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Adauto José de Oliveira O DIREITO AMBIENTAL E A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE POR MEIO DA AÇÃO POPULAR AMBIENTAL Centro Universitário Toledo Araçatuba 2010

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Adauto José de Oliveira

O DIREITO AMBIENTAL E A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE POR MEIO DA AÇÃO POPULAR AMBIENTAL

Centro Universitário Toledo Araçatuba

2010

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Adauto José de Oliveira

O DIREITO AMBIENTAL E A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE POR MEIO DA AÇÃO POPULAR AMBIENTAL

Centro Universitário Toledo Araçatuba

2010

Dissertação apresentada, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre, à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Direito, do Centro Universitário Toledo, desenvolvida sob a orientação do Prof. Dr. Gilson Delgado Miranda.

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O482d

OLIVEIRA, Adauto José de.

O Direito Ambiental e a participação da sociedade por meio da Ação Popular Ambiental/Adauto José de Oliveira. – Araçatuba: Centro Universitário Toledo, 2010.

251f. Orientador: Dr. Gilson Delgado Miranda. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Direito – Área de concentração:

Prestação Jurisdicional no Estado Democrático de Direito) – Centro Universitário Toledo, UniToledo.

Bibliografia: f. 249 1. Cidadania ambiental. 2. Meio ambiente. 3. Tutela preventiva e

inibitória. 4. Direito coletivo. 5. Ação popular ambiental. I. OLIVEIRA, Adauto José de. II. MIRANDA, Gilson Delgado. III. Centro Universitário Toledo, UniToledo.

341.347

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Adauto José de Oliveira

O DIREITO AMBIENTAL E A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE POR MEIO DA AÇÃO POPULAR AMBIENTAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Toledo, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Direito. Resultado: _______________________________________________ ________________________________________________________ Orientador: Prof . Dr. Gilson Delgado Miranda ________________________________________________________ Examinador (a) ________________________________________________________ Examinador (a)

Araçatuba, ____ de ___________ de 2010.

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A minhas filhas Amabile e Ananda, A minha esposa Sirlene, A meus pais Augusto e Neusa, parceiros de todas as lutas.

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Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Gilson Delgado Miranda, que, utilizando sua profunda

cultura jurídica na luta pela humanização do Direito, faz-se exemplo do ser dinamicamente ético, de vasta

dimensão social.

A minha família, agradeço o precioso auxílio e a compreensão pela ausência; a minha irmã Zenaide,

aos primos Ana Paula, Selma e Bento Junior, aos sogros Marcílio e Aparecida, a minha gratidão.

Aos professores do Mestrado, pelas preciosas lições que enriqueceram meu patrimônio cultural e que se

espelham no presente estudo.

Aos amigos do Mestrado, especialmente à Geisa e Juliana, e também ao amigo Luiz, que deveria estar

aqui, dedicados e competentes.

À Sueli Rosa Lansoni, pela zelosa colaboração.

Ao Centro Universitário Toledo, UniToledo,

Araçatuba - SP.

A todos pelo apoio, são tantos...

A Deus por ter me ofertado a vida, este mestrado e todos que me ajudaram, especialmente os acima

mencionados.

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“Nunca esteve tanto em nossas mãos, mas as nossas mãos nunca foram tão ignorantes sobre se afagam uma pomba ou uma bomba. A única utopia realista é a utopia ecológica e democrática. É realista, porque assenta num princípio de realidade que é crescentemente partilhado e que, portanto, tem as virtualidades na construção de idéias hegemônicas. Esse princípio de realidade consiste na contradição crescente entre o ecossistema do planeta Terra, que é finito, e a acumulação de capital, que é tendencialmente infinita. Por outro lado a utopia ecológica é utópica, porque a realização pressupõe a transformação global, não só dos modos de produção, mas também do conhecimento científico, dos quadros da vida, das formas de sociabilidade e dos universos simbólicos e pressupõe, acima de tudo, uma nova relação paradigmática com a natureza, que substitua a relação paradigmática moderna. É uma utopia democrática porque a transformação a que aspira pressupõe a repolitização da realidade e o exercício radical da cidadania individual e coletiva, incluindo nela a carta dos direitos humanos da natureza”.

Boaventura de Souza Santos Pela mão de Alice

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OLIVEIRA, Adauto José de. O Direito ambiental e a participação da sociedade por meio da Ação Popular Ambiental. 251 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro Universitário Toledo, UniToledo, 2010.

RESUMO

O presente trabalho científico tem por objeto a análise do direito ambiental na atualidade e a participação da sociedade por meio da ação popular ambiental, seus procedimentos e suas finalidades, na tentativa de estruturar um instrumento processual eficiente para a preservação do meio ambiente. O problema da tutela jurídica manifesta-se no momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade da vida humana. O estudo proposto inicia-se com a análise dos processos de degradação ambiental e da necessidade de conscientização da sociedade, buscando-se exemplos de institutos jurídicos do direito material, que viabilizem a construção de cidades sustentáveis, e resgatando a construção histórica do direito ambiental e de seu aparato legal. Parte-se da reflexão do direito coletivo, os quais são as bases do meio difuso, para engendrar a tutela preventiva com efeito inibitório, com uma preocupação central na efetividade da ação popular ambiental, que é um instituto processual necessário à sociedade do século XXI. Revela-se, então, as nuances da ação popular ambiental, com o desenvolvimento do sistema jurídico protetivo, o objeto da proteção jurídica, os setores tutelados e os meios de atuação; a ação coletiva e suas divergências com a ação popular tradicional. Assim, passa-se a expor as principais características deste instituto. Os resultados da presente pesquisa leva-nos à conclusão de que: o processo de expansão da formação de um arcabouço jurídico do direito coletivo fez-se necessário para suprir as necessidades do cidadão ambiental pois, uma vez que os procedimentos administrativos do direito material que estavam à disposição do cidadão não surtiam efeitos, houve uma conjectura muito propícia para a utilização da ação popular ambiental. E hoje, verificamos que sua construção jurídica está estruturada e seus instrumentos processuais à disposição, revelando-se, assim, como um instituto pioneiro, com importante contribuição à participação da sociedade na preservação do meio ambiente. Palavras chave: Cidadania ambiental; Meio ambiente; Tutela preventiva e inibitória; Direito coletivo; Ação popular ambiental.

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OLIVEIRA, Adauto José de. O Derecho ambiental e la participacion de la sociedade por medio de la Acción Popular Ambiental. 251 f. Disertación (Máster en Derecho) - Centro Universitário Toledo – UniToledo, 2010.

RESUMEN Este trabajo científico tiene como meta el análisis del derecho ambiental e la participación de la sociedade por medio de la acción popular ambiental, sus procedimientos y sus finalidades, en el intento de estructurar un instrumento de procedimiento eficiente para la preservación del medio ambiente artificial. El problema de la protección jurídica en este momento en que su degradación que amenaza no solamente el bienestar sino la calidad de la vida humana. El estudio propuesto comienza con el análisis de los procedimientos de la degradación ambiental y de la necesidad de promover la conciencia de la sociedad buscando ejemplos de institutos jurídicos del derecho material que sea posible la construcción de ciudades sustentables, y así rescate la construcción de la historia del derecho ambiental y su aparato legal. Desde de la reflexión del derecho colectivo, los cuales son el basis del medio difuso para engendrar la protección preventiva con efecto inhibitorio, con una preocupación central en la efectividad de la acción popular ambiental, que es un instituto de procedimiento necesario a la sociedad del siglo XXI. Revélanse así las matices de la acción popular ambiental con el desarrollo del sistema jurídico protectivo, el objeto de la protección jurídica, los sectores tutelados y los medios de actuación; la acción colectiva y sus divergencias con la acción popular tradicional. Así empieza a exponerse las principales características de este instituto. Los resultados de esta investigación llévanos a concluir que: el proceso de expansión de la formación de un armazón jurídico del derecho colectivo se hizo necesario para suministrar las necesidades del ciudadano ambiental pues, una vez que los procedimientos administrativos del derecho material que estaban a la disposición del ciudadano no demostraban efectos, hubo una conjetura muy favorable para la utilización de la población popular ambiental. Hoy comprobamos que su construcción jurídica está estructurada en sus instrumentos de procedimientos a la disposición, revélase así, como un instituto pionero, con importante contribución a la participación de la sociedad en la preservación del medio ambiente. Palabras Clave: Ciudadanía ambiental; Medio ambiente; Guardía preventiva e inhibitoria; Derecho colectivo; Acción popular ambiental.

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OLIVEIRA, Adauto José de. The Law environmental and the participation in the society by means of the Environmental Class Action. 251 f. Thesis (Master of Law) - Centro Universitário Toledo – UniToledo, 2010.

ABSTRACT The aim of the current scientific work has for its object the Law Environmental and the participacion in the society by means of the environmental class action, its procedures and its purposes, the intention to structure an efficient procedural instrument to preserve environment. The problem of the legal guardianship is manifested when its degradation is threatening either the welfare or the quality of human life. The proposed study starts with an analysis of the processes of the environmental degradation and the need of awareness of the society, seeking examples of legal institutions of substantive law, so that enable the construction of sustainable cities, and rescuing the historical construction of the environmental law and the legal apparatus. From the reflection of the collective rights, which ones are the bases of the middle diffuse to engender the preventive custody with the inhibitory effect, with a central preoccupation of the environmental class action, which is an institute proceeding necessary to the twenty-first century society. It reveals, then, the nuances of the environmental class action, with the development of the protective legal system, the object of legal protection, the protected areas and the means of action, the collective action and its divergences according to the traditional class action. Thus, it starts to show the main features about that institute. The results of the current research leads us to the conclusion that the process of expanding formation of a collective legal framework became necessary to supply the needs of the environmental citizens because once that the administrative procedures of substantive rights which was available to the citizens didn’t reach the effects, there was a conjecture very favorable to the use of the environmental class action. Today we verify that its legal construction is structured and its procedural instruments are available, it reveals, then, like a pioneer institute, with an important contribution to the participation of the society in the environment preservation. Keywords: Environmental Citizenship; Environment; Preventive and Inhibitory custody; Collective Rights; Environmental class action.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12 CAPÍTULO I. O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SAUDÁVEL: CO NSIDERAÇÕES GERAIS ..................................................................................................................................... 14 1.1 Aspectos gerais sobre o direito ao meio ambiente saudável e sua tutela ............................. 14 1.2 Ação popular como garantia constitucional ......................................................................... 44 CAPÍTULO II. PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA PRESERVAÇ ÃO .................... 57 2.1 Cidades e sustentabilidade .................................................................................................... 57 2.2 A função social da propriedade e da cidade ......................................................................... 70 2.3 A construção da sustentabilidade ......................................................................................... 75 2.4 A cidade como bem ambiental ............................................................................................. 81 2.5 Participação efetiva da sociedade ......................................................................................... 87 CAPÍTULO III. SISTEMA NORMATIVO DO DIREITO PROCESSU AL COLETIVO 112 3.1 Considerações iniciais sobre o direito processual coletivo ................................................. 112 3.2 Aspectos processuais relevantes na tutela coletiva.............................................................. 120 3.3 Direito ao meio ambiente: direito individual e direito coletivo........................................... 126 CAPÍTULO IV. TUTELAS ESPECÍFICAS ........................................................................ 147 4.1 Considerações gerais sobre a tutela dos direitos difusos e coletivos ................................... 147 4.2 Participação atuante da sociedade civil ............................................................................... 152 4.3 Interesses, tutelas e sentenças .............................................................................................. 155 4.4 Tutela jurisdicional adequada: preventiva e inibitória ........................................................ 163 CAPÍTULO V. A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL .......................................................... 177 5.1 Contextualização ................................................................................................................. 177 5.2 Natureza Jurídica ................................................................................................................. 185 5.3 Competência ........................................................................................................................ 187 5.4 Procedimento ....................................................................................................................... 191 5.5 Partes ................................................................................................................................... 191 5.5.1 Legitimidade ativa ........................................................................................................ 192 5.5.1.1 Conceito de cidadão............................................................................................... 194 5.5.2 Legitimidade passiva .................................................................................................... 198 5.5.3 A legitimidade ativa e passiva na ação popular ambiental ........................................... 200 5.5.4 Assistência do Ministério Público ................................................................................ 202 5.6 Causa de pedir ..................................................................................................................... 203 5.6.1 Ilegalidade e lesividade ................................................................................................ 203 5.6.2 Ato comissivo ou omissão ............................................................................................ 205 5.7 Pedido .................................................................................................................................. 206

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5.8 Interesse de agir ................................................................................................................... 209 5.9 Possibilidade jurídica do pedido .......................................................................................... 210 5.10 Prazo prescricional ............................................................................................................ 211 5.11 Petição inicial .................................................................................................................... 212 5.12 Liminar .............................................................................................................................. 213 5.13 Citação ............................................................................................................................... 215 5.14 Fase instrutória .................................................................................................................. 216 5.15 Sentença ............................................................................................................................. 216 5.16 Recursos ............................................................................................................................ 217 5.17 Reexame necessário da matéria ......................................................................................... 218 5.18 Coisa julgada e efeitos da decisão ..................................................................................... 219 5.19 Execução na ação popular ................................................................................................. 219 5.20 Pessoa jurídica no pólo passivo da ação popular ambiental .............................................. 220 5.21 Uma nova figura: o amicus curiae na ação popular ........................................................... 228 CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 233 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 238

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INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição de 1988, uma profunda mudança operou-se no

Brasil, tanto na área social, quanto política, com a positivação dos novos direitos que estão se

efetivando devido o surgimento de movimentos que conquistaram espaços, a exemplo dos

movimentos ecológicos, que agora se concretizaram através da participação da sociedade

organizada.

Para o desenvolvimento do presente estudo será utilizado o método dedutivo e a

pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e de artigos científicos disponíveis na rede mundial de

computadores.

O objetivo geral é o estudo do Direito Ambiental e a participação da sociedade na

preservação do meio ambiente, por via da ação popular ambiental, como forma inicial de ter

um instrumento prático de defesa dos interesses da coletividade.

Isto porque a ação popular é um instrumento importantíssimo, a demanda popular

não se resume a sua análise estrutural, ainda que inserida no contexto constitucional.

Assim, ao falar de ação popular ambiental, podemos nos ater somente em sua

instrumentalidade, em sua efetividade ou, ainda, nos desdobramentos que esse instituto pode

ocasionar na prática do dia a dia.

Para tanto, o presente estudo foi dividido em cinco capítulos.

No início far-se-á as considerações gerais, identificando-se a evolução histórica das

leis que regem a proteção ambiental, bases filosóficas, efetividade, direitos humanos e ação

popular.

Logo depois dedicaremos ao estudo do meio ambiente, do tratamento e da proteção

que lhe foram outorgados; da cidade onde vivem os cidadãos, de sua sustentabilidade e de sua

liberdade para ter uma sadia qualidade de vida, enfim, da cidade como bem ambiental.

Em detrimento desse estudo realizado será feita uma abordagem dos princípios para

a formação do processo coletivo, com a nova divisão do direito em individual e coletivo,

assim como os tratados pela recente doutrina.

Ato contínuo analisar-se-á as questões da tutela, especialmente a preventiva e

inibitória, colacionando-se doutrina expressiva acerca do assunto, uma vez que nem sempre as

normas processuais do ordenamento jurídico brasileiro, marcadamente direcionado à solução

de conflitos de índole individual, podem ser empregadas a contento e com segurança para o

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enfrentamento de questões relacionadas à tutela coletiva de interesses e direitos, carente que é

de uma sistematização processual específica.

O presente estudo tratará das ações coletivas em espécie. A ação popular ambiental

será estudada detidamente mostrando sua evolução constitucional, seu enquadramento legal,

os aspectos processuais específicos e seus institutos.

É certo que a atribuição de legitimação coletiva ao cidadão para a defesa de direitos

relativos ao meio ambiente, difusos, representa um avanço na garantia do efetivo exercício da

cidadania e um incentivo à conscientização de que nossas atitudes produzem reflexos no

dimensionamento da vida privada.

Por enquanto, cabe ao intérprete a tarefa de encontrar e trilhar com sabedoria os

caminhos fornecidos pelas leis que regem cada uma das vertentes da ação popular ambiental,

que é um dos instrumentos conferidos pelo sistema ao cidadão para que possa exercer, com

efetividade, suas prerrogativas constitucionais, no Estado Democrático de Direito. Tudo com

vistas a uma prestação jurisdicional eficaz.

O compromisso do Direito é criar ou aprimorar os instrumentos para a efetivação

dos direitos que integram o rol dos direitos socioambientais, coerentes com o texto

constitucional, e conformar a proteção dos direitos sociais e da cidadania não só como direitos

individuais, mas também como direitos coletivos.

O instituto da ação popular ambiental merece um estudo sério, tendente a sua

compreensão. Ocorre que o entendimento da demanda popular não se resume a sua análise

estrutural, simplesmente.

Inserida no contexto constitucional é preciso uma apreensão do todo, sem descurar

de suas repercussões e da atividade interpretativa do jurista. A sua escassa efetividade carece

de investigação para a ampliação de seu objeto e, assim, o direito à prestação jurisdicional

realiza-se com o ajuizamento da ação popular ambiental.

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CAPÍTULO I. O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SAUDÁVEL:

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Neste primeiro capítulo trataremos dos aspectos gerais do direito ao meio ambiente

saudável pontuando, inicialmente, a visão jurídica a cerca da posição do ser humano em

relação ao meio ambiente, caracterizado como bem de uso comum do povo na esfera de uma

concepção do direito ao meio ambiente como direito subjetivo público.

Então, diante de tal constatação, analisaremos a necessidade de reestruturação e

efetivação das prestações jurisdicionais frente ao surgimento de novas preocupações e

necessidades daquele indivíduo para a manutenção e promoção de uma vida digna, conceito

este concebido, para os contornos do nosso estudo, como o direito a uma vida saudável,

proporcionada por um meio ambiente equilibrado.

Assim, necessário será discutirmos a atuação estatal e da sociedade; neste caso, tal

atuação dá-se com expressão da liberdade; nas questões ambientais a partir do mandamento

constitucional do artigo 225 da Constituição Federal/88. E, neste contexto, abordaremos a

ação popular ambiental como instrumento de efetivação da cidadania para a preservação do

meio ambiente enquanto expressão dos direitos humanos.

1.1 Aspectos gerais sobre o direito ao meio ambiente saudável e sua

tutela

Quanto à formação do conhecimento pelo ser humano, Edis Milaré (2009, p. 54)

afirma que o mesmo “procede pela percepção das realidades parciais, pela elaboração de

juízos e pela concatenação de raciocínios”. Contudo, a percepção dessas realidades parciais e

a elaboração de juízos são muito diferentes de indivíduo para indivíduo, no tocante ao que é

importante ou não para a sobrevivência dos seres vivos.

E é em face deste caráter peculiar do ser humano e da constante evolução social de

que o mesmo participa, enquanto protagonista, que podemos constatar a também evolução

legislativa para a tutela de novos direitos, principalmente os difusos e os coletivos, definidos

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na Lei nº. 8.078/1990, bem como para um novo enfoque da tutela de direitos como os da

personalidade, protegidos, inclusive, constitucionalmente. Percebemos que a sociedade tem

exigido, seja do Poder Executivo, seja do Legislativo ou do Judiciário, uma tutela mais

efetiva, preventiva ou repressiva, dos direitos mencionados, tutela tão efetiva quanto a que é

dada para a proteção de certos direitos como os patrimoniais.

Nessa perspectiva, o direito à proteção ambiental, tema recorrente, reveste-se de

enorme importância, pois “meio ambiente é tudo o que nos envolve e com o que interagimos.

É um universo de certa forma inatingível. A realidade ambiental é mutante, cambiante,

evolutiva” (MILARÉ, 2009, p. 55).

Assim, podemos constatar que o ambiente é a expressão de uma visão global das

intenções e das relações dos seres vivos entre si e com o seu meio. Portanto, não é

surpreendente que “o Direito do Ambiente seja um direito de caráter horizontal, que recubra

os diferentes ramos clássicos do Direito, e um Direito de interações, que se encontra disperso

nas várias regulamentações” (MACHADO, 2009, p. 54).

Édis Milaré (2009, p. 113) esclarece que meio ambiente é “a combinação de todas as

coisas e fatores externos ao indivíduo ou população de indivíduos em questão”. Podemos

pontuar, mais exatamente, que o mesmo é constituído por seres bióticos e abióticos e suas

relações e interações.

Numa concepção mais ampla, o meio ambiente abrange toda a natureza natural e

artificial, assim como os bens culturais correlatos. Temos aqui, então:

[...] um detalhamento do tema: de um lado, com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e de outro, com o meio ambiente artificial, formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções (MILARÉ, 2009, p. 113).

Quanto à visão jurídica do posicionamento do ser humano em relação ao meio

ambiente, Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p. 17) afirma que:

[...] por tudo isso, não temos dúvida em afirmar que não só existe uma visão antropocêntrica do meio ambiente em sede constitucional, mas também uma indissociável relação econômica do bem ambiental com o lucro que pode gerar, bem como com a sobrevivência do próprio ambiente. Além disso, a vida humana só será possível com a permanência dessa visão antropocêntrica – o que, obviamente, não permite exageros -, visto que como o próprio nome já diz, ecossistema engloba os seres e suas interações positivas em determinado espaço.

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Apesar de demonstrar que a tese constitucional é inerentemente dotada de uma visão

antropocêntrica, o mesmo autor (2009, p. 17) pontua que “a vida em todas as suas formas

devem ser destinatárias do direito ambiental”. Portanto, diante desta concepção, o “direito

ambiental teria por objeto a tutela de toda e qualquer vida. Embora contrária à visão

antropocêntrica do direito ambiental brasileiro”.

No mesmo sentido, Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 129) também afirma que

“o caput do art. 225 é antropocêntrico”. Trata-se o meio ambiente, de:

[...] um direito fundamental da pessoa humana, como forma de preservar a ‘vida e a dignidade das pessoas’ – núcleo, essencial dos direitos fundamentais, pois ninguém contesta que o quadro da destruição ambiental no mundo compromete a possibilidade de uma existência digna para a Humanidade e põe em risco a própria vida humana.

A Declaração da Conferência do Rio de Janeiro/92 ratificou esse posicionamento ao

colocar, no seu Princípio I que “Os seres humanos constituem o centro das preocupações

relacionadas com o desenvolvimento sustentável”. Nos parágrafos do artigo 225 equilibra-se

o antropocentrismo com o biocentrismo; nos §§ 4º e 5º e nos incisos I, II, III e VII do § 1º;

havendo a preocupação de harmonizar e integrar seres humanos e biota, na acertada

explanação de Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 129).

O Supremo Tribunal Federal, no voto do Ministro Celso de Mello, relator, no

mandado de segurança 22.164-0-SP, j.30.10.1995, DJU 17.11.1995, caracterizou o direito ao

meio ambiente:

[...] como um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero Humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações.

A preocupação metaindividual com a proteção do meio ambiente resulta do fato de

que a sociedade humana, por meio da sociedade das nações, entrou numa fase árdua de

grandes transformações. “Evoluções tecnológicas aceleradas, atitudes agressivas no comércio

internacional, o avanço do efeito estufa, a crescente perda da biodiversidade e a depleção de

recursos” (MILARÉ, 2009, p. 56).

Entre os fatores socioambientais, o “fosso ampliado entre nações ricas e pobres, as

doenças causadas por distúrbios no equilíbrio ecológico e o consumismo ensandecido, são

fatores que preocupam” conclui o mencionado autor (2009, p. 56).

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Por isso, “o direito do ambiente tende a penetrar todos os sistemas jurídicos

existentes para orientá-los num sentido ambientalista”, ou seja, o Direito Ambiental é “um

direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência

concernentes aos elementos que integram o ambiente” (MACHADO, 2009, p. 54).

Como consequência da observação deste cenário, surgiu a Lei Federal nº. 6.938, de

31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Mencionado

diploma legal estabelece como princípio dessa política que o meio ambiente é patrimônio

público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; artigo 2º,

I, da Lei nº. 6.938/1981, de acordo com os registros de Edis Milaré (2009, p. 125).

Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p. 03) afirma que a Lei nº. 4.717/65,

“configurou uma evolução doutrinária até que, em 1981, veio a ser editada a Lei nº.

6.938/81”, que estabeleceu, pela primeira vez, a política de meio ambiente, destacando-o

como “uma interação de ordem química, física, biológica que permite, abriga e rege a vida em

todas as suas formas”.

A Lei nº. 6.938/81 representou um grande impulso na tutela dos direitos

metaindividuais e, “nesse caminhar legislativo, em 1985, foi editada a Lei nº. 7.347”, esta

“veio a colocar à disposição um aparato processual toda vez que houvesse lesão ou ameaça de

lesão ao meio ambiente [...]”: a ação civil pública, segundo as palavras do autor (2009, p. 04).

Então, temos a inserção da tutela do meio ambiente na Constituição Federal de 1988,

como “realidade natural e, ao mesmo tempo, social, deixa manifesto do constituinte o escopo

de tratar o assunto como res maximi momenti, isto é, de suma importância para a nação

brasileira” (MILARÉ, 2009, p. 143). A Constituição Federal de 1988, além de afirmar o

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, “determina que incumbe ao Poder

Público proteger a fauna e a flora, interditando as práticas que coloquem em risco sua função

ecológica ou provoquem a extinção de espécies” (MACHADO, 2009, p. 59). Isto porque, o

direito contemporâneo sente a necessidade de estabelecer normas que assegurem o equilíbrio

ecológico tendo em vista a evolução social acima comentada.

Ao longo do tempo a preocupação ambientalista fez surgir e desenvolver uma

legislação ambiental em todos os países. Variadas e dispersas, as normas eram de três tipos:

[1] umas constituíam simples prolongamento ou adaptação das circunstâncias atuais da

legislação sanitária ou higienista do século XIX e da [2] que, também em épocas anteriores,

protegia a paisagem, a fauna e a flora; [3] outras de cunho moderno e de base ecológica.

No Brasil a tutela jurídica do meio ambiente, como é natural, sofreu profunda

transformação. Mas, “por muito tempo predominou a desproteção total, de sorte que norma

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alguma coibia a devastação das florestas, o esgotamento das terras, pela ameaça do

desequilíbrio ecológico” (SILVA, 2003, p. 35).

Detalhando a evolução legislativa brasileira quanto à proteção ao meio ambiente, em

um primeiro momento surgiram normas protetoras de incidência restrita, porque destinadas a

proteger direito privado na composição dos conflitos de vizinhança. Assim era o artigo 554,

do Código Civil de 1916, que atribuía ao proprietário ou inquilino de um prédio o direito de

impedir que o mau uso da propriedade vizinha pudesse prejudicar a segurança, o sossego e a

saúde dos que a habitavam.

Depois do Código Civil de 1916, veio o Regulamento de Saúde Pública [Decreto nº.

16.300, de 31.12.1923], que criou uma Inspetoria de Higiene e Profissional. A partir de 1934

desenvolveu-se uma legislação com algumas normas específicas de proteção do meio

ambiente tais como: o Código Florestal [Decreto nº. 23.793, de 23.1.1934], substituído pelo

vigente instituído pela Lei nº. 4.771, de 15.9.1965; o Código de Águas [Decreto nº. 24.643, de

10.7.1934], ainda em vigor que, no Título IV do Livro II, sobre Águas Nocivas, reprime a

poluição das águas; o Código de Pesca [Decreto-lei nº. 794, de 19.10.1938], que trouxe

algumas normas protetoras das águas, as quais foram ampliadas pelo Decreto-lei nº. 221, de

28.1.1967, vigente até hoje. Em 1967, foi editada a Lei 5.197, que instituiu o Conselho

Nacional de Proteção à Fauna.

Na esfera federal, a tutela do meio ambiente iniciou-se com o Decreto-lei nº. 248, de

28.2.1967, que instituiu a Política Nacional de Saneamento Básico, compreendendo o

conjunto de diretrizes de abastecimento de água e esgotos sanitários, e o Conselho Nacional

de Saneamento Básico. Logo após, foi editado o Decreto-lei nº. 303, que criou o Conselho

Nacional de Controle da Poluição Ambiental. “Esses dois decretos continham as linhas gerais

de uma política do Meio Ambiente, embora incipiente e insuficiente” (SILVA, 2003, p. 36).

Posteriormente, tais decretos foram revogados pela Lei nº. 5.318, de 26.9.1967, que

instituiu a Política Nacional de Saneamento Básico, com a criação do Conselho Nacional de

Saneamento. Em 1973, tivemos a criação do Decreto nº. 73.030, de 30.10.1973, da Secretaria

Especial do Meio Ambiente, cuja finalidade era a conservação do meio ambiente e o uso

racional dos recursos naturais.

Importantes para a tutela jurídica do meio ambiente foram três diplomas legais

editados logo a seguir, quais sejam: o Decreto-lei nº. 1.413, de 14.8.1975, dispondo sobre o

controle da poluição do meio ambiente provocada por atividade industrial; o Decreto nº.

76.389, de 03.10.1975, dispondo sobre medidas de prevenção e controle da poluição

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industrial, de que trata o decreto-lei supre-referido; a Portaria do Ministério do Interior 13, de

15.1.1976, fixando os parâmetros para a classificação das águas interiores nacionais.

Já na esfera penal, o Código Penal de 1940 definia, no seu artigo 271, o crime de

corrupção ou poluição de água potável. Especificamente quanto à realidade do Estado de São

Paulo, desde 1951 o mesmo vem editando leis e decretos para o controle e a repressão das

atividades poluidoras do meio ambiente, apesar de só a partir de 1970 ter sistematizado sua

política de proteção ambiental. Já em 29.12.1951, a Lei nº. 1.561-A instituiu o Código

Sanitário Estadual, que contém normas sobre a poluição do ar.

Essa sistematização estadual foi iniciada pelo Decreto-lei nº. 211 de 30.3.1970,

regulamentado pelo Decreto nº. 52.497 de 21.7.1970 [Código Estadual de Saúde], que cuida

da poluição do ar e do solo; posteriormente houve a regulamentação da Lei nº. 2.182, de

23.7.1953 pelo Decreto nº. 24.806, de 25.7.1975, com a imposição de normas para o

lançamento de esgotos e resíduos domiciliares e industriais nos cursos d’água, e pelo Decreto-

lei nº. 195-A, de 19.2.1970, com a normatização quanto ao combate à poluição das águas.

Depois, veio a Lei nº. 898, de 18.12.1975, que instituiu a proteção dos mananciais na Região

Metropolitana da Grande São Paulo.

Voltando a 1970, foi editado o Decreto-lei nº. 232, de 17.4.1970, que criou a

Superintendência de Saneamento Ambiental, como entidade autárquica. Já em 31.5.1976, foi

promulgada a Lei nº. 997, instituindo o sistema estadual de prevenção e controle da poluição

do meio ambiente.

Com relação à poluição das águas foram criadas duas entidades: a Companhia de

Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP [Lei nº. 119, de 29.6.1973] – com o

objetivo de planejar, executar e operar os serviços públicos de saneamento básico em todo o

território estadual, e a Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e de

Controle de Poluição das Águas – CETESB [Lei nº. 118, de 29.6.1973] – incumbida do

exercício do controle da poluição das águas em todo o território do Estado, a ela tendo sido

transferida, posteriormente, as atribuições sobre poluição do ar. Depois, houve sua alteração

para Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e de Defesa do Meio

Ambiente, ficando responsável pelo controle da qualidade do meio ambiente, em todo o

território do Estado de São Paulo.

Infelizmente “certo é que ainda não se tinha encarado o problema segundo uma visão

que inter-relacionasse todos os setores” (SILVA, 2003, p. 39).

Interessante registrar que na Constituição do Estado de São Paulo, a tutela do meio

ambiente está no Capítulo da Ordem Econômica [artigos 192 a 204]. Por este diploma legal

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fica estabelecido que o Estado e os municípios providenciarão, com a participação da

coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente

natural, artificial e do trabalho. No âmbito municipal, as leis orgânicas dos Municípios é que

cuidarão da questão ambiental.

Mas à União resta uma posição de supremacia no que tange à proteção ambiental e

com base na sua competência exclusiva, comum e concorrente é que a mesma já produzia

ampla legislação de proteção ambiental, com leis, decretos, portarias e resoluções1.

Posto isto, necessário é tecermos algumas considerações sobre o direito ao meio

ambiente equilibrado pontuando o que é o equilíbrio em termos ambientais.

1 Legislação tais como: Lei 2.312, de 3.9.1954, de Normas gerais sobre defesa e proteção da Saúde, Decreto 49.974-A, de 21.1.1961, que criou o código Nacional de Saúde, Lei 4.504, de 1964, que instituiu o Estatuto da Terra; Lei 5.318, de 26.9.1967, que instituiu a Política Nacional de Saneamento e criou o Conselho Nacional de Saneamento, Decreto-lei 1.098, de 25.3.1970, que veda aos navios a poluição das águas e o dano aos recursos do mar, Decreto-lei 7.030, de 30.10.1973, que criou a Secretaria Especial do Meio Ambiente, Decreto-lei 1.413, de 14.08.1975, que dispõe sobre controle da poluição industrial e atribui com exclusividade ao Poder Executivo Federal o fechamento de indústrias poluidoras consideradas de alto interesse do desenvolvimento e da segurança nacional; decreto 76.389, de 03.10.1975, alterado pelo Decreto 85.206, de 25.09.1980, que dispõe sobre as medidas de prevenção e controle da poluição industrial de que trata o Decreto-lei 1.413, de 1975, Portaria 13/76, de 16.01.1976, do Ministério do Interior, que classifica as águas interiores e estabelece normas para o seu enquadramento pelos órgãos competentes; Portaria SEMA 2/77, de 19.01.1977, que homologa normas concernentes a padrões de emissão de fumaça por veículo automotor á óleo diesel; Portaria SEMA 3/77, de 19.01.1977, que impõe as empresas à observância de normas contra a poluição do meio ambiente; Decreto 79.367, de 9.3.1977, que dispõe sobre normas e padrões para a potabilidade da água; Decreto 81.107, de 22.12.1977, que indica as atividades de alto interesse para o desenvolvimento e a segurança nacional, para efeito do disposto dos artigos 1º e 2º do Decreto-lei 1.413, de 1975; Portaria Inter-Ministerial 1/78, de 23.01.1978, que recomenda a observância das normas federais no enquadramento dos corpos d’água, respeitando-se os usos outorgados pela União; Portaria Inter-ministerial 90/78, que institui o comitê especial de estudos integrados de bacias hidrográficas CEEIBH; Portaria 442-BSB-78, de 03.10.1978, que aprova normas para a proteção sanitária de mananciais destinados à abastecimento que passaram a ser obrigatórias a partir de 06.10.1980; Portaria 323/78, de 29.11.1978, que proíbe o lançamento do vinhoto (restilo) nos corpos d’água; Portaria 2.010/78, de 26.12.1978, que sujeita os concessionários à apresentarem licença de funcionamento expedida pelo órgão estadual ou municipal responsável pelo controle da poluição; Portaria SEMA 2/79, de 09.02.1979, que dispõe sobre a derivação de águas públicas federais para preservação ambiental; Portaria MINTER GM 53/79, de 01.02.1979, dispondo sobre o tratamento de resíduos sólidos (lixo); Decreto 83.540, de 4.6.1979, que dispõe sobre poluição por óleo no mar; Lei 6.662, de 25.6.1979, que dispõe sobre política nacional de irrigação; Portaria DNAEE 99/79, de 31.8.1979, que aprova normas para a apresentação de projetos relativos à exploração de recursos hídricos; Decreto 84.017, de 21.9.1979, que aprova regulamento dos Parques Nacionais, Portaria MINTER-92, de 19.6.1980, que dispõe sobre a emissão de som e ruídos; Lei 6.803, de 02.07.1980, que dispõe sobre zoneamento industrial; Portaria MINTER-100/80, de 14.07.1980, que dispõe sobre emissão de fumaça por veículos a óleo diesel; Decreto 84.973, de 29.07.1980, que dispõe sobre co-localização de estações ecológicas e usinas nucleares; Portaria MINTER GM 124/80, de 20.08.1980, sobre localização de indústrias e construções potencialmente poluidoras; Lei 6.902, de 27.04.1981, que dispõe sobre criação de estações ecológicas e áreas de proteção ambiental; Lei 6.938, de 31.08.1981, que dispõe sobre o meio ambiente, estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente; Decreto 88.351, de 01.06.1983, que aprova o regulamento da lei 6.938, de 1981; Lei 7.347, de 24.07.1985, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente; Lei 7.796, de 10.07.1989, cria a Comissão Coordenadora Regional de Pesquisa na Amazônia – CORPAM; Lei 7.797, de 10.07.1989, cria o fundo Nacional do Meio ambiente; Lei 7802, de 11.07.1989, que dispõe sobre a Pesquisa, experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, o destino final dos resíduos, a embalagem, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins; Lei 9055, de 01.06.1995, sobre extração, asbestos/amianto; Lei 9.984, de 17.7.2000, criou a Agência Nacional de Águas; Lei 9.985, de 18.7.2000, que instituiu o sistema Nacional de Unidades de conservação da natureza.

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O Direito Ambiental tem entre suas bases a identificação das situações que

conduzem as comunidades naturais a uma maior ou menor instabilidade, e é também sua

função apresentar regras que possam prevenir, evitar e/ou reparar esse desequilíbrio.

O direito ao meio ambiente equilibrado, do ponto de vista ecológico, consubstancia-

se na conservação das propriedades e das funções naturais desse meio, de forma a permitir a

“existência, a evolução e o desenvolvimento dos seres vivos”. Ter direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado “equivale a afirmar que há um direito a que não se desequilibre

significativamente o meio ambiente” (MACHADO, 2009, p. 54).

O conceito de equilíbrio não é estranho ao Direito. Pelo contrário, a busca do

equilíbrio nas relações pessoais e sociais tem sido um objetivo a ser atingido pelas

legislações. O equilíbrio “pode ser conceituado como uma igualdade, absoluta ou aproximada,

entre forças opostas”. Para atingir “uma situação de igualdade, ainda que aproximada, das

forças em oposição, torna-se preciso que essas forças sejam identificadas e mensuradas”

(MACHADO, 2009, p. 58).

O estado de equilíbrio não visa à obtenção de uma situação de estabilidade absoluta,

em que nada se altere. É “um desafio científico, social e político permanente aferir e decidir

se as mudanças ou inovações são positivas ou negativas”, seguindo a linha do referido autor.

Em condições naturais, “as diversas espécies animais e vegetais têm uma população

mais ou menos estável, oscilando a um valor médio”. De outro lado, “há de ponderar que a

noção de ‘estabilidade’ é relativa, porque todo ecossistema é evolutivo em função das grandes

flutuações climáticas, às quais a biosfera está sujeita”, assevera Machado (2009, p. 59).

Acentua-se que o conceito de equilíbrio é, de fato, um conceito fundamental, capaz

de embasar “uma definição holística de ambiente, mais correta, no plano teórico, e mais

fecunda, no plano prático da tutela”. O ambiente é e deve ser considerado, como “um

conjunto de fatores naturais em equilíbrio entre eles” (2009, p. 59).

A especial característica do “princípio é a de o desequilíbrio ecológico não é

indiferente ao direito”, pois o Direito Ambiental “realiza-se somente numa sociedade

equilibrada ecologicamente”. Cada ser humano só fluirá plenamente de “um estado de bem-

estar e de equidade se lhe for assegurado o direito fundamental de viver num meio ambiente

ecologicamente equilibrado” (2009, p. 59).

Nos regimes constitucionais modernos a proteção do meio ambiente ganha

identidade própria, porque é mais abrangente e compreensiva, e, o mesmo “é elevado à

categoria de bem jurídico per se, vale dizer, dotado de um valor intrínseco e com autonomia

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em relação a outros bens protegidos pela ordem jurídica, como é o caso da saúde humana e de

outros bens inerentes à pessoa” (MILARÉ, 2009, p. 144).

De fato, continuando as palavras do mencionado autor (2009, p. 144) temos que a

Constituição de 1988 erigiu-o à “categoria de um daqueles valores ideais da ordem social”,

dedicando-lhe, “a par de uma constelação de regras esparsas, um capítulo próprio” que,

definitivamente, “institucionalizou o direito ao ambiente sadio como um direito fundamental

do indivíduo”.

A Constituição define meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de

todos, e lhe dá a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de

vida, impondo a co-responsabilidade do Poder Público e do cidadão pela sua defesa e

preservação, de acordo com o artigo 225, Constituição Federal/88.

Portanto, ao proclamar o meio ambiente como bem de uso comum do povo, foi

reconhecida a sua natureza de direito público subjetivo, vale dizer, exigível e exercitável em

face do próprio Estado, que tem também a missão de protegê-lo.

Quanto à tutela coletiva do meio ambiente, Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p.

03) afirma que “por estar sensível aos fatos o constituinte de 1988 trouxe uma novidade além

de autorizar a tutela dos direitos individuais, passou a admitir a tutela dos direitos coletivos,

porque compreendeu a existência de uma terceira espécie de bem: o bem ambiental”.

Como ressalta Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p. 10), a “nossa Carta Magna

estruturou uma composição para a tutela dos valores ambientais, reconhecendo-lhes

características próprias”, consagrando assim uma nova concepção ligada a direitos que

“muitas vezes transcendem a tradicional idéia dos direitos ortodoxos: os chamados direitos

difusos”, como já afirmado anteriormente. E, regulou tudo isso no artigo 225 da Constituição

Federal/88, no qual “encontramos os fundamentos básicos para a compreensão do instituto”.

Já no tocante ao aspecto econômico, o meio ambiente como fator que diretamente

implica no bem estar da coletividade, “deve ser protegido dos excessos quantitativos e

qualitativos da produção econômica que afetam a sustentabilidade e dos abusos das

liberdades” que a Constituição confere aos empreendedores. Aliás, a própria Ordem

Econômica, analisada em seguida, “requer garantias de obediência as regulamentações

cientificas, técnicas, sociais e jurídicas relacionadas a gestão ambiental” (MILARÉ, 2009, p.

154).

A ordem econômica brasileira, “fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa”, conforme artigo 170, caput, da Constituição Federal de 1988, tem, entre seus

princípios, a “defesa do meio ambiente” [artigo 170, VI, da Constituição Federal].

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Aqui está, de acordo com Edis Milaré (2009, p. 155), um dos principais – se não o

principal – avanços da Constituição em relação à tutela ambiental. O sentido e o alcance desse

princípio “e da sua inclusão como limite à livre iniciativa” são por demais complexos e

amplos.

De qualquer modo, cabe ressaltar que, nos termos da Constituição, estão

desconformes – e, portanto, não podem prevalecer – as atividades decorrentes da iniciativa

privada [da pública também] que violem a proteção do meio ambiente. Ou seja, a

“propriedade privada, base da ordem econômica constitucional, deixa de cumprir sua função

social – elementar para sua garantia constitucional – quando se insurge contra o meio

ambiente”, de acordo com citado autor (2009, p.155).

Este é o sentido do disposto no artigo 1.228, § 1º, do Código Civil de 2002, que

assim preceitua: “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas

finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o

estabelecido em histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

Ressaltando o aspecto coletivo, Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p. 11) entende

que “povo, enquanto conjunto de indivíduos que falam a mesma língua têm costumes e

hábitos assemelhados, afinidades de interesses, história e tradições comuns, é quem exerce a

titularidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado”, dentro de uma nova visão

constitucional plenamente adaptada aos interesses de uma sociedade de massa, importante o

registro porque o artigo 225, ao definir o bem ambiental, preceitua-o como um bem de uso

comum do povo.

Quanto à compreensão do que seja um bem ambiental, Celso Antônio Pacheco

Fiorillo (2009, p. 14) chama a atenção para o fato de que “é um bem resguardado não só no

interesse dos que estão vivos, mas também no das futuras gerações”.

Contudo, não basta garantir apenas a vida, ou seja, não basta viver ou conservar a

vida. É necessário buscar e conseguir a qualidade de vida. A Organização das Nações Unidas,

ONU, anualmente faz uma classificação dos países em que a qualidade de vida é medida, pelo

menos, em três fatores: saúde, educação e produto interno bruto. “A qualidade de vida é um

elemento finalista do Poder Público, onde se unem a felicidade do indivíduo e o bem comum,

com o fim de superar a estreita visão quantitativa, antes expressa no conceito de nível de

vida” (MACHADO, 2009, p. 61).

Assim, a saúde dos seres humanos não existe somente numa contraposição a não ter

doenças diagnosticadas no presente. Leva-se em conta o estado dos elementos da Natureza –

águas, solo, ar, flora, fauna e paisagem – para se aquilatar se esses elementos estão em estado

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de sanidade e de seu uso advenham saúde ou doenças e incômodos para os seres humanos.

Essa ótica influenciou a maioria dos países, e em suas Constituições passou a existir a

afirmação do direito a um ambiente sadio.

Os bens que integram o meio ambiente planetário, como água, ar e solo, devem

satisfazer as necessidades comuns de todos os habitantes da Terra. As necessidades comuns

dos seres humanos “podem passar tanto pelo uso comum pelo não uso do meio ambiente”.

Desde que utilizável o meio ambiente, adequado pensar-se em um meio ambiente como bem

de uso comum do povo. Por isso, “é necessário alargar-se esse conceito com relação àquele

empregado pelo Direito Romano” (MACHADO, 2009, p. 62).

Diante dessas constatações, podemos apontar que o Direito Ambiental tem a tarefa

de estabelecer normas que indiquem como verificar as necessidades de uso dos recursos

ambientais. Não basta a vontade de usar esses bens ou a possibilidade tecnológica de explorá-

los. É preciso estabelecer a razoabilidade dessa utilização, devendo-se quando a utilização não

for razoável ou necessária, negar o uso, mesmo que os bens não sejam atualmente escassos.

O acesso dos seres humanos à natureza supõe a aceitação do Princípio 1 da

Declaração do Rio de Janeiro/92, que diz que: “Os seres humanos constituem o centro das

preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida

saudável e produtiva em harmonia com a natureza”.

O homem não é a única preocupação do desenvolvimento sustentável. A

preocupação com a natureza, como ressalta Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 63), deve

também “integrar o desenvolvimento sustentável”. Nem sempre o “homem há de ocupar o

centro da política ambiental, ainda que comumente ele busque um lugar prioritário”. Haverá

casos em que “para se conservar a vida humana ou para colocar em prática a harmonia com a

natureza será preciso conservar a vida dos animais e das plantas em áreas declaradas

inacessíveis ao próprio homem” (MACHADO, 2009, p. 63). Parece paradoxal chegar-se a

essa solução do impedimento do acesso humano, que, a final de contas, deve ser decidida pelo

próprio homem.

No que tange ao equacionamento da visão antropocêntrica e da ecocentrica da

legislação ambiental, assim esclarece:

A querela concernente às finalidades antropocêntricas ou ecocêntricas da proteção do meio ambiente obscureceram um pouco a evolução para conceitos globais e de longo termo, os quais deveriam necessariamente conduzir ao reconhecimento das convergências com a proteção da saúde humana.

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Dependerá da legislação de cada país o regime de propriedade dos bens ambientais.

Conforme for “essa legislação, encontraremos ou não o acesso equitativo aos recursos

naturais” (MACHADO, 2009, p. 63).

No tocante ao uso do meio ambiente, é a equidade que deve orientar a fruição ou o

uso da água, do ar e do solo. A equidade dará oportunidades iguais diante de casos iguais ou

semelhantes. Neste cenário, cabe pontuar que dentre as formas de acesso aos bens ambientais

destaquem-se pelo menos três: “acesso visando ao consumo do bem (captação de água, caça,

pesca), acesso causando poluição (acesso à água ou ao ar para lançamento de poluentes;

acesso ao ar para a emissão de sons) e acesso para a contemplação da paisagem”

(MACHADO, 2009, p. 64). Assim, também incidirá a aplicação da equidade quanto ao acesso

a esses bens.

Logo, a reserva dos bens ambientais, com a sua não utilização atual, passaria a ser

equitativa se fosse demonstrado que ela estaria sendo feita para evitar o esgotamento dos

recursos, com a guarda desses bens para as gerações futuras.

No trato do meio ambiente, e tendo em vista a sua natureza de bem difuso, podemos

entender que “o patrimônio ambiental é, enquanto tal, intangível por natureza, consistindo

mais em uma categoria abstrata, uma espécie de rubrica etérea que serve como grife para

caracterizar determinadas espécies de bens”. Esses bens, por sua vez, são dotados de muitos

valores diferentes, entre os quais o valor econômico, como os recursos hídricos e os florestais,

que entram na categoria de insumos para os processos produtivos. O “objeto material (o bem)

é o mesmo, a saber, aquele determinado recurso; mas o objeto formal se diferencia conforme

as lentes através das quais o mesmo bem é observado: as visões do jurista, do poeta, do

cientista, do religioso, do político, do cidadão [...]” (MILARÉ, 2009, p. 208).

A característica de patrimônio da coletividade atribuída ao meio ambiente deve-se à

sua organização por meio de relações ecossistêmicas. Esta última é que constitui o meio

ambiente como bem difuso de interesse coletivo.

Se pudermos considerar patrimônio ambiental – como, aliás, também o patrimônio

nacional em sentido amplo – como uma categoria abstrata, “essa categoria já não se aplica aos

bens ambientais, que são concretos, res tangibiles ac sensibiles, perceptíveis por um ou mais

sentidos, e até mesmo quantificáveis e valoráveis economicamente em alguns casos”

(MILARÉ, 2009, p. 209).

Se o meio ambiente, em seu todo, “é um bem ‘maior’ e difuso – por conseguinte

intangível–, os seus componentes vêm a ser bens ‘menores’ e, em contrapartida, concretos e

tangíveis”. Por isso, são estes últimos que se configuram como “objeto precípuo do Direito do

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Ambiente e da Gestão Ambiental, áreas que operam com concretudes e coisas reais”. O bem-

estar, as influências benéficas resultantes, são valores de outras ordens, que “decorrem, como

efeitos, das ações jurídicas e gerenciais, ou seja, da proteção conferida pelo Direito”, assim

como “da destinação correta proporcionadas pela administração ambiental” nos dizeres de

referido doutrinador (2009, p. 210).

Como entender, na doutrina e na prática jurídica, a diferença entre meio ambiente

como bem de uso comum do povo e os seus componentes como recursos naturais e bens

ambientais?

O meio ambiente como bem, em seu conjunto, caracteriza-se pelo equilíbrio

ecológico e pela saúde ambiental dele decorrente.

Conforme esclarece Raúl Canosa apud Machado (2009, p. 126), “o meio ambiente é

um bem coletivo do desfrute individual e geral ao mesmo tempo”, ou seja, o direito ao meio

ambiente é de cada pessoa, mas não só dela, sendo ao mesmo tempo “transindividual”. Por

isso:

[...] o direito ao meio ambiente entra na categoria de interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada. Enquadra-se o direito ao meio ambiente na problemática dos novos direitos, sobretudo a sua característica de direito de maior dimensão, que contém seja uma dimensão subjetiva como coletiva, que tem relação com um conjunto de utilidade.

Neste sentido, assim decidiu a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal, em sede da

apelação em ação civil pública 1998.04.009684-2-SC: “Um meio ambiente sadio e

ecologicamente equilibrado representa um bem e interesse transindividual, garantido

constitucionalmente a todos, estando acima de interesses privados”, nos registros do citado

autor (2009, p. 127).

