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O DIREITO AMBIENTAL E OS NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO: O CASO DO CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO ENVIROMENTAL LAW AND NEW PRINCIPLES FOR ADMINISTRATIVE LAW: THE CONSORCIO LAGOS SÃO JOÃO CASE Ana Paula Vasconcellos da Silva RESUMO Realizou-se, no presente trabalho, o estudo do caso do Consórcio Intermunicipal Lagos São João, em que a atuação da Agência Reguladora, como coordenadora de diversos atores sociais, e através do uso de uma nova abordagem do Direito Administrativo, permitiu que se chegasse a uma solução eficiente para um problema ambiental que afligia diversos municípios da Região dos Lagos do Estado do Rio de Janeiro. A solução foi buscada por meio do consenso, não apenas entre Administração Pública e administrados (o que, no caso, conseguiu-se via participação popular), mas também entre os próprios órgãos da Administração Pública, seja por meio de convênios administrativo, seja por meo de Termos de Ajustamento de Conduta ou mesmo por meio de consórcios, conforme ocorreu no caso concreto analisado. O importante é que o Estado haja imbuído do espírito negocial, numa perspectiva moderna de Administração Pública, sensível às peculiaridades de cada ator social, mas atento também às suas limitações e deveres institucionais. PALAVRAS-CHAVES: DIREITO AMBIENTAL. AGÊNCIAS REGULADORAS. ATUAÇÃO GERENCIAL DO ESTADO. CONSÓRCIOS. COORDENAÇÃO DE ATORES SOCIAIS. ABSTRACT It was presented, in this paper, a study of Consórcio Intermunicipal Lagos São João, in which the Regulatory Agency managed to deal wiht several social agents, as well as develop a new approach of Administrative Law. It reached an efficient solution for a trouble that aflicted several cities of Rio de Janeiro State. This solution aimed not only an understanding between State and citzens, but also a coordinate action between the several State's departments, through a different kind of negotiation. As it was proved in this case, State's approach's must carry on a business style, in a contemporary perspective of Public Administration, sensitive to social claims as well as its own institutional limitations and duties. 5807

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O DIREITO AMBIENTAL E OS NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO

ADMINISTRATIVO: O CASO DO CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO

ENVIROMENTAL LAW AND NEW PRINCIPLES FOR ADMINISTRATIVE LAW: THE CONSORCIO LAGOS SÃO JOÃO CASE

Ana Paula Vasconcellos da Silva

RESUMO

Realizou-se, no presente trabalho, o estudo do caso do Consórcio Intermunicipal Lagos São João, em que a atuação da Agência Reguladora, como coordenadora de diversos atores sociais, e através do uso de uma nova abordagem do Direito Administrativo, permitiu que se chegasse a uma solução eficiente para um problema ambiental que afligia diversos municípios da Região dos Lagos do Estado do Rio de Janeiro. A solução foi buscada por meio do consenso, não apenas entre Administração Pública e administrados (o que, no caso, conseguiu-se via participação popular), mas também entre os próprios órgãos da Administração Pública, seja por meio de convênios administrativo, seja por meo de Termos de Ajustamento de Conduta ou mesmo por meio de consórcios, conforme ocorreu no caso concreto analisado. O importante é que o Estado haja imbuído do espírito negocial, numa perspectiva moderna de Administração Pública, sensível às peculiaridades de cada ator social, mas atento também às suas limitações e deveres institucionais.

PALAVRAS-CHAVES: DIREITO AMBIENTAL. AGÊNCIAS REGULADORAS. ATUAÇÃO GERENCIAL DO ESTADO. CONSÓRCIOS. COORDENAÇÃO DE ATORES SOCIAIS.

ABSTRACT

It was presented, in this paper, a study of Consórcio Intermunicipal Lagos São João, in which the Regulatory Agency managed to deal wiht several social agents, as well as develop a new approach of Administrative Law. It reached an efficient solution for a trouble that aflicted several cities of Rio de Janeiro State. This solution aimed not only an understanding between State and citzens, but also a coordinate action between the several State's departments, through a different kind of negotiation. As it was proved in this case, State's approach's must carry on a business style, in a contemporary perspective of Public Administration, sensitive to social claims as well as its own institutional limitations and duties.

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KEYWORDS: ENVIROMENTAL LAW. REGULATORY AGENCIES. STATE'S BUSINESS APPROACH. MANAGEMENT OF SOCIAL AGENTS.

I – INTRODUÇÃO

As Agências Reguladoras são órgãos destinados a regular os serviços públicos ou de interesse público – que, justamente por sua importância para a sociedade, devem sofrer uma atuação diferenciada pelo Estado. São serviços vitais para a atividade econômica do país, como transporte, comunicação, energia e saneamento básico, ou ainda serviços de relevante interesse público, como os planos de saúde e o cinema, que não podem ser deixados às intempéries do mercado.

Destarte, a relevância pública das Agências Reguladoras é visível e ganha mais espaço à medida que um número maior de setores passa a ser regulado sob este molde. No entanto, a importância destes entes reguladores não está ligada somente à relevância pública dos setores regulados. Na verdade, estes novos membros da Administração Pública brasileira trouxeram consigo diversas mudanças no próprio Direito Administrativo, já que, para que possam cumprir plenamente suas funções institucionais, acabaram capitaneando algumas mudanças nos tradicionais dogmas administrativistas.

