intenção de entrar com recurso de apelação sobre determinadas questões de jurisprudência e de interpretações abordadas no Relatório do Painel, de acordo com o Artigo 16.4 do ESC. Entregaram sua petição de Apelante em 10 de setembro de 2007 e, no dia 28 daquel mesmo mês, o Brasil entregou sua petição de apelado.154 Dentre as questões levantadas no recurso de apelação, as Comunidades Européias questionaram: a análise de “necessidade” feita pelo Painel e a interpretação do caput do artigo com relação à isenção do MERCOSUL, assim como a entrada de pneus tendo em vista as liminares. 155

152 BRASIL. WT/DS332 – Primeira petição. Parágrafo 63. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/pneus_pri-meira_peticao.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2013. Nesse sentido, enquanto a importação de um pneu novo tinha um custo médio de 60 euros, o pneu recauchutado era de 2,5 euros, (frete e impostos incluídos), e em certos casos a um décimo do preço praticado na Europa. VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, pp. 487-507.

153 O Relatório do Painel por si só não é o foco do presente trabalho, uma vez que foi superado pela Decisão do Órgão de Apelação; mas, de um modo geral, destaca-se que foi circulado entre os membros da OMC em 12 de junho de 2007. Em suma, decidiu que: no que se refere à proibição pelo Brasil das importações de pneus reformados, a Por-taria SECEX 14/2004 e o Decreto Presidencial 3.919 eram incompatíveis com o artigo XI:1 do GATT 1994 e não se justificavam pelo Artigo XX(b) do GATT 1994; que o Decreto não se justificava seja pelo Artigo XX(b) ou pelo Artigo XX(d) do GATT 1994. Com relação às restrições legislativas estaduais à comercialização de pneus reforma-dos importados e as obrigações associadas à destinação dos mesmos, eram incompatíveis com o Artigo III:4 e não se justificavam segundo Artigo XX(b) do GATT 1994. Com relação à alegação da isenção ao MERCOSUL ser ou não incompatível com os Artigos XIII:1 e I:1 do GATT 1994, o Painel decidiu exercitar seu atributo de economia processual, julgando ser desnecessário apreciar essa última disposição. Dessa forma, o Painel recomendou que o OSC solicitasse ao Brasil fazer com que as medidas consideradas incompatíveis entrem em conformidade com suas obrigações no âmbito do GATT 1994.

154 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 71. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>, Acesso em: 07 jun. 2013.

155 De modo geral, as Comunidades Européias pleitearam que a isenção do MERCOSUL era incompatível com os Arti-gos I:1 e XIII:1 do GATT 1994, e que a isenção do MERCOSUL era incompatível com os Artigos I:1 e XIII:1 e não se justificavam segundo o Artigo XXIV ou o Artigo XX(d) do GATT 1994, respectivamente. OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Parágrafos 64 a 70. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm> Acesso em: 07 jun. 2013.

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Desses argumentos, de modo geral, o Brasil se defendeu: primeiro, quanto à “necessidade”, que a medida restritiva contribuía em alta medida com a proteção ambiental e que as alternativas dadas não eram sustentáveis; que a isenção ao MERCOSUL não era discriminação arbitrária e injustificada, pois somente introduziu a isenção após determinação do Tribunal Arbitral do MERCOSUL e, ainda que discriminatória, foi adotada para permitir a liberalização do comércio, o que é expressamente reconhecido pelo artigo XXIV do GATT 1994 e segundo o direito internacional. Ressaltou também que executou da forma mais limitada possível, a fim de cumprir a decisão daquele organismo e também convir com sua política de proteção da saúde e do meio ambiente no Brasil. Com respeito às liminares, ressaltou ser o resultado do funcionamento do Estado Democrático de Direito, que não havia nada de ilegal ou pouco razoável na conduta dos poderes legislativos, executivos e judiciário. 156

O Órgão de Apelação, por sua vez, se posicionou no sentido de que o painel não se equivocou ao constatar que a Proibição de importação contribuía para a consecução do objetivo brasileiro de redução do risco. Ao confirmar a insustentabiliade das medidas alternativas, corroborou com a perspectiva de que o painel não errou na sua ponderação de pesos e contrapesos. Sobre a apuração da necessidade, o Órgão de Apelação decidiu também que o painel não deixou de realizar uma avaliação objetiva dos fatos do processo, como exigido pelo Artigo 11 do DSU, ao analisar a contribuição da Proibição de importação para a consecução de seu objetivo, mantendo a decisão do painel sobre a afirmação da necessidade da medida. 157

Sobre a arbitrariedade, reverteu a decisão acerca de que a isenção do MERCOSUL somente resultaria em discriminação arbitrária e injustificada se fosse alto o volume de importação de pneus reformados. Reverteu a decisão do Painel para afirmar que a isenção ao MERCOSUL era discriminação arbitrária e injustificável e que a importação por meio de liminares configurava restrição disfarçada ao comércio também arbitrária e injusta. Decidiram também que a importação de pneus usados via decisões judiciais resultou na aplicação da Proibição de importação de forma a constituir discriminação arbitrária ou injustificável, revertendo a decisão do Painel que considerou que a arbitrariedade estaria ligada à quantidade dos pneus objeto das demandas e o seu comprometimento com a política ambiental, além de retratar que nem as liminares, nem a isenção ao Mercosul eram aleatórias e ações racionais do Brasil. 158

No que se refere à arbitrariedade ou não da discriminação pela isenção em cumprimento da decisão do MERCOSUL, vale ressaltar que o Órgão de Apelação retratou que era necessário ir para a causa da razão para a discriminação, reconhecendo que o Brasil introduziu a isenção para o cumprimento da decisão. Considerou também que a decisão emitida pelo tribunal arbitral do MERCOSUL não era raciocínio aceitável para discriminação porque não tinha relação com o objetivo legítimo perseguido pela Proibição de importação que se encaixa no artigo XX.b, indo mesmo de encontro com esse objetivo, julgando a discriminação como arbitrária e injustificável. Isso porque o Órgão de Apelação levou em consideração os argumentos de defesa do Brasil perante o MERCOSUL, não levaram em consideração as exceções ambientais ali previstas no artigo 50 d. do Tratado de Montevidéu.159

156 OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Parágrafos 64 a 70. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm> Acesso em: 07 jun. 2013.

157 OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm> Acesso em: 07 jun. 2013.

158 OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Decisões e Conclusões. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm> Acesso em: 07 jun. 2013.

159 OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Parágrafos 225, 226, 228 e 234. Disponível em: <http://

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Nesse sentido, o Órgão de Apelação decidiu manter a decisão do Painel com relação à caracterização da necessidade da Proibição da Importação e que o Painel não violou o artigo 11 do ESC, apurando objetivamente os fatos. Reverteu, entretanto, a análise do painel com respeito ao caput do artigo XX, de que a isenção do MERCOSUL somente resultaria em discriminação injustificável e restrição disfarçada sobre o comércio se realizada em volumes de importação que comprometessem significativamente a consecução do objetivo da proibição. Reverteu também a decisão do painel de que a isenção do MERCOSUL não resultou em discriminação arbitrária e decidiu que a isenção resultou na aplicação da Proibição de maneira discriminatória, arbitrária ou injustificável. Também reverteu a decisão do Painel a respeito da aplicação da Proibição de forma discriminatória e injustificável em vista das liminares concedidas. Considerou que tal caracterização não estaria atrelada à quantidade do volume importado, e que, portanto, as liminares ensejaram em uma discriminação arbitrária ou injustificável da proibição. 160

Após a decisão do Órgão de Apelação, foi elaborado Laudo Arbitral para determinar um prazo para que o Brasil fizesse a adequação nacional com as disposições da OMC. O Brasil argumentou nesse âmbito, que precisava de 21 meses a contar da tomada do Relatório do Órgão de Apelação, para implementação da decisão, destacando que era o tempo necessário para que as adequações fossem resolvidas no tempo inerente ao andamento do ordenamento interno. Propôs, para a implementação da decisão a adequação das incoerências ensejadas pelas liminares, leis do Rio Grande do Sul e isenção do Mercosul, da seguinte forma: primeiro a resolução das liminares, pelo julgamento da ADPF n.101, que estava pendente no STF, e assim também relacionou os julgamentos acerca de leis discriminatórias do Rio Grande do SuI. Além disso, colocou que o Brasil iniciou regulamentação de regime comercial para pneus usados, comum para o MERCOSUL. O painel arbitral concedeu 12 meses. 161

Da defesa brasileira na implementação da Decisão, destacou-se: os aspectos positivos e negativos em comparação com o estado anterior ao desenvolvimento do Brasil, em razão das ações no STF (ADPF e ADI) e das isenções ao MERCOSUL. Com essas considerações processuais da controvérsia, o estudo segue para analisar o contexto brasileiro que levou à caracterização da discriminação arbitrária ou injustificável. A análise retrata também as consequências da interação entre Estado e sociedade e a repercussão das empresas, reagindo às ações do governo brasileiro, que resultou no enfraquecimento da institucionalização nacional do desenvolvimento sustentável.

2.3.2 Elementos do contexto brasileiro que ensejaram a controvérsia na OMC

O comércio de pneus usados ocasiona a destinação dos pneus quando se tornam resíduos, produtos inservíveis, potencialmente danosos ao meio ambiente e à saúde pública. Do ponto de vista nacional, o caso envolveu o interesse econômico na geração de renda e lucro pela atividade comercial, questão defendida principalmente pelas empresas importadoras

www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm> Acesso em: 07 jun. 2013.160 OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Decisões e Conclusões. Disponível em: <http://www.wto.

org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm> Acesso em: 07 jun. 2013.161 OMC. WT/DS332/16. ARB-2008-2/2. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/DS332_16_arbitr.pdf>.

Acesso em: 01 jun. 2013.

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de pneus usados e que os comercializam, seja como usado, reformados, recauchutados ou remoldados. Afirma-se essa perspectiva também no interesse de empresas estrangeiras exportadoras relacionadas com esse comércio, localizadas na União Européia.

Esse interesse confrontou-se com consequências ambientais e sanitárias na destinação final dos resíduos, questão intensificada pela fraca infraestrutura nacional brasileira, cumulada com as doenças características de um clima tropical e com a pouca efetividade das normas ambientais. Tais elementos representam a visão defendida pelo governo, com sua medida de restrição às importações que, por outro lado, teve sua efetividade afetada negativamente em vista da pressão de entidades privadas no âmbito nacional, regional e multinacional, contraste vislumbrado a seguir.

2.3.2.1 As questões ambientais dos pneus inservíveis no Brasil

A questão ambiental remete à gestão dos resíduos gerados, ou seja, ao contexto da destinação dos pneus inservíveis, que não são mais capazes de objeto de reforma que lhe permita condição de rodagem adicional. Para compreender a complexidade da questão, exige-se aqui, um esclarecimento conceitual entre pneus novos e usados, em especial, na diferença da vida útil dos pneus reformados.162 Os pneus reformados possuem ciclo de vida menor que os pneus novos, pois o número de reformas é limitado, tornando-se, portanto, resíduo em um tempo mais rápido. Para os pneus de automóveis, o número de reforma é limitado a uma vez; portanto, quando entram no Brasil, os pneus reformados europeus não podem ser utilizados em reforma. 163

O problema ambiental agravou-se com a entrada de milhares de pneus (mais de 40 milhões anuais) reformados da União Européia, aumentando o número de resíduos gerados, em quantidade maior do que a composição brasileira pudesse comportar. Nesse sentido, o Brasil esclareceu em defesa na controvérsia, que não havia um método racionalmente eficaz de destinação que fosse tanto ambientalmente adequado quanto economicamente viável para lidar com os resíduos gerados a cada ano, incorrendo, assim, no descarte indevido.164 As consequências dessa situação remetem-se para danos ao meio ambiente e à saúde humana.

O descarte indevido relaciona-se com danos à fauna e à flora e, em localidades de clima tropical, está diretamente relacionado com a proliferação de doenças como a dengue, cólera, malária, febre amarela etc. Em um país como o Brasil, esse problema é ainda mais grave do que na Comunidade Européia, sobretudo em razão das doenças tropicais; em sua condição de país em desenvolvimento, ainda apresenta debilidade na capacidade pública em fiscalizar a destinação de pneus inservíveis, gerir os interesses coletivos, interação social e conjugar este domínio com os interesses privados envolvidos. Os pneus, quando são

162 Pneus reformados englobam aqueles para carros de passeio, para veículos comerciais, para aviões e outros. Os pneus reformados de que trata essa controvérsia classificam-se nas posições 4012.11 (automóveis), 4012.12 (ônibus e caminhões), 4012.13 (aeronaves), e 4012.19 (outros tipos) da Convenção Internacional sobre a Descrição Harmo-nizada de Commodities e Sistema de Codificação, realizada em Bruxelas, em 14 de junho de 1983. BRASIL. Primeira Petição. p. 09. WT/DS332. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/pneus_primeira_peticao.pdf>. Acesso em 27 mai. 2013.

163 Pneus de automóveis (subposição tarifária 4012.11) podem ser reformados uma única vez; pneus de caminhões (subposição tarifária 4012.12) podem ser reformados mais de uma vez, mas apenas um número limitado de vezes. BRASIL. Primeira Petição. p. 09. WT/DS332. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/pneus_primeira_peti-cao.pdf>. Acesso em 27 mai. 2013.

164 BRASIL. Primeira Petição. p. 09. WT/DS332. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/pneus_primeira_peti-cao.pdf>. Acesso em 27 mai. 2013.

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descartados e armazenados em pilhas, servem como ambiente adequado para a reprodução e desenvolvimento de mosquitos transmissores dessas doenças tropicais.

Constantes crises de saúde pública são anunciadas anualmente em todas as regiões brasileiras, devido a doenças transmitidas por mosquitos e cuja política mais eficiente é a prevenção, evitando a proliferação dos seus vetores, que se reproduzem em água parada. Por isso, é o pneu um dos meios diretos de reprodução, servindo como habitat ao acumular água. Os níveis de infectados por malária não diminuem significativamente, com 540.047 casos registrados no Norte, em 2006.165 Assim também ocorre com os casos de dengue no país, segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, que registrou, em 2007, 559.954 casos suspeitos de dengue, 1.541 casos confirmados de Febre Hemorrágica da Dengue (FHD) e 158 óbitos por FHD (Tabela 1), com uma taxa de letalidade para FHD de 10,2%.166 Em 2008, também foi registrado aumento de casos em várias áreas, como o Ceará, com 442 casos hemorrágicos e suspeita de epidemia também para 2009.167

Para o ano de 2009, estima-se piorar o quadro de epidemia de dengue. No Espírito Santo, o Núcleo de Vigilância Ambiental da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) registrou 24.989 notificações de dengue em todo o Estado, até o dia 06 de abril. Referem-se à décima quarta semana epidemiológica desse ano. Foram notificados, até o dia 15 de abril, 708 casos suspeitos da dengue grave que evoluíram para cura, incluindo 13 de outros Estados. Do total, 99 foram confirmados como Dengue com Complicações (DCC) e 58 como Febre Hemorrágica da Dengue (FHD). Os demais estão sob investigação. 168

São problemas já duradouros que o Brasil enfrentou no período anterior à controvérsia - e que ainda enfrenta. O controle pelas autoridades ambientais é difícil porque pneus são despejados em terrenos abandonados ou guardados no fundo de quintal de residências particulares. Por exemplo, no Distrito Federal são recolhidos, anualmente, cerca de 240 mil pneus inservíveis. Estima-se que destes, 25% são jogados ilegalmente em terrenos baldios, o que demonstra também uma falta de conscientização da população.169

O problema piora com a relação entre o transporte desses resíduos, a dimensão territorial do Brasil, a fraca infraestrutura das estradas brasileiras e a localização das empresas produtoras de pneus recauchutados. Uma vez que a produção nacional é concentrada somente em algumas regiões e não há controle efetivo sobre como é realizado o transporte desses pneus, isso acaba por acarretar na possibilidade de contaminação entre as diferentes regiões. Com efeito, houve também um aumento da renda dos brasileiros nos últimos anos e facilitação de crédito, o que ocasionou um crescimento da indústria automobilística e, por consequência, uma maior quantidade de pneus utilizados.170

165 CÍVEIS. Malária. Disponível em: <http://www.cives.ufrj.br/informacao/malaria/mal-iv.html>. Acesso em 16 abr. 2013.

166 MINISTÉRIO da Saúde. Portal Saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/boletim_dengue_010208.pdf>. Acesso em 15 abr. 2013.

167 TV CANAL13. Ceará registra primeira morte por dengue no ano de 2009. Disponível em: <http://www.tvcanal13.com.br/noticias/ceara-registra-primeira-morte-por-dengue-no-ano-de-2009-59148.asp> Acesso em 16 abr. 2013.

168 ESHOJE. Saúde. Disponível em: <http://www.eshoje.com.br/noticia.asp?edicao=&id=1567&editoria=saude>. Acesso em 15 abr. 2013.

169 RODRIGUES, Gizella. Cidades, Meio Ambiente: Montanhas de pneus. Brasília: Correio Brasiliense, 10 de abril de 2009, p. 21.

170 VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, pp. 487-507.

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Além disso, resíduos de pneus empilhados também apresentam risco substancial de incêndios. Tais incêndios geram óleos pirolíticos e cinzas com resíduos químicos perigosos e metais pesados, emitem fumaça tóxica que contêm dioxinas, furanos, partículas e outros compostos altamente perigosos e frequentemente cancerígenos. Emissões derivadas da queima de pneus e de incineradoras provocam danos significativos à saúde que incluem mortalidade prematura, deterioração das funções pulmonares, supressão do sistema imunológico, problemas nos rins, deficiências de aprendizado, cegueira parcial, problemas respiratórios, problemas do coração e torácicos e câncer. A queima não controlada também se relaciona com a emissão dos gases de efeito estufa. Além disso, o acúmulo de pneus em aterros também são causas de danos à fauna e à flora, em razão da presença de compostos orgânicos, estranhos ao ambiente. 171

A insuficiência da composição brasileira para o tratamento dos pneus inservíveis agrava-se também em vista da inviabilidade das alternativas existentes de destinação dos resíduos (como a queima, o aterro ou o uso de pneus picotados para produção de asfalto), vez que não são suficientes para impedir os danos ambientais e à saúde humana. Isso porque dependem de determinadas condições tecnológicas, da capacidade do Estado e da organização social dos países para que possam proporcionar uma estrutura tecnologicamente adequada e que atue junto com uma sociedade ecologicamente consciente de seu papel na proteção ambiental e de saúde humana.

Foi nesse sentido que, em vista desta inviabilidade das alternativas para o Brasil, e da quantidade em demasia do número de resíduos resultado do aumento das importações que o governo brasileiro tomou como medida de proteção ambiental e sanitária a proibição da importação dos pneus usados, com vistas a prevenir e minimizar os danos da atividade, conforme se descreve a seguir.

2.3.2.2 As medidas do governo brasileiro para a questão dos pneus inservíveis

Discorrem-se aqui sobre as medidas do executivo, principalmente, e também sobre reflexos dessas ações ao conjugarem-se com alguns lobbies feitos pelo setor privado. Com relação ao judiciário e legislativo, especificamente nesse momento que antecedeu e permeou a controvérsia na OMC, o que se vislumbrou foram resultados incoerentes com a política ambiental do executivo.

Com respeito ao legislativo, de um lado não houve movimentações de forte relevância, a não ser pela discriminação causada por leis no Rio Grande do Sul, levantadas na OMC como discriminações. Com exceção de algumas leis, como por exemplo, a Lei nº 3.632, de 28 de julho de 2005, que proibiu a importação de pneus usados no Distrito Federal, projetos em torno de se corroborar com um aprimoramento na política pública sobre o tema não passaram de projetos172

171 BRASIL. Primeira Petição. p. 10. WT/DS332. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/pneus_primei-ra_peticao.pdf>. Acesso em 27 mai. 2013.

172 Podem ser citados como exemplo: PL 1259/1995, que dispõe sobre reciclagem de pneus inservíveis, de autoria de Pe-dro Novais do PMDB/BA; PL 1610/1999, que dispõe sobre o reaproveitamento de pneus nacionais por recapagem, de autoria de Pompeu Mattos do PDT/RS; PL 2075/1999, que dispõe sobre coleta e destinação dos pneus usados, de autoria de Luiz Bittencourt do PMDB/GO; PL 3606/2000, que dispõe sobre Política Nacional de Resíduos Sólidos, de autoria de Ronaldo Vasconcellos do PFL/MG; Pl 13/2003, que estabelece condições para a entrada de pneus importados, de autoria de Iara Bernardi do PT/SP; PL 121/2003, que estabelece a Política Nacional de Re-

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Em vista desse contexto, enfatizam-se as ações do executivo para demonstrar que sua intenção era, de fato, resolver os problemas sanitários ambientais que se faziam; e, com relação ao judiciário, haja vista essa parte da pesquisa retratar ao status quo, destacou-se brevemente apenas a importância do julgamento da ADPF e ADI, iniciativas também do executivo, vale ressaltar.

As medidas do executivo, observadas por seus resultados, espelhavam uma política ambiental. Tendo em vista a responsabilidade com a proteção à saúde humana e ao meio ambiente, o governo estruturou uma série de obrigações; mas, para que os resultados de proteção se tornassem efetivos, instituiu medidas de restrição ao comércio, verificadas como única alternativa de prevenção do risco consubstanciado. A eficácia dessas medidas se aprimorava ao ponto de chegar a uma medida provisória, ato equivalente a lei. Entretanto, esse caminho foi barrado frente a um conflito político interno nesse poder, em razão de lobby do setor privado importador para que a medida provisória não fosse assinada.

As políticas brasileiras englobaram programas de controle de destinação final sustentável, campanhas constantes de saúde pública, em todas as mídias, de conscientização dos problemas sanitários e do combate contra a multiplicação de mosquitos e contra a queima de pneus. Um dos principais instrumentos, no entanto, para evitar o rápido aumento dos impactos negativos ambientais e sanitários era o aumento da vida útil dos pneus, contribuindo para que demorassem a se tornar resíduos, fomentando-se a indústria nacional para essa atividade de reforma dos pneus nacionais. Importante ressaltar que trata-se de um momento anterior à controvérsia dos pneus reformados na OMC, quando também não havia demanda desconcertante de pneus reformados europeus. 173

Por consequência, foram estabelecidos níveis apropriados de risco com a fixação de um período de ciclo de vida útil de um pneu, de forma a possibilitar a gestão do problema sanitário e ambiental. A proibição à importação, explica-se, não foi medida de restrição disfarçada ao comércio global, decorreu da emergência elencadas pelas consequências de surtos de dengue e malária no país e da relação direta com o acúmulo de pneus inservíveis. A medida materializou-se em ato de interpretação de uma legislação brasileira anterior até mesmo à OMC, que proibia importação de artigos usados. Legislação essa, inclusive, não apenas com fundamento em disposições ambientais constitucionais e infraconstitucionais, mas também no direito internacional, pela Convenção de Basiléia. 174

síduos Sólidos, de autoria de Leonardo Mattos do PV/MG; a PL 449/2003, que altera a Lei 6.938/1981, para incluir o artigo 13-A, que proíbe a importação de bens usados, de autoria de Antônio Carlos Mendes Thame do PSDB/SP; PL 822/2003, que obriga os órgãos públicos a utilizarem nas suas frotas, 20% de pneus remoldados, de autoria de Colombo do PT/PR; PL 1072/2003, que acrescenta o artigo 56-A à Lei 9.605/1998, tipificando como crime a importação de pneus usados ou reformados, de autoria de José Carlos Araújo do PFL/BA; PL 5231/2005, que proíbe a importação de pneus usados em carcaças, recauchutados, recapados ou remoldados, de autoria de Antônio Carlos Mendes Thame do PSDB/SP; PL 6402/2005, que veda a importação de pneus usados, incluindo reformados e inservíveis, de autoria de Eduardo Cunha do PMDB/RJ; PL 5745/2005, que torna obrigatória a utilização da bor-racha reciclada de pneus inservíveis nas produções de mistura e concretos asfálticos para pavimentação, de autoria de Leodegar Tiscoski do PP/SC; PL 6014/2005, que proíbe importação de pneus usados, de autoria de Jorge Pinheiro do PL/DF; PL 7047/2006, que institui o Programa Nacional de Resíduos Sólidos, autoria de Luciano Zica do PT/SP; e o PL 1991/2007, que institui também uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, de autoria do poder executivo. CONGRESSO NACIONAL. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/> Acesso em 01. Abr. 2013.

173 ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. Atualmente, Ministra do Superior Tribunal Militar. Fez parte da equi-pe do executivo que atuou na defesa no âmbito da controvérsia no caso dos pneus na OMC. Em entrevista concedida à Gabriela Garcia Batista Lima, em 05 de março de 2009. E também: VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développe-ment. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507.

174 ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. Atualmente, Ministra do Superior Tribunal Militar. Fez parte da equi-pe do executivo que atuou na defesa no âmbito da controvérsia no caso dos pneus, na OMC. Em entrevista conce-

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Diversas normas foram se formando em respeito ao tratamento de pneus usados: Portaria DECEX 08/91; Decreto Legislativo n. 34 de 16 de junho de 1992 e Decreto 875 de 19 de julho de 1993; Resolução CONAMA 23 /96; Resolução CONAMA 258/99; Resolução CONAMA 301/02; Instrução Normativa IBAMA IN nº 08/02; Portaria SECEX n.º 8, de 25 de setembro de 2000, que foi substituída em seu inteiro teor pela Portaria SECEX n.º 17, de 1 º de dezembro de 2003, mais tarde consolidada na Portaria SECEX n.º 14, de 17 de novembro de 2004; Portaria nº 02/02 da SECEX, Decreto n.º 3.179, de 14 de setembro de 2001 e Decreto nº 4592, 11/02/2003. Para ilustrar a relação das medidas com a intenção de resolver os problemas ambientais e sanitários, ressalta-se aqui breve histórico normativo brasileiro.

A proibição de artigos usados já existia desde 1991. A fim de tratar os problemas sanitários ambientais, estendeu essa proibição para os pneus usados, a fim de se evitar o acúmulo e danos decorrentes. Nesse sentido, o governo brasileiro, por Meio do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior, proibiu a importação de pneus usados com base na Portaria DECEX n. 08 de 14 de maio de 1991, que proibia a importação de artigos usados.

Ressalte-se que se fundou também o Decreto Legislativo n. 34 de 16 de junho de 1992, ato pelo qual o Brasil tornou-se signatário da Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimento Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, ratificando-a pelo Decreto 875 de 19 de julho de 1993. Por essa Convenção, tem-se o direito estatal de proibir a entrada de resíduos perigosos estrangeiros e outros resíduos em seu território. Foi uma medida tomada para evitar-se que a importação de pneus tomasse proporções muito amplas e colocasse o nível de risco sanitário e ambiental preestabelecido muito acima dos níveis considerados aceitáveis.175

Posteriormente, reforçando a proibição anteriormente existente, e também com base nos princípios da Convenção da Basiléia, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), organismo na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, em 12 de dezembro de 1996, editou a resolução n. 23, que vedou expressamente a importação de pneus usados. Além disso, esse mesmo órgão classificou os pneus usados como resíduos inertes pela Resolução CONAMA n. 235, de 07 de janeiro de 1998.

Nesse raciocínio, como outra medida na administração da atividade comercial envolvida, pela Resolução n. 258, de 1999, o CONAMA implementou a obrigação de coletar e dar destinação final sustentável a esses pneus inservíveis, que foi imposta para as empresas fabricantes e para as importadoras de pneus para uso em veículos. Essa medida foi reforçada pela Resolução do CONAMA n. 301 de 2003.176 O IBAMA, a fim de executar a política pretendida, determinou o cadastramento de fabricantes e importadores de pneus a fim de fiscalizar o cumprimento com a destinação ambientalmente adequada dos pneus inservíveis, pela Instrução Normativa IBAMA IN nº 08/02.

dida à Gabriela Garcia Batista Lima, em 05 de março de 2009. E também: ADPF n. 101. Petição Inicial. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=181175&tipo=TP&descricao=ADPF%2F101>. Acesso em 23 abr. 2013.

175 ADPF n. 101. Petição Inicial. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=181175&tipo=TP&descricao=ADPF%2F101>. Acesso em 23 abr. 2013.

176 Por essas resoluções, é possível visualizar a sustentabilidade em três momentos principais: no seu recolhimento, enquanto aguarda por uma destinação sustentável e o próprio processo de reciclagem dos pneus, como aqueles para transformá-lo em matéria prima para asfalto ou combustível para cimenteiras. Atualmente, para cada quatro pneus novos fabricados no país ou importados, as empresas fabricantes e importadoras devem dar destinação final a cinco pneus usados. Além disso, para cada três pneus reformados importados, de qualquer tipo, os importadores deverão dar destinação final a quatro pneus velhos. As empresas devem comprovar anualmente ao IBAMA, que providenciou o descarte adequado. MMA. RESOLUÇÃO CONAMA nº 258, de 26 de agosto de 1999. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/a3p/_arquivos/36_09102008030342.pdf>. Acesso em 10 abr. 2013.

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No entanto, nessa época, as medidas restritivas não tiveram como acompanhamento a formação de infraestrutura para comportar a atividade na forma como estava sendo normatizada. Esse contexto refere-se especificamente ao estabelecimento das obrigações de recolhimento e destinação final, mas não havia como concretizar esse recolhimento plenamenteo, pois não existiam ainda postos de recolhimento, vez que foram se consolidando com o tempo. 177

Por essa normatização, outras ações fizeram-se presentes. Foram sendo estabelecidos postos de recolhimento dos pneus, tanto por iniciativa das empresas, quanto por movimentação de programas do governo em propagandas de conscientização. Entretanto, ainda hoje, não são suficientes. Vale destacar, que, atualmente, segundo a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos, existem 374 postos de recolhimentos espalhados pelo país, de forma que é possível se afirmar que 85% dos pneus usados tornam-se combustíveis para cimenteiras.; 15%, matéria prima para asfalto e 5% destinam-se à sola de sapato e dutos fluviais. 178 Além disso, programas de combate à dengue permeiam todo o país, mas as consequências sanitárias ambientais ainda continuam.179São aspectos positivos, entretanto, por si só, não é sustentável. De fato, mesmo com as ações de conscientização ambiental e atribuições de responsabilidades com a sustentabilidade, as consequências sanitárias e ambientais não cessaram.180

Nesse sentido, houve movimentações para a estruturação de uma atividade sustentável; no entanto, além de correrem em velocidade menor que os surtos sanitários e ambientais, não tinham alcance efetivo pleno. Em vista desse contexto, com caráter meramente interpretativo, a Secretaria do Comércio Exterior editou a Portaria n. 08 de 25 de setembro de 2000, proibindo licença à importação de pneu recauchutado e usado, fosse como bem de uso, fosse como matéria prima. Para reforçar essa medida, o Decreto 3.919 de 2001 incluiu o artigo 47-A no Decreto 3.179 de 21 de setembro de 1999, estabelecendo a importação como infração administrativa, com pena de R$ 400,00 (quatrocentos reais).

No entanto, visando cumprir o laudo arbitral do MERCOSUL, editou-se a Portaria SECEX n. 02, de 08 de março de 2002, autorizando exceção à proibição referente à importação de pneumático remoldado para o âmbito do MERCOSUL. A fim de ajustar a punição administrativa ao laudo, o Decreto 4592 inseriu o parágrafo 2º ao artigo 47-A do Decreto 3.179/99.

Em 01 de dezembro de 2003, o DECEX editou a portaria 17, revogando a Portaria DECEX 08/1991; a Portaria 08/2000, regulamentando a proibição da importação com a exceção concedida ao MERCOSUL. Por fim, revogando-se a Portaria 17/2003, editou-se a Portaria 17 de novembro de 2004, regulamentando a proibição da importação com a

177 SILVA, Vicente Gomes da. Atualmente consultor jurídico do Ministério do Meio Ambiente. No momento anterior e que permeou a controvérsia na OMC, era Procurador Geral do IBAMA. Em entrevista concedida à Gabriela Garcia Batista Lima, em 23 de março de 2009.

178 ANIP. Disponível em: <http://www.anip.com.br/index.php?cont=detalhes_noticias&id_noticia=380&area=43&titulo_pagina=Últimas%20No-

tícias>. Acesso em: 20 abr. 2013. 179 Por exemplo, na região do Amapá, o governo estabeleceu parceria com a empresa Sobral, no Ceará, que recolheu

26 toneladas de pneus usados para elaboração de asfalto. O GLOBO. Portal Amazônia. Amapá leva 26 toneladas de pneus para o Ceará em programa de combate à dengue. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2009/04/18/amapa-leva-26-toneladas-de-pneu-para-ceara-em-programa-de-combate-dengue-755338113.asp>. Disponível em: 19 abr. 2013. Assim também é em outras regiões, como no Rio de Janeiro, onde também ex-istem programas de recolhimento de pneus e conscientização da população, para atuarem na prevenção da dengue. Governo do Rio de Janeiro. Rio contra a dengue. Disponível em: <http://www.riocontradengue.com.br/conteudo/index.asp>. Acesso em: 20 abr. 2013.