A equidade no acesso aos recursos ambientais deve ser enfocada não só com relação

à localização espacial dos usuários atuais, mas também em relação aos usuários potenciais das

gerações vindouras.

Com oportunidade, anota José Rubens Morato Leite (et al, 2005, p. 623):

[...] o modo de vida humano não consegue – ao menos no momento – abandonar a idéia de que o ambiente é, de alguma forma, servil. Neste contexto, cabe a constatação de que o próprio Direito só passou a tratar de concepções ambientais nas últimas décadas, havendo Estados que ainda consideram o ambiente a partir de concepções ambientais nas últimas décadas, havendo Estados que ainda consideram o ambiente a partir de concepções notadamente economicocêntricas.

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Com efeito, quando a Constituição Federal de 1988 diz que todos têm direito a um

meio ambiente ecologicamente equilibrado, aponta a existência de um direito vinculado à

hipótese de um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Na análise da norma, Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p. 13), diz que “com

respeito á estrutura finalística do direito ambiental, porquanto esse bem de uso comum do

povo, para que se caracterize como um bem ambiental e seja traduzido como difuso, tem de

ser essencial à sadia qualidade de vida”.

A concepção essencial à sadia qualidade de vida reporta-nos aos destinatários da

norma constitucional, que somos todos nós.

Sobre o alcance da referida norma matriz, [artigo 225, da Constituição Federal/88],

Édis Milaré (2009, p. 156) argumenta, em primeiro lugar, que “cria-se um direito

constitucional fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Como todo direito

fundamental, o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado é indispensável”.

Ressalte-se que essa indisponibilidade vem acentuada na Constituição Federal pelo

fato de mencionar-se que “a preservação do meio ambiente deve ser feita no interesse não só

das presentes, como igualmente das futuras gerações”. Estabeleceu-se, “por via de

conseqüência, um dever não apenas moral, como também jurídico e de natureza

constitucional”, para as gerações atuais de transmitir esse patrimônio ambiental às gerações

que nos sucederem e nas melhores condições do ponto de vista do equilíbrio ecológico.

Em segundo lugar, o citado autor (2009, p. 156) esclarece que, o meio ambiente,

como “entidade autônoma, é considerado ‘bem de uso comum do povo’, ou seja, não pertence

a indivíduos isolados, mas à generalidade da sociedade, na linha, aliás, do que já vinha

consignado na Lei nº. 6.938/1981”, que o qualifica como “patrimônio público a ser

necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”.

Além de ser bem comum do povo – e aqui expomos a terceira consideração do

mencionado autor (2009, p. 157) – o meio ambiente é “reputado bem essencial à sadia

qualidade de vida. Em outras palavras, sem respeito a ele, não se pode falar em qualidade de

vida”.

Em quarto lugar, cria-se para o Poder Público “um dever constitucional, geral e

positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, isto é, de zelar pela defesa

(defender) e preservação (preservar) do meio ambiente” (MILARÉ, 2009, p. 157). O Poder

Público sai da esfera da conveniência e oportunidade para ingressar num campo estritamente

delimitado, o da imposição, onde só cabe um único comportamento: proteger e preservar o

meio ambiente.

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De outra parte, deixa o cidadão de ser mero titular [passivo] de um direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado e passa também a ter a titularidade de um dever, o de

defendê-lo e preservá-lo. Estabelece-se, nesse ponto, claramente uma relação jurídica do tipo

denominado, em doutrina, função.

O dever estatal geral de defesa e preservação do meio ambiente é fragmentado em

deveres específicos, igualmente constitucionalizados. Édis Milaré (2009, p. 158), registra que,

em síntese, são eles:

1. Preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais. Cuida-se aqui de

garantir, através de “ações conjugadas de todas as esferas e modalidades do Poder Público”, o

que se encontra em boas condições originais e, simultaneamente, de recuperar o que foi

degradado: trata-se de ações conjugadas porque não são excludentes, ao contrário, somam-se;

“uma não espera pela outra, ambas devem concretizar-se onde e quando for necessário o

tratamento do meio, ou profilático e preventivo, ou terapêutico e corretivo”.

Tais processos ecológicos essenciais podem ser entendidos como “aqueles que

garantem o funcionamento dos ecossistemas e contribuem para a salubridade e higidez do

meio ambiente”. São seus exemplos: transporte e utilização de energia, produção, transporte e

utilização de matérias vivas, biodegradação de rejeitos, restituição aos corpos receptores [ar,

água e solo] de suas condições e qualidades naturais.

2. Promoção do manejo ecológico das espécies e ecossistemas. Significa “lidar com

as espécies e ecossistemas de modo a conservá-las e, se possível, recuperá-las”. “E prover o

manejo dos ecossistemas quer dizer cuidar do equilíbrio das relações entre a comunidade

biótica e o seu hábitat” (SILVA, 2008, p. 53).

3. Preservação de biodiversidade e controle das entidades de pesquisa e manipulação

do material genético.

Biodiversidade ou diversidade biológica vem a ser “a variedade complexiva de seres

que compõem a vida na Terra” (MILARÉ, 2009, p. 159), ou, no dizer da Convenção da

Biodiversidade, “a variabilidade de organismos terrestres, marinhos e outros ecossistemas

aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade

dentro das espécies, entre espécies e de ecossistemas” [Decreto Federal nº. 4.287/2002].

Significa “reconhecer, inventariar e manter o leque dessas diferenças de organismos

vivos. Nesse sentido, quanto mais diferenças, existirem, maiores serão as possibilidades de

vida e de adaptação às mudanças” (MILARÉ, 2009, p. 161).

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Assim, quando a variedade de espécies em um ecossistema se altera, a sua

capacidade em absorver a poluição, manter a fertilidade do solo, purificar a água também é

alterada.

Ao contrário do que ocorria até recentemente, quando a preocupação dos

ambientalistas era a proteção das espécies, da flora e da fauna ameaçadas de extinção, hoje

existe uma inquietação muito mais ampla, centrada no patrimônio genético, formado ao longo

de milhões de anos.

Nos termos do artigo 2º da Convenção sobre Diversidade Biológica, material

genético significa “todo material de origem vegetal, animal, microbiana ou outra que

contenha unidades funcionais de hereditariedade”.

Nas palavras de Édis Milaré (2009, p. 162), os setores de ponta do capitalismo

avançado estão convencidos de que, “após a revolução da informação, aproxima-se a grande

onda da inovação tecnológica, que trará proximamente a revolução biológica e a revolução

dos novos materiais”.

Percebeu-se, realmente, com o desenvolvimento da biotecnologia, em particular da

Engenharia Genética [atividade de produção e manipulação de moléculas DNA/RNA –

recombinante], a possibilidade de “exploração em escala industrial mundial de infinitas

variedades de microorganismos, plantas e animais, acarretando um fluxo de milhões e

milhões de dólares para a agricultura, indústria e medicina” (MILARÉ, 2009, p.162).

De repente, o mundo acordou para a realidade de que a floresta intacta, por exemplo,

vale mais que a mata cortada, não só para as comunidades locais e populações indígenas,

como também para alguns dos maiores conglomerados industriais do mundo, nas explicações

referido doutrinador.

4. Definição de espaços territoriais especialmente protegidos. Esta terminologia serve

para designar uma área sob regime especial de administração, com o objetivo de proteger os

atributos ambientais justificadores do seu reconhecimento e individualização pelo Poder

Público.

5. Realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

6. Controle da produção, comercialização e utilização de técnicas, métodos e

substâncias nocivas à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente.

7. Educação ambiental.

Além da identificação dos deveres estatais, necessário é também que o façamos em

relação aos deveres de todos, ou seja, da sociedade.

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Diante disto, precisamos estabelecer o que se entende por uma sadia qualidade de

vida.

É da observância do que é tutelado pela proteção estatal que encontramos o

fundamento da “sadia qualidade de vida” a que todos têm direitos. Aí se encontra

precisamente:

[...] o bem maior a ser preservado e usufruído pela sociedade. É certo: mas, e os seus componentes, o conjunto dos seres bióticos (fauna, flora e populações humanas) e dos abióticos (ar, água e solo)? Qual o seu papel? Merecem a mesma atenção? É claro: de fato, eles são bens menores, porém devem, da mesma forma, ser mantidos saudáveis, o que acontece quando se lhes permite manterem suas características naturais no contexto das relações ecossistêmicas, a salvo dos efeitos da poluição, da predação e das várias formas de degradação ambiental, vale dizer, da ação antrópica nociva (MILARÉ, 2009, p. 210).

Já as populações humanas, para serem saudáveis e sustentáveis, têm como direito

usufruir da boa qualidade ambiental e, na contrapartida, o dever de manter essa mesma

qualidade, seja para os humanos, seja para os demais seres que constituem a base física e

relacional dos ecossistemas.

Nos dizeres de Édis Milaré (2009, p. 210):

Anote-se: o ambiente responderá e corresponderá ao homem na medida e nos moldes em que for por ele tratado. Sim, a natureza tem o seu preço e as suas condições. Não há alternativa para a lei ou ordenamento da natureza, da qual, aliás, a espécie humana é parte integrante e solidária, apesar de nem sempre reconhecê-lo e aceitá-lo de bom grado.

Assim leciona José Afonso da Silva (2008, p. 83 - 84) quanto ao que deve ser

entendido como objeto do direito ao meio ambiente:

A Constituição, no artigo 225, declara que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Veja-se que o objeto do direito de todos não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente. O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado. O direito que todos temos é a qualidade satisfatória, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente. Essa qualidade é que se converteu em um bem jurídico. Isso é que a Constituição define como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Logo, os elementos constitutivos do meio ambiente “precisam ser sãos como partes

de um todo sadio, e a recíproca é verdadeira”. Se eles adoeceram ou perderam a sua sanidade,

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passam a ser alvo e objeto de saneamento, “um processo que vai torná-los novamente sãos e

propícios à vida, seja a vida própria, seja a vida de outros elementos aos quais se ligam pela

estrutura ecológica” – por isso, há um cuidado relativo a sua destinação a outros usos

selecionados pela sociedade, ou seja, para uso humano (MILARÉ, 2009, p. 210).

Anota ainda José Afonso da Silva (2009, p. 84), quanto a estas características do

meio ambiente, que:

[...] pode-se dizer que tudo isso significa que esses atributos do meio ambiente não podem ser de apropriação privada mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. Significa que o proprietário, seja pessoa pública ou particular, Não pode dispor da qualidade do meio ambiente a seu bel-prazer porque ela não integra a sua disponibilidade.

Dentro desta visão, devemos compreender o que seja essencial, conforme define

Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p. 13), “adotando um padrão mínimo de interpretação

ao art. 225 em face dos dizeres do art. 1º, combinado com o art. 6º da Constituição Federal,

que fixa o piso vital mínimo”.

Pois, segundo citado autor (2009, p. 13), um dos “princípios fundamentais da

República Federativa do Brasil é o da dignidade da pessoa humana”, e, para que uma pessoa

tenha “a tutela mínima de direitos constitucionais adaptada ao direito ambiental, deve possuir

uma vida não só sob o ponto de vista fisiológico, mas sobretudo concebida por valores

outros”, como os culturais, que são fundamentais para que ela possa sobreviver, em

conformidade com a nossa estrutura constitucional.

Por isso este doutrinador (2009, p. 14) aponta o critério da dignidade da pessoa

humana, “dentro de uma visão adaptada ao direito ambiental, preenchendo o seu conteúdo

com a aplicação dos preceitos básicos descritos no art. 6º da Constituição Federal”.

Uma vida com valores, primeiramente, envolve liberdade, para agir e poder buscar

melhorias em prol de uma vida digna, ou nas palavras constitucionais uma sadia qualidade de

vida, com dignidade.

Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p. 15) descreve que ao:

[...] estabelecer em seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) como fundamento destinado a interpretar todo o sistema constitucional, adotou uma visão explicitamente antropocêntrica, atribuindo aos brasileiros e estrangeiros residentes no País (arts. 1º, I, e 5º da Carta Magna) uma posição de centralidade em relação ao nosso sistema positivo.

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De acordo com essa visão, temos que “o direito ao meio ambiente é voltado para a

satisfação das necessidades humanas” (FIORILLO, 2009, p. 15). Daí a necessidade da

participação efetiva do povo, do coletivo, da sociedade em geral.

A participação comunitária na gestão ambiental ainda se encontra em processo de

evolução. Na verdade, somente na década de 1980, com “a retomada das LIBERDADES

democráticas, é que se começou a abrir espaço para as comunidades expressarem suas

reivindicações em favor da defesa do meio ambiente” (MILARÉ, 2009, p. 193).

Nesse período, difundiu-se na sociedade e no governo “a consciência de que as

questões ambientais deviam ser tratadas em conjunto com as populações afetadas”.

Reforçaram-se os canais de diálogo ante a convicção de que “os cidadãos com

amplos conhecimentos de sua realidade e com acesso à informação tinham melhores

condições de atuar sobre a sociedade”, de articular mais eficazmente desejos e idéias e de

tomar parte ativa nas decisões que lhes interessavam diretamente, como aponta citado autor

(2009, p. 193).

Diversos instrumentos de garantia foram previstos para as hipóteses de agressões ao

ambiente, impondo-se, agora:

[...] a abertura de espaço e de canais aos grupos sociais intermediários (associações civis de defesa do meio ambiente, de moradores de bairro, sindicatos, etc.), para que, em constante mobilização, pudessem permitir a adequação necessária da ação dos detentores do Poder às exigências e necessidades populares (MILARÉ, 2009, p. 193).

De fato, a comunidade, através de instituições, movimentos populares e organizações

intermediárias, envolve-se cada vez mais com a problemática ambiental. Isto decorre da

tomada de consciência da situação, do amadurecimento político das instituições e das pessoas,

assim como da estimulante solidariedade com a Terra.

Nenhum projeto político-administrativo pode ser desencadeado “sem a participação

comunitária se quiser obter legitimidade e eficácia” (MILARÉ, 2009, p. 194).

Aliás, os governos devem encarnar as aspirações da sociedade. A consciência do

meio ambiente como bem comum proporciona novos rumos na participação da comunidade

para definir seus objetivos, implementar suas ações e alcançar seus resultados.

Não se consideram mais como exclusivos e suficientes os órgãos de representação

institucional, ou as estruturas oficiais – ainda que válidos e indispensáveis-, como é o caso das

instituições do Poder Público em suas várias modalidades.

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A sociedade civil organizada, segmentos específicos da comunidade, as organizações

não governamentais estão sempre mais atuantes. O próprio modismo da reengenharia do

Estado, a tão falada terceirização na prestação de serviços e a busca de parcerias são de certa

forma, impulsos para a gestão participativa.

Isto vale, com as necessárias mudanças, para as várias esferas do Poder Público e em

seus diferentes níveis. Como bem ressalta Édis Milaré (2009, p. 194), “nenhum é exclusivo e

auto-suficiente”. E, continua, “Legislativo, Executivo e Judiciário não são mais que facetas

diferentes, com diferentes atribuições originadas do mesmo organismo social. É preciso que

sejam harmônicos e integrados”.

Da mesma forma, os níveis federal, estadual e municipal são complementares e se

retroalimentam, como num sistema amplo e único. Também eles, entre si, devem praticar a

gestão participativa.

O planejamento e o gerenciamento do meio ambiente são, assim, compartilhados

entre Poder Público e sociedade, já que o meio ambiente, como fonte de recursos para o

desenvolvimento da humanidade é, por suposto, uma das expressões máximas do bem

comum.

Álvaro Mirra (1989, p. 01), em excelente exposição sobre a matéria, aponta três

meios básicos pelos quais o grupo social pode atuar: “(i) participando nos processos de

criação do Direito Ambiental; (ii) participando na formulação e na execução de políticas

ambientais; (iii) atuando por intermédio do Poder Judiciário”.

O segundo meio pelo qual a coletividade pode atuar na defesa do meio ambiente, de

forma direta, é tomar parte na formulação e na execução de políticas ambientais. Segundo

citado autor, é exatamente aqui que:

[...] a participação popular tem sido mais deficiente, seja pela ausência de um canal direto que ligue a comunidade aos órgãos da Administração Pública, seja pela falta de composição paritária nos órgãos colegiados que participam da elaboração e da execução dessas políticas, e onde as propostas dos ambientalistas não raras vezes são rejeitadas.

A participação popular, visando à conservação do meio ambiente insere-se num

quadro mais amplo da participação diante dos interesses difusos e coletivos da sociedade. É

uma das notas características da segunda metade do século XX.

Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 98) aponta que “a ausência de um conjunto

de obrigações dos eleitos, previamente fixadas, tem levado as cidadãs e cidadãos a pleitear

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uma participação contínua e mais próxima dos órgãos de decisão em matéria do meio

ambiente”.

A Declaração do Rio de Janeiro, da Conferência das Nações Unidas para o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento, de 1992, em seu artigo 10 diz que “o melhor modo de tratar

as questões do meio ambiente é assegurando a participação de todos os cidadãos interessados,

no nível pertinente”.

No nível nacional, cada pessoa deve ter a possibilidade de participar no processo de

tomada de decisões. Contudo, temos que reconhecer que “são indissociáveis

‘informação/participação’, pois é evidente que a ‘participação’ dos ignorantes é um álibi ou

uma idiotice”, conforme registrado em vários depoimentos (MACHADO, 2009, p. 99).

O Direito Ambiental “faz os cidadãos saírem de um estatuto passivo de beneficiários,

fazendo-os partilhar da responsabilidade na gestão dos interesses da coletividade inteira”

(MACHADO, 2009, p. 99).

A participação dos indivíduos e das associações na formulação e na execução da

política ambiental foi uma nota marcante dos últimos vinte e cinco anos.

As associações ambientais, ao terem como metas a valorização da água, do ar, do

solo, da fauna, da flora e do próprio homem, tratam de interesses difusos, que não só dizem

respeito a cada um de seus associados, mas também a um número indeterminado de pessoas.

Argumenta Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 100) que “os indivíduos isolados,

por mais competentes que sejam não conseguem ser ouvidos pelos governos e pelas

empresas”. Ao mesmo tempo em que “os partidos políticos e os parlamentos não podem ser

considerados os únicos canais de reivindicações ambientais”.

A participação dos cidadãos e das associações não merece ser entendida como uma

desconfiança contra os integrantes da Administração Pública, sejam eles funcionários

públicos ou pessoas exercendo cargos em caráter transitório ou em comissão. A proteção dos

interesses difusos deve levar a “uma nova forma participativa de atuação dos órgãos públicos,

desde que não seja matéria especificamente de segurança dos Estados”, como registra

mencionado autor (2009, p. 100).

A participação cívica na conservação do meio ambiente não é um processo político já

terminado. Os fundamentos foram bem lançados em todo o mundo, mas o edifício da

participação tem muitos setores para serem concluídos.

O acesso das ONGs aos Tribunais foi um dos grandes sucessos da renovação

processual do final do Século XX. Mas neste novo século é preciso tornar esse acesso ao

processo judicial mais amplo, para que seja eficiente. “Não basta a intervenção do Ministério

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Público, que, mesmo revelando-se de grande utilidade, não é suficiente” (MACHADO, 2009,

p. 102). Muitas ONGs não têm recursos para contratar advogados. Temos que evoluir no

sentido de que o Poder Público conceda os benefícios da assistência judiciária às ONGs

carentes, para que possam estar em juízo para defender os direitos fundamentais da vida

humana e da sobrevivência das espécies.

Todo cidadão, em princípio, é pessoa legitimamente interessada na qualidade do

meio ambiente que é patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo

em vista o uso coletivo [artigo 2º, I, da Lei nº. 6.938/81].

Como regra geral, afirma Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 189) a

“Administração Pública não tem o que ocultar e, por isso, a não ser que ela prove a

ilegitimidade do solicitante, não poderá negar a informação”. No enfoque da observância do

direito da informação ambiental é preciso recordar-se que a Administração existe para servir o

administrado e não este aquela.

O artigo 6º, § 3º, da Lei nº. 6.938/81 dispôs que “os órgãos central, setoriais,

seccionais e locais mencionados deverão fornecer os resultados das análises efetuadas e sua

fundamentação, quando solicitados por pessoa legitimamente interessada”.

O texto legal foi feliz em se limitar à referência a pessoa. Assim tanto pode solicitar a

informação a pessoa física como a pessoa jurídica, isto é, tanto a empresa que foi fiscalizada

como a associação que vise à conservação e/ou à preservação dos recursos naturais ou à

melhoria da qualidade de vida.

Ressalta-se que, nos últimos tempos, “têm sido notórios os avanços da sociedade

brasileira em termos da absorção de noções fundamentais sobre direitos individuais e

coletivos”, sistemas de cobrança social em relação aos agentes e as instâncias dos Poderes de

Estado, “formas de gerenciamento da coisa pública, sistemas de defesa da cidadania,

instituições e instrumentos de participação coletiva”, formas de organização associativa e tudo

mais que leva o cidadão a se integrar ao espaço público, que, em última instância, lhe pertence

(MILARÉ, 2009, p. 197).

A sociedade brasileira aprendeu, finalmente, não só a reclamar e a participar como

também a cobrar, a exigir e a participar, por meio de representação político-partidária, das

entidades de classe, das audiências públicas, do ordenamento jurídico – Constituição e leis –

da justiça e da mobilização popular.

A sociedade está procurando participar da vida política do país em defesa do meio

ambiente e a liberdade deve ser buscada. Neste aspecto não só deve ser permitido aos sujeitos

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fazer ou não algo, mas também o Estado e as outras pessoas têm o dever jurídico de não

obstruir a sua ação.

Como mencionado, o cidadão deve ter liberdade, mas neste ponto, tem-se que a

“liberdade deve ser igual para todos não privilegiando determinadas classes de pessoas.

Ademais, a liberdade só pode ser limitada se tal (limitação/regulamentação) beneficiar a

própria liberdade” (RAWLS, 2000, p. 19).

Amartya Sen (2000, p. 19) afirma que “uma teoria da justiça é uma proposta de

equilíbrio entre as exigências de valores políticos como a liberdade”. O problema se apresenta

nos contextos da desigualdade. Mencionado doutrinador (2000, p. 19) diz que “nossa

interpretação do que é possível em nossa situação e posição pode ser crucial para a

intensidade de nossos desejos, e pode afetar até mesmo o que ousamos desejar”. Os desejos

refletem compromissos com a realidade, e a realidade é mais dura com uns do que com

outros. Avaliar a vantagem individual de pessoas submetidas à destituição e a desigualdades

profundas somente por seus desejos e preferências efetivos significa corroborar com a

injustiça de que são vítimas. Daí cobrar a luta destes desfavorecidos para a preservação

ambiental se torna uma luta inócua.

Pois “o que realmente importa não são os bens e recursos em si, mas os estados e

atividades aos quais esses bens e recursos possibilitam que as pessoas tenham acesso”. E as

funcionalidades valiosas são “a de estar adequadamente nutrido e vestido, estar livre de

doenças facilmente curáveis, ser alfabetizado, poder aparecer em público sem sentir vergonha

de si próprio, desenvolver um senso de auto-respeito, ser capaz de participar de forma ativa da

vida da própria comunidade”, só depois de satisfeitos estes aspectos da vida o cidadão se volta

a preservação do meio ambiente.

Diante disto, tem-se percebido uma evolução na concepção de direito ambiental

respaldada nos direitos humanos, com princípios similares e objetivos comuns. Portanto,

acreditamos ser profícua a dissertação sobre este ponto neste momento.

Os direitos humanos se constituíram a partir da Revolução Francesa e estabeleceram

um novo patamar de legitimidade ético e político de atuação do Estado e, principalmente, da

sociedade. Os direitos humanos de alguma forma estabeleceram os marcos de atuação e

reivindicação de profundas transformações da sociedade em cada momento histórico preciso.

E a cada momento preciso da história a constituição de “uma verdadeira Geração de Direitos”

(BOBBIO, 1992, p. 53).

O marco de referência dá-se com a Revolução Francesa de 1789. A lógica pela qual

estava imbuído o locus do poder eram os dogmas religiosos que estabeleciam as normas

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jurídicas emanadas de ação divina. Assim, todo o tipo de procedimento judicial que viesse a

arrancar uma confissão por parte do culpado era válido.

Poder político e poder religioso confundiam-se num interesse particular de

manutenção de determinados privilégios da nobreza e do clero. Desta forma o acontecido

causou uma mudança tão profunda que pela primeira vez na história o homem pode se sentir

como verdadeiro artesão de seu desiderato, como registra a história.

Este homem podia escrever a história com suas próprias mãos e não aceitar a

determinação dogmática de leis estabelecidas pela natureza religiosa. Esse primeiro momento

histórico estabeleceu o que se costuma chamar de “primeira dimensão de direitos humanos”

(GUERRA FILHO, 2005, p. 165).

Este processo trouxe um poder quase ilimitado para aqueles que detinham a posse

dos meios de produção, ao mesmo tempo em que se sentiu um enorme poder baseado nos

valores liberais, se estabeleceu uma dominação de novo tipo, que fazia com que a maioria da

população, embora tivesse igualdade jurídica através dos direitos civis, na prática acobertava

a desigualdade econômica existente entre as classes, e fez emergir as grandes contestações de

massa dos novos excluídos do sistema baseado nos valores liberais.

Estas contestações se deram principalmente na esfera da concentração de riquezas

nas mãos da burguesia. Assim é que vai ocorrer a ruptura com a ordem vigente e a exigência

de profundas transformações do comportamento dos detentores do poder é que vimos emergir

a chamada ‘segunda dimensão de direitos humanos’.

Durante esse processo verificou-se que a transformação deveria processar-se na

infra-estrutura econômica e não na superestrutura social. Os direitos individuais dos

investidores deveriam se transformar em direitos coletivos do trabalhador e seus ganhos

partilhados por todos. Os direitos que eram civis se tornam sociais.

O valor da liberdade dá lugar ao da igualdade econômica e não a igualdade jurídica

meramente formal estabelecida pelos códigos burgueses. “Esta segunda dimensão apresentou

duas correntes mais claramente identificadas”, delimita Willis Santiago Guerra Filho (2005, p.

166).

Continua o mesmo autor que uma corrente advogava a “ruptura com a classe

dominante a partir da subordinação de todo o desenvolvimento econômico voltado para o

interesse coletivo, com o fim das classes sociais, tendo o Estado como único investidor”.

A segunda corrente que propugnava que “as conquistas dos trabalhadores deveriam

ser inseridas num novo quadro jurídico em que se redefiniria o sentido da propriedade,

visando uma harmonia entre as classes”. O Estado liberal puro, baseado no desenvolvimento

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econômico, deu lugar definitivamente a um Estado do Bem Estar Social, um Estado que não

busca apenas o progresso.

Fora este um enorme avanço alcançado por parte das lutas sociais iniciadas no século

XIX e que se consolidaram no século XX. A busca incessante pela igualdade fez com que

parcela significativa da humanidade professasse o credo de uma mudança significativa.

Porém os valores que estavam calcados para as transformações, mesmo as mais

radicais, advogavam um permanente crescimento das forças produtivas da sociedade. Todos

tinham no aumento da produção e no domínio da natureza através da ciência e da tecnologia,

uma mesma partilha de interesses.

Estamos falando do que podemos chamar de terceira dimensão de direitos humanos,

ou seja, o Estado do Bem estar ambiental. Assim, no século XX vamos ver nascer a crítica à

sociedade de consumo, ao desperdício e aos limites da produção, abrindo uma discussão no

campo da economia que perpassou o campo da ciência e da ética, chegando até as raias das

ciências sociais, da espiritualidade e da própria atuação política.

Estamos aprendendo hoje que os limites do desenvolvimento produtivo não devem

comprometer o equilíbrio ecológico. Assim a relação entre os direitos humanos e os direitos

ambientais centra-se principalmente em dois aspectos:

1- Em primeiro lugar, a proteção do meio ambiente pode ser concebida como um

meio para conseguir o cumprimento dos direitos humanos, tomando-se em conta que “um

entorno ambiental destruído contribui diretamente a violação dos direitos humanos à vida, à

saúde, ao bem estar; poderíamos dizer que o direito à vida é dependente do direito humano ao

meio ambiente”, como ensina referido autor (2005, p. 168).

2- Em segundo lugar, os direitos ambientais dependem do exercício dos direitos

humanos para terem eficácia. Através do “direito à informação, à liberdade de expressão, à

tutela judicial, à participação política no Estado em que vivem, os indivíduos poderão

reivindicar e possuir direitos ambientais”. Contudo, “o processo positivo e jurisprudencial

para reconhecer-se à interdependência entre estes direitos ainda não está concluído”

(GUERRA FILHO, 2005, p. 168).

Por outra parte, a doutrina especializada, mais relevante há algum tempo, vem

claramente fundamentando que o direito ao meio ambiente é um direito humano e

simultaneamente propõe seu reconhecimento formal, ou seja, a positivização nos âmbitos

internacional e nacional como forma de fazer valer, ou seja, de efetivação do mesmo.

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Uma violação de qualquer um destes direitos invade o terreno do outro, constituindo

um duplo desequilíbrio: ambiental e humano. O desequilíbrio ambiental é sempre o

suficientemente grave para constituir uma violação dos direitos humanos.

Importante registrar que, para formação da consciência pretendida por este texto, a

tutela do meio ambiente poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.

Assim, sempre que houver lesão ou ameaça como, por exemplo, à ordem urbanística,

ou seja, o meio ambiente artificial, caberá a utilização de ações coletivas para danos

patrimoniais, morais ou à imagem que possam ocorrer.

A título de registro, o termo meio ambiente artificial é compreendido pelo espaço

urbano construído, consistente no conjunto de edificações e pelos equipamentos públicos.

Todo o espaço construído e espaços habitáveis pelo homem compõem o meio

ambiente artificial, este aspecto esta relacionado ao conceito de cidade, que passou a ter

natureza jurídica ambiental não só em face de que estabeleceu a Constituição de 1988, mas

particularmente com o Estatuto da Cidade, Lei nº. 10.257/01.

O direito ao meio ambiente é o que a doutrina constitucional mais recente vem

qualificando de um direito fundamental de “terceira dimensão”, que são direitos de

solidariedade, ou seja, “um Estado de bem estar ambiental” (PORTANOVA, 2000, p. 16).

Logo, impõem-se aos Estados e a outras entidades coletivas das sociedades, o respeito a

interesses individuais, bem como aos coletivos e difusos.

A “ecologização da Constituição não é cria tardia de um lento e gradual

amadurecimento do Direito Ambiental”, é o ápice que simboliza a consolidação dogmática e

cultural de uma visão jurídica de mundo. Muito ao contrário, “o meio ambiente ingressa no

universo constitucional em pleno período de formação do Direito Ambiental” como menciona

Portanova (2000, p. 17), citado acima.

Apesar dessa evolução em termos de direito material, verifica-se que a

processualística moderna não apresenta um aparato conceitual e institucional capaz de dar

conta da tarefa de garantir o respeito a tais direitos, não mais individuais, e sim comunitários.

Isto porque esses direitos tiveram seu reconhecimento ainda recente e, portanto,

muito carentes de concretização jurídica, mesmo quando expressamente previstos nos textos

constitucionais. Essa concretização é possibilitada justamente pelo processo, mesmo na

ausência de legislação infra-constitucional. (GUERRA FILHO, 2005, p. 165).

Na falta de concretização jurídica de pouco adianta legislar para não aplicar a lei ou

para aplicá-la de forma irregular e esporádica. A implementação é um dos grandes desafios

das normas ambientais, em especial as constitucionais.

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Como ressalta Michel Prieur (1991, p. 125), a “efetividade do Direito Ambiental está

longe de ser assegurada”, com o que se obriga o repensar do próprio sentido da judicialização

do meio ambiente, inclusive constitucional.

Certamente não é preciso, nem se deseja, um Direito Ambiental simbólico, robusto

na forma, mas que não tem praticidade. Regras jurídicas, tomadas em si mesmas, lembra

Bruce Ackerman (2001, p. 416), “são coisas sem vida – marcas no papel que não controlam,

nem limitam”.

Realmente, a promulgação de um texto constitucional avançado não garante

efetividade, nem assegura que o Poder Público modificará suas práticas e tradições, inclusive

de omissão, ou que os destinatários privados da norma a levarão em conta nas suas decisões

econômicas. É permanente o receio de que os dispositivos constitucionais se transformem em

simples “argumentos retóricos”, como bem adverte Edésio Fernandes (1996, p. 275).

Portanto, a vertente que se pode estabelecer é uma relação entre Direito Processual e

meio ambiente e a relação de ambos com a Constituição Brasileira; e no nosso ordenamento

podemos vislumbrar que o enquadramento jurídico do meio ambiente guarda uma estreita

relação com o processo.

Os indícios dos contornos dessa relação podem, inicialmente, serem encontrados no

ordenamento norte-americano no qual a questão não tem um assento explícito, e a solução foi

enquadrá-lo via derivação da Due Process of Law Clause, prevista nas emendas V e XIV,

com sua vedação a atentados “à vida, propriedade e à liberdade sem o devido processo legal”

(GUERRA FILHO, 2005, p. 164).

O direito ao meio ambiente, como dito acima, vem sendo qualificado como um

direito fundamental de terceira dimensão, os quais correspondem a interesses difusos. Isso

devido a natureza desse direito faz com verifiquemos uma estreita vinculação entre o

disciplinamento jurídico da questão ambiental e o processo de tutelá-la.

Ocorre, porém, que os direitos fundamentais de terceira dimensão são muito carentes

de concretização jurídica. Como ensina Willis Santiago Guerra Filho (2005, p. 165):

[...] estudos recentes apontam para as vantagens da procedimentalização crescente do modo como o Estado se desincumbe da tarefa de proteger o meio ambiente, com a possibilidade de participação maior da comunidade de interessados e investigação mais acurada das peculiaridades de cada caso.

E, mencionado doutrinador (2005, p. 167), continua observando, quanto à

procedimentalização, que:

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[...] é fundamentalmente na dimensão processual que há um déficit legislativo e doutrinário, responsável pela escassa efetividade das normas de direito material sobre o meio ambiente, que em geral são bastante razoáveis, ficando-se a espera de que sejam observadas. Também não é de se esperar muito de uma eventual melhoria com um aumento da quantidade e qualidade dessa legislação e normatização em nível material, pois seu objeto é avesso a uma regulamentação a partir da tipificação de fatos, que são extremamente diversificados e complexos, no caso da matéria ambiental. Em sendo assim, o melhor mesmo é que procuremos criar mecanismos processuais capazes de dar aplicação direta e imediata ao conjunto de princípios constitucionais que regem a questão ambiental.

A preocupação com um sistema de normas que realmente permitisse o acesso à

justiça, com celeridade e efetividade na questão ambiental é constante e podemos verificar

isso na descrição de Luis Roberto Barroso (1996, p. 278) quando afirma:

[...] que as normas constitucionais devem ser interpretadas sob a perspectiva de sua efetividade, dando-se-lhes, em toda a extensão e profundidade possíveis, aplicação direta e imediata para a tutela das situações que contemplam, e são encontradas difusamente ao longo do texto constitucional, em disposições de natureza processual, administrativa, penal, civil e outras, inclusive com ênfase na responsabilidade civil e na reparação dos danos.

Essa gama de normas espalhadas deve-se ao:

[...] fato de que a tutela dos interesses ambientais enfatiza certas peculiaridades do federalismo brasileiro, por envolver o exercício de competências político-administrativas comuns e competências legislativas concorrentes entre a União, o Estado e os Municípios. Os balizamentos constitucionais da esfera de atuação de cada entidade nem sempre são objetivamente aferíveis, e caberá ao Judiciário dirimir os conflitos, que se afiguram inevitáveis (BARROSO, 1996, p. 279).

Sobre o acesso à Justiça para a obtenção de informações insistimos que os

procedimentos devem oferecer recursos “suficientes e efetivos”, devendo ser “objetivos,

eqüitativos e rápidos, sem que o custo seja “proibitivo”. Preconiza a implementação de

mecanismos apropriados de assistência para eliminar ou reduzir os obstáculos financeiros que

entravam o acesso à Justiça, na lição de Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 104).

Uma das formas de se viabilizar este aspecto coletivo da tutela ambiental é a

possibilidade de as pessoas e de as associações agirem perante o Poder Judiciário, sendo isto

um dos pilares do Direito Ambiental. Para que isso se tornasse realidade foi necessária a

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aceitação do conceito de que a defesa do meio ambiente envolve interesses difusos ou

coletivos.

A Declaração de Johannesburg/2002, afirma que “Para conseguirmos nossos

objetivos de desenvolvimento sustentado temos necessidade de instituições internacionais e

multilaterais mais efetivas, democráticas e que prestem contas”. Assim “três idéias passam a

nortear a matéria: eficiência, democracia e prestação de contas” (MACHADO, 2009, p. 108).

Assim continua citado autor (2009, p. 108) que os Estados passam a “ter a

responsabilidade em exercer um controle que dê bons resultados”, e devem “ser responsáveis

pela ineficiência na implementação de sua legislação”.

A co-responsabilidade dos Estados deverá atingir seus agentes políticos e

funcionários, para evitar que os custos da ineficiência ou das infrações recaiam sobre a

população contribuinte, e não sobre os autores dos danos ambientais. A democracia na gestão

ambiental abre espaço para a efetividade da participação.

Jean-Jacques Rousseau [1712-1778], autor de Contrato Social [1757], obra de

natureza política que remete ao problema da conciliação entre liberdade e autoridade,

indivíduo e Estado. Na teoria contratual, o papel do Estado, da sociedade é tutelar os direitos,

a liberdade do indivíduo, na qual os homens tenham condições de expressar sua vontade

comum. Propõe uma vontade geral diversa da vontade de todos como sendo o valor

qualitativo diferente do valor quantitativo, de modo que a idéia de povo seja diversa da idéia

de multidão.

Podemos depreender dos estudos realizados que a filosofia política de Jean-Jacques

Rousseau (2000, p. 35) apresentou uma novidade em relação ao estudo de outros pensadores

jus-naturalistas da sua época moderna, em sua teoria ele capacita o homem à cidadania numa

“segunda natureza”, que ficou convencionado como estado civil, o papel do homem na

“segunda natureza”, é expressar a cidadania compreendida como conscientização política e

educacional que transforma o indivíduo num cidadão portador do exercício da moral e da

virtude na ótica contratual.

Por conseguinte, necessário se faz pensarmos no cidadão enquanto agente capaz de

provocar a tutela estatal do meio ambiente enquanto exercício da cidadania. Passemos então a

tecer algumas considerações sobre este aspecto.

O cidadão, na acepção corrente, é o habitante de uma cidade; o indivíduo no gozo

dos direitos civis e políticos de um Estado que precisa de identidade política. Porém o cidadão

adquire uma nova função na constituição do estado civil, pois ele é parte da história política,

dado ser responsável pela elaboração das leis mediante uma consciência pública [coletiva].

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Isso se dá quando desvencilha de seus interesses privados em favor da vontade geral, ou seja,

a socialização dos seus valores enquanto cidadão.

Nesse contexto, a cidade é a associação organizada e transmissora da vontade geral, e

tem em cada cidadão uma tarefa imprescindível, qual seja de desenvolvimento de sua

liberdade em função dos outros associados pelo pacto social, assim, é a cidadania a idéia que

representa por demais o exercício de cidade, da moral cívica e da virtude escondida em cada

homem que sonha ser livre e goza com os outros da soberania do bem comum, consagrando o

sentimento da moralidade.

Cidadão e cidadania são elementos de uma virtude humana única: a moral cívica.

Esta decorre das relações sociais [convenções] que deságuam no pacto social entre os

homens, tendo em vista aquela segunda natureza [estado civil], e incorporando novos

conceitos, podem acolher a compreensão da liberdade civil e a constituição da liberdade

moral como um acontecimento extraordinário nas relações humanas acrescentando, ainda a

possibilidade do homem enquanto senhor de si mesmo, que incorpora as leis como suas e,

como identidade coletiva e ação de liberdade.

Assim o exercício da cidadania está intimamente ligado à noção de vontade geral. A

vontade geral é necessária devido a esse exercício na sociedade, por parte de cada cidadão

como compreensão do indivíduo na cidade, que tem como dar legitimidade enquanto ação,

participação, educação, justiça, política, liberdade civil, etc.

Jean-Jacques Rousseau (2000, p. 32) quer, com seu contratualismo, reivindicar a

consciência da dignidade do homem em geral o colocando diante da consciência moral de

indivíduos. Que ele se afaste da alienação do homem-cidadão em si mesmo e possa dispor-lhe

a uma alienação total, em que a cidadania é a unidade no conjunto dos cidadãos.

Já o conceito de reforma intelectual e moral fundamenta-se na concepção da relação

entre conceito e realidade, segundo a qual não se pode construir o real sem a dimensão das

idéias e da prática, ou seja, intelectual refere-se ao plano filosófico e moral ao plano prático,

histórico, de construção real [o fazer dos sujeitos].

Muito importante é essa concepção de sociedade, pois a Justiça ambiental tem como

principal ferramenta a participação da sociedade civil, promovendo ações para a prática da

cidadania, numa articulação onde o discurso é diferente do debate pelo meio ambiente

equilibrado, pois remete à idéia de distribuição igual e diferenciação qualitativa do meio

ambiente, contrapondo-se a prática da “distribuição desigual das partes de um meio ambiente

de diferentes qualidades e injustamente dividido” (ACSELRAD, 2004, p. 28).

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Historicamente, registram-se a partir da década de 1960, os efeitos devastadores do

desenvolvimento desenfreado técnico-científico começaram a repercutir, no campo das

ciências sociais, humanas e biológicas e chegaram ao aspecto social. A crise sócio-ambiental

que surgiu nos Estados Unidos, nascendo da criatividade dos movimentos sociais forjados

pela luta dos afro-descendentes que protestavam pela discriminação causada pela maior

exposição desta população aos lixos químicos, radioativos e indústrias com efluentes

poluentes.

Portanto, diante do exposto até agora em nosso estudo, restou clara a importância da

tutela jurisdicional para a proteção do meio ambiente bem como da atuação da sociedade, do

coletivo, para esta finalidade. Assim, como condução lógica dos trabalhos, reportemo-nos

agora à análise de aspectos gerais relacionados à ação popular, garantia constitucional,

enquanto instrumento de efetivação da prestação jurisdicional de defesa do meio ambiente e

de realização da cidadania [ao pensarmos na titularidade deste instrumento processual].

1.2 Ação popular como garantia constitucional

Uma das ações constitucionais típicas, se não a maior delas, que mais suscita

debates, controvérsias, e que mais vem tendo mudanças no curso de suas decisões, é a ação

popular.

A questão reside no instituto da ação popular, dentro da perspectiva de um

“empreendimento pragmático” como diria Chaim Perelman (2000, p. 09). Empreender

alguma busca que traga resultados práticos para a sociedade na área de proteção ao meio

ambiente.

Vejamos o que reza a Constituição Nacional promulgada em 1988 em seu artigo 5º,

inciso LXXIII:

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência [grifo nosso].

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A ação popular é o remédio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão

brasileiro nato ou naturalizado para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos,

ilegais e lesivos ao patrimônio de entidades públicas ou de instituições ou fundações de

qualquer natureza para cuja criação ou custeio concorra o tesouro público.

Como registra Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p. 02), “José Carlos Barbosa

Moreira foi o primeiro a indicar que , em 1965, no Brasil já possuíamos a defesa do direito

meta-individual, por conta do procedimento trazido pela Lei nº. 4.717 de 29 de junho de 1965,

a Lei da Ação Popular”, que possibilita a qualquer cidadão o direito de fiscalizar os atos e

contratos administrativos, admitindo possíveis correções quando o mesmo desvia-se da real

finalidade.

Ela está prevista pela Constituição no capítulo relativo aos direitos e deveres

individuais e coletivos, integrante do Título II, relativo aos Direitos e Garantias

Fundamentais. No artigo 5º, LXXIII, da Constituição, a ação popular surge ao lado das

demais garantias constitucionais, a saber, do mandado de segurança individual e coletivo, do

habeas corpus, do habeas data, e do mandado de injunção.

Trata-se de uma ação processual constitucional. A origem da ação popular é romana,

devido, a uma seqüência evolutiva, dos instrumentos de garantia do cidadão contra os abusos

do administrador arbitrário.

Nas lições de mencionado autor (2009, p.02), no direito romano surgiram três tipos

de ações para beneficiar a comunidade, que são elas: ações privadas, ações populares e ações

públicas.

A ação popular, exercitável por qualquer cidadão tinha tendência à proteção de um

interesse do autor, interesse esse que tinha um caráter público.

Assim o direito romano concebeu as ações populares, ainda na fase ante clássica, o

direito de agir pro populo [pupilo] a fim de tutelar o interesse do povo, da coletividade.

As ações populares romanas acabaram transformando-se numa exceção a regra do

direito de ação, pois desde logo se acrescentava que ninguém poderia agir em nome de

outrem, a não ser em favor do povo. O autor não podia tutelar um interesse próprio e um

interesse público ao mesmo tempo, pois o autor popular, ao agir, estava defendendo o

interesse geral que também era o seu.

Na fase mais evoluída do direito romano, quando se tem início da distinção do que é

público e o que é privado, as ações populares passam a evoluir com finalidades diversas.

Apesar de não serem utilizadas na Idade Média, as ações populares continuaram a existir.

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No momento em que o estado passa a ser democrático é que se torna possível o re-

aparecimento da ação popular, exatamente por esse seu caráter democrático, de dar aos

cidadãos o direito de defender a coisa pública.

Assim, a participação da sociedade em defesa da coisa pública é cada vez maior, já

que todos os cidadãos terão o interesse de defender o que é de uso comum.

No Brasil, o Código Civil de 1916 não deu lugar às ações populares, apesar de ter

sido combatido por doutrinadores. A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a dar

guarida ao instituto.

A ação popular encontrou pela primeira vez, assento constitucional no Brasil, através

da Carta de 1934, destacando o artigo 1° e 6° afirmando o seguinte: art. 1° A legitimação

ativa pertence a qualquer cidadão, isto é, a qualquer eleitor e o art. 6° facultado aos demais

cidadãos habilitarem-se como litisconsortes ou assistentes do autor.

Devido à falta de regulamentação, a ação popular não pôde ser utilizada, já que a

Constituição Nacional de 1937 não tratava do referido instituto, porque não havia lugar para

uma ação que garantisse a manifestação do espírito democrático e os direitos dos cidadãos.

Na Carta Política de 1946, o remédio foi restabelecido, de maneira mais ampla que

na Constituição Federal de 1934. Foi aprovada a Lei nº. 4.717 em 29 de junho de 1965, que

regulamentou a Ação Popular. A Constituição de 1967 manteve o remédio constitucional.

Em 1985 foi aprovada a Lei da Ação Civil Pública e já na Constituição da República

de 1988 optou por um critério analítico e abrangente, como registra citado autor.

Assim, a ação popular foi, sem dúvida, o primeiro remédio processual concebido

pelo direito positivo brasileiro com nítidas feições de tutela dos interesses difusos, como

também na coisa julgada, que às vezes tem de atingir toda a comunidade e outras vezes não

vai além das partes do processo.

Deve-se considerar popular a ação que, intentada por qualquer do povo, objetive a

tutela judicial de um dos seguintes interesses meta-individuais: a) a moralidade

administrativa, o meio ambiente, o patrimônio público latu sensu, no caso da ação popular

constitucional [artigos 5º, LXXIII, da Constituição Federal/88F, e 1º, §1º, e 4º da Lei da Ação

Popular], pensável, também, na área do consumo, como instrumento de interesses difusos dos

consumidores; b) a anulação de ato de naturalização. As duas ações populares brasileiras

correspondem ao tipo corretivo, ou seja, o autor popular age no interesse da comunidade a que

pertence, contra os administradores da entidade ou do patrimônio Público, para constrangê-los

à observância da lei, e para pedir ressarcimento do dano que eventualmente esses

administradores tenham produzido à entidade administrativa.

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Seu fim é, portanto, corrigir um ato da administração. José Afonso da Silva (2007, p.

43) conceitua a ação popular como o:

[...] instituto processual civil, outorgado a qualquer cidadão como garantia político-constitucional (ou remédio constitucional), para a defesa do interesse da coletividade, mediante a provocação do controle jurisdicional corretivo de atos lesivos ao patrimônio Público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.

Dois requisitos da ação popular são a ilegalidade e a lesividade, que gera

controvérsia. Espera-se que a jurisprudência firme-se neste sentido, pois com a ampliação

deste debate e as exigências da sociedade por governos honestos, compete aos tribunais

acompanharem esse sentimento popular e, felizmente, já existe esta preocupação,

especialmente, no Tribunal de Justiça de São Paulo.

O que parece claro é que o requisito da lesividade é básico, pois a Constituição

Federal não fala em ilegalidade como pressuposto para a ação popular, ao contrário ela fala

em anular ato lesivo, mesmo porque o ato ilegal tem outros mecanismos de controle.

Significa dizer que, presente só a lesividade, já deve ser acolhida a ação popular e, se

presentes a lesividade e a ilegalidade, com mais razão ainda. Agora, se ausente a lesividade

não há que se falar em ação popular.

Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça [STJ – Resp. 250.593-SP, rel. Min.

Garcia Vieira, j. 13.06.2.000 – DJU 04.09.00] corrobora essa posição: “Na propositura da

ação popular, não basta a afirmativa de ser o ato ilegal, é necessário a prova da lesividade”.

Vê-se que a construção da ação popular foi tomando forma na mesma medida em

que a preocupação com o meio ambiente se ampliava em todos os setores.

O aporte na idéia do princípio da legalidade e do conceito dos bens públicos da

União como patrimônio do povo, faz com que os direitos garantidos constitucionalmente pela

ação popular possibilitem ao cidadão a participação democrática na vida pública, garantindo

assim a sua titularidade da cidadania e conseqüentemente a prática de seus direitos políticos.

E para assegurar ao povo a efetiva possibilidade de se valer do uso da ação popular, a

Constituição do Brasil isentou quem a ela recorre das custas judiciais e do ônus de

sucumbência, isto é, dos honorários dos advogados e despesas correlatas incorridos pela parte

vencedora.

Para se tornar um instituto válido, deve se buscar a efetividade, neste ponto a norma

jurídica pode ser visualizada em pelo menos três planos distintos: o de sua validade, de sua

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vigência e o de sua efetividade, este último referente basicamente à eficácia social da norma

jurídica.

Efetividade e falta de efetividade de uma norma jurídica correspondem a pontos

extremos, a realidade sugere situações intermediárias. A rigor, mesmo uma norma

descumprida apresenta paradoxalmente um mínimo de efetividade. A simples existência dessa

norma na ordem legal, embora inaplicada torna a infração por parte da autoridade ou de

particulares contestável e instável, obrigando-os a certa prudência. Além disso, a própria

evolução da conjuntura política, repercutindo no plano jurídico, pode fazer com que ele passe

a ter com o tempo maior efetividade.

Ademais, a norma jurídica pode mesmo assim, isto é, mesmo descumprida ou

inaplicada, exercer uma função de legitimação da ordem estabelecida, aliás, uma das

principais funções da norma jurídica, ao lado da função reguladora. Em determinados casos,

essa função legitimadora pode eventualmente ser sua prioritária se não exclusiva função, seu

objetivo, como registra Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2009, p. 119).