Tais mudanças ainda não foram plenamente assimiladas por toda a doutrina e a jurisprudência, causando algumas perplexidades – algumas das quais serão discutidas neste trabalho. Porém, mesmo sofrendo alterações, o Direito ainda não foi capaz de solucionar algumas questões que são trazidas pela dinâmica sociedade em que vivemos – impasses que são uma realidade quase que cotidiana para as Agências Reguladoras, que precisam trazer soluções criativas para diversos problemas que ainda não foram enfrentados.

As Agências precisam urgentemente de juristas que se debrucem sobre as questões levantadas pela sua atuação e pelos novos paradigmas que elas lançaram no Direito Administrativo. Por essa razão, busquei analisar um caso concreto em que atuaçao de uma Agência trouxe uma solução eficiente para uma questão ambiental.

O tempo da proteção ao ambiente não é o amanhã, mas sim ontem. É preciso que todos os ramos do Direito venham a acrescentar no tema da utilização e preservação dos bens ambientais – visto que o homem faz parte da Natureza, não podendo a sua proteção ser relegada apenas a um determinado campo do conhecimento. Não enfrentar a questão não fará com que as suas conseqüências desapareçam; apenas fará com que as necessidades mais imediatistas sejam satisfeitas pelos grupos mais fortes, de maneira predatória e inescrupulosa, causando danos por vezes irreversíveis.

II – O CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO

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O Consórcio Público é um dos institutos jurídicos pelo qual União, Estados e Municípios, visando à realização de interesses comuns destes entes estatais, promovem a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Este instituto foi esculpido no art. 241 da Constituição por meio da EC 19/98, que também inseriu os convênios de cooperação. No entanto, apenas em 2005 saiu a lei que especifica as regras de contratação de consórcios públicos, além de disciplinar diversas regras relativas ao instituto – Lei Federal n° 11.107/05.

Embora tenha sido o consórcio o modelo consensual utilizado no caso concreto analisado neste Capítulo, destacamos que não é objetivo deste trabalho realizar uma profunda análise sobre este tema, que é polêmico e ainda está a espera de uma análise mais aprimorada. Interessa-nos, neste caso, a forma como os órgãos públicos colaboraram entre si para que os objetivos do consórcio fossem alcançados, além da atuação da Agência Reguladora. Passaremos, a seguir, a uma breve apresentação do Consórcio Intermunicipal Lagos São João.

II.1 - APRESENTAÇÃO E BREVE HISTÓRICO

Para apresentação geral do histórico de formação do consórcio, destacaremos, abaixo, trechos retirados do site http://www.lagossaojoao.org.br/ :

A idéia de criação de um Consórcio para unir governos, empresas e as entidades da sociedade civil visando fortalecer a gestão compartilhada do meio ambiente surgiu pela primeira vez em 1986, durante o I Encontro de Meio Ambiente da Região dos Lagos. No entanto, a iniciativa vingou somente treze anos depois, quando em dezembro de 1999 ele foi formalmente criado.

Em janeiro de 1999, com apoio de documentos obtidos com o Consórcio Intermunicipal Santa Maria - Jucu, do Espírito Santo e pelo Consórcio dos Rios Capivari e Piracicaba, de São Paulo, assim como de informações ambientais e sócio-econômicas sobre a Região dos Lagos e a bacias dos rios São João, Uma e das Ostras, colhidas in-loco e em publicações técnicas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - SEMADS desenvolveu estudos para formatar uma proposta básica para criação de um consórcio.

Os estudos da SEMADS deram origem a quatro documentos: (i) Protocolo de Intenções (ii) Estatuto, (iii) Exposição de Motivos para os Prefeitos e Procurador Municipal e (iv) Mensagem para Câmara acompanhada de minuta de lei autorizativa (lei que autoriza o município a fazer parte do consórcio). De posse deles, representantes da SEMADS e da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA, apoiadas pela ONG Viva Lagoa e pela empresa UNIMED, fizeram uma peregrinação em busca de parceiros para viabilizar a idéia do Consórcio, ganhando aliados conforme as negociações

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prosperavam. Ao longo de 1999, diversas reuniões e contatos foram realizados com Prefeituras, empresas regionais, ONG’s ambientalistas e associações de moradores e de pescadores.

Em 30 de abril de 1999, realizou-se na Primeira Igreja Batista de Araruama, o “Primeiro Encontro para Recuperação Ambiental das bacias Hidrográficas das Lagoas de Araruama, Saquarema, Rio Una e Zona Costeira Adjacente”, reunindo mais de seiscentas pessoas. Neste evento ocorreu a solenidade de assinatura do Protocolo de Intenções para a criação do “Consórcio Ambiental da Região dos Lagos e da Bacia do Rio Una”, do qual tomaram parte os Prefeitos dos municípios de Saquarema, Araruama, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Arraial do Cabo, Cabo Frio e Armação dos Búzios; o Secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, bem como representantes de empresas e da sociedade civil. Na ocasião, uma equipe de representantes do Consórcio Santa Maria - Jucú, do Estado do Espírito Santo fez uma apresentação de sua experiência.