180 SILVA, Vicente Gomes da. Atualmente consultor jurídico do Ministério do Meio Ambiente. No momento anterior e que permeou a controvérsia na OMC era Procurador Geral do IBAMA. Em entrevista concedida à Gabriela Garcia Batista Lima, em 23 de março de 2009.

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exceção concedida ao MERCOSUL. Tais medidas visaram cumprir o laudo arbitral no âmbito do MERCOSUL e regulamentar o comércio de pneus usados para um que não causasse risco à saúde e meio ambiente. Segue tabela com resumo das normas, para uma melhor compreensão.

Figura 1: Tabela - Principais normas brasileiras envolvidas no caso dos pneus reformados

NORMA ASSUNTO

Portaria DECEX 08/91 Foi revogada pela Portaria Secex 21/96, com exceção dos arts. 19 a 27 e 29 a 32. Destaca-se:Art.27 – Não será autorizada a importação de bens de consumo usados (V.Ato Decl.Norm.CST 12/92.)

Decreto Legislativo n. 34 de 16 de junho de 1992e Decreto 875 de 19 de julho de 1993

O primeiro consiste no ato pelo qual o Brasil tornou-se signatário da Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimento Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, ratificando-a pelo segundo.

Resolução CONAMA 23 /96

Dispõe sobre o controle dos movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e de seu depósito, atendendo a Convenção de Basiléia. Destaca-se:Art. 4º Os Resíduos Inertes - Classe III não estão sujeitos à restrições de importação, à exceção dos pneumáticos usados cuja importação é proibida.

Resolução CONAMA 258/99

Dispõe sobre a obrigatoriedade dos fabricantes e importadores de pneumáticos de coletar e dar destinação final, ambientalmente adequada, aos pneus inservíveis. Destaca-se:Art. 9o A partir da data de publicação desta Resolução fica proibida a destinação final inadequada de pneumáticos inservíveis, tais como a disposição em aterros sanitários, mar, rios, lagos ou riachos, terrenos baldios ou alagadiços, e queima a céu aberto.

Resolução CONAMA 301/02

Altera dispositivos da Resolução nº 258/99Art.2º IV - pneu ou pneumático inservível: aquele que não mais se presta a processo de reforma que permita condição de rodagem adicional, conforme código 4012.20 da Tarifa Externa Comum-TEC.” (conforme a tabela NCM 4012.20.00 = pneumáticos usados) Art.3º I - a partir de 1º de janeiro de 2002: para cada quatro pneus novos fabricados no País ou pneus importados, novos ou reformados, inclusive aqueles que acompanham os veículos importados, as empresas fabricantes e as importadoras deverão dar destinação final a um pneu inservível; II - a partir de 1º de janeiro de 2003: para cada dois pneus novos fabricados no País ou pneus importados, novos ou reformados, inclusive aqueles que acompanham os veículos importados, as empresas fabricantes e as importadoras deverão dar destinação final a um pneu inservível; (NR) Art. 11. Os distribuidores, os revendedores, os reformadores. os consertadores, e os consumidores finais de pneus, em articulação com os fabricantes, importadores e Poder Público, deverão colaborar na adoção de procedimentos, visando implementar a coleta dos pneus inservíveis existentes no País. (NR) Art. 12-A. As regras desta Resolução aplicar-se-ão também aos pneus usados, de qualquer natureza, que ingressarem em território nacional por força de decisão judicial. (NR)

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Instrução Normativa IBAMA IN nº 08/02

Art. 1° Instituir, no âmbito do IBAMA, os procedimentos necessários ao cumprimento da Resolução CONAMA n.°258, de 26 de agosto de 1999, quanto ao cadastramento de fabricantes e importadores de pneumáticos para uso em veículos automotores e bicicletas, assim como o cadastramento de processadores e destinadores de pneumáticos de veículos automotores e bicicletas. c) destinação ambientalmente adequada de pneumáticos inservíveis: qualquer procedimento ou técnica, devidamente licenciada pelos órgãos ambientais competentes, nos quais pneumáticos inservíveis inteiros ou pré-processados são descaracterizados, por meios físicos ou químicos, podendo ou não ocorrer reciclagem dos elementos originais ou de seu conteúdo energético. A simples transformação dos pneumáticos inservíveis em retalhos, lascas ou cavacos de borracha não é considerada destinação ambientalmente adequada dos mesmos. Art. 2° Os fabricantes e importadores de pneumáticos para uso em veículos automotores e bicicletas, bem como os processadores e destinadores de pneumáticos inservíveis, deverão se inscrever no Cadastro Técnico Federal, junto ao IBAMA, conforme disciplinado no art. 1° da Instrução Normativa n° 10, de 17 de agosto de 2001.

Decreto 3179 21/09/1999

Dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Decreto nº 3.919 14/09/2001

Acrescenta artigo ao Decreto 3179/99 Art. 47-A Importar pneu usado ou reformado: multa de R$ 400,00 por unidade. Parágrafo único: incorre na mesma pena, quem comercializa, transporta, armazena, guarda ou mantém em depósito pneu usado ou reformado, importado nessas condições.

Decreto nº 4592 11/02/2003

Art. 1º O Art.47 A do Decreto 3179/99 passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo, renumerando-se o atual parágrafo único para 1º: “Ficam isentas do pagamento da multa a que se refere este artigo as importações de pneumáticos reformados classificados nas NCM 4012.1100, 4012.1200, 4012.1300 e 4012.1900, procedentes dos Estados Partes do MERCOSUL, ao amparo do Acordo de Complementação Econômica no 18”.

Portaria nº 08/00 da SECEX

Não será deferida licença de importação de pneumáticos recauchutados e usados, seja como bem de consumo, seja como matéria-prima, classificados na posição 4012 da Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM (conforme lista dos NCMs 40.12 = pneumáticos recauchutados ou usados)

Portaria nº 02/02 da SECEX

Art. 1º Fica autorizado o licenciamento de importação de pneumáticos remoldados, classificados nas NCM 4012.11.00 4012.12.00, 4012.13.00 e 4012.19.00, procedentes dos Estados Partes do MERCOSUL ao amparo do Acordo de Complementação Econômica nº 18. (conforme lista dos NCMs, os códigos acima significam: 4012.11.00 = pneus recauchutados de passeio; 4012.12.00 = pneus recauchutados de ônibus e caminhões; 4012.13.00 = pneus recauchutados de veículos aéreos; 4012.19.00 = Outros Art. 2º As importações a que se refere o artigo 1º deverão obedecer ao disposto nas normas constantes do regulamento técnico aprovado pelo Instituto de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO para o produto, assim como as relativas ao Regime de Origem do MERCOSUL e as estabelecidas por autoridades de meio ambiente. Restrita a países do MERCOSUL e para os “pneus remoldadados” (que é uma das categorias de pneus reformados).

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Portaria nº 17/03 da SECEX

Art. 39. Não será deferida licença de importação de pneumáticos usados, seja como bem de consumo, seja como matéria-prima, classificados na posição 4012 da NCM, à exceção dos pneumáticos remoldados, classificados nas NCM 4012.11.00, 4012.12.00, 4012.13.00 e 4012.19.00, originários e procedentes dos Estados Partes do MERCOSUL ao amparo do Acordo de Complementação Econômica no 18. Parágrafo único. As importações originárias e procedentes do MERCOSUL deverão obedecer ao disposto nas normas constantes do regulamento técnico aprovado pelo Instituto de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – Inmetro para o produto, assim como nas relativas ao Regime de Origem do MERCOSUL e nas estabelecidas por autoridades de meio ambiente.

Portaria nº 14/04 da SECEX

Revoga em seu inteiro teor a Portaria SECEX nº 17/03. Dispõem sobre Procedimentos para Licenciamento de Importação. Art. 40. Não será deferida licença de importação de pneumáticos recauchutados e usados, seja como bem de consumo, seja como matéria-prima, classificados na posição 4012 da NCM, à exceção dos pneumáticos remoldados, classificados nas NCM 4012.11.00, 4012.12.00, 4012.13.00 e 4012.19.00, originários e procedentes dos Estados Partes do MERCOSUL ao amparo do Acordo de Complementação Econômica no 18. Parágrafo único. As importações originárias e procedentes do MERCOSUL deverão obedecer ao disposto nas normas constantes do regulamento técnico aprovado pelo Instituto de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) para o produto, assim como nas relativas ao Regime de Origem do MERCOSUL e nas estabelecidas por autoridades de meio ambiente.

O Brasil viu-se na situação de se enquadrar ao direito internacional em respeito ao laudo arbitral do MERCOSUL, onde perdeu a demanda e, ao mesmo tempo, lidar com os problemas internos sanitários e ambientais. Com apreço a ambas as perspectivas, a isenção ao MERCOSUL foi concretizada mediante cotas, a fim de materializar-se um determinado controle nas consequências da atividade.181 Essas ações brasileiras, entretanto, são vistas pelo OSC na OMC, como medidas discriminatórias, independente da sua intenção, o que importa é o resultado das ações frente a sua incoerência com os problemas que as restrições questionadas pretendiam evitar.

Quando esse contexto começou a permear o momento da controvérsia na OMC, houve interação e troca de informações entre os Ministérios, tanto nas reuniões interministeriais, quanto informalmente, a título de esclarecimento de dúvidas e a fim de proporcionar um argumento coerente frente à OMC, perspectivas unificadas como a posição do Brasil acerca na sua defesa na controvérsia.182 Entretanto, a maior movimentação do executivo foi no ajuizamento da ADPF para as liminares e de ADI para as leis estaduais do Rio Grande do Sul que discriminavam a restrição comercial. A manifestação do STF era essencial para a caracterização da postura sustentável do Brasil, tanto internamente quanto no âmbito internacional. 183

Pela ADPF, fundando-se na existência de violação ao artigo 225 da Constituição Federal, combateu os argumentos das liminares que já estavam causando um prejuízo 181 GODINHO, Daniel Marteleto. Câmara de Comércio Exterior – CAMEX- Secretaria-Executiva. Em entrevista con-

cedida à Gabriela Garcia Batista Lima em 27 de março de 2009. 182 SCHMIDT, Luiz Fellipe. Coordenação-Geral de Contenciosos. Palácio Itamaraty. Em Entrevista concedida à Gabri-

ela Garcia Batista Lima, em 12 de março de 2009.183 ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. Atualmente, Ministra do Superior Tribunal Militar. Fez parte da equi-

pe do executivo que atuou na defesa no âmbito da controvérsia no caso dos pneus, na OMC. Em entrevista conce-dida à Gabriela Garcia Batista Lima, em 05 de março de 2009.

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sanitário e ambiental permitindo a entrada de mais de 5 milhões de pneumáticos usados. Sobre a defesa das liminares, levantavam ofensa ao princípio da livre iniciativa e isonomia; dispunham que os atos proibitivos só regulamentavam sobre pneus usados e não pneus recauchutados e remoldados; que as proibições foram atribuídas por atos que não tinham a legitimidade para tal atribuição e que as Resoluções 258/99 e 301/02 teriam revogado a proibição ao dispor sobre a destinação de pneus remoldados.184

Na ADPF demonstrou-se exaustivamente o interesse ambiental e sanitário, já aqui retratados, assim como a relevância internacional da questão. Nesse momento que permeia a controvérsia na OMC, entretanto, a mora do STF concorreu para formação de ação ilícita frente à organização, quais sejam as discriminações injustas e arbitrárias.

Vale dizer, houve, de um lado, toda uma movimentação do executivo tanto em torno de uma política ambiental no tratamento dos pneus inservíveis, em uma dinâmica que integrasse a sustentabilidade na atividade pela atribuição da responsabilidade com a conservação ambiental, quanto visando harmonizar sua perspectiva com a do judiciário (pela ADPF) e legislativo (pela ADI). Esse contexto seguiu como uma situação de urgência, repercutindo na presidência da República para a elaboração de uma Medida Provisória, que então, iria consolidar a política ambiental com peso de lei e não norma regulamentadora ou ato do poder executivo como são os Decretos e as Resoluções. 185

O efeito da Medida Provisória ensejaria fortalecimento em termos de segurança jurídica, uma hierarquia normativa que atribuiria maior consistência e unicidade à política ambiental centralizando essas regras dispostas em diferentes mecanismos normativos. Entretanto, desencadeou-se movimentação do setor privado importador de pneus mediante lobby da empresa BS Colways Pneus para que a Medida Provisória não fosse assinada, , principal financiadora das campanhas e programas de educação ambiental para a responsabilidade no cuidado com os pneus inservíveis.186

A comunicação dos envolvidos no conflito pela mídia, realizando propaganda constantemente na batalha de contrainformação, a pressão política com os apelos de financiamentos de campanha, a retórica da perda de empregos decorrente da diminuição da atividade econômica, a pressão dos sindicatos pela manutenção dos empregos, as demandas de consumidores, tudo isso acaba entrando no jogo da disputa e interferindo na tomada de decisão.187

A respeito dos resultados do lobby, independentemente de se debater a legitimidade ou não dessa movimentação – que não cabe aqui discutir – é possível perceber as consequências por duas perspectivas: de um lado, acarretou em uma omissão do executivo em face de uma questão de urgência, que legitimava a consolidação de uma Medida Provisória; por outro lado, não houve omissão, vez que não deixou de existir uma política ambiental tratando do tema frente justamente a sua urgência. Além disso, a situação resultante foi que

184 ADPF n. 101. Petição Inicial. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=181175&tipo=TP&descricao=ADPF%2F101>. Acesso em 23 abr. 2013.

185 ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. Atualmente, Ministra do Superior Tribunal Militar. Fez parte da equi-pe do executivo que atuou na defesa no âmbito da controvérsia no caso dos pneus, na OMC. Em entrevista conce-dida à Gabriela Garcia Batista Lima, em 05 de março de 2009.

186 VARELLA, Marcelo Dias. Em entrevista concedida à Gabriela Garcia Batista Lima.187 VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur

des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507.

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o governo deixou passar a oportunidade de fortalecer a política ambiental vislumbrada e trazer-lhe maior peso normativo ao dar-lhe força de lei.

Nesse sentido, de um lado, a formação do quadro normativo foi realizada dentro das atribuições do poder executivo em nome do interesse público de proteção à saúde e meio ambiente. No entanto, mesmo que o processo normativo tenha tido a participação dos interessados, o debate e o consenso não são quesitos suficientes para a efetividade da medida. Outras formas de participação, não necessariamente institucionalizadas, repercutem na tomada de decisão pertinente. Nesse caso, pode-se afirmar que o lobby exercido enfraqueceu o sistema de ações dentro do poder executivo: havia, pois uma Medida Provisória já elaborada, com urgência e interesse público, pendente apenas de assinatura, o que não ocorreu em vista da pressão exercida pelo setor privado, interessado para que não fosse assinada.

Do ponto de vista da efetividade norma jurídica, percebe-se que foi afetada negativamente em vista de movimentações de entes privados na tomada de decisão pública pertinente, que impediu o estabelecimento formal de uma norma. Visualiza-se um enfraquecimento da institucionalização do próprio desenvolvimento sustentável na interação entre setor público e setor privado.

Não há como afirmar, entretanto, que se houvesse consubstanciado esse peso de lei, necessariamente não iria haver incoerências internas nacionais causadas pela atuação dos outros âmbitos do poder, que ensejaram a responsabilidade do Brasil perante a OMC. Afinal, a atuação dos três poderes são esferas autônomas e distintas entre si. As empresas tinham outros instrumentos que podiam utilizar para enfraquecer a política ambiental, tal como fizeram em termos nacionais e, mediante pressão política junto aos seus governos em termos regionais e multilaterais, conforme se vislumbra a seguir.

2.3.2.3 A reação dos principais atores às políticas públicas

As empresas reagiram utilizando-se de três níveis jurídicos: nacional, regional e multilateral, âmbitos esses que repercutiram um no outro. Em nível nacional, a reação diz respeito às liminares pleiteadas no judiciário; em nível regional, mediante pressão política das empresas, o Uruguai demandou contra o Brasil no Tribunal do MERCOSUL e, Em relação ao aspecto multilateral, também em razão de pressão política, as Comunidades Européias questionaram o Brasil na OMC. Importante explicar, essa divisão entre as reações para categorizá-las em nacional, regional e internacional vislumbra aqui uma questão didática de visualização das incoerências internas do Brasil, que levaram à caracterização da medida de proibição à importação como arbitrária e injusta.

a) As reações no âmbito nacional e suas consequências: as liminares

Do ponto de vista nacional, as empresas importadoras, inconformadas com as restrições às importações de pneus usados, demandaram no judiciário, ganhando o direito de importação mediante liminares, que repercutiam inter partes. A consequência de maior relevância foi que a propagação dessas medidas demandadas pelo âmbito privado e a morosidade do Judiciário no julgamento definitivo legitimaram a iniciativa da União Européia de provocar o OSC na OMC para questionar a exceção obtida por liminares à proibição de pneus, vez que possibilitava a entrada de pneus a algumas empresas e não a todas, caracterizando uma discriminação entre as empresas exportadoras.

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A repercussão da situação ensejou a proposição de uma ADPF, pelo Presidente da República no Supremo Tribunal Federal, para tornar tais liminares nulas. O papel da ADPF, além de tornar efetiva a política ambiental existente, era também o de harmonizar em uma perspectiva apenas, as ações do Judiciário e as ações do Executivo. Isso permitiria demonstrar que não havia incoerência na posição que o Brasil levantou no âmbito internacional. Entretanto, a mora do judiciário acarretou a caracterização da incoerência, e, portanto, na responsabilidade internacional do Brasil.

Na ADPF, as empresas levantavam argumentos em defesa das liminares e ressaltaram que existia uma diferença de conceituação do objeto das liminares e o objeto demandado multilateralmente. Alegavam, pois, que as liminares tratavam de permitir a entrada de matéria-prima, que os pneus usados importados não eram resíduos, mas sim matéria-prima para a sua atividade de reforma de pneus. Diziam que a importação era importante para a qualidade do produto final, pois os pneus usados nacionais não tinham condições sequer de serem matéria-prima. Além disso, ressaltou-se que a proibição da importação resultava na inviabilização da atividade econômica e, por conseguinte, ensejava consequências sociais relevantes como a demissão em massa de funcionários com a transferência das indústrias para os demais integrantes do MERCOSUL. 188

É possível afirmar que tais empresas pretendiam a todo custo cobrir o interesse econômico pelo produto mais barato, diante do custo de importação quase que insignificante dos pneus usados importados, interpretando restritivamente o conceito veiculado pela proibição com suas consequências econômicas e sociais. Isso porque a quantidade de pneus usados nacionais era suficiente para comportar o mercado da atividade de reforma de pneus. As importações autorizadas pelas liminares, em toneladas de pneus, passaram de 1,5 milhões de tonéis em 2000, para quase 10 milhões de tonéis em 2005. 189

As empresas aproveitaram a falta de uma unicidade no conceito entre as demandas existentes no escopo nacional, regional e multinacional, de pneus usados, reformados, remoldados e recauchutados. Para explicar melhor, embora as consequencias ensejassem a entrada de pneus usados, no plano jurídico, a discussão nacional era para permitir a entrada de pneus usados como matéria-prima, passíveis de reforma; no plano regional, a discussão era em torno dos pneus remoldados e no plano multinacional era sobre pneus reformados, ambos os tipos que não podem passar por uma nova transformação, portanto, com a vida de uso reduzida.

Ao argumentar que importavam matéria-prima, pretendiam também diferenciar o seu objeto daquele pleiteado no MERCOSUL, que se referia a pneus remoldados; do objeto multilateral, em que o pleito dizia respeito a pneus reformados - categorias de pneus usados que não podiam, em geral, passar por uma nova reforma. De toda forma, as liminares recaíram na autorização de importação de pneus usados, que englobam tanto os remoldados e os reformados.

Destaca-se que essa falta de unicidade conceitual poderia sido resolvida com a implementação da Medida Provisória, entretanto, não foi implementada em vista da pressão privada mediante lobby, no executivo. Todavia, mais uma vez, não há como afirmar se a

188 ABIP. Petição como amicus cureae na ADPF 101. Disponível em : <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/proces-soAudienciaPublicaAdpf101/anexo/ABIP_manifestacao.pdf>. Acesso em 21. abr. 2013.

189 OMC. WT/DS332/AB/R. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 nov 2013.

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Medida Provisória iria impedir esse quadro, vez que, vale repetir, a atuação dos três poderes é independente e faz parte do Estado de Direito.

Tendo em vista as liminares e as leis estaduais do Rio Grande do Sul, que permitiam a importação de pneus, foi em função da morosidade do STF no julgamento da ADPF e ADI - que iriam unificar judiciário e legislativo com a visão do executivo - que incoerências entre os três poderes se consolidaram e ocasionaram uma contradição entre o âmbito nacional e a posição que o Brasil alegou na OMC. Segundo Accioly e Nascimento e Silva, “pode-se considerar como incontestável a regra segundo a qual o Estado é internacionalmente responsável por todo ato ou omissão que lhe seja imputável e do qual resulte a violação de uma norma jurídica internacional ou de suas obrigações internacionais”. 190

Ainda que a OMC tenha o seu próprio mecanismo de análise e modo de efetivação do cumprimento das suas normas e obrigações internacionais, a responsabilidade civil internacional poder ser analisada nesse âmbito, haja vista ser um princípio de direito internacional público.191 A responsabilidade internacional vislumbra uma orientação geral de direito internacional público, é vinculada ao resultado efetivo das políticas públicas e ignora eventuais divergências entre as divisões internas do Estado. 192

Ter a responsabilidade internacional como parâmetro, significa focalizar a análise para os atos do Estado em sua continuidade, avaliando e responsabilizando a manutenção da sua postura ao longo do tempo, perante o direito internacional. Nesse sentido, o Órgão de Apelação entendeu que houve uma discriminação, vez que as liminares concedidas contradiziam a política ambiental argumentada pelo Executivo. Esse aspecto foi essencial na caracterização da aplicação da proibição como ação discriminatória e injusta:

Por fim, observamos que, não obstante a Proibição de importação de pneus usados contida no Artigo 40 da Portaria SECEX 14/2004, alguns reformadores ingressaram com mandados de segurança e obtiveram liminares que permitem a importação de caraças de pneus usados para a fabricação de pneus reformados. Embora o governo brasileiro tenha recorrido perante o sistema judicial brasileiro, os resultados obtidos em seu esforço para impedir a concessão de liminares para importação de pneus usados ou obter a revogação das mesmas foram ambíguos.193

Afirma-se, nesse sentido, que, ainda que as liminares pleiteadas inserissem-se no exercício regular do Estado de Direito, o judiciário as concedeu de forma que

190 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 15 ed. ver. e atual. por Paulo Borba Casella. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 149.

191 VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 366.192 Roberto Freitas e Marcelo Varella ressaltam a existência de um conflito entre as lógicas interna e internacional.

Na lógica internacional, existe apenas um Estado, nesse caso, o Brasil. Os resultados efetivos são as únicas fontes informadoras do cumprimento das normas internacionais. Internamente, ocorre uma batalha, entre o Executivo e empresas do setor. Para a Justiça, ao conceder as liminares, acreditavam estar atuando temporariamente em atenção ao direito de uma determinada empresa, que litigava em um processo específico. Na prática, o conjunto de decisões, ao ser considerado como uma discriminação arbitrária ao comércio internacional impõe ao Brasil a obrigação de tornar possível a livre importação de pneus usados. Nesse sentido, mesmo se a batalha estivesse praticamente ganha internamente, (grande parte da importação dos pneus usados era barrada pelo Executivo), o fato de haver uma pequena percentagem restante (9,2%) foi suficiente para garantir a constatação pelo OSC do aumento da quantidade nos últimos anos e a condenação contra o Brasil, obrigando a inversão e a aceitação da importação livre de pneus. VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507.

193 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 132. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai 2013.

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suas decisões iam contra a política ambiental vislumbrada pelo Executivo. Do ponto de vista da responsabilidade internacional, a avaliação limita-se aos resultados em concreto das medidas. O que se visualizou foi que, enquanto o governo brasileiro alegava em sua política externa que foram tomadas medidas de restrições ao comércio de pneus usados, algumas empresas estavam importando mesmo assim, acarretando em uma incoerência que legitimou, posteriormente, a iniciativa da Comunidade Européia em provocar o OSC, na OMC. A responsabilidade internacional também pôde ser vislumbrada nas ações estatais em consequência das reações regionais às medidas restritivas impostas, conforme se segue.

b) A reação no âmbito regional e suas consequências: a isenção do MERCOSUL

Em termos regionais, no MERCOSUL, o Uruguai obteve sucesso ao questionar as medidas brasileiras, com uma ação no tribunal arbitral daquele bloco. A proibição de importação de remoldados tinha sido questionada no Tribunal Arbitral do MERCOSUL mediante a alegação de que impedia a liberação do comércio naquele âmbito, e que, tendo ganho a demanda (à época, irrecorrível), passou a exportar para o Brasil, pneus remoldados.

O governo, então, reformulou o ordenamento interno, proibiu a importação de pneus usados, à exceção daqueles remoldados oriundos do MERCOSUL, a fim de cumprir decisão do Tribunal bloco econômico. Tal medida consta na portaria SECEX 14/2004, que passou a vigorar junto com a multa prevista no Decreto Presidencial 3.179/1999, com alterações do Decreto Presidencial 3.919/2001, que prevê a multa de R$ 400,00 por unidade de pneu usado importado não enquadrado na exceção ao MERCOSUL.

Ressalta-se que a livre exportação de pneus do Uruguai para o Brasil tinha por consequência facilitar a exportação das empresas européias para o Brasil, por meio do Uruguai. Em todo caso, as empresas exportadoras foram liberadas dessa necessidade de passar pelo Uruguai em razão de decisões do judiciário brasileiro.194

Um importante aspecto merece ser aqui destacado: na demanda no MERCOSUL, o Brasil não alegou em sua defesa exceções ambientais, o que poderia ter feito diante do artigo 50 d do Tratado de Montevidéu (similar ao artigo XX b do GATT). Enquanto uma ação estatal, o cumprimento da decisão do MERCOSUL repercutiu como motivo capaz de configurar violação ao princípio da nação mais favorecida. O Órgão de Solução de controvérsias considerou que a quantidade importada via Uruguai era representativa e que o fato desses pneus estarem ingressando via MERCOSUL não se justificava pela existência de um sistema regional de integração. Assim, ao acatar a decisão do Tribunal Arbitral do MERCOSUL, o Brasil deveria também aceitar a importação de pneus de todos os demais Estados exportadores.

Essa postura de não ter alegado questões ambientais em sua defesa foi um aspecto essencial na configuração da arbitrariedade da restrição brasileira, conforme o Órgão de Apelação:

Em vista disso, observamos, como o Painel, que o Brasil poderia ter buscado justificar a Proibição de importação contestada, com base na saúde humana, animal e vegetal segundo o Artigo 50(d) do Tratado de Montevidéu perante o tribunal arbitral criado no âmbito do MERCOSUL. O Brasil, no entanto, decidiu não fazê-lo. Não cabe a nós tentar julgar a

194 VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507.

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decisão do Brasil de não evocar o Artigo 50(d), que desempenha uma função semelhante à do Artigo XX(b) do GATT 1994. No entanto, o Artigo 50(d) do Tratado de Montevidéu, bem como o fato de que o Brasil poderia ter levantado essa questão na defesa perante os procedimentos arbitrais do MERCOSUL, demonstra, na nossa opinião, que a discriminação associada à isenção do MERCOSUL não é necessariamente resultado de conflito entre os dispositivos do MERCOSUL e do GATT 1994. 195

Colocou a isenção como arbitrária e injustificável, ainda que tenha sido estabelecida em cumprimento de uma decisão internacional. Nessa altura da avaliação, o foco do Órgão de Apelação para tal caracterização foram os resultados da isenção propriamente ditos:

Nesse caso, a discriminação entre os países do MERCOSUL e outros Membros da OMC na aplicação da Proibição de importação foi introduzida como conseqüência de decisão de tribunal do MERCOSUL. O tribunal decidiu contra o Brasil porque a restrição à importação de pneus remoldados era incompatível com a proibição a novas restrições comerciais segundo a legislação do MERCOSUL. Na nossa opinião, a decisão emitida pelo tribunal arbitral do MERCOSUL não é raciocínio aceitável para discriminação, porque não tem relação com o objetivo legítimo perseguido pela Proibição de importação que se encaixa na esfera do Artigo XX(b), e até mesmo vai de encontro a esse objetivo, mesmo que levemente. Da mesma maneira, somos da opinião de que a isenção do MERCOSUL resultou na aplicação da Proibição de importação de forma a constituir discriminação arbitrária ou injustificável.196

A defesa do Brasil perante o MERCOSUL é ação estatal e enquanto tal, não demandou as exceções ambientais quando teve a oportunidade frente àquele organismo. Ao que parece, o Órgão de Apelação não só avaliou a isenção da proibição para o MERCOSUL, mas avaliou também a incoerência entre a alegação de defesa do Brasil na OMC em relação à defesa anterior do Brasil no MERCOSUL, já que ambos tratavam de casos análogos.

c) As reações no âmbito multinacional

No nível multilateral, é a partir de uma iniciativa da BIPAVER197, uma associação de empresas que reformam pneus a uma série de membros da Comunidade Européia, que a Comunidade Européia abriu um contencioso contra o Brasil na OMC. Houve uma investigação comunitária que concluiu, em setembro de 2004, que as medidas brasileiras violavam vários compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da OMC, com o fim de preservar sua indústria nacional de fabricação de pneus.198

195 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 234. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai 2013.

196 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 228. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm]. Acesso em: 05 mai 2013.

197 BIPAVER. Home Page disponível em : <http://www.bipaver.org/index.html>. Acesso em 01. Jun. 2013.198 VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des

divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507. E também : BIPAVER. EU legislation. Disponível em : <http://www.bipaver.org/5.html> Acesso em 01. Jun. 2013.

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Importante explicar, as repercussões multinacionais conjugam aquelas veiculadas nacional e regionalmente. Isso porque a maioria das empresas importadoras brasileiras de pneus usados, assim como as empresas exportadoras do Uruguai, eram filiais das empresas inseridas nas Comunidades Européias.199 Esse contexto propiciou em larga medida as pressões exercidas contra a proibição do governo Brasileiro.

Tais empresas tinham interesse na exportação, em vista das restrições ambientais européias recém estipuladas para a destinação dos pneus usados. Nas Comunidades Européias, em especial, pela Diretiva 1999/31/CE, impediu-se que os pneus usados fossem enterrados em aterros sanitários a partir de 2006, a principal forma de destinação até então. Deste modo, houve uma redução nas alternativas disponibilizadas às empresas para a destinação final dos pneus usados, que então se utilizaram das possibilidades comerciais possíveis. Essa situação ensejou um segundo aspecto no interesse econômico das empresas importadoras brasileiras: o aumento na oferta abaixou o preço do pneu usado, e, portanto, o custo da importação era tão baixo que o lucro às importadoras brasileiras se elevava. 200

A controvérsia ensejada pelas Comunidades Européias, na OMC, contra o Brasil caracterizou tal válvula de escape: as empresas podiam manter o mercado interno europeu e obedecer a nova legislação com a exportação dos pneus usados. As empresas nacionais tinham maior interesse nos pneus usados importados, pois além de serem de origem de empresas das quais são filiais, a oferta cresceu ao ponto de tornar o preço do pneu abaixo do custo, e, portanto, ocasionando maior lucro à sua atividade. Diante disso, pleiteavam seus direitos, cujas consequências puderam ser vislumbradas juridicamente, no âmbito nacional, regional e multinacional, conforme se demonstrou.

2.3.2.4 Considerações acerca da construção do desenvolvimento sustentável no momento anterior e que permeou a controvérsia na OMC

O quadro apresentado por essa contextualização de elementos que se inserem no caso dos pneus reformados na OMC permite algumas considerações acerca do Brasil na construção do desenvolvimento sustentável. A política pública ambiental ensejada pelo executivo, ainda que tenha previsto a conscientização ambiental e tenha estipulado obrigações às empresas quanto ao recolhimento e destinação final dos resíduos, não foi suficiente para englobar a quantidade de pneus inservíveis, quantidade que engloba o volume desconcertante de pneus usados importados. O governo, então aplicou restrições ao comércio, vez que os problemas sanitários e ambientais não cessavam.