O fato de uma efetividade suficiente ser para muitos autores requisito essencial da

própria validade jurídica da norma jurídica. No plano constitucional, a questão da efetividade

é crucial. Na medida em que as Constituições costumam refletir os avanços da luta

democrática, interessa diretamente aos setores populares o respeito a suas determinações.

Entretanto, observamos, sobretudo nas sociedades de precária tradição democrática, uma

tendência ao descumprimento das normas constitucionais que outorgam direitos e liberdades

ou que limitam o poder.

Daí a importância da ação popular, pois muitas vezes o cidadão não tem como chegar

às vias da justiça por vários motivos, e, quando chega, não tem força [na acepção técnico-

jurídica do termo] contra os possíveis núcleos de poder social envolvidos. Mas, nesse caso,

mesmo que não alcance êxito, a ação popular pode chamar a atenção dos meios de

comunicação e/ou sensibilizar um maior número de interessados e então inverter a situação,

dando uma efetividade maior ao pleito.

Lembrando que, não é porque o cidadão esta só no pólo ativo, que lhe vai ser

desfavorável à decisão do juiz. Ao contrário, quando torna público um caso absurdo, seja na

área da administração pública ou pela preservação do meio ambiente, o que ocorre é um

aumento no pólo passivo, de fatos que engrossam as queixas, os números de casos que, por

exemplo, um administrador descumpriu a lei, assim o Juiz terá maior convicção de uma

decisão mais acertada, cumprindo seu papel de forma ética e eficaz.

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A ação popular é uma das formas participativas previstas constitucionalmente para a

manifestação da soberania popular, este é o conceito essencial a ser extraído da norma do

inciso LXXIII da Constituição, porque “a norma constitucional não tem existência autônoma

em face da realidade, A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela

regulada pretende ser concretizada na realidade” (HESSE, 1991, p. 14).

“Progresso imensamente maior foi a coletividade conquistar a posição de poder

dividir com o Estado as responsabilidades ambientais. O triunfo do particular foi trazer a si

parcela do exercício da função ambiental”, no entender de Antonio Herman V. Benjamin

(1993, p. 51).

A presença e a atuação da sociedade civil na defesa do meio ambiente revela-se

como uma das marcas inconfundíveis do novo Direito Ambiental.

Ao valorizar-se somente “o conceito de ‘coletividade’ olvida-se do papel a ser

desempenhado pelas pessoas de per si”. O texto constitucional poderia ter acentuado o “dever

dos indivíduos na defesa e preservação do meio ambiente”. (MACHADO, 2009, p. 134).

Não é papel isolado do Estado cuidar sozinho do meio ambiente, pois essa tarefa não

pode ser eficientemente executada sem a cooperação do corpo social. O artigo 225 da

Constituição Federal/88 consagra a ética da solidariedade entre as gerações, pois as gerações

presentes não podem usar o meio ambiente fabricando a escassez e a debilidade para as

gerações vindouras.

A geração atual deve tentar ser solidária entre todos os que a compõem. Mas, “a

continuidade da vida no planeta pede que esta solidariedade não fique represada na mesma

geração, mas ultrapasse a própria geração, levando em conta as gerações que virão após”,

assevera citado autor (2009, p. 134).

O princípio da solidariedade cria um novo tipo de responsabilidade jurídica: a

responsabilidade ambiental entre gerações.

Assim, precisamos pensar na continuidade quanto à boa gestão do meio ambiente

que traduz o que se chama de “desenvolvimento sustentado”. Esse conceito encontra sua mais

ampla elaboração no artigo 170 da Constituição Federal, ainda que tenha seu fundamento no

artigo 225 da Lei Maior. O gênero humano tem perfeitamente os meios de assumir o

desenvolvimento sustentado, respondendo às necessidades do presente, sem comprometer a

possibilidade para as gerações futuras de vir a satisfazer as suas necessidades.

“A diferença primordial da tutela jurisdicional subjetiva, via ação popular, das

demais de índole individualista está no fato de que esta última funda-se num interesse

próprio”, e no caso da ação popular “o ressarcimento não se faz em prol do indivíduo, mas

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sim indiretamente em favor da coletividade, por se tratar de um bem indivisível e de

conotação social” (MACHADO, 2009, p. 136).

Embora a legislação ambiental brasileira seja considerada uma das mais avançadas

da atualidade, “a concepção de meio ambiente e da sua política nacional carecem ainda de

retoques conceituais e operacionais”. Obviamente, este quadro abrange, por igual, patrimônio

e bens ambientais, sabendo-se que “o tratamento da temática está presente em outras

legislações nacionais e nas internacionais” (MILARÉ, 2009, p. 213).

Uma vez aceito o caráter holístico do meio ambiente como produto das interações e

relações da sociedade humana com o mundo natural, o meio ambiente construído, ou

artificial, passa a ser objeto das políticas ambientais, como afirma Edis Milaré (2009, p. 283).

Sendo assim, por decorrência, ele cai sob a alçada do Direito, não apenas do Direito do

Ambiente, mas, ainda, de outros ramos da ciência jurídica, nomeadamente o Direito

Urbanístico e regulamentações específicas.

Nesta seara, precisamos enxergar que as construções do homem compõem o seu

ambiente peculiar, não sem interferir, sensivelmente, no entorno e causar alterações nas

características essenciais do meio e na preservação ou conservação dos recursos naturais.

Entre tais empreendimentos ou resultados, encontramos as:

[...] culturas artificiais (vegetais e animais) que se concentram evidentemente nas monoculturas ou nos outros cultivos agrícolas, nos variados rebanhos, em granjas e criadouros animais, nas pastagens e nas florestas homogêneas ou industriais – estes recursos em geral são destinados à alimentação e ao suprimento de matérias-primas (MILARÉ, 2009, p. 283).

É sabido historicamente que “atividades transformadoras devastaram campos e

florestas nativas, dizimaram milhares e milhares de espécies animais e vegetais, deslocaram e

adaptaram espécimes de flora e fauna para regiões distantes e ecologicamente diversas”. Esses

processos, iniciados por:

[...] transposições violentas de hábitats naturais” e por “aplicações nem sempre acertadas de Engenharia Genética, com efeitos biológicos e ecológicos surpreendentes” que, em muitíssimos casos, tiveram sequelas incontroláveis (pragas, desequilíbrios do meio, extinção de espécies vivas e outras) (MILARÉ, 2009, p. 284).

Destarte, o artificial avançou sobre o natural, por vezes substituindo-o e acabou por

criar um mundo a parte.

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Mas, deixando de lado outras considerações sobre a artificialização dos processos

naturais, concentremo-nos sobre uma forma singular de patrimônio ambiental artificial, o

ambiente urbano.

O patrimônio ambiental artificial pode ser também de uso comum do povo, embora

de propriedade da União, dos Estados ou dos Municípios. Incumbe ao Poder Público e à

coletividade o seu devido cuidado [preservação, manutenção, uso disciplinado, por exemplo].

“Não obstante o patrimônio artificial ser de uso comum do povo e carregar consigo um título

de propriedade”, ele não se encontra ‘etereamente’ na União ou nos Estados, mas sim no

território e no solo do Município.

A este cabe, de forma direta, a tutela do patrimônio ambiental que está sob sua alçada

imediata e sua responsabilidade; cabe-lhe também, de forma indireta, e na medida da sua

responsabilidade legal, “o cuidado de bens da União ou do Estado, uma vez que tais bens

estão inseridos na malha urbana ou assentes no território municipal” (MILARÉ, 2009, p.

284).

Há vários aspectos ou fatores a considerar. Todos os equipamentos urbanos e as

construções do homem requerem o uso [quase sempre intensivo] de recursos naturais, com

alto índice de energia agregada.

O ambiente construído, seja qual for a sua destinação ou a sua dimensão, deve ser

propício à saúde e ao bem-estar dos seus usuários e da coletividade em geral, assim como às

formas de vida nele admitidas. Em uma palavra, será ordenado forçosamente para assegurar a

sadia qualidade de vida.

Por fim, o ambiente artificial se alastra cada vez mais e altera substancialmente a

fisionomia do Planeta.

A cada dia que passa “a Terra torna-se diferente e mais artificializada”. Não se pode

prever com exatidão limites para esse processo. Por conseguinte, algumas medidas devem ser

enfatizadas como:

[...] formas de contrabalançar a inexorável marcha da urbanização: I – o rigor no planejamento, especialmente no zoneamento, na ocupação e no uso do solo; II – o cuidado especial com o entorno das cidades, assim como na paisagem natural circundante e na paisagem urbana propriamente dita; e III – o incentivo permanente a criação de áreas de proteção ambiental por iniciativa dos três níveis de governo – federal, estadual e, muito particularmente, municipal. Sob este aspecto, é imperativa a atualização das legislações vigentes e, concomitantemente, a vigilância da comunidade com a participação das ONGs (MILARÉ, 2009, p. 285).

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No caso das cidades, a Política Nacional Urbana [Lei nº. 10.257/2001] impõe

obrigações específicas e abre caminho para soluções criativas.

Neste contexto, “o meio ambiente artificial passa a integrar o patrimônio ambiental

da coletividade”, e como tal deve ser administrado. Para tanto, em todas as esferas do Poder

Público e da administração pública [federal, estadual e municipais], elaboram-se, promulgam-

se e se implementam leis destinadas a tutelar e a incrementar essa forma de patrimônio

coletivo. Note-se que, “independentemente de qualquer título de propriedade, domínio e uso,

o ambiente construído tem necessariamente uma função social” (MILARÉ, 2009, p. 285).

A desordem das cidades e o caos urbano requerem, como em qualquer forma de

impacto ambiental, medidas mitigatórias ou compensatórias através de práticas de

planejamento, monitoração e controle da qualidade de vida urbana.

Por exemplo, a “poluição sonora é hoje um mal que atinge os habitantes das cidades,

consistindo em ruído capaz de produzir incômodo ao bem-estar ou malefícios à saúde”. Ao

passo que a “poluição visual” é, sem dúvida, o “principal elemento negativo que afeta a

paisagem urbana”. Tanto ela como a poluição sonora são responsáveis por uma carga

excessiva de estímulos nervosos (visuais e auditivos), contínuos numa metrópole, fatores de

estresse e de outras perturbações na saúde da população (MILARÉ, 2009, p. 287).

Não importa que os cidadãos não tenham consciência clara desses efeitos danosos

porque estão acostumados – não é bem assim, como revela a etiologia das chamadas doenças

urbanas e os estudos sobre a qualidade de vida urbana.

Tudo se refere ao meio ambiente saudável, por isso, “devemos reforçar a consciência

de que o estabelecimento de um espaço construído com os necessários requisitos”, para

fruição dos cidadãos acarreta “pesados ônus aos ecossistemas” e demanda recursos das mais

variadas procedências. Vê-se, por aí, que “o desperdício ou o mau aproveitamento do espaço,

da matéria ou da energia constitui um desajuste ambiental”, conforme leciona mencionado

autor.

De uma forma ou de outra, essa situação, em seu conjunto, está, ou deveria estar, sob

o controle da lei e da gestão ambiental, ao menos em suas origens. O cidadão consciente e as

entidades com responsabilidade socioambiental não podem omitir-se dessas reflexões, porque

está em jogo o exercício da cidadania. A ética social e a moral individual têm muito a dizer a

respeito.

Na realidade, a problemática urbana é mais social do que econômica porquanto ela

está ligada aos assentamentos humanos, a processos demográficos, a estilos de vida, a valores

culturais próprios, a forte interação de indivíduos e de grupos.

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Todo o processo evolutivo de organização das cidades e explicitação das suas

funções pode ser acompanhado na História, desde as cidades mais antigas, da polis grega, do

mundo romano, da Idade Média, da cidade renascentista.

Emergem as funções urbanas bem acentuadas, especialmente, com as cidades

mercantis, as cidades barrocas representativas de poder e estabilidade da sociedade dos

séculos XVI a XVIII, quando, então, aparecem às primeiras cidades industriais. Hoje a

caracterização das cidades é diferente e leva em conta as diversificadas relações existentes no

meio urbano.

Para “a integração do desenvolvimento socioeconômico com conservação da

natureza”, a Constituição Federal relaciona como um dos valores da ordem econômica, em

seus artigos 1º, III, 3º, I, II e IV, 4º, II e IX, 5º, II e IV, 170, 182, 183 e 225, a “existência

digna e o bem de todos” com o respeito à capacidade de sustentação, defesa e proteção do

meio ambiente e da sadia qualidade de vida, inclusive no ambiente urbano (MILARÉ, 2009,

p. 540).

Como ramo especializado do Direito, embora de origem recente, o Direito ambiental

precisa tornar-se claro, acessível, certo, coerente – e é possível acrescentar mais outras

qualificações.

O aprimoramento da legislação ambiental é da maior relevância e premência,

porquanto:

[...] ela terá reflexos positivos imediatos, não só no Direito, mas, ainda, em inúmeros setores da vida nacional, tais como a economia, a saúde pública, a educação, o associativismo ambiental, o desenvolvimento tecnológico, a organização institucional da Administração Pública e muitos outros (MILARÉ, 2009, p. 805).

Quando se fala em preservar o meio ambiente, o contrário diz respeito à pessoa

causar dano ao meio.

O conceito de dano ecológico, firmado na convenção de Lugano – Conselho da

Europa [Convenção aberta a adesão aos 21 de junho de 1993], é:

Art. 2.7 Dano significa: a) a morte ou lesões corporais; b) qualquer perda ou qualquer prejuízo causado a bens outros que a instalação ela mesma ou os bem que se achem no local da atividade perigosa e situados sob controle de quem a explora; c) qualquer perda ou prejuízo resultante da alteração do meio ambiente, na medida em que não seja considerada como dano no sentido das alíneas a ou b acima mencionadas, desde que a reparação a título de alteração do meio ambiente, excetuada a perda de ganhos por esta

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alteração, seja limitada ao custo das medidas de restauração que tenham sido efetivamente realizadas ou que serão realizadas; d) o custo das medidas de salvaguarda, assim como qualquer perda ou qualquer prejuízo causado por essas medidas, na medida em que a perda ou o dano previstos nas alíneas a e c do presente parágrafo originem-se ou resultem das propriedades de substâncias perigosas, de organismos geneticamente modificados ou de microorganismos, ou originem-se ou resultem de rejeitos (MACHADO, 2009, p. 347).

Seria excessivo dizer que “todas as alterações no meio ambiente vão ocasionar um

prejuízo”, pois “dessa forma estaríamos entendendo que o estado adequado do meio ambiente

é o imobilismo”, o que é irreal. Contudo, “ao admitirmos mudanças espontâneas ou até

provocadas da natureza, não nos conduz a afirmar que todas essas mudanças são benéficas”

(MACHADO, 2009, p. 349).

Sobre a responsabilidade objetiva ambiental, afirma Paulo Afonso Leme Machado

(2009, p. 351) que isto significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de

repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação.

Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou

reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos

“danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” [artigo 14, § 1º,

da Lei nº. 6.938/81].

Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não

há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se

for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil

objetiva ambiental.

Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a

ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação

do meio ambiente.

Os danos causados ao meio ambiente encontram grande dificuldade de serem

reparados. É a saúde do homem e a sobrevivência das espécies da fauna e da flora que

indicam a necessidade de prevenir e evitar o dano.

A própria Lei nº. 7.347/85, embora dizendo “regem-se pelas disposições desta Lei as

ações de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente” [artigo 1º], deixa aberta a

possibilidade de ser observada a responsabilidade de prevenir ao ensejar a propositura da ação

civil pública para o “cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer”. Assim, “o juiz

determinará o cumprimento da prestação da atividade devida, sob pena de cominação de

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multa diária, se esta for suficiente ou compatível” [artigo 11], como explica Paulo Afonso

Leme Machado (2009, p. 355).

O Direito Ambiental engloba as duas funções da responsabilidade civil objetiva: a

função preventiva – procurando, por meios eficazes, evitar o dano – e a função reparadora –

tentando reconstituir e/ou indenizar os prejuízos ocorridos. “Não é social e ecologicamente

adequado deixar-se de valorizar a responsabilidade preventiva, mesmo porque há danos

ambientais irreversíveis”, nas palavras de citado autor (2009, p. 374).

Na lição do autor (2009, p. 374), a “presença do Poder Judiciário para dirimir os

conflitos ambientais, pode-se afirmar sem exagero, é uma das conquistas sociais importantes

do último século, abrangendo países desenvolvidos e em desenvolvimento”.

O acesso ao Judiciário “poderá ser percorrido por diversas vias judiciais: o

procedimento sumário, o procedimento ordinário, e o processo cautelar e o processo de

execução”, entre outros (MACHADO, 2009, p. 374).

A União, deve existir e subsistir através da felicidade dos entes que dela fazem parte.

Essa felicidade é constituída de vários elementos, entre os quais a implementação do direito

de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e propício a uma sadia qualidade

vida (artigo 225, caput, da Constituição Federal).

A Constituição de 1988, não obstante tenha dado passos significativos em matéria

ambiental, no sentido de colocá-la na sua maioria, no campo da competência concorrente,

guardou, ainda, para a União, o monopólio de legislar em alguns setores como águas, energia,

jazidas, minas, outros recursos minerais, atividades nucleares de qualquer natureza, conforme

preceitua o artigo 22 da Constituição Federal de 1988.

Da forma como está, os Estados e os Municípios não podem suplementar as

deficiências dessas normas federais, como, também, não têm atribuições diretas para adaptar

essas normas às suas peculiaridades regionais e locais.

O “interesse local” não precisa incidir ou compreender, necessariamente, todo o

território do Município, mas uma localidade, ou várias localidades, de que se compõe um

Município. Foi feliz a expressão usada pela Constituição de 1988. Portanto, pode ser objeto

de legislação municipal aquilo que seja da conveniência de um quarteirão, de um bairro, de

um subdistrito ou de um distrito, como bem explanado por Paulo Afonso Leme Machado

(2009, p. 388).

A noção de interesse local não é unívoca. Haverá interesses locais em choque e,

muitas vezes, encontraremos o interesse local pelo desenvolvimento econômico não

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sustentado ou imediatista, em antagonismo com o interesse local, pela conservação do meio

ambiente.

Em matéria ambiental, a União irá procurar a vantagem de todo o território nacional

ou de ecossistemas específicos ou de uma ou várias bacias hidrográficas, tanto no que

concerne ao exercício da competência privativa, como no exercício da competência para

editar normas gerais, atesta Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 390).

Ao procurar a utilidade nacional, não poderá a União prejudicar concretamente o

direito dos munícipes à sadia qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado. Se tal ocorrer, a disposição federal merecerá ser declarada inconstitucional pelo

Poder Judiciário.

Hoje não se discute a necessidade de as pessoas e organizações não governamentais

participarem dos procedimentos de tomada de decisão no que diz respeito ao meio ambiente.

Os canais antigos de representação e a forma de exercício das atividades da Administração

Pública, inclusive municipal, revelaram-se destituídos de eficácia.

A defesa de interesses mesquinhos na microscopia geopolítica pode ser acirrada ou

até exacerbada e, por isso, precisamos socorrer-nos da possibilidade – ainda não inteiramente

estruturada – de exercer o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular para as questões

ambientais, como enseja o artigo 14, I, II e III da Constituição Federal. A promoção da

“conscientização pública [art. 225, § 1º, VI, da CF] poderá possibilitar o êxito na utilização

desses mecanismos de participação pública”, conforme se extrai das lições de Paulo Afonso

Leme Machado (2009, p. 391).

Dentro de todo este aparato cultural, histórico e social, o instituto da ação popular na

perspectiva urbana, da cidade, mostra-se como relevante instituto processual para a melhoria

na preservação do meio ambiente.

Seguindo nosso estudo, e uma vez demonstrada a relevância do papel da sociedade

na atuação em defesa do meio ambiente, optamos por dedicar o segundo capítulo deste

trabalho científico à análise de sua participação na proteção do meio ambiente urbano. É o

que segue.

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CAPÍTULO II. PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA PRESERVAÇ ÃO

Conforme abordado no capítulo anterior deste estudo, a participação da sociedade na

tutela do meio ambiente, principalmente do meio ambiente urbano, além de ser um direito

constitucionalmente assegurado, trata-se de um dever previsto no art. 225 da Constituição

Federal.

Por isso, ao pensarmos na urbanização como forma de intervenção humana no meio

ambiente, necessário será, neste segundo capítulo, tratarmos da questão da sustentabilidade

aplicada às cidades, enquanto bem ambiental, propondo e analisando, por conseguinte, a

efetiva participação da sociedade para sua proteção com o sistema processual disponível

[fruto, por exemplo, de diplomas legais tais como a Lei da Ação Popular, a Lei da Ação Civil

Pública e o Código de Defesa do Consumidor].

2.1 Cidades e sustentabilidade

Se a obra humana é resultado da interação social, do conhecimento de técnicas que

permitem a manipulação de recursos naturais, da cultura em suas diversas manifestações, a

cidade vai espelhar tudo isso. Ela será o resultado dessa teia de relações humanas.

Na verdade, o ritmo de produção capitalista que também está no campo das cidades

ocidentais obedece ao ciclo do capital e não respeita, por exemplo, a capacidade natural de

reposição do solo ou a depuração da água.

O uso intensivo de energia em cidades, cada vez mais crescente dado o acréscimo de

produtos como telefones celulares, computadores, equipamentos eletrônicos em cozinhas,

aparelhos de TV, de som, de DVD, entre outros, exige uma crescente produção energética

(FIORILLO, 2009, p. 348).

As lideranças de vários segmentos vêm se reunindo para discutir alternativas que

tornem a cidade sustentável. Além de concentrarem a manufatura, tornaram-se centros

consumidores e de distribuição de bens e serviços.

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Inundações por transbordamento de cursos d’água ou por alagamento, soterramento

de casa por desmoronamento de encostas, proliferação de vetores de transmissão de doenças,

longos congestionamentos do tráfego de veículos, incremento nos índices de criminalidade,

são alguns sintomas da perda de sustentabilidade.

A exclusão tem levado à crescente concentração populacional em assentamentos

irregulares intensificando a “depleção sócio-ambiental dos sítios urbanos” (FIORILLO, 2009,

p. 379). Aí já residem 4% da população brasileira.

Na segunda metade do século XX, conforme citado autor (2009), o número de

pessoas nos centros urbanos mais que duplicou e as demandas por infra-estrutura, moradia,

transporte, também cresceram consideravelmente mais que a capacidade atual de as cidades as

atenderem.

Além de ampliar a malha urbana, este fato tem deixado profundas marcas de

degradação ambiental e cultural. Contribuiu para trazer o crescimento da preocupação pública

para com os problemas da deterioração ambiental não somente de florestas, oceanos, mas

daquilo que lhe é mais presente: o lugar onde vivem nas cidades.

Um dos conceitos utilizados hoje para definir a sustentabilidade reside na questão da

resiliência que se refere à habilidade dos ecossistemas de retornarem aos seus níveis de

sustentabilidade após terem sido perturbados. Outro conceito é a resistência que se traduz no

potencial de um sistema em resistir a um determinado impacto de maneira que não haja

estresse.

Partindo-se da compreensão das interações complexas entre as cidades e o ambiente

natural, torna-se necessário considerar que elas próprias são recursos que necessitam de

proteção. Daí a propriedade do uso do termo “desenvolvimento urbano sustentável” que

desloca para o meio ambiente artificial a ênfase do debate sobre o desenvolvimento

sustentável.

No Brasil, por exemplo, o aumento da concentração populacional nas áreas urbanas,

em decorrência dos modelos socioeconômicos adotados, representa hoje um desafio para

quem administra o processo para transformar grandes aglomerações urbanas em cidades bem

estruturadas e comprometidas com a idéia de sustentabilidade.

O que deve ser sustentável não é a cidade, mas o estilo de vida urbano, que tem nas

cidades mais uma forma de manifestação.

A manutenção e conservação de áreas verdes, o uso de energia, os transportes, os

serviços, a produção e o consumo, bem como a destinação de resíduos destes, pressupõem a

aplicação de tecnologias apropriadas, a adequação dos assentamentos e a participação dos

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cidadãos, em seus mais diversos setores, nos mecanismos de administração para a realização

do desenvolvimento urbano sustentável (FIORILLO, 2009, p. 29).

A sustentabilidade urbana é analisada no contexto de um país onde a desigualdade de

sua cidadania pode ser bem traduzida pela desigualdade dos ambientes nas quais ela se (re)

produz.

A equidade social e econômica entre os cidadãos urbanos pode ser difícil de atingir,

mas é mais fácil de se prever, assim como parece ser, a princípio clara, a idéia de certificar-se

que as gerações futuras dos residentes não sejam fundamentalmente constritas por ações

tomadas no presente.

Outro aspecto está na sustentabilidade do sistema alimentar. A segurança alimentar

depende não apenas da existência de um esquema que garanta a produção, distribuição e

consumo de alimentos em quantidade e qualidade adequadas, mas também, de um sistema que

não venha comprometer ou colocar em risco a segurança alimentar no futuro. É preciso

promover uma reorientação das estratégias de desenvolvimento em vigor na maioria dos

países do Terceiro Mundo.

Posta a sustentabilidade como equacionador fundamental da relação do homem com

o meio ambiente urbano, passemos agora a analisar a questão da natureza dos bens, uma vez

que as cidades implicam necessariamente a idéia de propriedade privada, suas decorrências

legais e os mecanismos de proteção de tal ambiente sem perdermos de vista que a utilização

do mesmo trata-se de uma das bases da ordem econômica brasileira.

Pontuemos inicialmente alguns aspectos relevantes quanto à acepção jurídica de

bem. Nos termos do Código Civil, os bens podem ser públicos ou particulares. Entre os

primeiros encontram-se os bens de uso comum do povo [espaços e logradouros públicos,

mares, rios, estradas e outros], os bens pertencentes à União, aos Estados, aos Municípios e,

com toda a evidência, ao Distrito Federal e às autarquias. Quaisquer outros bens fora dessas

rubricas serão particulares, não importa a quem pertençam [Código Civil/2002, artigos 98 e

99].

O meio ambiente “não existe senão em seus constitutivos, não paira dúvida de que

estes últimos (os elementos que o compõem), mesmo que objeto de propriedade privada está

sujeito ao controle da qualidade ambiental porque, esta sim, é inalienável e inseparável do

bem comum”. Por isso há medidas legais, que, no caso, é o limite ao uso e ao gozo da

propriedade; porém, “essa limitação se impõe em vista do interesse social maior – e, também,

do interesse planetário e de toda a família humana” (MILARÉ, 2009, p. 211), sem o que nem

o planeta nem nossa espécie poderiam sobreviver.

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Não importa que as restrições sejam locais e delimitadas, o que, na realidade se

verifica e importa é:

[...] o fato inconteste de que as relações existentes nos ecossistemas e, por igual, no meio ambiente como um todo são sistêmicas, isto é, os elementos constitutivos estão ligados por teias e redes de interdependência, de modo que a alteração de um ou de alguns deles repercute nos demais, seja em que escala for (MILARÉ, 2009, p. 211).

Daí a solicitude com as áreas a serem particularmente protegidas, porquanto elas são

a garantia de perpetuação dos sistemas vivos.

A propósito da propriedade dos bens e da sua vinculação com a qualidade do meio

ambiente, Édis Milaré (2009, p. 211) colaciona o ensinamento de José Helder Benatti (2005,

p. 208) e enuncia que:

A inquietação crescente com a proteção dos bens ambientais decorre da escassez desses bens, considerados recursos críticos e finitos. Se, num primeiro momento, a imposição de limites ao acesso e ao uso dos recursos naturais era considerada uma ´restrição ao domínio`, o direito evoluiu e chegou aos nossos dias com uma concepção completamente distinta da dos séculos passados. Hoje, o conceito de `coisas comuns` é revisto, e o acesso aos bens ambientais concedido, mas limitado para assegurar a proteção ambiental. O meio ambiente interessa não somente ao indivíduo, mas também à coletividade e às gerações futuras. Pode-se então concluir que já não há a livre esfera individual de apropriação e de uso dos recursos naturais, ou seja, a privatização já não é absoluta e exclusiva, a fruição dos bens é condicionada ao fim social, e as ações privadas serão orientadas para mais bem protegê-los.

Mas, quem pode proteger o bem ambiental? A Constituição de 1988 não define o que

é cidadão, mas emprega o termo “cidadania” por diversas vezes. Registre-se que qualquer

cidadão está legitimado para propor ação popular.

Desta forma qual a cidadania desejável? Paulo Afonso Leme Machado (2009, p.

137), vê a “cidadania como ação participativa onde há interesse público ou interesse social.

Ser cidadão é sair de sua vida meramente privada e interessar-se pela sociedade de que faz

parte e ter direitos e deveres para nela influenciar e decidir”. No caso “da cidadania ecológica

participa-se em defesa de um ambiente difuso, tratando-se de ‘exigir cuidado público da

vida”. Por isso, a Constituição de 1988 é chamada de Constituição-cidadã.

Importante frisar a questão financeira, pois dela demanda toda a sociedade, que ora

vive sob o manto do capitalismo. A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer as bases da

ordem Econômica [Título VII, Capítulo I], “não se omitiu do pressuposto ambiental e seus

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requisitos na utilização dos recursos naturais para a produção de bens econômicos”

(MILARÉ, 2009, p. 212).

A esse respeito, assim se expressa Patrick de Araújo Ayala (2007, p. 265): “Os

atributos econômicos e ecológicos são reunidos pela Constituição brasileira na condição de

princípios gerais da atividade econômica, admitindo que todos são relevantes para a finalidade

de se atribuir valor a determinado bem”.

A Constituição econômica admite, portanto, que o conceito de valor não é uma

categoria tipicamente econômica, de acordo com Ayala (2007, p. 265), ou seja:

[...] a proteção da utilidade econômica dos recursos naturais através da propriedade privada dos mesmos constitui apenas uma das referências que fundamentam a ordem econômica nacional. Não é a única e tampouco a principal. Ao lado de sua proteção, também foi atribuída igual hierarquia a atributos eminentemente coletivos, que se reportam a interesses relacionados a toda a sociedade.

Surge, então:

[...] a controvertida valoração dos bens ambientais que se prestam a múltiplos usos e funções. Qual é a função precípua de um determinado bem ambiental? Como priorizar esta ou aquela destinação? Como atender a esta ou aquela função? Como conciliar o interesse econômico com o social, ou vice-versa?

Neste particular, Patrick de Araújo Ayala (2007, p. 265) esclarece com precisão que

“a obrigação de defesa do meio ambiente e a função social da propriedade condicionam a

forma de valoração dos bens para a finalidade de apropriação”.

Definem uma nova modalidade de apropriação de bens, que complementa o sentido

econômico, fazendo com que seja integrada à dimensão econômica uma dimensão que

poderia ser chamada de dimensão de apropriação social. Nessa perspectiva, qualquer relação

de apropriação deve permitir o cumprimento de duas funções distintas: uma individual

(dimensão econômica da propriedade) e uma coletiva (dimensão sócio-ambiental da

propriedade). No entanto, essas funções nem sempre se impõem de forma simultânea.

Diante dessa conceituação inovadora, o trato do “Patrimônio Ambiental Nacional”

nos leva mais adiante. Note-se que, “ao se falar de bens ambientais, a mesma solicitude se

dirige para outras sortes de bens, embora se privilegie os recursos naturais” (MILARÉ, 2009,

p. 212). Tal preocupação decorre do fato de o Patrimônio Ambiental Nacional ser tripartido

em natural, cultural e artificial.

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Por conseguinte, há bens culturais que são protegidos pelas cláusulas ambientais, não

por sua pertença ao meio estritamente natural dos bens tangíveis, mas – de outra forma - por

representarem criações do espírito humano e, assim, “figurarem como produto específico da

nossa espécie. Esses bens recordam sempre a nossa presença nos ecossistemas naturais e no

habitat próprio da nossa espécie, que são as cidades e outros assentamentos humanos”, nas

palavras de citado autor (2009, p. 212).

Paulo Affonso Leme Machado (2009, p. 144) afirma que:

[...] a Constituição de 1988 preceitua que: ‘Para assegurar a efetividade desse direito, (ao meio ambiente ecologicamente equilibrado) incumbe ao Poder Público: (...) IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, Estudo Prévio de Impacto Ambiental, a que se dará publicidade’ (art. 225, § 1º, IV).

Podemos observar que entre a vigilância necessária para a preservação do meio

ambiente, por parte do cidadão e de toda a sociedade, estes possuem à sua disposição vários

mecanismos administrativos que podem ser intentados, e após sanados estes, é que a

sociedade deverá procurar pela ação popular, que aqui, tendo em vista o meio ambiente,

veremos mais a frente a ação popular ambiental.

A maior parte dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, que hoje

constituem as principais ferramentas legais “para a garantia da redução dos impactos

ambientais negativos nos processos produtivos, é do tipo comando-controle” (MILARÉ,

2009, p. 455). Nessa categoria de instrumentos estão, por exemplo, a avaliação de impacto

ambiental, o licenciamento ambiental e os padrões de qualidade ambiental.

A Constituição de 1988 foi a primeira a inserir o Estudo de Impacto Ambiental

[EIA]. O Estudo Prévio de Impacto Ambiental deve ser anterior ao licenciamento ambiental

da obra ou da atividade. Segundo Paulo Affonso Leme Machado (2009, p. 144) esse “estudo

não pode ser concomitante e nem posterior à implantação da obra ou à realização da

atividade”.

O Estudo de Impacto Ambiental visa a evitar uma prevenção falsa ou deturpada,

quando o empreendimento já iniciou sua implantação ou quando os planos de localização

foram elaborados sem o Estudo de Impacto Ambiental [EIA]. A anterioridade da exigência do

Estudo de Impacto Ambiental [EIA] não afasta a possibilidade de ser exigida, na renovação

ou na revisão dos licenciamentos ambientais, a apresentação de um novo Estudo.

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Observemos, então, que o Estudo de Impacto Ambiental [EIA] é um dos

instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente [artigo 9º, III, da Lei Federal nº. 6.938,

de 31.8.1981]. “As noções de estudo e avaliação se completam através do preceito

constitucional e dos preceitos de legislação ordinária”. As verificações e análises do Estudo

de Impacto Ambiental terminam por um juízo de valor, ou seja, uma avaliação favorável ou

desfavorável ao projeto.

O estudo prospectivo das gerações não é tarefa isenta de dificuldades. Mas essa

análise, conforme Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 224), “haverá de considerar o

passado, o presente e o futuro de cada recurso ambiental, anotando as variações de uso, a

qualidade e a quantidade desses recursos na história humana e ambiental principalmente no

que concerne à área de influência do projeto”.

O Direito Ambiental, ao exigir essa nova abordagem, passa:

[...] a incorporar concretamente no procedimento de Estudo Prévio de Impacto Ambiental [EPIA] um componente ético em relação às gerações não presentes ou futuras mostrando que não se está agindo de uma forma comprometida e egoísta em relação à herança ambiental a ser transmitida.

A Área de Impacto Ambiental [AIA] no ordenamento jurídico brasileiro é “um

instrumento da política ambiental, formado por um conjunto de procedimentos capaz de

assegurar, desde o início do processo, que se faça um exame sistemático dos impactos

ambientais de uma ação proposta” (MILARÉ, 2009, p. 374) e de suas alternativas. Os

procedimentos devem garantir a adoção das medidas de proteção do meio ambiente

determinadas, no caso de decisão sobre a implantação do projeto.

Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 145) relata que o:

Supremo Tribunal Federal, em medida liminar, posicionou-se em um caso emblemático sobre o EPIA. Tratava-se do exame da Constituição do Estado de Santa Catarina, que previa a dispensa do EPIA no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais. (ADI 1.086-7-SC/medida liminar, j. 1.8.1994).

Além do Estudo de Impacto Ambiental, outros instrumentos são imprescindíveis. O

zoneamento ambiental é importante porque “visa a subsidiar processos de planejamento e de

ordenamento do uso e da ocupação do território bem como da utilização de recursos

ambientais” (MILARÉ, 2009, p. 361).

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A implantação de qualquer atividade ou obra efetiva ou potencialmente degradante

deve submeter-se a uma análise e controle prévios. Tal análise se faz necessária para se

anteverem os riscos e eventuais impactos ambientais a serem prevenidos, corrigidos,

mitigados e/ou compensados quando da sua instalação, da sua operação e, em casos

específicos, do encerramento das atividades.

Outro aspecto que devemos registrar se refere à questão das políticas públicas de

meio ambiente, dentre as quais o zoneamento ambiental aparece como o principal instrumento

de organização do espaço. O zoneamento ambiental não é definido na legislação que

regulamenta os instrumentos da Política Nacional do Meio ambiente, constantes da Lei

Federal nº. 6.938/81 (FIORILLO, 2009, p. 384).

O zoneamento constitui a política pública de uso e ocupação do solo urbano mais

institucionalizada e aplicada nas cidades brasileiras. Apesar de ser efetivo e dirigido ao

controle e limitação das propriedades urbanas, teoricamente, em prol de garantias de

qualidade de vida para cidadãos, incluído o equilíbrio ambiental, acontece que os

zoneamentos são ineficazes para resolver grande parte dos problemas urbanos. Conforme

decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, temos:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Voto n° 17.671 - Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 147.807.0/6 Reqte: Procurador Geral de Justiça -Reqdo: Prefeito do Município de São Sebastião e Câmara Municipal de São Sebastião. EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n° 81, de 5 de março de 2007 do Município de São Sebastião. Normas de ordem pública e interesse social reguladoras do uso e ocupação do solo urbano em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, assim como do equilíbrio ambiental - Zonas de Especial Interesse Social - ZEIS. Ausência de prévios estudos técnicos detalhados, planejamento e consulta à população diretamente interessada. Lei de zoneamento corretamente impugnada por dispor de matéria exclusiva de Plano Diretor. Não atendimento às exigências contidas na Lei Federal 10.257/01, art. 50. Violação aos arts. 5o, "caput" e§1°, 111, 144, 152, 1,11, III, 180, I, II, III e IV, 181, 191, 196 e 297, todos da Constituição Estadual. Ação julgada procedente. (SÃO PAULO, ano do acesso 2009a).

Veja que o Plano Diretor deve ser a linha mestra do planejamento ambiental, e a lei

de zoneamento se subordina ao mesmo.

Sobre o zoneamento industrial podemos observar que as zonas destinadas à

instalação de indústrias serão definidas em esquema de zoneamento urbano aprovado por lei.

A estruturação do zoneamento será fruto da decisão do Poder Executivo e do Legislativo. O

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art. 11 explicita a idéia ao dizer que compete aos Municípios: I- instituir esquema de

zoneamento urbano, sem prejuízo do disposto nesta Lei.

Zonear vai significar, em parte, indicar onde se vão localizar as indústrias. Compete

ao Município dizer o local das indústrias e das zonas de reserva ambiental. “As zonas

destinadas à instalação de indústrias nas áreas críticas de poluição devem seguir os novos

preceitos legais”. Essas áreas foram mencionadas no art. 4º do Decreto-lei nº. 1.413/75 e para

elas foi prevista a obrigatoriedade de “esquema de zoneamento urbano” (MACHADO, 2009,

p. 209).

Já, a criação de “zona estritamente industrial com objetivo de localizar pólos

petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos e instalações nucleares dependerá de prévia

aprovação da União”.

Nos padrões ambientais, temos que distinguir os padrões de emissão e os padrões de

qualidade do meio ambiente. “Os padrões de emissão vão fornecer os valores máximos de

lançamento de poluentes permitidos. Os padrões de qualidade vão indicar as condições de

normalidade da água, do ar e do solo” (MACHADO, 2009, p. 212).

Coloque-se em relevo, contudo, que “o estabelecimento dos padrões de emissão e de

qualidade ambiental não deve ser fruto de resoluções de um grupo fechado de tecnocratas,

estabelecendo-se a ambientocracia ou a ecocracia”.

Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 213) descreve que:

[...] a lei fornece algumas características dos processos de produção que devem ser analisados para a fixação dos parâmetros ambientais: emissão de gases, vapores, ruídos, vibrações e radiações; riscos de explosão, incêndios, vazamentos danosos e outras situações de emergência; volume e qualidade de insumos básicos, de pessoal e de tráfego gerados; os padrões de uso e ocupação do solo; a disponibilidade nas redes de energia elétrica, águas, esgoto, comunicações e horários de atividade.

As zonas de reserva ambiental serão constituídas por áreas em que, “por suas

características culturais, ecológicas, paisagísticas ou pela necessidade de preservação dos

mananciais e proteção de áreas especiais ficará vedada a localização de estabelecimentos

industriais” (MACHADO, 2009, p. 217).

A Lei nº. 6.902 de 27 de abril de 1981 previu a “Área de Proteção Ambiental” com a

possibilidade de serem limitadas ou proibidas: a- implantação e o funcionamento de indústrias

potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais de água; b- a realização de obras de

terraplenagem e a abertura de canais, quando essas iniciativas importarem em sensível

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alteração das condições ecológicas locais; c- o exercício de atividades capazes de provocar

uma acelerada erosão das terras e/ou um acentuado assoreamento das coleções hídricas; d- o

exercício de atividades que ameaçam extinguir na área protegida as espécies raras da biota

regional.

Um bom exemplo, de uso sustentável, é a Área de Proteção Permanente [APP] do

Município de Santa Fé do Sul/SP, que após a tramitação de processo que julgava a

canalização de um pequeno trecho de um riacho em uma Área de Proteção Ambiental, restou

que os laudos técnicos não demonstraram a degradação ambiental. É o que podemos aferir do

acordão abaixo:

Ação de indenização - Área de preservação permanente - Obras de canalização de córrego - Tratando-se de área de preservação permanente, onde não cabe exploração financeira, e, tendo a obra de canalização sido realizada com autorização de órgão ambiental e não prejudicando a propriedade dos apelantes, não há que se falar em indenização. Recurso improvido. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SAO PAULO - Voto n° 15.442 - Apelante : JORGE LEANDRO DE ALMEIDA E OUTRA - Apelado : SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO DE SANTA FÉ DO SUL E OUTRO - Comarca : SANTA FÉ DO SUL - Recurso n° 766.473.5/2-00) (SÃO PAULO, 2009b).

No que se refere às áreas especialmente protegidas, de acordo com estudos de

Alessander Marcondes França Ramos (2009), sua origem veio da preocupação com os

recursos hídricos. A tutela das fontes e dos cursos de água foi imperiosa para a eclosão de

grandes civilizações e metrópoles modernas (São Paulo, Cidade do México, Roma, Londres,

entre outras).

A área que mereceu maior preocupação do Poder Público, diante dos reflexos

coletivos pelo seu uso inadequado, pode-se mencionar também as encostas, em razão dos

deslizamentos causados pela supressão de vegetação.

Portanto, a importância para as florestas protetoras será despertada já em 1934, pela

legislação da época. As florestas protetoras são os antecedentes históricos próximos das atuais

Áreas de Preservação Permanente.

As Áreas de Preservação Permanente, cuja nomenclatura teve origem no Código

Florestal, sua gênese pode ocorrer por dois modos distintos, qual seja, por lei ou declarada.

Área coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os

recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de

fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas esta é a

definição do conceito de Área de Preservação Permanente.

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A determinação legal traz, em seu bojo, diversas consequências jurídicas. Em

primeiro lugar, a faixa considerada como de Área de Preservação Permanente não tem sua

natureza jurídica alterada pela supressão da vegetação originalmente existente no local.

Se ocorrer degradação ambiental, há obrigação de se recompor a vegetação existente

no local. Se não havia, originalmente, vegetação no local, a faixa também deve ser

resguardada pela função ecológica que desempenha, garantindo o fornecimento de água, as

propriedades físico-químicas do solo, bem como em função da micro fauna ou micro flora,

necessária ao equilíbrio ecossistêmico daquela região.

A finalidade das Áreas de Preservação Permanente é o cumprimento da função

ambiental de, alternativamente: a) preservar os recursos hídricos; b) preservar a paisagem; c)

promover a estabilidade geológica; d) garantir a biodiversidade; e) viabilizar o fluxo gênico

da fauna e da flora; f) proteger o solo; g) assegurar o bem estar das populações humanas; h)

facilitar a infiltração hídrica e reduzir o escoamento superficial; i) favorecer a

evapotranspiração.

A Área de Preservação Permanente pode existir tanto em propriedades públicas

como em propriedades particulares, a restrição advém da localização ou pela função que

exercem.

Segundo Alessander Marcondes França Ramos (2009, p. 119), o maior desafio do

Poder Público “é proteger esta espécie de área especialmente protegida diante da maciça

instalação de residências, ranchos e povoados às margens do rio”. Por isso, merece atenção

das autoridades e maior ação preventiva, já que inexiste direito adquirido à violação

ambiental. Dessa maneira as irregulares interferências deverão ser desconstituídas com a

posterior recuperação do ambiente.

Nada mais natural do que proteger a Área de Preservação Permanente também na

zona urbana, pois a densidade populacional é maior e diante da impermeabilização do solo e

maior susceptibilidade a enchentes, a proteção de faixas nas margens dos cursos d’água revela

maior interesse, inclusive social e evita prejuízos materiais, invasão de casas, dificuldades no

tráfego de cargas e pessoas.

A existência da Área de Preservação Permanente em área urbana foi corroborada

pelo artigo 4º, §2º, do Código Florestal, com a redação dada pela Medida Provisória nº. 2.166-

67, de 24.08.2001.

Se não fosse suficiente, o Estatuto das Cidades [Lei nº. 10.257/01] estabelece, no

artigo 39, que a propriedade urbana somente cumpre sua função social ao assegurar a

qualidade da vida, além de respeitar as diretrizes trazidas no artigo 2º do mesmo diploma

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legal, que determina a ordenação e o controle do solo para evitar a poluição e degradação

ambiental [artigo 2º, VI].

Os institutos da Reserva Floresta Legal e da Área de Preservação Permanente não se

equivalem, embora possa haver uma proximidade, já que ambos são destinados à tutela do uso

da propriedade.

A Reserva Florestal Legal tem ligação direta com a manutenção da biodiversidade,

para as futuras gerações, determinando o uso sustentável dos recursos naturais à conservação

e reabilitação dos processos ecológicos e ao abrigo e proteção da fauna e da flora nativas.

Atua, diretamente, na manutenção do habitat para as espécies da fauna e flora, assim, a

exploração obedece a rígidos critérios técnicos.

A Área de Preservação Permanente tem finalidade diversa, embora correlata e

complementar na formação dos corredores ecológicos. Sua tutela da biodiversidade é apenas

indireta, zelando pelo biótopo.

Assim, mantém a vegetação no entorno dos recursos hídricos tanto para evitar o

assoreamento, como para reduzir a contaminação das águas, além de fornecer a umidade

necessária à sua perenização.

Todo aquele que desenvolver atividade que resulte em degradação ou poluição,

direta ou indireta, de Área de Preservação Permanente ou Reserva Florestal Legal, pessoa

física ou jurídica, de direito público ou privado, é parte passiva solidariamente responsável,

pela recuperação do bem degradado, sendo necessária apenas a demonstração do nexo de

causalidade entre a conduta do agente e o dano ambiental experimentado.

Quanto às ações sobre a qualidade do ar, cabem aqui alguns destaques para o

monitoramento, os programas nacionais e a legislação pertinente.

A realização do monitoramento da qualidade do ar, do controle da poluição

atmosférica, assim como a promoção da qualidade do ar, não podem ser deixados para quando

os problemas avolumarem-se e se agravarem. Medidas simples e eficazes podem ser adotadas

com baixa demanda de tempo e recursos, como o monitoramento das áreas críticas de regiões

metropolitanas e outros centros urbanos.

Importa, igualmente, divulgar os índices e dados técnicos para esclarecer a sociedade

sobre problemas de qualidade do ar e reforçar a consciência ecológica.

A preservação da saúde pública e da saúde ambiental é o requisito essencial da

qualidade da água. Depois disso vem “a compatibilização com os usos preponderantes, a

partir de uma classificação dos corpos de água doce, salobra e salina, conforme a Resolução

CONAMA 357, de 17.03.2005” (MILARÉ, 2009, p. 229).

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A qualidade das águas está permanentemente ameaçada por dois grupos principais de

risco: a contaminação por microorganismos patogênicos e a modificação das características

físicas e químicas dos corpos de água.

A infraestrututra de recursos hídricos não será completa sem que se “lhe agregue a

trilogia preconizada pela Organização Mundial da Saúde – OMS para seu gerenciamento

qualitativo, a saber: monitoramento, vigilância e levantamentos especiais”, de acordo com

mencionado autor (2009, p. 237).

É claro que as alterações ecológicas do solo, também, contribuem de modo direto

para degradar a sua qualidade e, de modo indireto, afetam a qualidade de habitats e biomas.

No entanto, como registra Édis Milaré (2009, p. 238), “o fator social também altera as suas

formas de uso e conservação, em decorrência do destino que lhe é dado como espaço para

localização de assentamentos humanos e atividades produtivas”.

Alguns exemplos são ilustrativos:

- Ocupação de várzeas férteis com construções, devastação de matas ciliares e

desguarnecimento de vegetação em cabeceiras;

- substituição de florestas por campos e pastagens;

- Inutilização de extensões agricultáveis de alta produtividade por represas ou

monoculturas exaustivas;

- Substituição de matas naturais por florestas homogêneas ou industriais, em longas

extensões;

- Utilização do espaço para implantação de indústrias altamente poluidoras e

particularmente nocivas àquele entorno;

- Ocupação de áreas de mananciais ou espaços a serem preservados a fim de

estabelecer núcleos populacionais ou atividades industriais, com altas taxas de ocupação do

solo;

- estabelecimento de atividades produtivas, particularmente industriais, em desacordo

com a vocação geoeconômica da região;

- Abertura de estradas, construção de aeroportos e de outras infra-estruturas sem

prévio estudo de impacto ambiental.

A preservação de áreas verdes no perímetro urbano dos Municípios tem o objetivo de

ordenar a ocupação espacial, e:

[...] visa a contribuir para o equilíbrio do meio em que mais intensamente vive e trabalha o homem. As normas que disciplinam no ambiente urbano, a

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preservação de áreas verdes são as contidas no Plano Diretor, na lei de uso de solo, seja municipal, seja metropolitana, e em outras editadas especialmente para este fim (MILARÉ, 2009, p. 255).

Os Tribunais tem tido uma posição forte, uma vez que se o Poder Público não atuar

de maneira correta e cumprindo a Constituição de 1988, o mesmo deverá sofrer sanções iguais

ou mais duras que o indivíduo ou empresas degradadoras, pois além de não cumprir a lei, o

Poder Público é quem deveria dar o exemplo, vejamos:

O Poder Público também agride o ambiente e desmerece tratamento menos severo do que o destinado ao indivíduo e à empresa infratora ambiental. Transigir com o poder das futuras gerações é estimular más práticas no âmbito de uma ecologia que só é levada a sério na retórica e no discurso, embora enfatizada na Carta da República de maneira singular, como o primeiro direito intergeracional explicitado no pacto fundante. Município que invoca excessiva onerosidade de sanção pecuniária adveniente de descumprimento de TAC, não está inibido de responsabilizar os demais causadores do dano ambiental, nem o munícipe de promover ação pública ambiental para configurar a obrigação do administrador inerte ao ressarcimento do dano ambiental causado. (SÃO PAULO, 2009c).

Por fim, quanto à arborização da cidade, tem-se que a supressão de árvores ou

formações arbóreas isoladas em áreas urbanas, que não se enquadram em qualquer das

situações de proteção ambiental, pode ser feita mediante simples autorização do Poder

Público local, quando a lei assim o exigir.