A repercussão do evento fez com que os municípios de Silva Jardim, Cachoeiras de Macacu, Casimiro de Abreu, Rio Bonito e Rio das Ostras manifestassem a intenção de ingressar no Consórcio, o que foi efetivado em reunião realizada em Silva Jardim, as margens da represa de Juturnaíba. Como resultado, a área do Consórcio ampliou-se, passando a agregar as bacias dos rios São João e das Ostras.

A partir do evento ocorrido na Primeira Igreja Batista de Araruama, começou a funcionar um Fórum Governamental que se reunia mensalmente, em sistema de rodízio, na sede de cada município. O Fórum contava com representantes dos órgãos ambientais dos municípios e do Estado.

Em paralelo, estimuladas pela idéia do Consórcio, ONG’s Ambientalistas, Associações de Moradores e de Pescadores reuniam-se mensalmente para estruturar a Plenária de Entidades, cuja criação ocorreu em outubro de 1999. Nesta ocasião, além de ter sido aprovado o regimento interno, foram realizadas eleições para os representantes que iriam ter assento no Conselho de Sócios e ainda um membro para o Conselho Fiscal.

Finalmente, em 17 de dezembro de 1999, com a maioria dos municípios tendo suas leis autorizativas sancionadas, foi instalado o Consórcio Ambiental Lagos - São João, em solenidade ocorrida no Hotel Ver-a-Vista, em Araruama. Foram sócios fundadores os 12 municípios anteriormente comentados; a SEMADS; as empresas Cia Nacional de Álcalis S.A., Auto Viação 1001 Ltda, AGM Empreendimento Turísticos e Hoteleiros Ltda e a Cooperativa de Trabalho Médico Ltda – UNIMED Araruama e mais de trinta associações civis integrantes da Plenária de Entidades. Nesta reunião, foram eleitos o Presidente e o Vice-Presidente e escolhido o Secretário Executivo do Consórcio.

A primeira atividade do Consórcio foi o planejamento espacial de sua área de atuação, face as peculiaridades da mesma. Desta forma, dividiu-se a região em três bacias distintas, a saber: Bacia da Lagoa de Araruama, Bacia da Lagoa de Saquarema – Jaconé - Jacarepiá e Bacia dos rios São João, Una e Ostras, somando-se a estas suas respectivas Zonas Costeiras.

Em seguida, foram organizados três seminários, um em cada bacia, cujos objetivos eram: (i) apresentar um diagnóstico ambiental de cada bacia hidrográfica, através da

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divulgação dos estudos, pesquisas, ações planejadas e em andamento, (ii) proporcionar uma maior integração dos sócios e parceiros do Consórcio e (iii) estruturar a composição dos grupos executivos de trabalho, os quais irão executar as ações de conservação e melhoria ambiental nas referidas bacias.

Feito esta pequena retrospectiva histórica acerca da formação e objetivos institucionais do consórcio, passaremos a citar alguns desafios pelos seus gestores, com base na tese de doutorado do arquiteto Luiz Firmino Martins Pereira, defendida em 2007 pela Universidade Federal Fluminense. Observaremos, a partir do trabalho ora citado, como os paradigmas teóricos levantados até aqui poderiam funcionar na prática.

II.2 - A ATUAÇÃO DOS DIVERSOS AGENTES ECONÔMICOS E SOCIAIS

Conforme defende Luiz Firmino, a participação no consórcio de diversos agentes, como empresas privadas, concessionárias, prefeituras, ONGs e membros dos órgãos ambientais estaduais, foi fundamental para que se chegasse a soluções concretas. Citemos trechos do seu trabalho, para que se fique patente a necessidade da colaboração de todos para que as soluções propostas em sede do consórcio fossem realmente levadas adiante:

Falando de conflito, é fato que existem muitas maneiras de se alcançar uma solução para uma questão ambiental, mesmo que não seja aquela mais rápida e óbvia. Assim, é preciso ter em mente que um processo participativo é algo onde cada um tem seu interesse: pessoal, corporativo ou público.

Utilizando-se destas premissas, o GC(gerente de conflito) começou a falar com cada segmento em separado para ver o que pensavam sobre a idéia criar um fórum onde todos juntos debateriam as questões e tomariam decisões. Estes segmentos eram as ONGs, o setor privado e o governamental. Nos primeiros contatos, muitas pessoas achavam que seria impossível unir aqueles segmentos mas, mesmo assim começaram a discutir o estatuto separadamente, o que resultou em uma proposta aceita por todos. Não foi fácil chegar a isso, pois as ONGs rejeitavam a idéia de uma companhia privada envolvida em problemas ambientais se juntar ao consórcio.