Defendendo interesses econômicos, o setor privado utilizou mecanismos judiciais nacionais, regionais e multilaterais, e também de instrumentos não-normativos que interfiram tanto na formação de normas internas, como foi o caso da Medida Provisória com vistas à uma política ambiental nacional, quanto para que se formassem as demandas no MERCOSUL e na OMC.

No âmbito do MERCOSUL, o Brasil foi demandado para autorizar a entrada de pneus remoldados do Uruguai; o fato de não ter levantado questões ambientais pode ilustrar

199 VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507.

200 Ibidem, p. 487-507.

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uma fraca institucionalização de elementos de desenvolvimento sustentável no governo pela pouca capacidade de absorver e conjugar os diversos interesses envolvidos. De toda forma, essas questões, tanto das pressões privadas nas tomadas de decisão, quanto no contexto da não efetividade da sustentabilidade e da falta de unicidade de perspectiva nas ações públicas, levam à caracterização das instituições brasileiras como fracas para a promoção do desenvolvimento sustentável.

Essa perspectiva contribuiu para que o Brasil não conseguisse o sucesso da sua defesa na controvérsia na OMC. Vale ainda ressaltar: essas falhas são acrescidas também em vista da demora do STF em unificar a posição do judiciário e do legislativo com as políticas veiculadas pelo Executivo. O ponto principal para compreender a responsabilidade internacional do Brasil aqui, consiste na caracterização da discriminação injustificada diante da contradição entre as diversas ações estatais brasileiras, cuja repercussão foi ensejada pela movimentação do setor privado, seja por instrumentos judiciais, seja por formas de pressão política frente aos governos respectivos.

Uma vez compreendido cenário anterior e que permeou a controvérsia, mister agora analisar como questões de meio ambiente e saúde humana foram vislumbradas na OMC, conforme se segue.

2.3.3 A interpretação do artigo XX pelo OSC

Tendo em vista a OMC como instituição da governança global, esta parte da pesquisa visa analisar, no momento da controvérsia, a constituição do desenvolvimento sustentável no modo como o OSC interpretou o artigo XX no caso dos pneus, a fim de vislumbrar como repercutiu para a construção da sustentabilidade brasileira, em vista da internacionalização dos direitos.

A OMC analisou, objetivamente: a existência da discriminação ao comércio, a sua caracterização como necessária e a sua compatibilidade com caput do art. XX do GATT/1994. A necessidade engloba avaliar a respeito da legitimação do risco escolhido pelo Brasil e na relação substantiva da medida questionada com as consequências ambientais que se pretende evitar.

A apuração da arbitrariedade e injustiça da medida discriminatória, tal como aplicada pelo OSC, direciona-se para a coerência entre as ações estatais discriminatórias e o objetivo das proibições questionadas. A análise da interpretação do OSC sobre essas considerações tem como parâmetro os valores ambientais e de proteção à saúde vislumbrados na tomada de decisão, permitindo avaliar como é construída a sustentabilidade, em vista da aplicação do artigo XX do GATT/1994, conforme se segue.

2.3.3.1 A apuração da necessidade

O painel avaliou se a medida brasileira era necessária para o objetivo de proteger os animais e vegetais. Isso envolve o estudo do grau de contribuição da medida questionada para tais questões, e, portanto, na sua relação com o reconhecimento da legitimidade da definição do risco envolvido (art. XX,b). Nesse sentido, definem-se dois principais elementos para a apuração da necessidade, pelo grau de contribuição da medida: o reconhecimento da

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legitimidade do risco apurado pelo Brasil, a relação entre esse risco e as medidas alternativas e, por último e não menos importante, a caracterização da contribuição como substantiva e não meramente marginal.

Destaca-se, é nesse momento da avaliação, pelo OSC, que os elementos proteção ambiental e à saúde humana ganham espaço na implementação da norma. A necessidade é a capacidade de contribuição substantiva da medida restritiva para o grau de proteção ambiental e à saúde humana escolhido pela parte envolvida, ou seja, a minimização do risco, junto com a ausência de alternativas plausíveis201 e como uma primeira crítica negativa ao OSC, que é a sua interpretação restritiva, não se referindo como proteção ao meio ambiente, mas sim a uma leitura literal do dispositivo202; ademais, é uma interpretação restritiva cujas consequências são de limitar a efetividade da proteção ambiental no comércio internacional.

Com relação ao risco, tem-se que consiste na racionalização das decisões a fim de controlar os seus resultados.203 A verificação do risco nessa demanda ocorreu pela análise da relação de causalidade entre o que se pretendia proibir e as consequências ambientais e sanitárias que se pretendiam evitar com essa proibição; e também, pela a relação das medidas alternativas com a manutenção dessa prevenção. Esses elementos permitem caracterizar, nesse sentido, o grau de contribuição da medida para a proteção da saúde humana e recursos ambientais.

Ressalta-se que o Brasil visou, com a restrição comercial, “reduzir os riscos do acúmulo, transporte e destinação associados com a geração de pneus inservíveis no Brasil o máximo possível.”204 E, ao longo do processo, o Brasil comprovou largamente o nexo de causalidade entre os problemas sanitários e de danos ao meio ambiente frente ao acúmulo de pneumáticos inservíveis. Sobre essas questões, o painel avaliou que o acúmulo dos resíduos pneumáticos representava uma ameaça à saúde humana e ao meio ambiente devido às doenças transmitidas por mosquitos, tais como dengue, febre amarela e malária e, também, pelo aumento dos riscos de incêndios e, consequentemente, incinerações altamente tóxicas. Nesse sentido, concluiu-se pela adequação da política brasileira ao artigo XX,b, decisão corroborada pelo Órgão de Apelação:

A conclusão do Painel, com a qual concordamos, é que ‘se o setor doméstico reformar mais pneus nacionais, o número total de pneus inservíveis será reduzido, proporcionando uma segunda vida a alguns pneus usados que, de outra forma, se tornariam imediatamente em resíduos, após sua primeira vida, que seria a única.’ Por essas razões, o Painel constatou que a redução [da quantidade] de pneus inservíveis seria o resultado da Proibição de importação e que, portanto, esta contribuiria para reduzir a exposição aos riscos associados como o acúmulo de pneus inservíveis.

201 OMC. WT/DS332/AB/R.Parágrafo 53. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm], Acesso em: 05 nov. 2013.

202 Destaca-se a crítica: “Nesse ponto, houve uma interessante interpretação do grupo especial, concordando com a Co-munidade Européia, no sentido de indicar que o GATT não permite a proteção do “meio ambiente” enquanto tal, mas apenas de animais e vegetais, por uma interpretação literal da alínea b do art. XX. Trata-se de uma questão importante porque se restringe o escopo da proteção interpretada em outros contenciosos. Meio ambiente seria um conceito am-plo, que abrange diversos outros objetos e formas de interação entre seus objetos, além dos conceitos previstos de ‘animais’ e ‘vegetais’. Trata-se de uma interpretação conforme o texto, mas aquém das expectativas dos diversos atores, demonstrada em outros contenciosos ambientais na OMC.” VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507.

203 BECK, Ulrich. World risk society. Polity Press: Cambridge, 2000, p. 03-06.204 OMC. WT/DS332/R. Parágrafos 56 e 57. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/

cases_e/ds332_e.htm>, Acesso em: 05 mai 2013.

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Como a análise do Painel foi qualitativa, o Painel não procurou estimar, em termos quantitativos, a redução do número de pneus inservíveis como resultado da Proibição de importação, ou o horizonte temporal de tal redução. Essas estimativas teriam, inquestionavelmente, sido úteis e teriam reforçado a fundamentação da constatação do Painel. Não obstante, não nos parece equivocado concluir, com base nas hipóteses apresentadas, testadas e aceitas pelo Painel, que menos pneus inservíveis seriam gerados a partir da Proibição de importação do que na ausência deste.205

Além disso, ficou também comprovado que as medidas alternativas sugeridas pelas Comunidades Européias não afastavam o risco consubstanciado, vez que o empilhamento, incineração e o aterro eram também ameaças à forte poluição que se pretendia evitar. Sobre este aspecto, o Órgão de Apelação confirmou a decisão do painel:

O Brasil não busca atingir um nível específico de saúde e segurança ou apenas proteção contra doenças transmitidas por mosquito ou emissões provenientes da queima de pneus (acumulação de riscos). Antes, o Brasil busca reduzir os riscos do acúmulo, transporte e destinação associados com a geração de pneus inservíveis no Brasil o máximo possível. Por ter a determinação do Painel identificado corretamente o nível de proteção buscado pelo Brasil, e a Comunidade Européia, em seu recurso de apelação, não contestar essa determinação segundo o Artigo 11 do DSU, as denúncias de erro por parte da Comunidade Européia relativas a alternativas razoavelmente disponíveis estão fora do âmbito da revisão do recurso de apelação. 206

Uma vez caracterizado o acúmulo de riscos que se pretendia prevenir e, verificando-se que as medidas alternativas não contribuíam para a prevenção pretendida, a medida estava relacionada com a contribuição da minimização do risco, pelo Brasil. 207 O grau da contribuição da restrição foi caracterizado também por ter sido substantivo e não meramente marginal. Isso permite vislumbrar a posição dos valores ambientais e de proteção à saúde humana como centrais para avaliação da caracterização da necessidade. Tratar substancialmente tais valores corresponde à própria apuração do choque entre preocupação ambiental e de saúde, com o comércio internacional. In verbis:

“Nesse ponto, pode ser útil recapitular nossas opiniões sobre a necessidade da Proibição de Importação nos termos do Artigo XX (b) do GATT 1994. Essa questão ilustra as tensões que podem existir, de um lado, entre o comércio internacional e, de outro, preocupações ambientais e de saúde decorrentes do manejo de resíduos provenientes de um produto no fim de sua vida útil. Nesse sentido, o princípio fundamental é o direito dos Membros da OMC de determinar o nível de proteção que consideram adequados em um determinado contexto. Outro elemento chave na análise de necessidade da medida segundo o Artigo XX (b) é a sua contribuição para a consecução de seu objetivo. Haverá contribuição sempre que existir uma relação genuína entre os fins e os meios, entre o objetivo almejado e a medida em questão. Para ser caracterizada como

205 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 153. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 nov 2013.

206 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafos 56. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>, Acesso em: 05 nov. 2013.

207 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafos 53. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>, Acesso em: 05 nov. 2013.

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necessária, a medida não precisa ser indispensável. No entanto, a sua contribuição para a consecução do objetivo deve ser substantiva, e não meramente insignificante, especialmente se a medida em questão for tão restritiva do ponto de vista comercial como uma proibição à importação. Portanto, a contribuição da medida tem que ser ponderada em relação à sua restritividade comercial, levando-se em consideração a importância dos valores subjacentes do objetivo almejado por ela. Como componente chave de uma política abrangente que visa a redução dos riscos decorrentes do acúmulo de pneus inservíveis, a Proibição de importação produz tal contribuição substantiva para a realização de seu objetivo. Assim como o Painel, consideramos que essa contribuição é suficiente para se concluir que a Proibição de importação é necessária, na falta de alternativas razoavelmente disponíveis.”208

A necessidade foi delineada diante da possibilidade de contribuição substantiva da restrição comercial para o objetivo de proteção da saúde e meio ambiente, no nível de risco estipulado pelo Brasil, verificada a falta de razoabilidade das medidas alternativas. Destaca-se que, ao avaliar o grau de possibilidade de contribuição da medida, e não a contribuição efetiva, vislumbra-se que existem dois elementos distintos: um é a existência de um objetivo de proteção ao meio ambiente e à saúde humana e o outro é a capacidade de contribuição da restrição para a realização desse objetivo.

Quando essa diferença é visualizada, pode-se dizer que a questão ambiental/sanitária é dotada de certa autonomia em relação ao remanente do artigo, ou seja, existe independentemente do restante do dispositivo estar preenchido; todavia, para ser levada em consideração, precisa estar relacionada com a capacidade de a restrição comercial . Por isso a afirmação da relatividade da autonomia das ponderações ambientais e sanitárias do artigo XX em relação às demais normas. Resta, pois, a análise do caput, logo abaixo.

2.3.3.2 A análise do caput do artigo XX do GATT 1994

O caput expressamente visa legitimar a aplicação da medida já considerada incompatível com uma obrigação do GATT 1994, mas que se encaixa em um dos parágrafos do Artigo XX. Para tanto, exige a configuração de dois principais aspectos: primeiro, uma medida justificada provisoriamente, segundo um dos parágrafos do Artigo XX, não deve ser aplicada de maneira a constituir “discriminação arbitrária e injustificável” entre países em que prevalecerem as mesmas condições; e, em segundo lugar, essa medida não deve ser aplicada de forma a constituir “restrição disfarçada ao comércio internacional”. Por meio dessas exigências, o caput visa garantir aos membros que as exceções sejam exercidas de boa fé para proteger interesses considerados legítimos segundo o Artigo XX.

Esta caracterização sofreu divergências relevantes entre a decisão do Painel e a decisão do Órgão de Apelação, que, embora juridicamente tenha sido empregada com consistência, o modo dessa interpretação enseja considerável impacto negativo à apreciação de questões ambientais no comércio, e, portanto, para o desenvolvimento sustentável. Em outras palavras, afirma-se uma crítica à sistematização da forma de apreciação das exceções ambientais e, face à essa fraca eficiência, a crítica estende-se à maneira pela qual ocorreu sua interpretação, vez que, ainda que o artigo tenha sido efetivo em relação ao cumprimento 208 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 210. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/

cases_e/ds332_e.htm>, Acesso em: 05 mai. 2013.

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da norma, não foi efetivo com relação aos resultados almejados de proteção ambiental e de proteção à saúde humana.

Nesse sentido, a análise do caput diz respeito à avaliação das medidas brasileiras como discriminações injustas e arbitrárias. Em especial, destacam-se aqui diferenças nas avaliações do Painel e do Órgão de Apelação com respeito à consideração das consequências ambientais no momento da tomada de decisão, para a caracterização da arbitrariedade e da consideração das medidas brasileiras como restrições disfarçadas ao comércio. Essas divergências são vislumbradas nas avaliações feitas com relação à isenção da proibição ao MERCOSUL e à questão das liminares que iam de encontro às proibições, descaracterizando a posição internacional ambiental que o Brasil afirmou perante à OMC.

a) A análise do caput a respeito da isenção do MERCOSUL

Quando o Painel pronunciou-se a respeito do caput do artigo XX do GATT 1994, primeiro sobre a arbitrariedade ou não da isenção ao MERCOSUL , bem como se era injustificada, ressalta-se que não avaliou a relação da defesa do Brasil no MERCOSUL ter sido diferente da sua defesa na OMC, colocando que a decisão do MERCOSUL dava condições de julgar a isenção concedida pelo Brasil.209 O Painel ateve-se ao volume da importação, como parâmetro de avaliação.210 Nesse sentido, observa-se que não houve questionamento da legitimidade da ação em função dos tratados regionais, mas em função dos impactos da medida no plano concreto.211

Seguindo-se esse raciocínio, as questões ambientais e de saúde humana foram ponderadas como relevantes no momento da decisão, pois o painel delimitou não ter sido uma discriminação arbitrária tendo em vista o volume de importação do MERCOSUL (cerca de 2 mil toneladas212) ser desproporcionalmente menor do que o volume de importação das Comunidades Européias (cerca de 14 mil toneladas213), o que de fato levaria a danos ambientais irreversíveis.

Nesse sentido, para a tomada de decisão acerca da arbitrariedade, vale enfatizar, o Painel levou em consideração as consequências ambientais e de danos à saúde humana. Todavia, essa caracterização da arbitrariedade não foi consubstanciada pelo Órgão de Apelação, que reverteu a decisão do Painel para afirmar que a isenção ao MERCOSUL ensejava a aplicação da proibição de maneira discriminatória, arbitrária e injustificável, configurando restrição disfarçada ao comércio. 214 Configurou-se que, para o OSC, o fato de 14 mil toneladas de pneus reformados acarretar consequências negativas ambientais e de

209 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 219. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai. 2013.

210 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafos 27,28 e 31, principalmente. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm> Acesso em: 05 mai. 2013.

211 VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507.

212 OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Parágrafos 27,28 e 31, principalmente. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai. 2013.

213 OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Parágrafo 68. Disponível em: <http://www.wto.org/eng-lish/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai. 2013.

214 OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Decisões e Conclusões. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai. 2013.

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saúde humanas – consequências essas devidamente comprovadas ao longo da demanda – não foi suficiente para comportar uma discriminação justa e não arbitrária.

O OSC levou em consideração a postura anterior do Brasil frente ao MERCOSUL e, por outro lado, desconsiderou o fato de que as exceções que caracterizaram a discriminação foram para cumprir a decisão do MERCOSUL.215 O Órgão de Apelação não reconheceu que a decisão do MERCOSUL bastava para avaliar a arbitrariedade, vez que esta estava atrelada à relação entre a posição do Brasil e os efeitos em concreto da medida. Como o Painel, ponderou que a isenção constituía-se em ação racional, e não em ação aleatória. Mas discordou do Painel na caracterização da arbitrariedade ao avaliar os efeitos da medida em concreto; não se ateve, pois, às consequências ambientais envolvidas. O foco do órgão era a ação estatal:

Da mesma forma, decidimos que a isenção do MERCOSUL resultou na aplicação da Proibição de importação de forma a constituir discriminação arbitrária e injustificável. Além disso, revertemos a decisão no Painel, no parágrafo 7.287 do Relatório do Painel que, segundo o caput do Artigo XX do GATT 1994, a discriminação somente seria justificável se a importação de pneus reformados para o Brasil “ocorressem em quantidades tais que viessem a significativamente comprometer o objetivo da medida em questão”. Portanto, revertemos as decisões do Painel, nos parágrafos 7.288 e 7.289 do Relatório do Painel, de que a isenção do MERCOSUL não resultou em discriminação injustificável. Também revertemos as decisões do Painel, nos parágrafos 7.281 e 7.289 do Relatório do Painel, de que, na medida em que a isenção do MERCOSUL não resulta em ação “volúvel” ou “aleatória”, a Proibição de importação não se aplica de forma a constituir discriminação arbitrária. 216

Conforme se ressaltou, o Órgão de Apelação levou em consideração duas principais perspectivas que se complementam: efeitos da isenção e incoerência entre a posição brasileira em sua defesa na demanda do MERCOSUL e perante à OMC. Os efeitos da isenção eram discriminatórios, haja vista terem sido avaliados em comparação com a posição do Brasil frente aos dois organismos. Ademais, o fato de não ter alegado questões ambientais anteriormente ensejou a caracterização da aplicação da isenção como medida discriminatória e injusta. Vale repetir, in verbis:

Em vista disso, observamos, como o Painel, que o Brasil poderia ter buscado justificar a Proibição de importação contestada, com base na saúde humana, animal e vegetal segundo o Artigo 50(d) do Tratado de Montevidéu perante o tribunal arbitral criado no âmbito do MERCOSUL.

215 Trata-se de um processo de influência de uma Corte Internacional sobre outra. Segundo Marcelo Varella e Roberto Freitas: “Nesse sentido, as lógicas de interpretação globais, com as do OSC, muito inspiradas no direito anglo-saxão, impõem-se sobre sistemas regionais de integração de outras tradições jurídicas (o MERCOSUL, de tradição conti-nental européia). Fazendo assim, elas forçam a mudança do rumo operado pela evolução natural de uma jurisprudên-cia regional. Na prática, a decisão do OSC molda a forma de atuação dos árbitros regionais, induz à verificação de como uma decisão regional seria revista pelo OSC, pois sabem que os Estados poderão exigir a constituição de outro painel na OMC, caso estejam descontentes. Em virtude das diferenças dos poderes de sanção e da capacidade de lhes dar efetividade, a decisão da OMC ira preponderar. Em outras palavras, a única solução possível para evitar uma “revisão” da decisão regional é a aplicação das regras da OMC. Deste modo, os precedentes e formas de interpre-tação do direito fixados pelo OSC tornam-se universais.” VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507.

216 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 233. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai. 2013.

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O Brasil, no entanto, decidiu não fazê-lo. Não cabe a nós tentar julgar a decisão do Brasil de não evocar o Artigo 50(d), que desempenha uma função semelhante à do Artigo XX(b) do GATT 1994. No entanto, o Artigo 50(d) do Tratado de Montevidéu, bem como o fato de que o Brasil poderia ter levantado essa questão na defesa perante os procedimentos arbitrais do MERCOSUL, demonstra, na nossa opinião, que a discriminação associada à isenção do MERCOSUL não é necessariamente resultado de conflito entre os dispositivos do MERCOSUL e do GATT 1994.217

Nesse sentido, foi considerada uma inconsistência no comportamento do Brasil frente ao direito internacional que a sua defesa anterior em um organismo internacional não englobasse as ressalvas que argumentou posteriormente na OMC. Para o Órgão de Apelação, em sua decisão, o fato de 14 mil toneladas de pneus reformados acarretarem consequências negativas ambientais e de saúde humanas – consequências estas devidamente comprovadas ao longo da demanda – não foi suficiente para comportar uma discriminação justa e não arbitrária. Afirma-se que no direito internacional econômico, a solução é encontrada em favor do livre comércio, pouco importando se a falta de coerência tinha, na prática, um peso favorável à proteção ambiental. 218

Também, para caracterizar a isenção como restrição disfarçada ao comércio, o Órgão de Apelação, em sua decisão, não tomou a atenção para efeitos ambientais como elemento central, a não levar em consideração a diferença entre os danos que as quantidades de importação de pneus vislumbradas em uma comparação da demanda do MERCOSUL com a demanda da OMC. Neste sentido:

Concordamos com a observação da Comunidade Européia de que o raciocínio desenvolvido pelo Painel para chegar à conclusão que está sendo contestada foi a mesma feita em relação à discriminação arbitrária e injustificável. Na verdade, o Painel condicionou a decisão sobre restrição disfarçada ao comércio internacional à existência de importação significativa de pneus reformados que comprometesse a consecução do objetivo da Proibição de importação. Explicamos acima porque acreditamos que o Painel errou ao decidir que a isenção do MERCOSUL resultaria em discriminação arbitrária ou injustificável apenas se as importações de pneus reformados de países do MERCOSUL ocorressem em quantidades suficientes para comprometer de forma significativa a consecução do objetivo da Proibição de importação. Como a conclusão do Painel de que a isenção do MERCOSUL não resultou em restrição disfarçada ao comércio internacional foi baseada em uma interpretação que revertemos, essa decisão não se sustenta. Portanto, revertemos também as decisão do Painel, nos parágrafos 7.354 e 7.355 do Relatório do Painel, de que ‘a isenção do MERCOSUL ... não demonstrou até então resultar na aplicação da [Proibição de importação] de maneira a constituir ... restrição disfarçada ao comércio internacional’.219

217 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 234. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai. 2013.

218 VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507.

219 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 239. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai. 2013.

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Nessa perspectiva, ao interpretar como o Painel avaliou a relação da isenção ao MERCOSUL com o caput do artigo XX do GATT 1994, o Órgão de Apelação descentralizou a tomada da decisão, das conseqüências ambientais e sanitárias para a consideração das conseqüências comerciais. Isto porque não tomou como relevante o fato de que o Brasil conseguia comportar dentro da sua política ambiental, a quantidade de pneus usados importados, oriundos da isenção, ainda tais informações eram elementos visíveis no processo, e reconhecidos pelo Painel. Diferentemente, avaliou que a ação estatal caracterizada pela isenção ia de encontro com os objetivos da proibição.

b) A análise do caput para a questão das liminares

Com respeito ao reconhecimento das liminares como elementos que caracterizaram como injustas e arbitrárias as proibições questionadas, a diferença de abordagem entre o Órgão de Apelação e o Painel foram as considerações a respeito da quantidade de pneus nas importações por liminares estarem relacionadas com a afetação do objetivo da proibição. O Órgão de Apelação, mas uma vez não se ateve às tais consequências ambientais, mas sim aos efeitos comerciais da decisão.

O Painel determinou que a importação por liminares era configurada como discriminação. Considerou que não eram ações volúveis ou aleatória, vez que resultaram de um processo no judiciário brasileiro, e que, nesse sentido, não eram arbitrárias. Vislumbrou que tais medidas iam de encontro com a contribuição da Proibição para prevenção do risco. Entretanto, para o Painel, a quantidade de importações resultantes das liminares era significativa para a caracterização da arbitrariedade, em vista da relação entre a quantidade e as consequências ambientais a serem evitadas pela proibição, com a capacidade do Brasil em contorná-las. Nesse sentido, avaliou que a quantidade que entrava por liminares estava dentro da capacidade do Brasil no manejo das consequências sanitárias e ambientais.220

O Órgão de Apelação esclareceu que o Painel errou ao avaliar a arbitrariedade da isenção com base no volume de importação, já que tal critério não tinha fundamentação nas regras ou no âmbito das decisões pretéritas e análogas do OSC. Determinou que o critério de avaliação seria a relação da isenção com o objetivo da medida, e não com as suas consequências. 221

Para apreciação das liminares, o Órgão de Apelação aplicou o mesmo raciocínio que considerou para a caracterização da isenção ao MERCOSUL como injusta, arbitrária e como restrição disfarçada ao comércio, não levando em conta como elemento central para a sua avaliação, temas ambientais e sanitários. Novamente, ateve-se à relação da contradição entre as consequências das liminares e os objetivos da proibição. In verbis:

Conforme explicado acima, a análise de se a aplicação de uma medida resulta discriminação arbitrária ou injustificável deveria enfocar a causa ou a razão dada para a discriminação. Para o Brasil, o fato de os reformadores poderem utilizar carcaças importadas resulta da decisão das autoridades brasileiras de cumprir as ordens da Justiça. Observamos que essa explicação não tem relação como objetivo da Proibição de importação — de reduzir a exposição

220 OMC. WT/DS332/AB/R. Parágrafo 242. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai.2013.

221 OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Parágrafo 229. Disponível em: <http://www.wto.org/eng-lish/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai 2013.

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aos riscos decorrentes do acúmulo de pneus inservíveis ao máximo possível. A importação de pneus usados por meio de liminares na Justiça vai, até mesmo, de encontro ao objetivo perseguido pela Proibição de importação. Como indicamos acima, há discriminação arbitrária e injustificável, nos termos do caput do Artigo XX, quando um Membro tenta justificar a discriminação decorrente da aplicação de sua medida mediante um raciocínio que não tem relação com a consecução do objetivo que se encaixa na esfera de um dos parágrafos do Artigo XX, ou vai de encontro a esse objetivo. Da mesma forma, decidimos que a importação de pneus usados via decisões judiciais resultou na aplicação da Proibição de importação de forma a constituir discriminação arbitrária ou injustificável.(...) Da mesma forma, revertemos as decisões do Painel, nos parágrafos 7.296 e 7.306 do relatório do Painel, de que a importação de pneus usados por meio de liminares da justiça somente resultará na aplicação da Proibição de importação de forma a constituir discriminação injustificável na medida em que tais importações ocorrerem em quantidades que comprometam significativamente a consecução do objetivo da Proibição de importação. Além disso, pelas mesmas razões que foram apresentadas no parágrafo 232, revertemos a decisão do Painel, no parágrafo 7.294 do Relatório do Painel, que as importações de pneus usados por meio de liminares não resultaram em discriminação arbitrária, na medida em que tais importações não foram decorrentes de ação ‘volúvel’ ou ‘aleatória’.222

Ressalta-se que o OSC reconheceu as dificuldades práticas na relação entre diferentes poderes no Brasil, mas lembrou que o Estado brasileiro é responsável como um todo pelo cumprimento coerente do direito internacional. Com o resultado da demanda, o Brasil se viu frente a duas opções: a primeira é juridicamente aceitável, mas política e ambientalmente inaceitável. Trata-se de cumprir as duas decisões (MERCOSUL e OMC) e aceitar os pneumáticos uruguaios e europeus. A segunda é juridicamente complicada no âmbito interno, mas ambientalmente aceitável: descumprir a decisão do MERCOSUL para poder impedir a entrada massiva de pneus europeus. A dificuldade do desafio certamente varia conforme o grau de inserção de cada Estado no contexto internacional, sua capacidade interna de resistir ou impor suas vontades ou conforme o regime de negociação.223

Nessa situação, o Brasil vê-se desafiado a resistir aos reflexos dessa fragmentação do direito internacional, prevalência da força normativa da OMC sobre o MERCOSUL e o reflexo disso no âmbito nacional brasileiro, ao mesmo tempo em que visa a efetivação dos seus objetivos internos. 224

Diante dessa análise, afirma-se que meio ambiente e proteção à saúde humana enquanto valores vislumbrados pelo artigo XX do GATT/1994, não foram aplicados no caso como prioridades, haja vista a própria sistematização ensejada pelo artigo. Isso porque, ainda que configurada a necessidade da medida para proteção desses valores, para que a exceção seja legitimada, mister análise da consistência do caput, e nessa, o OSC não se ateve às consequências negativas ambientais e sanitárias da sua decisão, apenas se restringiram à avaliação da atuação estatal.

222 OMC. WT/DS332/AB/R de 03 de dezembro de 2007. Parágrafo 247. Disponível em: <http://www.wto.org/en-glish/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds332_e.htm>. Acesso em: 05 mai 2013.

223 VARELLA, Marcelo Dias; FREITAS FILHO, Roberto. L’Organisation Mondiale du Commerce: Un révélateur des divergences internes aux pays en développement. Revue Internationale De Droit Économique, 2008, p. 487-507.

224 Ibidem, p. 487-507.

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Essas falhas deixam a cargo dos países mensurar adequação comercial e objetivos ambientais, ainda que sigam em caminhos opostos. E, nesse sentido, a organização apresenta forte institucionalização, aspecto capaz de acrescer à efetividade dos objetivos em comum; entretanto, com relação aos problemas ambientais, existe uma limitação considerável na sua eficácia, e, portanto, uma fraca institucionalização do desenvolvimento sustentável, onde prevalece a lógica da eficiência econômica, em que os valores ambientais e de proteção à saúde são pontos secundários desta.

2.3.3.3 Da efetividade do desenvolvimento sustentável pela interpretação do artigo XX do GATT/1994

Dois aspectos negativos e complementares a respeito da atuação do OSC são levantados acerca da implementação do desenvolvimento sustentável. O primeiro consiste no modo como a defesa brasileira anterior (à OMC), no âmbito do MERCOSUL, foi levada em consideração na avaliação da atuação internacional do Brasil frente à OMC. A segunda crítica consiste no modo como os valores ambientais e de proteção à saúde humana foram considerados.

Com respeito ao primeiro elemento, o modo sutil como a defesa brasileira no MERCOSUL foi levada em consideração pelo OSC na avaliação da atuação internacional do Brasil frente à OMC caracterizou-se como verdadeiro freio na concretização do desenvolvimento sustentável no âmbito da governança global.

O argumento da divergência das defesas do Brasil – que ocorreram em momentos distintos e em jurisdições internacionais distintas – teve peso maior que a caracterização da necessidade. É dizer que, tendo em vista a apuração da compatibilidade do Brasil com a OMC, uma organização internacional restringiu o alcance de um objetivo normatizado globalmente, que é o desenvolvimento sustentável, ao exigir que o Brasil tivesse uma postura linear frente ao direito internacional como um todo. De fato, a OMC é voltada para apuração da ação estatal; entretanto, é voltada para orientar e avaliar a atuação dos Estados, tendo em vista a implementação do desenvolvimento sustentável.

É certo que o direito internacional se desenvolve de forma dispersa e sem uma lógica definida e que, por outro lado, a atuação dos Estados frente a esse direito fragmentado é visto, não de acordo com cada lógica ou regime encontrado, mas sim como um todo. Frente a essa fragmentação, o papel dos intérpretes de cada âmbito normativo é essencial no andamento coerente dos objetivos comuns e não apenas na análise da compatibilidade jurídica e política entre âmbitos internos e internacionais.

Nesse raciocínio, ganha espaço a segunda crítica vislumbrada com o estudo da interpretação do OSC sobre o artigo XX do GATT 1994. O OSC avaliou a atuação estatal para saber se a restrição imposta era necessária aos objetivos de proteção à saúde e meio ambiente e, em um segundo momento, verificou sua consistência com o caput, na avaliação da arbitrariedade ou não das medidas e sua caracterização como restrição disfarçada ao comércio. Destarte, a regra disposta no artigo XX estava sendo seguida, e, portanto, juridicamente efetiva. As ações estatais foram avaliadas e recomendaram-se adaptações aos acordos da OMC. Todavia, não há efetividade com relação ao resultado de proteção dos valores configurados, pois, consequências negativas do acúmulo de pneus ocasionados pelo volume demasiadamente alto das importações continuam a existir.