2.2 A função social da propriedade e da cidade

No Estatuto da Cidade, o objeto da Política Urbana é ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, garantindo o bem

estar de seus habitantes. No entanto, a função social representa um interesse difuso, pois não

há como identificar os sujeitos afetados por essa função social.

A Constituição de 1988 definiu limites para o Direito de Propriedade em benefício da

coletividade. Se analisarmos a legislação edilícia ou urbanística, de âmbito municipal,

poderemos afirmar que já se tratam de limites estabelecidos ao próprio direito de propriedade.

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O urbanismo moderno surge com a cidade industrial e os problemas decorrentes da

concentração demográfica. As péssimas condições de habitabilidade dão um caráter

predominantemente sanitarista às primeiras normativas urbanísticas.

As primeiras normas de zoneamento aparentemente resolviam o problema de

ordenamento do uso e da ocupação do solo. Através de medidas que aparentemente limitavam

as densidades urbanas, seria possível controlar a alta concentração dos trabalhadores.

O zoneamento surge na Alemanha, (FIORILLO, 2009, p. 240), no final do século

XIX, também para separar usos e funções urbanas. O uso residencial separado do industrial e

do comercial.

Dentro desse quadro, não se pode entender o Estado de forma idealista. O Poder

Público, ao contrário do que aparentemente é disseminado, não é uma entidade abstrata ou

neutra que paira sobre a sociedade disposta a resolver todos os seus problemas.

A cidade é um produto social, conforme registra citado autor (2009, p. 240). Todos

nós contribuímos para o desenvolvimento das nossas cidades, por exemplo, através dos

impostos que pagamos. E, como sabemos, alguns poucos se beneficiam dela. Portanto, é

plenamente aceitável a proposição de mecanismo de recuperação da valorização imobiliária

produzida socialmente.

Além disso, através da regulação urbanística que serve para garantir espaço de

produção e o retorno de investimentos imobiliários, o processo de supervalorização fundiária

expulsa para longe quem não pode pagar os preços dos lotes ou os aluguéis das moradias.

A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências

fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor – aprovado por lei municipal

– assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à

justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes

urbanísticas gerais.

O Plano Diretor é um instrumento já previsto na Constituição para a definição da

função social da cidade e propriedade e de sua localização na cidade. Concordamos com os

autores Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009), Paulo Afonso Leme Machado (2009) e Édis

Milaré (2009) quando dizem que a função social da cidade estará sendo atendida de forma

plena quando forem reduzidas as desigualdades sociais, e promovidas à justiça social e a

qualidade da vida urbana.

Assim, as questões como o serviço de coleta de lixo, o trânsito de veículos, o

fornecimento de água potável e outros pontos do meio ambiente natural, artificial, cultural no

âmbito do Município, embora de interesse local, vão afetar o Estado e mesmo o país, e essas

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são questões que o município tem competência para legislar, são assuntos locais e atendem

interesses de modo imediato (FIORILLO, 2009, p. 341).

Por ter a Constituição Federal trazido tamanha importância para o município, na

questão do direito ambiental brasileiro, é um fator relevante, pois é a partir dele que a pessoa

humana poderá usar os bens ambientais, visando a sua integração dentro da moderna

cidadania.

Outro aspecto relevante refere-se à questão das cidades com alto nível de ausência de

saneamento, decorrente do crescimento desordenado das grandes cidades que criam campos

desprovidos de infraestrutura mínima de saneamento, o que faz surgir uma série de doenças e

uma inevitável degradação do meio ambiente local. Tal posição já foi matéria objeto de

apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2002, sobre a questão dos esgotos:

O Município de Itapetininga é responsável, solidariamente, com o concessionário de serviço público municipal, com quem firmou "convênio" para realização do serviço de coleta de esgoto urbano, pela poluição causada no Ribeirão Carrito, ou Ribeirão Taboãozinho. II - Nas ações coletivas de proteção a direitos metaindividuais, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a responsabilidade do poder concedente não é subsidiária, na forma da novel lei das concessões (Lei n.º 8.987 de 13.02.95), mas objetiva e, portanto, solidária com o concessionário de serviço público, contra quem possui direito de regresso, com espeque no art. 14, § 1° da Lei n.º 6.938/81. Não se discute, portanto, a liceidade das atividades exercidas pelo concessionário, ou a legalidade do contrato administrativo que concedeu a exploração de serviço público; o que importa é a potencialidade do dano ambiental e sua pronta reparação. (BRASIL, 2009a).

Importante ressaltar que se falamos em degradação ambiental é mister que

conceituemos qualidade ambiental. Assim, temos elencados os bens tutelados como garantia

de qualidade ambiental o estipulado no artigo 3º da Lei nº. 6.938/81.

O problema da tutela do meio ambiente se manifesta a partir do momento em que sua

degradação passa a ameaçar, não só o bem-estar, mas também a qualidade da vida humana, se

não a própria sobrevivência do ser humano. Assim as atuações devem ser municipalizadas,

cite-se o Programa Município Verde da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo.

Como ensina Édis Milaré (2001, p. 223), quanto à variável ambiental, a mesma:

[...] vem sendo, cada vez mais, introduzida na realidade municipal, para assegurar a sadia qualidade de vida para o homem e o desenvolvimento de suas atividades produtivas. Isto é sentido, sobretudo, na legislação, com a inserção de princípios ambientais em Planos diretores e leis de uso do solo e principalmente com a instituição de sistemas Municipais de meio ambiente e

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a edição de Códigos Ambientais Municipais. Deve o município implementar o Conselho de Meio Ambiente.

Para auxiliar as autoridades locais, haja vista que a ciência jurídica se completa, de

alguma forma, pela consciência ética, então seria de bom tom os juízes auxiliarem nessa

empreitada, pois:

[...] o direito ambiental abre área inimaginável para o juiz moderno. Mais do que um solucionador de conflitos interindividuais. É um construtor da cidadania, um impulsionador da democracia participativa e estimulador do crescimento da dignidade humana até a plenitude possível (NALINI, 1998, p. 86).

Outro fator para sucesso da preservação ambiental é a participação. Participar

significando aqui como tomar parte em alguma coisa, agir em conjunto. O princípio da

participação constitui um dos elementos do Estado Social de Direito.

A participação do cidadão na elaboração de alternativas ambientalistas, tanto na

micropolítica e na macropolítica, exige dele a prática e o aprendizado do diálogo entre

gerações, culturas e hábitos diferentes.

Ora, vejamos o ensinamento de Hely Lopes Meirelles (1992, p. 424): “a atuação

municipal será, principalmente, executiva, fiscalizadora e complementar das normas

superiores da União e do Estado-membro, no que concerne ao peculiar interesse local, e

especialmente na proteção do ambiente urbano”.

A execução da política urbana determinada pelo Estatuto da Cidade deverá ser

orientada em decorrência dos principais objetivos do direito ambiental constitucional.

Daí pensar que se o bem fica sob a custódia do poder público não elide o dever de o

povo atuar na conservação e preservação do direito do qual é titular, porque se ocorre omissão

participativa, o prejuízo deverá ser suportado pela própria coletividade, porquanto o direito ao

ambiente possui natureza difusa, por isso a importância e a necessidade dessa ação conjunta.

Ocorre que, conforme nos relata Edis Milaré (2001, p. 210), “sob o amparo do artigo

10 da Lei nº. 6.938/81, que permite atuação supletiva do Ibama, desta feita alguns Estados

estão tentando transferir a obrigatoriedade de licenciamento ambiental, o que pode ocorrer e

com precedentes indesejáveis”.

Continuando o pensamento de mencionado doutrinador o mesmo afirma que, “com

isso, todo o avanço alcançado na legislação ambiental corre o risco de perder credibilidade”,

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porque existem autoridades estaduais que buscam, num esforço de politização, levar a

discussão sobre outorga de licença ambiental do campo técnico para o político.

Uma cidade só pode ser considerada saudável quando todos os fatores ambientais

que repercutem na saúde e bem-estar das pessoas estão equilibrados nos locais onde se vive,

trabalha, circula, se locomove e se tem o seu lazer.

Assim deve acontecer a articulação entre os ecorreformistas e movimentos populares,

pois têm sido poucas as oportunidades de ampliação desta atuação, pois a violência e a

pobreza polarizam os movimentos por direitos humanos, em detrimento das preocupações

com o ambiente coletivo.

O Plano Diretor é um instrumento previsto pela Constituição de 1988 para a

definição da função social da cidade e propriedade, e de sua localização na cidade, o qual vai

garantir que a cidade cumpra com sua função social de forma plena quando forem reduzidas

as desigualdades sociais, e promovidas a justiça social e a qualidade de vida urbana; vai servir

para impedir ações dos agentes públicos e privados que gerem uma situação de segregação e

exclusão da população de baixa renda (FIORILLO, 2009, p. 344).

Enquanto essa população não tiver acesso à moradia, transporte, saneamento, cultura,

lazer, segurança, educação, saúde e trabalho dignos, não haverá como postular a defesa de que

a cidade esteja atendendo sua função social para que se acrescente na agenda a preocupação

ambiental junto à questão urbana.

O ambiente urbano é composto pelo conjunto de relações da população e das

atividades humanas com os demais seres vivos com que convive, com o espaço construído e

com os recursos naturais, visando à reprodução biológica e material da população e das

atividades humanas, todos esses mecanismos devem ser planejados.

Neste planejamento urbano chamado Plano Diretor, que hoje é obrigatório somente

para os municípios com mais de vinte mil habitantes, é necessário que se assegure a criação

de espaços verdes que garantam não só a manutenção da flora e da fauna e sirvam de área de

drenagem, como também possam proporcionar lazer à população.

Segundo Hely Lopes Meirelles (2008, p. 337-338):

[...] a preservação dos recursos naturais se faz por dois modos: pelas limitações administrativas de uso, gerais e gratuitas, sem impedir a normal utilização econômica do bem, nem retirar a propriedade do particular, ou pela desapropriação, individual e remunerada, de determinado bem, transferindo-o para o domínio público e impedindo a sua destruição ou degradação. Tal o que ocorre com as reservas florestais, com as nascentes e mananciais.

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Se o sistema não é o mais conveniente para os atuais desafios, devem partir, então,

da sociedade civil os indicativos do que mudar – e como mudar -, porque obviamente não se

trata aqui de uma substituição absoluta e total.

A questão é buscar alianças com determinadas áreas do governo, caso contrário, não

existirá solução para a degradação do meio ambiente sem justiça social e redistribuição de

renda em nível mundial.

A idéia principal é assegurar existência digna, através de uma vida com qualidade.

Com isso, o princípio do desenvolvimento sustentável não objetiva impedir o

desenvolvimento econômico, já que é sabido que a atividade econômica quase sempre

representa alguma degradação ambiental.

2.3 A construção da sustentabilidade

Para tratarmos dessa temática, cabe inicialmente pontuar que não se pode dissociar o

político do jurídico: um complementa o outro e os dois "constroem" a realidade social. O

direito – uma vez assentado em princípios e normas determinadas – dá vida às políticas

públicas as quais procuram se adequar ao ritmo da progressão das necessidades e aspirações

humanas no tempo e no espaço. Dentro de um raciocínio urbanístico, por assim dizer, as

políticas seriam como estacas dessa mudança de comportamento social e o direito o próprio

alicerce (BREMER, 2004, p. 32).

O emergente direito urbanístico brasileiro necessita ser compreendido, não em face

de suas muitas limitações, mas de seus inúmeros desafios. Tanto o direito à cidade quanto o

direito da cidade colocam-se a serviço do homem buscando combater a desordem urbana, que

atinge o indivíduo tanto em seu habitat artificial e cultural, como natural.

Muito se questionou – anteriormente à adoção da Lei nº. 10.257, de 10 de julho de

2001 ou Estatuto da Cidade – a respeito da questão urbana brasileira, sobre que tratamento

seria o mais adequado às cidades cujo diagnóstico era o mesmo: insustentabilidade recorrente.

Poluição sonora, visual, do ar, da água, do solo, enfim desequilíbrio ambiental, caos

civilizatório. É esse o legado – restos inaproveitáveis – que deixaremos às gerações futuras?

A Constituição Federal de 1988 determina no seu artigo 21, inciso XX, a

responsabilidade da União na instituição de diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano;

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já os artigos 182 e 183 dispõem sobre a Política de Desenvolvimento Urbano, a ser executada

pelo poder público municipal.

Regulamentadora desses dois artigos, a Lei nº. 10.257 de 2001, trouxe, à caótica

realidade urbana brasileira, um novo alento e os princípios urbanísticos a serem

implementados nas cidades e nas propriedades urbanas brasileiras, sendo merecedor de

especial atenção por encerrar conteúdo jurídico-legal concreto, o direito a cidades

sustentáveis, cujo comando remete à equidade intergeracional, garantindo-se a terra urbana, a

moradia, o saneamento ambiental, a infra-estrutura urbana, o transporte e serviços públicos,

bem como o trabalho e o lazer para todos os que habitam – e deverão habitar – as cidades

brasileiras.

O adjetivo sustentável não prescreve nem abranda a idéia da degradação embutida no

substantivo desenvolvimento, antes, ele expressa a consciência de que se trata de uma

conquista, que se pode sustentar no tempo e no espaço. Se fosse algo definitivamente

conquistado dever-se-ia dizer desenvolvimento sustentado em vez de sustentável.

Com relação à expressão meio ambiente construído, consagrada pelo Estatuto da

Cidade, lança-se por seu intermédio um grande número de desafios aos planejadores e

arquitetos do futuro das nossas cidades, os quais deverão repensar um novo ambiente urbano

como um meio ambiente construível a partir dos conceitos de sustentabilidade, a saber, a

busca permanente da compatibilização entre progresso econômico, proteção do meio

ambiente e instauração da justiça social, como destaca Bremer (2004, p. 33).

Pode-se dizer que somos todos participantes, ativos ou passivos, de uma cultura

ecobeligerante, cujos primeiros impactos negativos que marcaram profundamente o destino

do nosso País foram, em maior ou menor grau, a deterioração do saber, a degradação de

valores e a destruição dos costumes dos nossos antecessores, os povos indígenas, que, ainda

assim, têm muito a nos ensinar sobre convivência pacífica com a natureza.

Fundamenta-se essa cultura negativa, contraproducente, em posturas de consumo

exagerado, desperdício irresponsável, acúmulo de rejeitos, esgotamento dos recursos naturais

– também conhecidas como poluição pela riqueza – bem como pela falta de saneamento,

ausência de manejo e tratamento adequado de resíduos, má utilização dos recursos hídricos,

descontrole urbanístico, inadequação no parcelamento, uso e ocupação do solo, privação da

moradia digna, também chamada poluição pela carência ou pobreza.

No que respeita ao reconhecimento do direito à moradia, um passo importante para

se preencher a lacuna do artigo 6º da Constituição Federal de 1988 foi a Emenda

Constitucional nº. 26, de 2000.

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Veio esse direito somar-se aos direitos sociais já assegurados constitucionalmente,

como educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade

e à infância e assistência aos desamparados. Ainda se espera, com a adoção do Estatuto da

Cidade – que incorporou o novo direito constitucional à moradia – que sua efetiva

implementação, na cidade ou no campo, não seja mais prorrogada, muito menos frustrada

(BREMER, 2004, p. 33).

A demanda crescente de novas residências para as populações menos favorecidas

impõe políticas edilícias de baixos custos e políticas urbanas diferenciadas; nisso adaptou-se a

Lei nº. 10.257/01 quando inseriu, dentre suas diretrizes, a simplificação da legislação de

parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução

dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais, bem como a

regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda

mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e

edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.

No foro internacional, vinte anos após a Conferência das Nações Unidas sobre

Assentamentos Humanos, ou Conferência de Vancouver de 1975 [Habitat I] – onde se tratou

essencialmente do tema habitação – ocorreu, em junho de 1996, a Conferência de Istambul

[Habitat II ], imbuída de um processo de conscientização com ambições muito mais vastas de

"negociação da própria sobrevivência da espécie humana" (BREMER, 2004, p. 34).

Sabe-se que ao subscrever normas em instrumentos internacionais e avalizar, em

Declarações Intergovernamentais, princípios, diretrizes, metas e objetivos gerais, o País

assume compromissos internos éticos, políticos e jurídicos com sua população. Na ocasião da

Habitat II, o Brasil engajou-se no sentido de prover e assegurar aos brasileiros mais carentes o

direito básico à morada digna, condição indispensável para o progresso social e econômico e a

salvaguarda ambiental de nossas cidades, de acordo com mencionado autor.

Volta-se igualmente ao artigo 2º do Estatuto da Cidade, em atendimento ao interesse

social no processo de urbanização, para a cooperação entre os governos, a iniciativa privada e

os demais setores da sociedade, bem como para a promoção da isonomia de condições para os

agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades.

Preocupou-se o Estatuto em instar todos à adoção de padrões de consumo de bens e

serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental,

social e econômica do Município e do território sob sua área de influência.

Também cuidou o instrumento legal da questão da viabilidade econômica lato sensu,

quando se refere à justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de

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urbanização; à adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos

gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os

investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos

sociais e à recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a

valorização de imóveis urbanos.

A preocupação com a realidade rural adequada às necessidades municipais e dos

territórios sob sua influência, entre outros desdobramentos, permite o desafogo dos

congestionados centros urbanos e sua periferia, fixando o homem no campo; participa

diretamente na melhoria do desempenho agrícola e agropecuário; engaja-se no compromisso

com o desenvolvimento tecnológico; busca a promoção da justiça social; almeja o

comprometimento com a questão fundiária.

A questão da proteção, preservação e recuperação da natureza e dos recursos

naturais, bem como a salvaguarda do patrimônio histórico, artístico, paisagístico e

arqueológico também foram objetos de considerações na Lei nº. 10.257/01, temas

imprescindíveis para a boa prática da gestão do meio ambiente, este percebido em sentido

amplo.

Na expressão meio ambiente encontram-se significados diversos e não apenas a

representação mais comum que remete ao habitat natural do homem, ou seja, a flora e a

fauna, o solo e a água; mas encontra-se também aí compreendido seu modus vivendi; seu

alcance vai além dos aspectos ecológicos, abrangendo aspectos culturais, históricos,

antropológicos (BREMER, 2004, p. 34).

A promoção de uma política de desenvolvimento urbano pelo Estatuto da Cidade se

dá – acertadamente – no âmbito municipal, pois é no município que as pessoas vivem.

É o instrumento normativo dotado de aspectos que incentivam a gestão democrática

quando da formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de

desenvolvimento urbano.

Estimula-se também, por meio da audiência do Poder Público Municipal e da

população interessada, a participação popular nos processos de implantação de

empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente

natural ou construído, o conforto ou a segurança da população. É assim reconhecida a

importância fundamental do exercício da cidadania na consecução de políticas públicas

urbano-desenvolvimentistas. Registre-se que as Audiências Públicas estão baseadas no

fundamento constitucional do direito à informação, que decorre do princípio da participação

da população (FIORILLO, 2009, p. 147).

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A implantação no País de uma democracia participativa, complementar à democracia

representativa, requer esforço social em uníssono. Ainda é uma novidade a plena participação

da comunidade nas decisões políticas e, a norma sob apreço trata, do Estatuto da Cidade, no

Capítulo IV, da gestão democrática da cidade, colocando à disposição da população e das

associações representativas dos vários segmentos comunitários os meios necessários para uma

efetiva participação, de modo a garantir-se o pleno exercício da cidadania.

Cidades socialmente mais justas, ou melhor, dizendo, econômica e ambientalmente

menos iníquas, dependem estreitamente de ações com vistas a um repensar e reconstruir de

um ambiente que leve em consideração as necessidades cotidianas dos cidadãos do asfalto [se

faz interessante registrar nesta oportunidade que habitante da cidade é uma das definições

dadas pelo dicionário Aurélio ao termo cidadão]. É inadiável a instauração de uma política

urbana nacional integradora, que vise a uma melhor distribuição econômica, aperfeiçoamento

da justiça social e permanente compromisso com a salvaguarda da natureza e dos recursos

naturais.

Para que as recomendações da Agenda 21, documento programático internacional

para o Século XXI, adotado na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento [Rio 92], passem a fazer parte das diversas realidades brasileiras, todo

plano estratégico ou planejamento diretor nacional deve, necessariamente, levar em

consideração as peculiaridades e necessidades locais, dentro de uma lógica e coerência

voltadas para situações diferenciadas, mas em harmonia com o movimento comum de

globalização (FIORILLO, 2009, p. 148).

Para a construção da Agenda 21 Brasileira, o Ministério do Meio Ambiente, em

parceria com atores do governo e da sociedade civil, lançou estratégias em diferentes frentes

na busca de alternativas – a caminho de mudanças eficazes e efetivas – para o atual paradigma

individualista de desenvolvimento econômico, que tenta ignorar [por motivos utilitaristas

óbvios] um modelo já teorizado [por motivos óbvios de sobrevivência], mais humanista,

voltado para as questões ecológicas e sociais.

É na cidade que se concentram as atividades, serviços e bens, e, portanto, a renda, a

cidade depende do uso dos bens ambientais para sua sustentabilidade, e, o meio ambiente, da

sustentabilidade do seu uso pela cidade. Em ambos os casos tratam-se da mesma busca: viver

e deixar viver.

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No artigo 4º da Lei nº. 10.257/012, estão descritos os instrumentos da Política

Urbana, desta forma dentre os instrumentos inovadores adotados pela Lei nº. 10.257/01,

encontram-se: o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; o IPTU progressivo no

tempo; a desapropriação com pagamento em títulos; a usucapião especial de imóvel urbano; o

direito de superfície; o direito de preempção; a outorga onerosa do direito de construir; as

operações urbanas consorciadas; a transferência do direito de construir.

O instrumento que chama a atenção pelo forte conteúdo preventivo que encerra,

premonitório de conflitos sociais por contemplar os possíveis efeitos negativos de

empreendimentos e atividades, é o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança [EIV], que está

abordado nos artigos 36, 37 e 383 da Lei nº. 10.257/01.

O Estatuto da Cidade, cuja proposta inédita de agregar valores impregnados de

justiça, democracia e solidariedade inserem-se em um contexto de barreira à imobilidade e à

inércia, representa um marco fundamental de conscientização e mudanças de comportamento

a médio e a longos prazos à disposição de todo cidadão brasileiro.

2 “Art. 4º. Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; III – planejamento municipal, em especial: plano diretor; disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; zoneamento ambiental; plano plurianual; diretrizes orçamentárias e orçamento anual; gestão orçamentária participativa; planos, programas e projetos setoriais; planos de desenvolvimento econômico e social; IV – institutos tributários e financeiros: imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU; contribuição de melhoria; incentivos e benefícios fiscais e financeiros; V – institutos jurídicos e políticos: desapropriação; servidão administrativa; limitações administrativas; tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; instituição de unidades de conservação; instituição de zonas especiais de interesse social; concessão de direito real de uso; concessão de uso especial para fins de moradia; parcelamento, edificação ou utilização compulsórias; usucapião especial de imóvel urbano; direito de superfície; direito de preempção; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; transferência do direito de construir; operações urbanas consorciadas; regularização fundiária; assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; referendo popular e plebiscito; VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). § 1º. Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria, observado o disposto nesta Lei. § 2º. Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos poderá ser contratada coletivamente. § 3º. Os instrumentos previstos neste artigo, que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal, devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil”. 3 Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal. Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões: I – adensamento populacional; II – equipamentos urbanos e comunitários; III – uso e ocupação do solo; IV – valorização imobiliária; V – geração de tráfego e demanda por transporte público; VI – ventilação e iluminação;VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural. Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado. Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental.

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Aliando a busca permanente do desenvolvimento urbano em bases sustentáveis ao

esforço contínuo de instauração da justiça social e ambiental nas cidades, o Estatuto opõe-se à

destruição do ambiente e ao aviltamento do homem, o que representa um imenso desafio para

o País e suas instituições.

2.4 A cidade como bem ambiental

Com a edição da Constituição de 1988, fundamentada em um sistema econômico

capitalista que necessariamente tem seus limites impostos pela dignidade da pessoa humana

[artigo 1º, III e IV da CF], a cidade – e suas duas realidades, a saber: os estabelecimentos

regulares e os estabelecimentos irregulares – passam a ter natureza jurídica ambiental.

A partir de 1988, a cidade deixa de ser observada no plano jurídico com base em

regramentos adaptados tão somente aos bens privados ou públicos, e passa a ser disciplinada

em face da estrutura jurídica do bem ambiental [artigo 225 da Constituição Federal] de forma

mediata e imediata, em decorrência das determinações constitucionais emanadas dos artigos

182 e 183 da Carta Magna.

Vamos considerar o meio ambiente artificial como aquele que é compreendido pelo

espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações [chamado espaço urbano

fechado] e pelos equipamentos denominados públicos [espaço urbano aberto].

Com efeito, o artigo 23, VI, da Carta da República estabelece que é competência

comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio

ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.

Vamos verificar que após uma análise preliminar da Lei do Estatuto da Cidade, Lei

nº. 10.257 de 2001, constata-se que esta versa sobre o ambiente urbano, mas contém uma

visão holística de meio ambiente. Com relação ao equilíbrio ambiental [parágrafo único do

art. 1º], esta expressão retrata a nova feição do conceito meio ambiente a partir da

Constituição Federal, que envolve a idéia de uma inter-relação dinâmica entre os recursos

(FIORILLO, 2009, p. 351).

A garantia às cidades sustentáveis [art. 2º, inciso I] tem como base o

desenvolvimento sustentado, que é um dos alicerces do Direito Ambiental e está expresso na

Constituição de 1988, artigo 225, como direito fundamental do homem.

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Com as transformações das relações sociais, inclusive com a expansão das cidades,

muito em virtude da migração do trabalhador rural para a área urbana, surgem preocupações

com os aspectos urbanos, dando ensejo ao aparecimento do Direito Urbanístico ainda em

formação. Tamanho é o grau de desenvolvimento das cidades, que faz surgir os fenômenos da

conurbação, das regiões metropolitanas, das aglomerações urbanas e do intenso adensamento

demográfico.

Passamos a ter uma desproporção entre o crescimento da população da área urbana

com relação aos habitantes da área rural, em um verdadeiro processo de urbanização, levando

a ocorrência de uma intensa concentração urbana.

José Afonso da Silva (1990, p. 42) ensina que “a urbanização implicou a ocorrência

de problemas urbanos que necessitavam ser alterados pela urbanificação, consistente em

processo de correção urbana, mediante a ordenação dos espaços habitáveis, de onde se

originou o urbanismo como instrumento técnico e científico”.

O Estatuto da cidade, pela primeira vez, dá vida ao termo planejamento, antes

contemplado apenas formalmente na Constituição Federal, em seu artigo 21, IX e XX, ao

afirmar a competência exclusiva da União para definir suas diretrizes através de planos

nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.

A aplicação do Estatuto da Cidade poderá trazer como conseqüência a diminuição do

preço da moradia e obrigar a revisão de uma série de leis relacionadas ao espaço urbano: a lei

do inquilinato, as leis municipais de parcelamento do solo, da legislação de zoneamento,

parcelamento e código de obras e posturas. As alíquotas diferenciadas para taxação de vazios

urbanos e a criação de zonas especiais de interesse social são outros mecanismos que

implicam custos de produção de unidades habitacionais, aumentam a oferta de moradias

legais e democratizam o mercado residencial, como defende o Engenheiro Ulisses Franz

Bremer (2004, p. 33).

Neste momento histórico que estamos vivendo, os municípios devem elaborar ou

renovar seus planos diretores, ou seja, montar um planejamento, refletir sobre o crescimento e

organização das cidades, para os próximos anos. Os profissionais envolvidos têm o

compromisso de alterar o paradigma dos governantes para a construção de um futuro melhor

para as próximas gerações, realizando esforços para que o país atinja sua ecoeficiência.

Sabemos que 82% da população brasileira que vivem em cidades, mais da metade se

concentram em municípios com menos de 20 mil habitantes. Enquanto nos grandes centros o

problema é o gerenciamento do lixo, nas pequenas cidades as dificuldades são financeiras e

técnicas. E daí a criatividade pode ser a solução, pois a tecnologia mais avançada nem sempre

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é a mais adequada. As soluções devem ser buscadas localmente, levando em conta as

características de cada município.

Pode-se registrar que meio ambiente ecologicamente equilibrado implica para a

pessoa humana – principal destinatário do direito constitucional brasileiro – sem dúvida

alguma, um conjunto de condições morais, psicológicas, culturais e mesmo materiais que

envolvem uma ou mais pessoas.

O que nos autoriza a concluir que a definição jurídica fixada na Carta Magna de meio

ambiente ecologicamente equilibrado envolve necessariamente a pessoa humana com o local

onde se vive e evidentemente em face de todas as circunstâncias reais adaptadas à relação

antes apontada.

Destarte os espaços habitáveis pela pessoa humana – que compõem a definição

doutrinária de meio ambiente artificial – merecem ser entendidos também em face do piso

vital mínimo [artigo 6º da Constituição Federal] e das demais necessidades inerentes à

existência da pessoa humana em face não só de uma ordem econômica capitalista [a saber,

trabalho, consumo, locomoção etc.] como de sua própria essência [a saber, aspectos

relacionados à sua intimidade, à sua vida privada, à sua relação, à sua religião, ao seu lazer, à

morte etc.] (FIORILLO, 2004, p. 258).

Assim, na chamada execução da política urbana, torna-se verdadeiro afirmar que o

meio ambiente artificial passa a receber uma tutela mediata [artigo 225 da Constituição

Federal/88] e uma tutela imediata [artigo 182 e 183 da Constituição Federal/88],

relacionando-se diretamente às cidades, sendo, portanto, impossível desvincular da execução

da política urbana o conceito de direito à sadia qualidade de vida, assim como o direito à

satisfação dos valores da dignidade da pessoa humana e da própria vida.

A garantia do direito a cidades sustentáveis, a saber, o direito à terra urbana, à

moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços

públicos, ao trabalho e ao lazer, significa, via de consequência, importante diretriz destinada a

orientar a política de desenvolvimento urbano em proveito da dignidade da pessoa humana e

seus destinatários, a ser executada pelo Poder Público Municipal, dentro da denominada tutela

dos direitos materiais metaindividuais.

A terra urbana, no plano das cidades sustentáveis, não deixa de ser um dos fatores de

produção, ao lado do capital e do trabalho, mas inserida no denominado processo social de

urbanização que se evidencia no Brasil, principalmente no século XX, onde a mudança

populacional do campo para as cidades informa de maneira clara a necessidade de distribuir a

população num determinado espaço territorial, nas palavras de referido autor (2004).

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O relevante está relacionado à forma como os habitantes estão distribuídos num

determinado território, aspecto de enorme importância quando se constatam os impactos

ambientais que a presença da pessoa humana pode provocar não só no meio ambiente natural,

mas também no meio ambiente globalmente considerado.

O direito à terra urbana se caracteriza como fundamental à pessoa humana na medida

em que é a partir do território que todos os demais direitos fundamentais assegurados pela

Constituição Federal poderão ser realizados/exercidos concretamente em proveito de

brasileiros e estrangeiros residentes no País.

O direito à moradia apontado no artigo 2o, I, do Estatuto da Cidade, assegura a

brasileiros e estrangeiros residentes no País o uso de determinada porção territorial no âmbito

das cidades [dentro de sua natureza jurídica de bem ambiental] denominado direito à casa [art.

5o, XI da Constituição Federal], para que possam ter um local destinado a assegurar seu asilo

inviolável com a finalidade de garantir fundamentalmente seu direito à intimidade [artigo 5o,

X], seu direito à vida privada [artigo 5o, X] assim como a organização de sua família [artigos

226 a 230].

O direito à moradia, no plano das cidades sustentáveis, deve ser compreendido,

portanto, como um direito a um espaço de conforto e intimidade destinado a brasileiros e

estrangeiros residentes no País adaptado a ser verdadeiro reduto de sua família.

Assegurado no plano do piso vital mínimo, conforme Celso Antônio Pacheco Fiorillo

(2004, p. 258), por força do que estabeleceu a Emenda Constitucional nº. 26 de 14 de

Fevereiro de 2000, o direito à moradia tem previsão constitucionalmente estabelecida [art. 6º],

traduzindo de forma didática a determinação constitucional prevista no art. 225 de assegurar a

todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou seja, o direito à vida da

pessoa humana relacionada com o local onde se vive.

O direito à moradia, por estar associado ao direito à casa e por ser a casa, como já

afirmamos, o reduto da família, refletirá, numa maneira mais abrangente, a sociedade da qual

essa mesma família faz parte, ao mesmo tempo em que é sua geradora. Assim, comentar a

evolução do espaço de morar é percorrer os corredores das transformações da família

brasileira ao longo desses cinco séculos e de uma forma particular, entrever que a mudança do

papel da mulher na sociedade torna-se, de uma forma muito frequente, a alavanca dessas

transformações.

O direito ao saneamento ambiental estabelecido no artigo 2o, I, do Estatuto da Cidade

assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no País não só a preservação de sua

incolumidade físico-psíquica [saúde] vinculada ao local onde vivem, local este em que o

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Poder Público municipal tem o dever de assegurar condições urbanas adequadas de saúde

pública inclusive vinculadas ao controle de águas, esgotos etc.

Como a preservação dos demais valores vinculados à tutela dos bens ambientais

adstritas a determinado meio em que referidas pessoas humanas se relacionam, obrigação

também imposta ao Poder Público municipal no sentido de fazer cessar toda e qualquer

poluição em face dos demais bens ambientais garantidos constitucionalmente [meio ambiente

cultural, natural etc.].

Verifica-se que a tutela do saneamento ambiental pressupõe o dever do Poder

Público Municipal de assegurar as condições necessárias, no sentido de restar garantida a

saúde de mulheres e homens nas cidades como componente do piso vital mínimo fixado no

art. 6o da Constituição Federal, muito mais que pura e simplesmente organizar a denominada

higiene pública [conceito hoje superado, em certa medida] para que a pessoa humana possa

ter efetivado no plano jurídico seu bem-estar [bem-estar como um estado de perfeita

satisfação física e mental] como valor assegurado constitucionalmente inclusive de forma

imediata no âmbito do meio ambiente artificial [artigo 182 da CF].

No plano do saneamento ambiental, alguns direitos materiais fundamentais

vinculados à pessoa humana estruturam os valores de bem-estar e salubridade perseguidos

pelo Estatuto da Cidade no que se refere às diretrizes que orientam seus objetivos.

A efetividade dos direitos antes aludidos é que deverá assegurar o direito ao

saneamento ambiental dentro da tutela da saúde da pessoa humana adaptada ao local onde se

vive.

Fixado no artigo 2o, I, do Estatuto da Cidade, o direito à infra-estrutura urbana,

também, assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no País a efetiva realização por parte

do Poder Público Municipal de obras ou mesmo atividades destinadas a tornar efetivo o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade fixando, agora de maneira clara através da Lei

n. 10.257/2001, o direito de brasileiros e estrangeiros residentes no país ao espaço urbano

construído consistente tanto no chamado espaço urbano aberto, como no espaço urbano

fechado.

A infraestrutura compõe-se de equipamentos destinados a fazer com que as cidades

"funcionem" dentro do que estabelece o comando constitucional e o Estatuto da Cidade, de

acordo com Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2009, p. 259).

Assim, é por força do direito à infraestrutura que o Poder Público municipal passa a

ter o dever de implementar as verbas públicas disponíveis e fixadas em orçamento próprio

necessárias a prover a cidade de artefatos, instalações e demais apetrechos destinados a

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assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade em grande parte

estabelecidas no artigo 2o, I, da Lei nº. 10.257/2001.

O direito à infraestrutura, como direito material metaindividual, organizado a partir

da tutela jurídica do meio ambiente artificial, revela a necessidade de uma gerência da cidade

por parte do Poder Público municipal vinculado a planejamentos previamente discutidos não

só com o Poder Legislativo, mas com a população e com a utilização dos instrumentos que

garantem a gestão democrática das cidades, explicados nos artigos 43 a 45 do Estatuto da

Cidade, exatamente no sentido de integrar juridicamente as cidades ao Estado Democrático de

Direito.

O direito ao transporte garantido no artigo 2o, I, do Estatuto da Cidade, propicia a

brasileiros e estrangeiros residentes no País os meios necessários destinados a sua livre

locomoção, em face da necessidade de utilização das vias nas cidades adaptadas não só à

circulação da pessoa humana como de operações de carga ou descarga fundamentais para as

relações econômicas/de consumo, bem como para as necessidades fundamentais vinculadas à

dignidade da pessoa humana.

Referidos meios estabelecem o dever do Poder Público municipal de assegurar

veículos destinados a transportar fundamentalmente as pessoas nas cidades, assim como o de

propiciar condições adequadas para a utilização das vias dentro de critérios orientados para

um trânsito em condições seguras, cumprindo determinação que lhe é atribuída em face da

competência constitucional regrada pelo artigo 30, V, da Carta Magna [organização e

prestação de serviço público de transporte].

O direito ao transporte harmoniza o Estatuto da Cidade com o Código de Trânsito

Brasileiro [Lei nº. 9.503/97], posicionando tanto referido direito como o trânsito enquanto

direito metaindividual de nítida característica estabelecida na Lei nº. 8.078/90, nas lições de

Fiorillo (2009).

O direito aos serviços públicos, estabelecido na Lei nº. 10.257/2001, assegura a

brasileiros e estrangeiros residentes no país sua condição de consumidor em face do Poder

Público Municipal que, na condição de fornecedor de serviços no âmbito das cidades [rede de

esgotos, abastecimento de água, energia elétrica, coleta de águas pluviais, rede telefônica, gás

canalizado etc.], está obrigado a garantir serviços adequados, eficientes, seguros e quanto aos

essenciais, contínuos.

O direito aos serviços públicos harmoniza o Estatuto da Cidade com o Código de

Defesa do Consumidor [Lei nº. 8.078/90], reafirmando aludido direito à luz dos conceitos que

hoje orientam o Estado [e no caso do Estatuto da Cidade, do Poder Público municipal] como

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responsável na cadeia de consumo particularmente em face de sua atuação, por si ou suas

empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento

na condição inequívoca de fornecedor.

Bem como deve assegurar as condições necessárias no sentido de restar garantida a

saúde, inclusive de forma imediata no âmbito do meio ambiente artificial [artigo 182,

Constituição Federal/88] de acordo com citado autor.

Por fim, a cidade ainda tem como fim social a promoção do direito ao lazer, também

estabelecido pelo artigo 2o, I, da Lei nº. 10.257/2001, garante a brasileiros e estrangeiros

residentes no País, o exercício de atividades prazerosas, no âmbito das cidades. Claro está que

a dignidade da pessoa humana, estabelecida como fundamento do Estado Democrático de

Direito, não pode prescindir do lazer como valor fundamental de mulheres e homens, sendo

certo que o próprio artigo 6º da Constituição Federal estabelece o direito ao lazer como valor

explícito do piso vital mínimo.

2.5 Participação efetiva da sociedade

Sempre, Celso Antonio Pacheco Fiorillo (1996, p. 19) vem tentando mostrar que o

direito constitucional ambiental possui uma visão antropocêntrica, à medida que coloca o

homem como o centro convergente do plexo de normas jurídicas ambientais.

Contudo, e por todo o exposto até agora neste trabalho, o meio ambiente deve ser

visto e protegido em sua totalidade ecossistêmica. Nesse contexto, mais do que detentor do

direito ao meio ambiente, o ser humano é, enquanto parte integrante do mesmo, agente

obrigado à promoção de sua tutela, de sua defesa.

Por isso, não podemos fechar os olhos para a degradação que o mesmo tem

promovido em decorrência do desenvolvimento econômico, principalmente no que tange ao

meio ambiente urbano pela sociedade de massa.

Assim, só se pode analisar juridicamente um instituto se souber qual é o significado

dos seus conceitos, qual é o seu conteúdo e a que se dirige como afirma Celso Antônio

Pacheco Fiorillo (1996, p. 20). Desta forma tem-se que a causa predominante da degradação

ambiental ocorre com o advento da “sociedade de massa”, cuja característica é o aumento

demográfico crescente.

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Vale lembrar que pensar de forma liberal-individualista é tratar de forma ilegítima a

realidade que nos cerca, por isso, o Direito, como ciência social e humana, está

obrigatoriamente comprometido com esta nova exigência da sociedade coletiva. Assim,

destaca-se uma preocupação evidente com a tutela de interesses cujos titulares são

indetermináveis e cujo objeto deste direito é indivisível.

É aqui que se inclui a tutela ambiental. Nesse diapasão diz José Afonso da Silva

(1995, p. 430) que:

[...] a necessidade da proteção jurídica do meio ambiente despertou a consciência ambientalista por toda parte, até com certo exagero, mas exagero produtivo, porque chamou atenção das autoridades públicas para o problema da degradação e destruição do meio ambiente, natural e cultural de forma sufocante.

No caso da tutela ambiental, a Constituição de 1988 contém, na atualidade, um dos

melhores plexos de normas jurídicas preventivas e repressivas, principalmente quando

admitimos a sua flagrante interpenetração com as demais regras infraconstitucionais.

Este reconhecimento constitucional que se vai fazendo do direito ambiental mostra

um avanço qualitativo de suma importância, que “reforça sua consistência como autêntico

direito humano” (FIORILLO; RODRIGUES, 1996, p. 34).

A tutela do meio ambiente, vista como um direito abstratamente difuso, já era

possível por via da ação popular nos idos de 1965. Barbosa Moreira (1977, p. 53) deixou

demonstrado que, por um alargamento do conceito de patrimônio público contido na Lei nº.

4.717/65, esta poderia ser perfeitamente usada como forma de tutelar aquele bem.

Ao dizer que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado,

quer-se identificar quais seriam os titulares desse direito.

Assim, recaindo sobre toda esta titularidade, significa que o direito ao meio ambiente

é ao mesmo tempo de cada um e de todos, no sentido de que “o conceito ultrapassa a esfera

do indivíduo para repousar-se sobre a coletividade”. Entende-se, dessa forma, posto que,

“depois de dizer que se trata de um direito de todos, determina que é um bem de uso comum

do povo” (FIORILLO; RODRIGUES, 1996, p. 45).

Temos assim que a palavra povo, enquanto sinônima de todos no artigo 225, se

refere à titularidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Após encontrar

o exemplo da sua importância no artigo 1º da Constituição de 1988, descobre-se o seu

conteúdo no artigo 5º da Constituição de 1988, caput, quando determina que à ótica da lei

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constitucional, todos são iguais, sejam brasileiros ou estrangeiros residentes no País. Se todos

são iguais, nos remete à questão da legitimidade, então todos são legitimados ativos.

Ora, como o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à

sadia qualidade de vida, não há outro caminho senão entender que a proteção dos valores

ambientais implica a proteção do bem maior: a vida.

A sua natureza jurídica é o que o ordenamento chamou de direitos difusos. Trata-se

de um direito transindividual, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas entre si por circunstâncias de fato. “Qualquer pretensão que se

deduza em juízo buscando reparação por dano causado ao meio ambiente será difusa, pois se

trata de direito cujo objeto é indivisível, sendo que os titulares deste direito são

indetermináveis e ligados por circunstâncias de fato” (NERY JUNIOR, 1992, p. 26).

Ao dizer que é papel do Estado e da coletividade defender e preservar o meio

ambiente abandona-se o “conceito de que o meio ambiente é um bem público, no sentido que

apenas a atuação era permitida”, conforme Fiorillo e Rodrigues (1996, p. 26).

Supera-se a denominação de bem público, o conceito de meio ambiente, visto que

não só do Estado, mas também da coletividade é dever defendê-lo e preservá-lo. Isto nos

remete ao conceito de interesse difuso, qual seja aquele que se situa no hiato entre o interesse

público e o interesse privado.

A doutrina tem chamado de participação da coletividade os assuntos de natureza

ambiental. Tal conceito é amplíssimo, de forma que os instrumentos processuais seriam

apenas uma das fatias na busca dessa tutela.

Na Constituição de 1988 já estavam protegidos o meio ambiente natural, do trabalho,

artificial e cultural. Isto porque, ao usar a expressão sadia qualidade de vida, o legislador

constituinte optou por estabelecer dois objetos de tutela ambiental: “um imediato, que é a

qualidade do meio ambiente, e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da

população” (FIORILLO; RODRIGUES, 1996, p. 55), que se vêm sintetizando na expressão

da qualidade de vida.

Assim, tem-se:

[...] o meio ambiente dos grupos ou sociedades humanas, como tal considerados, perspectiva, necessariamente, a pessoa como sujeito de um certo número de direitos absolutos, que se impõem ao respeito de todos os outros, incidindo sobre os vários modos de ser físicos ou morais da sua personalidade. Incidem tais direitos de personalidade, designadamente, sobre a vida da pessoa, a sua saúde física e a sua integridade física (PINTO, 1983, p. 63).

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Chegamos à inexorável conclusão de que o conceito de meio ambiente é amplíssimo,

na exata medida em que se associam as expressões essencial à vida e essencial a esta vida

com saúde e qualidade.

Não há como deixarmos de analisar que se o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado é essencial à própria vida, e o conceito de essencialidade perpassa

a idéia de que seja algo que integra; que é inerente; que é indissociável, porque compõe um

conteúdo e, portanto, é imprescindível, não temos outro caminho senão entender o direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado como o direito à própria vida.

Nota-se, portanto, a absoluta simetria entre o direito ao meio ambiente e o direito à

vida. O direito à vida é, portanto, o objeto do direito ambiental, sendo certo que sua correta

interpretação não se restringe pura e simplesmente ao direito à vida, enquanto vida humana,

mas sim direito à sadia qualidade de vida em todas as suas formas.

Ao dizer que a tutela ambiental não é só tutela da vida, nos referimos a uma vida

digna e sadia em todas as suas formas. Isto porque a expressão sadia qualidade de vida não

nos deixa errar.

Aqui apresentamos outro ponto: o legislador infraconstitucional tratou de definir o

meio ambiente, conforme se verifica no artigo 3º, I, da Lei nº. 6.938/81 [a Lei da Política

Nacional do Meio Ambiente e afirma que o meio ambiente abriga e rege a vida em todas as

suas formas].

Temos que ambiente envolve algo muito maior do que se pensa. Falar em ambiente

envolve todos os seres vivos e não vivos, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Abrigar e reger todas as formas de vida e a união de todos os ambientes forma o planeta.

Assim, quando Gregório Assagra Almeida (2008, p. 152) advoga que é necessário e

atual o termo “cidadania coletiva biocentrista solidarista”, com a devida vênia ao respeitável

conceito construído, quero registrar que o conceito de cidadania ambiental seria o mais

adequado, pois quando falamos em ambiental, temos a noção de que todos os seres humanos

estão juntos, daí o coletivo, com todos os seres vivos existentes, daí o biocentrista [a vida no

centro], e o solidário está envolto no conceito de cidadania.

Desta forma, o cidadão do século XXI deve exercer uma cidadania ambiental para

estar integrado no mundo, ou seja, um cidadão do mundo.

O legislador buscou um plus para a tutela do meio ambiente, a qual faz parte de uma

garantia constitucional e, portanto, com regime de cláusula pétrea, como também diz respeito

aos próprios fundamentos e princípios da República, estabelecidos nos artigos 1º e 3º da

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Constituição de 1988, pois o pressuposto da dignidade é que exista a vida com sadia

qualidade.

O meio ambiente não pode ter um tratamento fragmentalizado ou isolado em setores

estanques, assim, a divisão do meio ambiente em cultural, artificial, do trabalho e natural não

possui outra função senão de delimitar o espectro do meio ambiente a que se está referindo.

À medida que não se pode ou que não se consegue exercer o direito de ir e vir, por

intermédio da livre circulação, exatamente “por não existir um sistema adequado de

transportes, por ausência de uma política urbana que atenda ao bem-estar de seus habitantes,

significa que há uma degradação ao meio ambiente artificial” (FIORILLO; RODRIGUES,

1996, p. 62) e, em decorrência disso, o exercício de liberdade do cidadão ficou prejudicado

pelo comportamento da saúde do meio ambiente artificial.

O próprio direito à igualdade, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição de 1988,

que prevê a igualdade de todos, é prejudicado quando “não se tem um meio ambiente

ecologicamente equilibrado, já que só a quem tem poder econômico é que se permite o uso de

um ambiente ecologicamente equilibrado com sadia qualidade de vida”, bem assinalado por

citados autores (1996, p. 62).

Com relação ao direito à propriedade, também este se vê intimamente relacionado

com a tutela do meio ambiente, à medida que, por exemplo, devendo o município executar a

política urbana visando assegurar as funções sociais da cidade para garantir aos seus

habitantes a sensação de bem-estar [artigo 182 da Constituição Federal/88].

Incluindo aí o dever do Município de ordenar o adequado parcelamento do solo para

atender às necessidades sociais, e sendo o direito de propriedade exercido no espaço

territorial, ele não poderá deixar de atender ao seu fim social. Mais uma vez, portanto, vê-se

íntima relação entre o direito ambiental e uma garantia fundamental.

O próprio direito à intimidade e à vida privada, direitos da personalidade garantidos

pelo artigo 5º, X, da Constituição Federal/88, também possuem uma íntima relação com o

direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, sadio e com qualidade de vida, no

exato sentido que, por exemplo, o lixo urbano, verdadeira patologia de um meio ambiente

artificial desequilibrado, pode servir de instrumento à agressão desses valores da

personalidade. Até mesmo por não existirem locais adequados para seu depósito. A respeito,

vejamos a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APELAÇÃO CÍVEL N. 320.676-5/6-00

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APELANTE PREFEITURA MUNICIPAL DE LORENA APELADA PREFEITURA MUNICIPAL DE CANAS COMARCA LORENA - VOTO N.R0331 MANDADO DE SEGURANÇA - Impetração pela Prefeitura Municipal de Canas em face de ato do sr. Prefeito Municipal de Lorena, que determinou que a impetrante paralisasse os lançamentos de lixo em aterro sanitário - Impetrante que obteve as licenças necessárias para a instalação e utilização do referido aterro -Ato da autoridade impetrada que se apresenta ilegal – Posterior demarcação de divisas entre os municípios, em que constatou-se que a área em que se encontra o aterro sanitário de Canas está situado no município de Lorena - Fato superveniente que não pode ensejar a paralisação de utilização da referida área - Segurança mantida – Recurso desprovido. (SÃO PAULO, 2009d).

Essa relação ocorre:

[...] em virtude do fato de que o lixo doméstico pode configurar-se como um infalível mecanismo de reconhecimento do indivíduo, à medida que, por meio deste, podem-se identificar hábitos, preferências, estilos, vícios de determinadas pessoas, qual seja, elementos que permitem, por certo, traçar um perfil consumista de quem fruiu daquele produto que foi “jogado fora” (FIORILLO; RODRIGUES, 1996, p. 67).

Também no tocante à proteção do direito à imagem e a sua ligação com o direito ao

meio ambiente, ambos se cruzam no ponto de intersecção, que é a proteção do direito à vida.

Isto porque, “em decorrência dos progressos da Engenharia Genética, já é possível

identificar não só um ser, mas todas as duas características (genótipo e fenótipo) a partir da

análise estrutural do seu DNA (ácido desoxirribonucléico)” (FIORILLO; RODRIGUES,

1996, p. 69).