Mas como veremos adiante neste capítulo, no caso da extração de concha da Lagoa de Araruama, a participação da companhia privada foi fundamental não só para se atingir os objetivos quanto à questão das conchas, mas também e mais importante, foi à mudança de atitude e práticas da empresa, porque esta companhia que foi olhada como a maior poluidora e rival da região, transformou-se com o tempo em um exemplo de boa conduta e grande parceira desse consórcio. Sua imagem passou de vilã, a uma das grandes aliadas das causas ambientais, suas portas sempre abertas, laboratórios disponíveis e tudo mais que se pedisse em nome da gestão coletiva.[1]

Passada a etapa da criação da organização, partiu-se realmente para o começo dos trabalhos do Consórcio, que começou por identificar claramente todas as pessoas e organizações que tinham envolvimento direto ou indireto com o processo de

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conservação, e que deveriam ser convidados a participar, e isto foi feito no caso estudado, através de três seminários que aconteceram durante o ano de 2000, quando efetivamente se iniciaram os trabalhos.

Os seminários funcionaram como uma apresentação de todas a partes interessadas: quem eram? o que faziam? ou o que deveriam estar fazendo? E neste momento, naturalmente é preciso ter uma grande sensibilidade de quem esta à frente do processo, de forma a se evitar confrontos latentes, desenvolvidos provavelmente no passado: como por exemplo: uma reclamação de uma ONG, que não foi atendida por uma secretaria de meio ambiente ou instituição do Estado. Neste momento é importante ter o GC administrando todos os conflitos que surgem no momento em que se coloca frente a frente setores que nunca dialogaram antes, e que estavam geralmente em lados opostos.

Observamos, portanto, o funcionamento da primeira das premissas que foram levantadas neste trabalho: o meio ambiente precisa ser compreendido como elemento econômico, sob uma perspectiva preservacionista, buscando considerar as necessidades desenvolvimentistas do homem, para que possa efetivamente ser protegido. Do contrário, os agentes econômicos, detentores de maior força em uma sociedade capitalista, apenas continuariam a explorar os bens ambientais, de forma a meramente atender suas necessidades sem levar em consideração o esgotamento dos recursos naturais.

Também é possível vislumbrar como o princípio da transparência é essencial quando se trata de questões ambientais. Este princípio, que é desdobramento do princípio da publicidade já consagrado pelo caput do art. 37 da CRFB/88, comanda que não apenas se tornem públicas as decisões da Administração Pública, mas também que elas possam ser compreendidas por todas as pessoas do povo – já que, em matéria ambiental, o meio ambiente é bem de uso comum do povo, conforme destacamos anteriormente, sendo necessário que todos compreendam o que está sendo feito de um bem que pertence a todos.

O princípio da transparência foi consagrado em matéria ambiental especialmente pela obrigação, imposta pela Resolução 01/86 do CONAMA, que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) venha acompanhado de uma versão resumida e simplificada de seus diversos – e incompreensíveis para a maior parte das pessoas – aspectos técnicos – o que se convencionou chamar de Relatório de Impacto Ambiental – RIMA.

Porém, o princípio da transparência vai aos poucos se espalhando pelo Direito Administrativo. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/01) O consagrou em seu artigo 48. E, para o caso das Agências Reguladoras, que capitanearam outras metamorfoses surgidas no Direito Administrativo, em especial a questão da permissividade e da consensualidade presente nos atos emanados da Administração Pública, vemos este princípio consagrado também no art. 2°, IX, da Lei Federal n° 11.445/07, legislação recente que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, e que consagra as Parcerias Público-Privadas na consecução de suas metas – e, portanto, a criação de novas Agências Reguladoras, que terão este princípio também como paradigma.

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Portanto, destacamos que a compreensão do meio ambiente como fator econômico e o princípio da transparência foram fundamentais na formação deste consórcio. Esses elementos, aliados à lógica negocial que deve permear a atuação da Administração Pública, conforme defendemos no Capítulo 2 deste trabalho, também serão essenciais na solução de problemas pontuais, conforme destaca Luiz Firmino uma vez mais em seu trabalho:

Uma das primeiras experiências do Consórcio foi começar a trabalhar com conflitos que por muito tempo não foram tratados, como a extração de concha da Lagoa de Araruama, e a extração da areia do Rio São João.

A questão em torno da extração de conchas da Lagoa de Araruama transformou-se em um grande conflito, quando começaram a ser feitas mais próximas das margens (final dos anos 90), incomodando os turistas que usavam aquelas praias. Eram dois os processos de extração que ocorriam, um pela Cia Nacional de Álcalis que usava dragas grandes, e o outro por 23 embarcações pequenas que não tinham qualquer controle. A Cia de Álcalis tinha nesse momento (2000) comprado uma draga que, diferente das antigas que operavam somente em áreas profundas, poderia operar muito perto das praias.

As ONGs não aceitaram esta situação, e em uma das primeiras vezes em que a máquina foi usada, requereram força policial e acabaram todos, denunciantes e denunciado, na delegacia, sob a alegação de que eles estavam em desacordo com a lei, o que de fato era verdade, porque a licença da companhia aparentemente não permitia que houvesse exploração a menos de 500 metros da borda da lagoa. Um dos diretores acabou por passar uma noite na delegacia, e este episódio fez com que o Governo do Estado não renovasse a licença ambiental e ainda estabelecesse um período de dois anos para o fim da atividade na Lagoa.