Em que pese o OSC ter analisado estritamente o artigo XX do GATT com um conteúdo predominantemente de coerência jurídica na formulação dos argumentos, avaliando

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a atuação Estatal, o caso envolveu valorações acerca da proteção da saúde humana e da conservação ambiental para a decisão de uma violação ou não às normas da OMC. Nesse sentido, as consequências de temas sanitários e ambientais deveriam ter uma valoração mais apurada.

Vale dizer, pelo ato de interpretação, o OSC não apenas avalia a coerência do direito nacional com o direito da organização, mas constitui o andamento do comércio internacional, inclusive, quando relacionado com tais elementos não comerciais. Isso porque a eficácia existente para vislumbrar tal relação tem como parâmetro prioritário a avaliação da consistência da atuação estatal e, como ponto de valoração secundário as consequências ambientais reconhecidas no caso. Esse aspecto de valoração secundária é que sustenta a afirmação da insuficiência dessa eficácia para concretizar a sustentabilidade global.

Nessa situação, o Brasil vê-se desafiado a resistir aos reflexos das considerações da OMC face ao contexto nacional e regional do Brasil, ao mesmo tempo em que visa efetivar objetivos ambientais e sanitários internos.

2.3.4 Os reflexos da controvérsia da OMC no Brasil para a construção da sustentabilidade

Com respeito à relação entre o Brasil, a efetividade dos âmbitos de sustentabilidade e o caso dos pneus reformados, de modo geral, viu-se até aqui que a fraca institucionalização nacional pesou negativamente para o país na controvérsia. Em vista desse contexto, os reflexos da controvérsia da OMC no Brasil a serem analisados buscam saber se houve algum tipo de avanço em algum aspecto desse quadro de falhas institucionais, no âmbito de estudo de como as recomendações vem sendo aplicadas.

Após a decisão do OSC, o Brasil deveria realizar as medidas recomendadas, no prazo implementado pelo Laudo Arbitral, encerrado em dezembro de 2008. A proposta da efetivação das recomendações pelo Brasil foi apresentada em três passos: pediu 21 meses para consolidar a finalização das importações por liminares; pediu 19 meses para implementar uma política comum ao MERCOSUL sobre o comércio de pneus usados e pediu 21 meses para declarar inconstitucional medidas estaduais que se propuseram a regulamentar o cerne dessa atividade comercial. Com um total de 21 meses da adoção da Decisão do OSC. O Brasil esclareceu ser esse prazo necessário, ainda que ultrapasse os 15 meses previstos no artigo 21.3 (c), haja vista o tempo que as ações pertinentes decorriam no sistema normativo brasileiro e do MERCOSUL. 225

Com vistas a essas considerações, discorre-se em torno das ações que vem sendo tomadas pelo Estado brasileiro. Especificamente, tais esforços consistem na ADPF n. 101, cuja repercussão erga omnes ganha espaço face à polêmica global que o comércio de pneus usados ensejou e no processo de elaboração da política comum ao MERCOSUL sobre tal atividade, uma vez que em tais âmbitos, houve alguma movimentação.226

225 OMC. WT/DS332/16. ARB-2008-2/2. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/DS332_16_arbitr.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2013.

226 Com respeito à terceira medida ensejada no laudo, sobre a ADI existente para tornar nulas leis no Rio Grande do Sul, é importante explicar que a ADI correspondente (n. 3801), não foi abordada diretamente como objeto do presente trabalho, haja vista ausência de novo andamento formal, desde 2007. Andamento disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeticao.asp?numero=3801&classe=ADI&codigoClasse=0&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 09. Jun. 2013. De modo diverso, a ADPF disponibiliza elementos suficien-tes para a análise dos resultados do Brasil na construção do desenvolvimento sustentável.

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2.3.4.1 Da ADPF n. 101

Afirmam-se alguns reflexos positivos e negativos da controvérsia no Brasil que dizem respeito aos avanços na efetivação dos valores da sustentabilidade. No sentido positivo, houve algumas movimentações no Estado sendo a ADPF n. 101 uma delas. Como aspectos negativos ainda caracterizam-se algumas questões de fraca institucionalização no âmbito do processo de julgamento. Além disso, o próprio tempo estabelecido pela OMC consubstanciou-se como negativo, uma vez que não estava adaptado ao contexto brasileiro.227

Primeiro, é um avanço no que diz respeito à efetividade dos valores ambientais e sociais, iniciativa do executivo para unificar a posição nacional brasileira, haja vista o alcance erga omnes da ação. Para o laudo arbitral, o Brasil explicou que já havia sido ajuizado em setembro de 2006, mediante iniciativa do presidente da República, ADPF, com objetivo de cessar as importações, tornando nulas as liminares concedidas. Com a harmonização da perspectiva do Judiciário com a política ambiental fomentada pelo Executivo, torna-se vazia a arbitrariedade das medidas questionadas em razão da entrada de pneus por liminares.

Com relação a ADPF, não tendo sido julgada até o fim da controvérsia na OMC, o governo brasileiro, em 31 de janeiro de 2008, aprontou em dinamizar o julgamento peticionando no STF, para que tomasse nota da decisão da OMC e para que consolidasse sua deliberação. Em vista da repercussão pública ensejada pela demanda, o STF realizou audiência pública em 28 de junho de 2008, quando ouviu exposição dos representantes dos interesses envolvidos, tanto do setor público, quanto do setor privado. 228

Ademais, soma-se ao quadro, iniciativa da própria Ministra Relatora, ao determinar que a AGU fosse ouvida – atributo que decorreu de sua discricionariedade e não de lei – face às polêmicas envolvidas. Visou-se com tais iniciativas, enriquecer de informações para uma melhor racionalização das consequências da decisão. 229 Esse aspecto, por si só, ilustra um fortalecimento institucional interno, tanto da AGU, em seu papel intermediador entre Estado e sociedade para questões de sustentabilidade, quanto do próprio STF, lapidando as consequências sociais, econômicas e ambientais de suas decisões.

Além disso, os valores ambientais e sanitários foram majoritariamente acolhidos como importantes para o acolhimento da ação, uma vez que foram motivos que auxiliaram na superação de preliminar de descabimento da ação, e fundamentais para o seu julgamento parcialmente procedente, com efeito ex tunc, no voto da Relatora, em plenário do dia 11 de março de 2009.

Sobre a preliminar, o Ministro Marco Aurélio teve seu voto vencido, no qual sustentava pelo não cabimento da ação, porque não era própria para questionar decisão judicial. Ademais, defendeu sua proposição de que não poderia “baratear” a natureza da ADPF, para tecer importância do tema de fundo, emprestando-lhe contornos de ação rescisória. Considerou que não estava em questão apenas meio ambiente, mas o próprio ordenamento jurídico e que por isso, considerou inadequada a medida tomada.230

227 É importante explicar que a ADPF n. 101 ainda não teve sua demanda conclusa, uma vez que o Ministro Eros Grau pediu vista dos autos e devolveu somente em 21 de março de 2009. Embora tenha sido incluído em pauta na semana do dia 01 de junho de 2009, até o dia de fechamento da presente análise, 09 de junho de 2009, ainda não houve julgamento.

228 OMC. WT/DS332/16. ARB-2008-2/2. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/DS332_16_arbitr.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2013.

229 SANTOS, Letícia. Diretora do Departamento de Controle Concentrado da AGU. Em entrevista concedida à Gabri-ela Garcia Batista Lima em 15 de abril de 2009.

230 MELLO, Marco Aurélio Mendes de Farias. ADPF n. 101. Plenário, 11 de março de 2009.

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Os demais ministros votaram com a Relatora, pelo conhecimento da ação, uma vez que o fundamento da ação consistia a defesa de preceitos fundamentais. Segundo Celso de Mello, era cabível a ação, em contornos legítimos subsidiários, que já estavam respaldados por alguns precursores análogos, de ADPF que tinham respaldo direto em preceito fundamental. A legitimidade estava diretamente atrelada por envolver, de um lado, o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o direito à saúde e, de outro, o dever estatal de adotar ações e políticas públicas para preservar tais direitos.231

Ultrapassada preliminar, a Ministra-Relatora, Carmém Lúcia, no mérito, julgou parcialmente procedente, para tornar ilegítimas as liminares concedidas, com ressalvas para aquelas que já transitadas em julgado, resguardando-se as questões de meio ambiente e saúde humana envolvidos. Além disso, em plenário, ao terminar o seu julgamento, pediu atenção para a celeridade, haja vista ser a atuação do STF importante elemento no âmbito do cumprimento do laudo arbitral na OMC pelo Brasil.232 Se o entendimento permanecer nesse sentido, pode-se afirmar aspectos positivos, do ponto de vista nacional, uma vez que vincula o entendimento do judiciário acerca da importação de pneus usados, tornando possível o controle do risco veiculado pelo executivo e, a consequente efetividade da proteção ambiental e atenção para questões sanitárias.

A fraca capacidade de institucionalização do Brasil com vistas à sustentabilidade, contudo, ainda permanece fortemente substancializada diante da demora no julgamento da ação, que não saiu do prazo esperado pela OMC, perpetuando a arbitrariedade caracterizada pelas liminares, além disso, também em vista do alongamento em que a demanda ainda se encontra.

Vale ressaltar, o Brasil tinha argumentado, sobre a necessidade do prazo de 21 meses na sede do laudo arbitral, tempo que foi contabilizado em comparação com o menor tempo de julgamento que uma ação dessa natureza levou no STF, que foi em 41 meses; e com o período de ações semelhantes. Estimou que para a ADPF n. 101, período de 34 meses, que terminaria em setembro de 2009.233 Entretanto, o laudo arbitral ateve-se à extensão expressamente permitida pela organização; mais uma vez, a norma foi cumprida, mas não foi efetiva com relação ao resultado, por não alcançar as peculiaridades brasileiras. Vislumbra-se em seguida, a outra medida de implementação, em que o Brasil comprometeu-se a definir uma política comum de pneus usados no MERCOSUL.

2.3.4.2 O processo de implementação de política comum de comércio de pneus usados no MERCOSUL

Como resposta à necessidade de adequar a questão da isenção ao MERCOSUL, o Brasil argumentou que não podia simplesmente retirar a isenção, vez que se constituiu em razão de uma decisão internacional daquele organismo. Solicitou 19 meses para que o país pudesse implementar um novo regime para os pneumáticos usados, comum ao MERCOSUL, e o órgão, no entanto, deu 12 meses.

231 Celso de Mello recorre aos antecedentes da ADPF n. 33 e outra, ADPF. 144, onde se entendeu viável essa ação contra interpretação judicial que resultasse lesão a preceitos fundamentais. MELLO FILHO, José Celso de. ADPF n. 101. Plenário, 11 de março de 2009.

232 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. ADPF n. 101. Plenário, 11 de março de 2009.233 OMC. WT/DS332/16. ARB-2008-2/2. Laudo Arbitral. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/DS332_16_

arbitr.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2013.

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No Brasil foi criado Grupo de Trabalho Ad Hoc, em junho de 2008, pela Resolução GMC No. 25/08 no MERCOSUL, a fim de estabelecer as normas desse regime. Entretanto, até o início de 2009, não houve reunião desse grupo, estando o Brasil em atraso com essa medida também. Além disso, formalizar um regime comum para o MERCOSUL significa enfrentar impasses, não apenas de capacidade do Brasil em gerenciar interesses nacionais, regionais e multilaterais, mas também de assimetrias entre os países do MERCOSUL, que consubstanciam uma dificuldade maior no consenso entre os integrantes.234 Com respeito a esse tema, a decisão da OMC também pesou negativamente pelo prazo curto de cumprimento da medida.

Se não fosse a flexibilidade das Comunidades Européias em abrir mão do prazo de retaliação para esperar um tempo a mais, a fim de verem cumpridas as recomendações, do ponto de vista jurídico internacional, o Brasil já poderia estar sendo demandado em painel de autorização para retaliação na OMC, o que ensejaria consequências negativas para o desenvolvimento do país. De certo modo, é possível afirmar essa flexibilidade como um vestígio de cooperação, ainda que sutil se comparado com a não-cooperação no decorrer da própria controvérsia reclamada pelas Comunidades Européias.

Pelo estudo, o caso dos pneus aponta as seguintes considerações: a respeito da OMC, na aplicação do artigo XX, em que pese esse tenha sido paulatinamente analisado, não foi satisfatório do ponto de vista do alcance da proteção sócio-ambiental, uma vez que são aspectos que tiveram sua posição como secundária na tomada de decisão.

A respeito da dinâmica brasileira na construção da sustentabilidade, além de o país ter que lidar com essa fraca eficácia para o alcance da proteção sócio-ambiental no comércio conduzido pela OMC, tem-se que esforços governamentais estiveram atrelados à proteção ambiental e à saúde desde o início da controvérsia na OMC, entretanto, a efetividade da proteção ecológica e da saúde humana foram afetadas em vista da pouca capacidade do governo em gerir diferentes interesses, que aqui não se alinhavam, situação que gerou repercussões para o alcance de tal proteção.

Essa pouca capacidade do governo reflete falhas no âmbito da eficácia jurídica envolvida, aqui conduzida no âmbito do direito público, nacional e internacional, que então, nesse caso, não se mostrou suficiente para nortear o alcance da proteção sócio-ambiental e o desenvolvimento sustentável como um todo, no decorrer da atividade comercial.

Tal insuficiência pode ser diagnosticada: no âmbito internacional, ao constatar-se que o artigo XX do GATT 1994 foi cumprido; porém, os elementos sócio-ambientais envolvidos não tinham peso suficiente para direcionar a decisão do órgão para a sua proteção; no campo nacional, ao verificar-se no momento inicial do estudo de caso, primeiro, uma considerável falta de alinhamento de perspectiva entre os três poderes no âmbito jurídico envolvido para a condução do caso em comum, qual seja, o comércio de pneus usados e, em segundo lugar, o sistema de normas pertinente não era forte o suficiente para não ceder às pressões não normativas (o lobby), o que afetou na condução da proteção sócio-ambiental na atividade.

Contudo, após a controvérsia, alguns aspectos na atuação dos atores brasileiros envolvidos podem ser vistos como avanço, a exemplo da valorização das questões ambientais e sociais na tomada de decisão da ADPF e do próprio esforço brasileiro para o cumprimento da decisão da OMC, haja vista objetivo de implementação de regime comercial para o comércio regional de pneumáticos remoldados. Os esforços brasileiros indicam que elementos sociais e ambientais estão sendo levados à discussão e incorporando o âmbito da tomada de decisões de modo positivo do ponto de vista da sua proteção.234 GODINHO, Daniel Marteleto. Câmara de Comércio Exterior – CAMEX- Secretaria-Executiva. Em entrevista con-

cedida à Gabriela Garcia Batista Lima em 27 de março de 2009.

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CAPÍTULO III

O CASO DO BIOETANOL BRASILEIRO NA CONSTRUÇÃO DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: A EFETIVIDADE SÓCIO-

AMBIENTAL FACE AÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS

A descentralização da matriz energética e a busca pelas fontes renováveis limpas ganharam maior ênfase internacional nas últimas décadas. Esse contexto é ressaltado, de um lado, em vista dos problemas políticos, econômicos e ambientais em torno do petróleo como fonte majoritária de energia e, de outro lado, em razão da própria emergência do desenvolvimento sustentável. O ano de 2008 marcou um avanço na caracterização das questões que envolvem os biocombustíveis, que desafiam para o alinhamento das preocupações globais com as assimetrias inerentes ao cenário internacional e cuja busca construção do desenvolvimento sustentável detecta-se, não pela atuação de uma instituição voltada para tanto, mas pela iniciativa privada, principalmente.

O Brasil, que construiu considerável tradição no uso do etanol da cana-de-açúcar, o apresenta como modelo sustentável. O biocombustível é capaz de competir internacionalmente com a gasolina, além de colaborar para a mitigação dos gases de efeito estufa, conservação do ar, água e subsolo. Nesses moldes o etanol brasileiro contribui com questões de segurança energética, qualidade de vida e crescimento econômico.

Todavia, a estabilização de um mercado internacional sobre o tema ainda encontra obstáculos. Impasses de cunho políticos e econômicos, vislumbrados pelo pequeno número de países produtores, pela dificuldade de uma padronização internacional e mesmo por argumentos especulativos sobre a capacidade do combustível para o alcance dos objetivos que propõe, conjugados com segurança alimentar, questões ambientais e respeito de direitos humanos.

Entretanto, permeando o direito privado, nota-se a constituição do desenvolvimento sustentável em torno do tema consiste nos esforços para a internacionalização de questões de sustentabilidade para o âmbito global, no contexto bioetanol. Esse cenário diz respeito aos empenhos do Estado brasileiro na promoção dos biocombustíveis, esclarecendo sua relação com segurança energética, alimentar e questões de desenvolvimento. Aborda também sobre a veemência da iniciativa privada em interagir clivagens sociais, ambientais e econômicas, no âmbito da produção, importação e investimentos em pesquisa, no cenário do etanol brasileiro.

Com essas considerações, busca-se contextualizar movimentações do Brasil na construção do desenvolvimento sustentável, tomando como parâmetro os esforços na expansão do etanol. Na construção desse raciocínio, uma ressalva: aqui não se estuda o desenvolvimento sustentável pela sua institucionalização internacional e o reflexo dessa no âmbito nacional, pois, não há ainda grau harmonizado do ponto de vista global sobre esse assunto. Estuda-se pela lógica da construção do desenvolvimento sustentável a partir da atuação pública, mas também privada.

Nesse sentido, destaca-se como uma continuidade da crítica à insuficiência do direito público para a efetividade do alcance da proteção sócio-ambiental e, consequentemente, do desenvolvimento sustentável ao demonstrar seus reflexos de internacionalização não pela atuação de um organismo voltado especificamente para isso, mas pela movimentação dos principais agentes envolvidos, em especial, de atores privados.

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Vale dizer, não bastam incentivos e atuações estatais. A responsabilidade de sustentabilidade deve atrelar-se também a instrumentos de direito privado, eis a maximização da sua eficácia e, portanto, efetividade.

Para a construção desse raciocínio, descrevem-se, primeiro, alguns elementos do cenário internacional, no qual o etanol é lançado, que dizem respeito a dois principais aspectos: as preocupações globais, que giram em torno da segurança energética, questões ambientais e sociais e também segurança alimentar, diante das quais apontam-se os biocombustíveis como estratégia de sustentabilidade; e, em segundo lugar, reflete-se sobre alguns entraves no comércio, que dificultam a consolidação do seu mercado mundial. Em seguida, verifica-se que, apesar dessas barreiras, existem esforços públicos e privados de consolidação de elementos de sustentabilidade no âmbito do bioetanol brasileiro e também para sua internacionalização, com destaque para a projeção via instrumentos do direito privado, em especial, na área contratual.

3.1 Do cenário internacional: questões emergenciais e dificuldade de institucionalização global sobre o tema

Dentre os aspectos que impulsionaram os biocombustíveis, e em particular, o etanol, são aqui expostos aqueles de maior repercussão de sustentabilidade, que são a segurança energética, questões ambientais e sociais e segurança alimentar. Contudo, ainda existem impasses que dificultam o acesso ao comércio internacional, não há, pois, uma convergência quanto aos meios de condução do mercado, aspecto aqui ilustrado pela questão dos subsídios e da certificação, que se inserem no contexto geral de ausência de uma harmonização de padrões sobre o tema. Sobre esse aspecto, ressalta-se que movimentos internacionais em termos de cooperação ainda estão sendo constituídos; contudo, as divergências que surgem, ao mesmo tempo em que são da natureza do cenário político, desaceleram a formação de um regime eficaz sobre o tema.

Nesse sentido, segue-se o raciocínio, primeiro demonstrando-se as preocupações globais e a pertinência do etanol e dos biocombustíveis como estratégia de sustentabilidade para, em seguida, apresentar alguns aspectos que dificultam a consolidação do seu mercado internacional.

3.1.1 As preocupações globais em torno dos biocombustíveis: segurança energética, questões ambientais, questões sociais e segurança alimentar

Os principais aspectos que impulsionaram a atenção para os biocombustíveis ligam-se aos âmbitos da sustentabilidade. Em especial, destaca-se a eficiência energética do etanol, no seu estudo com essas apreensões mundiais, representadas pela segurança energética, juntamente com questões ambientais, sociais e segurança alimentar em torno da produção de energia, conforme se verifica a seguir.

3.1.1.1 A segurança energética: diversificação, universalização, produtividade e o etanol como vetor de desenvolvimento

A segurança energética relaciona-se diretamente com o cenário da complexidade da dependência das economias no consumo de energia face às complicadas relações em

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torno da produção e comércio do petróleo. Esse quadro enseja a necessidade global de diversificação de formas alternativas de energia, com capacidade em suprir as demandas existentes. E, tendo em vista ser o transporte uma das áreas mais afetadas, essas matrizes alternativas devem ter eficiência energética equiparável da gasolina e das energias fósseis.

Contar com fontes energéticas de qualidade e a preços acessíveis é um pressuposto essencial para o funcionamento das economias modernas. A dependência do sistema internacional de energia no uso de combustíveis fósseis é, pois, cerca de 80%.235 Ressalta-se que a predominância dos combustíveis fósseis consubstanciou-se pela sua disponibilidade em grandes quantidades, existência de infraestrutura, custos de produção baixos, facilidade de transporte e armazenamento. O petróleo é um recurso finito, no entanto, a sua demanda não diminui por uma série de fatores, dentre eles, diante da aceleração do crescimento das economias emergentes, como da China e Índia.236

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a demanda por energia cresce, perpetuam-se impasses políticos, econômicos e mesmo militares no atual cenário de produção e comercialização de petróleo. Preocupam, pois, as consequências da centralização dos produtores e exportadores de petróleo em alguns poucos e conturbados países, uma vez que, de um modo geral, os países industrializados não possuem reservas expressivas de petróleo e gás natural, com poucas exceções, como Austrália, Canadá e Noruega. Esse aspecto, combinado com a dependência no petróleo como fonte energética, ilustram o problema.237

Conforme tabela abaixo, em 2008, os maiores produtores foram a Rússia, Arábia Saudita, Estados Unidos e Irã; os maiores exportadores foram a Arábia Saudita, Rússia, Irã e Nigéria; e os maiores importadores Estados Unidos, Japão, China, Coréia e Índia.238 A preocupação se dá, pois, em vista da instabilidade política em alguns dos países produtores e exportadores de petróleo, com impacto direto nos sistemas de produção e nas cadeias logísticas, oferta e estabelecimento de preço, muitas vezes com caráter extraterritorial.239

Figura 2: Tabela - Maiores produtores, exportadores e importadores de petróleo, 2008 (em Toneladas métricas - Tm)

Produtores Tm Exportadores Tm Importadores TmRússia 487 Arábia Saudita 358 Estados Unidos 587Arábia Saudita 483 Rússia 248 Japão 203Estados Unidos 310 Iran 130 China 145Iran 218 Nigéria 119 Coréia 120China 188 Noruega 109 Índia 111México 173 Emirados Árabes 106 Alemanha 110Canadá 157 México 99 Itália 94Venezuela 138 Canadá 93 França 82Kuwait 136 Venezuela 89 Espanha 61Emirados Árabes 131 Kuwait 88 Reino Unido 59Resto do mundo 1516 Resto do mundo 764 Resto do mundo 713Mundo 3937 Mundo 2203 Mundo 2285

235 GOLDEMBERG, José; NIGRO, Francisco E. B.; COELHO, Suani T. Bioenergy in the state of São Paulo: present situation, perspectives, barriers and proposals. São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p. 22.

236 BNDE; CGEE. Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Sessão plenária I. Biocombustíveis e Segurança energética. Documento de Referência. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. São Paulo, 17 de novembro de 2008, p. 01.

237 Ibidem, p. 05-07.238 GOLDEMBERG, José; NIGRO, Francisco E. B.; COELHO, Suani T. Bioenergy in the state of São Paulo: present

situation, perspectives, barriers and proposals. São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p. 15.239 BNDE; CGEE. Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Sessão plenária I. Biocombustíveis e

Segurança energética. Documento de Referência. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. São Paulo, 17 de novembro de 2008, p. 01.

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Fonte: Adaptação de tabela utilizada por: José; NIGRO, Francisco E. B.; COELHO, Suani T. Bioenergy in the state of São Paulo: present situation, perspectives, barriers and proposals. São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p. 15. (Original em inglês; tradução livre). Tabela original da Agência Internacional de Energia (AIE).

Vale ressaltar, o petróleo é particularmente importante para o atendimento do transporte e tais questões interferem diretamente no equilíbrio no estabelecimento do seu preço. Ademais, o produto teve seu custo elevado também pelas exigências tecnológicas das atividades de busca por novas reservas e extração, essas que ainda possuem alto risco de dano ambiental.240

Frente a esse contexto de reconhecidas incertezas e riscos, é compreensível que a segurança energética apresente-se como prioridade mundial. Diante disso, nos últimos anos, intensificou-se a atenção para busca de novas fontes de energia. Países como os Estados Unidos, União Européia, China e Brasil, inclusive, já estabeleceram ou estão estabelecendo diretivas para políticas de biocombustíveis. 241 O crescimento do interesse para energias renováveis cresceu nos últimos anos: em 2004, tais investimentos globais eram inferiores a 20 bilhões de dólares e chegaram a 117,7 bilhões de dólares em 2007.242

O mercado de biocombustível ganha ênfase diante de incertezas do futuro no mercado de petróleo. Nesse raciocínio, os biocombustíveis entram como formas alternativas de energias, quadro emergencial em vista das complexidades acima delineadas. A aptidão de diversificação se dá na seguinte perspectiva: são oriundos de fontes renováveis variáveis. Esse atributo, por sua vez, relaciona-se com a possibilidade de facilitar o acesso à energia e, conjugando-se com um fator tecnológico, pode responder elementos de eficiência energética. Nesse sentido, observa-se que não basta propiciar o acesso universal, a energia produzida deve responder ao nível de qualidade da demanda, aqui comparada pela produtividade da gasolina e combustíveis fósseis.

Com relação ao primeiro ponto, os biocombustíveis relacionam-se com a universalização do acesso à energia diante da variedade de matérias-primas que podem ser utilizadas. Cada região pode estudar o recurso de acordo com seu contexto e a partir dele, fomentar sua produção de energia. O etanol ilustra bem esse cenário, com uma série de fontes renováveis que cabem para sua produção, é feito por meio da conversão de açúcares (cana-de-açúcar, beterraba, uvas etc.) ou de carboidratos (milho, trigo, batata, mandioca, etc.).243 Por oportuno, o etanol brasileiro é particularmente interessante em vista da prevalência global do clima tropical nos países em desenvolvimento, condição substancial para sua produção. E para aquelas regiões cujo clima é diverso, outros biocombustíveis podem ser aplicados, conforme explicado, dada variedade de matéria-prima.244

A atratividade para o etanol em comparação aos outros biocombustíveis, entretanto, diz respeito também a sua alta medida de produtividade. A produtividade é o resultado da combinação clima, solo, tecnologia de produção e gestão. As maiores

240 Foi ressaltado na Conferência Internacional sobre Biocombustíveis que, embora tenham sido registradas novas descobertas de reservas, das quais o Pré-Sal brasileiro é um exemplo, esse petróleo chega a um custo de produção substancialmente mais elevado. Outra opção de petróleo abundante, as chamadas reservas de petróleo extrapesado, tem juntamente com um custo elevado de extração a possibilidade de causar grandes danos ao meio-ambiente. São questões que elevam o custo do petróleo e restringem o acesso à energia. BNDE; CGEE. Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Sessão plenária I. Biocombustíveis e Segurança energética. Documento de Referência. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. São Paulo, 17 de novembro de 2008, p. 01.

241 CHUM, Helena L.; ARVIZU, Dan E.; Biocombustíveis líquidos como alternativa viável para os combustíveis fósseis: considerações sobre tecnologia e sustentabilidade. Revista Brasileira de Bioenergia. Ano 2. N. 3. Agosto, 2008, p. 41-47.

242 GOLDEMBERG, José; NIGRO, Francisco E. B.; COELHO, Suani T. Bioenergy in the state of São Paulo: present situation, perspectives, barriers and proposals. São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p. 69.

243 BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 10.

244 BNDE; CGEE. Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Sessão plenária I. Biocombustíveis e Segurança energética. Documento de Referência. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. São Paulo, 17 de novembro de 2008, p. 10.

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produtividades serão alcançadas ao conjugarem-se matéria prima ao ambiente adequado de produção, em um solo com propriedades físicas, químicas e biológicas adequadas, mediante o uso de gestão e tecnologia eficazes. 245

Nesse sentido, relaciona-se com a eficiência do produto para a criação de energia que deve responder também a uma contribuição com questões ambientais, em especial, na mitigação dos gases do efeito estufa, em comparação com a gasolina oriunda do petróleo. O BNDE preparou estudo para tal comparação no qual considerou lavouras em condições de boa produtividade. O gráfico ilustra a produtividade média de etanol por área, medida em litros por tonelada de biomassa, para diferentes culturas:

Figura 3: Gráfico - Produtividade média de etanol por área para diferentes culturas

Fonte: Gráfico retirado de: BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 71. Nota do autor: Para a cana, explica-se, considerou-se produção de 80 toneladas de cana por hectare, uma produtividade de 85 litros de etanol por tonelada de cana processada e a utilização de 30% do bagaço disponível e metade da palha, convertida à razão de 400 litros por tonelada de biomassa celulósica seca.

Com respeito ao segundo aspecto, o âmbito da segurança energética envolve a qualidade de produtividade do combustível alternativo. Esse segmento refere-se à capacidade do combustível em produzir energia eficiente comparada com a energia que se intenta substituir. Isso, entretanto, é questão de racionalização na escolha de qual matéria-prima disponível será utilizada, assim como fomento de tecnologia.

Referindo-se ao caso do etanol, é importante demonstrar sua produtividade para competir e eventualmente substituir a gasolina fóssil. Com uma série de fontes renováveis que cabem para sua produção, é feito por meio da conversão de açúcares (cana-de-açúcar, beterraba, uvas etc.) ou de carboidratos (milho, trigo, batata, mandioca etc.).246 Deve ser capaz de suprir a demanda de energia ensejada, pois, refere-se à capacidade do combustível em produzir energia eficiente comparada com a energia que se intenta substituir

245 A produtividade agrícola da cana-de-açúcar é medida em termos de toneladas de açúcar produzido por unidade de área (tonelada de cana por hectare).

246 BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 69.

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Por oportuno, destaca-se a capacidade de competitividade do etanol brasileiro, com relação à gasolina. A comparação entre os combustíveis em termos de eficiência pode ser vislumbrada pelo seu consumo no Brasil e pela equiparação do seus preços em mercado. O uso do etanol anidro como aditivo à gasolina é medida obrigatória, cujos ganhos em eficiência vislumbram-se no rendimento do combustível e no menor grau de poluição que apresenta, vez que substituiu o chumbo tetraetila, aditivo que acarreta maior grau de poluição. 247

O etanol da cana de açúcar do Brasil tem seu preço vinculado ao estabelecimento do preço mínimo para os produtores, que deve cobrir os custos de produção - que cobrem a matéria-prima; custos de capital correspondente aos investimentos produtivos realizados; e, ser igual ou superior aos resultados que seriam obtidos caso a matéria-prima se destinasse à fabricação de produtos alternativos. A respeito do caso do etanol da cana, os produtos alternativos são basicamente o açúcar e o melaço. Essa relação é importante porque o estudo do lucro do produtor é verificado pelo preço de indiferença do etanol anidro em função do preço de açúcar. Para explicar melhor, do ponto de vista do lucro, faz sentido produzir bioetanol a preço superior ao preço de indiferença. Naturalmente, essa avaliação aborda outras considerações como compromissos e estratégias de mercado. 248

Vislumbrando estudo acerca da comparação entre os preços dos combustíveis, averiguando-se sua competitividade e, portanto fomento do mercado ao longo de sua consolidação, o BNDE elaborou gráfico que compara o preço da gasolina com o preço de indiferença do etanol frente ao açúcar. A pertinência de se destacar esse gráfico consiste em demonstrar sua larga capacidade em competir com a gasolina:

Figura 4: Gráfico - Preço de indiferença do etanol frente ao açúcar e preço internacional da gasolina

247 O etanol é um excelente aditivo antidetonante e melhora a octanagem da gasolina-base de modo sensível, quanto mais baixa a octanagem da gasolina-base, mais significativo o ganho devido ao etanol. Destaca-se o conceito de octanagem:“é a medida de resistência de um combustível à auto-ignição e à denotação, avaliada pelos métodos Motor (MON) e Research (RON), que permite inferir o comportamento de um motor alimentado com esse combustível, respectivamente, em condições de carga elevada ou carga constante.” Há várias décadas, os principais combustíveis encontrados nos postos são: gasolina regular e Premium, com octanagem mínima de 87 e 91, ambas sempre com um teor de etanol anidro estabelecido entre 20% e 25%, conforme decisão do governo federal; e etanol hidratado, com octanagem média superior a 110. BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 43.