Nas formas de vida atuais, “a duplicação das células e a transmissão das

características genéticas de uma espécie para a outra se dão através do DNA”. Ele funciona

como “um código em que estão todas as instruções que permitem a continuidade da vida. É o

DNA que diz, por exemplo, se determinado ser vivo deve ter rabo e orelhas ou se terá asas,

bicos e penas”, seguindo o pensamento dos citados autores (1996, p. 69).

A noção científica de vida parte de critérios de ordem não só química como física e

biológica. Os bens ambientais, por via de consequência, não se reduzem à vida humana, mas

também a outras formas de vida que devem ser respeitadas por imposição normativa

constitucional.

A questão do direito à imagem se liga à defesa do meio ambiente no inequívoco

sentido de que, se pela manipulação do DNA, moléculas protéicas da vida, é possível

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identificar o fenótipo de um indivíduo, em muito pouco tempo, no campo jurídico, não só nos

exames para verificação de paternidade:

[...] estaremos usando esse ácido para identificar, por exemplo, indivíduos loucos de todo gênero, identificar crianças abandonadas, trocadas ilegalmente, “vendidas”, se determinada pessoa tem ou não condições para exercer determinado trabalho, se pode submeter-se àquele ambiente de trabalho (por exemplo, pessoas com hipertireoidismo não podem trabalhar perto de altos fornos, já que possuem hipermetabolismo e, naturalmente, perdem mais água que as pessoas normais. Esse meio ambiente de trabalho poderia representar inevitável vetor na debilitação do trabalhador, ou, quiçá, acelerar o desenvolvimento da doença) (FIORILLO; RODRIGUES, 1996, p. 70).

De outra parte, é verdade, que existem os riscos das atividades de manipulações

genéticas, e, nesse ponto, esta atividade de natureza ambiental, como bem determina a

Constituição de 1988 [artigo 225, § 1º, I e II, e artigo 3º, da Lei nº. 6.938/81], pode ser

instrumento para não se respeitar os direitos fundamentais [notadamente a integridade da

pessoa, como sua segurança e sua imagem].

Por tudo isso, deve-se lembrar de que dentre estes valores protegidos na tutela

ambiental está a proteção da dignidade humana, já que é pressuposto deste fundamento da

República que exista um meio ambiente ecologicamente equilibrado com sadia qualidade de

vida.

Trata-se, pois, de um piso mínimo exigido do Poder Público e da coletividade, na

busca do efetivo exercício dos demais direitos humanos, já que tutelar o meio ambiente é de

certa forma os suportes e fatores essenciais para a existência do ser humano sobre a Terra.

Assim, sob uma ótica pragmática, podemos dizer embasados na própria frase sob

análise, que a Constituição de 1988 teria determinado a existência de uma tutela preventiva e

uma tutela reparatória do meio ambiente. A prevenção estaria ligada à idéia de preservação do

meio ambiente; já a reparatória estaria ligada à defesa do meio ambiente.

No tocante aos instrumentos de tutela ambiental que poderiam ser usados na

prevenção e na reparação do meio ambiente, existem dois distintos tipos: mecanismos

instrumentais e materiais de tutela ambiental; e mecanismos instrumentais processuais de

tutela processual. Tanto em um quanto em outro grupo seria possível a reparação ou a

preservação do meio ambiente.

Segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues (1996, p. 74),

fariam parte do primeiro grupo o estudo prévio de impacto ambiental, o manejo ecológico, o

zoneamento, o tombamento, a desapropriação, o direito de antena, as unidades de

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conservação, a atuação do Poder Público no exercício do poder de polícia, prevenindo ou

reprimindo abusos ao meio ambiente.

Dentro do segundo grupo estariam presentes, a ação popular ambiental, a ação civil

pública, o mandado de segurança coletivo, o mandado de segurança ambiental coletivo ou

individual, a ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão, o mandado de

injunção etc.

A necessidade de o Estado reorganizar-se fica evidenciada, qual seja vestir-se com os

ditames da justiça social ao mesmo tempo em que se desnuda dos farrapos do falido

liberalismo. A sociedade liberal ter-se-ia sucedido por uma sociedade pluralista centrada

sobre grupos de toda ordem.

É nessa perspectiva que o conceito de desenvolvimento, inicialmente formado num

Estado liberal já não encontra mais guarida na sociedade moderna.

Hoje já não é mais contrário à noção de desenvolvimento o papel ativo do Estado no

socorro dos valores ambientais. A proteção ao meio ambiente e o fenômeno

desenvolvimentista fazem parte de um objetivo comum, dado que são interesses convergentes

entre si.

Assim, podemos perceber que a nossa Constituição, de cunho inegavelmente

progressista, caminhou para adotar a nova ótica do desenvolvimento: o desenvolvimento

sustentado. Conceito criado em 1972, na Suécia, quando por ocasião da Conferência Mundial

de Meio Ambiente.

A eficácia da norma consiste em efetivar uma interpretação que leve à proteção ao

meio ambiente. Todo o esforço da ordem econômica deve ser voltado para a proteção do meio

ambiente.

A equação consumo/meio ambiente está atada ao fato de que o fenômeno de

massificação social e o resultado desse exercício desregrado da economia culminaram em

uma insustentável degradação ambiental. Não só os bens naturais passaram a ser objeto de

preocupação em decorrência da sua já evidente escassez, mas também as questões ligadas à

qualidade de vida [habitação, lazer, segurança, etc.].

Os sistemas jurídicos fortemente influenciados por seus dogmas permanecem

estáticos, tornando-se obsoletos e carcomidos em algumas de suas instituições basilares, em

face da realidade social que se apresenta e cai em descrédito.

A “reação mundial para este problema (e aí se encontra toda política ambiental)”, na

verdade, tem o intuito de “não só salvar o meio ambiente degradado em todas as suas formas,

mas, sim, salvar o próprio capitalismo”, pois, se não há um mínimo de qualidade de vida,

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saúde, distribuição mais equitativa da renda, habitação etc., vai haver “uma debilitação da

mão de obra trabalhadora (base do capitalismo) de forma a incapacitá-la para o trabalho, e

também uma diminuição do poder de consumo” (FIORILLO; RODRIGUES, 1996, p. 93).

Agora o momento é de buscar eficazes meios de fazer com que o direito ao meio

ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, que é essencial à qualidade de vida, seja

distribuído a todos os seus titulares, quais sejam, a própria sociedade, essa busca deve ser de

acordo com os ditames de justiça social, a partir da isonomia real [tratamento desigual aos

desiguais na medida de suas desigualdades] e dos preceitos sociais que são garantidos pela

Constituição de 1988, especificamente no artigo 6º.

Mas, todavia, dentre os princípios que devem nortear a asseguração da existência

digna, a partir do exercício da ordem econômica e financeira, estão a defesa do meio ambiente

e a defesa do consumidor, ou seja, o elo entre consumo e meio ambiente, já que ambos são

princípios convergentes para a busca da existência digna.

Apesar das vantagens irrefutáveis trazidas pelas ações coletivas, no sentido de se

buscar isonomia, efetividade, adequação, acesso à justiça, dentre outros, tais ações vieram

precipuamente para resguardar direitos, ou melhor, bens jurídicos que antigamente estavam

longe de sofrer as agressões que hoje sofrem, em virtude das transformações sócio-político-

econômico-científicas que permearam o mundo nas últimas décadas.

Acrescentou-se a esse rol a possibilidade de se proteger qualquer outro interesse

coletivo ou difuso. Sua origem tem sede nas exigências como consequências das mutações

sofridas pela sociedade e rebelião das massas. Urge como remédio eficaz e adequado para a

proteção de interesses e direitos antes tutelados esparsamente e sem o valor que efetivamente

mereciam.

Foi com o advento da promulgação da Lei nº. 7.347/85 que se iniciou no

ordenamento jurídico pátrio, de modo quase embrionário, a formação de uma nova espécie de

jurisdição. Na verdade, não se trata de uma “nova” jurisdição, que continua a ser uma.

O que houve a partir dessa data foi “o surgimento de uma jurisdição civil coletiva,

onde determinados direitos, denominados difusos e coletivos, quando tutelados por via da

ação civil pública, deveriam encontrar a rigidez procedimental na referida lei” (FIORILLO;

RODRIGUES, 1996, p. 96).

Foi, com certeza, um dos maiores avanços que o nosso ordenamento jurídico

conheceu nos últimos tempos, tendo, pois, contribuído, e muito, para a proteção dos direitos

metaindividuais no ordenamento jurídico brasileiro e, ademais, içado o direito brasileiro à

condição de um dos modelos jurisdicionais mais avançados do mundo no que pertine à tutela

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processual dos direitos supra-individuais, que, sob a antiga e carcomida batuta do

individualista Código de Processo Civil, já não mais alcançava a efetividade e a operatividade

que o tema exigia.

Foi, sem dúvida nenhuma a própria Constituição de 1988, quando no texto das

garantias e direitos fundamentais elencou de forma clara as expressões individuais e coletivos.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8.078/90, uma

verdadeira obra-prima jurídica, por conta de uma impecável agregação com a Lei de Ação

Civil Pública, como pode ser vista nas suas disposições transitórias, formou-se aí o arcabouço

da jurisdição civil coletiva.

Trazendo no seu artigo 81, parágrafo único, a definição dos chamados direitos

coletivos lato sensu, quais sejam os difusos, coletivos e individuais homogêneos, e somando a

isso a norma prevista no artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a

possibilidade de utilização de qualquer ação para a adequada e efetiva defesa dos direitos e

interesses protegidos por tal Código.

Então, entendemos que se tratando de qualquer ação utilizada para concretizar direito

ou prerrogativa de bens ou valores ambientais [direito à saúde, por exemplo], e, portanto,

possuindo natureza indelevelmente difusa, não há outra solução senão a aplicação das normas

processuais previstas no Código de Defesa do Consumidor/Lei da Ação Civil Pública, sob

pena de se estar agredindo o princípio do devido processo legal, estabelecido na Constituição

de 1988.

Por isso a necessidade de se dar ao meio ambiente um tratamento globalizado, onde

se permita o quanto mais cedo prevenir-se contra os danos ambientais e, quando isso não for

possível, estimular a sua recuperação e efetivar a sua reparação.

Devido à natureza multifacetária do meio ambiente, na verdade, as multifaces do

meio ambiente decorrem dos tentáculos de influência que exerce em diferentes porções do ser

humano. Com relação à sua identidade unitária podemos dizer que é exatamente através do

conjunto dessas multifaces atingidas pelo ataque ao meio ambiente – alterações físicas,

químicas, biológicas, sociais, culturais – que os bens e valores ambientais relacionam-se

teleologicamente com a proteção do direito à vida com qualidade.

Temos assim que, quando se fala em proteção de bens ambientais, devemos ao

máximo ampliar o espectro de sua proteção aos bens ambientais. Foi a partir dessa idéia que,

“no início da década de 1980, deu-se início, no nosso país, à criação da Política Nacional de

Meio Ambiente” (FIORILLO; RODRIGUES, 1996, p. 102).

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Portanto, podemos marcar como divisora de águas, no tratamento legal do meio

ambiente, a Lei nº. 6.938/81. Até este momento, o meio ambiente era visto de forma

fragmentada; faltavam, até então, normas constitucionais que fundamentassem uma visão

global da questão ambiental, que propende para uma visão do patrimônio ambiental

globalmente considerado em todas as suas manifestações.

Assim, diante dessa necessidade de fundamentação constitucional que desse uma

visão globalizada da proteção ambiental, é que surgiu a Lei nº. 6.938/81, à qual se aliou a Lei

nº. 6.908/81, que dispunha sobre estações ecológicas e áreas de proteção ambiental, formando

um plexo inicial de legislação global sobre a tutela ambiental: a Política Nacional do Meio

Ambiente.

Entre os princípios da política global do meio ambiente encontram-se:

a- princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal;

b- princípio da prevenção e da precaução;

c- princípio da informação e da notificação ambiental;

d- princípio da educação ambiental;

e- princípio da participação;

f- princípio do poluidor- pagador;

g- princípios da responsabilidade da pessoa física e jurídica;

h- princípio da soberania dos Estados para estabelecer sua política ambiental e de

desenvolvimento com cooperação internacional;

i- princípio da eliminação de modos de produção e consumo e da política

demográfica adequada;

j- princípio do desenvolvimento sustentado: direito intergerações.

Temos que a Política Nacional de Meio Ambiente [PNMA] no seu artigo 2º valoriza

a dignidade humana, a busca é por uma qualidade ambiental propícia à vida e ao

desenvolvimento socioeconômico. Muito importante, também, é a Educação ambiental em

todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade objetivando capacitá-la para

participação ativa na defesa do meio ambiente.

Quando se fala em classificação do meio ambiente, na verdade “não se quer

estabelecer divisões isolantes ou estanques do meio ambiente”, até porque, se assim o fosse,

“estaríamos criando dificuldades para o tratamento da sua tutela” (FIORILLO; RODRIGUES,

1996, p. 111).

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Mas, somente para buscar identificar a atividade degradante e o bem imediatamente

agredido, é que podemos dizer que o meio ambiente apresenta pelo menos quatro

significativos aspectos. São eles: o natural; o cultural; o artificial e o do trabalho.

O meio ambiente artificial é entendido como aquele constituído pelo espaço urbano

construído, consubstanciado no conjunto de edificações e dos equipamentos públicos. Já no

meio ambiente do trabalho o que se procura salvaguardar é, pois, o homem trabalhador,

enquanto ser vivo, das formas de degradação e poluição do meio ambiente onde exerce a sua

labuta, que é essencial à sua qualidade de vida.

Não podemos desvincular o meio ambiente artificial do conceito de direito à sadia

qualidade de vida e, portanto, dos valores da dignidade humana e da própria vida. Todavia,

podemos dizer que o meio ambiente artificial está mediatamente e imediatamente tutelado

pela Constituição de 1988.

Mediatamente a sua tutela se expressa na proteção geral do meio ambiente, que diz

respeito ao direito à vida no artigo 5º, caput; no artigo 225, quando especifica que não basta

apenas o direito de viver, mas também um viver com qualidade; artigo 1º, quando diz respeito

à dignidade humana como um dos fundamentos da República; no artigo 6º, quando alude aos

direitos sociais, no artigo 24, quando estabelece a competência concorrente para legislar sobre

meio ambiente visando dar uma maior proteção a esses valores, dentre outros. Reservamos a

proteção constitucional imediata do meio ambiente artificial aos artigos 5º, XXIII; 21 e 182 da

Constituição de 1988, de acordo com os citados autores (1996).

Na questão da política urbana, a Constituição de 1988, invariavelmente, acabou por

tutelar o meio ambiente artificial. E o fez não só voltado para uma órbita nacional, como

também para a órbita municipal.

Isso tudo sem esquecer que, em sede de florestas, caça, pesca, fauna, conservação da

natureza, defesa do solo e dos recursos minerais, proteção ao meio ambiente e controle da

poluição, há a competência concorrente para legislar, de modo que não há como se afastar dos

Estados a sua participação na tutela do meio ambiente artificial.

Sobreleva-se o afirmado, quando lembramos que em sede de direito urbanístico, por

se tratar de competência privativa da União, há a possibilidade de que o Estado venha a

legislar sobre tal matéria, já que a competência da União é delegável.

Destarte, em sede de competências estabelecidas pela Constituição de 1988, em

razão da aludida autonomia dos Estados-membros, municípios e União, podemos dizer que

existem dois grandes grupos: a competência material e a de competência legislativa.

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Tal competência da União terá por fim delimitar as normas gerais e diretrizes que

deverão nortear não só os parâmetros, mas principalmente os lindes constitucionais que a

política urbana dos Estados e Municípios deverá possuir.

Em sede municipal, temos o artigo 182 da Constituição de 1988, que acaba por trazer

que a função política urbana é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade

e garantir o bem-estar de seus habitantes.

A cidade deve ser entendida como o espaço territorial onde vivem os seus habitantes,

e onde inclusive o direito de propriedade deverá ser limitado, no exato sentido que deverá

atender às suas funções sociais, como bem esclarece o artigo 5º, XXIII, da Constituição de

1988.

Na verdade, o que ocorre é que em sede de direito à vida, que é o sentido teleológico

dos valores ambientais, bem matriz e nuclear de todos os demais direitos fundamentais do

homem, não há que se oporem outros direitos. Ao revés, todos os demais direitos surgem da

própria essência de se estar vivo.

Assim, exatamente porque relacionado com o objeto maior [a vida], a tutela do meio

ambiente, no qual se insere o artificial, há que estar acima de quaisquer outras considerações a

respeito de outras garantias constitucionais, como desenvolvimento, crescimento econômico,

direito de propriedade, etc.

Isso porque, pelo óbvio, aquela é a essência e pressuposto de exercício de qualquer

direito que possa existir, e, neste ponto, a tutela ambiental, por possuir a função de

instrumentalizar a preservar tal direito, deve inexoravelmente sobrepor-se aos demais.

Quando de uma rápida leitura do artigo 170, da Constituição de 1988, que coloca a

proteção ao meio ambiente como princípio da ordem econômica, ou ainda, mais expressa e

diretamente, quando no artigo 5º XXIII, atrelado à proteção do direito à vida estabelecido no

caput, determina que a propriedade deverá atender a sua função social.

Dizer que a ordem econômica deve objetivar a existência digna, nada mais está

dizendo que primar pela preservação da vida com qualidade, bem como a proteção da vida em

todas as suas formas, como bem diz a Lei nº. 6.938/91, com bem ressalta Celso Pacheco

Fiorillo (2009).

Devemos dizer que o princípio da função social da propriedade, embora não se

confunda com os sistemas de limitação da propriedade, pode trazer um interesse que pode não

coincidir com o do proprietário, esse interesse, de característica transindividual e de natureza

indivisível, tem como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

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Podemos dizer que não se trata de uma regra de desenvolvimento urbano, mas de

estabelecer uma política de desenvolvimento, ou seja, assume fundamental importância à

medida que deve estar em perfeita interação com o global tratamento reservado ao meio

ambiente e à defesa de sua qualidade.

Desta forma o solo urbano e as funções sociais da cidade estão umbilicalmente

atrelados, já que é naquele que estas se projetam, externando-se em formas e ocupação do seu

uso para fins residenciais, industriais, comerciais, institucionais, religiosos, turísticos,

recreativos, viários, etc.

Ademais, nesse ponto, o zoneamento urbano, como uma das formas de

instrumentalizar a proteção ambiental urbana, assume relevância quando deduzimos que um

dos seus objetivos não é outro senão o da proteção da própria vida da população e busca de

sua qualidade, à medida que separa as atividades incômodas em áreas de uso exclusivo de

modo a preservar o meio ambiente urbano de emissão de poluentes.

Nesse aspecto, é salutar o manejo do solo urbano, já que:

[...] seu manejo é função do plano diretor municipal e de outras normas urbanísticas de uso e controle do solo, tal como consta da Constituição de 1988, segundo a qual é da competência dos Municípios promoverem o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII) (SILVA, 2003, p. 76).

Tudo somado à sensação de bem estar dos habitantes não procede qualquer crítica ao

conceito jurídico indeterminado, justamente porque a sua função é de buscar um plus na

execução da política urbana.

Ao não se criar um patamar mínimo de garantia de valores sociais, está se exigindo,

sempre, de forma permanente, a busca pelo Poder Público desses valores sagrados à

coletividade.

Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues (1996, p. 131)

demonstraram que também o direito ao meio ambiente é voltado para a satisfação das

necessidades humanas, o que, de forma alguma, não impede que o meio ambiente proteja a

vida em todas as suas formas.

Se a Política Nacional de Meio Ambiente protege a vida em todas as suas formas, e

não só o homem é que possui vida, então, todos que a possuem são tutelados e protegidos

pelo direito ambiental. O que deve ser entendido é que a vida que não seja a humana só

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poderá ser tutelada pelo direito ambiental, à medida que a sua existência implique garantia da

sadia qualidade de vida do próprio homem.

Destarte, numa sociedade organizada, o destinatário de toda e qualquer norma é o

homem, o que está sendo contestado hoje e já não é mais aceito, pois a busca de proteção é

para todas as formas de vida e não apenas ao ser humano.

E, ainda, os mestres questionam “como não se ver que o direito ambiental possui

uma necessária visão antropocêntrica”. O que já não está mais é apontado na doutrina mais

indicada. Mas, em uma visão egoísta, podemos concordar com Celso Antônio Pacheco

Fiorillo (1996, p. 135) que mantém seu pensamento neste sentido até hoje, pois este aponta

que todas as decisões tomadas pelo ser humano para preservação do meio ambiente, no fundo,

podem-se vislumbrar uma norma que na verdade vai preservar o próprio ser humano no final

da cadeia.

Tal é a certeza dos autores apontados que afirmam que:

[...] não temos dúvida em afirmar que o que existe é não só uma visão antropocêntrica do meio ambiente em sede constitucional, mas uma indissociável relação econômica do bem ambiental com o lucro que pode gerar e, ainda mais, que a sobrevivência do próprio meio ambiente, aí incluindo a vida humana, só será possível com a permanência dessa visão antropocêntrica (FIORILLO; RODRIGUES, 1996, p. 135).

A efetivação da preservação e defesa do patrimônio genético brasileiro vem prevista

no artigo 225 da Constituição de 1988 e especificamente no seu inciso II. Assim, por via

dessa regra constitucional, percebemos que o direito ambiental protege não só a vida humana,

mas a vida em todas as suas formas [o que não lhe retira a visão antropocêntrica], como

também entendeu pelo conceito de vida algo muito mais próximo da noção biológica do ser

vivo, do que a não médica de ser vivo.

O que se espera da genética? “Por que se quer preservar o patrimônio genético? Para

manter e melhorar as opções futuras. Por patrimônio genético entenda-se também a proteção

do DNA do ser, já que neste que se encontra o gene, responsável pelo genótipo e fenótipo do

mesmo” (FIORILLO; RODRIGUES, 1996, p. 138).

Ao afirmar que deve ser preservada a diversidade e integridade do patrimônio

genético, a Constituição de 1988 admite, pois, não só que por via da genética seja possível

reproduzir seres vivos, mas que, principalmente, aceita esse tipo de técnica como forma de se

tutelar o meio ambiente.

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Preservando “um número cada vez maior destes patrimônios genéticos (diversidade),

o planeta estará mais precavido contra a possível extinção daquela espécie, ou com a provável

degradação da mesma em decorrência da crescente degradação ambiental”, é o que se deflui

da lição do autor (1996, p. 138).

A Constituição de 1988 não parou por aí, já que no mesmo inciso, na segunda parte,

determinou que também compete ao Poder Público fiscalizar as entidades dedicadas à

pesquisa e manipulação de material genético.

Portanto, é inegável que não só admitiu a formação de estoques diversificados e

integrais de patrimônio genético dos seres para fins de preservação da espécie do mesmo,

como ainda determinou que cabe ao Poder Público fiscalizar as entidades responsáveis pelas

manipulações genéticas.

Dessa forma, pois, admitiu, por vias transversas, que é possível a atividade

biotecnológica, da qual deriva a engenharia genética, de se manipular material genético,

sempre que a manipulação for usada para os fins de efetivar o direito estabelecido no artigo

225, caput, como bem enuncia o § 1º do mesmo artigo.

Nos dizeres de Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues (1996,

p. 140), “é permitida a manipulação de material genético (DNA e seus genes) sempre que essa

manipulação resultar na busca da essencial e sadia qualidade de vida”, visando a alcançar um

meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo ao Poder Público cuidar da efetivação

desse direito. Sempre que associada a fins de produção farmacêutica, alimentícia ou médica,

ou, ainda, a benefícios de qualquer ordem ao meio ambiente, na sua acepção mais lata, a

manipulação genética deve ser permitida e estimulada.

Assim, a Lei nº. 8.974/95 vem regulamentar os incisos II e V do § 1º do artigo 225

da Constituição de 1988, que estabelecem normas para uso de técnicas de engenharia genética

e liberação do meio ambiente de organismos geneticamente modificados [OGMs].

A defesa das questões de patrimônio genético e manipulação está situada no contexto

das ações coletivas, passemos, então, à abordagem do meio ambiente como objeto da proteção

ampla que a Constituição de 1988 lhe outorgou, para identificarmos os pontos de discrímen

entre a Ação Popular da Lei n. 4.717/65 e a Ação Popular Ambiental já que:

[...] a vigente Constituição Federal procedeu a uma importante ampliação no objeto da ação popular, se cotejarmos o inc. LXXIII do art. 5º da CF/88, com seu correspondente na Carta precedente; e isso sem embargo de a lei regulamentadora – n. 4.717/65 – já ter, por sua conta, expandido o objeto dessa ação, se tivermos presente o âmbito que para ela fora traçado na Constituição Federal de 1946 (MANCUSO, 2003, p. 74).

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O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental do

cidadão, porque representa uma das condições necessárias à efetivação de sua liberdade real e

de sua sobrevivência, uma vez que tem implicações diretas no direito à vida.

Essa assertiva é corroborada por Álvaro Luiz Valery Mirra (2005, p. 35) para quem a

Constituição de 1988, ao qualificar juridicamente o meio ambiente como bem de uso comum

do povo, o elevou a esta categoria, o que o torna “indisponível e insuscetível de apropriação”.

E, por estarem estes direitos positivados, qualquer cidadão poderá exigir sua tutela

judicial. Este é, inclusive, um dos motivos de estar amparado pela Ação Popular Ambiental,

instrumento de ação do próprio cidadão no exercício de suas prerrogativas constitucionais. A

locução todos têm direito cria um direito subjetivo, oponível erga omnes.

O desvio do foco exclusivamente humanista, passando, então, para a proteção de

todas as formas de vida, pode ser observado já com a definição de meio ambiente, trazida pelo

art. 3º da Lei nº. 6.938/81: “Art. 3º: Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I- meio

ambiente, o conjunto de condições, leis, influência e interações de ordem física, química e

biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

É fácil perceber que a definição do artigo 3º, I, da Lei nº. 6.938/81 é ampla, um

conceito jurídico indeterminado, com a finalidade de criar um espaço maior de incidência da

norma. Esse conceito, entretanto, foi recepcionado pela Constituição de 1988, que, ao

prestigiar os direitos coletivos no artigo 5º, possibilitou à doutrina classificar os direitos

difusos como espécie do gênero direitos coletivos em sentido lato.

No Brasil, isso ficou patente não só pela possibilidade de acionar o Poder Judiciário

para proteção do meio ambiente, mas também pela edição da Lei Federal nº. 9.795, de 27 de

abril de 1999, que criou a Política Nacional de Educação Ambiental, distinguindo a educação

formal, constante dos currículos escolares, daquela informal, porém não menos importante,

realizada por meio da permanente conscientização da comunidade, com claro enfoque

interdisciplinar.

Trata-se de nova postura, de nova atitude diante do ato de conhecer, em que se

procura superar uma visão fragmentada do conhecimento para se obter a intelecção da

complexidade e da interdependência dos fenômenos da natureza e da vida. Conclui-se que a

chave do desenvolvimento sustentável é, pois, a educação ambiental.

Segundo Antonio Herman V. Benjamin (1999, p. 51-52), desde o descobrimento do

Brasil, em 1500, até a década de 1960, pouca atenção recebeu a proteção ambiental como um

bem em si mesmo, restando mais caracterizada a conservação, e ainda assim, com enfoques

voltados à saúde humana.

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Entretanto, antes mesmo do movimento de constitucionalização da proteção do meio

ambiente, a inexistência de previsão constitucional inequívoca não inibiu o legislador, aqui,

como lá fora, de promulgar leis e regulamentos que, de uma forma ou de outra, resguardavam

os processos ecológicos e combatiam a poluição.

Tais como: o Código Florestal [Lei nº. 4.771/65], o Código de Caça [Lei nº.

5.197/67], o Código de Pesca e Mineração [Decreto-Lei nº. 221/67], a Lei de

Responsabilidade por Danos Nucleares [Lei nº. 6.453/77], Lei de Zoneamento Industrial nas

áreas críticas de poluição [Lei nº. 6.803/80], Lei de Agrotóxicos [Lei nº. 7.802/89], Lei de

Política Nacional de Meio Ambiente [Lei nº. 6.938/81].

Com estes novos paradigmas traçados pelas normas constitucionais, a proteção do

meio ambiente revelou-se tão importante para o bem estar do homem quanto o

desenvolvimento econômico pura e simplesmente, como era considerado desde a Revolução

Francesa.

Após o advento da Constituição de 1988, o verdadeiro objetivo a ser perseguido é

agora o desenvolvimento econômico sustentável, com esta nova visão, poderia ser

questionado, por exemplo, se ainda hoje Itaipu seria construída.

O bem ambiental amplamente considerado deve ser protegido por toda a humanidade

e tutelado juridicamente por todos os cidadãos, como ocorre na legitimação processual, para a

propositura de Ação Coletiva na defesa do meio ambiente.

Na Ação Popular Ambiental, até mesmo pela natureza difusa, do bem ou direito que

se busca proteger, há a necessidade de conjugação de todos estes fatores e não só do

econômico, já que se apresentam de difícil ou impossível avaliação patrimonial.

Como nos ensina José Rubens Morato Leite (2000, p. 245), “[...] Tais características

do macrobem ambiental significam juridicamente que o mesmo é indisponível, pois pertence

à coletividade, indeterminável e difusa, e não ao Poder Público ou ao particular

individualmente”.

Assim como o bem ambiental não tem um titular exclusivo, não há como se dispor

deste. Acrescente-se ainda que “quando um este bem ambiental é qualificado como direito

fundamental e intercomunitário, fica mais inequívoca a certeza da indisponibilidade, pois há

de ser preservado para as gerações presentes e futuras, bem como para todos, na forma

estabelecida na Constituição” (LEITE, 2000, p. 245).

Objetivando a solução de problemas relativos ao meio ambiente, a sociedade civil

deve ser chamada a participar ativamente, colocando-se entre o Estado e o mercado, e

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exercitando a cidadania. Um dos institutos colocados à sua disposição é a Ação Popular

Ambiental, assim temos que:

Por tudo isso afirmei que a questão ambiental é um desafio presente para a humanidade e, obviamente, para todo profissional do direito, especialmente o magistrado. Se, por um lado, não podemos mais viver sem algumas facilidades tecnológicas, como a energia elétrica, a telefonia, os automóveis, remédios, etc., por outro lado, é certo, deve haver uma conciliação entre homem e natureza de tal forma que ela seja preservada ao máximo, recuperada ao máximo e socializada ao máximo, sob pena de estarmos comprometendo não apenas a nossa vida, mas, igualmente, a vida das gerações futuras (SILVA, 2002).

Conclui-se que temos mais urgência de medidas preventivas de danos ao meio

ambiente do que de medidas reparatórias e indenizatórias, face à dificuldade de recuperação

dos bens ambientais e da recomposição da natureza.

Nos tempos atuais, é imprescindível que o direito econômico garanta a iniciativa

econômica privada e, ao mesmo tempo, implemente o bem estar social. Também é verdade

que o direito econômico e o direito ambiental se intercomunicam e não se excluem.

De fato, no título referente à Ordem Econômica encontramos um dos princípios de

defesa do meio ambiente, no inciso IV do artigo 170, motivo pelo qual a atividade econômica

deve desenvolver-se em consonância com a preservação do meio ambiente.

O homem não mais direciona sua busca de melhores condições de vida em sociedade

somente para o aspecto quantitativo de bens de consumo que pode obter.

Conscientizou-se de que necessita de vida, porém com qualidade, e que, muitas

vezes, isso não significa conquistas materiais, mas sim melhores condições no ambiente de

trabalho, do ar que respira, de saúde, de lazer.

José Afonso da Silva (1999, p. 822) assevera que:

[...] as normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreendeu que ele é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as de iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, que é instrumental no sentido de que, através dessa tutela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida humana.

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A nova visão de qualidade de vida, implementada no direito econômico, coincide

com a qualidade de vida almejada pelo direito ambiental na sua perspectiva ecocêntrica, como

previsto no art. 225 da Constituição de 1988.

Um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado representa “um bem e um

interesse transindividual, garantido constitucionalmente a todos, estando acima dos interesses

privados”. Nesse sentido, temos as palavras de Cristiane Derani (1997, p. 87):

[...] direito ambiental é constituído por um conjunto normativo destinado a lidar com o problema de proteção da natureza, abraçando aquelas normas que já tradicionalmente protegiam isoladamente determinados recursos naturais como água, fauna, flora ou paisagem, procurando inclusive uma certa coordenação entre elas por meio da edição de normas que dispõem sobre políticas e princípios.

Portanto, qualidade de vida no ordenamento jurídico brasileiro apresenta estes dois

aspectos concomitantemente: o do nível de vida material e o do bem-estar físico e espiritual.

Uma sadia qualidade de vida abrange esta globalidade, acatando o fato de que um mínimo

material é sempre necessário para o deleite espiritual.

Não é possível conceber, tanto na realização das normas de direito econômico como

nas normas de direito ambiental:

[...] qualquer rompimento desta globalidade que compõe a expressão ‘qualidade de vida’, muitas vezes referida por sua expressão sinônima ‘bem-estar’[...] a Constituição Federal Brasileira contém este caráter integrador da ordem econômica com a ordem ambiental, unidas pelo elo comum da finalidade de melhoria da qualidade de vida (DERANI, 1997, p. 81-82).

Pensamos, pois, que os princípios constitucionais relacionados ao meio ambiente

garantem a efetividade, mas, principalmente, a atualidade do direito por meio da atividade de

interpretação que pode, ou melhor, deve privilegiar a defesa e proteção dos direitos difusos e

coletivos.

A tutela do ambiente é um dos múltiplos desafios que se colocam à nossa sociedade

técnico-industrial. Mas, para o bem estar das gerações vindouras, este é um desafio decisivo.

E assim os princípios adquirem importância vital, pois funcionam como vetores de

interpretação para todas as demais normas do sistema.

E, por isso, têm um relevante papel na produção da ética social, na medida em que a

Constituição fixa valores que, se efetivamente observados, podem levar à realização desta

ética, e nesta está incluída a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

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Assim, os princípios são como regras mestras dentro do ordenamento positivo, com

uma alta carga valorativa, e essa característica axiológica-fundamental é um dos permissivos

para o enquadramento do direito ao meio ambiente sadio no rol dos direitos fundamentais.

Assim temos que o artigo 23, VI e VII, da Constituição de 88, traz em seu bojo o

princípio da supletividade, referindo-se à competência comum ambiental material dos poderes

públicos na proteção do meio ambiente e não à competência legislativa, que está prevista no

seu artigo 24, VI, VII e VIII. E mais, o próprio artigo 225 da Constituição de 1988, positiva

normas que podem ser traduzidas em verdadeiros princípios para proteção do meio ambiente.

Assim, do art. 225 da Constituição de 1988 podemos extrair que o inciso I trata da

preservação da essencialidade e da interatividade dos processos ecológicos, a sustentabilidade

ecológica; os incisos II e III, da diversidade biológica das espécies e numa mesma espécie; o

inciso IV abarca o princípio da prevenção; o inciso V, o da precaução; o inciso VI, a dinâmica

da consciência ambiental; e o inciso VII traduz a ética ambiental, baseado na função

ambiental de cada espécie.

Importante ressaltar que o cidadão tem como cumprir seu papel na sociedade com o

instrumento que o Direito lhe confere: a ação popular ambiental, que não se aplica apenas

para danos já efetivamente perpetrados, mas deve, sobretudo, ter cunho preventivo, para se

harmonizar com o sistema, já que a própria Constituição, no artigo. 5º, XXXV, previu o

princípio da inafastabilidade da jurisdição, inclusive para apreciar tanto a lesão quanto a

ameaça ao direito.

Assim, a ação popular ambiental se consolida como instrumento processual colocado

à disposição do cidadão para defesa do meio ambiente, bem coletivo difuso.

José Rubens Morato Leite (2000, p. 163-164), afirmando que a ampliação do objeto

da ação popular voltado à proteção do meio ambiente ocorreu com a Constituição de 1988,

constata que a Lei nº. 4.717/65 carece de regras processuais específicas para este tipo de

demanda popular.

E considerando que o direito fundamental ao exercício desta ação coletiva é auto-

aplicável, sugere a busca de regras de forma sistemática no nosso ordenamento jurídico.

Logo, nos dizeres do referido autor, “frise-se que fazem parte do sistema jurídico brasileiro as

normas destinadas à tutela jurisdicional coletiva, incluindo nesta o Título III do Código de

Defesa do Consumidor, bem como a Lei nº. 7.347, de 1985, que tem incidência na proteção

ambiental [...]”.

Essa assertiva da adoção de procedimentos distintos não escapou à percepção de

Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2005, p. 376), ao afirmar que, “[...] com efeito, tratando-se

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da defesa do meio ambiente, o procedimento a ser adotado será o previsto na Lei da Ação

Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor, constituindo, como sabemos, a base da

jurisdição civil coletiva”. Por outro lado, “tratando-se de defesa de bem de natureza pública, o

procedimento a ser utilizado será o previsto na Lei nº. 4.717/65”.

A ação popular acaba por se revelar como uma vertente ou uma espécie de ação civil

pública, tomada esta expressão em seu sentido largo, “presente o critério teleológico, a ação

popular filia-se ao gênero ação civil pública, embora não seja necessariamente verdadeiro”

(MANCUSO, 1999, p. 39).

Gregório Assagra de Almeida (2003, p. 407) sustenta que à ação popular ambiental,

por se tratar de ação coletiva na defesa de direito difuso, aplicam-se as regras da lei da Ação

Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, no que for compatível com a Lei de

Ação Popular: “Quando for deduzido o pedido na ação popular para tutelar o meio ambiente

ou o consumidor, será imprescindível a observância das diretrizes decorrentes do

microssistema de tutela jurisdicional coletiva previsto pela completa interação existente entre

a LACP e o CDC”.

A urbanização é, sem dúvida, a intervenção humana que maior impacto causa no

meio natural. Nos ecossistemas que não sofreram alteração pelo ser humano, existe uma

perfeita troca de energia entre todos os seus componentes, sejam eles vivos ou não.

Já nas cidades, há uma total alteração desse equilíbrio, que se inicia pela remoção da

cobertura vegetal, alterando a dinâmica das populações de organismos, bem como o ciclo da

água e dos nutrientes no solo.

Tal processo de degradação quase culmina com a total impermeabilização da

superfície pela pavimentação. À medida que a população aumenta, as inter-relações entre o

meio físico e os aspectos biológicos, psicológicos e sociais se tornam cada vez mais

complexas.

A cidade deve ser vista como um sistema aberto que perpetua a cultura urbana por

meio da troca e da conversão de grandes quantidades de materiais e energia. Essas funções

requerem uma concentração de trabalhadores, um sistema de transportes elaborado e uma área

de influência que forneça os recursos requeridos pela cidade e absorva seus produtos.

É possível, portanto, estabelecer interessante analogia entre o ambiente natural e o

urbano: sabe-se que ambos têm seu equilíbrio baseado na produção e no consumo,

representados no ambiente natural pela fotossíntese e a biodegradação.

Nesse caso, o desequilíbrio leva à poluição, a alterações na dinâmica do sistema e ao

estresse. Quando isso se dá por causas naturais, o desequilíbrio é quase sempre reversível. A

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analogia não deve ir além desses aspectos, já que as cidades, ao contrário dos ambientes

naturais, não são auto-sustentáveis.

No caso do ambiente urbano, a produção é representada pela importação de

alimentos das zonas rurais, e a geração de energia é artificial. O consumo promove a geração

de resíduos, o que implica o uso de processos de tratamento e disposição final. Aqui, o

desequilíbrio induz à superpopulação, ao déficit habitacional, ao desemprego e a doenças.

Esses desequilíbrios geralmente são fontes de alterações estruturais irreversíveis, que

diminuem a qualidade de vida.

Há um crescente consenso da necessidade da aplicação de enfoque sistêmico e

harmônico para as dimensões sociais, econômicas, institucionais e ambientais, como

estratégia viável para a busca de justiça social e proteção ambiental.

Para diminuir a pressão sobre os recursos naturais, é preciso combater a pobreza e,

portanto, é necessário promover o crescimento econômico. Porém, um crescimento

econômico em bases insustentáveis, que degrade os recursos naturais e aumente a

desigualdade social, resultará em maior pressão sobre os estoques naturais.

Nas áreas urbanas, a simples falta do componente biológico pode ser um impacto

para a saúde humana. Cidades sem verde, em áreas de clima quente, tornam-se insuportáveis.

A radiação do calor liberado pelas superfícies pavimentadas e pelas construções de concreto

eleva, nas horas de sol, a temperatura a vários graus, provocando as chamadas ilhas de calor.

A temperatura excessiva é prejudicial à saúde e contribui para a multiplicação de insetos e

outras pragas urbanas, que levam vantagens em temperatura mais altas, conforme Fiorillo

(2009, p. 377).

As áreas verdes do meio urbano contribuem amenizando a poluição, diminuindo o

ruído e constituindo área de lazer ou relaxamento, melhorando a qualidade de vida.

O meio urbano pode comportar numerosas espécies ditas indesejáveis ou tachadas de

pragas. São animais vertebrados ou artrópodes que evoluíram mediante processo de

domiciliação, passando a viver no próprio ambiente humano, quase sempre representando

riscos. Essa fauna urbana está relacionada a doenças, infecções, acidentes por picadas, etc.

A população humana vive em sua quase totalidade em um meio artificialmente

modificado. O ambiente modificado pelo ser humano exerce notável influência sobre a saúde

e o bem-estar. A melhoria na qualidade de vida muito terá a ver com a consciência, os

valores, as atitudes e ações diante dos problemas ambientais que se apresentam na

modernidade.

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Para muitos problemas urbanos, quando estes atingem proporções dramáticas,

transformando-se em ameaça à população, gerando clamor popular e controvérsias políticas,

devem-se implementar controles. Quando o Poder público for omisso, a população deve

pleitear seus direitos no Poder Judiciário.

Assim, empregar estratégias para gerar desenvolvimento em comunidades humanas

garantindo saúde e qualidade de vida. Trata-se dos espaços habitados com base conceitual

alicerçada na idéia de desenvolvimento sustentado. Agora o desafio passa a ser conciliar

desenvolvimento econômico-social e, ao mesmo tempo, garantir proteção ao ambiente.

A sustentabilidade só pode ser compreendida na sua dimensão global, e dessa forma,

foi desdobrada em seus componentes social, econômico e ambiental. Em ecossistema sob

severa influência humana pode-se deduzir a impossibilidade de separação entre os seus

componentes econômicos, sociais e aqueles de natureza ecológica, de acordo com lição de

Celso Fiorillo (2009, p. 377).

E nesse grau de complexidade, que não pode ser reducionista, há que se inserir no

contexto o ser humano e suas complexas relações, procurando abordar uma visão muito mais

abrangente. A conquista da sustentabilidade em seu aspecto amplo só seria atingida através da

conscientização da sociedade em geral, para que então esta buscasse os seus direitos por si só.

Faz-se necessário que essa sociedade compreenda que para a proteção dos

ecossistemas, deve se pensar nele como um todo que pertence a um todo maior e ao mesmo

tempo contém todos os menores.

Funcionando assim, a educação ambiental voltada para atingir famílias estará

indiretamente afetando tanto os indivíduos como terá também repercussão nas cidades. E

assim, alfabetizados ecologicamente, serão capazes de reivindicar seus direitos.

Uma sociedade sustentável pode ser definida como a que vive e se desenvolve

integrada à natureza, considerando-a um bem comum. O que se preconiza é o respeito à

diversidade biológica e sociocultural (FIORILLO, 2009, p. 378).

Essa estratégia de desenvolvimento está centrada no exercício responsável e

consequente de cidadania, o que implicaria uma distribuição equitativa das riquezas geradas.

Não utilizaria recursos além da capacidade de renovação destes, o que desencadearia processo

favorável à garantia de condições dignas de vida para as gerações atuais e futuras.

Ao trabalharmos, no presente capítulo, a questão da participação da sociedade na

preservação do meio ambiente, principalmente no tocante à questão do meio ambiente urbano,

percebemos latente a toada de direito coletivo que o direito ao meio ambiente assume numa

perspectiva transindividual. Sendo assim, no próximo capítulo abordaremos os aspectos mais

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relevantes quanto ao direito coletivo, perpassando pelos apontamentos cabíveis dos direitos

individuais, procurando demonstrar a nova divisão do direito, que se faz necessária.

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CAPÍTULO III. SISTEMA NORMATIVO DO DIREITO PROCESSU AL

COLETIVO

Uma vez que a questão principal nesse trabalho é propor uma maior efetividade ao

direito ambiental, com enfoque na ação popular ambiental, tendo como pano de fundo a

atuação da sociedade nessa questão, necessário é refletirmos, nesse terceiro capítulo, sobre o

direito processual coletivo, enquanto ramo autônomo do Direito, sob a concepção teórica

voltada para a problemática de um ponto crucial, o acesso à justiça, tendo em vista que nos

dias atuais não tem sentido o estudo meramente dogmático, teórico, sem a sua real reflexão no

mundo da realidade social, para onde deve estar direcionado o Direito.

Assim, dentro da visão de acesso à justiça, em um moderno movimento de

pensamento jurídico, na visão muito bem formulada por Mauro Capelletti (1984, p. 23),

procura-se estudar o direito processual coletivo, ou seja, o acesso sendo garantido a um grupo

maior de pessoas.

Comecemos esta análise com considerações gerais sobre o direito processual coletivo

enquanto direito constitucional processual.

3.1 Considerações iniciais sobre o direito processual coletivo

O conjunto de princípios e regras processuais pertinentes a esse novo ramo do direito

processual não é concebido como um fim em si mesmo, mas como instrumental normativo

destinado à obtenção de legitimidade social da atividade jurisdicional coletiva, o que se dará

com a efetividade dos direitos e interesses massificados [difusos, coletivos e individuais

homogêneos].

Com efeito, o sistema jurídico, como complexo de normas e valores fundamentais,

foi “concebido de forma aberta, flexível, dinâmica, sempre atrelado às conotações

deontológicas decorrentes dos legítimos anseios sociais como conseqüência natural do Estado

Democrático de Direito” (ALMEIDA, 2003, p. 03).

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Com algumas exceções, não existe no Brasil, ainda, órgãos jurisdicionais próprios e

especiais para o julgamento das pretensões decorrentes dos direitos coletivos, mas isso não

permite que a doutrina mais apurada venha negar que o direito processual coletivo comum

existe no nosso ordenamento como um novo ramo do direito processual, até porque, em se

tratando da legislação brasileira, existe hoje “um microssistema integrado de dispositivos

sobre o direito processual coletivo comum” (ALMEIDA, 2003, p. 21), formado pela completa

interação entre a parte processual do Código de Defesa do Consumidor [Lei nº. 8078/90, art.

90] e a Lei da Ação Civil Pública [Lei nº. 7.347/85, art. 21], com a aplicabilidade, no que for

compatível, do Código de Processo Civil.

Da mesma forma, a aplicabilidade subsidiária das regras do Código de Processo Civil

ao direito processual coletivo não nega a sua autonomia.

Interessante a assertiva de Hamilton Alonso Junior (2006, p. 199) quanto à

classificação doutrinária do direito coletivo enquanto espécie ou gênero:

[...] sob o enfoque processual, cabe consignar que a locução ‘tutela coletiva’ refere-se à defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Certa confusão é causada quando se utiliza a expressão ‘direitos coletivos’ como gênero das espécies difuso, coletivo e individual homogêneo. Deve ser evitada esta generalização porquanto ‘direito coletivo’ é espécie (art. 81, II, do CDC) e não gênero.

Tal posicionamento vem em sentido contrário do que se postula no trabalho de

Almeida (2008, p. 22), no qual é adotado como correto que o direito coletivo é gênero.

O direito processual coletivo é o ramo do direito processual que possui natureza de

direito processual-constitucional-social, cujo conjunto de normas e princípios a ele pertinente

visa disciplinar a ação coletiva, o processo coletivo, a jurisdição coletiva, a defesa no processo

coletivo e a coisa julgada coletiva, de forma a tutelar, no plano abstrato, a congruência do

ordenamento jurídico em relação à Constituição e, no plano concreto, pretensões coletivas em

sentido lato, decorrentes dos conflitos coletivos ocorridos no dia-a-dia da conflituosidade

social.

Seu método é “a conjugação dos elementos técnico, jurídico, sistemático-teleológico,

político, econômico, histórico, ético e social, com a busca do resultado justiça, que seria o seu

mega-elemento”, nas palavras de Gregório Assagra de Almeida (2003, p. 22).

E, ainda, segundo mencionado doutrinador (2003, p. 22), pode-se dizer que “esses

elementos estão mais bem acentuados no direito processual coletivo do que no direito

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processual individual”, especialmente pela prioridade que deve ser deferida, de regra, às

tutelas jurisdicionais coletivas sobre as tutelas jurisdicionais individuais.

José Alfredo de Oliveira Baracho (1984, p. 143) em sua posição doutrinária afirma

que:

A tutela constitucional dos interesses de caráter geral tem um aspecto negativo, quando pretende limitar os interesses individuais, mas pode promover conciliação de ambos, no atendimento das várias reivindicações que surgem na vida moderna. A proteção dos interesses gerais ocorre pela imposição de limites ao exercício dos direitos públicos subjetivos, através do reconhecimento de alguns deveres fundamentais.

Observa-se, assim, que, como pontuado por Gregório Assagra de Almeida (2003, p.

23):

a- No elemento técnico reside a necessidade de aperfeiçoamento da técnica processual, com a criação de formas adequadas e eficientes para a tutela jurisdicional dos direitos ou interesses coletivos; b- O elemento jurídico representa a disciplina normativa de condutas dos sujeitos protagonistas do direito processual coletivo, que visa, de um lado, à igualdade e à ponderação na decisão e, de outro, à segurança jurídica ao evitar decisões contraditórias; c- O elemento sistemático-teleológico representa a necessidade de se estudar o direito processual coletivo como um sistema de princípios e regras processuais constitucionais e infraconstitucionais, de forma a alcançar a completa interação entre a finalidade e a legitimidade dos princípios e regras desse novo ramo do direito processual em relação às normas do direito constitucional processual e às finalidades do Estado Democrático de Direito; d- O elemento político representa o resultado de forças políticas da sociedade que dão sustentação e evolução ao direito processual coletivo e seu objetivo é assegurar o máximo de garantia social, com o mínimo de sacrifício da liberdade individual e dos direitos sociais; e- O elemento econômico representa a busca do aperfeiçoamento da tutela coletiva, sem maiores custas injustificáveis para o Estado e para a sociedade, com a resolução de vários, ou de um grande conflito, em uma única prestação jurisdicional que possam desencadear outras situações conflitivas, com uma economia de atos, custas e tempo; f- O elemento histórico se pauta no sentido de que o direito processual coletivo deve ser analisado e aperfeiçoado tendo em vista sempre o resultado da evolução da sociedade e dos meios de disciplina jurisdicional desta convivência, de forma que sejam superadas as posturas legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias que se coloquem na contramão deste processo natural e dialético de evolução e de conquistas; g- O elemento ético representa as conotações deontológicas que devem pautar a disciplina do direito processual coletivo, tendo em vista as condutas dos profissionais que o operam; h- O elemento social, já que o direito processual coletivo visa tutelar sempre um direito ou interesse social, tanto que o mega-escopo da jurisdição é a pacificação social com justiça, ao mesmo tempo em que é fundamental a

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tutela jurisdicional coletiva como canal de educação do povo; e ainda, o Estado quando torna efetivos direitos ou interesses massificados, mesmo que pela via jurisdicional, está atuando de forma a transformar positivamente a realidade social, com a diminuição das diferenças sociais.