Todo este acordo foi tratado no Grupo de Trabalho da Bacia da Lagoa de Araruama (GELA) do Consórcio. O mais interessante sobre esta história foi que a companhia não se afastou das reuniões do Consórcio, e a draga que custou meio milhão de dólares, acabou deslocada para trabalho voluntário de desassoreamento do Canal de Itajurú, com todos os custos cobertos pela companhia, e após um ano, o diretor da companhia já podia ser visto apertando a mão do líder do grupo das ONGs.

Observamos que, na questão ambiental específica da extração de conchas da Lagoa de Araruama, os agentes econômicos estavam em conflito com os agentes sociais de proteção ao meio ambiente já há algum tempo. E a questão só ia se tornando mais e mais complexa, já que a empresa continuava investindo no seu negócio – e ia continuar a extração até o esgotamento do recurso natural – e as ONGs acabaram tornando a questão um caso de polícia. Foi necessária a intervenção do Consórcio, utilizando de uma lógica negocial, para que a questão fosse pacificada, e os agentes passassem a trabalhar em cooperação entre si.

Este é o tipo de atuação que defendemos neste trabalho: não foi necessário que o Estado criasse uma nova lei ou utilizasse de seu poder de polícia para que se chegasse a uma boa conclusão, bastou que o Estado influísse sobre o comportamento dos agentes,

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imbuído do consenso e do acordo, para que se chegasse a uma solução eficiente e que pudesse satisfazer a todos os envolvidos.

Até aqui, vimos tão-somente a atuação do Consórcio, que funciona como longa manus do Estado, com os paradigmas que defendemos quanto à nova forma de atuação estatal e o meio ambiente sendo enxergado como elemento econômico. Passaremos, agora, para a atuação das Agências Reguladora neste caso concreto, para que possamos enxergar como os paradigmas levantados até aqui pode funcionar na prática.

II.3 - A RELEVÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DA AGÊNCIA REGULADORA

Um dos problemas centrais enfrentados pelo Consórcio foi a questão do esgotamento sanitário das cidades à margem do sistema lacustre, eis que estas cidades, além da população flutuante que aumenta exponencialmente durante o verão, vêm sofrendo um processo de crescimento descontrolado, cuja rede de saneamento básico não mais podia acompanhar.

É o que Luiz Firmino destacou em seu trabalho, e que passaremos a citar:

Os cronogramas contratuais das obras de esgotamento, a cargo das concessionárias eram tardios demais para as necessidades urgentes da lagoa. As melhorias no abastecimento de água promovidas pelas empresas concessionárias acarretaram um aumento do volume de esgoto, já que nos três primeiros anos de concessão (1998 a 2001) o volume aduzido passou de 600l/s para 1.800 l/s, levando a uma elevação do aporte de água doce e esgoto na laguna, cabendo registrar ainda que a água, sob a forma de esgoto, que segue para a Lagoa de Araruama, vem do reservatório de Juturnaíba, na bacia do rio de São João. A conseqüência foi o aumento dos nutrientes (esgoto) e a diminuição da salinidade, favorecendo o boom de algas e de agentes patogênicos (figura 10).

Para fazer a recuperação ambiental da Lagoa de Araruama e acabar com o processo de eutrofização, o Consórcio decidiu de maneira coletiva (através do GELA), com base técnica (dados sobre nutrientes e chuvas) e é claro, limitado pela disponibilidade dos recursos, propor um sistema de coleta e tratamento de esgotos que se aproveita, em um primeiro momento, do sistema de drenagem pluvial, necessitando para tanto de acordos regionais, dada a forma específica de operação e a remuneração pelos serviços.

Houve grande resistência das concessionárias, já que o sistema proposto não seguia a engenharia tradicional, além de requerer recursos superiores àqueles previstos para a ocasião nos contratos de concessão. Muita pressão precisou ser feita pelo Consórcio: pressão política dos prefeitos, manifestações das ONGs, e até um pacto que pudesse resultar em um termo do ajuste de conduta (TAC) com o Ministério Público tiveram que ser feitos, até que por fim fosse assinado um Termo Aditivo ao contrato em 2002.

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A partir daí, estava resolvido o problema para que se utilizasse uma forma de engenharia mais agressiva do que a tradicional para que se solucionasse um problema que ganhava contornos cada vez mais emergenciais. A atuação do MP em questões ambientais também é fundamental, em especial para que o Poder Judiciário também participe do processo e se evite problemas posteriores – já que os termos acordados em sede de Termo de Ajustamento de Conduta funcionam como título executivo extra-judicial, podendo ser executado em juízo pelas partes em caso de descumprimento. Porém, a atuação do MP não será objeto deste trabalho, bastando que fique consignado a importância da atuação do parquet em questões que envolvam o consenso de numerosos agentes.