248 BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 53-54.

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Fonte: Gráfico retirado de: BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 57

Além disso, mister destacar a respeito da tecnologia, uma vez que se relaciona tanto com a maximização de eficiência energética, quanto com a minimização dos danos ao meio ambiente. A produtividade envolve, pois, essa capacidade de gerar energia com menor impacto ambiental, comparado com energias fósseis, tanto na sua produção, quanto no uso do combustível.249

Destarte, segue o raciocínio, vislumbrando-se questões ambientais que o etanol e os biocombustíveis em geral respondem melhor que o uso dos combustíveis fósseis. O cenário, no entanto, não é de benefícios absolutos, vez que os biocombustíveis ainda poluem, contudo, em geral, são dotados de menor grau de poluição confrontados com o uso do petróleo e seus derivados. Além disso, existem conflitos entre interesses de preservação ambiental com interesses sociais, em específico, de manutenção de empregos, raciocínios a seguir expostos.

3.1.1.2 As principais questões ambientais e sociais envolvidas

A respeito de questões ligadas ao meio ambiente, optou-se por descrevê-las em conjunto com algumas das considerações sociais, uma vez que estão intimamente interligadas. A sustentabilidade dos biocombustíveis permeia o seu âmbito de produção, assim como a produtividade do combustível. Do ponto de vista ecológico, alinha-se com sua capacidade de tornar mínimos os níveis de poluição, em ambos os momentos e, pela perspectiva social, diz respeito aos direitos humanos, erradicação do trabalho infantil e manutenção do emprego dos trabalhadores no momento da produção. O raciocínio é ilustrado pelo etanol, primeiro em vista das questões ambientais e depois em razão das sociais.

O impacto ambiental dos biocombustíveis em comparação com os combustíveis fósseis relaciona-se diretamente pelo seu grau mais ameno de emissão de gases de efeito-estufa e, portanto, colaboram para o tratamento do problema globalizado das mudanças climáticas. A questão envolve produção e produtividade do produto; existem, pois, biocombustíveis com menor produtividade e não tão benéficos com respeito a questões ecológicas. Sobre esse aspecto, o etanol se destaca pela sua eficiência energética. Mas, de um modo geral, os biocombustíveis ilustram um contexto positivo em contraste com os combustíveis fósseis.

Explica-se esse cenário geral, as mudanças climáticas são relacionadas com o aquecimento global, esse que resulta da intensificação da emissão dos gases do efeito estufa. Tal efeito consiste em uma ocorrência natural responsável pelo equilíbrio térmico do planeta e possibilitando a vida na Terra. É, contudo, a sua intensificação acelerada o foco dos problemas atrelados às mudanças climáticas, pois altera os padrões climáticos, com uma série de efeitos para o ser humano. Os impactos da aceleração do aquecimento global refletem consideravelmente no ambiente terrestre. Pode-se destacar recordes no registro de altas temperaturas; o degelo acelerado nos pólos glaciais; o aumento no nível dos oceanos e mares; as alterações nos padrões de ocorrência e intensidade de tempestades e furações etc.

Os principais gases de efeito estufa são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Outros gases são os hidrofluorcabonetos (HFCs), os perfluorcarbonetos (PFCs) e o hexafluoreto de enxofre (SF6); entretanto, tem menor importância, pois são emitidos em quantidades consideravelmente inferiores, apesar de terem

249 ROBERT, Paul (relator). Síntese das discussões. Plenária I – Biocombustíveis e segurança energética. Conferência Internacional de Biocombustíveis. São Paulo, 17 de novembro de 2008, p. 02.

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um potencial de aquecimento da atmosfera elevado e longa persistência na atmosfera. A emissão dos combustíveis de energias fósseis colaboram ativamente para a emissão desses gases.250

A emissão de desses gases, no total, aumentou 70% entre 1970 e 2004, atingindo 26,9 bilhões de toneladas em 2004. Os gráficos a seguir demonstram o aumento da emissão dos principais GEE, o CO2, CH4 e N2O, vislumbrando-se a velocidade que alcançaram no último século.

Figura 5: Gráficos - Aumento da emissão de gases de efeito estufa

Fonte: Gráficos do IPCC. Utilizados no documento de referência do BNDES para a Sessão Plenária II “Biocombustíveis e Mudança de Clima” na Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, São Paulo, 18 de novembro de 2008, pp. 03-04.

250 BNDES. Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Sessão plenária II. Biocombustíveis e Mu-dança de clima. Documento de Referência. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. São Paulo, 18 de no-vembro de 2008, p. 70.

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Reduzir as emissões desses gases é uma preocupação global e os biocombustíveis apresentam-se como alternativas interessantes para tal objetivo. Essa perspectiva, vale enfatizar, é uma visão geral, pois, as compensações nesses gases variam de acordo com cada biocombustível, com a matéria-prima utilizada e com o modo de produção, ou seja, não envolve só o produto final, mas a preparação do solo, qual fertilizante utilizado, como se deu o seu transporte e distribuição.

O etanol merece destaque entre os biocombustíveis em vista da capacidade de mitigação desses gases, tanto na sua produção, quanto em razão da sua eficiência energética em contraste com a gasolina. A respeito da sua eficiência, o gráfico abaixo ilustra o balanço de emissões de gases de efeito estufa que foram evitadas, em substituição à gasolina; com destaque para o maior grau de produtividade do etanol da cana-de-açúcar, que consegue evitar mais de 80% da emissão dos gases de efeito estufa, enquanto que o etanol da beterraba evita mais de 40% e o etanol de grãos, quase 40 %:

Figura 6: Gráfico - Balanço de emissões em gases de efeito estufa (emissões evitadas com etanol em substituição à gasolina)

-100% -80% -60% -40% -20% 0%

etanol de grãos (EUA/UE)

etanol de beterraba (UE)

etanol da cana-de-açúcar (Brasil)

Balanço de emissões de gases de efeito estufa baseado no ciclo de vida do produto

(emissões evitadas com etanol em substituição à gasolina)

Fonte: Adaptado de gráfico elaborado por ÚNICA e Icone, em: ÚNICA. Responsabilidade Socioambiental. A sustentabilidade da cana-de-açúcar brasileira: amenizando o aquecimento global. São Paulo: ÚNICA, 2008. Fonte em que se basearam: Agência Internacional de Energia (AIE) 2004 e Macedo, I. de C. et. al. (2004). Nota dos autores: emissões calculadas com base no ciclo de vida do produto.

Outro gráfico interessante compara as emissões de gases do etanol e da gasolina. Um estudo originário do IBAMA, corroborado pelo BNDES, mostra como a emissão desses gases pelos veículos produzidos no Brasil foi reduzido ao longo das décadas, por conta do desenvolvimento tecnológico dos motores e da introdução do etanol, tanto hidratado e anidro.

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Figura 7: Gráfico - Evolução das emissões de veículos novos no Brasil

Fonte original: IBAMA. Gráfico retirado de: BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 55. Nota do autor: os valores para os aldeídos estão multiplicados por 100, por serem bastante reduzidos.

Além disso, o modelo brasileiro proporciona colaboração com essa mitigação ainda no momento da produção pelo reaproveitamento que as empresas vem adotando, do bagaço da cana como matriz de energia nas indústrias para o etanol. Esse aspecto relaciona-se com âmbito econômico no que se refere à eficiência na produção, ou seja, a quantidade de energia gasta para o processamento do combustível e o impacto ambiental desse processo. Consiste no ganho de outro aspecto em razão da maximização da versatilidade da cana-de-açúcar, que pode oferecer reaproveitamentos. Nesse raciocínio, além de emitir menos gases de efeito estufa, a sua produção também apresenta traços de sustentabilidade, em contraste com a gasolina.251

Por oportuno, a mitigação também depende do modo de produção. A minimização dos impactos ambientais na produção diz respeito aos usos dos recursos naturais e à tecnologia utilizada. Envolve, dentre outros aspectos, utilização do solo, água, emissão de gases de efeito estufa em razão das queimadas para a preparação da cana (no caso do etanol brasileiro) e usos de fertilizantes que, por si só, possuem índices de emissão desses gases.

Vale ressaltar, por exemplo, o óxido nitroso, gás do efeito estufa, que tem lugar em outras fases da produção dos cultivos dos biocombustíveis como pelo uso de fertilizante nitrogenado ou também a questão das queimadas para o avanço das produções das respectivas culturas.252 São, nesse sentido, atividades que merecem atenção dos atores que as aplicam a fim de minimizar os danos ambientais em prol da sustentabilidade. Contudo, em vista do grau de poluição do petróleo ser maior, os biocombustíveis ainda comportam peças-chave de uma política integrada de energias renováveis para lidar com o problema.253

251 BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 70.

252 FAO. El estado mundial de la agricultura y la alimentación 2008. Biocombustibles: perspectivas, riesgos y oportunidades. Roma: Organización de las Naciones Unidas para la Agricultura y la Alimentación, 2008, p. 63.

253 HELLER, Thomas C. (relator). Sumário das discussões. Sessão Plenária II – Biocombustíveis e mudança do clima. Conferência Internacional de Biocombustíveis. São Paulo, 18 de novembro de 2008, p. 02.

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Entretanto, algumas ressalvas devem ser feitas: o etanol brasileiro perpassa por transformações, com esforços para não se estender a degradação de terras em vista do avanço da cultura, com programas de rotatividade e de reutilização de solos degradados, além de diminuição do uso de fertilizantes, racionalização da água e supressão gradual das queimadas. É complexo conjugar preservação do meio ambiente com manutenção de empregos, vez que eliminar as queimadas é mecanizar as atividades, o que pode envolver a substituição de homens por máquinas.

Além disso, tradicionalmente, o etanol inseriu-se no quadro nacional de outros problemas sociais gerais no país, como o trabalho infantil e trabalho em condições análogas ao escravo. Existem atualmente iniciativas públicas e privadas para lidar com esses problemas sociais e ambientais. Tais considerações serão aprimoradas mais à frente neste capítulo, apenas adianta-se que, de modo superficial, remetem-se a elementos de uma gestão eficiente e emprego de tecnologia.

São consequências que mostram que nem o etanol e nem os biocombustíveis afirmam-se como uma resposta final aos problemas de degradação ecológica causados pelo contexto da matriz energética dominante. É preciso ter em mente também que não se deve deixar de lado questões sociais envolvidas na sua produção. Para além dos benefícios da eficiência energética do etanol, é nesse sentido que alguns instrumentos de direito privado estão a fomentar o desenvolvimento sustentável, exigindo aprimoramentos nesses âmbitos sociais e ecológicos como requisito de formações jurídicas contratuais, conforme se verá também ainda nesse capítulo, mais à diante.

Nesse panorama, de uma maneira geral, em comparação com a emissão de gases de efeito estufa oriundos de combustíveis fósseis, energias de fontes renováveis, em especial o etanol da cana-de-açúcar, respondem às preocupações globais de mitigação, uma vez aprimorado seu modo de produção e produtividade que devem observar também para questões de direitos humanos e ambientais. Essas questões, acrescidas das emergências políticas e econômicas em torno da segurança energética fomentam-se como estratégia para a descentralização da matriz de energia dominante, o petróleo. A produção dos biocombustíveis, entretanto, enseja ainda outra preocupação global, que consiste na segurança alimentar, conforme se verifica a seguir.

3.1.1.3 A segurança alimentar envolvida

Um tema recorrente na discussão das perspectivas para o bioetanol é o uso das terras agrícolas, em relação a sua disponibilidade e o eventual impacto sobre a disponibilidade de alimentos. De um lado, essa preocupação emergiu no âmbito internacional em vista da alta nos preços das commodities agrícolas, supostamente relacionadas com o aumento da atenção para os biocombustíveis. Por outro lado, são considerações que exigem o uso racional do solo e para a maximização do aproveitamento do agronegócio envolvido, ou seja, envolve uma legislação eficaz, boa gestão e o incremento tecnológico.

Com relação ao primeiro aspecto, afirmou-se serem especulações as relações entre a elevação dos preços das commodities e o fomento dos biocombustíveis, tendo em vista o seguinte cenário: a variação nos preços das commodities está relacionada com a capacidade de reserva dos alimentos, forma das atividades agrícolas e com a afetação nessas reservas em vistas dos riscos agrícolas; além disso, os preços são vislumbrados

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em vistas do grau de protecionismo dos países - também, porque aumentou da demanda por commodities em vista do crescimento de países como a China e a Índia. É um contexto que por si só, caracteriza a afetação no preço dos alimentos, não estando, portanto, diretamente relacionado com a promoção dos biocombustíveis.254

Esclarecido esse cenário, a segurança alimentar então engloba: disponibilidade de alimentos, que é determinada pela produção nacional, capacidade de importação e existência de reserva de alimentos; o acesso aos alimentos, que depende dos diversos níveis de pobreza, do poder aquisitivo das famílias, dos preços, da existência de infraestrutura de transporte e mercados e sistemas de distribuição de alimentos; da estabilidade dessa disponibilidade e do acesso na sua relação com os riscos agrícolas, flutuações nos preços; e, finalmente, de programas de assistência e distribuição e forma de utilização dos alimentos.255

Percebe-se, nessa perspectiva, que a segurança alimentar é uma questão de eficiência na administração das diversas atividades e questões nacionais ligadas entre si, na produção, distribuição, oferta e acesso aos mantimentos. Envolve desde o cultivo, lavoura ou fabricação de alimentos, suas cadeias logísticas, até o poder de compra dos consumidores.

Desmistifica-se a relação de necessário prejuízo da segurança alimentar ao se promover os biocombustíveis. Pelo contrário, com base em uma estratégia adequada, é possível incentivar o equilíbrio de ambas as atividades. Pois, em termos de produção e mercado, uma vez que a segurança alimentar é diretamente afetada pelas flutuações nos preços dos alimentos, a demanda pelos biocombustíveis pode colaborar para a flexibilização do impacto dessas flutuações, na medida em que se apresenta como uma fonte de demanda por produtos básicos agrícolas.

A fim de que isso seja viável, entretanto, faz-se mister um bom gerenciamento das atividades, com vistas para a utilização racional dos recursos disponíveis e fomento de cooperações entre atividades e atores. Do contrário, de fato, é possível que uma atividade atrapalhe a outra; por exemplo, a China, quando começou a interessar-se pelo etanol, havia disponibilizado para a sua produção o equivalente a uma safra inteira de milho, mas acabou a utilizando para suprir a alimentação animal, haja vista a demanda por alimentos.256

Nesse sentido, é importante enfatizar que, permitir a coexistência entre segurança alimentar e biocombustíveis, significa dizer que são necessárias ações racionais e de cooperação entre os atores envolvidos, fomento de tecnologia e aproveitamento das atividades ao máximo, com programas de rotação e reaproveitamento de terras.

Nesse aspecto, o etanol do Brasil também se destaca em vista do sucesso na interação entre entidades públicas e privadas. É uma questão, pois, de aproveitar a oportunidade que os biocombustíveis apresentam como vetores de desenvolvimento e aprimorar a sua atuação. Destarte, conjugar as três principais esferas de preocupações –

254 CHIARETTI, Daniela. Entrevista José Goldemberg. Quatro mitos movem os ataques ao álcool de cana. Valor Econômico Especial Etanol de cana-de-açúcar, maio, 2008, p. 26-28.

255 FAO. El estado mundial de la agricultura y la alimentación 2008. Biocombustibles: perspectivas, riesgos y oportunidades. Roma: Organización de las Naciones Unidas para la Agricultura y la Alimentación, 2008, p. 84.

256 REZENDE, Ellen Cordeiro. Ainda há muitas limitações no mercado internacional. Valor Econômico Especial Bio-combustíveis. Novembro, 2008, p. 26-29.

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energética, ambiental e alimentar – é uma questão de estratégia na condução da atividade, que depende de cooperação entre os envolvidos.

Uma vez alinhados os problemas que giram em torno da produção, distribuição, oferta e consumo dos biocombustíveis, interligam-se também elementos positivos como crescimento econômico dos países, geração de renda e melhoria da qualidade de vida. Mas para tanto, é importante uma governança nacional eficiente, assim como a seriedade na atuação de outros atores envolvidos em respeito a princípios de governança corporativa que visam transparência e produtividade sustentável, sempre com vistas para o incremento tecnológico.

A segurança energética, questões ambientais e sociais e a segurança alimentar definem-se como elementos a serem destacados para a formação de um regime internacional jurídico sobre o tema. Todavia, mesmo que exista consenso sobre a emergência desses segmentos, e que se tenha em vista a particularidade estratégica dos biocombustíveis para lidar com esse cenário, ainda não há uma harmonização internacional sobre a sua regulamentação. Nesse sentido, não se tem ainda uma consolidação efetiva global desse mercado, o que acarreta em entraves aos biocombustíveis como vetores de desenvolvimento, conforme segue abaixo.

Nesse contexto, tem-se o etanol brasileiro como excelente vetor de sustentabilidade frente às preocupações globais com a segurança e eficiência energética, assim como as questões ambientais e de alimentos. A exigência desses âmbitos e as movimentações brasileiras, tanto políticas, tecnológicas e de iniciativas privadas, são traços da ação brasileira na construção de uma governança global do desenvolvimento sustentável pelo comércio. Entretanto, o cenário internacional ainda apresenta ressalvas que desaceleram a expansão do etanol brasileiro, conforme se ilustra a seguir.

3.1.2 Das dificuldades da institucionalização pública global acerca do tema

As dificuldades de institucionalizar o contexto das bioenergias em normas internacionais públicas caracterizam-se por não haver ainda um padrão global reconhecido, e para os biocombustíveis que já apresentam alguma presença global, como o etanol, o número de países produtores ainda é pequeno, conforme gráfico abaixo, que ilustrou a produção do ano de 2006. Ademais, ressalta-se que avanços nesse aspecto ainda estão se consolidando.

Além disso, a expansão é barrada por empecilhos que decorrem da própria dinâmica do cenário político, por ainda estar em construção um panorama de cooperação entre os atores públicos internacionais. Ao mesmo tempo em que fóruns e discussões políticas são necessários para viabilizar o conhecimento das intenções presentes, também permitem conhecer elementos que incorrem em desacelerar a institucionalização internacional almejada. Vale lembrar, na cena internacional, incide sobre a formação da norma, pesos e contrapesos de cada país, ligados à sua capacidade de atuação e de injunção de interesses, na sua relação com os demais atores.257

257 STRENGER, Irineu. Relações Internacionais. São Paulo: LTr Editora LTDA, 1998, p. 14-15.

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Figura 8: Gráfico - Distribuição da produção mundial de etanol em 2006

Fonte: Gráfico retirado de: BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 71. Nota do autor: os valores para os aldeídos estão multiplicados por 100, por serem bastante reduzidos.

Especificamente para o âmbito do etanol, ressalta-se a divergência de perspectivas quanto a alguns elementos-chave nos instrumentos de condução e promoção do seu mercado. Em especial, tendo em vista sua relação direta com a condução do comércio internacional, destaca-se: não há convergência a respeito da manutenção ou não de subsídios, e, da mesma forma, não há consenso político sobre a legitimidade ou não de certificados de sustentabilidade. Consistem em contrastes de interesses que dificultam o cenário da cooperação internacional, de acordo com o grau de capacidade de persuasão e imposição de interesse dos envolvidos.

Com relação ao primeiro aspecto, ilustra-se pelas relações entre os dois principais produtores mundiais do combustível: Brasil e Estados Unidos. Existem compromissos firmados para a difusão de um mercado internacional, entretanto, os Estados Unidos são resistentes em suprimir medidas protecionistas, medidas de interesse do Brasil. Mesmo que tais questões sejam postas em debates, não há um consenso; esse, portanto, ainda encontra-se em formação. Em que pese não ser um quadro estático, serve para ilustrar como a constituição de um regime jurídico eficaz na cena política é uma dinâmica lenta, o que, por si só, interfere negativamente em termos de institucionalização.

O compromisso levantado diz respeito ao Protocolo de Intenções sobre biocombustível, firmado entre o Brasil e os Estados Unidos, em março de 2007, que visou iniciar ações de cooperação técnica e científica entre ambos, além de buscar ações coletivas para fomentar o mercado do etanol em terceiros países.258 Ressalta-se que tais iniciativas são, de fato, pontos positivos no caminho da consolidação do mercado, e isso aparentemente contradiz a proposição de fraca cooperação entre esses países.

Contudo, essa confusão se esclarece na seguinte perspectiva: não se afirma aqui, a ausência de cooperação, mas sim que ainda é inópia para a formação de um regime internacional efetivo na matéria. O Protocolo enquanto elemento jurídico, apenas fortalece 258 ÚNICA. Perguntas mais freqüentes sobre o setor sucroenergético. São Paulo: ÚNICA, 2008.

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o argumento inicial de que os biocombustíveis emergem como estratégia de descentralização da matriz energética, configurando-se como um esforço para o fomento desse mercado, com avanços no que diz respeito à capacitação de outros países para produção, assim como fomento de pesquisas para aprimoramento da eficiência dos biocombustíveis. Todavia, outros entraves refletem na dificuldade de sua consolidação, aqui enfatizados para alguns impasses próprios da discussão política no tema.

Detecta-se que, em vista do Protocolo, é possível afirmar que os Estados Unidos concordam com o Brasil sobre a importância de se consolidar o comércio internacional do etanol e que para tanto, é importante aumentar o número de produtores e padronizar regras em torno do combustível; entretanto, ainda discordam com o Brasil sobre outros aspectos, em especial, sobre a manutenção dos subsídios agrícolas que alcançam o tema. Nesse sentido, os Estados Unidos ainda englobam forte protecionismo, em vista, principalmente, da sua tarifa de importação de R$ 0,54 por galão de etanol importado fora da Caribbean Basin Initiative e também pela taxa de 2,5%, o que dificulta as importações diretas do Brasil.259 São empecilhos que refletem diretamente sobre o preço do produto, dificultando sua competitividade internacional com o combustível que se intenta substituir, a gasolina.

Essa questão foi levantada na Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, realizada em São Paulo, em novembro de 2008. De uma análise restrita nesse campo político260, os Estados Unidos justificaram o protecionismo como uma política de segurança energética que estava voltada também para a própria promoção do mercado internacional dos biocombustíveis, mesmo que, do ponto de vista dos países em desenvolvimento, representavam claras barreiras ao acesso do mercado que se pretendia promover.

Vale ressaltar, a posição norte-americana era a de que os subsídios e as tarifas eram necessários para a própria promoção do mercado internacional de biocombustíveis, pois consistiam em medidas para que o etanol do milho competisse com o etanol brasileiro, que detinha vantagens naturais como clima e outras como a tradição tecnológica. Nesse sentido, o raciocínio caracterizava a manutenção dos subsídios como uma questão de diversificação da matriz; eram, pois, uma forma de não centralizar a matriz energética no etanol brasileiro. Vale ressaltar, eis a pertinência estrategista do discurso norte-americano: os subsídios foram definidos como uma questão de “eficiência, para não trocar um problema pelo outro”261. Referia-se, nesse sentido, à problemática da atual centralização da produção da matriz energética dominante – o petróleo.

Por um lado, o entendimento demonstra-se legítimo ao retratar a importância de não se permitir uma nova centralização. Contudo, limitar-se a esse argumento é não

259 REZENDE, Ellen Cordeiro. Ainda há muitas limitações no mercado internacional. Valor Econômico Especial Bio-combustíveis. Novembro, 2008, p. 26-29.

260 Essa análise diz respeito ao estudo realizado pela mestranda na Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. A pesquisa analisou o uso do conceito ‘desenvolvimento sustentável’ nos debates levantados, diante do contexto que ali se apresentava: era, pois um fórum internacional para discussão de um tema com repercussão social, jurídica e econômica no âmbito da sustentabilidade. Nesse sentido, teve por objeto os debates, a fim de se delinear a distância ou aproximação do discursos com suas proposições de legitimação – as preocupações globais da segurança alimentar, energértica e ambiental. A reflexão assemelhou-se a um relato etnográfico e, embora seja uma experiência de valor limitado, por ter incidido em um cenário que pode mudar a qualquer instante como é o contexto político, tem sua importância para ilustrar impasses políticos na formação de consensos que podem se revestir de normas. Explica--se também que, entraram para o estudo, não todos os argumentos de todos os debatedores, mas aqueles de maior reflexo em relação ao conceito em estudo.

261 ROBERT, Paul (debatedor representante dos Estados Unidos). Debate da Sessão Plenária I – Biocom-bustíveis e Segurança Energética. 17 de novembro de 2008. Conferência Internacional sobre Biocombus-tíveis, Nov. 2008, São Paulo (SP).

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enxergar para além do discurso político, uma vez que fomentar subsídios não se limita a tornar o etanol do milho competitivo com o etanol da cana, mas restringe também o acesso ao mercado para outros países em desenvolvimento e, nesse sentido, é entrave à consolidação desse comércio e da caracterização dos biocombustíveis como vetor de desenvolvimento. Por outro lado, ficou clara a ênfase para a necessidade de cada país adequar, por políticas públicas, seus interesses nacionais aos objetivos globais.

Vale dizer, não estavam em debate apenas emergências globais e promoção de energias alternativas, mas as assimetrias de cada país que repercutiam para o contraste de interesses. Nesse sentido, curioso notar que a posição dos Estados Unidos foi defendida a favor de um objetivo comum – a consolidação do mercado internacional do etanol – contudo, argumentada por meio de uma proposição que se aplicava especificamente ao contexto norte-americano: os subsídios eram necessários para lhe propiciar o mercado, enquanto que para o Brasil e para os demais países em desenvolvimento, configuravam uma restrição impeditiva ao comércio, já que dificultava o comércio do etanol. Tal cenário ilustra o contraste de interesses nacionais em debate, ainda que haja consenso quanto ao fim que se almeja. Eis a dinâmica da cena política como entrave à institucionalização, face à dificuldade de concordância quanto aos meios.

Sendo os Estados Unidos importante ator no mercado do etanol, sua posição interfere consideravelmente na condução desse comércio. Se permanecer nessa postura inflexível quanto à manutenção dos subsídios, do ponto de vista dos países em desenvolvimento, esvazia o quadro da cooperação internacional para a abertura do mercado. E isso alcança a efetividade de sustentabilidade que os biocombustíveis pretendem concretizar, uma vez que não basta apenas transferência de tecnologia e capacitação de produção em vários países, como se consubstanciam os avanços em torno do Protocolo que assinou junto com o Brasil, é preciso empenhos na difusão da oferta desse combustível para que o mercado internacional se estabeleça. Os subsídios, nesse sentido, vão de encontro com os objetivos de universalização do acesso e diversificação da matriz energética, com suas repercussões ambientais e sociais.

A respeito dos certificados, também é complexa a harmonização a respeito da sua legitimidade ou não, uma vez que também pode ser apresentado como forma de restrição ao comércio.262 Além disso, esses mecanismos tem sua sistematização internacional complicada uma vez que não existe padronização global sobre como e quais requisitos devem ser cumpridos, tendo em vista que os biocombustíveis ainda se encontram em um cenário embrionário de internacionalização.

O Brasil, pela Conferência mencionada, buscava esclarecer sua importância para fomento do mercado sustentável. Contudo encontrava divergência nas posições de outros países em desenvolvimento, como os países africanos, uma vez que esses sequer tinham ainda tecnologia para trabalhar. Desse modo, não concordavam falar em certificação sem antes discutir sobre padronização internacional, transferência de tecnologia e abertura do mercado que colocavam como passos prioritários na consolidação internacional do mercado.263

Entretanto, sua instrumentalidade não deixa de ser interessante como forma de incentivo da sustentabilidade no mercado, uma vez que exige que a produção cumpra

262 Debate da Sessão Plenária II - Biocombustíveis e sustentabilidade, mudanças climáticas. 19 de novembro de 2008. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, São Paulo (SP).

263 Debate da Sessão Plenária II - Biocombustíveis e sustentabilidade, mudanças climáticas. 19 de novembro de 2008. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, São Paulo (SP).

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condições específicas. Apenas enfatiza-se que ainda não há consenso sobre sua legitimidade, nem regulamentação via regime internacional, o que seria medida consideravelmente pertinente na perspectiva da efetividade do desenvolvimento sustentável pelo comércio.

Vale ressaltar, a divergência de posições existente entre os países desenvolvidos e países em desenvolvimento, com exceção do Brasil. Dentre os esforços em curso para implantações de tais certificações, destacam-se: em janeiro de 2007 a Comissão Européia estabeleceu como meta (não mandatória) introduzir até 2020 um teor de 10% de biocombustíveis (etanol e biodiesel) nos combustíveis de transporte para os países membros, cuja averiguação engloba sistema de certificação, em andamento; na Holanda, teve início, em 2006, o desenvolvimento de critérios de sustentabilidade para bioenergias, com sistema de monitoramento também em curso; na Alemanha, revisou-se recentemente a legislação de fomento aos biocombustíveis, incluindo exigências obrigatórias de atendimento a critérios de sustentabilidade; programas de orientações sobre como atuar na certificação estão sendo implementados pelo UNEP e pela FAO.264

Destaca-se a Mesa Redonda sobre Biocombustíveis Sustentáveis, liderada pelo Centro de Energia da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, que é uma iniciativa internacional com o envolvimento de agricultores, empresas, ONGs, especialistas, agências internacionais e de governos interessados em garantir a sustentabilidade da produção dos biocombustíveis. Ressalta-se que a iniciativa vem promovendo reuniões, teleconferências e debates, buscando construir um consenso em torno dos princípios e critérios de desenvolvimento sustentável no tema. Outra demanda internacional consiste no grupo de trabalho internacional, no âmbito do Acordo de Bioenergia da Agência Internacional de Energia, que desenvolve atividades focadas no comércio internacional para estabelecer convergências e padrões nesse escopo.265

Destarte, pela Conferência, restou claro ser o desenvolvimento sustentável apenas o ponto de partida: destacar um mercado de biocombustíveis como saída para a complexidade da matriz energética centrada no petróleo e oportunidade de desenvolvimento sustentável eram apenas pressupostos de debate e de negociação, o “óbvio” para todos. Envolveu três dias de debates abertos e em seguida, dois dias fechados para convidados especiais e representantes de governo. Os debatedores eram de várias nacionalidades, traziam a posição de seu país a respeito dos temas levantados e figuravam também especialistas sobre os assuntos em questão. Dessa forma, constavam representados os interesses de proteção ambiental, direitos humanos e direitos dos trabalhadores, assim como as perspectivas dos Estados e atores interessados no fomento desse comércio.266

No primeiro dia de sessão plenária, levantou-se sobre segurança energética, universalização e diversificação do acesso à energia. No segundo dia, foram relacionados biocombustíveis e sustentabilidade, mudanças climáticas, assim como biocombustíveis, segurança alimentar, geração de renda e desafios para os ecossistemas. No terceiro dia,

264 BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 217-218.

265 BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 218.

266 Como resultado do estudo da mestranda na Conferência, o conceito de desenvolvimento sustentável é apenas o ponto de partida do debate: revestiu-se de argumentos sociais, ambientais e econômicos voltados para o interesse global, mas também, enquanto discurso político, consubstanciou-se forma de legitimar ações presentes, que, ora aparentavam ser em nome da sustentabilidade, ora não. Isso Ainda que o conceito exija cooperação internacional, verificou-se constantes defesas de interesses próprios em nome dos interesses da humanidade. Conferência Interna-cional sobre Biocombustíveis, Nov. 2008, São Paulo (SP).

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buscou-se esclarecer considerações do mercado internacional para os combustíveis. Como conclusão geral, apenas consubstanciou-se esses aspectos como preocupações globais e que deviam ser inseridas em políticas públicas eficientes e fomentadas estrategicamente. Em termos fáticos, destacou-se a dificuldade de consenso sobre como conduzir esse comércio. A divergência quanto aos meios de gerenciamento do mercado comportou-se como impasse para a formação de um regime internacional no tema e, portanto, para a própria padronização que se criticou não ter.

Assim, segurança energética, segurança alimentar, questões sociais e ambientais refletem preocupações globais. Contudo, para que se firme uma institucionalização eficiente e global, importa a convergência de meios e não somente quanto aos fins. Tal conformidade, entretanto, sofre influência dos atores com maior capacidade de atuação na cena política internacional. E sobre esse aspecto, a concordância entre os sujeitos com força suficiente para concretização efetiva de um regime ainda encontram-se em formação.

Influenciado tanto pelo contexto geral do desenvolvimento sustentável quanto pelas próprias condições impostas por empresas no mercado internacional, atualmente, a sustentabilidade do bioetanol brasileiro comporta em uma relação de eficiência entre o econômico, ambiental e social na produção e no produto final. E, nesse sentido, o modelo brasileiro de produção do bioetanol é capaz de contribuir para a diversificação das fontes de energia, universalização no acesso, geração de renda e qualidade de vida, mitigação dos gases do efeito estufa, sem afetar a segurança alimentar, conforme se verifica a seguir.