O que reforça ainda mais a defesa do direito processual coletivo como ramo do

direito processual é “a reaproximação, hoje defendida e necessária, entre direito material e

direito processual” (ALMEIDA, 2003, p. 26), tanto que se fala atualmente no binômio direito-

processo. A prova mais clara dessa reaproximação é a criação incessante das denominadas

tutelas jurisdicionais diferenciadas por intermédio de reformas legislativas que buscam a

efetividade do processo.

Conforme Donaldo Armelin (1992, p. 45), evidenciando a instrumentalidade do

processo:

[...] a temática de uma tutela jurisdicional diferenciada posta em evidência notadamente e também em virtude da atualidade do questionamento a respeito da efetividade do processo, prende-se talvez mais remotamente à própria questão da indispensável adaptabilidade da prestação jurisdicional e dos instrumentos que a propiciam à finalidade dessa mesma tutela. A vinculação do tipo de prestação jurisdicional à sua finalidade específica espelha a atendibilidade desta; a adequação do instrumento ao seu escopo potencia o seu tônus de efetividade.

Todas essas colocações estão dentro do movimento pela efetividade do processo, e

justificam a existência de um direito processual coletivo, com método e objeto próprios, o que

facilitará a tutela dos direitos coletivos como direitos primaciais da sociedade.

Não mais se justifica a ingerência indevida das normas ortodoxas do direito

processual civil individualista, pautadas por uma filosofia incompatível com a filosofia de

pensamento e de efetividades das espécies de tutelas jurisdicionais coletivas, ou seja, do

direito processual coletivo.

No Brasil é até mais fácil sustentar, não só com base nas disposições do texto

constitucional, mas também com fundamento na legislação infraconstitucional pertinente, a

existência do direito processual coletivo, seja porque a grande maioria das formas de tutelas

coletivas tem previsão constitucional, seja porque, como já citado, existe um microssistema de

normas processuais gerais sobre direito processual coletivo comum, decorrente da interação,

legalmente expressa, entre a parte processual do Código de Defesa do consumidor e a Lei da

Ação Civil Pública.

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Na observação de Gregório Assagra de Almeida (2003, p. 29), somente o estudo

separado do direito processual coletivo como ramo próprio do direito processual poderá abrir

caminhos para a verdadeira tutela dos direitos ou interesses coletivos.

Para que ocorra a devida proteção, pelo Estado-Jurisdição, dos direitos fundamentais

da sociedade e se atinja a efetivação do Estado Democrático de Direito consagrado no artigo

1º da Constituição de 1988 e, por via de conseqüência, a diminuição dos grandes problemas

sociais, somente uma nova postura interpretativa, com uma teoria geral própria para o direito

processual coletivo, poderá fazer com que o direito processual cumpra a sua verdadeira

função social como instrumento de realização de justiça e de transformação positiva da

realidade social.

Este é um dos fundamentos da Ação Popular Ambiental, que ele seja este

instrumento para defesa da sociedade.

De nada adianta a criação de instrumentos poderosos, como as ações coletivas e a

própria coisa julgada coletiva, se o instrumento formal existente de viabilização de uma e de

outra não é capaz de dar efetividade a esses novos institutos, seja pela falta de princípios ou

de regras interpretativas específicas, seja pela inexistência de estudos que desenvolvam a

concepção de tutela jurisdicional coletiva por intermédio de método e objeto próprios.

O fato de existirem muitos defeitos ainda quanto à produção legislativa,

principalmente quanto aos aspectos procedimentais, não poderá impedir a efetividade por via

jurisdicional dos direitos ou interesses coletivos lesados ou ameaçados de lesão. O papel da

doutrina e da jurisprudência neste contexto é fundamental para suprir as deficiências do

sistema legislativo.

Nessa linha de raciocínio, adverte Willis Santiago Guerra Filho (2000, p. 94-95) que,

em geral, os interesses coletivos, mesmo tendo abrigo em normas com dignidade

constitucional, não recebem o devido tratamento pelas normas regulamentadoras dos direitos,

mas nem por isso seria admitida a sua violação.

Incumbirá ao Judiciário, diz citado doutrinador (2000, p. 95), a “realização dos

direitos fundamentais chamados de terceira geração ou dimensão (direitos de solidariedade ou

fraternidade) ou precisamente direitos sociais, econômicos e culturais”, que estariam

relacionados, com o meio ambiente e com outros bens jurídicos da comunidade.

É de se salientar que o estudo do direito processual sob o prisma constitucional já

vem desde 1920, por força do trabalho de Hans Kelsen, quando defendeu a necessidade de

criação de órgão julgador diferenciado, para o controle da constitucionalidade das leis.

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Destacam-se mais recentemente Mauro Capelletti, em estudos específicos sobre a

jurisdição constitucional das liberdades. No Brasil, um dos juristas que mais tem estudado

recentemente o direito processual sob o prisma constitucional é Willis Santiago Guerra Filho.

O direito constitucional processual, dentro desse contexto, é o conjunto de normas e

princípios processuais, de natureza essencialmente constitucional, estabelecido na

Constituição, para tutelar a essência e o espírito do direito processual. Como exemplo de

dispositivos constitucionais pertencentes ao direito constitucional processual podem ser

citados: a garantia do acesso à justiça [artigo 5º XXXV]; o princípio do devido processo legal

[artigo 5º, LIV]; o princípio do juiz natural [artigo 5º, XXXVII e LIII]; o princípio da

independência, como forma de exercício do poder, da função jurisdicional [artigo 2º]; o

princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos [artigo 5º, LVI]; o

princípio da exigibilidade de fundamentação das decisões judiciais [artigo 93, IX]; o princípio

da publicidade dos atos judiciais [artigo 5º, LX]. O devido processo legal, o princípio do juiz

natural, do contraditório e da ampla defesa devem ser observados em todos os campos do

direito processual.

O direito processual constitucional, diz Gregório Assagra de Almeida (2003, p. 34), é

o conjunto de disposições constitucionais que estabelecem regras sobre: “a organização da

estrutura jurisdicional; a distribuição de competência entre os respectivos órgãos

jurisdicionais; o controle concentrado de constitucionalidade das leis”.

E mais: estipula quais as espécies de ações e medidas cabíveis; prevê algumas formas

de tutelas jurisdicionais diferenciadas pertencentes aos variados campos do direito processual;

além de dispor sobre algumas regras concessivas de legitimidade ativa, principalmente no que

tange às espécies de tutelas jurisdicionais coletivas.

Certamente preocupado com as injustiças e desigualdades sociais e visando à

efetivação do Estado Democrático de Direito, o Constituinte de 1988 optou por uma

Constituição analítica para garantir a máxima efetividade aos direitos e garantias

fundamentais. Acabou, assim, por conceber um direito processual constitucional de forma

bem ampla, consagrando várias espécies de garantias constitucionais de direitos

fundamentais, individuais e coletivos.

Dentre tais garantias, podem ser citados, exemplificativamente, o mandado de

segurança [artigo 5º, LXIX e LXX, da CF]; a ação popular [artigo 5º, LXXIII]; o dissídio

coletivo [artigo 114, §2º]; o habeas corpus [artigo 5º LXVIII]; o mandado de injunção [artigo

5º, LXXI]; o habeas data [artigo 5º, LXXII], a ação de impugnação do mandato eletivo [artigo

14, §§ 10 e 11], a ação civil pública [artigo 129, III]; as ações diretas declaratórias de

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constitucionalidade ou de inconstitucionalidade das leis [artigo 102, I, a]; dentre muitas outras

disposições constitucionais, como aquelas que conferem legitimidade ativa ao Ministério

Público para o ajuizamento das ações coletivas [artigos 127, caput, e 129, II, III, IV e IX].

O direito processual coletivo tem natureza e fundamento constitucionais e está

enquadrado, quanto ao seu objeto formal, dentro do que a doutrina denomina direito

processual constitucional.

Observa-se que doutrinadores como Nelson Nery Junior e Ada Pelegrini Grinover

apud Gregório Assagra de Almeida (2003, p. 36) “sustentam que o direito processual

constitucional não se trata de um novo ramo do direito processual”; é, na visão de Ada

Pelegrini Grinover (1975, p. 07), uma colocação científica, fundamentada em um ponto de

vista metodológico e sistemático, que possibilita o exame do processo em suas relações com a

Constituição.

Sobre a origem remota do direito processual coletivo, o que se observa é que já

existia, desde o Direito Romano, a ação popular para tutelar interesses comunitários, ou até

mesmo direito exclusivamente privado próprio ou de terceiro.

Tendo-se em consideração a diversidade de sistemas processuais surgidos no

decorrer da história, acredita-se que a verdadeira origem remota de tipos de tutelas de direitos

de massa vem do direito romano, mais precisamente das variadas espécies de ações populares

existentes na época.

É o que concluem Celso Antonio Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa Maria

de Andrade Nery (1996, p. 216). Contudo, não há como apontar a origem remota, o que existe

são raízes remotas de formas de tutela jurisdicional de alguns direitos coletivos.

No Brasil, o movimento do processo coletivo somente foi realmente levado a efeito

no campo da legislação com a Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985, que instituiu a

denominada ação civil pública, porém, ele se consagrou na democrática Constituição de 05 de

outubro de 1988 e se aperfeiçoou com a Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990 [Código de

Defesa do Consumidor], que inclusive adotou, com algumas adaptações especialmente no que

se refere à legitimidade ativa, o modelo da class action do sistema norte-americano.

O welfare state nasce com o sistema coletivo, preocupado com a questão dos direitos

sociais; na verdade, é um conjunto de ações interventivas estatais que caracterizam esse

Estado. Nasce, assim, o Estado Social de Direito, também denominado Estado do bem-estar,

no qual a lei deixa de ser somente comando abstrato e geral, passa a ser também instrumento

de atuação concreta do Estado. A intervenção do Estado, que era limitada, passa de negativa

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para positiva, no sentido de atuar, com prestações positivas, junto às questões sociais como, as

trabalhistas e as previdenciárias.

Voltando-nos para a concepção do Estado Democrático de Direito podemos

consignar que o mesmo surge para operacionalizar um verdadeiro rompimento com as

concepções capitalistas. A sua finalidade é a transformação da realidade social, com a

implantação da igualdade material. A democracia aqui não tem um sentido simplesmente

formal, como no Estado Liberal, mas precisamente substancial e se pauta pela efetivação dos

direitos fundamentais e pela preservação da dignidade da pessoa humana.

Portanto, o Estado “não mais pode conviver passivamente com as desigualdades e

injustiças sociais. Ele tem que atuar para reestruturar, reestruturando também a sociedade”

(ALMEIDA, 2003, p. 55).

A sua atuação não é voltada para o indivíduo unicamente ou para o grupo

simplesmente, mas para a comunidade, educando-a, conscientizando-a, além de ter de

preservar a dignidade da pessoa humana em todos os aspectos da vida – econômico, político,

jurídico, moral e biológico – e abrir igualmente as portas para a participação popular, como

fator de legitimação político-democrática.

Citado doutrinador (2003, p. 56) conclui que:

[...] a construção da sociedade democrática supõe o processo democrático, que garanta as condições de igualdade e a paridade de armas entre as forças sociais que, na difusão de seus valores e de suas visões de mundo, disputam a hegemonia no âmbito da sociedade civil.

Para isso é preciso conservar e elevar a outro nível as conquistas da democracia

liberal e da democracia social, e superá-las como forma de atingir estágios superiores de

participação e equidade social [democracia substancial].

Logo, podemos incluir o princípio da máxima prioridade na proteção e efetivação

dos direitos transindividuais, no sentido de que “o Estado, em todos os seus níveis, deve dar

prioridade aos direitos sociais fundamentais da sociedade, como os relacionados ao meio

ambiente, ao patrimônio público, cultural, cuja violação e falta de proteção”, pelas

consequências sociais produzidas, “retiram o verdadeiro valor substancial da democracia e

deslegitima, pela omissão, a atuação estatal” (ALMEIDA, 2003, p. 57).

É dentro do Estado Democrático de Direito, portanto, que se pode falar

verdadeiramente da tutela dos interesses transindividuais e, consequentemente, em direito

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processual coletivo como instrumento de transformação da realidade social colocado à

disposição da ordem jurídico-constitucional democrática.

Vejamos, então, alguns aspectos processuais práticos relevantes quanto a esta tutela.

3.2 Aspectos processuais relevantes na tutela coletiva

No Estado Democrático de Direito, o Estado-Jurisdição tem interesse no

conhecimento do mérito do processo coletivo. Ajuizada uma ação coletiva, o juiz tem que

flexibilizar os requisitos de admissibilidade processual, para o conhecimento do mérito. Isso

não significaria violação dos princípios da imparcialidade, até porque o interesse é na

resolução do conflito coletivo e não no interesse em resolver em favor daquela ou dessa parte.

A questão da garantia da proteção efetiva dos direitos é justamente a problemática do

acesso à justiça, que hoje toma conta do pensamento jurídico no mundo. Não há como pensar

em direito hoje sem pensar no acesso à justiça. Direito sem efetividade não tem sentido.

Da mesma forma, não há democracia sem acesso à justiça, que é o mais fundamental

dos direitos, pois dele depende a viabilização dos demais direitos. Enfim, a problemática do

acesso à justiça é atualmente a pedra de toque de reestruturação da própria ciência do direito.

A atenção dos juízes, que antes estava voltada para a ordem normativa, hoje somente

tem sentido se direcionada para a realidade social em que essa ordem está inserida.

Especificamente ao processo coletivo é imprescindível que seja conferida prioridade

na tramitação processual, tendo em vista o interesse social sempre presente. É o que já é

observado em relação ao habeas corpus, ao mandado de segurança, etc.

O juiz deve receber o processo coletivo com o interesse de conhecer-lhe no mérito,

somente o extinguindo sem a resolução do litígio coletivo se não houver outra alternativa,

pois é no conhecimento do mérito do processo coletivo que o Estado-jurisdição estará a

participar de forma efetiva do processo democrático, como ressalta Almeida (2003).

Tendo em vista que o compromisso do direito processual na era atual é com a

efetividade, torna-se fundamental o aperfeiçoamento dos sistemas existentes, de sorte que seja

possível: corrigir as suas falhas; criar novas técnicas processuais eficazes; introduzir tutelas

jurisdicionais diferenciadas; e, ainda, instituir meios alternativos de solução de conflitos,

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assim nesse trabalho apresenta-se a ação popular ambiental como um desses meios

alternativos.

A garantia constitucional da assistência jurídica integral e gratuita é substanciosa e

bem ampla; contudo, como o artigo 5º da Constituição Federal ainda é, em grande parte, uma

mera carta de intenção, resta o trabalho das autoridades interessadas e da própria sociedade

civil para a efetividade dessa garantia constitucional do acesso à justiça aos necessitados e

menos favorecidos.

Ressalta-se que a assistência jurídica integral e gratuita prevista na nossa Carta

Magna aplica-se indistintamente à tutela dos interesses coletivos. Assim, pode uma associação

de defesa do meio ambiente valer-se até mesmo da defensoria pública para a tutela

jurisdicional do meio ambiente, desde que seja desprovida de recursos para custear o seu

próprio advogado.

Ademais, a Constituição de 1988, ao estabelecer que o Estado prestará assistência

jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, não vincula essa

assistência ao indivíduo. Dela pode se beneficiar inclusive pessoa jurídica, conforme já

decidiu o próprio Superior Tribunal de Justiça: “O benefício não é restrito às entidades pias,

ou sem interesse de lucro. O que conta é a situação econômico-financeira no momento de

postular em juízo (como autora ou ré)” (BRASIL, 2008).

Não se pode também esquecer que, em relação à ação popular, o texto constitucional

dispensa o autor, salvo comprovada a má-fé das custas processuais e do ônus da sucumbência

[artigo 5º, LXXIII]. Tal circunstância faz-se relevante, pois a tutela de interesses coletivos

pode interessar a “milhões de pessoas”, conforme assevera Mauro Capeletti (1991, p. 150);

vejamos:

Os interesses difusos representam um fenômeno típico e de importância crescente, da sociedade moderna, caracterizado pela passagem de uma economia baseada principalmente em seus relatórios individuais para uma economia em cujo trabalho, produção, turismo, comunicação, assistência social e previdência, etc. são fenômenos de “massa”. Se pensarmos no desenvolvimento dos direitos sociais, típicos, ressalto, do moderno Estado social ou ‘promocional` esses podem comportar benefícios ou vantagens nos confrontos das vastas categorias. A contestação, por exemplo, de uma norma constitucional nesta matéria pode interessar a milhares, milhões de pessoas. Se pensa agora nos produtos da indústria: um leve defeito de produção pode tornar-se um dano para muitíssimos consumidores deste produto. Se pensarmos ainda no envenenamento, da parte de um complexo industrial, de um rio ou de um lago: de novo, um número impreciso de pessoas são potencialmente atingidas, pelo dano causado pelo envenenamento da atmosfera, ou pela poluição.

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Como aponta Willis Santiago Guerra Filho (2000, p. 64), representa uma forma de

superação dialética da antítese entre os modelos de Estado Liberal e de Estado Social. O

Estado Democrático de Direito tem como principal escopo a transformação da realidade

social rumo à igualdade substancial entre os indivíduos e ao exercício efetivo da cidadania,

que se dá com a participação pública.

Nesse diapasão, observa-se “que não existe Estado Democrático de Direito sem

instrumentos eficazes de tutela dos interesses e direitos coletivos” (ALMEIDA, 2003, p. 144).

Somente haverá a transformação da realidade social com a real implementação do Estado

Democrático de Direito, quando for possível a proteção e a efetivação dos direitos primaciais

da sociedade, como os relacionados ao meio ambiente, ao patrimônio público, ao consumidor,

etc.

Para tanto, o direito processual coletivo é fundamental, até porque é por seu

intermédio que poderá ocorrer a proteção objetiva desses direitos e garantias constitucionais

fundamentais e a efetivação, no plano concreto, dos direitos coletivos violados com a

transformação da realidade social. E o Judiciário tem esse compromisso constitucional por ser

instituição fundamental do Estado Democrático de Direito.

A efetivação jurisdicional do Estado Democrático de Direito poderá ser levada a

efeito também por via instrumental da resolução jurisdicional dos conflitos coletivos

ocorridos no plano da realidade social.

Pelo direito processual coletivo comum é que o Poder Judiciário poderá determinar a

reparação dos danos causados ao erário, ao patrimônio moral, ao patrimônio histórico e

cultural, ao meio ambiente, além de tutelar coletivamente também os direitos do consumidor,

da criança e do adolescente, do idoso e dos deficientes físicos.

É fundamental, portanto:

[...] a sistematização teórica do direito processual coletivo como via potencializada de resolução de conflitos, que o Poder Judiciário terá como eficazmente para a transformação positiva da realidade social rumo a uma sociedade mais justa, humana, solidária e livre dos preconceitos que impedem a efetivação de uma ordem constitucional adequadamente democrática (ALMEIDA, 2003, p. 146).

A Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001, publicada no DOU aos 11 de julho de

2001, denominada Estatuto da Cidade, determinava em seu artigo 53 a inclusão de nova

redação ao inciso III do artigo 1º da Lei nº. 7.347/85 com a renumeração do mencionado

inciso III e dos subsequentes para que passasse a constar no referido inciso III a expressão “à

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ordem urbanística”. Contudo, por força do artigo 21 da Medida Provisória nº. 2.180-35, de 24

de agosto de 2001, com publicação no DOU no dia 27 de agosto de 2001, o artigo 53 da Lei

nº. 10.257/2001 teve sua eficácia suspensa.

Agora o artigo 1º da Lei nº. 7.347/85 possui a seguinte redação:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, I – as ações de meio ambiente, II – ao consumidor, III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V – por infração da ordem econômica e da economia popular; VI – à ordem urbanística (ALMEIDA, 2003, p. 339).

É de se ressaltar que o ajuizamento da ação civil pública não impede que o cidadão,

individualmente lesado, ingresse em juízo para a tutela de seu direito. Todavia, acredita-se

que, por imperativo constitucional [artigo 5º, LXXIII], o cidadão poderá se habilitar como

assistente litisconsorcial em ação civil pública ajuizada, quando nela estiver sendo discutida

matéria que poderia ter sido objeto de ação popular.

Como este tem legitimidade ativa para a ação popular, não seria justo negar-lhe o

ingresso em juízo como assistente litisconsorcial em ação civil pública ajuizada com o mesmo

pedido e causa de pedir que pudessem estar presentes em uma ação popular.

A atual Constituição de 1988 veio dispor sobre a ação popular em seu artigo 5º,

LXXIII. De todos os textos constitucionais, o mais avançado e mais abrangente é o atual, que

ampliou subjetiva e objetivamente a ação popular, tornando-a instrumento de tutela

jurisdicional também da moralidade administrativa e do meio ambiente.

A ação popular, nos termos em que está concebida atualmente no sistema

constitucional brasileiro, pode ser conceituada como espécie de ação coletiva de dignidade

constitucional colocada à disposição do cidadão como decorrência de seu direito político de

participação direta na fiscalização dos poderes públicos, para o controle jurisdicional dos atos

ou omissões ilegais ou lesivos: ao erário, inclusive em relação ao patrimônio de entidade de

que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio

histórico e cultural, sem exclusão da tutela de outros direitos com ela compatível.

Nos Estados Unidos, apesar de não se poder falar em uma ação popular propriamente

dita como direito político de participação, existem a citizen action para a proteção ambiental e

a class action, que são espécies de ações coletivas.

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No sentido de que a citizen action do direito norte-americano é espécie de ação

popular ambiental, Antonio Herman V. Benjamin (1993, p. 62) diz que:

No direito americano, hoje influenciando, em todo o mundo, o movimento de reforma do acesso à justiça, dois instrumentos de facilitação do ingresso do cidadão aos tribunais destacam-se: a class action e a citizen action, também conhecida por citizen suit e que poderia ser traduzida por ação popular ambiental. Aquela como mecanismo de tutela coletiva, esta, como ferramenta de proteção difusa.

A ação popular é espécie de ação coletiva como também o é a ação civil pública. E

seus objetos podem, às vezes, coincidir, apesar de a ação civil pública possuir campo de

aplicabilidade mais amplo, como se extrai do próprio texto constitucional [artigo 129, III],

que adota mais precisamente, no que tange à ação civil pública, o princípio da não-

taxatividade da ação coletiva.

Tem-se que no Brasil a ação popular é de tipo corretiva, mas poderá assumir caráter

preventivo ou repressivo, até porque o artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal deve ser

lido em conformidade com o artigo 5º, XXXV, da mesma Lei Maior, onde está estabelecido

que: “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”. Como se

extrai da doutrina majoritária (SILVA, 2007; GOMES JUNIOR, 2004; ALMEIDA, 2003), a

ação popular brasileira detém dupla natureza jurídica. De um lado, é concebida como direito

constitucional político de participação direta na fiscalização da administração pública; de

outro, é garantia processual constitucional de agir no direito político do cidadão, portanto, a

ação popular é portadora de dignidade constitucional.

Sobre a importância da garantia para o exercício dos direitos constitucionais, assim

se manifesta José Afonso da Silva (1968, p. 83):

Todo direito precisa ter sua garantia, tanto os direitos privados como os direitos públicos. O próprio direito constitucional é tido como garantia das liberdades. Mas isso é um simples reconhecimento. É necessária a instituição de mecanismos adequados a fazer valerem os direitos fundamentais da personalidade, bem como os democráticos.

A natureza jurídica da ação popular, como instrumento processual, é de verdadeira

garantia constitucional de participação política do cidadão no controle jurisdicional dos atos

que lesem os bens elencados no artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal, na qual ela está

consagrada, vejamos:

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[...] a função que se exerce mediante a propositura da ação popular se inclui na órbita da soberania popular (art. 1º, § 1º, da Constituição de 1988), e é, por regra, exercida em nome do povo por seus representantes. Todavia, a ação popular lhe dá a oportunidade de exercer diretamente, por iniciativa de qualquer cidadão, aquela função fiscalizadora (SILVA, 1968, p. 87).

A natureza jurídica da pretensão nela deduzida, por estar vinculada sempre a um

direito ou interesse difuso, com abrigo no texto maior, também é de um direito constitucional

transindividual. Portanto, a dignidade constitucional da ação popular tem fundamentação

dupla: “de um lado, como direito político fundamental do cidadão; de outro, como garantia

processual constitucional fundamental” (ALMEIDA, 2003, p. 397).

As consequências jurídicas interpretativas derivantes dessa dupla dignidade podem

assim serem definidas: não é compatível com a ação popular qualquer interpretação restritiva;

as disposições constitucionais relativas à ação popular têm aplicação imediata – não

dependem e não necessitam de qualquer regulamentação; a aplicabilidade na ação popular de

todos os instrumentos previstos para as tutelas jurisdicionais ordinárias, desde que

compatíveis com sua finalidade e não restrinjam a sua efetividade e toda e qualquer

disposição legal infraconstitucional, deve ser interpretada em conformidade com a Lei Maior.

A Constituinte de 1988 ampliou, de forma significativa, o objeto material da ação

popular. Agora são também tuteláveis, via ação popular, o meio ambiente e a moralidade

administrativa, além do patrimônio público em seus aspectos econômico, artístico, estético,

histórico ou turístico, já tuteláveis anteriormente à novel Carta Magna, via ação popular,

conforme já se extraía do § 1º do artigo 1º da Lei nº. 4.717/65.

Portanto, assim disposto, e por tudo o mais que se coloca à disposição, o

ordenamento jurídico atual mantém sintonia com as concepções teóricas que reivindicam a

revisitação da ciência jurídica clássica, de base antropocêntrica. Qualquer tipo de vida merece

respeito e proteção jurídica, até as relativas às futuras gerações.

Pontuemos que essa nova visão supera a posição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo

(1996, p. 19) que mostra que o direito constitucional ambiental possui uma visão

antropocêntrica, à medida que coloca o homem como o centro convergente do plexo de

normas jurídicas ambientais.

Conforme leciona Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 28): “uma verdadeira

teoria deve ser relativizada e domesticada para que possa ajudar e orientar as estratégias

cognitivas levadas a efeito pelos seres humanos”. É esse o papel de uma concepção

metodológica do “tipo aberta, pluralista e democrática em sua essência”. É essa espécie de

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“concepção metodológica que se compatibiliza com o constitucionalismo democrático e

transformador” consagrado na Constituição de 1988.

Nas lições de Plauto Faraco de Azevedo (2006, p. 133):

Indispensável é respeitar a vida, sob todas as suas formas, redescobrir a esperança e sentir o peso da responsabilidade transgeracional. Ainda que o mito de Sísifo continue a simbolizar a luta pela existência humana, isto não afasta a necessidade de uma opção em favor da vida e da humanidade do homem.

Seguindo orientações de Gregório Assagra de Almeida (2006, p. 28), que postula que

“o antropocentrismo clássico, de fundamentação egoística, não mais se compatibiliza com as

necessidades que impõem um código moral e ético de comportamento condizente com o

respeito ao ambiente”, podemos dizer que parece ser esta a orientação do artigo 225, caput, da

Constituição Federal/88, ao estabelecer que todos tenham o direito a um ambiente

ecologicamente equilibrado, incumbindo ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O direito ao ambiente de

“fundamentação biocentrista e o direito ao ambiente intergeracional são as portas que se

abrem para a construção de uma nova ciência jurídica neste terceiro milênio, amparada em

uma cidadania coletiva solidarista do tipo biocentrista”.

3.3 Direito ao meio ambiente: direito individual e direito coletivo

A expressão direitos fundamentais deve ser revisitada para abranger não só os

direitos dos seres humanos, mas também, em uma concepção biocentrista, o direito de outros

seres.

O estudo de Gregório Assagra de Almeida (2006, p. 29) pretende apontar diretrizes

normativas e principiológicas a partir da evolução da teoria dos direitos fundamentais,

adotada na Constituição de 1988, contextualizando-a com base na principiologia que delineia

o Estado Democrático de Direito no novo constitucionalismo.

Para tanto, busca apoio na história do direito e sua evolução quando afirma que o

certo é que a evolução do pensamento jurídico tem um papel importante para a compreensão e

o desenvolvimento do Direito e do Estado. “Pensadores como Sócrates, Aristóteles, Santo

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Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Jean Bodin, Grotius, Locke, Montesquieu, Rousseau,

Kant, etc” confirmam a afirmativa em questão.

Citado doutrinador (2006) diz que conforme Locke, o homem, no estado de natureza,

teria certos direitos, tais como o de propriedade e de liberdade pessoal, porém outros só

seriam garantidos pela autoridade. Esta se viabilizaria por meio de uma organização política,

com certas limitações implantadas pela renúncia a determinados direitos naturais pelos

indivíduos, sendo justamente essa a concepção de contrato social na sua doutrina. “Cada um

de nós em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e

recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo” (ROUSSEAU,

1999, p. 17), o que produziria, conforme conclui-se, um corpo moral e coletivo.

A essência do contrato social em Rousseau é a consagração dos direitos políticos de

liberdade e de igualdade inerentes ao homem no estado da natureza, direitos esses tratados

pelo pensador como inalienáveis. O contrato social passa a ser um postulado da razão

ordenadora da vida em sociedade.

Em face do apontado, Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 138) faz a assertiva de

que o:

[...] neoconstitucionalismo propõe, assim, a superação do paradigma do direito meramente reprodutor da realidade para um direito capaz de transformar a sociedade, nos termos do modelo constitucional previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Propõe também a concepção da Constituição como sistema aberto de valores,

dinâmico em suas estruturas e transformador da realidade social.

O plano da efetivação concreta dos direitos constitucionais, individuais e coletivos, é

o ponto central para o neoconstitucionalismo. A implementação material desses direitos,

especialmente no plano coletivo, que é potencializado, transformará a realidade social,

diminuindo as desigualdades quanto ao acesso aos bens e valores inerentes à vida e à

dignidade da pessoa humana.

Para isso, é imprescindível a construção de novos modelos explicativos, superando as

amarras construídas em um passado de repressão e de liberdade limitada, por valores não mais

subsistentes no cenário da sociedade atual.

No “neoconstitucionalismo, a interpretação da Constituição é também aberta e

pluralista e a idéia que gira em torno da construção de uma sociedade aberta dos intérpretes da

Constituição” (HABERLE, 1997, p. 36), corresponde às novas posturas constitucionalistas,

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mantendo-se perfeita sintonia com a principiologia do Estado Democrático de Direito

implantada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que instituiu no País

uma nova ordem jurídica aberta, dinâmica e de proteção, em abstrato e em concreto, a todos

os direitos, individuais e coletivos.

A proteção dos direitos coletivos foi inserida, ao lado dos direitos individuais, dentro

da teoria dos direitos e garantias constitucionais fundamentais [Título II, Capítulo I, da

Constituição Federal/88]. Há, inclusive, previsão constitucional de aplicabilidade imediata

dos direitos e garantias constitucionais fundamentais [§ 1º do artigo 5º da Constituição

Federal/88], o que também incide no plano da tutela dos direitos coletivos. Por isso, já se

pode falar no Brasil de um Direito Coletivo, e de um Direito Processual Coletivo.

Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 140) relaciona que:

[...] além de consagrar uma legitimidade ativa coletiva do tipo pluralista e concorrente, tanto em sede do controle abstrato da constitucionalidade (art. 103 da CF/88), quanto no plano das ações coletivas comuns (art.129, § 1º da CF/88), a Constituição ampliou o objeto material da ação popular (art. 5º, LXXIII, CF/88), criou o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXIX e LXX, CF/88), criou o mandado de injunção (art. 5º, LXXI, CF/88), o habeas data (art. 5º LXXII, CF/88), deu dignidade constitucional ao inquérito civil e à ação civil pública para a tutela de todos os direitos difusos e coletivos (art. 129, III), etc.

O artigo 1º, que consagra o princípio democrático, e o 3º, que arrola os objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, são diretrizes primárias que norteiam a atual

Constituição brasileira e impõem medidas concretas de transformação positiva da realidade

social.

Contudo, em muitos pontos fundamentais, a Constituição de 1988 representa avanço

em relação ao mundo. Esses avanços precisam, de um lado, desenvolver-se por um intermédio

de uma prática jurídica eticamente adequada e, de outro, da desenvoltura doutrinária em

relação a novos modelos explicativos e tornar mais claro e aplicável o novo modelo

constitucional brasileiro.

Os avanços doutrinários no país são significativos e nada impede que se comece

realmente a ser desenhado um constitucionalismo brasileiro que possa servir de modelo para o

mundo ou, ao menos, para países que ainda transportam uma dívida social tão grande como a

do Brasil.

O sistema constitucional pátrio é:

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[...] aberto de valores, dinâmico e transformador da realidade social, além disso, ainda é aberto tanto para a construção de uma ordem jurídica democrática constitucional mundial, quanto para o respeito a uma cidadania planetária em torno da idéia de solidariedade coletiva, do tipo biocentrista (arts. 1, 3, 4, 5 e 225 da CF/88) (ALMEIDA, 2008, p. 142).

Precisamente a partir da concepção de um constitucionalismo brasileiro, implantado

com a Constituição de 1988, a teoria de Gregório Assagra de Almeida foi construída e

sistematizada a partir da dicotomia constitucionalizada no Título II, capítulo I, da

Constituição Federal/88 – Direito Coletivo e Direito Individual – que compõem o primeiro

dos núcleos dos direitos e garantias fundamentais do referido Titulo II o qual:

[...] deve irradiar o sistema jurídico para compor o seu conteúdo e constituir-se em base para as construções teóricas, decisões jurisprudenciais, atuação das autoridades e até do poder reformador constitucional e infraconstitucional, que pretendam manter correspondência e obediência à constituição e os valores democráticos nela consagrados (ALMEIDA, 2008, p. 143).

Luis Roberto Barroso (2003, p. 43-44) ressalta que “o direito constitucional

brasileiro vive atualmente um momento virtuoso tanto do ponto de vista de sua elaboração

científica, quanto do ponto de vista de sua prática jurisprudencial”. Para o autor, “as

mudanças de paradigma que lhe conferiram nova dimensão, como o compromisso com a

efetividade da interpretação constitucional”.

Tais transformações redefiniram o posicionamento da constituição na ordem jurídica

brasileira, de forma, que ela passa a ser não só mais um sistema em si, mas também o modo

de enxergar e de interpretar os demais ramos do direito, o que comumente é denominado de

filtragem constitucional.

O mundo está passando por um grande momento de transição e de mudanças

paradigmáticas. Entende-se como fundamental a ideia em torno de um constitucionalismo

mundial. A limitação interna e externa da soberania dos Estados, com a implantação de uma

ordem jurídica mundial e, portanto, supranacional que garanta canais jurisdicionais de

proteção efetiva aos direitos humanos e à vida em todas as suas dimensões, “é um projeto

irreversível no plano do processo histórico de evolução e democratização da população

planetária” (ALMEIDA, 2008, p. 151).

Immanuel Kant, em seu clássico ensaio “A paz perpétua”, escrito em 1795, já

prognosticava a respeito da necessidade de uma ordem jurídica mundial.

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Assim, Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 151) traz algumas posições

doutrinárias tais como a de John Rawls que, no contexto de seu liberalismo, sinaliza, é certo

que timidamente, para um constitucionalismo mundial, quando defende a ideia, com base na

concepção Kantiana, de um direito dos povos.

Flávia Piovesan (2005, p. 67-81), em obra sobre direitos humanos e o direito

constitucional e internacional, faz a distinção entre o direito internacional público e o direito

internacional dos direitos humanos. O primeiro visa tradicionalmente a disciplinar, por

intermédio de negociações e concessões recíprocas, as relações de equilíbrio e reciprocidade

entre estados, já os segundos, diz a autora, objetivam garantir “[...] o exercício dos direitos da

pessoa humana [...]” revelando, por isso, conteúdo materialmente constitucional, pois os

direitos humanos sempre foram considerados, ao longo da experiência constitucional, matéria

constitucional.

E Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 152) faz as seguintes assertivas sobre o

caminhar do direito:

[...] no âmbito do constitucionalismo mundial, faz-se necessário, para que ele seja, realmente, efetivo: a) a limitação da soberania externa dos Estados nacionais para garantir a paz mundial; b) a limitação da soberania interna e externa dos Estados nacionais para efetivamente proteger os direitos humanos; e c) a limitação da soberania interna e externa dos Estados nacionais para efetivamente proteger o ambiente como condição de salvar o lugar comum que é o Planeta Terra e as espécies de vida nele existentes, tornando-se, nesse plano, também imprescindível a consciência ambiental coletiva a ser implementada pela disseminação de uma educação solidarista do tipo biocentrista.

O novo paradigma do Estado Democrático de Direito, implantado com a

Constituição de 1988, é plenamente compatível com a idéia de um constitucionalismo

mundial. O novo sistema constitucional incorpora novos valores internos e externos pactuados

que representem evolução e progresso na defesa da vida e da sua existência com dignidade.

O Estado não mais pode conviver passivamente com as desigualdades e injustiças

sociais. Ele precisa atuar para se reestruturar, reestruturando também a sociedade. A “sua

atuação não deve ser voltada para o indivíduo unicamente ou para o grupo simplesmente, mas

para a comunidade, educando-a, conscientizando-a”, além de se empenhar para “preservar a

dignidade da pessoa humana em todos os aspectos da vida – econômico, político, jurídico,

moral e biológico” – e abrir igualmente as portas para a “participação popular como fator de

sua legitimação político-democrática” (ALMEIDA, 2008, p. 174).

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O sistema jurídico, no Estado Democrático de Direito, interage com os demais

sistemas de dimensão internacional naquilo que representam novas conquistas aos direitos

fundamentais. Portanto, há plena abertura para a criação de uma ordem jurídica mundial

transformadora e protetora dos direitos fundamentais, incluindo o direito do ambiente.

A tutela jurídica no Estado Democrático de Direito é ampla e irrestrita a direitos

individuais e coletivos. Esse novo paradigma de Estado não se contenta com a simples

declaração de direitos, pois o seu objetivo é a transformação com justiça da realidade social,

em que o plano da efetivação dos direitos traça uma das suas principais metas.

O direito de acesso à justiça não se limita ao direito de acesso ao judiciário:

“constitui-se em direito de acesso efetivo a uma ordem jurídica justa e transformadora”

(ALMEIDA, 2008, p. 175).

A interpretação da Constituição no Estado Democrático de Direito, além de ser

aberta e pluralista, necessita levar em consideração também o momento da aplicação como

adequado de entender o próprio texto constitucional. Assim os difíceis caminhos para a

superação da problemática da injustiça social e implantação do projeto democrático são

apontados por Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 175):

a) superação das desigualdades sociais, com a distribuição equitativa da riqueza socialmente produzida; b) inversão do processo de concentração dos poderes político e econômico com a ampliação dos espaços de participação popular na tomada de decisões nas duas esferas; c) superação da degradação ambiental com o estabelecimento de uma nova relação homem/natureza, incorporando princípios que permitam o desenvolvimento econômico socialmente justo e ecologicamente equilibrado; d) acesso de todas as pessoas à formação educacional, à informação e à produção do saber; e) eficácia social dos direitos econômicos e sociais já incorporados nos estatutos jurídicos, mas ainda não concretizados na prática; e f) positivação de novos direitos.

O caráter democrático, afirma Dalmo de Abreu Dallari (1980, p. 119), deve

“direcionar as reformas, pois ele conhece a certeza de que, por intermédio das reformas, os

valores fundamentais da pessoa humana serão resguardados com base na convivência social,

na solidariedade”, que “aproxima sem submeter, integra sem aniquilar e unifica sem

despersonalizar.”.

Assim, os três pontos fundamentais a serem seguidos são: superação dos

preconceitos, conhecimento da realidade e fixação da ordem adequada. A pessoa humana é

considerada sempre uma cidadã e deve ser chamada a participar ativamente do processo

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democrático de elaboração das leis, de administração governamental e de resolução da

conflituosidade social, daí a importância da ação popular ambiental.

A doutrina, conforme Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 177), aponta como

princípios do Estado Democrático de Direito:

a- constitucionalidade, b- organização democrática da sociedade, c- sistema garantista de direitos fundamentais individuais e coletivos, d- justiça social, e- igualdade, f- divisão de poderes ou de funções, g- legalidade, e h- segurança e certeza jurídicas. A inserção de outros: a- o princípio da máxima prioridade na proteção e efetivação dos direitos transindividuais; b- o princípio da proibição do retrocesso; c- princípio da priorização da tutela jurídica preventiva; d- princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais e da máxima efetividade dos direitos individuais e coletivos; e- princípio da abertura para uma ordem constitucional democrática mundial; e f- reconhecimento de uma cidadania planetária.

É no Estado Democrático de Direito que se pode falar verdadeiramente em tutela

jurídica dos direitos e interesses transindividuais e, consequentemente, tanto em autonomia

metodológica do Direito Coletivo, quanto em um direito processual coletivo como

instrumento de transformação com justiça da realidade social.

Conforme ensina mencionado doutrinador (ALMEIDA, 2008, p. 192), torna-se

insustentável a concepção dualista Estado/sociedade. A visão de Estado atual tem como base

a organização de estrutura democrática, nutrida pelo pluralismo, político e jurídico, amparada

em sua essência no princípio da soberania popular. Nessa concepção, o poder político deriva

do poder dos cidadãos e o respeito aos direitos e garantias constitucionais fundamentais é a

condição máxima da legalidade estatal.

Tal é o modelo de Estado Constitucional Democrático de Direito inserido na Magna

Carta brasileira de 1988 (artigo 1º/17), em que está expressamente estabelecido que todo

poder emana do povo, que o exerce por seus representantes eleitos ou diretamente nos termos

da Constituição (parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal/88). Assim, se todo

poder emana do povo, por previsão constitucional expressa, não há amparo que sustente a tese

dualista com a separação estanque entre Estado e Sociedade.

Desta forma, afirma Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 193) que:

Não mais se sustenta a summa divisio clássica Direito Público e Direito Privado, traçada e sistematizada, principalmente em um paradigma liberal, no contexto da visão dualista, em que Direito Público era o Direito do Estado e Direito Privado era o Direito do indivíduo no plano das suas relações particulares. Foi muito feliz, portanto, o legislador Constituinte de 1988 ao estabelecer uma nova summa divisio constitucionalizada e

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relativizada no País: Direito Coletivo e Direito Individual (Titulo II, Capítulo I, da CF/88). O Direito Coletivo é o direito da sociedade, no plano da sua transindividualidade, e o Direito Individual é o Direito do Indivíduo, no plano da sua individualidade. O Direito Coletivo e o Direito Individual têm, no plano do espaço da cidadania (coletiva ou individual), o Estado como forma institucional. No topo da summa divisio está o Direito Constitucional integrado pelo Direito Coletivo, quanto pelo Direito Individual, conforme normas que compõem o seu objeto formal: a Constituição. O que é denominado “Direito Público” está, em regra, dentro do Direito Coletivo. Assim, não há um direito do Estado contra a sociedade. O administrador tem que administrar para a sociedade. Da mesma forma, o que é intitulado de “Direito Privado” está inserido dentro do direito Individual. Todavia, não há espaços estanques, porque todas essas dimensões encontram a Constituição como berço comum básico e fundamental de disciplina e de tutela jurídica.

Conforme explica Luís Roberto Barroso (2007, p. 133), a abertura do caminho para

um amplo conjunto, ainda inacabado, de reflexões sobre o Direito, sua interpretação e sua

função social, decorreu da superação histórica do jusnaturalismo e do fracasso político do

positivismo. Diz o autor que o pós-positivismo jurídico visa a ir além da legalidade estrita,

mas não despreza o direito posto.

Por isso, sustenta Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 212) que:

Há uma necessária reaproximação entre o Direito e a Filosofia, impondo-se também, entre as várias diretrizes de mudança paradigmática, o seguinte: a) a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; b) a implementação de uma nova hermenêutica constitucional; c) o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais a partir do fundamento da dignidade humana.

Em outra obra, John Rawls (2004, p. 03-04) propõe a idéia em torno do que ele

denomina de “Direito dos povos”, apresentado como uma concepção política particular de

Direito e de Justiça aplicável no plano dos princípios e normas do Direito e da prática

internacionais.

Utilizando-se da expressão “Sociedade dos Povos”, com o objetivo de designar que

todos os povos adotem ideais e princípios do Direito dos povos nas suas relações mútuas,

afirma citado doutrinador (RAWLS, 2004, p. 03-04) que o conteúdo desse Direito poderá ser

desenvolvido a partir de uma concepção liberal de justiça que guardaria certas semelhanças,

não obstante seja mais geral, à ideia que ele mesmo denomina de “justiça como equidade”, em

seu outro livro sobre Uma Teoria da Justiça.

A concepção “Direito dos povos” preencheria certas condições que possibilitam que

a Sociedade dos Povos seja chamada de utopia realista.

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Existem defensores de uma postura crítica em relação ao Direito, que afirmam que os

filósofos do Direito têm o dever moral de denunciar os graus crescentes de uma injustiça cada

vez mais tolerada pela indiferença dos seres humanos absorvidos pelo consumo e as

trivialidades do dia-a-dia das grandes cidades.

Vamos encontrar na obra de Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 278) que a

teoria crítica do Direito é uma concepção teórica aberta e flexível. Ela propõe uma visão

teórica emancipada, livre de preconceitos ou de barreiras artificiais da racionalidade, bem

como uma práxis transformadora da realidade social. Teoria e práxis são compreendidas em

conjunto.

A dialética da participação é sua proposta metodológica, a qual exige uma interação

interdisciplinar efetiva, que tenha o condão de abranger várias dimensões teóricas num

compromisso não só de compreender e interpretar, mas principalmente de compreender e

interpretar para transformar a realidade.

Em levantamento excelente, tal doutrinador afirma que durante o regime militar

ocorreram alguns avanços significativos no plano infraconstitucional, em relação à tutela

jurídica de parcela do Direito Coletivo. O primeiro avanço decorreu do advento da Lei nº.

6.513, de 20 de dezembro de 1977, que alterou a Lei nº. 4.717/65 [Lei da Ação Popular], para

ampliar o objeto material da ação popular, nos termos da redação imprimida ao § 1º do seu

artigo 1º. “Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e

direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico”.

Com a alteração, a ação popular passou a tutelar também o patrimônio público em

sua dimensão imaterial [artístico, estético, histórico ou turístico]. O segundo avanço veio com

a Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que abriu o caminho para a proteção integral ou

holística do ambiente no País.

Essa Lei veio dispor sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, consagrando no §

1º, do seu artigo 14, a responsabilidade ambiental objetiva, além disso, legitimando o

Ministério Público para a propositura de ação com pedido reparatório por danos causados ao

ambiente.

O artigo 9º, caput, do Decreto nº. 83.540, de 04 de junho de 1979, que regulamentava

a aplicação da Convenção Internacional sobre Responsabilidade civil em Danos Causados por

Poluição por Óleo, de 1969, já legitimava o Ministério Público à propositura de ação de

responsabilidade civil por danos decorrentes da poluição de óleo.

O terceiro aspecto de avanço encontra-se fundado na Lei Complementar Federal nº.

40, de 14 de dezembro de 1981, que instituía a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e

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previa, em seu artigo 3º, III, que o ajuizamento da ação civil pública era uma das funções

institucionais do Ministério Público. Está aqui a origem da denominação “ação civil pública”,

hoje consagrada constitucionalmente [artigo 129, III, da Constituição Federal/88].

Entretanto, o momento mais importante na tutela do Direito Coletivo, antes da

Constituição Federal/88, é reservado à Lei da Ação Civil Pública [Lei nº. 7.347, de 24 de

Julho de 1985], tanto que a Doutrina fala em antes e depois da Lei da Ação Civil Pública. Há

aqui um divisor de águas, com o início de uma proposta de mudança radical do sistema de

tutela jurídica no País.

A Lei da Ação Civil Pública, além de criar a legitimação ativa coletiva, pluralista e

concorrente [artigo 5º], passou a admitir o cabimento de ação civil pública para a proteção do

ambiente, do consumidor e dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico.

A ampliação do objeto material da ação popular para abranger também a moralidade

administrativa, o ambiente, e o patrimônio cultural deve ser entendida como outro avanço

[artigo 5º, LXXXIII, da Constituição Federal/88]. A consagração da tutela jurídica integral e

holística ao ambiente, de forma a assegurar o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado

a todos, sem distinção, é conquista inovadora, ainda mais se se considerar que o texto

constitucional fixou como dever do poder público e da coletividade a defesa e a preservação

do ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações, nos termos da redação do artigo

225, caput, da Constituição Federal/88.

O rico teor do artigo 225 da Constituição Federal/88 permite, em sua interpretação

conjugada com os artigos 1º e 3º, I, da mesma lei Fundamental, a “abertura de caminho para

dois novos horizontes de revolução da ciência jurídica”. O primeiro no sentido da “construção

de uma dogmática jurídica biocentrista, superadora do fechado antropocentrismo jurídico, a

ser elaborada com base em uma solidariedade coletiva, também do tipo biocentrista”. O

segundo caminho refere-se ao “direito intergeracional cujas diretrizes demandam exploração

adequada, pois ligado a uma dimensão de direitos planetários que envolvem deveres da

geração presente e direitos de gerações futuras” (ALMEIDA, 2008, p. 351), conforme

elucidação apresentada pela teoria da equidade intergeracional.

Na última década, houve um crescimento e evolução bem significativos em relação

ao constitucionalismo brasileiro, especialmente no que tange à implementação das diretrizes

da nova interpretação constitucional. Doutrina e jurisprudência estão começando a dar alguns

passos importantes em direção a um projeto de Brasil realmente constitucional.

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Esse novo modelo “permite principalmente em relação à nova summa divisio

constitucionalizada relativizada” a construção de um constitucionalismo brasileiro que sirva

de parâmetro para o mundo (ALMEIDA, 2008, p. 362).

A exploração metodológica dessa nova summa divisio, nas palavras de Gregório

Assagra de Almeida (2008, p. 362), faz-se necessária para a devida compreensão da própria

teoria dos direitos constitucionais fundamentais, positivada na Constituição de 1988.

A teoria dos direitos constitucionais fundamentais compõe o núcleo de uma

Constituição democrática, como a brasileira, a partir da qual devem ser construídos os novos

modelos explicativos. Os direitos fundamentais possuem eficácia irradiante de ordem jurídica

e força vinculativa de todos os operadores jurídicos oficiais e não–oficiais.

O Estado Democrático de Direito é o Estado da justiça material; é o Estado da

transformação com justiça da realidade social; é o “Estado da tutela jurídica integral, ampla e

irrestrita, o Direito Individual e o Direito Coletivo” (ALMEIDA, 2008, p. 414).

O combate à pobreza e às desigualdades sociais é o seu principal desafio e fonte que

nutre a dinamicidade do Direito e da própria ordem jurídica objetivamente considerada. O

Direito, mesmo na condição de objeto resultante da evolução cultural da raça humana, não

pode, nem deve ficar alheio aos problemas relativos à pobreza e às desigualdades sociais.