Portanto, resolvida a questão da possibilidade jurídica e fática da utilização deste método especial de engenharia para solucionar a questão, restava um problema: essa solução possuía viabilidade econômica? É aí que entrará a atuação da Agência Reguladora:

Apesar de todos os atrasos e problemas enfrentados durante a fase de obras, os sistemas foram entrando em carga até dezembro de 2004, quando eclodiu um problema já esperado por todos, mas até então latente, que viria a ser a forma de remuneração do serviço às concessionárias. Pagar a tarifa prevista em contrato, de um para um, ou seja: quem paga R$ 30,00 reais de água, passaria a pagar mais R$ 30,00 de esgoto, não teria sentido, já que o sistema ainda não estava completo, por outro lado não havia precedente no país sobre um pagamento parcial de tarifa. Não pagar nada, significaria a impossibilidade de entrada em funcionamento do sistema, já que a operação deste implica custos significativos de energia elétrica, funcionários e outros mais.

Somente um grande pacto na bacia poderia levar a uma solução que viabilizasse um pagamento par e passo com as fases (percentuais) de implantação do sistema, o que foi feito, representado mais tarde, uma vez mais, em um termo novo ajuste de conduta (TAC) firmado com o Ministério Público. Com base no TAC, a ASEP teria meios então para deliberar, com base no princípio de que dada à forma difusa de atendimento, bem como o benefício geral da população e ainda a necessidade imediata de início da operação dos sistemas, que a remuneração dos serviços se daria através de re-equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, conforme acabaria por ser definido mais tarde, não sem antes um amplo processo de mobilização. (grifos nossos)

Observamos como que a Agência Reguladora, dentro de sua competência normativa em matéria regulatória, e fundamentada no Termo de Ajustamento de Conduta realizado pelo MP para solucionar o problema da vedação à técnica que pretendia ser utilizada, propôs um standard de decisão que resolvesse uma questão ambiental não prevista no contrato. Esse tipo de solução, realizada com base no consenso entre Concessionários e Poder Concedente, precisava da intervenção firme deste ente regulatório para que se tornasse viável e pudesse manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

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Veja que não havia lei prevendo que este determinado procedimento fosse utilizado – havia tão-somente um instrumento negocial, o TAC, que permitia a sua utilização dada a emergencialidade da questão. Mas a Agência não exorbitou de sua competência, pois estava disciplinando apenas a questão tarifária, matéria eminentemente regulatória – mas que efetivamente viabilizaria o procedimento.

Se por um acaso a Agência se imiscuísse na sua obrigação de agir para fazer valer uma solução em matéria ambiental que não estava especificada no contrato de Concessão, poderia ser responsabilizada pelos danos decorrentes da não-realização da obra, conforme destacamos anteriormente.

Ainda assim, este órgão regulador hesitou em agir. Foi necessária a participação popular, que tanto defendemos anteriormente, para que a questão chegasse ao seu deslinde final.

II.4 – A PARTICIPAÇÃO POPULAR COMO FORMA DE LEGITIMAÇAO DA ATUAÇÃO DA AGÊNCIA REGULADORA

Continuando a narrativa do caso concreto, Luiz Firmino mostra em seu trabalho:

Apesar dos meios propiciados pelo TAC, a ASEP não se sentia segura para autorizar um aumento na tarifa de água, destinado a cobrir os custos com os serviços de esgoto e foi preciso que em 14 de setembro de 2004, a sociedade civil organizada, com apoio do Consórcio, comparecesse à seção regulatória da ASEP, mais uma vez com faixas e cartazes, divulgação na imprensa, para que fosse levada a termo a decisão acordada na região de reajustar as tarifas de água para cobrir os custos do esgotamento sanitário.

Finalmente, em 24 de novembro de 2004, mais uma vez com a presença da sociedade (figura 11), da Secretária de Estado de Meio Ambiente e de prefeitos da região, devidamente mobilizados pelo Consórcio, a ASEP votou o re-equilíbrio do contrato, reajustando de forma escalonada as tarifas de água. Durante a homologação da decisão, o Presidente do Conselho da ASEP registrou em seu parecer jamais ter visto tamanha demonstração de mobilização da sociedade, ainda mais para reivindicar um aumento na tarifa. Foi quando a liderança das ONGs da região retrucou dizendo não haver nada de estranho, pois a sociedade sabia da importância de custear o serviço pelo qual ela tanto lutou.

Desde dezembro de 2004, o sistema que custou cerca cem milhões de reais, já está em carga, coletando e tratando mais de 70% (500 l/s) de todo o esgoto que antes era lançado na Lagoa. A melhoria da qualidade da água é evidente, e é confirmada pelas análises da água realizada pelo Consórcio,que mostra que a maioria das praias que antes

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recebiam esgoto e estavam impróprias para o banho, agora se encontram em boas condições para o uso.

Temos que a participação popular foi fundamental para que a Agência tivesse uma atuação firme quanto à questão do aumento de tarifa, que viabilizaria o processo. Observe que essa questão não estava prevista inicialmente no contrato (nem poderia estar), mas a dinamicidade das relações sócio-econômicas demandavam que o ente regulador atuasse de maneira diferenciada para que se solucionasse uma questão de relevante interesse público.

A participação popular, conforme já destacamos, é essencial em matéria ambiental – e vai aos poucos se transformando em novas formas de legitimação dos atos emanados da Administração Pública.