3.2 Aspectos do bioetanol brasileiro: efetividade do desenvolvimento sustentável atrelada às ações estatais e privadas e sua projeção para o âmbito global

Os aspectos da sustentabilidade do bioetanol brasileiro foram constituídos na relação entre um amadurecimento tecnológico, ambiental e social na tradição brasileira, junto com a intensificação do interesse mundial em energias limpas. Todavia, o quadro ainda não é de todo positivo, uma vez que, conforme ressaltado, problemas em torno de considerações ecológicas e também de direitos humanos prescindem de serem respondidos. Para tanto, destaca-se que existem movimentações públicas e privadas que vem sendo desenroladas ao ponto de afetar positivamente a efetividade jurídica do desenvolvimento sustentável. O Brasil vem constituindo cenário não apenas de aprimoramento do quadro brasileiro, com respeito às questões ambientais e de direitos humanos, mas de projetar isso para o quadro global, tanto em forma de transferência de tecnologia, como já ressaltado com Protocolo com os Estados Unidos; quanto pelo fomento de difusão do produto e de pesquisas para novas inovações sustentáveis, conforme será delineado abaixo.

Vale ressaltar, o sucesso na relação público/privada no Brasil em torno do etanol complementa o resultado do capítulo anterior, de que em um quadro de pouca ou nenhuma interação, divergência de interesses, centralização da tutela ambiental nas atividades do estado, combinados com uma fraca institucionalização, interferem negativamente na efetividade do desenvolvimento sustentável. Vislumbra-se esse cenário em duas principais perspectivas: do etanol enquanto produto e como ocorre sua produção.

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Assim, primeiro segue-se um breve esclarecimento acerca de como se desenrolou o mercado do etanol brasileiro, hoje inserido em um mercado autônomo, uma vez que sua eficiência energética o tornou capaz de competir com a gasolina.; tal resultado é fruto da interação público-privada. Para explicar melhor, esse primeiro aspecto envolve-se diretamente com a atual competitividade em vista da produtividade do etanol, por constituir-se como fator de aprimoramento da sua eficiência energética e, portanto, colabora para os objetivos de diversificação da matriz energética, segurança energética e mitigação dos gases de efeito estufa. São, pois, questões ligadas ao uso do produto.

Em seguida, conjetura-se como o contexto do etanol brasileiro vem respondendo às demandas econômicas, ambientais e sociais de sustentabilidade ao desenrolarem-se alguns exemplos das ações entre os atores públicos e privados para tratar de tais problemáticas que ainda perduram, uma vez que se tais questões não estiverem sendo aprimoradas, não há como afirmar existirem esforços brasileiros para a internacionalização do etanol e dos biocombustíveis como um modelo sustentável de produção de energia. As perspectivas apresentadas tanto pelo produto, quanto pela produção do etanol colaboram para as questões de segurança energética, segurança alimentar, preocupações ecológicas e sociais. É pelo âmbito do etanol que se ilustra a descentralização da tradicional tutela ambiental estatal para a esfera privada, seja pelas parcerias formadas com o estado, seja pelos negócios multinacionais formados para fomento de pesquisas em desenvolvimento sustentável ou pela inovadora inserção de uma cláusula com tal exigência em contrato internacional.

3.2.1 O mercado do etanol e sua eficiência energética, reflexos da interação entre atores públicos e privados

A eficiência energética do etanol da cana-de-açúcar foi amplamente demonstrada na abordagem sobre as preocupações globais. Essa relação foi retratada pela capacidade do combustível em colaborar com questões de segurança energética, mitigação dos gases de efeito estufa e amenização da dependência na matriz dominante. Vislumbra-se pelo grau da produtividade alcançado com o aprimoramento do produto em vista de constantes fomentos tecnológicos. Vale dizer, foi principalmente em razão da sua maturidade tecnológica, que o etanol se destacou em vista da sua melhor eficiência energética em comparação aos outros biocombustíveis.

O etanol é conhecido há mais de um século no Brasil por pesquisas em entidades públicas e privadas. Em uma retrospectiva, ressaltam-se esforços do governo em consolidar uma oferta nacional e no decorrer do texto delineia-se como decorreram as iniciativas privadas para o aprimoramento do combustível, com investimentos em pesquisas que resultaram na melhoria da sua produtividade, tornando-o capaz de competir com a gasolina. Em seguida, apresentam-se os aspectos de eficiência energética que resultaram desse cenário para o etanol enquanto produto.

O uso regular do etanol como combustível automotivo vem sendo praticado no Brasil desde 1931, haja vista o Decreto 19.717, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, instituindo a mistura compulsória de, no mínimo, 5% na gasolina. O teor obrigatório variou nas décadas seguintes até 1975, quando os efeitos de uma crise nos preços do petróleo chamaram a atenção para o combustível como alternativa e impulsionou o governo para

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a instituição do Programa Nacional do Álcool, pelo Decreto 76.593/1975. Naquela época, definiu-se como objetivo a obrigatoriedade de adicionar 20% de etanol (álcool anitro) na gasolina, o que foi alcançado nacionalmente em 1983.267

É possível definir quatro momentos distintos acerca da produção do etanol em larga escala no Brasil. De 1975 a 1979, o Governo incentivou o aumento da produção do etanol para utilização como combustível misturado à gasolina, em vista do choque do preço do petróleo em 1973, junto com a queda de preços internacionais do açúcar. Essa medida, além de combater a queda de preços do setor açucareiro, pretendia também diminuir a dependência dos combustíveis fósseis. A segunda fase, que vai de 1979 a 1989, foi marcada pelo segundo choque no preço do petróleo, com uma série de incentivos públicos fiscais e financeiros aos produtores e aos consumidores finais e teve o seu término diante da falta de álcool hidratado nas bombas dos postos de combustível, o que abalou seriamente a confiança do consumidor.268

A terceira fase, de 1989 a 2000, foi marcada pela desestruturação do conjunto de incentivos econômicos governamentais ao programa. Houve apenas uma reserva de mercado com a obrigatoriedade da mistura do álcool anidro em toda a gasolina distribuída, pela Lei no 8.723, de 28 de outubro de 1993. A quarta fase seguiu de 2000 até os dias de hoje, com a revitalização do álcool combustível, marcada pela introdução dos veículos flex-fuel em 2003 e pela possibilidade de aumento das exportações de etanol diante das preocupações globais já levantadas. 269

Esses foram aspectos de fomento do mercado pelo governo. O mercado nacional estabeleceu-se, porém, teve suas oscilações conforme apontado acima. Entretanto, durante esse período, uma série de iniciativas privadas foram responsáveis pelo incremento tecnológico do álcool, melhorando sua produtividade e, portanto, interesse pelo combustível no mercado.

Antes mesmo da instituição do Proálcool, em que o setor privado se movimentava por investimentos em pesquisas em prol do aumento da produtividade do combustível. Retrata-se, dentre outros exemplos, pesquisas do Centro que hoje corresponde ao Centro de Tecnologia Canavieira (CTC); seu antecessor foi constituído por iniciativa privada, da Copersucar, que decidiu montar por conta própria, um programa de melhoramento genético da cana-de-açúcar, que lançava dois tipos de cana por ano.270

A Coopersucar incorporou uma estação experimental de pesquisas, a Cooperativa dos Usineiros do oeste do Estado de São Paulo (Copereste), que funcionava desde 1953 no Estado de São Paulo e em 1970 já haviam sido produzidas 400 mil mudas de sementes

267 Caracteriza-se este marco como jurídico legal, entretanto o uso do etanol e a recomendação para a implantação de uma infra-estrutura para a produção do combustível automotivo no Brasil remontam o ano de 1903, nas conclusões do I Congresso Nacional sobre Aplicações Industriais do álcool. Em 1920 criou-se a Estação Experimental de Com-bustíveis e Minérios, futuro Instituto Nacional de Tecnologia, onde foram conduzidos testes com bons resultados em veículos movidos com etanol (na época chamado álcool-motor) a fim de substituir a gasolina derivada do petróleo. BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 153-154.

268 SIMÕES, Antônio José Ferreira. Biocombustíveis: a experiência brasileira e o desafio da consolidação do mercado internacional. In: MRE. Biocombustível no Brasil, realidade e perspectivas. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/dc/temas/Biocombustiveis_02-experienciabrasileira.pdf>. Acesso em 24 mai. 2009.

269 Ibidem. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/dc/temas/Biocombustiveis_02-experienciabrasileira.pdf>. Aces-so em 24 mai. 2009.

270 CEZAR, Genilson. Busca da eficiência une governo e empresários. Valor Econômico Especial. Etanol de cana-de-açúcar. Maio, 2008, p. 40-43.

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verdadeiras, provenientes de cruzamentos que permitiram ampliar as possibilidades de produtividade do combustível. Esse resultado foi reflexo de muita cooperação com outras instituições, inclusive públicas, como a recém criada Embrapa e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), cujos laboratórios funcionavam nas instalações da Copersucar.271

Paralelamente, houve também na década de 70, o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), implantado pelo governo federal e a instalação do Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar (Planalsucar), também trabalhando para ampliar a variedade de cana e sua capacidade de adaptação a outras áreas, com o interesse de difundir a cultura e o combustível para o resto do país. Nesse sentido, pesquisas corriam através de coordenadorias instaladas em Maceió (Alagoas), Recife (Pernambuco), Campos, Rio de Janeiro e Araras (São Paulo).272

Em 1974, como resultado do fomento de debates e consensos de atores públicos e privados, foi elaborada proposta de estratégias ao Conselho Nacional de Petróleo para lidar com a situação energética ensejada pela crise de 1973. Essa proposta continha o interesse da Copersucar, que pretendia aproveitar a capacidade ociosa das destilarias anexas às usinas açucareiras para a produção de álcool; continha também a preferência do Instituto do Açúcar e do Álcool pela produção direta do combustível em destilarias autônomas.273

O governo federal instituiu o Proálcool, em 1975, apresentando-se como marco legal do uso do etanol em maior escala.274 O Decreto estabeleceu linhas específicas de financiamento, formalizou a criação da Comissão Nacional do Álcool e determinou uma paridade de preço entre o bioetanol e o açúcar cristal standard, estimulando a produção do combustível. Como fomento do mercado, foram previstas metas de produção que, inicialmente, eram estimadas em 3 milhões de litros de etanol para 1980 e 10,7 bilhões de litros para 1985. A produção entre 1975 e 1979 superou em 15% as metas estabelecidas, com uma produção que avançou de 580 mil m3 para 3.676 mil m3. Em 1979.

Em vista da nova elevação do preço do petróleo, o governo federal reforçou o suporte à produção do álcool com a criação do Conselho Nacional do Álcool e da Comissão Executiva nacional do Álcool, com o Decreto 83.700. Nestas condições, a produção do álcool atingiu 11,7 bilhões de litros em 1985, excedendo em 8% a meta inicialmente pretendida. 275

O conjunto de incentivos no Proálcool contribuiu para a expansão do setor, em vista, dentre outros aspectos, da definição de níveis mínimos compulsórios de álcool na gasolina mais altos, da garantia de um preço acessível ao consumidor, da garantia de remuneração competitiva para o produtor de etanol, da abertura de crédito com empréstimos em condições favoráveis para os usineiros incrementarem sua capacidade de produção, redução dos impostos e do estabelecimento da obrigatoriedade de venda do combustível nos postos de abastecimento. 276

271 CEZAR, Genilson. Busca da eficiência une governo e empresários. Valor Econômico Especial. Etanol de cana-de-açúcar. Maio, 2008, p. 40-43.

272 Ibidem, p. 40-43.273 BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES,

2008, p. 154.274 GOLDMAN, Alberto; GOLDEMBERG, José. Foreword. In GOLDEMBERG, José; NIGRO, Francisco E. B.;

COELHO, Suani T. Bioenergy in the state of São Paulo: present situation, perspectives, barriers and proposals. São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p. 17.

275 BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 155.

276 Ibidem, p. 155.

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Todavia, vale ressaltar, foi diante de iniciativas privadas de investimento em tecnologia e melhora da produtividade que tais ações do governo alcançaram o seu sucesso. O programa do governo incentivava a capacitação da produção e os engenheiros do CTC (do setor privado) forneciam pesquisas acerca da maximização da eficiência energética do combustível, tecnologias aos associados e criavam soluções de melhor aproveitamento da produção de açúcar junto com etanol. Por exemplo, na primeira metade da década de 80, o CTC fomentou o desenvolvimento das moendas, pelas quais as usinas aumentaram sua eficiência de 90% para 97% e mais do que dobraram a sua produtividade. O cenário foi estimulante para as pesquisas do centro privado que, a partir de 1979, lançava duas variedades de cana por ano, aprimorando a eficiência energética do combustível.277

Entretanto, é importante explicar, no início do programa Pró-alcool, considerações sociais e ambientais não tinham um papel relevante, pois, conforme verificou-se, foram razões estratégicas e econômicas que motivaram o estabelecimento do programa. Os danos ambientais vinculados foram contextualizados pela degradação causada na queima da cana de açúcar, causando poluição em massa, tanto para o ar quanto em razão do lixo resultante do processo despejado nos cursos das águas em voltas. As falhas em questões sociais, por sua vez, envolveram a falta de eficácia acerca das condições de trabalho existentes nas décadas iniciais do programa; envolviam, pois, existência de trabalho semelhante ao escravo e também trabalho infantil.278

Ademais, com o início da redução do preço do petróleo e a recuperação dos preços do açúcar, os anos que decorreram 1985 envolveram uma série de outras dificuldades que resultou na desmotivação da produção de etanol, encerrando-se a sua fase de expansão. A década de 90 foi um momento em que houve considerável desatenção estatal para a sua promoção, diante da mudança de perspectiva acerca do papel do Estado na economia nacional, fomentando a liberalização e o rearranjo institucional, extinguindo o instituto do Açúcar e do Álcool. Com essa atitude, a gestão dos temas relativos ao etanol passou para o Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (Cima), presidido pelo Ministério da Indústria e Comércio até 1999, quando transferiu-se para o ministério da Agricultura. Ressalta-se que esse rearranjo do papel dos agentes econômicos não foi consensual, com conturbadas divergências entre governo, empresários liberais e conservadores, de forma que a década de 90, além de não apresentar avanços no mercado do álcool, não foi também palco de grandes movimentos em conjunto para a concretização de objetivos comuns nesse âmbito. 279

Ainda a respeito da década de 90, pelo lado do consumo, também houve desmotivação do uso do etanol ao ser percebido o risco da descontinuidade na oferta do

277 Hoje o CTC cresceu, deixou de pertencer a um grupo de usinas cooperativas e passou ser financiado por usineiros de todo o Brasil, com cerca de 174 associados que respondem por cerca de 60% da produção brasileira. CEZAR, Ge-nilson. Busca da eficiência une governo e empresários. Valor Econômico Especial. Etanol de cana-de-açúcar. Maio, 2008, p. 40-43.

278 GOLDEMBERG, José; NIGRO, Francisco E. B.; COELHO, Suani T. Bioenergy in the state of São Paulo: present situation, perspectives, barriers and proposals. São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p. 15.

279 Com relação à reestruturação institucional neste âmbito, a Lei 9.478/1997 criou duas instituições importantes atu-almente: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), responsável pelo estabelecimento de diretrizes para programas específicos de uso dos biocombustíveis e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), renomeada pela Lei 11.097/2005 como Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e biocombustíveis e cujas atribuições incluem a regulação, contratação e fiscalização das atividades econômicas dos biocombustíveis, a implementação da política na-cional de biocombustíveis e proteção dos interesses do consumidor quanto ao preço, qualidade e oferta neste campo. BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 156-157.

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produto. Comercialmente, esse contexto levou à queda das vendas dos carros movidos a álcool, cuja participação nas vendas em 1990 foi de apenas 11,4%, após terem significado 85% do total de veículos novos comercializados em 1985. O etanol perdeu espaço até o ano de 2003, com o desenvolvimento da tecnologia flex. 280 Atualmente, ressalta-se que após cinco anos da inserção da tecnologia no mercado, o Brasil chegou próximo a cinco milhões de automóveis com motor flex já vendidos.281

Seguindo esse raciocínio, tanto o mercado quanto a competitividade do etanol com a gasolina foram frutos de ações estatais e privadas que convergiam para objetivos em comum. O etanol consegue responder a aspectos de eficiência energética, contudo, ainda não apresenta um grau pleno de efetividade no que diz respeito às demandas ambientais e sociais. A peculiaridade do contexto diz respeito à relação entre a atual construção dessa efetividade e atuações integradas dos setores públicos e privados, assim como a internacionalização dessa construção para o âmbito global. Nesse sentido, segue abaixo com a apresentação gradual das repercussões jurídicas desse cenário, ressaltando-se sua eficácia jurídica nacional e, em seguida, elementos da sua efetividade, esses ligados à interação dos setores públicos e privados.

3.2.2 Eficácia nacional atual acerca da sustentabilidade do etanol brasileiro

A respeito do plano da eficácia pública normativa, o Brasil adotou diferentes mecanismos de política pública para inserir o etanol e os biocombustíveis na sua matriz energética. Inicialmente, conforme vislumbrado com o Pró-álcool, o governo fomentou esse mercado com obrigações legais e com incentivos fiscais e hoje o comércio nacional do combustível é autônomo.

Atualmente, o governo promove a expansão da consolidação do mercado e incentivos em pesquisas para outros biocombustíveis, como, por exemplo, com a implementação do Programa Nacional de Promoção e Uso do Biodiesel. No âmbito do etanol, tendo em vista que o mercado por si só basta para o seu comércio, o papel estatal se limita à atenção para a regulamentação ambiental e social. E, nesse aspecto, a estratégia brasileira se volta para as parcerias e cooperação com as entidades privadas na promoção da sustentabilidade.

A legislação ambiental brasileira inclui normas de controle da produção até o uso e disposição dos materiais. Destacam-se normas para regulamentar o uso do solo, água, uso de defensivos agrícolas e fertilizantes, tratamento do impacto na fauna e flora próximo ao local das usinas e controle de emissão de gases de efeito estufa.

Inicialmente, merece destaque a Resolução CONAMA 237/1997 a ser aplicada à implantação e operação das usinas de etanol. A norma exige o cumprimento das fases do licenciamento ambiental, que é composto pela Licença Prévia e que aprova a localização e estabelece requisitos a serem atendidos nas fases seguintes, de licença de instalação, autoriza a instalação e inclui medidas de controle ambiental e a licença de operação, autoriza a produção após o cumprimento das exigências anteriores, devendo ser renovada periodicamente.

280 BNDES; CGEE. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008, p. 156.

281 OLMOS, Marli. O talento brasileiro na engenharia do flex fluel. Valor Econômico Especial. Etanol de cana-de-açúcar. Maio, 2008, p. 44-47.

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É necessária a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), regulados pela Resolução CONAMA n. 01/1986 para a obtenção das licenças. Esse instrumento é aplicado no estabelecimento das usinas e destilarias de etanol e visa analisar os impactos sociais e ambientais na implementação da atividade em determinada região. É obrigatória a realização de audiências públicas e a definição de uma compensação ambiental, como o plantio de espécies nativas ou a formação de uma reserva natural.

A fim de controlar a expansão da cana, destaca-se o zoneamento econômico ambiental, que comporta em instrumento regulamentado pelo Ministério do Meio Ambiente para que as produções não avancem em áreas ambientalmente protegidas, em especial para o Pantanal e o Amazonas, respaldando também uma avaliação de impacto ambiental.282 Em complemento, ressalta-se a iniciativa do governo em ordenar a expansão da agroindústria da cana no Brasil, em 2008, sob a coordenação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que desenvolveu o Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar, classificando as áreas de acordo com sua aptidão e disponibilidade para essa cultura. Ao indicar as áreas propícias para produção, demonstra aquelas áreas que não são, e nesse sentido, complementa e aprimora o zoneamento econômico ambiental. 283

Outras legislações são destinadas ao tratamento do uso dos recursos naturais, destacando-se o Código Florestal (Lei nº 4771/65, alterada pela Lei nº 7.803/89 e Medida Provisória nº 2.166-67). Os aspectos legais relacionados às matas ciliares estão distribuídos em diversas normas de nível estadual e federal. Existem outros âmbitos de regulamentação como a Lei de Crimes Ambientais, legislação tributária referente aos imóveis rurais e vale destacar também a legislação sobre Unidades de Conservação (Lei n. 9.985/2000).

Ademais, a produção eficiente de bioetanol de cana-de-açúcar impõe o plantio de canaviais, monocultura cujo impacto ambiental depende das características originais do terreno ocupado e da adoção de práticas atenuadoras. Nos primeiros casos, ocorre uma substituição de usos do solo, enquanto, no segundo caso, podem existir impactos negativos relevantes. Nesse contexto, a legislação brasileira determina que nas propriedades agrícolas, preserve-se uma Reserva Legal, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e à reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e à proteção de fauna e flora nativa, com no mínimo 20% da área total. Adicionalmente, deve ser mantida a vegetação original das Áreas de Preservação Permanente – áreas nos topos de morros, encostas e margens de corpos d’água. 284

Os recursos hídricos devem atender a Lei 9433/97, a Política Nacional de Recursos Hídricos, que os regulam com base na quantidade e qualidade da água captada e lançada pelo usuário. Todos os usos sujeitos à outorga são passíveis cobrança, como captação, derivação, diluição de despejo, produção de energia, navegação e outros. Os custos que afetam o setor industrial correspondem à captação de água, ao seu consumo e ao lançamento de despejo.

282 BNDE; CGEE. Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Sessão plenária III. Biocombustíveis e sustentabilidade. Documento de Referência. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. São Paulo, 18 de novembro de 2008, p. 05.

283 BNDE; CGEE. Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Sessão plenária III. Biocombustíveis e sustentabilidade. Documento de Referência. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. São Paulo, 18 de novembro de 2008, p. 05.

284 BNDE; CGEE. Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Sessão plenária III. Biocombustíveis e sustentabilidade. Documento de Referência. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. São Paulo, 18 de novembro de 2008, p. 05.

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Existe ainda a Lei nº 6.134 de 1988, do Estado de São Paulo, que determinou que os resíduos das atividades (industriais e outras) não poderiam poluir as águas subterrâneas. As condições particularmente favoráveis nos países das regiões tropicais úmidas, com regime pluvial adequado e bem distribuído, permitem que a cultura da cana-de-açúcar desenvolva-se praticamente sem irrigação. No Brasil, a irrigação na cultura da cana praticamente não é utilizada na Região Centro-Sul, sendo adotada apenas nos períodos mais críticos na região Centro-Oeste e, de modo um pouco mais frequente, na região Nordeste. No âmbito do processo industrial, um volume importante de água entra na usina com a própria cana, já que 70% do peso dos colmos é constituído de água, vislumbrando-se o seu uso racional também mediante a reciclagem e reutilização. 285

Além disso, a legislação brasileira dispõe ainda sobre o uso de agroquímicos. A regulamentação dos agrotóxicos está estabelecida pela Lei 7.802, de 11 de julho de 1989, regulamentada pelo Decreto n.º98.816 de 11 de janeiro de 1990. São os herbicidas, inseticidas, fungicidas, maturadores, espalhantes adesivos, desfolhantes, entre outros. Complementam a legislação Portarias da Secretaria de Defesa Agropecuária, IBAMA e ANVISA.

A menor utilização dos defensivos agrícolas decorre de procedimentos alternativos de combate às doenças, principalmente por meio da seleção de variedades resistentes, em programas de melhoramento genético e, sobretudo, pela adoção, com excelentes resultados, de métodos biológicos de controle das principais pragas da cana. Devido à reciclagem de nutrientes, a agroindústria da cana consome uma quantidade consideravelmente baixa de fertilizantes convencionais.286

A queimada foi regulamentada pelo Decreto do governo federal, n. 2.661 de 08/07/98, com um cronograma para sua eliminação. O Decreto determina também áreas de proibição da atividade como faixas de proteção nas proximidades de perímetros urbanos, rodovias, ferrovias, aeroportos, reservas florestais e unidades de conservação, entre outros. Para atender à legislação, a mecanização da colheita deve atingir no país, nos próximos onze anos (2018), 100% de área cultivada.

Além disso, em São Paulo foi estabelecida legislação proibindo gradualmente a queima de palha, com cronograma que considera as tecnologias disponíveis e o desemprego esperado, incluindo a proibição imediata em áreas de risco. A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, órgão do governo do estado de São Paulo encarregado de garantir a qualidade do meio ambiente, fiscaliza a execução dessa lei.

A respeito dessas considerações, ressalta-se a sustentabilidade em três principais questões: importa que resulte necessariamente na mitigação dos gases do efeito estufa, tanto na forma do processo de elaboração do etanol, como a eficiência do produto na sua utilização. Além disso, é necessário verificar como a produção não afetará a segurança alimentar e isso envolve o uso racional das terras disponíveis, o que acaba por abranger questões de conservação ambiental, pois a disponibilidade vincula-se à possibilidade do uso das terras e também influencia em observar ações no envolvimento da empresa com a sociedade para a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente. No modelo do processamento do etanol

285 BNDE; CGEE. Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Sessão plenária III. Biocombustíveis e sustentabilidade. Documento de Referência. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. São Paulo, 18 de novembro de 2008, p. 05.

286 BNDE; CGEE. Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Sessão plenária III. Biocombustíveis e sustentabilidade. Documento de Referência. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. São Paulo, 18 de novembro de 2008, p. 05.

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brasileiro, uma vez vislumbrados os elementos iniciais legais e econômicos de condições do solo e clima, pelos instrumentos de zoneamento, tem-se a plantação da cultura.

A partir daí, destaca-se como elemento de racionalização na ação sustentável, conjugar a mitigação dos gases do efeito estufa com a manutenção dos empregos se dá, em grande medida, na atenção para a coexistência da colheita manual e mecanizada. Isso porque a primeira envolve a queima e, portanto, emissão dos gases e a segunda envolve a mecanização o que acaba por causar em grande medida, a substituição de trabalhadores por máquinas.

O âmbito social engloba, nesse sentido, dois principais campos de ação: respeito aos direitos trabalhistas, abolição do trabalho infantil e manutenção de empregos e, como um segundo aspecto, refere-se a projetos que melhorem a qualidade de vida social. Por outro lado, relação ambiental e social é também uma questão de gestão orientada para a capacitação profissional, junto com o incremento tecnológico, a fim de resolver esse impasse, sem que se deixe de criar renda. Nesse sentido, essa é uma questão de gestão e racionalidade.

Destarte, no plano normativo, o tratamento para os biocombustíveis encontram-se sistematizados. Sua efetividade, contudo, depende do grau de cumprimento dessas normas, que aqui se afirmam serem em vista da atuação conjunta público-privada. A conjetura é demonstrada juridicamente, por três principais elementos: um primeiro aspecto, a forte interação jurídica e não somente política, da relação público/privada para consolidar elementos de sustentabilidade; em segundo lugar, a peculiaridade de relações jurídicas globais estarem se formando em torno do compromisso comum com a sustentabilidade; e, como terceiro ponto, ressalta-se a inserção de uma cláusula de sustentabilidade em contratos internacionais.

3.2.3 A efetividade jurídica do desenvolvimento sustentável no contexto do etanol: exemplos de descentralização da tradicional tutela ambiental estatal para a esfera privada

Tendo em consideração esforços brasileiros para a efetividade jurídica do desenvolvimento sustentável em vista da interação entre setores públicos e privados e também da iniciativa privada por si, conforma-se a relação do etanol com a segurança energética, alimentar e questões ambientais. Contextualizam-se, nesse sentido, tanto elementos de cumprimento das normas ambientais, quanto o refinamento da efetividade da norma jurídica ambiental, uma vez que emergiram alguns indícios de descentralização da responsabilidade tradicional tutelar estatal para a esfera privada.

Os exemplos abrangem três clivagens principais: a parceria público/privada, na qual existe um refinamento jurídico da efetividade do desenvolvimento sustentável; a atuação nacional do setor privado, em que se verifica um compromisso sério das empresas em alcançar tais perspectivas; e, finalmente, vislumbram-se os esforços do setor privado para a internacionalização da sustentabilidade para o quadro global, no âmbito do etanol, em que se constituem também alguns aprimoramentos jurídicos da descentralização da responsabilidade com os âmbitos ecológicos e sociais, seja na formação do negócio jurídico pelo interesse comum da sustentabilidade, seja pelo estabelecimento de uma cláusula contratual com tal exigência, em contrato internacional.

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3.2.3.1 Do exemplo de descentralização por parceria público-privada

Ainda que o Estado seja responsável constitucionalmente pela regulamentação e promoção dos âmbitos da sustentabilidade, o sucesso de tais normas é em larga medida afetado pela interação com o setor privado envolvido. Sobre esse aspecto, mereceu destaque o Protocolo entre a ÚNICA e o Estado de São Paulo. Isso porque, além de ser um avanço em termos jurídicos, de descentralização da efetividade jurídica das clivagens do desenvolvimento sustentável de sua tradicional posição nas atribuições do Estado, esse compromisso conjugou para confecção do cenário brasileiro que chamou a atenção internacional de empresas, cujo interesse permeou tanto uma perspectiva ampla, de simples interesse em fomentar pesquisas em sustentabilidade, quanto uma mais restrita, com a inserção de uma cláusula de sustentabilidade em um contrato internacional. Vale ressaltar, essa descentralização começa por caracterizar um aspecto de complementação à insuficiência da eficácia pública estatal para tratar do tema, haja vista os efeitos de globalização.

Retratando-se aqui primeiro sobre o aspecto da globalização, não custa lembrar a observação de Ulrich Beck que explica, de modo geral, que as empresas possuem um papel central na configuração da economia e da sociedade globalizada, mesmo que seja apenas pelo fato de que poderem reter as fontes materiais (capitais, impostos, trabalho).287 Nesse sentido, o Estado, com todas suas limitações institucionais, exerce responsabilidade de averiguação acerca de respeito a direitos humanos, ambientais, sociais, âmbitos cuja atuação das empresas preenche considerável influência, e define, por suas atividades, o grau de efetividade das respectivas normas.

O ponto de encontro entre as atividades empresariais e as normas ambientais acontece quando entram em cena os riscos ecológicos, pela inserção nos âmbitos de decisões, de noções de causa e efeito com largo potencial para a degradação das condições de vida humana.288 Essa descentralização ilustra a expansão da responsabilidade ambiental e social em maior número de setores, o que aumenta a interação do direito interno e externo, do âmbito público e privado. 289 Nesse sentido, perceber a interação entre direito público e privado, de uma questão tradicionalmente vinculada ao direito público, configura-se como intensificação da proteção ambiental e social no conceito jurídico de desenvolvimento sustentável.

A respeito do Protocolo de cooperação, foi celebrado em junho de 2007, entre o governo do Estado de São Paulo, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, a Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento e a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (UNICA) para a adoção de ações destinadas a consolidar o desenvolvimento sustentável, na indústria da cana-de-açúcar do Estado de São Paulo. Apresenta ganhos positivos no que se refere ao âmbito ecológico, mas deixou a desejar, do ponto de vista social.

Por esse instrumento as empresas comprometeram-se em antecipar, nos terrenos com declividade até 12%, o prazo final para a eliminação da queimada da cana-de-açúcar, do ano de 2021 para 2014, adiantando o percentual de cana não-queimada em 2010, de

287 BECK, Ulrich. O que é globalização? equívocos do globalismo: respostas à globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 14.

288 BECK, Ulrich. O que é globalização? equívocos do globalismo: respostas à globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 175.

289 LE PRESTRE, Philippe; MARTIMORT-ASSO, Benoît. A reforma na governança internacional do meio ambiente: os elementos do debate. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs). Proteção internacio-nal do meio ambiente. Brasília: UNITAR, UniCEUB e UnB, 2009, p. 399-480; p. 401.

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50% para 70%; antecipar, nos terrenos com declividade acima de 12%, o prazo final da eliminação da queimada da cana-de-açúcar, de 2031 para 2017, adiantando o percentual da cana não queimada, em 2010, de 10% para 30%. 290

Ademais, obrigaram-se também a não utilizar a prática da queima da cana-de-açúcar para fins de colheita nas áreas de expansão de canaviais; adotar ações para que não ocorra a queima, a céu aberto, do bagaço da cana ou de qualquer outro subproduto. Além disso, são deveres proteger as áreas de mata ciliar nas propriedades canavieiras e as nascentes de água, implementar plano técnico de conservação do solo, incluindo o combate à erosão e à contenção de águas pluviais, implementar plano técnico de conservação de recursos hídricos e prática de reciclagem dos lixos.291

As obrigações do Estado, de acordo com o protocolo estão em fomentar a pesquisa para o aproveitamento energético e econômico da palha da cana de açúcar, fomentar a logística para o transporte, em especial para a exortação, conceder o certificado agro-ambiental aos produtores agrícolas e industriais que aderirem ao protocolo e atenderem aos seus dispositivos e estimular a adequada transição para a colheita de cana crua, em especial para os pequenos e médios plantadores de cana, com área de até 150 hectares. O Protocolo tem vigor por 60 meses, da data da assinatura, prorrogável por Termo Aditivo com a participação de todas as partes. 292

Consiste o protocolo em mecanismo de acordo entre o Estado e a esfera privada, como um contrato, em que ambos se comprometem à execução de obrigações com vistas aos objetivos comuns. O avanço relativo à interação público-privada no status quo de desenvolvimento consubstancia-se de modo sutil, na normatização de obrigações concretas com compromissos de sustentabilidade.