A Constituição de 1988, além de estabelecer em seu artigo 1º que a República

Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, que é o Estado da Justiça

Material, da transformação positiva da realidade social com justiça, consagrou, no artigo 5º,

XXXV, o princípio do acesso amplo e irrestrito à justiça, intitulado de “princípio da

inafastabilidade das decisões judiciais”, de forma a “garantir a proteção e a efetivação da

tutela jurídica a Direito Individual e a Direito Coletivo” (ALMEIDA, 2008, p. 426).

Foram inseridos na Constituição Federal/88, no seu artigo 129, III, o princípio da

não-taxatividade do objeto material da ação coletiva, e nos seus artigos 103, 125, §2º, e 129, §

1º, o princípio da legitimidade ativa coletiva concorrente ou pluralista, inserido inicialmente

na Lei da Ação Civil Pública [artigo 5º].

A ação popular está dentro do Capítulo I do Título II da Constituição Federal/88

[artigo 5º, LXXIII], constituindo-se em garantia constitucional fundamental. A ação popular,

pelo seu objeto material, é espécie do gênero “ação coletiva”, inserindo-se dentro dos

denominados genericamente “Direitos Coletivos fundamentais”. A ação popular poderá ter

como objeto material a tutela do patrimônio público em sentido amplo [moral, econômico,

cultural, histórico e ambiental]. Assim, “proteção do patrimônio é espécie de Direito

Coletivo”.

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Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 439) esclarece que, para que se faça a

identificação do Direito, “não é suficiente a análise da natureza da norma jurídica ou da

relação jurídica ou a sua utilidade”. É determinante que também “sejam analisados o plano da

titularidade do Direito e a forma de sua proteção e efetivação material”.

Com base nesses dois últimos elementos, conclui-se que ou a norma jurídica se

destina à proteção ou efetivação de Direito ou Interesse Individual, ou a norma jurídica visa a

proteção ou efetivação Direito ou Interesse Coletivo. Esses dois tipos de normas compõem o

sistema jurídico constitucional.

Mesmo em relação à divisão das normas constitucionais em normas jurídicas

constitucionais materiais e normas jurídicas constitucionais processuais, observa-se que

“ambas as categorias das referidas normas voltam-se para a proteção e efetivação ora de

Direito Individual, ora de Direito Coletivo” (ALMEIDA, 2008, p. 439).

No plano abstrato, todas essas normas do direito positivo constitucional são de

interesse coletivo [difuso] e, portanto, indivisível de toda a coletividade. É exatamente esse

interesse que apoia e justifica o controle abstrato e concentrado da constitucionalidade,

interesse esse denominado de “interesse coletivo objetivo legítimo”, como deduz citado autor

(2008, p. 440).

E, desta forma, temos os princípios gerais que regem o Direito Coletivo enumerados

por Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 452): princípios de interpretação e aplicação do

direito coletivo brasileiro; princípio democrático; princípio da solidariedade coletiva;

princípio do devido processo legal coletivo substancial; princípio da proibição do retrocesso

do direito coletivo; princípio da aplicabilidade imediata do Direito Coletivo: previsto no

artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal/88, no qual consta que “as normas definidoras dos

direitos e garantias constitucionais fundamentais têm aplicação imediata”.

Os princípios em análise deitam raízes na nova Hermenêutica Constitucional, que

constrói a ideia no sentido de que os direitos fundamentais não se interpretam, mas

concretizam-se.

Fala-se no princípio da efetividade [ou da máxima eficiência] no sentido de que as

disposições constitucionais devem ser interpretadas de forma que delas se consiga a maior

efetividade possível. Dentro dessa ideia de efetividade, não haveria norma constitucional

inútil.

No caso do princípio da priorização da proteção coletiva preventiva, tem-se que a

tutela jurídica preventiva é a mais genuína forma de proteção jurídica no contexto do Estado

Democrático de Direito, conforme já explanado anteriormente. Ela decorre do princípio da

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prevenção geral como diretriz inserida no principio democrático [artigo 1º da Constituição

Federal/88]. Por intermédio da tutela jurídica preventiva poderá, entre outras alternativas, ser

atacado diretamente o ilícito, evitando-se a sua prática, continuidade ou repetição. Com isso,

evita-se o dano que é objeto da tutela jurídica repressiva, no caso a ressarcitória.

Acontece que muitos danos, especialmente os de dimensão coletiva [aqueles que

afetam o ambiente, a saúde do consumidor, a criança e o adolescente, o idoso, a saúde pública

etc.], não são possíveis de reparação in natura. Portanto, só restaria nesses casos uma tutela

repressiva do tipo compensatória ou do tipo punitiva, que é espécie de tutela jurídica

apequenada que não responde ao direito a uma tutela jurídica genuinamente adequada, na sua

condição de garantia fundamental do Estado Democrático de Direito [artigos 1º, 3º e 5º,

XXXV, da Constituição Federal/88].

Portanto, temos que, em caso de dano ambiental, deve sempre se impor a atuação

preventiva, na defesa do Direito Coletivo, de todos os operadores, evitando-se, sempre que

possível, a consumação de danos em grande parte irreparáveis in natura. A afirmativa tem

como princípios: princípio da não-taxatividade ou da não-limitação do Direito Coletivo;

princípio da universalidade da proteção e da efetivação do Direito Coletivo; princípio da

imprescritibilidade e da indecadenciabilidade do Direito Coletivo e princípio da conformação

do procedimento e do provimento de acordo com as necessidades do Direito Coletivo.

A interpretação atual da Constituição de 1988 deve estar apoiada no diálogo

multidisciplinar. Uma das características principais do Direito Coletivo é a sua extrema

complexidade.

O operador do direito tem dificuldade para compreender e interpretar adequadamente

o Direito Coletivo somente com fundamento nas diretrizes estabelecidas pela ordem jurídica.

Esses direitos, em geral, exigem um grau de conhecimento que se apoiem em outras áreas de

conhecimento, tais como a engenharia, a biologia, a agronomia, a sociologia, a economia, a

ciência política, a geologia etc.

Pois, assim a interpretação fundada no diálogo interdisciplinar é “o melhor caminho

para a boa e adequada compreensão do Direito Coletivo em uma sociedade complexa”

(ALMEIDA, 2008, p. 469). A tendência é no sentido de ampliação desse diálogo com outras

áreas de conhecimento, caminho hoje imprescindível para a oxigenação e o revigoramento do

próprio Direito como instrumento de transformação da realidade social.

A importância social e constitucional do Direito Coletivo também impõe esse tipo de

diálogo, cada vez mais necessário ante a complexidade dos fatos e situações jurídicas em

tempos atuais, nos dizeres de Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 470).

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O Direito Ambiental tutela, em grande parte de sua incidência, o ambiente natural e,

portanto, a vida, o que também abrange a sua existência com dignidade. Como disciplina, o

Direito Ambiental não possui uma autonomia isolada ou paralela, mas uma autonomia de

coordenação, como sustentado por Paulo de Bessa Antunes (2007, p. 36). Daí evidencia-se o

seu caráter transversal no sentido de que o Direito Ambiental circula e transita em todas as

áreas do Direito, estabelecendo limites para a interpretação.

A interpretação coletiva sustentável representa justamente esse respeito ao caráter

transversal do Direito Ambiental, de forma que, em todas as suas dimensões, qualquer

interpretação e aplicação do Direito Coletivo têm de garantir, para as presentes e futuras

gerações, a defesa e a preservação do ambiente ecologicamente equilibrado na sua condição

de direito de todos.

Dentro de suas assertivas, Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 489) aborda

alguns pontos nas principais dimensões constitucionais do Direito Coletivo. Assim, na área do

meio ambiente, tem-se que o estudo do ambiente é um desafio que impõe a consulta e a

pesquisa em outras áreas do conhecimento. Logo, em suas palavras:

[...] o caráter interdisciplinar e transdisciplinar do Direito Ambiental e os problemas resultantes da sociedade do risco ambiental, própria do mundo massificado e globalizado, fizeram com que a compreensão da problemática da proteção jurídica ambiental só adquira real sentido quando oxigenada pela orientação daqueles que pensam o ambiente por outras áreas do conhecimento.

Desta forma, temos que filósofos, físicos, astrônomos, economistas, cientistas

políticos, biólogos, químicos, engenheiros, teólogos etc. estão incessantemente dedicando-se à

questão ambiental e, vez por outra, também são levados a emitir opiniões que acabam por

ingressar no âmago do Direito, considerado, em tempos atuais, como a espinha dorsal da

própria sociedade.

Em razão de tais fatores:

[...] a ciência jurídica e, em seu sentido mais restrito, a própria dogmática jurídica estão passando por uma verdadeira revolução paradigmática imposta, não há dúvida, por força da necessidade, urgente e premente, de compreensão, de ampliação e de efetivação do Direito Ambiental como direito fundamental e condição básica para salvaguarda da casa comum: o Planeta Terra (ALMEIDA, 2008, p. 489).

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O reconhecimento do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, como direito

fundamental das gerações futuras, o reconhecimento do direito de todos ao ambiente

ecologicamente equilibrado, em uma “nítida feição biocentrista” (ALMEIDA, 2008, p. 489) e

o reconhecimento de deveres à coletividade de defesa e preservação ambiental, naquilo que é

denominado “competência material” ou “implementação” [artigo 225 da Constituição

Federal/88], confirmam a assertiva anterior a respeito da revolução paradigmática imposta à

ciência jurídica.

A mesma assertiva revolucionária igualmente é confirmada pela necessidade de uma

ordem jurídica mundial efetiva, apontada por alguns doutrinadores como um

constitucionalismo mundial ou como um direito constitucional mundial.

Como todos os ecossistemas planetários em suas integralidades estão interligados, a

questão ambiental não possui fronteira e limite continental, exigindo a construção tanto de

uma ordem constitucional mundial efetiva, quanto de um ética ambiental mundial que se

fundamente na concepção de uma “cidadania coletiva biocentrista solidarista” (ALMEIDA,

2008, p. 491).

Leonardo Boff (2003, p. 11) aponta três problemas, de dimensões planetárias, que

exigem, com urgência, uma ética mundial: a) a crise social; b) a crise do sistema de trabalho,

e c) a crise ecológica. Precisamente em relação à crise ecológica, adverte o doutrinador

(BOFF, 2003, p. 11) que nas últimas décadas o ser humano tem construído, por sua atividade

irresponsável, o princípio da autodestruição, provocando situação de risco irreparável à

biosfera e às condições de vida da própria espécie humana. Esse princípio de autodestruição

faz convocar outro, o da co-responsabilidade por nossa existência como espécie e como

planeta.

O ecossistema é a unidade básica da ecologia, conforme dispõe Édis Milaré, (2005,

p. 1073). Entende-se por ecossistema ou sistema ecológico qualquer unidade que inclua todos

os organismos em uma determinada área, interagindo com o ambiente físico, de tal forma que

um fluxo de energia leve a uma estrutura trófica definida, diversidade biológica e reciclagem

de materiais [troca de materiais entre componentes vivos].

Ao expressar a importância de uma alfabetização ecológica como desafio para a

educação no século XXI, Fritjof Capra (2003, p. 20-21), baseando-se na escola de pensamento

do filósofo norueguês Arne Naess, fundada no início da década de 1970, demonstra a

importância da distinção entre a ecologia rasa, de concepção antropocêntrica, que considerava

o ser humano como a fonte de todo valor, acima e fora da própria natureza, atribuindo a essa

uma função meramente instrumental ou utilitária, e a ecologia profunda, que reconhece valor

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intrínseco a todos os seres vivos, compreendendo o ser humano simplesmente “[...] como um

dos filamentos da teia da vida”.

Assim, para a ecologia profunda, o mundo não é visto como uma coleção de objetos

isolados e sim como uma rede de fenômenos indissoluvelmente interligados e

interdependentes.

Para Fritjof Capra (2005, p. 19) as últimas décadas têm evidenciado uma situação de

profunda crise mundial complexa e multidimensional, que tem afetado todos os aspectos da

vida humana “[...] a saúde e o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações

sociais, da economia, tecnologia e política [...]”.

Diz, citado estudioso (CAPRA, 2005, p. 19) que essa crise, sem precedentes na

história da humanidade, possui dimensões intelectuais, morais e espirituais, e impõe-nos o

enfrentamento da “[...] real ameaça de extinção da raça humana e de toda a vida no planeta”.

No caso do Brasil, a degradação ambiental alcança o mar, os rios, os lençóis

freáticos, a Floresta amazônica, o Pantanal Matogrossense, a Mata Atlântica e, em geral, toda

região costeira. Os cortes sem controle para o contrabando de madeiras nobres, as queimadas

delituosas, a contaminação por mercúrio de parte considerável da bacia amazônica, o uso

indiscriminado sem controle adequado de agrotóxicos na agricultura, a destruição do solo e

subsolo pela exploração gananciosa das grandes mineradoras, os desastres ecológicos

provocados pela Petrobrás etc. são alguns dos fatores que impõem uma radical mudança no

plano do paradigma brasileiro da proteção ambiental.

De acordo com Plauto Faraco de Azevedo (2006, p. 90), essa situação evidencia a

insuficiência da ética vigente, de base individualista e antropocêntrica, que se tornou incapaz

de compreender a:

[...] íntima ligação entre todos os organismos vivos, em interconexão entre eles e com o meio inorgânico, cujos recursos são exauríveis, razão por que sua utilização tem que ser prudente e orientada por uma ética da solidariedade, em que sobressaia a responsabilidade transgeracional [...].

Por tudo isso, registra Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 494), a proteção

jurídica ambiental constitui-se atualmente tema jurídico dos mais relevantes, tanto para o

direito internacional, quanto para o direito nacional. A principal razão dessa relevância

temática relaciona-se certamente com a sua inserção no plano de um direito fundamental, em

plena situação de risco: o direito à vida e a sua existência com dignidade, o que abrange no

sistema constitucional brasileiro as presentes e as futuras gerações [artigo 225 da Constituição

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Federal/88], em conformidade com a orientação principiológica apresentada pela doutrina da

teoria da equidade intergeracional.

A doutrina que formula a teoria da equidade intergeracional, fundamentando-a em

vários documentos internacionais, e afirma que são três os princípios que a informam:

a) princípio da conservação de opções, pelo qual se impõe o dever de cada geração de conservar a diversidade da base dos recursos naturais e culturais, de forma a não restringir e não diminuir as opções quanto à avaliação das futuras gerações à solução dos seus problemas e à satisfação dos seus valores; b) princípio da conservação da qualidade, no sentido de que cada geração deve manter a qualidade do planeta exatamente nas condições que o recebeu para que essas mesmas condições possam ser usufruídas pelas gerações futuras; c) princípio da conservação do acesso, o qual estabelece o dever de cada geração de assegurar aos seus integrantes o direito de acesso igual ao que foi legado das gerações passadas, bem como o dever de conservar esse acesso para as futuras gerações (LEITE; AYALA, 2003, p. 249).

Daí a assertiva, inquestionável, no sentido de que a proteção jurídica ambiental é

direito fundamental, compondo-se dos grandes núcleos de qualquer ordem jurídica

democrática [artigo 5º, caput, e seu § 2º c/c o artigo 225, da Constituição Federal/88]. O

direito ambiental tem como objeto principal de tutelar a vida, em todas as suas dimensões,

que, por sua vez, é a fonte primária de outros bens jurídicos.

O direito ao meio ambiente caracteriza-se como:

[...] um corolário do direito à vida, o que, aliás, evidencia a inter-relação e indivisibilidade de todas as diversas dimensões de direitos fundamentais. A sua fundamentalidade, numa perspectiva antropocêntrica, decorre do reconhecimento de que uma sadia qualidade de vida, com a manutenção de padrões estáveis de dignidade e bem-estar social, imprescinde de um ambiente saudável e equilibrado. Tal essencialidade relaciona-se também com a idéia de equidade intergeracional (COSTA NETO, 2003, p. 17).

Apesar de a proteção jurídica ambiental constituir-se em um direito fundamental, a

sua real dimensão extrapola o direito à vida e a sua existência com dignidade para as gerações

presentes e futuras, pois não se limita ao âmbito natural.

Também está consagrada, nas ordens jurídicas democráticas, a proteção jurídica do

ambiente artificial, de sorte que a dimensão atual da tutela ambiental é bem mais ampla do

que a concepção de ambiente natural, como ensina Antônio Herman V. Benjamin (2003, p.

20-21).

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O texto constitucional protege qualquer tipo de vida quando estabelece que todos têm

direito a ela. Há aqui “o rompimento com a visão exclusivamente antropocentrista da tutela

jurídica, tendo em vista que, de alguma forma, o dispositivo constitucional reconhece direitos

da própria natureza” (ALMEIDA, 2008, p. 496).

Nesse sentido, diz Antonio Herman V. Benjamin (2003, p. 20) que “a tutela

ambiental tem, aos poucos, abandonado a rigidez de suas origens antropocêntricas para

incorporar uma visão mais ampla, de caráter biocêntrico (ou mesmo ecocêntrico), no sentido

de amparar a totalidade da vida e suas bases”.

Dentro dessa visão do biocentrimos, defendida por vários pensadores, a flora, a fauna

e a biodiversidade seriam igualmente sujeitos de direitos e, por isso, mereceriam proteção

pelo Direito.

Essa visão está presente, desde 1982, na Organização das Nações Unidas. Tanto que

a sua Assembléia Geral, por intermédio da Resolução nº. 37/7, manifestou que “toda forma de

vida é única e merece ser respeitada, qualquer que seja a sua utilidade para o homem, e, com a

finalidade de reconhecer aos outros organismos vivos este direito, o homem deve se guiar por

código moral de ação” (ALMEIDA, 2008, p. 496).

Por outro lado, há aqueles que sustentam uma visão de um antropocentrismo

alargado. É o caso de José Rubens Morato Leite e Patrick de Araújo Ayala (2003, p. 213), os

quais afirmam que, no sistema jurídico brasileiro, há no que tange à tutela jurídica ambiental

um antropocentrismo alargado, pois a proteção jurídica do ambiente constitui-se do tipo

antropocêntrica alargada, em que se observa um direito ao ambiente equilibrado como bem de

interesse da coletividade e essencial à sadia qualidade de vida. Concluem que a tutela do

ambiente no Brasil está vinculada não a interesses imediatos, mas aos interesses

intergeracionais.

Com relação à competência material ou de implementação no texto constitucional de

1988, Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 497) registra que a preocupação do legislador

Constituinte de 1988 com a importância da tutela jurídica do ambiente foi tanta que ele não se

contentou em distribuir regras de competência formal [ou legislativa – artigos 24, VI, VII,

VIII e 30, I e II da Constituição Federal/88] e material [implementação – artigos 23, III, IV,

VI, VII e 225, da Constituição Federal/88), que são concorrentes entre todas as esferas do

sistema federativo [União, Estado, Distrito Federal e Município]. Ele conferiu também ao

Poder Público em geral e à própria coletividade a competência material ou de implementação

ao impor que a coletividade ao lado do poder público tem o dever de defender e de preservar

o meio ambiente para as presentes e futuras gerações [artigo 225 da Constituição Federal/88].

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Diante da redação do texto constitucional, conclui-se que o cidadão tem o direito

constitucional e o dever de ajuizar Ação Popular Ambiental para a defesa e preservação do

meio ambiente [artigo 5º, LXXIII,c/c o artigo 225, da Constituição Federal/88].

No plano das conquistas sociais, a tutela jurídica do ambiente está inserida dentro

dos direitos fundamentais de terceira dimensão. Desta forma, Norberto Bobbio (1992, p. 06)

sustentou que o mais importante seria o direito reivindicado pelos movimentos ecológicos,

pois nele está o direito de viver em um ambiente não poluído.

A autonomia do Direito Ambiental é outro assunto sobre o qual tem debruçado a

doutrina atualmente. A tendência é a de que o Direito Ambiental passe efetivamente a ser

considerado como disciplina própria, como ramo autônomo do Direito.

Não é possível fugir da evolução no sentido da maturidade do direito ambiental, que

veio para cumprir a tarefa complexa de auxiliar na proteção do bem ambiental que se constitui

de importância transcendental para todos os seres vivos.

Segundo Paulo de Bessa Antunes (2004, p. 58), o “Direito Ambiental é um direito de

coordenação entre os diversos ramos do Direito, impondo aos demais o devido respeito às

normas que o formam, tendo em vista que o seu fundamento de validade estaria emanado

diretamente da Constituição”.

Uma das características mais marcantes do Direito Ambiental é a sua

interdisciplinaridade. A doutrina unanimemente reconhece essa característica do Direito

Ambiental. Portanto, ele se relaciona com as várias áreas do conhecimento humano: biologia,

química, medicina, engenharia genética etc. O conteúdo do Direito Ambiental não é, nem

nunca poderá ser somente jurídico. O preenchimento das normas ambientais depende, em

muitos casos, do conhecimento científico da biologia, química, agronomia, etc.

Na síntese de Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 499), como novo ramo do

Direito, afirma “a doutrina que o direito ambiental se desdobra em três vertentes

fundamentais, que seriam formadas pelo direito ao ambiente, pelo direito sobre o ambiente e

pelo direito do ambiente”.

A natureza sempre despertou um verdadeiro fascínio na espécie humana. Foi

gradativamente com o desenvolvimento da civilização que as atividades do ser humano

começaram a gerar impacto ambiental. Após a Segunda Guerra Mundial é que essa

consciência ecológica começa a se intensificar, provocando a tomada de medidas pelas

autoridades competentes rumo à tutela jurídica do ambiente.

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No plano especificamente do Direito, observa-se que as dificuldades foram, e ainda

são, maiores, já que, dentro dos paradigmas clássicos das teorias positivistas, o Direito sempre

andou bem atrás das transformações e das necessidades sociais.

Nesse contexto, a questão ambiental, muito diretamente ligada à boa qualidade de

vida e que atinge branco e preto, rico e pobre, teve influência direta para a revisitação desses

conceitos. Foi na Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada

em 1972 em Estocolmo, na Suécia, que o direito ao ambiente como qualidade de vida passou

a ser reconhecido como direito fundamental universal.

Para a evolução de uma consciência mundial, foi de extrema importância a

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio

de Janeiro, Brasil, em julho de 1992. Nessa conferência, houve o comparecimento de

representantes de países de quase todo mundo, ocasião em que aprovaram e firmaram 27

[vinte e sete] princípios. A Lei nº. 6.938/81, em seu artigo 3º, I, estabelece o conceito de

ambiente natural: “ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e internações de ordem

física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Contudo, no plano doutrinário, o conceito de ambiente é bem amplo e engloba o

ambiente natural, o ambiente artificial e o ambiente cultural. O ambiente natural é composto

pelos sistemas ecológicos, os quais abrangem as comunidades bióticas [plantas, animais e

microorganismos], e as condições abióticas [água, ar e terra. Já o ambiente artificial e o

cultural são aqueles constituídos pela conduta humana e se relacionam com a saúde e outras

condições sociais decorrentes da produção humana, as quais acabam afetando a convivência

social.

Assim, o ambiente artificial abrange todo espaço urbano construído pela conduta

humana, enquanto o ambiente cultural é o decorrente da relação existente entre o ser humano

e o ambiente em que vive e, assim, abrangeria o paisagismo, os monumentos históricos, os

bens artísticos, turísticos, estéticos, históricos, arqueológicos, bem como o urbanismo, o

ambiente do trabalho etc.

Daí ser mais adequado o emprego da expressão “direito ambiental”, consubstanciado

na explanação de Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 502).

Nessa fase do direito ambiental, houve uma radical mudança de direção com a

consagração da “proteção holística ou integral do meio ambiente”, no sentido de que,

protegendo-se o meio ambiente como um todo, protegem-se as suas particularidades. É o que

se extrai inclusive de texto expresso de disposição da Constituição Federal de 1988, artigo

225.

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Assim, a divisão do direito em individual e coletivo vem ao encontro dos anseios

atuais da sociedade para uma sadia qualidade de vida da geração presente e a preparação do

planeta para as futuras gerações, para se estabelecer de vez no meio jurídico a efetividade do

Direito Ambiental, sempre visando garantir a participação social com a utilização da Ação

Popular Ambiental.

Com as premissas fixadas, até este ponto de nosso estudo, tratemos, pois, no próximo

capítulo das tutelas específicas direcionadas ao meio ambiente discutindo-se, inclusive, qual a

tutela jurisdicional [preventiva e inibitória] que melhor se coaduna com o sistema

principiológico do Direito brasileiro, bem como com o espírito de preservação, e não de

reparação, propagado pela legislação ambiental.

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CAPÍTULO IV. TUTELAS ESPECÍFICAS

Uma vez trabalhadas, nos capítulos anteriores, as idéias relativas ao direito ao meio

ambiente saudável, enquanto direito fundamental e expressão da realização da dignidade

humana, ao dever de tutela da sociedade em relação, principalmente, ao meio ambiente

urbano, bem como à fixação dos pontos doutrinários mais relevantes no que tange ao direito

coletivo e a seu sistema processual autônomo, pontuemos, pois, os principais aspectos no

tocante às tutelas específicas desse direito.

4.1 Considerações gerais sobre a tutela dos direitos difusos e

coletivos

A partir da Revolução Francesa, como vimos nas lições de Rousseau [Capítulo I]

sobre o ser cidadão, que os valores, até então estabelecidos, foram colocados abaixo,

juntamente com as classes que os defendiam: o clero e a nobreza.

Então, foi necessário desenvolver-se um novo universo de valores que estabelecesse

um novo regime, pois a Revolução havia sido devastadora. Ideologicamente falando, houve

uma verdadeira ruptura epistemológica e política na forma de agir com vistas à administração

do interesse público. Esse interesse público, agora, era definido pelos interesses populares,

representados pela burguesia e a revolução civil.

As mudanças foram tão profundas que todo o Estado passou a ser laico. O homem,

pela primeira vez, pôde sentir-se como verdadeiro construtor de seu desiderato. Agora ele

escrevia a história com suas próprias mãos, não se aceitavam os velhos dogmas de leis

estabelecidas de forma inquestionável.

Não era um novo fato comum. Modificou-se para sempre a forma de agir

politicamente, com uma nova legitimidade. A participação popular decidiria de que forma

seria a civilização do futuro, em direção de uma cidadania verdadeira.

Devido às transformações que entraram na vida dos cidadãos em definitivo, mudou-

se a forma de agir e pensar de cada indivíduo, que agora era um ser com autonomia e desejos

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que poderiam determinar a forma pela qual deve caminhar o coletivo no sentido de ampliar os

horizontes de sua conduta e conhecimento.

Como resultado dessas transformações sociais e do reconhecimento de direito

fundamentais à humanidade, verificamos as transformações do Direito para a tutela das novas

necessidades que surgiram com este novo homem. Analisando-se essa evolução, são

apontadas o que se convencionou chamar de dimensões dos direitos fundamentais.

Aprofundando a questão das dimensões de direitos, já apontadas no primeiro capítulo

deste trabalho; façamos aqui uma ressalva terminológica. Para fins científicos, ressaltamos

que neste trabalho acompanhamos o pensamento de Willis Santiago Guerra Filho (2005, p.

46) de “que ao invés de “gerações” é melhor se falar em “dimensões de direitos

fundamentais”, e nesse contexto, não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações

anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas”. Ele explica que:

[...] o importante é que os direitos “gestados” em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já trás direitos da geração sucessiva, assumem outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada e, consequentemente também, para melhor realizá-los. Assim, por exemplo, o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social, e com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental.

Desta forma, fica claro que o termo dimensão de direitos parece-nos mais

apropriado, tendo em vista que hoje temos indivíduos de variadas gerações que desfrutam de

todos os direitos e garantias fundamentais decorrente da evolução histórica e do Direito, ora

em comento. Não nos esqueçamos de que apesar dessa garantia formal, enquanto alguns

vivem dentro de uma qualidade de vida onde são efetivados todos [ou quase todos] os seus

direitos, outros não conseguem nem o direito a uma sobrevivência digna.

Isto posto, temos que na primeira dimensão de direitos surge como valor a liberdade:

o Estado é liberal, são direitos civis e políticos, o homem é livre. Na segunda dimensão de

direitos o valor é a igualdade: o Estado é de bem estar social, direitos dos trabalhadores, a luta

é com o social, o sujeito é o proletariado. Os direitos que eram civis [individuais] se tornam

sociais. O valor da liberdade dá lugar ao da igualdade.

Assim, chegando à contemporaneidade, falaremos na terceira dimensão de direitos.

A realidade social é por demais rica para ser abarcada completamente pelo Estado ou

pelo direito estatal. A cada dia surgem novos horizontes para o ser humano, e com isso novos

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interesses e novos conflitos, que exigem definição e organização pelo Estado, nos limites que

lhe são impostos pela noção de Estado de Direito e pela própria previsibilidade humana.

A tensão existente entre a nova realidade, formada diariamente, e as fronteiras da

atuação do direito estatal constitui, hoje, possivelmente, o grande elemento da crise enfrentada

pela dimensão jurídica.

E assim, na terceira dimensão de direitos, temos como valor a solidariedade,

inicialmente; e, hoje, a fraternidade. “O Estado é o de Bem Estar Ambiental, os direitos são

difusos. A luta é contra a exploração do homem pelo homem, e deste para com a natureza. O

modelo é o desenvolvimento sustentável e teremos como consequência a cidadania

ambiental” (PORTANOVA, s.d.).

Esse Estado de Bem Estar Ambiental que vem se espalhando só pode se assentar

quando os direitos da primeira e da segunda dimensão forem mais bem cumpridos, ou seja,

conquistados por todos.

Ocorre que para salvar a espécie humana, teremos que salvar o seu habitat. Em

outras palavras, a vida é um direito fundamental, e, portanto, para preservar e garantir esta

vida há que se conservar o local onde essa vida se desenvolve. Finalmente, se a vida só é

possível em seu habitat, então este é fundamental à vida. Assim, o meio ambiente, ou seja, o

direito ao meio ambiente deve ser qualificado como um direito fundamental.

Daí o meio ambiente foi a primeira categoria de interesses metaindividuais a merecer

atenção especial da sociedade e, por consequência, do legislador pátrio, ante o progresso

experimentado pelos seres humanos, para ser implementado na esfera jurídica, que despendia

de atitudes as mais diversas. Temos, então, a gênese do direito ambiental.

Até a década de 1970, pouco havia sido feito de concreto na proteção ao meio

ambiente e, também, os textos legais não tinham por objetivo principal a tutela do meio

ambiente, apesar de a década de 1960 marcar o início da edição de normas contendo

princípios inerentes à proteção ambiental.

O direito ambiental somente veio a firmar-se na esfera jurídica brasileira através da

Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu a denominada Política Nacional do Meio

Ambiente.

Depois desta norma instituidora de princípios gerais da tutela ambiental, começou a

se experimentar sensível evolução legislativa, especialmente na Lei de Ação Civil Pública [nº.

7.347/85], na Constituição de 1988 [artigo 225], e, finalmente, na recente Lei Federal nº.

9.605/98 que ficou conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais.

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Assim, temos que o direito do Estado contemporâneo não é mais um mero sistema de

limites às esferas jurídicas individuais, estando submetido a um universo de valores

completamente diverso daquele que iluminou as concepções do final do século XIX.

O direito é visto hoje como um instrumento que, marcado principalmente pelos

valores da igualdade e da solidariedade, visa a permitir o desenvolvimento da personalidade

humana e a realização das relações sociais através da tutela – não mais formal, mas concreta –

da dignidade e do desenvolvimento do homem na comunidade em que vive.

Essa mutação dos escopos do Estado e do próprio fim do direito permite que a norma

seja considerada não mais como fonte de deveres e proibições e, consequentemente, da

relação direito/obrigação, mas como instrumento de valoração da atividade humana por parte

do ordenamento. Isso significa precisamente, que o direito subjetivo, por consequência, não

precisa mais ser construído sobre a base da noção de relação jurídica.

Se for verdadeira a proposição segundo a qual as relações jurídicas se constituem

entre os homens, não o é aquela segundo a qual o direito assegura um bem da vida às pessoas

necessariamente através do instrumento de uma relação jurídica.

Cândido Rangel Dinamarco (1998, p. 160-167) bem ressalta que a jurisdição também

possui um escopo social, que é a pacificação social.

No atual Estado Democrático de Direito, a participação do particular se dá na forma

de participação direta na gestão e no controle da Administração Pública, destacando-se como

meio mais eficaz o recurso ao Poder Judiciário. A estrutura da tutela coletiva está ligada à

ideia de “Democracia Participativa que é o resultado de uma visão crítica da Democracia

Social a partir da necessidade de participação do cidadão na gestão do bem comum”

(MARINONI, 2000, p. 85).

Se buscarmos na história, vamos encontrar um marco significativo, quando surge o

direito processual como novo ramo do Direito. A partir dela, tem início a fase autonomista ou

conceitual do direito processual, também intitulada de processualismo científico, pois o

direito processual passa a ser compreendido com objeto e método próprios; passa a ser

compreendido e estudado, enfim, por uma visão científica do fenômeno processual.

Grandes estudos surgem a partir da nova fase do direito processual na Alemanha

inicialmente e, logo em seguida, na Itália e em outros países europeus, como apontado pelo

autor citado acima. Os italianos, todavia, foram os principais responsáveis pela transferência

dessa nova linha de conhecimento para a América Latina.

Mas essa fase apresentava uma visão fechada e introspectiva que começou a

desmoronar-se, pois ela já não respondia às necessidades e às exigências sociais e impedia

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uma visão pluridimensional de todo o fenômeno processual, que foi chamada de autonomista.

Surge então uma nova linha de pensamento: a visão instrumentalista do direito processual; a

fase da efetividade do processo; a fase do acesso à justiça; a fase do denominado direito

processual de resultados. O direito processual passa a ser compreendido como meio de

realização de justiça.

A nova fase instrumentalista teve início em meados do Século XX, especialmente a

partir das décadas de 60 e 70 do referido Século, por meio de grandes estudos de Mauro

Capelletti e de outros juristas italianos. Com essa nova fase, dá-se início à proposta de uma

postura metodológica de otimização do sistema processual rumo à efetividade.

Há, nessa fase instrumentalista, uma reaproximação necessária entre o direito

material e o direito processual [substância-processo]. Essa reaproximação com o direito

material não nega a autonomia do direito processual, nem representa um retorno ao

sincretismo ou privatismo de outrora.

Em face da derrocada da fase autonomista e da entrada em cena da fase

instrumentalista, isso tudo impõe a necessidade de revisitação da própria visão

instrumentalista do direito processual, que deve ter, no nosso sentir, como guia condutora, a

teoria dos direitos e garantias constitucionais fundamentais. Torna-se imprescindível, como

exigência do próprio Estado Democrático de Direito, que sejam fixadas as diretrizes

metodológicas do direito processual à luz da teoria dos direitos e garantias constitucionais

fundamentais.

A partir da fixação dessas novas diretrizes metodológicas, é que será eficiente e

legítima a implementação de reformas constitucionais e infraconstitucionais. Com isso, não se

quer negar ou abandonar definitivamente a metódica pluralista e aberta implantada pela visão

instrumentalista do direito processual, mas revisitá-la e redirecioná-la sob duas premissas

básicas: a) o direito processual é instituição constitucional; b) o seu estudo, a sua reforma

legislativa, a sua interpretação e aplicação têm de ter como guia condutora a teoria dos

direitos e garantias constitucionais fundamentais. Caso contrário, teremos que conviver com

incessantes reformas do sistema processual que nunca satisfazem e muito menos atendem às

exigências do Estado Democrático de Direito e aos anseios sociais.

Da mesma forma que a “fase instrumentalista não negou a autonomia do direito

processual”, que foi conquistada pela “fase anterior (autonomista ou conceitual), a nova fase a

ser implantada do garantismo-constitucional processual fundamental não nega a metódica

pluralista e aberta conquistada pela fase instrumentalista”, mas pretende redirecioná-la e

revisitá-la com base nas duas premissas acima (ALMEIDA, 2007, p. 127).

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A partir de uma metódica constitucionalizada, dirigida pela teoria dos direitos e

garantias constitucionais fundamentais, é que será possível estabelecer a delimitação

conceitual adequada para partes e terceiros no direito processual civil.

No caso, a teoria dos direitos fundamentais, como guia condutora da nova postura

metodológica a ser implantada, é justamente aquela decorrente dos direitos e garantias

constitucionais fundamentais positivados expressa ou implicitamente na Constituição de

1988.

Esses direitos e garantias constitucionais fundamentais compõem o núcleo de uma

Constituição democrática e pluralista e possuem tanto dimensão subjetiva, que se liga às

pessoas individuais ou coletivas titulares dos direitos, quanto objetiva, já que formam o

parâmetro básico, com eficácia irradiante e vinculatória, para a interpretação e compreensão

da própria ordem jurídica.

Como principais diretrizes interpretativas relativas aos direitos e garantias

constitucionais fundamentais, podemos apontar: imprescritibilidade; aplicabilidade imediata;

imunidade em relação ao poder reformador do constituinte derivado; imunidade em relação ao

legislador infraconstitucional; direitos pétreos; interpretação aberta e extensiva etc.

O estudo e a compreensão do Direito Processual pelo prisma constitucional são

fundamentais, conforme já bem ressaltado por Nelson Nery Junior (2004, p. 25), segundo o

qual o intérprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto, sempre tendo como

pressuposto o exame da Constituição de 1988.

Pontuados esses aspectos, nos próximos itens iremos destacar as peculiaridades nas

lides coletivas, que guardem relação com o objeto do presente trabalho, iniciando pelos

apontamentos relativos à participação da sociedade civil na proteção dos direitos coletivos.

4.2 Participação atuante da sociedade civil

Norberto Bobbio (1987, p. 33) já noticiava que a expressão sociedade civil assumiu

diversos conteúdos na história do pensamento político, desde os jusnaturalistas, passando por

Rousseau, Hegel, Marx, Engels e outros. A significação que aqui pretende lhe ser dada, e que

se tornou corrente na atualidade, designa o conjunto de indivíduos, grupos e forças sociais que

atuam e se desenvolvem fora das relações de poder que caracterizam as instituições estatais.

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Em face de tais antecedentes, como a união da sociedade na Revolução Francesa, é

impossível enxergar a importância da mobilização da sociedade civil em torno da

reivindicação de seus interesses, fazendo nascer um país que tem vida própria fora do

oficialismo, da estabilidade tantas vezes opressiva.

Tem-se, assim, como ensina Luís Roberto Barroso (2002, p. 131), “uma primeira

faceta do controle da efetividade do Direito, por via informal, não institucionalizada, de

natureza essencialmente política e social”.

Por intermédio da atuação dos diferentes organismos da sociedade civil, articulam-

se, muitas vezes, “poderosos instrumentos para a exigência do cumprimento da Constituição e

das leis, bem como para a conformação da atuação do Poder Público ao sentimento coletivo”,

seguindo a doutrina do mencionado autor (2002, p. 131). Esta forma de fiscalização

participativa se estende “desde a pequena ação comunitária local até as grandes

arregimentações que despertam e influenciam a opinião pública”.

Existem vários exemplos que exibem a validade desse controle social sobre a

aplicação das leis, em diferentes graus de repercussão. Na trilha desta via já se alcançou

sucesso em providências tão simples quanto obstar o corte, pelo Poder Público, de uma árvore

que os moradores de determinada rua desejavam preservar; ou impedir licenciamento para

instalação de empresa industrial cuja atividade comprometia a qualidade de vida de

determinado bairro.

Podemos vislumbrar que sobre seu caráter metajurídico, não há efetividade possível

da Constituição sobretudo quanto à sua parte dogmática, sem uma cidadania participativa. A

ordem jurídica é instrumento de estabilização e não de transformação. Pois as leis usualmente

refletem conquistas sociais longamente amadurecidas no dia-a-dia das reivindicações

populares.

Na lição sempre límpida de Mauro Capelletti (1984, p. 98), “as instituições jurídicas

tendem necessariamente a adequar-se às mutáveis exigências da vida prática, às vezes, na

verdade, com defasagens de excessiva antecipação ou, mais frequentemente, de excessivo

atraso em relação ao evolver daquelas exigências”.

Esta contemporaneidade entre os fenômenos sociais e a sua expressão jurídica,

quando não resulta de intuição própria dos órgãos estatais competentes, deve ser buscada pelo

conjunto da sociedade civil. A força normativa da Constituição e das leis é indiscutivelmente

uma das forças que influenciam a realidade política, mas não é a única, nem pode ser

concebida sem sintonia com outros elementos.

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Hoje podemos perceber que o grau de participação da sociedade é muito pequeno no

que diz respeito ao exercício da função jurisdicional. As normas constitucionais conferem

variadas espécies de direitos, cuja efetivação precisa ser assegurada.

Como garantia do cumprimento das normas em geral, constata Luís Roberto Barroso

(2002, p. 138) que o ordenamento jurídico consagra dois institutos fundamentais: o direito à

tutela jurisdicional e o devido processo legal. Através da função jurisdicional, o Estado

submete à imperatividade do Direito as condutas que dele discrepam, formulando e fazendo

atuar praticamente a regra jurídica concreta que deve disciplinar determinada situação.

Assim, verificamos que hoje já não mais resolve as questões atuais o pensamento

reinante que resultou nos ideais da Revolução Francesa, principalmente a questão do

individualismo e da liberdade consagrada, uma vez conscientes de que a atuação de um

indivíduo vai interferir de maneira irreversível na vida de outros.

O Direito moderno, notadamente no campo constitucional e processual, vem se

desprendendo de uma atmosfera impregnada do liberalismo individualista para um ambiente

marcado pela progressiva acentuação das exigências de ordem social.

Este processo de transmigração projeta a necessidade de tutela jurídica para além das

situações subjetivas que têm titulares certos e determinados, ou mesmo aquelas que recaem

sobre uma coletividade cujos membros mantêm entre si uma relação base. A nova gama de

interesses a serem atendidos é denominada interesses ou direitos difusos.

Devemos proteger esses valores, aos quais Luis Roberto Barroso (2002, p. 141) se

refere como recém-descortinados, mas que na realidade são antigos e na seara do Direito

continuam sem uma ciência estruturada, principalmente no Brasil.

Dessa forma, concordamos que se faz necessária a proteção dos valores relacionados

aos interesses difusos, voltados essencialmente para o aprimoramento da qualidade de vida,

em sua expressão material e espiritual, os quais afetam uma pluralidade indeterminada de

pessoas, que os desfruta em comum, sem que se possam dividir.

A Constituição de 1988 cuidou tanto da ampliação da legitimação ativa para postular

a tutela de direitos coletivos e difusos, quanto criou ações cujo objeto específico ensejava a

promoção de tais direitos. Cabe registrar, de logo, a substancial ampliação do objeto da ação

popular para inclusão expressa de alguns direitos difusos.

A despeito da elevação de seu status jurídico mais recente, os direitos difusos têm

encontrado boa proteção judicial. Além da existência de meios processuais eficazes, o

desenvolvimento de uma consciência ecológica e de um sentimento pró-consumidor tem

favorecido a efetivação da proteção de tais bens jurídicos.

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Sustentados pelo discurso politicamente correto, os direitos dessa natureza não

enfrentam os problemas ideológicos e discriminatórios que afetam os direitos sociais.

Os direitos difusos caracterizam-se, sob o aspecto subjetivo, por serem titularizados

por uma pluralidade indeterminada (e praticamente indeterminável) de pessoas, que não

comporta “decomposição num feixe de interesses individuais” (BARROSO, 2002, p. 220). E

seus sujeitos não se ligam por um vínculo jurídico definido; antes, o liame é fático.

Já sob o ângulo objetivo, existe, por assim dizer, uma comunhão indivisível da qual

participam todos os possíveis interessados, sem que se possa discernir, sequer idealmente,

onde acaba a quota de um e começa a de outro.

Por isso mesmo, instaura-se entre o destino dos interessados tão firme união, que a

satisfação de um só implica de modo necessário à satisfação de todos; e reciprocamente a

lesão de um só constitui ipso facto, lesão da inteira coletividade. Um exemplo típico é o

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Constituição Federal/88, artigo 225).

Ocorrem casos que não são de indisponibilidade nem de “especial valia do interesse

em si considerado”, mas ainda assim existe relevância social na tutela coletiva, em razão da

peculiaridade do conflito de interesses. Na hipótese de dispersão muito grande de

prejudicados e de insignificância da lesão no plano individual, “haverá certamente relevância

social na tutela coletiva”, como argumenta Luis Roberto Barroso (2002, p. 220).

Portanto, dada a titularidade do direito ao meio ambiente equilibrado, verificamos a

importância da participação da sociedade civil na tutela do mesmo. Sendo assim, cumpre

agora destacarmos os interesses envolvidos nessa tutela, bem como os aspectos mais

relevantes atinentes à sentença decorrente do processo coletivo.

4.3 Interesses, tutelas e sentenças

Diante do sistema principiológico e das normas aplicáveis à tutela do direito ao meio

ambiente [diante dos quais podemos afirmar que o ideal é a não ocorrência do dano], somos

levados a pensar na forma ideal de tutelá-lo. Logo, nos questionamos sobre se os causadores

de fatos relevantes que prejudicam a sociedade em geral poderão ressarcir o dano ocasionado?

De que forma? Pois nem sempre a condenação que possa ser monetariamente aferível será

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capaz de satisfazer a pretensão do autor da lide. Em grande número de hipóteses, “a tutela

específica da obrigação é a única” (BARROSO, 2002, p. 236). Assim:

[...] um primeiro argumento funda-se na alegada peculiaridade do processo da ação civil pública, que muito se aproximaria de um típico processo sem partes – objetivo -, no qual o autor não buscaria a defesa de situações subjetivas, mas a defesa da ordem jurídica. Inexistiria, assim, um caso concreto, pois o que se pretenderia, na ordem prática ou pragmática, seria tão-somente a declaração de inconstitucionalidade.

Primeiramente, o órgão jurisdicional deverá fazer com que se dê, na prática, na

medida do possível, o exato resultado pretendido pela norma de direito material. E o direito só

se realiza realmente quando o seu titular pode dele usufruir tal como previsto pelo

ordenamento jurídico.

Surgem assim às novas relações jurídicas, frequentemente de conteúdo não

patrimonial, tornando-se evidente a inefetividade das sentenças da classificação trinaria

(declaratórias, constitutivas (desconstitutivas) e condenatórias). “Os direitos não-

patrimoniais”, como é curial, “não podem ser efetivamente tutelados através da sentença

condenatória” (MARINONI, 2001, p. 37).

A sentença condenatória, por correlacionar-se com a execução por sub-rogação,

somente mostra-se adequada para permitir a reparação do direito violado ou o cumprimento

forçado da obrigação inadimplida. A sentença condenatória não se presta a impedir alguém de

praticar um ilícito, exatamente porque não se correlaciona com a execução indireta, ou seja,

com meios que possam atuar sobre a vontade do devedor para convencê-lo a adimplir.

A sentença declaratória, por outro lado, se não é ligada a qualquer meio de execução,

limitando-se a declarar a respeito de uma relação jurídica, também é “evidentemente

impotente para impedir a prática do ilícito” (MARINONI, 2001, p. 38).

Diante da sentença declaratória, o réu não se vê compelido a não praticar o ilícito.

Sabe o demandado que a única sanção que sofrerá, diante da prática do ilícito, é a

ressarcitória, o que lhe permite transformar livremente o direito do autor em tutela

ressarcitória, que na maioria das vezes será prestada pelo equivalente em pecúnia.

Na lição de Luiz Guilherme Marinoni (2001, p. 39), as sentenças da classificação

trinária não tutelam de forma adequada os direitos que não podem ser violados, seja porque

têm conteúdo não-patrimonial, seja porque, tendo natureza patrimonial, não podem ser

adequadamente tutelados pela via ressarcitória.

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Pior do que isso, a classificação trinária, por sua inefetividade, permite a qualquer

um expropriar direitos não-patrimoniais, como o direito à higidez do meio ambiente,

transformando o direito em pecúnia.

Na verdade, e por incrível que possa parecer, um sistema que trabalha

exclusivamente com as três sentenças clássicas está dizendo que todos têm direito a lesar

direitos desde que se disponham a pagar por eles, conforme preleciona mencionado autor.

A lição do citado doutrinador (2001, p. 40) é contundente, ao afirmar que a:

[...] questão da inefetividade da sentença condenatória para a tutela das novas situações jurídicas também foi sentida no direito italiano, levando a doutrina a falar em crise da sentença condenatória, não há no direito italiano, ao contrário do que acontece no direito brasileiro (artigos 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor), uma norma que permita ao juiz ordenar, sob pena de multa, diante de qualquer direito que dependa de adimplemento de um fazer ou de um não fazer, embora existam previsões específicas, contidas em leis como a de proteção das marcas. Prevendo algo similar às astreintes. A tutela inibitória antecipada da marca está prevista no art. 63 da lei de Marcas.

Afirma-se que o “fundamento da inibitória final, em razão da ausência de previsão

expressa, encontra-se no art. 2.569 do CC, que afirma que o titular da marca é detentor de um

direito exclusivo” (MARINONI 2001, p. 40).

O desejo da doutrina de ver medidas coercitivas introduzidas no Código de Processo

Civil, deriva da exigência explícita de conceder tutela adequada a situações, em sentido

amplo, ressarcitória, e as quais, portanto, pouco se adaptam mecanismos da responsabilidade

patrimonial e da expropriação forçada.

Revelou-se a necessidade de dar efetividade aos valores e direitos fundamentais

elencados na Constituição de 1988, em grande parte de cunho não patrimonial, relacionados à

dignidade da pessoa humana, como, por exemplo, os direitos de personalidade, o direito ao

meio ambiente e o direito do consumidor. Assim, “primeiro se deve buscar o fundamento

substancial da tutela”, para “depois ser analisado o seu fundamento processual” (SPADONI,

2002, p. 37).

Note-se que os novos direitos, especialmente os “direitos que podem ser definidos

como difusos e coletivos frequentemente não podem ser tutelados através das sentenças

declaratórias ou condenatórias”. Tratando-se de direitos difusos e coletivos, “é imprescindível

uma sentença que seja capaz de impedir a prática do ilícito, ou mesmo a sua repetição ou

continuação” (SPADONI, 2002, p. 37).

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No caso de venda de produtos nocivos à saúde do consumidor, por exemplo, em que

vários ilícitos podem ser praticados de forma reiterada, é absolutamente necessária uma

sentença que possa ordenar ao réu, sob pena de multa, não mais praticar atos contrários ao

direito (MARINONI, 2001, p. 40).

Na defesa coletiva de direitos temos uma forma de acesso à justiça e

consequentemente uma válvula para a exigência de igualdade, inclusão e pacificação social.

O processo teve que se “adaptar a esta realidade histórica e por meio da fase

instrumentalista, na qual se abandonou a valorização excessiva da forma, passou a tentar

cumprir a máxima de Giuseppe Chiovenda”, citado por Hamilton Alonso Junior (2006, p.

195), “Il processo deve dare per quanto é possibile praticamente a chi há um diritto tutto

quello e próprio quello ch’egli há diritto di conseguire”. Assim como José Roberto dos Santos

Bedaque (1995, p. 16) o processualista explora o tema da instrumentalidade, dando ênfase ao

real objetivo do processo: “A natureza instrumental do direito processual impõe sejam seus

institutos concebidos com as necessidades do direito substancial”.

A relação processual como categoria jurídica formulada com o objetivo de garantir

proteção estatal ao indivíduo teve que considerá-lo também coletivamente e só mediante esta

consideração está, nestes novos tempos, se legitimando como meio (instrumental) efetiva de

pacificação social.