Essa lógica já está presente nas legislações mais modernas em relação também à matéria regulatória, conforme corroboram os incisos dos art. 2°e 3° da Lei Federal n° 11.445, que citamos supra, e que passamos a destacar:

Art. 2 Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais:

o

X - controle social;

Art. 3 Para os efeitos desta Lei, considera-se: o

IV - controle social: conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico;

Aliás, esse entendimento já estava demarcado em sede doutrinária, conforme destaca Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

Nessas condições, o procedimento passa a ser, por via de regra, a nova e dinâmica forma de conferir legitimidade democrática imediata à ação administrativa, sem intermediação política ou com um mínimo indispensável de atuação dos órgãos legislativos, e, do mesmo modo, é também através do procedimento que se proporcionará a abertura à participação de interessados que conduza à tomada de decisões – e não apenas as decisões casuísticas, como as gerais, e, nesta hipótese, com a produção de regras igualadoras de aplicação sobre todos os que se encontrem nas mesmas circunstâncias reguladas.[2]

Portanto, legitimada a Agência pela presença popular e dentro da sua competência reguladora, o aumento tarifário foi acertado em sede de Deliberação e foi aceito por

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Concessionários e usuários, permitindo que a obra fosse levada adiante. Esta é a atuação das Agências que viemos defendendo até aqui – embora o instrumento de consenso não tenha sido o convênio realizado com órgãos ambientais, mas sim o TAC, a lógica que orientou este caso concreto seria a mesma a orientar a realização dos convênios: participação popular na formação do ato administrativo, consenso, permeabilidade, competência em matéria regulatória para disciplina, de maneira célere e eficiente, uma situação que nem poderia estar prevista em lei, e modificar o Contrato de Concessão depois de ouvidas todas as partes envolvidas.

III – CONCLUSÃO

Conforme dissemos na introdução a este trabalho, o tema da regulação ainda é muito recente no Direito brasileiro, razão pela qual os entes reguladores sofrem com a ausência de paradigmas teóricos orientadores da sua atuação perante os casos concretos.

Porém, a lacuna destes referenciais teóricos não deve paralisar a atuação destes órgãos. É dever dos juristas procurar por soluções inteligentes e sensíveis à realidade social par os problemas que se afiguram. Esta mesma lógica permeia a atuação da Procuradoria-Geral do Estado em sede de assistência jurídica de uma das Agências Reguladoras estaduais, conforme destaca o Parecer 04/06 – SLBN, cujo trecho destacamos abaixo:

Uma Agência Reguladora, a fim de exercer suas funções em plenitude, não se deve cingir a fiscalizar o cumprimento das cláusulas contratuais pelas partes envolvidas, muito menos restringir-se a uma velha máxima, diga-se verdadeira falácia, de que uma nova interpretação de norma jurídica ou cláusula contratual ou a eventual alteração, por aditivo a este último, caracteriza uma injustiça para com os antigos interessados e licitantes quando da celebração do contrato de concessão do serviço. Classificamo-lo, tal argumento, como falacioso, pois, além de confrontar o princípio da supremacia do interesse público, é a antítese das modernas teses doutrinárias acima mencionadas e dos já positivados em sede constitucional federal princípios da eficiência e da economicidade (Constituição Federal, art. 37), os quais pugnam pelas atualizações sejam interpretativas sejam derivadas de aditivos contratuais, que tenha por intuito a melhoria da prestação do serviço em benefício do administrado consumidor e da desoneração do Estado, bem como de outros: interesses difusos, v.g., a proteção ao meio ambiente, a redução do tempo de permanência do consumidor numa fila de um estabelecimento e a proteção aos portadores de deficiência física. (grifos nossos)

Estas soluções, no entanto, não podem ser fruto da satisfação pessoal de alguns grupos econômicos e políticos, apresentando respostas parciais e autoritárias a problemas que demandam uma ponderação maior sobre diversos aspectos. Há que se respeitar os novos valores levantados não apenas em sede de Direito Administrativo, como alguns dos que foram apresentados neste trabalho, mas também valores sociais e econômicos – especialmente em se tratando da questão ambiental.

O jurista deve estar atento à percepção de quais são estes valores e como eles funcionam na prática. Enxergar os bens ambientais como bens econômicos, por exemplo, permite

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que se encontre um meio termo entre desenvolvimento e preservação, oferecendo soluções que realmente funcionem na prática. Cercar a natureza em uma “bolha legal” e não permitir a aproximação de ninguém gera apenas um preciosismo legal e uma fragilidade real destes bens, que continuarão a ser explorados pelas forças econômicas de maior pressão, à revelia das boas intenções contidas no papel.