Afirma-se sutil porque mesmo antes já havia considerável interação entre tais atores, mas esse instrumento diferencia-se pela busca de um fortalecimento no compromisso, pela constituição jurídica de deveres estatais e privados conjugados para o desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, o instrumento é fortalecido pela presença tanto do Estado, quanto do setor privado, maximizando a eficácia da norma e, portanto, possibilitando sua maior efetividade.

De um ponto de vista basilar no Direito, a relação jurídica formalizada é limitadora, presidida por um princípio de força, representando técnica de distribuição de liberdades.293 E por essa perspectiva, vislumbrou-se juridicamente a descentralização da responsabilidade da proteção ambiental como função estatal, quesito que lhe foi tradicionalmente legado e que se mostra insuficiente. Do ponto de vista da efetividade, vale lembrar, estabelece-se satisfatória quando a norma é cumprida espontaneamente. 294

Nesse sentido, não é somente pela lógica da formulação das obrigações que se afirma como positivo o protocolo, mas também por propiciar uma força normativa mais

290 PROTOCOLO de cooperação. Disponível em: <http://www.udop.com.br/download/legislacao/protocolo_unica.pdf>. Acesso em 24 mai. 2009.

291 PROTOCOLO de cooperação. Disponível em: <http://www.udop.com.br/download/legislacao/protocolo_unica.pdf>. Acesso em 24 mai. 2009.

292 PROTOCOLO de cooperação. Disponível em: <http://www.udop.com.br/download/legislacao/protocolo_unica.pdf>. Acesso em 24 mai. 2009.

293 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro. Direito Público, direito privado. Sob o prisma das relações jurídicas. 2ª Ed. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1996, p. 51-52.

294 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 112.

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substancializada, com a atribuição de responsabilidade com a sustentabilidade, com vistas para a maximização do seu cumprimento espontâneo. Além de serem obrigações decorrentes de lei, existem também elementos que a tornam uma obrigação análoga a de um contrato. É possível afirmar que a efetividade jurídica do desenvolvimento sustentável ganhou grau de maior exigibilidade.

Tais obrigações levam à mecanização, aspecto diretamente relacionado com a substituição de homens por máquinas e, portanto, gerando desemprego. O Protocolo, mesmo que substancialmente sustentável, carece de considerações sociais dirigidas ao âmbito de manutenção dos empregos. Todavia, essa situação foi amplamente contextualizada por iniciativas privadas de capacitação dos trabalhadores, conforme se segue.

3.2.3.2 A efetividade sócio-ambiental em vista da atuação do setor privado e dos seus esforços de internacionalização jurídica para o desenvolvimento sustentável global

Com intuito de vislumbrar se o setor privado, na sua atuação, de fato firmou compromisso com o desenvolvimento sustentável, buscou-se saber se aplicavam suas ações para as perspectivas ecológicas e sociais, além da econômica. Diagnosticou-se, como segue abaixo, atividades de três principais empresas: a Cristalsev, a Bunge e a Cosan. Ressalta-se que essas empresas apresentam indícios de internacionalização no âmbito da sustentabilidade, aspecto que será elencado no próximo item, dedicado para análise jurídica dessa projeção. Segue-se agora com as considerações engajadas no contexto nacional.

a) As ações de sustentabilidade da empresa Crystalsev

a.1) no âmbito nacional

A Crystalsev é controlada pela Santaelisa Vale, que em 2007 chegou a ser responsável por cerca de 8% do total da cana de açúcar processada no Brasil e por 6,7% da produção brasileira de etanol. 295 Diagnosticou-se uma série de ações para as clivagens da sustentabilidade, principalmente de mitigação dos gases de efeito estufa, cuidado com a biodiversidade local e interação com a sociedade, com incremento da qualidade de vida. Contudo, o aspecto social de manutenção de empregos não apresentou atenção direta da atividade.

Com relação aos aspectos ecológicos, a empresa integra a perspectiva sustentável de maximização da eficiência na produção e no produto final, com a integração de todo o processo produtivo no âmbito dos biocombustíveis. Isso tendo em vista a integração do bagaço da cana como fonte de energia na própria produção, seja de açúcar, etanol ou produtos como o plástico verde. Ademais, o bagaço se tornou também matéria prima para a fabricação de papel, celulose e aglomerados.296

295 CRYSTALSEV. Notícias. 13/11/2008 - Amyris inicia produção de diesel renovável. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/noticias_ler.php?not_id=110>. Acesso em: 20 mai. 2009.

296 CRYSTALSEV. Subprodutos. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/subprodutos.php>. Acesso em: 20 mai. 2009.

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Dentre as suas integrantes espalhadas pelo Brasil, dispõe de uma série de projetos sócio-ambientais que englobam os âmbitos sociais e ambientais da sustentabilidade, além do cumprimento das disposições legais pertinentes. Por exemplo, a Cia Açucareira Vale do Rosário detém o Certificado Crédito de Carbono, sendo a primeira usina a receber tal certificado, que é um atestado dos compradores de crédito de que segue os procedimentos definidos pelo protocolo de Kyoto. A empresa investe, com o Programa de Adequação Ambiental, no desenvolvimento de tecnologias que causem o menor impacto possível no meio ambiente, estimulando também os fornecedores adotarem práticas socialmente responsáveis. Esse projeto encontra-se também na usina Vertente, que atua em convênio com a ESALQ, de Piracicaba, na Fazenda de Bela Vista em Altair. 297

A usina Pioneiros, que faz parte da empresa, engloba o Programa de Readequação Ambiental, que consiste no plantio e cultivo de árvores que integraram a vegetação nativa em áreas marginais, permitindo o controle da erosão das mesmas e proteção da flora e fauna. Até 2005, foram plantadas 108.000 mudas de árvores nativas da região em áreas de Preservação Permanentes. Além desse projeto, integra o Projeto Semear, que consiste na administração de aulas teóricas nas escolas, práticas em seu viveiro educacional. A princípio, o projeto desenvolve-se em Sud Mennucci e no Distrito de Bandeirantes D´Oeste, para posteriormente ser estendido aos municípios onde a Pioneiros tenha alcance. Nas aulas práticas, os alunos desenvolvem atividades como: plantio de sementes, plantio de mudas, acompanhamento do crescimento dessas e outras atividades que os levem a refletir sobre a importância e o prazer da preservação. 298

Outra usina com programas nesse sentido é a Usina Paraíso, que possui um Comitê de Responsabilidade Sócio-Ambiental com práticas na educação ambiental em escolhas do município, em parceria com a Secretaria Municipal da Educação e participa da recomposição da mata ciliar do Rio Jacaré Pepira Mirim. Na área industrial, a empresa possui circuito fechado na utilização da água nos processos. 299

A respeito dos projetos sociais, existe também ações da Cia Açucareira Vale do Rosário. Apóia projetos sociais nas cidades de Morro Agudo, São Joaquim da Barra, Sales de Oliveira e Orlândia, por repasse mensal de verbas ou doação de álcool e açúcar para o desenvolvimento de suas atividades. Algumas das entidades são: Associação de Proteção a Infância Getúlio Lima e a APAE em Orlândia; a Casa do Menor Santa Lúcia, a Conferência São Vicente de Paulo, o Centro de Proteção a Infância e Maternidade e a APAE em São Joaquim da Barra; a Casa da Criança Salense e a APAE em Sales de Oliveira; e a APAE de Morro Agudo. Vislumbram-se ainda o Projeto “Arte na Terra”, desenvolvido na fazenda São Luíz, que educa crianças, adolescentes e adultos sobre o meio ambiente, com atividades de campo, vivências de plantios, colheitas, trilhas etc., e o Projeto de Visitas, apresentando o seu agronegócio e como se dá a relação com a sustentabilidade. 300

Ainda em torno de projetos sociais, a usina Pioneiros engloba: o Projeto de Esporte e Educação, em parceria com a Secretaria de Esportes da Prefeitura de Sud Mennucci, beneficiando cerca de 200 crianças e adolescentes, menores de 18 anos, que cursam o primeiro ou segundo grau e recebem orientação especializada, bem como materiais e uniformes para

297 CRYSTALSEV. Socioambiental. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/socioambiental.php>. Acesso em: 20 abr. 2009.

298 CRYSTALSEV. Socioambiental. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/socioambiental.php>. Acesso em: 20 abr. 2009.

299 Ibidem. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/socioambiental.php>. Acesso em: 20 abr. 2009.300 Idem. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/socioambiental.php>. Acesso em: 20 abr. 2009.

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participarem de competições esportivas; o Projeto Caminharte, também em Sud Mennucci, com atividades culturais como a dança e a arte cênica, visando trabalhar a autoestima dos participantes e valorizar os talentos artísticos do município. Fazem parte do projeto 207 crianças, adolescentes e jovens, com faixa etária compreendida entre 04 e 19 anos, que estejam regularmente matriculados nas escolas do município, creches e entidade Sonho Meu.

Ademais, integram as seguintes ações: Projeto “Conhecer para Entender”, em que apresenta para alunos de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental das escolas de Sud Mennucci e do Distrito de Bandeirantes D´Oeste os processos desenvolvidos em sua rotina diária; o Programa Escola da família, em que é parceira de 10 escolas da região, fornecendo açúcar para utilização nos projetos de padarias artesanais, festas típicas, geração de renda para futuros projetos e produção de doces, gelados e alimentos em geral, distribuídos aos participantes durante as atividades desenvolvidas. 301

Vale destacar, a Usina Paraíso, junto ao Grupo Uniethos e em parceria com a ÚNICA, faz parte dos indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial, mantendo um Centro de Educação Infantil para 90 crianças na faixa etária entre zero e seis anos, em convênio com a Prefeitura Municipal, onde vários projetos são desenvolvidos. Possui também o Selo de empresa Amiga da Criança, conferido pela Fundação Abrinq, devido aos projetos implantados: Projeto Criança na Escola I, em parceria com a escola Estadual Professora Dinah Lúcia Balestrero, com aproximadamente 1.100 crianças entre onze e dezesseis anos; Projeto Criança na Escola II, com o objetivo de apoiar a Casa da Criança, entidade voltada ao abrigo, alimentação, cuidados de higiene e educação em período integral, envolvendo aproximadamente 130 crianças; e Projeto Criança na Escola III, que consiste em doações financeiras à APAE de Brotas - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. 302

Oferece também apoio a iniciativas públicas e privadas que mantêm escolinhas de futebol com aproximadamente 250 crianças regularmente matriculadas nas escolas do município e faz doações financeiras aos seguintes Hospitais: Santa Terezinha de Brotas/SP, Amaral Carvalho de Jaú/SP, Ala infantil-Santa Casa de Jaú/SP e oferece cobertura de saúde a todas as 90 crianças do Centro de Educação Infantil mantido em parceria com a Prefeitura Municipal. Além disso, apóia o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil em Parceria com a Secretaria Municipal da Ação Social. 303

Há ainda programas sociais na usina Mandu. Patrocina projetos como o Programa Cidades pela Paz, que tem por objetivo aprofundar a compreensão da violência e a necessidade da cooperação entre os diversos segmentos da comunidade; o Programa Educacional Agronegócio na Escola, em parceria com a ABAG/RP e as Diretorias Regionais de Ensino da Secretaria Estadual de Educação, transmitindo aos alunos da 1a série do ensino médio conceitos fundamentais do agronegócio, apontando as inúmeras oportunidades profissionais do setor; o Projeto Olímpico Branco Zanol, em que contribui com doações mensais para oferecer melhores condições às famílias de baixa renda e contribui também com doações para a Fundação LVF de Barretos, com o suporte do Projeto Lugar de Viver Feliz, que tem como objetivo principal tirar ou evitar que crianças e adolescentes fiquem pelas ruas, através da prática de esportes e aproveitamento escolar. Outra usina, a Usina Vertente também possui projetos sociais, dentre os quais se destaca a doação de todo o mobiliário e

301 CRYSTALSEV. Socioambiental. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/socioambiental.php>. Acesso em: 20 abr. 2009.

302 Ibidem. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/socioambiental.php>. Acesso em: 20 abr. 2009.303 CRYSTALSEV. Socioambiental. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/socioambiental.php>.

Acesso em: 20 abr. 2009.

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eletrodomésticos necessários, para a Creche Municipal Professora Maria Auxiliadora Foresto. Além disso, mensalmente a empresa doa 200 litros de álcool à APAE e 600 litros de álcool à delegacia de Guaraci e 300 litros para a delegacia de Altair. 304

Como pode se perceber existe vasta atuação na relação da empresa com a sociedade para aumento da qualidade de vida, conscientização ambiental, além de outros projetos ecológicos de cuidado com os recursos da água, biodiversidade e minimização do impacto ambiental da atividade, entretanto, não se vislumbrou projetos específicos para manutenção dos empregos, o que é um aspecto de merecedora superação, em termos de efetivar-se plenamente a sustentabilidade. A empresa possui também alguma medida de repercussão transnacional, conforme se segue.

a.2) As relações transnacionais da empresa Crystalsev

O âmbito jurídico privado transnacional repercute principalmente na internacionalização das tecnologias e ações em parcerias e cooperação, seja pela transferência ou pela autorização do seu uso, via contrato, e pelo investimento em novas tecnologias e combustíveis renováveis e o interesse privado é voltado especialmente para as empresas atuantes.

Em abril de 2008, com fulcro na maximização da sustentabilidade pela versatilidade da cana-de-açúcar, a empresa de biotecnologia americana, Amyris, fechou contrato com a empresa brasileira Crystalsev. O objeto do contrato consiste em produzir diesel e outros combustíveis a partir da cana-de-açúcar, tendo em vista conhecimento tecnológico da norte-americana e capacidade da empresa brasileira em comportar a produção almejada.

A empresa Amyris é detentora da tecnologia capaz de produzir um novo tipo de diesel a base de cana de açúcar, que é formado com a inserção de uma bactéria durante o processo de fermentação da gramínea, que permite a modificação do açúcar em mais de 50.000 diferentes moléculas, usadas em uma variedade de aplicações energéticas, farmacêuticas e químicas, registrando-se que a intenção inicial da empresa na pesquisa era desenvolver a bactéria para o combate a malária. 305

O diesel oriundo desse processo é compatível com os motores atuais e pode ser misturado a diesel do petróleo, em até 80%, sendo registrado na Agência de Proteção Ambiental como combustível renovável, cuja eficiência energética foi aprovada pela American Society for Testing and Materials (ASTM) nas especificações para o diesel derivado do petróleo. Relaciona-se com a sustentabilidade ao aumentar a diversificação de combustíveis mais eficazes para a mitigação dos gases do efeito estufa e de resultar de uma fonte renovável. Diferente do biodiesel e do etanol, esse é composto por hidrocarbonos – mesmo componente dos combustíveis oriundos do petróleo – com a diferença de que resulta em emissão de gases do efeito estufa (em especial o CO2) menor que a dos combustíveis fósseis.306

O primeiro produto está previsto para ser lançado em 2010, sendo possível a sua utilização nos motores atualmente em uso. A Santelisa Vale, acionista majoritária, ficou encarregada de disponibilizar dois milhões de toneladas de cana-de-açúcar para o projeto. 304 CRYSTALSEV. Socioambiental. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/socioambiental.php>.

Acesso em: 20 abr. 2009.305 AMYRIL. Amyris renewable diesel receives EPA registration. Monday, 20 April 2009. Disponível em: <http://www.

amyris.com/index.php?option=com_content&task=view&id=130&Itemid=307>. Acesso em: 20 mai. 2009. 306 AMYRIL. Amyris renewable diesel receives EPA registration. Monday, 20 April 2009. Disponível em: <http://www.

amyris.com/index.php?option=com_content&task=view&id=130&Itemid=307>. Acesso em: 20 mai. 2009.

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Por esse contrato foi disposto à empresa brasileira, a implementação da nova tecnologia na sua principal planta, a Santa Elisa, no interior de São Paulo. Fornecerá a sua experiência técnica e industrial para acelerar o desenvolvimento e produzir o combustível em escala comercial. Além do diesel, encontra-se em pesquisa a possibilidade de produção de combustível de aviação e gasolina.307

A produção em escala comercial está prevista para 2010 e partir de 2011, o volume fabricado é previsto para a ordem de 4 milhões de litros. A relação entre as empresas pela joint venture especifica direitos exclusivos de comercialização do combustível e a nova empresa, denominada Amyris Crystalsev Biocombustíveis tem 70% do seu capital controlado pela companhia americana e 30% pela brasileira. É a primeira grande união entre uma empresa de alta tecnologia dos Estados unidos e um produtor de álcool e açúcar brasileiro. Enquanto a americana fornece a tecnologia, a empresa brasileira fornecerá a cana-de-açúcar e vai operar a fábrica para a produção do combustível.308

A usina piloto foi concluída em setembro de 2008 e transferida a tecnologia e o suporte contínuo na manutenção. A usina visa a adaptação dos equipamentos em processo de pequena escala para a escala comercial, consubstanciando pesquisas em engenharia para projetar usinas em grande escala e produzir amostras de produto para teste de desempenho no Brasil. Essa conclusão é um passo importante para atingir a meta de desenvolver e comercializar o combustível que espera lançar em 2010.309

Vale ressaltar, a diversificação dos negócios da Crystalsev teve início em 2007, quando assinou um Memorando de Entendimento com outra empresa americana, a Companhia americana Química (Dow), e um posterior contrato joint venture para criar o primeiro pólo alcoolquímico integrado do mundo com escala industrial e cuja produção inicial visa 350 mil toneladas por ano de polietileno (matéria prima do plástico) produzido com etanol obtido a partir da cana de açúcar. A grande inovação desse projeto é a integração das duas empresas em todo o processo, do plantio da cana até a fabricação e a comercialização do chamado plástico verde.310

O produto é chamado de plástico verde, por ser oriundo de fonte renovável, substituindo matérias-primas de fontes fósseis, como o gás natural e a nafta. 311 Por um lado, é um elemento positivo por se tratar da substituição da fonte do produto por uma fonte renovável. Por outro lado, entretanto, não é solução integral ao problema, haja vista o produto final, o plástico, não ser biodegradável.

Todavia, é possível ilustrar como a internacionalização de aspectos de sustentabilidade, ainda que de uma maneira geral e fomentada por instrumentos de direito privado, o contrato de joint venture. Vale destacar que esse modelo contratual encontra-se diretamente relacionado com um contexto globalizado, enquanto instrumento jurídico fundamentador de uma política de internacionalização das empresas. Esse mecanismo é

307 CRYSTALSEV. Notícias. 13/11/2008 - Amyris inicia produção de diesel renovável. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/noticias_ler.php?not_id=110>. Acesso em: 20 mai. 2009.

308 CAPOZOLI, Rosangela. Crystalsev: aposta em associações para ampliar aplicações do álcool. Valor Econômico especial Biocombustíveis, Nov. 2008, p. 56-57.

309 CRYSTALSEV. Notícias. 13/11/2008 - Amyris inicia produção de diesel renovável. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/noticias_ler.php?not_id=110>. Acesso em: 20 mai. 2009.

310 CRYSTALSEV. Projetos. Disponível em: <http://www.crystalsev.com.br/internas/projetos.php> Acesso em: 20 mai. 2009.

311 ROCKMANN, Roberto. Dow e Solvay: mais que recursos das indústrias na química sustentável. Valor Econômico especial Biocombustíveis, Nov. 2008, p. 82.83.

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parte de uma estratégia expansionista, haja vista suas sua peculiaridades de englobar, em geral, maior controle do risco e reduzido investimento.312

Nesse sentido, as relações acima destacadas em torno de joint ventures são exemplos de transnacionalização do incremento no âmbito do desenvolvimento sustentável pela perspectiva da inovação tecnológica como meio e em vista do interesse da americana em se relacionar com uma empresa que tenha uma governança voltada para a sustentabilidade.

Em outras palavras, destacam-se joint ventures intermediando transferência de conhecimento e tecnologia para diversificar os biocombustíveis que podem ser produzidos a partir da cana. Detecta-se, com isso, um caráter geral de inserção da responsabilidade com o desenvolvimento sustentável na esfera privada. Na sequência, segue-se com exemplo das ações de sustentabilidade da empresa Bunge.

b) As ações de sustentabilidade da empresa Bunge

b.1) no âmbito nacional

A Bunge tem a peculiaridade de demonstrar a capacidade brasileira em conjugar segurança energética, questões ambientais e sociais, mesmo de manutenção de empregos. Destaca-se em qualidade para conjugar segurança alimentar e produção de etanol. Atualmente, a Bunge tem unidades industriais, silos e armazéns nas Américas do Norte e do Sul, Europa, Ásia, Austrália e Índia, além de escritórios da BGA (Bunge Global Agribusiness) atuando em vários países europeus, americanos, asiáticos e do Oriente Médio.

A empresa, em 2005, completou 100 anos de atividade no Brasil. Destaca-se que a inserção da produção de etanol é recente entre suas atividades e que buscou a expansão estratégica de seu negócio. No país, controla a Bunge Alimentos, com administração central em Santa Catarina313, a Bunge Fertilizantes, com sede em São Paulo314, a Fertimport também mantém a Fundação Bunge. Apresenta uma diversidade de ramos no agronegócio, na produção de grãos, processamento de soja e trigo, produção de fertilizantes, ingredientes para nutrição animal e em serviços portuários. Com mais de 300 unidades e mais de 9 mil funcionários, entre indústrias, centros de distribuição, silos e instalações portuárias.315

A fim de tornar públicas suas atividades, a empresa publica Relatório de Sustentabilidade anualmente. A respeito de investimento, o documento destaca que a empresa, no início de 2008, firmou acordo com a Embrapa para investir, no período de 3 anos, R$ 2,3 milhões na difusão do Programa de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, para a agricultura sustentável. Com isso, estimula a produção híbrida, que inclui uma fase de plantio agrícola e outra com rotação de pastagens. Entre os benefícios da tecnologia está o aumento de matéria orgânica no solo, além de ganhos econômicos, ambientais e sociais,

312 FERRAZ, Daniel Amin. Joint venture e contratos internacionais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p. 29.

313 BUNGE. Empresa Unidades. Disponível em: <http://www.bungealimentos.com.br/empresa/unidades.asp?categoria=Administra%E7%E3o+Central&estado=%25>. Acesso em: 01 jun. 2009.

314 BUNGE. Fertilizantes. Quem somos. Disponível em: <http://www.bungefertilizantes.com.br/quemsomos/uni-dades.asp> Acesso em 01. Jun. 2009.

315 CAPOZOLI, Rosangela. Bunge: com aquisições, gigante americana entra no país. Valor Econômico especial Bio-combustíveis, Nov. 2008, p. 58-59.

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com a reutilização de áreas degradadas, evitando o desflorestamento. A produção do etanol, como parte de suas atividades, integra no âmbito dessas produções. 316

Para esse segmento e ainda para as suas outras atividades, foi também objeto do seu relatório o esclarecimento da relação das suas atividades com a questão do desmatamento, sobretudo na Amazônia. E, como ação nesse sentido, formulou, em parceria com o governo, Cartilha Responsabilidade Ambiental na Produção Agrícola, que orienta os agricultores sobre o Código Florestal e a melhor forma de se produzir, com o mínimo impacto ambiental. A tiragem inicial, distribuída para produtores do Cerrado, tem 20 mil exemplares. 317

Ademais, a empresa disponibiliza anualmente cerca de 23 milhões em projetos ambientais, programas de conservação dos biomas brasileiros. Destaca-se sua atenção para utilização da água, tanto em considerações acerca da educação ambiental na sociedade, quanto para a inserção do uso racional nas suas produções. Neste sentido, em 2007, 70,5% da água em suas produções foi reutilizada. Com respeito à preocupação das mudanças climáticas, vale destacar que, além da inserção da produção do etanol, implementa a substituição da sua matriz energética por fontes renováveis. Até o ano de 2007, 76% da sua energia utilizada na produção do combustível, foi oriunda de biomassa. 318

Tal substituição diz respeito a Projeto de Desenvolvimento Limpo, para utilização tanto da biomassa oriunda do bagaço da cana, como também da casca de arroz. Além da economia de cerca de R$ 6 milhões por ano em combustível, o uso da biomassa possibilitou à Bunge reduzir sua emissão de CO2 em 24.221 toneladas, entre setembro de 2003 e outubro de 2006. Esse projeto foi aprovado pelo Conselho Executivo do MDL, em outubro de 2007 e deve gerar, em 2009, mais créditos de carbono para a Bunge.319

Além disso, a empresa apresenta investimentos em educação ambiental e projetos sociais. Em 2007, firmou 298 parcerias com Secretarias de Educação e com o Serviço Social da indústria, beneficiando 9,2 mil estudantes da rede pública de ensino. 320 Contribuiu ainda para a melhoria da infraestrutura de hospitais, programas de aconselhamento e prevenção de doenças e integração da sustentabilidade nas cadeias produtivas de suas atividades. 321

Interessante aliança da empresa, em 2007, foi a iniciativa Planeta Sustentável, com a Editora Abril, Banco Real e CPFL Energia para discutir, informar e produzir conhecimento sobre sustentabilidade. Além da publicação de reportagens científicas sobre o tema, a parceria promoveu a distribuição de 2,5 milhões de cartilhas com dicas de consumo sustentável, o Manual de Etiqueta para um Planeta Sustentável. 322

316 BUNGE. Relatório de Sustentabilidade 2008. Disponível em: <http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sustentabilidade_2008.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2009.

317 BUNGE. Relatório de Sustentabilidade 2008. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sustentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

318 Idem. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sus-tentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

319 Ibidem. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sus-tentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

320 Idibem. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sus-tentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

321 BUNGE. Relatório de Sustentabilidade 2008. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sustentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

322 Idem. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sus-tentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

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Ademais, adotou diversas iniciativas em 2007, que mostram a importância do engajamento dos públicos estratégicos, como o Workshop de Sustentabilidade Bunge e o Fórum de Responsabilidade Social, que reuniu produtores rurais, entidades civis, poder público e clientes para debater os desafios do desenvolvimento sustentável. O IV Destaque Bunge Agricultor Brasileiro, a II Copa Bunge de Panificação e a manutenção do Prêmio Fundação Bunge, em sua 52ª edição, valorizou a produção do conhecimento nos temas de agroenergia e antropologia/arqueologia.323 Enfatiza-se, a empresa também vários traços de sustentabilidade sendo internacionalizados, conforme se segue.

b.2) As relações transnacionais da empresa Bunge

A expansão transterritorial no âmbito dos biocombustíveis é aqui ilustrada também por duas joint ventures entre a Bunge e a Itochu, uma das principais tradings do Japão. A Bunge, entretanto, apresenta uma peculiaridade interessante dentre os projetos sociais transnacionais que possui: firmou acordo internacional para erradicação do trabalho escravo.

Relacionando-se primeiro a respeito desse acordo, explica-se que, ao todo, cerca de 150 empresas nacionais e estrangeiras assinaram o acordo, firmado com o Instituto Ethos e a ONG Repórter Brasil, sob o endosso do Ministério do Trabalho. Ao assinar o pacto, a Bunge se comprometeu a agir pela erradicação dessa forma de exploração em suas cadeias produtivas, adotando medidas como a suspensão acordos comerciais com fornecedores que utilizaram trabalho considerado análogo ao escravo. 324

A respeito dos contratos de joint ventures, destaca-se que foram feitos em vista do interesse internacional em negócios cujas empresas são compromissadas com a sustentabilidade. A primeira joint venture visa a produção do açúcar e do etanol no Brasil, na usina Santa Juliana, aquisição de 2007 da empresa brasileira, que processa 1,6 milhão de tonelada de cana e deverá expandir sua produção para 4,2 milhões de toneladas. 325

A aquisição é parte da estratégia da Bunge para tornar-se um player global e integrado no mercado de açúcar e de etanol – derivados de cana-de-açúcar. São produtos considerados extensões naturais do core business da Bunge, o agronegócio. 326 Na primeira joint venture a empresa japonesa adquire 80% da participação e a brasileira 20%, e com a segunda, a empresa brasileira entra na participação com 80% e a japonesa 20%, também para a produção de álcool e açúcar. 327

Ademais, desde 2003, a empresa alterou sua forma de gestão para uma dotada de maior transparência e a divulgação de dados precisos, de como as suas atividades são desenvolvidas, por meio do Relatório de Sustentabilidade, documento mencionado acima para descrever suas atividades no âmbito nacional. Decisões locais com orientação global,

323 Ibidem. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sus-tentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

324 BUNGE. Relatório de Sustentabilidade 2008. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sustentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

325 CAPOZOLI, Rosangela. Com aquisições, gigante americana entra no país. Valor Econômico especial Biocom-bustíveis, nov. 2008, p. 58-59.

326 Idem. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sus-tentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

327 CAPOZOLI, Rosangela. Com aquisições, gigante americana entra no país. Valor Econômico especial Biocom-bustíveis, nov. 2008, p. 58-59.

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as empresas Bunge estão unidas por políticas globais e pelo apoio a compromissos externos que visam o desenvolvimento sustentável.328

Nesse sentido, o relatório apresenta as sessões de Política Mundial Ambiental, Política Mundial de Sustentabilidade e Política de Sustentabilidade do Brasil. O documento divulga a visão adotada pela empresa, com princípios de gerenciamento ambiental, como indicadores de desempenho, avaliações de risco e treinamentos. Busca atuar com responsabilidade social e com o uso responsável dos recursos naturais a partir de programas para medir e avaliar o desempenho ambiental associado aos processos de suas instalações, seus produtos e serviços.329

O Relatório ressalta ainda a transparência com seus públicos e a busca por parcerias como o caminho mais seguro para que suas atividades produtivas atinjam o seu objetivo de gerar valor para a sociedade. Além disso, a sua estratégia afirma-se global e não somente nacional também para englobar colaborações com os objetivos do milênio da ONU, de combate a pobreza, conservação ambiental etc. 330

A Bunge promoveu, em dezembro de 2007, a realização do Painel de Stakeholders. O encontro reuniu clientes, colaboradores, representantes de entidades ambientais e de consumo consciente, bem como instituições financeiras, em debate sobre a atuação da Bunge, com foco na materialidade e no equilíbrio dos assuntos reportados em seu relatório. A intenção foi ouvir a opinião desses públicos estratégicos para promover melhorias na gestão dos seus agronegócios, conforme recomenda a terceira geração do GRI (Global Reporting Initiative), metodologia aplicada no relatório. 331

De um modo geral, percebe-se a integração de aspectos de sustentabilidade nos negócios empresariais, seja pelas emergências globais, seja pelo aumento da possibilidade de lucro ou por uma conscientização ambiental e exigência do mercado. Vale dizer, a sustentabilidade não comporta apenas uma questão de valor e manutenção da qualidade de vida presente e futura, passa a integrar o âmbito de gestão dos negócios. Integrando-se como elemento de negócios no setor privado, é possível afirmar que a efetividade sócio-ambiental caminha para uma abordagem ainda mais aprimorada juridicamente, como se segue com o exemplo da COSAN, nos âmbitos nacionais e transnacionais.

c) As ações de sustentabilidade da COSAN

c.1) no âmbito nacional

A empresa está entre as líderes do Brasil no setor de álcool e açúcar, com 18 unidades produtoras e dois terminais portuários, em Santos, o grupo COSAN, apresenta capacidade para moer aproximadamente 44 milhões de toneladas de cana. A companhia detem a participação de 10,48% no mercado brasileiro. Suas unidades estão todas localizadas

328 BUNGE. Relatório de Sustentabilidade 2008. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sustentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

329 BUNGE. Relatório de Sustentabilidade 2008. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sustentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

330 Idibem. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sus-tentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

331 BUNGE. Relatório de Sustentabilidade 2008. Disponível em: [http://www.bunge.com.br/sustentabilidade/2008/port/download/Bunge_Relatorio_Sustentabilidade_2008.pdf]. Acesso em: 20 mai. 2009.