Na verdade, em relação aos bens naturais, há que se pensar em uma ética própria para a sua utilização, tendo em vista a integração entre a sociedade humana e a Natureza, que há muito foi esquecida. Nas palavras de Edis Milaré:

O usufruto pragmatista dos recursos naturais instaurou – ou pelo menos consolidou – formas de exploração que se voltam, primeiramente, contra outras pessoas ou grupos humanos e, mediatamente, contra o próprio Planeta. E esta ordem até poderia ser invertida; no final, a espécie humana e a Terra sairão ambas agredidas e exploradas. Numa visão ética tradicional, em que se pretende ressarcir o inocente, dá-se a primazia ao fator humano; numa perspectiva ética moderna, em que muitos fatores mais são ponderados, não se separam a espécie humana e o ecossistema planetário. Por isso os critérios de apropriação, posse, domínio e utilização dos recursos ambientais passam por uma reformulação. Caso contrário, a Ética Ambiental apontará para as graves injustiças que pesam como ameaças globais e que, de certa forma, banalizaram-se, perdendo a sociedade humana a sensibilidade real de problemas extremamente graves que ela deve enfrentar no dia-a-dia. [3] (grifos nossos)

Essa ética ambiental deve ser buscada por todos, e é dever do jurista estar especialmente atento a ela, em todos os ramos de sua atuação. É o mesmo autor quem diz que:

O Direito não se constrói para si mesmo ou para uma ordem social e política abstrata. Ele deve interessar-se pelo homem concreto, pelas diferentes realidades humanas, permanentes e mutantes, que servem de insumo para a História Universal. A justiça legal e a justiça moral dão-se as mãos e se fundem para construir um mundo saudável e justo. [4](grifos nossos)

Aliás, é essencial que qualquer trabalho jurídico tenha uma preocupação com os valores éticos que orientarão os pressupostos teóricos que discute. Portanto, é esta ética ambiental, flexível a valores sociais e econômicos, que se propõe para a atuação destes jovens entes da Administração Pública, em especial por regularem setores tão sensíveis da sociedade.

Esperamos que as soluções apresentadas neste trabalho tenham estes valores supracitados como norte, conjugados com a indispensável participação popular que já há muito norteia o Direito Ambiental, e que agora, propõe-se, passe a legitimar também o Direito Administrativo como um todo.

Temos consciência de que muitas idéias foram apresentadas durante este trabalho, e de que alguns dos valores defendidos até são de certa forma antagônicos entre si, como desenvolvimento econômico e proteção ambiental, como autonomia das Agências Reguladoras e participação popular. Porém, é exatamente o ponto de equilíbrio entre

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todos estes fatores – importantíssimos, cada uma à sua maneira – que se deve buscar na prática. Como bem ressalta Alexandre dos Santos Aragão:

O Direito Público da Economia deve ser entendido como constante busca do ponto de equilíbrio entre, de um lado, a necessidade de regulação suficientemente flexível para atuar sobre uma realidade instável e tendencialmente autônoma, e, de outro, a conservação de um mínimo de previsibilidade e coercibilidade, sem a qual perderia o caráter jurídico. Trata-se de manter a inevitável instabilidade dentro de um nível razoável. [5]

Esse equilíbrio deve ser buscado por meio do consenso, não apenas entre Administração Pública e administrados (o que pode ser conseguido via participação popular), mas também entre os próprios órgãos da Administração Pública, seja por meio de convênios (principal instrumento que defendemos neste trabalho), Termos de Ajustamento de Conduta ou mesmo por meio de consórcios, conforme ocorreu no caso concreto analisado. O importante é que o Estado haja imbuído do espírito negocial de que falamos, sensível às peculiaridades de cada ator social, mas atento também às suas limitações e deveres institucionais.

Estes são os paradigmas que desejamos ter por norte quando propusemos as soluções discutidas neste trabalho. Além das questões pertinentes às Agências Reguladoras e à proteção ambiental dentro do Direito Econômico, esperamos ter trazido também contribuições relevantes quanto para que uma atuação mais eficiente e coordenada do Estado seja feita na área da proteção ambiental, tendo em vista especialmente a prevenção, e não o reparo, ao dano ambiental.

É possível que estes parâmetros funcionem na prática, como vimos na análise do caso concreto. Resta aos operadores do Direito buscar que mais acordos assim sejam realizados, já que muitos são os casos de proteção e utilização dos recursos ambientais à espera de soluções eficientes como a que foi apresentada.

Planejamento, coordenação, consenso são os elementos-chave para uma ordem jurídica eficiente diante desta líquida e veloz modernidade. Os referenciais teóricos estão presentes, seja na doutrina, seja na produção acadêmica das centenas de universidades do país. Resta ser aplicada na prática, obtendo bons resultados como se conseguiu neste caso – e nada como um pouco de sabedoria para que tais projetos teóricos saiam do papel e respondam às muitas dificuldades que a sociedade apresenta aos acadêmicos, e que de nós espera resposta.

[1] A CIA Nacional de Álcalis passou a colaborar com o Consórcio incondicionalmente a partir de 2002, embora já fosse associada desde criação do Consórcio, passou a sediar as reuniões de bacia, fazer parceria com o Consórcio para uso das instalações do

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Laboratório de análises de água, além de colocar pessoal e equipamento para apoiar projetos, como foi o caso da dragagem do Canal de Itajurú.

[2] FIGUEIREDO MOREIRA NETO, Diogo de. Mutações do Direito Público. Rio de Janeiro: Editora Renovar. P. 66

[3] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: Doutrina – Jurisprudência – Glossário. 4ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. P. 118.

[4] Op. citada, p. 126.

[5] Op. citada. Pgn. 25.

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