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no Estado de São Paulo, que apresenta condições ímpares de clima, solo e topografia, o que favorece a COSAN na obtenção de um dos menores custos de produção. Além disso, a sua infraestrutura e logística adequadas facilitam o escoamento da produção para os mercados externo e interno.332

Destaca-se sua alta eficiência energética, em especial, em vista de constantes melhorias no seu sistema de produção. Um deles é a Tecnologia de Geoprocessamento, que usa desde 2003, com a utilização de imagens de satélite para o monitoramento da lavoura e o Sistema de Informação Georeferenciadas, que facilitou a exploração do banco de dados por meio de mapas temáticos.333

Também responde às questões de meio ambiente, inseridas no processo e no produto final. No momento da produção, a utilização de energia já é feita pelo uso do bagaço da cana e a empresa pretende colaborar com o lançamento desse mercado, por meio de leilões. No primeiro leilão, vendeu 9.504.600 MWh de energia de reserva, por meio das unidades Barra, Bonfim e Jataí, que será entregue durante 15 anos, a partir de 2010. 334

Outro negócio firmado foi com a empresa Rede, também para um negócio de 15 anos de fornecimento de energia, na comercialização de 3.000 gigawatts. Essa pretensão da disposição desse mercado visa consolidar a colaboração do setor sucroalcooleiro como fonte alternativa de energia para o Brasil. Além disso, prevê a inauguração da Unidade Termo Elétrica (UTE) da unidade Gasa, localizada no município de Andradina (SP), com a utilização também do bagaço e da palha da cana-de-açúcar, aumentando a capacidade anual de moagem da unidade de 1,2 milhões de toneladas para 3,8 milhões de toneladas. A potência instalada aumentará de 4 MW para 78 MW. Esse valor representará em produção de energia o equivalente a 256.200 MWh de energia limpa e renovável, o equivalente para iluminar uma cidade com 140 mil residências ou aproximadamente 500 mil habitantes.335

Possui ainda projetos ambientais para a recuperação das matas ciliares, garantindo a manutenção da qualidade e quantidade de água nas nascentes e nos rios e, com essa manutenção da flora, contribui para o fornecimento de abrigo e alimento para a fauna. Um exemplo é a unidade Diamante, onde foram reflorestados aproximadamente 17 hectares, através de áreas da Fazenda São Fernando (visando a recuperação da Nascente do Córrego Bico de Pedra); Fazenda Floresta (com o objetivo de revitalizar as margens do rio Tietê); Fazenda São José I, Distrito de Pontuduva (recuperação da nascente), Fazenda São José II, Distrito de Pontuduva (revitalização das margens do córrego cachoeirinha) e Fazenda Santa Teresa, Distrito de Pontuduva (revitalização das margens do rio Tietê). 336

Desde 1990, pelas unidades Da Barra, o plantio de árvores na região de Jaú é intenso, totalizando cerca de 240 mil plantios de 80 espécies de árvores nativas diferentes até hoje. Entre as fazendas de reflorestamento estão: Bosque, Pujo I, Ponte Alta, Quebra Pote, Itaúna, São Domingos, São Rafael, Santa Theodora, Barreiro, Santa Rita, Bocaína, Quilombo, Limoeiro, El Dorado, Lagoa Mansa, entre outros. Além disso, outra unidade, a unidade Junqueira, em parceria com Prefeitura municipal de Rifaina, possui projeto de

332 COSAN. Identidade organizacional. Disponível em: <http://www.cosan.com.br/grupo_linha.aspx>. Acesso em: 05 jun. 2009.

333 COSAN. Agrícola. Controle de qualidade. Tecnologia de geoprocessamento. Disponível em: <http://www.cosan.com.br/agricola_geo.aspx>. Acesso em 20 mai. 2009.

334 COSAN. Produção de energia elétrica é a bola da vez da COSAN. Jornal COSAN. Ed. 43 ago/set. 2008, p. 02.335 Ibidem, p. 02.336 COSAN. Reflorestamento é prática diária da companhia. Jornal COSAN. Ed. 43 ago/set. 2008, p.05.

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reposição da vegetação nativa existente no local em uma área que abrange 3 hectares, para formar um corredor interligando as margens do reservatório aos tributários e remanescentes, oferecendo condições necessárias para a fauna circular na região.337

Apresenta outros projetos de educação ambiental e informatização como a divulgação da coleta seletiva ou reciclagem entre os colaboradores, a fim de fomentar a cultura da responsabilidade pessoal para com o meio ambiente. Consiste em um projeto com a parceria dos setores da empresa, ambiental e de desenvolvimento humano e da Fundação COSAN.338

Além disso – e esse é o cenário nacional em que mais destacam-se as iniciativas para a efetividade do âmbito social de manutenção de empregos – verifica-se uma série de programas de manutenção dos empregos dos trabalhadores, como o Programa SóCanaPura que integra essa manutenção profissional com a melhoria da eficiência energética do etanol. O programa visa melhorar a qualidade da matéria-prima desde o preparo do solo até a colheita, para reduzir as matérias estranhas minerais e vegetais, além da redução da lavagem da cana, que ajuda na economia do consumo da água. Visa a melhoria das técnicas e operações, promovendo a profissionalização dos trabalhadores envolvidos e incrementa remuneração, vez que o teor da matéria estranha mineral participa da pontuação do Programa de Participação dos Resultados). 339

Ademais, em 2007, a COSAN criou o Programa Brotar com o objetivo de capacitar os colaboradores do Grupo, aprimorando a execução das operações agrícolas. A parceria com a RH - Desenvolvimento de Pessoas e Agrícola possibilitou não somente a formação técnica de nossos profissionais, como a capacitação dos líderes em gestão de equipes. A monitoria realizada no Programa verifica os resultados dos trabalhos, com objetivo de garantir a qualidade, respeitando a segurança das pessoas e preservando o meio ambiente.340

Os programas de capacitação na empresa estão sendo ampliados. Na safra de 2007/2008 eram cinco programas, entre eles o Programa de Capacitação Industrial, Programa Brotar, Programa de Desenvolvimento de Gestão Acelerada e o Programa de Desenvolvimento Acelerado. Para a safra 2008/2009, os programas já somam mais de 13, entre eles: Programa de Formação de Operadores de Colhedoras; Formação de Mantenedores de Colhedoras; Ensino à Distância; Desenvolvimento de Liderança; Dream Team (Projeto de Desenvolvimento do time logístico); Manutenção Preditiva; Planejamento e Controle de Manutenção e Gestão de Melhoria Contínua. Os programas atendem à área administrativa, industrial e agrícola, com públicos que variam desde trabalhadores rurais até vice-presidentes e cujos cursos abrangem desde capacitação para liderança, interação de equipes até primeiros socorros.341

Vale ressaltar, cerca de 450 colaboradores da área industrial das quatro regionais da COSAN concluíram o Programa de Capacitação Industrial. Entre participantes de gerência industrial a supervisores, essa primeira turma formou-se em

337 COSAN. Reflorestamento é prática diária da companhia. Jornal COSAN. Ed. 43 ago/set. 2008, p.05. 338 COSAN. Coleta Seletiva: é você zelando pelo meio ambiente. Jornal COSAN Edição 44. Out/Nov/Dez 2008.p.07.339 COSAN. Agrícola. Controle de Qualidade. Programa SóCanaPura. Disponível em: <http://www.cosan.com.br/

agricola_scp.aspx>. Acesso em 20 mai. 2009.340 COSAN. Agrícola. Controle de Qualidade. Programa Brotar. Disponível em: <http://www.cosan.com.br/agricola_

brotar.aspx>. Acesso em 20 mai. 2009.341 COSAN. Colaboradores da Indústria Concluem PCI. Jornal COSAN Edição 44. Out/Nov/Dez 2008,p. 08-09.

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novembro de 2008. O programa oferece cursos de mecânica e caldeiraria e foi desenhado pela área industrial da companhia em parceria com a equipe de Desenvolvimento de Pessoas. As aulas eram realizadas na própria unidade por instrutores do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), para a transmissão de informações técnicas e trocas de experiências. Ressalta-se ainda que o programa não para, foram abertas novas turmas em setembro e em outubro de 2008.342

Em parceria com a Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CPNq), promoveu o Curso de Capacitação e Qualificação de Recursos Humanos em Novas Tecnologias, que durou do início do ano de 2008 até março de 2009, para a integração entre a qualificação dos seus profissionais e o desenvolvimento de pesquisas, sendo 30 pessoas ligadas diretamente à sede de Piracicaba e 30 pelo Programa de Ensino à Distância.343 A COSAN apresenta também programas de inclusão do jovem no mercado de trabalho, seja pelo seu Programa de Estágio remunerado, oferecido nas áreas universitárias administrativas, agrícola e industrial sob a supervisão de profissionais das áreas respectivas344, ou pelo Programa Menor Aprendiz, para a conscientização do campo de trabalho ao adolescente e gerar oportunidades de primeiro emprego.345

Dessas relações vistas até aqui, a internacionalização de elementos de sustentabilidade configuram-se em vista do interesse geral de aprimoramentos tecnológicos ou esforços na difusão dos biocombustíveis, com consequências para a efetividade do desenvolvimento sustentável. Vislumbra-se a seguir, finalmente, exemplo com aspectos mais refinados em termos de repercussão jurídica nos esforços de internacionalização em torno do etanol, cujas ações repercutem no âmbito privado do direito, uma vez que englobam contrato internacional com inserção de uma cláusula contratual internacional de sustentabilidade.

c.2) As relações transnacionais da empresa COSAN

A COSAN possui importante presença no mercado estrangeiro, com contratos estabelecidos com a Vertical, empresa com filiais em São Paulo, Rio de Janeiro, Houston, nos Estados Unidos, Londres, Moscou, Genebra, Beijim, Mumbai e em Singapura.346 Também com a Kolmar, com filial nos Estados Unidos e sede na suíça.347

Entretanto, o exemplo mais substancial da descentralização da responsabilidade de efetivar os aspectos sócio-ambientais da tutela estatal consiste no contrato firmado entre a empresa sueca Sekab, a COSAN e outras empresas brasileiras, que são Alcoeste, a Guarani e NovAmérica.

342 Ibidem, p. 08-09.343 COSAN. Profissionais da Indústria participam de novo programa de desenvolvimento. Jornal COSAN. Ed. 43 ago/

set. 2008, p. 08.344 TAKABAIACHI, Maristela. Do estágio à profissionalização. Uma oportunidade que pode ser única à pessoa. Jornal

COSAN. Ed. 43 ago/set. 2008, p. 03.345 COSAN. Programa da Fundação COSAN prepara jovens para o Mercado de Trabalho. Jornal COSAN. Ed. 42 jun/

jul. 2008, p.08-09.346 VERTICAL. The ethanol and biofuels company. Disponível em: <http://www.verticaluk.com/ethanol/biofuels/

world.html>. Acesso em 24 mai. 2009.347 COSAN. Mercado. Clientes. Disponível em: <http://www.cosan.com.br/mercado_cli_alcool.aspx>. Disponível

em: 20 mai. 2009.

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Consiste em contrato de venda de etanol com a inserção expressa de critérios de sustentabilidade. Firmado no meio do ano de 2008, foi intermediado pela SCA Trading, prevendo a exportação de um volume total de 115 mil m3 de etanol durante um período de nove meses. 348 O que é inovador nesse acordo é que as empresas produtoras junto com a Sekab estabeleceram um processo de comprovação por meio de uma empresa internacional e independente que deverá realizar uma auditoria em todas as unidades produtoras duas vezes por ano, a fim de verificar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade estabelecidos.349 Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável é materializado como requisito a ser cumprido no negócio jurídico firmado e não apenas como princípio norteador.

As exigências contratuais expressas são: a redução da emissão de dióxido de carbono; patamares mínimos de mecanização da colheita; tolerância zero ao trabalho infantil e não regulamentado; respeito aos pisos salariais do setor; adesão e cumprimento das metas estabelecidas pelo Protocolo Agro-Ambiental. Dessa forma, as empresas evidenciam o cumprimento às leis trabalhistas e o respeito às normas ambientais. 350

Nesse sentido, enquanto nos outros esforços de internacionalização da sustentabilidade tiveram tais características atreladas à emergência da necessidade de novos aperfeiçoamentos nos biocombustíveis e vislumbra-se apenas uma perspectiva geral da interação entre direito privado e desenvolvimento sustentável, no exemplo em que a COSAN faz parte, os efeitos jurídicos são concretos: expandiu-se a responsabilidade para com os âmbitos da sustentabilidade na esfera jurídica privada internacional.

Especificamente com relação aos contratos, vislumbrou-se que se constituem mecanismos de convergência da proteção ambiental e o interesse privado. Possuem característica de instrumentalização entre as partes, com forte segurança jurídica. Visam planejar racionalmente transações, com as previsões suficientes do que pode ocorrer no futuro e as possíveis soluções; e, ainda, a existência de sanções legais que induzam o cumprimento dos contratos ou punam o seu não cumprimento351. Em um mercado cuja exigência pelo sustentável estabelece-se cada vez mais, há a ampliação do interesse privado para a realização deste, o que sugere relacionar a proteção ambiental como ponto positivo de competitividade, com caráter decisivo.352

Assim, conclui-se que, no âmbito do etanol, a internacionalização do modelo brasileiro encontra-se contextualizada pela atuação pública e também privada. No âmbito contratual, essa efetivação permeia o estabelecimento de relações transnacionais voltadas para a busca de sustentabilidade, como ocorreu com as empresas Crystalsev e Bunge, e a sua exigência objetiva e realizada no âmbito privado, e não público, que é o contrato internacional encontrado no âmbito das relações da COSAN.

Instrumentos de direito privado podem ser capazes de acompanhar mudanças envolvendo o desenvolvimento, adequando e adaptando-se à realidade, em segmentos

348 Alcoeste; COSAN; Guarani; NovAmérica; Sekab. Usinas celebram primeiro contrato de venda de etanol com critéri-os de sustentabilidade no mundo. Disponível em: <http://www.acucarguarani.com.br/pdfUpload/79.pdf>. Acesso em 05. Jun. 2009.

349 Ibidem. Disponível em: <http://www.acucarguarani.com.br/pdfUpload/79.pdf>. Acesso em 05. Jun. 2009.350 Alcoeste; COSAN; Guarani; NovAmérica; Sekab. Usinas celebram primeiro contrato de venda de etanol com critéri-

os de sustentabilidade no mundo. Disponível em: <http://www.acucarguarani.com.br/pdfUpload/79.pdf>. Acesso em 05. Jun. 2009.

351 FARIA José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 205.352 BELLIVIER, Florence; NOIVILLE, Christine. Traité dês contrats: contrats e viveant. Le droit de La circulation dês

ressources biologiques. France: Paris, Librairie Génerale de Droit ET de Jurisprudence, E.J.A, p. 216.

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que a esfera pública não consegue comportar, utilizando novas técnicas para solucionar as controvérsias jurídicas, transferência de tecnologia, que servem como respostas a problemas ambientais e sociais etc. 353 O caso do etanol confirmou especificamente no âmbito dos contratos internacionais. Por esse aprimoramento jurídico técnico, ressalta-se, a efetividade da norma ambiental não somente foi descentralizada do poder público com relação à responsabilidade pela sua concretização, mas também no que diz respeito à sua exigência, uma vez inserido em contrato internacional. O refinamento ocorre pelas possibilidades que a situação promove: expresso em contrato, torna possível sua exigência pela arbitragem, por exemplo.354 E assim, outros elementos do direito privado podem ser utilizados para promover a proteção do meio ambiente e qualidade de vida.

CONCLUSÃO

Na construção do raciocínio, buscou-se identificar empiricamente o alcance da proteção jurídica do meio ambiente e de temas diversos sociais pela atuação do Brasil no comércio diante do caso dos pneus e do bioetanol e os respectivos reflexos para a construção do próprio desenvolvimento sustentável no país. Para tanto, buscou-se o auxílio da governança global do desenvolvimento sustentável como instrumento de análise consideravelmente pertinente para compreensão da relação entre direito e relações internacionais, na qual se inseriu a pesquisa, e ainda com o amparo normativo e teórico do conceito de desenvolvimento sustentável, segundo interação entre direito nacional e internacional. Nesse panorama, a pesquisa focalizou-se principalmente na atuação dos principais atores no âmbito do direito público e empresas privadas, envolvidos em cada caso e no estudo do tratamento que dava para a implementação do direito com vistas à verificação do alcance da proteção sócio-ambiental.

Indagou-se como tal proteção foi realizada nos casos estudados, buscando-se responder se as normas existentes eram suficientemente eficazes para tal efetividade; como os elementos sócio-ambientais influenciavam a tomada de decisão de constituição e/ou implementação da norma; como se deu a movimentação dos atores envolvidos para tanto; e quais fatores repercutiram e influenciaram nessa concretização. Tais questionamentos atrelam-se, dentre outras considerações, à colocação de que para o pleno alcance do desenvolvimento sustentável, não basta o cumprimento da norma jurídica pertinente, importante sejam cumpridos os resultados de conservação sócio-ambiental almejados.

Nesse sentido, delineado em cada estudo de caso, o alcance da proteção sócio-ambiental enquadrou-se como análise principal. Dessa, emergiram algumas considerações acerca da situação da atuação brasileira no âmbito da governança global do desenvolvimento sustentável e na própria concretização de elementos de sustentabilidade, no limite apresentado

353 FAUVARQUE-COSSON, Benedicte. Le droit international privé classique à l’epreuve des réseaux. Dispo-nível em :<http://droit-internet-2001.univ-paris1.fr/pdf/vf/Fauvarque_B.pdf#search=%22Fauvarque- Cosson%22>. Acesso em: 30 abr 2013.

354 Ressaltam Clay Thomas e Luiz Claudio Aboim, que a arbitragem se apresenta como uma solução mais apta à veloci-dade na resolução de conflitos exigida pela globalização e o meio ambiente se apresenta como a questão mais global possível. As vantagens, em geral, podem ser vistas, pela possibilidade de eleger um árbitro por sua perícia e estar esta relacionada a uma questão de desenvolvimento e proteção ambiental, assim como poder escolher das normas que regerão o conflito. Ademais, ainda que o árbitro disponha de liberdade de apreciação quanto à aplicação dos tratados, não significa que possa desrespeitá-los, pois a execução da sentença, se contrária aos acordos internacionais ambi-entais e, portanto, à ordem pública, encontrariam entraves na sua execução. CLAY, Thomas; ABOIM, Luiz Claudio. Arbitragem e meio ambiente. Revista brasileira de arbitragem, vol. 4, 2004, p. 32-43.

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por cada caso concreto, ou seja, não se verificou a atuação do Brasil como um todo, mas sim nos limites de cada estudo de caso. E ainda, a pesquisa permitiu também a identificação de algumas colocações jurídicas no âmbito do aprimoramento do direito enquanto mecanismo para o alcance da proteção sócio-ambiental.

A respeito do caso dos pneus, vislumbrou-se a construção do desenvolvimento sustentável no Brasil, em face da influência de uma das instituições de governança global, a OMC, pela análise da controvérsia dos pneus reformados. Para tanto, o estudo permeou três principais momentos: o contexto brasileiro que ensejou a demanda, contrastando a capacidade institucional do Brasil em concretizar a proteção ambiental e da saúde humana na sua conjugação com interesses diversos; em segundo, como o OSC interpretou o artigo XX do GATT/1994; e, em um terceiro momento, como o Brasil vem implementando a decisão final do OSC. Cada um desses momentos apresentou resultados próprios e complementares.

Levantou-se a hipótese de que os reflexos da atuação do OSC no caso ensejaram entraves para a construção da sustentabilidade, de modo que a eficácia sócio-ambiental da instituição – especificamente, a aplicação do artigo XX do GATT 1994 – não foi suficiente para a concretização dos elementos de desenvolvimento sustentável envolvidos, que eram a proteção de recursos ambientais e da saúde humana. E, diante do raciocínio, afirmou-se que o âmbito público do direito, tradicionalmente responsável pela efetividade da proteção sócio-ambiental não é suficiente para tanto.

Para apresentação dos resultados respectivos é importante explicar a relação entre o caso e os resultados acerca do Brasil no campo da governança global do desenvolvimento sustentável identifica-se no estudo da dinâmica ensejada pelos atores para o alcance de tal proteção em cada um desses momentos acima mencionados. Ademais, as considerações da perspectiva jurídica de aprimoramento do direito como instrumento para a proteção sócio-ambiental dizem respeito à analise da construção ou aplicação da eficácia normativa em cada um desses momentos.

No momento anterior e que permeou a controvérsia, o alcance da proteção sócio-ambiental sofreu com a falta de uma unicidade de perspectivas na interação entre os três poderes, que levou à confecção do ilícito internacional perante à OMC: enquanto o poder executivo dizia implementar uma política ambiental na qual inseriam-se as medidas restritivas questionadas, diferentes categorias de pneumáticos usados estavam sendo importados, haja vista liminares concedidas na atuação do judiciário, leis estaduais que permitiam a importação, além da exceção concedida pelo Brasil aos países do MERCOSUL, haja vista controvérsia naquele âmbito jurídico regional.

Tal situação foi resultado por haver divergências de interesses e pouca capacidade do Estado em conjugar tais entraves cujas repercussões tomam forma e conteúdo globais. A atividade do Estado na defesa do interesse de proteção do meio ambiente e da saúde humana na condução da atividade comercial pertinente restou prejudicada face à prevalência do interesse privado não sustentável, com maior força de persuasão, âmbito em que empresas utilizaram-se de diferentes mecanismos para defendê-los.

A pouca capacidade do governo nessa gestão caracteriza-se por não conseguir, naquele primeiro momento, implementar a proteção sócio-ambiental diante das movimentações causadas pelas empresas. Vale dizer, a política sócio-ambiental restava prejudicada quando a proibição de importação era ultrapassada por permissões concedidas por liminares e diante da utilização de lobby que interferiu na constituição de norma, pois a medida provisória, cujo conteúdo esclarecia melhor a proibição da importação de pneumáticos

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usados não foi constituída normativamente diante da atividade lobista que empenhou-se em fazer prevalecer o interesse econômico.

Diante desse cenário, evidenciou-se a fraqueza da eficácia brasileira para implementação da proteção ambiental e da saúde humana na atividade de comércio de pneumáticos usados, já que as normas existentes não eram suficientes para permitir a condução da atividade com a devida conservação sócio-ambiental. Além disso, mesmo que normas resultem de sistemas transparentes, com debates e consenso e atribuição de responsabilidade, a efetividade ambiental é afetada negativamente por fatores extranormativos, do qual o lobby é exemplo macroscópico. Demonstrou-se a dificuldade de se atuar para a proteção sócio-ambiental no âmbito do direito público, ou seja, verificou-se também fraca a atuação dos atores estatais para o alcance de tal proteção, uma vez que tinham maior repercussão na implementação do direito, os interesses privados que eram não sustentáveis e visavam a importação de pneumáticos usados, ainda que isso causasse danos à saúde e meio ambiente.

No segundo momento do estudo de caso, em que se estudou a implementação do artigo XX do GATT 1994, é possível dizer que o caso dos pneus caracterizou como baixo o grau de eficácia do referido artigo no que diz respeito à efetividade para além do mero cumprimento da norma: não basta que a norma exista e que seja cumprida, urge que se realizem no plano político jurídico os fins a que ela se destina. Isso porque o artigo XX do GATT/1994, ainda que tenha sido cumprido, não levou ao resultado de proteção à saúde e ao meio ambiente. É certo que a organização se dirige à atuação estatal e que cabe a cada Estado a implementação do desenvolvimento sustentável. Todavia, a crítica se constrói porque existe na OMC, responsabilidade considerável para essa concretização por parte do OSC, quando interpreta a atuação estatal como adequada ou não à OMC. Nesse sentido, a proteção da saúde e do meio ambiente deveriam ter uma valoração mais apurada, com valor decisivo maior e não secundário, no momento da aplicação da norma.

Nesse sentido, do ponto de vista do aprimoramento do direito como instrumento do desenvolvimento sustentável, a perspectiva enseja para a ineficácia do direito público nesse caso dos pneus, pois, o resultado contextualizado no caso, conforme visto, foi legítimo, embora sem efetividade de proteção sócio-ambiental pela atuação dos principais atores envolvidos.

O terceiro momento do estudo de caso, entretanto, apresentou alguns elementos positivos à avaliação da movimentação brasileira na construção do desenvolvimento sustentável e, portanto, para o fortalecimento da eficácia sócio-ambiental existente, haja vista, principalmente, atuação do STF e esforços dos outros âmbitos do governo e mesmo das empresas privadas, para o alcance da proteção do meio ambiente e saúde humana. No STF, embora tenha se manifestado após longo tempo da solicitação de sua manifestação, se observou a importância das questões sócio-ambientais na tomada de decisão, na apreciação da ADPF 101, cuja repercussão vincula e afeta os diferentes âmbitos de atuação do governo.

Nessa terceira parte do estudo de caso, os pontos positivos acerca do Brasil na construção do desenvolvimento sustentável verificam-se não no que diz respeito ao alcance da proteção sócio-ambiental propriamente dita, mas diante da tendência do impacto da importância de tal proteção na tomada de decisão no ator dotado de considerável repercussão jurídica, que é o STF. Essa situação, por sua vez, repercute no alcance protetivo almejado, uma vez que seus reflexos fortalecem tal perspectiva e permite que o Brasil se adeque à decisão da OMC e também que tenha maior força para defender essa posição no âmbito internacional.

Com essas considerações acima apontadas, não se confirma de forma integral a hipótese levantada de que os reflexos do caso dos pneus na OMC foram negativos para

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a construção do desenvolvimento sustentável no Brasil, porque ainda que tenha perdido a demanda, o terceiro momento do estudo demonstrou que movimentações em torno dos poderes estatais convergiam para cada vez mais estabelecer a proteção sócio-ambiental, isso tendo em vista os empenhos do executivo e no decorrer da ADPF 101 no STF. Confirma-se, entretanto, parte da hipótese, principalmente diante dos dois primeiros momentos do estudo, afirmando-se a insuficiência do âmbito do direito público para implementação do desenvolvimento sustentável, uma vez que, nos três momentos, verificou-se fraca a eficácia existente, já que as normas eram apreciadas e cumpridas, mas o resultado de proteção sócio-ambiental não era satisfatório. Nesse ponto, contudo, o terceiro momento apresentou avanços, já que os elementos sociais e ambientais tenderam para uma maior repercussão na tomada de decisão do STF. As questões de defesa do meio ambiente e de saúde humana foram interpretadas com a devida relevância pelo STF, levando a um fortalecimento da eficácia existente.

Diante disso, no momento anterior e que permeou a controvérsia na OMC, o Brasil não apresentava uma unicidade entre sua política externa e as movimentações em torno da atividade comercial envolvida, o que correspondia a entraves para o país em sua atuação no âmbito da governança global do desenvolvimento sustentável, especificamente, em uma de suas instituições na OMC. Esse quadro, acrescido ao segundo momento do estudo de caso confirmam a insuficiência do âmbito público do direito para a implementação do desenvolvimento sustentável. Entretanto, o terceiro momento aponta para esforços estatais brasileiros com vistas ao alcance de elementos de sustentabilidade, o que pode ser compreendido como fortalecimento de perspectiva no âmbito das movimentações dos atores estatais brasileiros com poder considerável de decisão, sobre a importância da implementação de elementos de sustentabilidade no comércio.

No terceiro capítulo, vale lembrar, o estudo da construção do desenvolvimento sustentável se deu pela análise dos esforços públicos e privados no cenário do etanol. Como hipótese levantada, procurou-se verificar a utilidade do âmbito jurídico privado para a implementação do desenvolvimento sustentável, proposição que restou confirmada. Para a análise, primeiro verificou-se os principais problemas reconhecidos mundialmente, que giram em torno do comércio do etanol e dos biocombustíveis e estudou-se como o cenário etanol brasileiro interage nessa relação. Os elementos sócio-ambientais correspondiam, conforme visto, tanto à proteção ao meio ambiente e à saúde humana, tanto na produção do etanol, quanto no produto final; assim como o respeito aos direitos trabalhistas e humanos, além de buscar constante aprimoramento e diversificação de atividades e produtos sustentáveis nesse âmbito comercial.

Como resultados, é possível identificá-los pela perspectiva da atuação dos atores envolvidos e pelo ponto de vista da repercussão dessas atuações para o aprimoramento jurídico para o alcance da proteção sócio ambiental. A respeito dos atores envolvidos (Estado e empresas), a convergência de interesses permitiu fortalecimento do alcance da proteção sócio-ambiental, ou seja, ambos visavam a implementação de elementos de sustentabilidade. Essa convergência de interesses permitiu o alinhamento dos objetivos estatais com a capacidade de fomento tecnológico privado, levando para buscas de diferentes formas de desenvolvimento pela atividade comercial em torno da difusão do etanol. Tal convergência de interesse possibilitou também a promoção do desenvolvimento sustentável tendo em vista relações jurídicas transnacionais firmadas, diante do aumento do interesse das empresas privadas multinacionais em investir em elementos de sustentabilidade em torno do etanol brasileiro.

Diante dessa questão, pode-se afirmar o fortalecimento do Brasil na busca pelo desenvolvimento sustentável e, portanto, no âmbito da governança global do desenvolvimento sustentável, haja vista atuação estatal e de empresas privadas, cujos interesses convergem. Vale dizer, não é mais somente o Estado o principal interessado pela implementação de

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elementos de sustentabilidade, e sim, é também interesse direto de diversas empresas. O caso do bioetanol demonstrou um cenário onde existe uma boa relação de interação entre esferas pública e privada e demonstrou que o alcance dos resultados de proteção do meio ambiente, junto com a consideração às questões de direitos humanos e trabalhistas estão diretamente relacionados não somente com o sucesso na interação entre os atores submergidos na questão; mas também, e no grau do compromisso desses atores, públicos, e principalmente privados, para o alcance desse objetivo e isso repercutiu no âmbito do direito.

É dizer que, do ponto de vista jurídico, enquanto atores públicos empenham-se para a consolidação de uma institucionalização global acerca do tema, a construção do desenvolvimento sustentável nesse âmbito vem sendo estabelecida por atividades como o investimento estrangeiro e contratos internacionais que, então, demonstram-se perspectivas estratégicas de implementação de sustentabilidade.

Isso porque, do ponto de vista jurídico, pela atuação privada global, elementos de sustentabilidade ganharam espaço jurídico gradativo: de simples fundamento de escolha do negócio jurídico para o preenchimento de uma cláusula contratual. O caso demonstrou que, no âmbito contratual, o alcance da proteção sócio-ambiental permeia duas principais perspectivas: uma mais geral, em que demonstram estabelecimento de relações em vista do interesse empresarial estrangeiro em cooperações de pesquisas, produção e fornecimento de etanol; nesse sentido, seguem os exemplos das empresas Crystalsev e Bunge. A segunda perspectiva é o contrato no âmbito das relações transnacionais da COSAN, no qual se vislumbra aprimoramento jurídico da efetividade do desenvolvimento sustentável, haja vista cláusula contratual expressa, exigindo seu cumprimento.

Tendo em vista esse contexto, existe interessante possibilidade de se maximizar a efetividade da proteção ambiental e considerações sociais pelos contratos internacionais. Verificou-se fortalecimento na eficácia normativa da proteção sócio-ambiental, que não se restringiu à esfera pública do direito, âmbito tradicionalmente vinculado como responsável para a proteção ambiental. Uma vez permeando de modo expresso e concreto, um contrato internacional, amplia-se a possibilidade de aprimoramento na sua efetividade. Por esse aprimoramento jurídico técnico, ressalta-se, a efetividade da norma ambiental não somente foi descentralizada do poder público com relação à responsabilidade pela sua concretização, mas também no que diz respeito à sua exigência, uma vez inserido em contrato internacional.

Ainda que a tutela da proteção ambiental tenha caráter público, não há incompatibilidade jurídica em utilizar os instrumentos jurídicos privados como complementares. A abordagem sustentável racionaliza a condução do interesse privado e assim, é possível que outros elementos do direito privado possam ser utilizados para promover a proteção do meio ambiente e qualidade de vida, adequando e adaptando-se à realidade em segmentos que a esfera pública não consegue alcançar, como por exemplo, os próprios contratos internacionais e que, portanto, merecem atenção de estudos acerca dessa possibilidade de estarem atrelados à maximização do alcance da proteção sócio-ambiental.

A insuficiência do direito público espelha a força do setor privado. Instrumentos relacionados com as atividades das empresas mostram-se, no contexto atual de globalização, elementos-chave na concretização da sustentabilidade e da complementação necessária em face da insuficiência das limitações do direito público. Inovar o sistema jurídico e buscar essa interação entre instrumentos de direito públicos e privados pode ser uma alternativa para mobilizar a conscientização sócio-ambiental dos atores submergidos em questões de sustentabilidade, e, portanto, para o alcance da proteção sócio-ambiental.

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