O dinamismo processual, com a criação de instrumentos de acesso popular à justiça,

e a adequação das expectativas sociais a mecanismos procedimentais mais céleres e

consentâneos com a efetiva proteção do cidadão, é o que se espera do processo atualmente.

Pouco adiantaria múltiplos textos normativos contemplarem o livre acesso ao Judiciário,

como dogma, se os instrumentos postos à disposição da sociedade se mostrassem

insuficientes.

Mauro Capelletti e Bryant Garth (1988, p. 31) registram uma verdadeira simbiose, na

atualidade, entre o acesso à justiça até então institucionalizado e a legitimação para a tutela

dos direitos coletivos, para contemplar, aí sim, um eficiente acesso ao Judiciário. Observam

que:

[...] a primeira onda desse movimento novo foi a assistência judiciária; a segunda, dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas de proteção ambiental e do consumidor; e a terceira, é o que nos propomos a chamar simplesmente “enfoque de acesso à justiça”, porque inclui os posicionamentos anteriores mas vai muito além deles, representando, dessa

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forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo.

Conforme ensina Patrícia Miranda Pizzol (2006, p. 87), o “acesso à justiça não

consiste simplesmente no acesso formal ao judiciário, mas no acesso efetivo à ordem jurídica

justa, compreendendo, portanto, a garantia de assistência jurídica gratuita e integral, a garantia

de uma prestação jurisdicional tempestiva”.

A autora citada, seguindo o raciocínio do Código de Defesa do Consumidor, prevê a

ação coletiva para a proteção a direito difuso, coletivo stricto sensu ou individual homogêneo,

sendo admitida qualquer ação que permita a efetiva e adequada tutela dos referidos direitos

(artigos 81 e 83 do Código de Defesa do Consumidor).

Realmente, a inclusão de muitos que não teriam seus problemas resolvidos pela falta

de acesso ao Judiciário, ignorância quanto aos seus direitos, dentre outros obstáculos,

começou a ocorrer com o advento da ação coletiva. Sem dúvida, o processo coletivo é um

poderoso instrumento para resgatar direitos até então não reivindicados, sobretudo daqueles

marginalizados pelo sistema, para os quais o Poder Público não olha com a atenção devida na

concessão dos direitos básicos de sobrevivência e dignidade humana, assim:

[...] não seria sensato, sobretudo em um Estado Democrático de Direito que almeja a democracia social, reconhecer e positivar direitos fundamentais e não oportunizar a sociedade instrumentos processuais de proteção efetiva destes direitos coletivos. Há indiscutivelmente na tutela coletiva um conteúdo democrático com a participação ativa da sociedade civil (ALONSO JUNIOR, 2006, p. 197).

Esta tutela coletiva passa a intervir e exigir a obtenção de direitos até então lançados

à margem do processo. Aqueles direitos, esparsos pela sociedade, insuscetíveis de atribuição

exclusiva a um dado indivíduo a que se refere Rodolfo de Camargo Mancuso (1994, p. 75),

até então inacessível por falta de organização, os relevados, os ignorados pelas coletividades,

dentre outros, passam a ser concedidos via ação coletiva. Isto possibilita a institucionalização

de um novo canal de comunicação do povo na gestão racional dos interesses sociais;

interesses estes demarcados e almejados em nosso ordenamento constitucional.

Como observado por Vigliar (2001, p. 72)4, “Sálvio de Figueiredo Teixeira vive-se,

com efeito, uma nova fase, a da instrumentalidade, que descortina o processo como

4 Sálvio de Figueiredo Teixeira, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, foi um dos integrantes da comissão que possuía a incumbência de localizar os pontos de estrangulamento da prestação jurisdicional.

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instrumento da jurisdição, imprescindível à realização da ordem jurídica material, à

convivência humana e à efetivação das garantias constitucionalmente asseguradas”.

Outra questão a ser ressaltada diz respeito aos custos processuais. Em um país de

tanta pobreza como o nosso, por exemplo, a defesa do meio ambiente ou do patrimônio

público via ação popular é desmotivada pelo custo [contratação de advogados especializados

etc.].

Além disso, como observa Carlos Alberto de Salles (1998, p. 127), as “ações em

matéria ambiental, em especial, envolvem custos elevados. O meio ambiente está relacionado

a problemas de elevada complexidade, cuja formalização em um processo judicial envolve

elevado grau de sofisticação”.

Agora, dentro de uma nova fase, cresce em importância a busca da efetividade,

também por meio da postulação das denominadas medidas de urgência, compostas da tutela

cautelar [artigos 798 - 889 do Código de Processo Civil] e da antecipação da tutela

jurisdicional [artigo 273 do Código de Processo Civil]. Estas, sem dúvida, podem facilitar a

obtenção de resultados justos, evitando pontos de retardamento na preservação ou concessão

de direitos.

Como ensina Cândido Rangel Dinamarco (2003, p. 37), “não tem acesso à justiça

aquele que sequer consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os que, pelas

mazelas do processo, recebem uma justiça tardia”.

O problema, porém, é que “a fase autonomista do processo”, preocupada

exclusivamente em firmar as bases do direito processual civil, permitiu que o “processo se

distanciasse perigosamente da realidade social e do direito material”, o que acabou por influir

no rendimento do “próprio processo como instrumento destinado a permitir a atuação da

vontade concreta do direito” (MARINONI, 2001, p. 388).

A constatação de que o processo não atendia às necessidades sociais fez surgir uma

nova análise que pode ser designada de acesso à justiça, assim sendo, o processo, a partir daí,

passa a ser compreendido em sua dimensão política, social e econômica. Como método de

pensamento, o movimento pelo acesso à justiça significou uma forte reação contra a

dogmática formalista, que pretendia identificar o direito apenas nas normas, essencialmente

que derivação estatal, de um determinado país.

Propõe-se que o processo seja analisado na perspectiva do consumidor dos serviços

jurisdicionais, passando a ter relevo, assim, e entre outros pontos, os efeitos concretos do

processo na vida das pessoas. Seguindo essa linha, o movimento pelo acesso à justiça abre a

vertente da “efetividade do processo”. Se o processo é analisado também através de uma lente

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sociológica, na perspectiva do consumidor do serviço jurisdicional, é natural que importem

seus resultados concretos e não mais apenas seus resultados formais. Surge, assim, uma forma

de ver o processo intimamente preocupado com sua efetividade, conforme Candido Rangel

Dinamarco (1996, p. 37).

Tendo em vista o movimento pelo acesso à justiça, como projeto de reforma, não se

admite que o trabalho da doutrina seja equiparado ao jurista no plano da elaboração e da

apresentação de reformas capaz de corresponder ao ideal de maior acesso e de justiça mais

efetiva.

O esgotamento da linha de análise tradicional levou o processualista a procurar no

plano constitucional os valores que, iluminando a legislação infraconstitucional, poderiam

permitir uma interpretação capaz de dar ao processo uma verdadeira função instrumental. O

direito de ação, antes visto como o simples direito de ir a juízo, passa de ser compreendido à

adequada tutela jurisdicional.

A doutrina processual, autorizada pelos valores constitucionais a pensar o processo

através da lente do direito à adequada tutela jurisdicional, debruça-se sobre as técnicas

capazes de permitir maior efetividade à prestação jurisdicional. Uma vez que a efetividade do

processo está indissociavelmente ligada a seus resultados no plano do direito material, faz

com que este novamente volte a ser visto como instrumento capaz de conferir a devida tutela

ao direito material.

A efetividade do processo deve tomar em conta um princípio básico na noção de

eficácia: obter o melhor resultado possível com o menor esforço. No campo da efetividade do

processo, destaca-se o movimento pela busca de tutelas jurisdicionais diferenciadas.

Quer-se a “construção de mecanismos de tutela adequados à realidade de cada direito

material sustentado no processo”. O processo se é “uma ferramenta a fazer atuar

concretamente o direito material, deve estar apto a cumprir essa sua missão sempre que isso

se mostre necessário” (ARENHART, 2003, p. 31).

Deve, por isso mesmo, estar em harmonia com a realidade concreta e com o direito

material, pois é desenhado para atender a essas situações, sempre a eventuais mutações nesses

planos e sempre aberto a receber novas informações e novas dimensões de possibilidades

deles.

Conquanto seja a busca de tutelas jurisdicionais diferenciadas uma tendência do

direito atual, não existe unanimidade em relação à questão, havendo sérias vozes contra esse

movimento, na compreensão de que a utilização de técnicas diferenciadas de tutela pode

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conduzir à proliferação incessante de novos procedimentos, tornando ainda mais caótico o

sistema de proteção estatal.

Esta é, por exemplo, a opinião de Luigi Montesano apud Arenhart (2003, p. 33), que

afirma que:

[...] a construção de ritos especiais para a tutela de direitos determinados é prejudicial porque a lacunosidade e a multiplicidade dos procedimentos acabariam por tornar ainda mais difícil a tarefa do jurista na aplicação da norma jurídica e, no outro vértice, mais fácil a perversão e a distorção dos procedimentos estabelecidos.

Para alcançar a efetividade, é necessário fazer com que seja garantido o acesso à

justiça, ou seja, busquemos a quantidade; todos com acesso, depois busquemos a qualidade do

serviço prestado, ou seja, uma efetiva prestação da tutela jurisdicional. Nesta linha de

raciocínio, colacionamos a lição de Patrícia Miranda Pizzol (2006, p. 89) ao lecionar que:

[...] a ação coletiva possibilita um acesso mais amplo e efetivo à ordem jurídica justa por vários motivos: a- uma ação coletiva pode substituir várias ações individuais, o que permite uma melhor atuação do Judiciário, além de proporcionar maior segurança jurídica, à medida que são evitados julgados conflitantes, “a ação coletiva permite a substituição da atomização das ações pela molecularização dos conflitos”; b- pessoas que não teriam acesso ao Judiciário em razão dos diversos obstáculos que a demanda judicial pressupõe (custas, descrença no Judiciário e nos advogados, morosidade, dificuldade na identidade do direito etc.); c- a ação coletiva fortalece o Judiciário, racionalizando o seu trabalho, permitindo que o Judiciário participe das grandes controvérsias nacionais; vale dizer que o processo coletivo tem sempre relevância social e política.

Diante do exposto neste subitem, verificamos que a tutela coletiva do meio ambiente,

do direito do consumidor, e outros direitos coletivos, vêm sendo repensada, incentivada e

promovida, em vários países, inclusive no Brasil, exatamente por se tratar de instrumento de

efetividade processual e pela necessidade de adequação do processo e das instituições

processuais às exigências de tutela dos novos direitos.

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4.4 Tutela jurisdicional adequada: preventiva e inibitória

Propiciar a prevenção de danos, impedindo que os mesmos ocorram, ou antecipar a

concessão do mérito, minimizando os efeitos da lesão já consumada, é essencial para trazer o

resultado prático tão esperado do processo, mormente no campo dos direitos fundamentais.

O meio ambiente tem a necessidade de atuação preventiva, pois, enquanto direito

fundamental, trabalha com agressão consumada, e esta é de difícil ou impossível reparação,

não sendo por outro motivo que a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, adotou, em sua Declaração de

Princípios, o Princípio da Precaução que merece observação de todos, em especial do Poder

Judiciário, Princípio 15: “para proteger o meio ambiente, medidas de precaução devem ser

largamente aplicadas pelos Estados, segundo suas capacidades” (ALONSO JUNIOR, 2006, p.

206).

Em caso de risco de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza cientifica

absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas visando a prevenir

a degradação do meio ambiente.

Importante registrar que a edição da Emenda Constitucional nº. 45/2004, que tratou

da chamada Reforma do Judiciário, teve como objetivo a eficiência e celeridade das decisões

judiciais.

Dentro desse espírito, a ação coletiva insere-se e deve ser prestigiada, porquanto sua

utilização ensejará rapidez e eficiência de resposta aos conflitos, evitando a proliferação de

inúmeras demandas individuais, ou, o que é pior, ausência de ações em razão do povo não ter

acesso ao Judiciário por ignorância, impossibilidade ou desestímulo.

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no artigo 5º,

XXXV, da Constituição Federal/88, merece plena aplicação, sobretudo na busca e realização

dos direitos fundamentais, e não mera positivação retórica e formal. Conforme dispõe o

artigo, nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser subtraída da apreciação do Judiciário.

Mencionado dispositivo constitucional refere-se ao exercício do direito de ação, isto

é, o direito que tem toda e qualquer pessoa de acionar o Poder Judiciário para pedir o

afastamento de uma ameaça [evitar a lesão a determinado bem da vida, tutelado pela ordem

jurídica], a aplicação do direito ao caso concreto [processo do conhecimento], ou a realização

dele na prática [processo de execução].

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Do ponto de vista processual, cabe consignar que a locução tutela coletiva refere-se à

defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Certa confusão é causada

quando se utiliza a expressão direitos coletivos como gênero das espécies difuso, coletivo e

individual homogêneo.

Os termos supraindividuais, transindividuais ou meta-individuais seriam os corretos

para designar as três espécies: difusos, coletivos e individuais homogêneos. Todavia, o

sentido da frase e o contexto em que a expressão foi inserida permite a compreensão.

Pontuamos aqui esta distinção tendo em vista a importância que a terminologia tem

para desenvolvimento da ciência jurídica, bem como para a compreensão do alcance das

propostas doutrinárias e jurisprudenciais em vários textos e julgados, conforme esclarece a

doutrina majoritária.

Outra questão importante situa-se com relação aos termos, interesses e direitos.

Foram eles utilizados como sinônimos no Código de Defesa do Consumidor, o que, como

ressaltou Kazuo Watanabe (2001, p. 623), trouxe aos primeiros “status de ‘direitos’,

desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação

ontológica entre eles”.

Em face do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário é possível identificar os

elementos que compõem o conceito de processo coletivo. Ademais, cabe esclarecer também

que:

[...] além do interesse público primário são características principais do processo coletivo: a) A legitimação para agir; b) A afirmação de um direito coletivo lato sensu, no polo ativo, ou a afirmação de um direito em face de um titular de um direito coletivo lato sensu (ação coletiva passiva) c) A extensão subjetiva da coisa julgada (DIDIER, 2007, p. 43).

O artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, que, como todo o restante do

sistema processual deste Código, tem aplicação para todas as ações coletivas [artigo 117 da

Lei nº. 8.078/1990], define nos incisos I, II e III os interesses difusos, coletivos [propriamente

ditos] e individuais homogêneos [eventualmente coletivos]. Segundo Kazuo Watanabe (2001,

p. 521), o legislador preferiu definir as categorias de interesses para evitar discussões

doutrinárias que poderiam retardar ou impedir a efetiva tutela.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 81, parágrafo único, I, conceitua-

os como interesses transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas

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indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Transindividuais, segundo Rodolfo

Camargo Mancuso (1994, p. 65), são os que “depassam a esfera de atuação dos indivíduos

isoladamente considerados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva”.

Mencionado doutrinador (1994, p. 65) define que:

[...] interesses difusos são interesses metaindividuais que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessário à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo, podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico. Caracterizam-se pela indeterminação dos sujeitos; pela indivisibilidade do objeto; por sua intensa litigiosidade interna e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço.

De forma inovadora, pode-se dizer que até pessoas ainda não nascidas são titulares

desse interesse. Exemplos: a tutela do meio ambiente, cuja titularidade pertence também às

futuras gerações [Constituição Federal/88, artigo 225, caput].

As próprias características trazidas pela lei [art. 81, I, do Código de Defesa do

Consumidor] identificam o interesse quando difuso, conquanto a doutrina traga outras,

conforme se vê da lição acima. Primeiro, a natureza indivisível do direito gera a

impossibilidade de partição em cotas atribuíveis a este ou aquele interessado, existindo, como

afirma José Carlos Barbosa Moreira (1984, p. 35), uma espécie de comunhão, “cuja satisfação

necessariamente aproveita em conjunto a todos, e cuja postergação a todos em conjunto

prejudica”.

Por outro lado, o vínculo entre as pessoas se dá exclusivamente por circunstâncias de

fato, sem que exista qualquer relação jurídica base entre os interessados. Não estão eles

atrelados a um contrato ou situação jurídica que os una.

É difuso, por exemplo, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado ou

o direito do consumidor lesado, em face de uma propaganda enganosa. Toda a coletividade é

atingida pelo dano, embora não pertença individualmente a ninguém a água contaminada ou o

direito a correta propaganda. Assim, os titulares desse direito indivisível são indeterminados,

ligados simplesmente por uma circunstância fática.

Não há grupos aglutinados, bem articulados. Sem vínculo jurídico, os sujeitos são

indeterminados e ocasionalmente quando eclode o interesse, vinculam-se por um fato comum

que a todos interessa. Como vimos nos capítulos anteriores, a deficiente urbanização

planejada pelo Poder Público Municipal vincula os habitantes daquela cidade, a discriminação

racial os discriminados, e assim por diante.

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Hugo Nigro Mazzili (1994, p. 21) define interesses difusos como “interesses de

grupos menos determinados de pessoas entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático muito

preciso. São como um feixe de interesses individuais, com pontos em comum”.

Mesmo que não se mostre idêntico em intensidade, todos terão em comum, em maior

ou menor grau, interesse em ver a questão, que interfere em suas vidas, solucionada.

Rodolfo Camargo Mancuso (1994, p. 78) afirma que se caracterizam ainda tais

direitos difusos pela “intensa litigiosidade interna” e pela “transição ou mutação no tempo e

no espaço”. Tais características não estão na definição legal, mas são perceptíveis, portanto,

merecem registro, até como constatação da evolução histórica, pois nos parecem próprias das

mudanças de interesses, dos valores culturais e sociais.

Por exemplo: uma vez construída uma usina hidrelétrica, altera-se o interesse difuso

da preservação ambiental para eventual reparação do dano correspondente, e não há mais que

se falar na defesa de interesses difusos ecológicos, visando à preservação ambiental da região,

uma vez que a alteração da situação fática já está consumada. Houve a prevalência dos

interesses energéticos sobre os ambientais.

Dentro de uma sociedade na qual o pluralismo é item medidor de democracia,

existirão sempre posições antagônicas e conflituosidade intrínseca, principalmente diante do

que representam os interesses difusos qualitativa e quantitativamente.

O direito ao meio ambiente sadio bate de frente, por vezes, com o direito à habitação;

basta ver a utilização urbana das zonas protegidas de nossos mananciais hídricos. O interesse

urbanístico geral que exige uma obra viária colide com o interesse de moradores de bairros

que sofrerão impactos ambientais com o maior fluxo de veículos nas vias públicas destes

bairros.

É necessário que haja uma tomada de consciência de que o processo deve servir

plenamente àqueles que, dentro do círculo social, podem envolver-se em conflitos – sejam

empresários ou trabalhadores, ricos ou pobres, todos da comunidade -, o que faz com que o

direito processual assuma uma postura mais humana, ou mais preocupada com os problemas

sociais, econômicos e psicológicos que gravitam ao redor de suas conceituações e construções

técnicas. Faz-se indispensável que o sistema esteja preparado para produzir instrumentos

capazes de propiciar a tutela mais ampla possível aos direitos reconhecidos.

A rapidez com que ocorre a transformação da sociedade e o surgimento de novas

relações jurídicas exige que a técnica passe a ser manipulada de modo a permitir a adaptação

do processo às novas realidades e à tutela das várias situações de direito substancial.

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Mesmo com as mudanças que vêm ocorrendo com maior rapidez nos últimos

tempos, os avanços em termos de tutela coletiva tratam-se da tutela preventiva, a única capaz

de impedir que os direitos não patrimoniais sejam transformados em pecúnia, através de uma

inconcebível expropriação de direitos fundamentais à vida humana.

A importância da tutela preventiva pode ser percebida, em todas as sociedades

modernas, a partir da necessidade de se conferir tutela jurisdicional adequada às novas

situações jurídicas, frequentemente de conteúdo não patrimonial ou prevalentemente não

patrimonial, em que se concretizam os direitos fundamentais do cidadão. É preciso remodelar

alguns conceitos fundamentais da teoria do processo.

O surgimento de novos conceitos é uma necessidade que advém da alteração dos

valores e, portanto, da sensibilidade do doutrinador, assim, a remodelação dos conceitos, em

outras palavras, também é fruto da mudança dos valores que inspiram as criações teóricas.

O artigo 461 do Código de Processo Civil “confere importante oportunidade para

extrair do tecido normativo uma nova tutela jurisdicional, ou seja, uma tutela que seja

efetivamente capaz de prevenir o ilícito” (MARINONI, 2001, p. 15).

Esta nova tutela vai fazer surgir, no plano de direito processual, uma tutela

alternativa àquelas que sempre estiveram presentes na defesa de direitos individuais. A busca

de uma tutela inibitória atípica, que atue nas formas individual e coletiva, exige laboriosa

análise do perfil dogmático da tutela de prevenção do ilícito e de uma série de questões que

gravitam em sua órbita, como as da fungibilidade da tutela inibitória e de seu modo de

execução.

A tutela inibitória, contudo, não só reafirma a “superação do mito da ordinariedade,

resultado da confusão entre a instrumentalidade do processo e sua pretendida neutralidade em

relação ao direito material”. Também deixa evidente a “insuficiência da classificação trinária,

já que as sentenças declaratória e condenatória são incapazes de permitir a prevenção do

ilícito” (MARINONI, 2001, p. 15).

A classificação trinária e suas sentenças expressam os valores liberais, nas lições de

citado autor (2001), e revela que o sistema clássico de tutela dos direitos não foi pensado para

permitir a tutela preventiva, ou ainda que a doutrina clássica não se preocupasse com a tutela

preventiva dos direitos, o que certamente tinha relação com a ideia de que a única tutela

contra o ilícito constituía-se na reparação do dano.

Se a tutela declaratória não é hábil para permitir a prevenção, e se a tutela

condenatória tem um nítido escopo repressivo, não há possibilidade de se encontrar, dentro da

classificação trinária das sentenças, uma via adequada para a tutela dos direitos não

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patrimoniais, o que revela uma total incapacidade do processo civil clássico para lidar com as

relações mais importantes da sociedade contemporânea. Tutela jurisdicional é um

procedimento estruturado para tutelar adequadamente o direito material.

A tutela de prevenção do ilícito requer um procedimento estruturado com tutela

antecipada, pois o direito a que se visa proteger através da tutela preventiva tem, em regra,

grande probabilidade de ser lesado no curso do processo.

A necessidade de tutela preventiva exige a estruturação de um procedimento

autônomo, dotado de tutela antecipatória e que desemboque em uma sentença que possa

impor um fazer ou um não fazer sob pena de multa, preconiza Luiz Guilherme Marinoni

(2001, p. 22).

Ao nos depararmos com uma tutela jurisdicional preventiva atípica, os cidadãos

devem ter a sua disposição instrumentos processuais adequados para a tutela dos seus direitos.

Logo, faz-se necessário que seja construída uma tutela jurisdicional idônea à prevenção do

ilícito. Tal tutela, pode ser denominada de inibitória.

A tutela inibitória no direito brasileiro deve ter por meta construir os seus próprios

elementos. A mesma configura-se como tutela preventiva e visa a prevenir o ilícito,

culminando por apresentar-se, assim, como uma tutela anterior à sua prática, e não como uma

tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela ressarcitória.

Assim, ela tem por fim impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e

não uma tutela dirigida à reparação do dano. Portanto, o problema da tutela inibitória é a

prevenção da prática, da continuação ou da repetição do ilícito.

A tutela inibitória é específica, como explica Luiz Guilherme Marinoni (2001, p. 28),

pois objetiva conservar a integridade do direito em si, assumindo importância não apenas

porque alguns direitos não podem ser reparados e outros não podem ser adequadamente

tutelados através da técnica ressarcitória, mas também porque é o melhor prevenir do que

ressarcir, o que equivale a dizer que no confronto entre a tutela preventiva e a tutela

ressarcitória deve-se dar preferência à primeira. A tutela inibitória é caracterizada por ser

voltada para o futuro, independentemente de estar sendo dirigida a impedir a prática, a

continuação ou a repetição do ilícito.

Devemos observar que a inibitória não perde sua natureza preventiva, pois não tem

por fim reintegrar ou reparar o direito violado, mesmo nos casos de apenas fazer cessar o

ilícito ou impedir sua repetição.

O sistema de tutela dos direitos deve deixar de ser pensado em torno da ação una e

abstrata e passar a ser compreendido em termos de tutela. A expressão tutela nada tem a ver

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com o fato de o resultado perseguido pelo autor ser obtido através de uma tutela que não é de

cognição exauriente, mas de cognição sumária.

A tutela inibitória é requerida via ação inibitória, que constitui ação de cognição

exauriente. Nada impede, contudo, que a tutela inibitória seja concedida antecipadamente, no

curso da ação inibitória, como tutela antecipatória na lição de citado doutrinador.

A tutela inibitória funciona basicamente através de uma decisão ou sentença que

impõe um não fazer ou um fazer, conforme a conduta ilícita temida seja de natureza

comissiva ou omissiva. A tutela inibitória é uma tutela atípica, mandamental.

O fundamento maior da inibitória ou a base de uma tutela preventiva geral encontra-

se na própria Constituição Federal. Hoje existe a necessidade de uma tutela antecedente ao

dano, de conteúdo nitidamente preventivo, o que levou os estudiosos a tentarem explicar o

fundamento e a finalidade desse tipo de tutela.

Afirmou-se que muito embora não verificado o evento ou mesmo praticada a ação,

entendeu-se que a prática da ação, dos atos preparatórios ou simples anúncio da ação como

conteúdo de um propósito não poderiam deixar de ter significado.

Por outro lado, porém, tentou-se distanciar conceitualmente os ilícitos, antes e depois

do dano. Para se evidenciar que o dano não é elemento constitutivo do ilícito. O dano é a

prova da violação.

O que se depreende é que a tutela inibitória não deve ser compreendida como uma

tutela contra a probabilidade do dano, mas sim como uma tutela contra o perigo da prática, da

continuação ou da repetição do ilícito. O dano não é uma consequência necessária do ato

ilícito. O dano é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir, mas não

para a constituição do ilícito.

Luiz Guilherme Marinoni (2001, p. 37), acentua que o dano não pode estar entre os

pressupostos da inibitória. A tutela inibitória tem por fim prevenir o ilícito. A tutela

preventiva objetiva impedir a prática. Na “linha da melhor doutrina italiana, é que para a

obtenção da tutela inibitória não é necessária a demonstração de um dano futuro”.

A idéia de que a tutela inibitória encontra obstáculo na liberdade do homem guarda

raízes em princípios próprios do direito liberal, os quais não podem servir para inspirar uma

doutrina sob diversos valores e em uma época diferente. A tutela preventiva, como já foi dito,

é fundamental para a efetividade de direitos muito importantes dentro do contexto do Estado

atual.

Assim, temos que o problema está na dificuldade de se provar que um ilícito poderá

ser praticado. A ação inibitória permite – em razão das virtudes do novo artigo 461 – a

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obtenção de tutela inibitória antecipada em seu seio, não necessita, por motivos bastante

óbvios, de uma ação principal.

Existe um direito à tutela jurisdicional adequada, porque o Estado, ao proibir a

autotutela privada, assumiu o compromisso de tutelar de forma efetiva as diversas situações

de direito material. Basta apenas uma ação processual para que o direito à prevenção seja

atendido.

Não temos a menor dúvida em afirmar que o princípio geral de prevenção é imanente

a qualquer ordenamento jurídico que se empenhe em garantir – e não apenas em proclamar -

os direitos. Portanto, “não admitir a tutela preventiva, quando em jogo direitos não

patrimoniais, é admitir a expropriação desses direitos”, transformando-se o “direito ao bem

em direito ao ressarcimento ou, em outras palavras, em simples pecúnia” (MARINONI, 2001,

p. 62).

Tal possibilidade, como é óbvio, está muito distante das Constituições que

consagram os denominados “novos direitos” e estão preocupadas em garantir ao homem,

“direitos imprescindíveis à própria dignidade e a sua inserção em uma sociedade mais justa”

(MARINONI, 2001, p. 63).

A Constituição de 1988, que funda um Estado Social, como registrado anteriormente,

é marcada por direitos sociais, como o direito à saúde, o direito à educação etc. direitos que,

podendo ser tutelados de forma difusa e ou coletiva, podem exibir a tutela inibitória. Supõe-

se, como é evidente, que tais direitos devam ser efetivamente tutelados, até mesmo porque a

falta de efetividade da tutela jurisdicional implica a existência de um ordenamento jurídico

incompleto. Sem um direito processual capaz de garantir uma tutela jurisdicional efetiva e

adequada não há um ordenamento que possa ser qualificado como jurídico.

O direito de acesso à justiça atualmente é reconhecido como o direito que deve

garantir a tutela efetiva de todos os demais direitos. Quando se pensa em “tutela jurisdicional

efetiva, descobre-se quase por necessidade, a importância da relativização do binômio direito-

processo” (BEDAQUE, 1995, p. 15).

O processo deve estar atento ao plano do direito material se deseja realmente

fornecer tutela adequada às diversas situações concretas. Assim, se alguns direitos não podem

ser tutelados na forma repressiva, parece natural a afirmação de que a eles deve ser

assegurada a tutela preventiva.

O princípio da efetividade, porém, “não só obriga o legislador ordinário a predispor

procedimentos adequados à tutela dos direitos”, mas também vincula o doutrinador e os

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operadores jurídicos, “obrigando-os das normas infraconstitucionais à luz do princípio

constitucional da efetividade” (MARINONI, 2001, p. 68).

A efetividade da tutela preventiva, como fica claro, está na dependência da

possibilidade de se impedir o ilícito. Daí cabe ao processualista buscar nas normas

processuais, sempre a partir de uma leitura constitucional, os instrumentos adequados à

efetiva garantia dos direitos.

Em face de não ter sido estabelecida uma verdadeira ação preventiva contra o

particular em 1973, com o Código de Processo Civil, vale a lição de José Carlos Barbosa

Moreira (1980, p. 29):

[...] em toda obra legislativa está implícita uma visão do mundo, uma escala de valores. A preferência dada em geral pelos códigos à tutela sancionatória, em detrimento da preventiva, constitui dado valioso para quem se disponha a pesquisar os pressupostos ideológicos do nosso processo.

Reconhece-se, no plano da teoria geral do direito, que as leis não devem ser

interpretadas ao pé da letra. A norma deve ser interpretada em função da unidade sistemática

da ordem pública.

Karl Engisch (1977, p. 111-112) lembra que o:

[...] tratado de direito civil de Enneccerus acentua que o direito é apenas uma parte da cultura global e, por conseguinte, o preceito da lei deve, na dúvida, ser interpretado de modo a ‘ajustar-se o mais possível às exigências da nossa vida em sociedade e ao desenvolvimento de toda nossa cultura’, modo de pensar que pode ser incluído no conceito de interpretação teleológica.

No tocante à efetividade da prestação jurisdicional, a disciplina do artigo 84 do

Código de Defesa do Consumidor deve ser lida em consonância com os artigos 11 da Ação

Civil Pública e 83 do Código de Defesa do Consumidor. Este artigo, ao afirmar que “para a

defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são inadmissíveis todas as espécies

de ações são capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”, teria cuidado de “tornar mais

explícito ainda o princípio da efetiva e adequada tutela jurídica processual de todos os direitos

consagrados no Código de Defesa do Consumidor” (WATANABE, 2007, p. 521).

Como há um sistema de tutela coletiva dos direitos, integrado fundamentalmente

pela Lei de Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor – em razão do artigo

90 deste – não há dúvida de que o artigo 84 do citado Código sustenta a possibilidade da

tutela inibitória pura para qualquer direito difuso ou coletivo.

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A tutela inibitória coletiva pura tem sido utilizada com certa frequência, sendo

significativo o seu uso nas ações que, visando à proteção do meio ambiente, impendem que

uma fábrica que ameaça agredir ao meio ambiente inicie suas atividades.

Para a demonstração da importância da tutela inibitória coletiva, torna-se adequada a

análise da tutela do meio ambiente uma vez que este é um dos lugares em que a inefetividade

da tutela ressarcitória evidencia-se de modo mais claro.

Se é verdade que cresce em importância, nos últimos tempos, “a reparação específica

do dano ecológico, e que é necessária a responsabilização”, ainda que pelo equivalente,

daquele que agride o meio ambiente, o certo é que “não se pode admitir, no campo do direito

ambiental, a troca da tutela específica e preventiva do bem tutelado pela tutela ressarcitória”,

sob pena de admitir-se implicitamente uma lógica perversa, que justificaria o cínico “poluo,

mas pago” (MARINONI, 2001, p. 79).

Como é evidente, a admissão da tutela ressarcitória no campo do direito ambiental

não significa a aceitação da poluição, mas objetiva evitar que o dano ecológico fique sem a

devida reparação. Para que não ocorra a degradação do meio ambiente é imprescindível a

atuação preventiva e, assim, também a tutela inibitória coletiva.

Outro ponto consideração importante é a de que há, no direito brasileiro,

responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco integral em caso de dano ao meio

ambiente. Para efeito de responsabilidade no plano ambiental, o que interessa é o dano, pouco

importando se o poluidor imagina que foi legitimado a produzi-lo pela autoridade

administrativa.

Entretanto, se no plano do direito ambiental deseja-se a prevenção, e não a reparação,

não é de grande valia teorizar-se a respeito da responsabilidade do poluidor, sendo muito mais

relevante pensar-se na tutela inibitória do ato lesivo ao meio ambiente.

A grande vantagem é que a tutela inibitória pode tutelar direitos absolutos e relativos.

Na tentativa de ampliar o conceito de condenação, cria-se uma condenação-não-título-

executivo. A superação de classificação clássica e a evolução da ciência processual resultam

na retomada de um novo conceito de tutela dos direitos.

Historicamente, a jurisdição ao final do século XIX era concebida como função

destinada a garantir a tutela dos direitos. A ação, por sua vez, era compreendida como

entidade totalmente vinculada ao direito substancial; negava-se qualquer autonomia ao direito

de ação, que era visto como faculdade jurídica intrínseca ao direito material.

Com o surgimento da teoria publicista da jurisdição inaugura-se com Chiovenda a

nova escola processual italiana, marcada por deixar para trás o método exegético. A escola

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sistemática, como se sabe, preocupou-se em isolar o direito processual do direito material e

em construir uma ciência processual com conceitos e princípios próprios.

A partir da formação da escola sistemática, até bem pouco tempo atrás, a doutrina do

processo esteve mergulhada, por assim dizer, no interior do processo, desconsiderando suas

conotações éticas, suas finalidades sociais e políticas e sua relação efetiva com o direito

material e com a vida das pessoas.

Não se quer negar, como é o óbvio, “a importância do trabalho dos processualistas

que viveram a chamada fase autonomista do processo; foi esse período que deu dignidade e

autonomia ao direito processual civil” (MARINONI, 2001, p. 387).

Por isso, é importante ressaltarmos, na defesa da tutela inibitória para o direito

ambiental, a seguinte nota de José Carlos Barbosa Moreira (1984, p. 03) quanto à

instrumentalidade do processo para a efetivação dos direitos:

Toma-se consciência cada vez mais clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe toca. Pois a melancólica verdade é que o extraordinário progresso científico de tantas décadas não pode impedir que se fosse dramaticamente avolumado, a ponto de atingir níveis alarmantes, a insatisfação, por assim dizer, universal, com o rendimento do mecanismo da justiça civil.

O processo passa a ser concebido como instrumento que deve dar respostas

adequadas às diferentes situações de direito substancial carentes de tutela. A doutrina começa

a tratar das tutelas jurisdicionais diferenciadas, demonstrando que o procedimento ordinário

não é capaz de atender de maneira adequada aos vários casos conflitivos concretos.

O processualista citado (2001), agora raciocinando a partir das necessidades do

direito substancial, alerta para a inefetividade de determinadas formas de tutela que não

seriam capazes de realizar concretamente os direitos e, até mesmo, a partir do argumento de

que há um direito constitucional à adequada tutela jurisdicional, aponta para a falta de

legitimidade dessas tutelas.

A doutrina fala atualmente em tutela jurisdicional dos direitos estando plenamente

consciente de que a mesma apenas será adequada se puder realizar efetivamente o direito

material. Na verdade, o tema da tutela jurisdicional é decorrência natural da doutrina da

efetividade do processo e de sua preocupação com a efetiva tutela dos direitos.

A ação não se confunde com o direito material, mas a serviço dele está e de forma

efetiva para não ser transformado em algo distante da realidade da vida das pessoas.

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Como argumenta Ovídio Baptista da Silva (1996, p. 179), o estudo das sentenças de

procedência permite o reencontro dos vínculos entre direito material e processo, contribuindo

para a desejada efetividade da tutela jurisdicional e para o surgimento de uma classificação

das tutelas que nada tem a ver com aquela que foi concebida pelos processualistas clássicos.

Se o processo passou a ser pensado na perspectiva do direito material, sendo a

temática da tutela jurisdicional apenas prova disto, é realmente ilógico manter uma forma de

classificação das tutelas que não expressa de forma adequada a ligação entre a tutela

jurisdicional e o plano do direito material.

Quanto a este olhar instrumental do processo com primazia da efetividade do direito

material, Bedaque (1994, p. 39) afirma que:

[...] parece importante a visão da tutela jurisdicional, ângulo de análise do processo a partir do direito material, pois possibilita adequar melhor ao seu objeto. Conforme mais eficácia à visão instrumentista do processo, uma vez que procura adequar a ciência processual à realidade matéria que constitui seu objeto, permitindo verificar as vantagens e desvantagens de determinadas soluções propostas, com o fim de melhorar a efetividade do processo.

Em vista principalmente do “conteúdo não patrimonial da tutela preventiva

autônoma”, faz-se necessário que não se confunda esta com os três modelos clássicos, mas

que seja uma tutela atípica idônea à prevenção do ilícito. Tutela que “não tem entre seus

pressupostos o dano requer a probabilidade da prática, da repetição continuação do ilícito, do

qual o dano é consequência meramente eventual”; uma tutela que se volta para o futuro

(MARINONI, 2000, p. 397).

Na linha de raciocínio de Luiz Guilherme Marinoni (2001, p. 401), a ação

cominatória ou a ação cautelar inominada não tutela de maneira adequada os direitos que

estão a exigir tutela preventiva. A tutela inibitória é garantida constitucionalmente (artigo 5º

XXXV, Constituição Federal) e tem fundamento infraconstitucional nos artigos 461 do

Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, suficientes para permitir

a prestação da mesma nas formas individual e coletiva.

Assim, fica consagrada uma tutela inibitória atípica que é capaz de atender direitos

que necessitam de tutela na forma coletiva e o direito à higidez do meio ambiente.

A tutela inibitória, por não poder desligar-se da tutela antecipatória e do uso da multa

como medida de coerção, apresenta-se como tutela alternativa às tutelas tradicionais, em face

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das novas necessidades de tutela, ou seja, em vista da não-patrimonialidade da grande maioria

dos denominados novos direitos e das novas características da economia contemporânea.

Trata-se duma resposta aos anseios da proteção ambiental que reivindicava uma

forma de tutela que não apenas condenasse, mas que pudesse incidir sobre a vontade do réu,

de modo a garantir a efetiva tutela dos direitos.

Logo, nos é apresentado o problema da necessidade de extensão da classificação das

sentenças. A tutela que se liga às medidas coercitivas e inibitórias do comportamento

degradante do meio ambiente, que aparece como resposta às novas exigências de tutela, passa

a demandar nova classificação das tutelas, ou no mínimo, uma reconceituação de condenação.

Desta forma, teríamos a sentença mandamental é compreendida como aquela que

ordena e, ao mesmo tempo, usa a força da coerção. A preocupação está em encontrar um lugar

adequado à tutela inibitória na teoria clássica da natureza das sentenças.

Reconstruir uma classificação que divide as tutelas em declaratórias, constitutiva,

condenatória, mandamental e executiva. É essa nova classificação que permite ser eliminado

o equivoco consistente na confusão da tutela preventiva com a condenação para o futuro.

Luiz Guilherme Marinoni (2001, p. 431) formula um esboço de uma classificação

das tutelas que pudesse expressar os resultados do processo no plano do direito material a

partir da ideia de que as tutelas devem realizar as várias ações de direito material. O raciocínio

em torno da tutela inibitória se deve exatamente porque deriva da exigência de se dar tutela

efetiva ao direito material.

O estudo da tutela inibitória constitui momento oportuno para se refundar a temática

da “tutela jurisdicional dos direitos”, ou precisamente para se propor uma classificação das

tutelas que corresponda às diferenças entre as várias necessidades do direito material.

A compreensão da tutela jurisdicional a partir de sua efetiva interligação com o

direito material permite que as “tutelas de cognição sumária sejam classificadas com base em

critérios que rompem com a visão formalista, fundada em uma concepção

‘panprocessualista’”, que levou a doutrina a definir a tutela cautelar tomando em consideração

a sua “provisoriedade”.

Como as tutelas sumárias também devem ser classificadas de acordo com o papel

que efetivamente desempenham no plano do direito material, não tivemos dúvida ao sustentar

– divergindo do restante da doutrina – a existência de uma tutela inibitória antecipada, que

não se confunde com a tutela cautelar.

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Portanto, é possível a existência, no direito brasileiro, da atipicidade de uma tutela

fundamental para a efetividade dos direitos. Uma forma de ver o direito processual

preocupada com a construção de um processo aderente ao direito material e à realidade social.

Fixada, neste e nos capítulos anteriores, a importância do desenvolvimento de tutelas

específicas para a efetiva proteção do meio ambiente, bem como para o adequado exercício do

direito ao meio ambiente sadio, enquanto direito fundamental, pela sociedade civil

[titularidade esta resplandecente da própria dignidade da pessoa humana de seus

componentes], passemos, então, ao último capítulo deste estudo no qual faremos a análise dos

instrumentos disponíveis no ordenamento jurídico pátrio à tutela desse direito, quais sejam, as

ações coletivas e mais especificamente a ação popular ambiental.

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CAPÍTULO V. AÇÃO COLETIVA: A AÇÃO POPULAR AMBIENTAL

Trataremos neste último capítulo de nosso estudo da tutela ambiental pela via da

ação popular ambiental abordando os aspectos processuais pertinentes.

5.1 Contextualização

Ao tratarmos da proteção ao meio ambiente, necessariamente estamos falando da

proteção à vida [enquanto direito fundamental primário, viabilizador de todos os demais],

inclusive, da vida do ser humano. Por isso, inicialmente, fixemos o conceito doutrinário da

mesma.

O art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988, afirma e garante a inviolabilidade

do direito à vida. Para o Direito, “vida é o bem juridicamente tutelado como direito

fundamental básico, desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da

formação da pessoa” (DINIZ, 2002, p. 21).

Ao conceituá-la, tendo em vista o sistema da Constituição Federal, José Afonso da

Silva (2003, p. 196) expõe uma compreensão mais ampla no sentido de que a:

Vida no texto constitucional (art. 5º, caput) não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. (...) É um processo que se instaura com a concepção (...), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.

E prossegue citado doutrinador (2003, p. 196) quanto à correlação entre o conceito

de vida e indivíduo esclarecendo que:

Todo ser dotado de vida é indivíduo, isto é: algo que não se pode dividir, sob pena de deixar de ser. O homem é um indivíduo, mas é mais que isto, é uma pessoa. Além dos caracteres de indivíduo biológico tem os de unidade, identidade e continuidade substanciais. (...) A vida humana, que é o objeto do direito assegurado no art. 5º, caput, integra-se de elementos materiais

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(físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais). (...) Por isso é que ela constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos.

Nesse sentido, não seria possível que a Constituição assegurasse outros direitos

fundamentais, como a igualdade, a liberdade, a propriedade, etc., se não protegesse a vida

humana num desses direitos. O direito à existência consiste no direito de estar vivo, de

defender a própria vida e permanecer vivo. Portanto, a dignidade da pessoa humana é o cerne

a ser tutelado pelos direitos humanos.

O princípio da dignidade da pessoa humana é ressaltado pelo constituinte no texto

constitucional no art. 1º, inciso III, restando inarredável a decisão de contemplar o respeito ao

homem pelo só fato de ser humano, beneficiado pelo direito de levar uma vida digna de ser

humano, não podendo, consequentemente, ser usado como instrumento para algo, sendo por

isso mesmo pessoa dotada de dignidade.

Para Maria Garcia (2004, p. 211) “o homem – na sua condição humana - é um ser

universal. Os direitos humanos decorrem da condição humana; são, portanto, de caráter

universal, aplicando-se ao ser humano, onde se encontre, bem como a tudo que detiver a

qualidade humana”.

Sabe-se que o conceito dignidade da pessoa humana é de difícil delimitação. Foi

Tomaz de Aquino quem expressamente utilizou a expressão dignitas humana, seguido depois

por diversos outros. O art. 1º da Declaração Universal da ONU (1948) expressa que “Todos

os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”.

Adota-se aqui o conceito de dignidade da pessoa humana formulado por Maria

Garcia (2004, p. 274), que afirma que “a dignidade da pessoa humana corresponde à

compreensão do ser humano na sua integridade física e psíquica, como autodeterminação

consciente, garantida moral e juridicamente”.

A dignidade da pessoa humana é a reafirmação expressa do valor da pessoa humana

como fundamento de uma ordem jurídica. A dignidade humana sintetiza em si todos os

direitos humanos fundamentais. A constitucionalização dos direitos fundamentais não

significou mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir

dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela. Logo:

[...] é defeso, em nome de promessas de melhoria de qualidade de vida, que se pratiquem atentados contra a existência, as liberdades individuais e a inviolabilidade da pessoa humana, procurando justificar as posições assumidas nos parâmetros apresentados pelo Biodireito, pela Bioética e pela própria Constituição Federal, que cuidou de estender a dignidade da pessoa

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humana a todos os direitos fundamentais que contenham as características inerentes à historicidade, universalidade, limitabilidade, concorrência e irrenunciabilidade [...] (SANTOS, 2001, p. 268).

O Art. 5º, § 3º, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através da Emenda

Constitucional nº. 45 de 08 de dezembro de 2004, informa que: “Os tratados e convenções

internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso

Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão

equivalentes às emendas constitucionais”.

O processo de globalização propicia e estimula a abertura da Constituição à

normatividade internacional, abertura que resulta na ampliação do bloco de

constitucionalidade, que passa a incorporar os preceitos asseguradores de direitos

fundamentais.

Flávia Piovesan (2005, p. 70) pronuncia-se a respeito informando que:

[...] a partir da Constituição de 1988 intensificam-se a interação e a conjugação do direito internacional e do direito interno, que fortalecem a sistemática de proteção dos direitos fundamentais, com uma principiologia e lógica próprias, fundadas no princípio da primazia dos direitos humanos. Testemunha-se o processo de internacionalização do direito constitucional somado ao processo de constitucionalização do direito internacional.

Quanto a esta questão, Maria Garcia (2004, p. 315-319) ensina que:

[...] essa é a tendência do direito público, [...] em razão da compreensão humanística do Direito e de uma ética que é universal, como universal é o homem, na sua qualidade humana. [...] Verifica-se a constitucionalização do Direito Internacional, quer pela sua positivação no Direito comunitário, quer pela inclusão dos direitos humanos dos tratados no corpus constitucional, num sistema integrativo que compreende, portanto, a internacionalização dos direitos humanos/ a constitucionalização do Direito internacional.

Ressalta-se que os tratados de direitos humanos contemplam parâmetros protetivos

mínimos, buscando resguardar um mínimo ético irredutível concernente à dignidade da

pessoa humana.

O comando constitucional só reforça o posicionamento doutrinário da necessidade de

construirmos um direito processual ambiental preventivo, instrumento único de efetiva

garantia de um direito ambiental direcionado às futuras gerações.

Daí que se admite no direito processual ambiental a necessidade de adotar alguns

mecanismos destinados a “equilibrar a relação poluidor/pessoa humana” (FIORILLO, 2004,

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p. 67). É o que ocorre quando se reconhece uma das partes como mais fraca em face de

determinada relação jurídica.

Por isso, a Constituição assegura tratamento diferenciado diante de ameaça ou lesão

a direitos vinculados às pessoas. Na norma temos o princípio da isonomia, possibilitando

destarte a efetiva prestação da tutela jurisdicional judicial.

Os princípios são ferramentas úteis para compreensão, estudo e análise de institutos

jurídicos, servindo como orientação e mesmo origem para o tema, embora não pormenorizem

comandos específicos – mesmo no ramo jurídico, máxime no ainda recente Direito

Ambiental.

Um desses mecanismos é a incidência do princípio da isonomia no direito processual

ambiental que irá refletir em todos os aspectos instrumentais aplicáveis à defesa em juízo do

meio ambiente, a exemplo do que ocorre no direito das relações de consumo com a

possibilidade de inverter o ônus da prova estatuído no art. 6º, VIII, da Lei nº. 8.078/90.

Portanto, o tratamento diferenciado deve ser utilizado na defesa do meio ambiente.

Os princípios do Poluidor Pagador e Usuário Pagador são princípios correlatos e, por

isso, serão analisados em conjunto.

O Poluidor Pagador não significa que se paga para que seja permitido poluir ou

degradar o ambiente. Seu intuito é diferenciado, encontrando fundamento legal no artigo 4º,

VII, da Lei nº. 6.938/81, bem como no Princípio 16 da Declaração do Rio/92 (FIORILLO,

2009).

Destina-se a indicar ao mercado que o recurso ambiental não pode ser livremente

utilizado sem ser considerada a variável econômica pelo seu uso, ou seja, é necessária a

incorporação do custo do passivo ambiental gerado pela produção, como verdadeira medida

de equidade.

A escassez do bem ambiental há de ser não só notada, mas suportada por aquele que

o utiliza, inclusive como forma de evitar seu uso irracional, sem que tenha como objetivo a

recuperação do bem por dano efetivo.

A obrigatoriedade de pagamento prescinde da prova de qualquer dano, poluição ou

violação a alguma norma jurídica e não é abalada por investimento na prevenção.

A definição do princípio do Usuário pagador, esta no campo da responsabilidade do

usuário pelos custos decorrentes do uso do bem ambiental.

Os princípios se consolidam no Princípio do Poluidor Usuário Pagador, no primeiro

decorre da responsabilidade decorrente do dano ao meio ambiente, já que há a internalização

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dos custos ambientais da produção sem que exista prática de ilícito, enquanto que no segundo

há pressuposta violação à norma jurídica.

O Princípio da Reparação ou da Responsabilidade determina a obrigação de reparar o

meio ambiente dos prejuízos que foram causados, sem prejuízo das sanções penais e

administrativas.

O princípio da responsabilidade intergeracional conhecido como equidade no acesso

aos recursos naturais pelas presentes e futuras gerações originou-se em Estocolmo-72, devido

a necessidade de preservação de recursos para aqueles que ainda virão. Busca-se que as

gerações mantenham solidariedade.

O princípio da informação, emana da Constituição, quando determina o dever ao

Poder Público e a coletividade, é fundamental que para exercer essa função de forma

adequada obtenha informações precisas sobre o meio ambiente, só de posse delas é que o

cidadão pode agir perante o Poder Público, e acionar o Poder Judiciário.

A informação é um poderoso instrumento de educação ambiental para os indivíduos

e comunidades, além de viabilizar a formação de opinião e sua manifestação quanto aos

empreendimentos públicos ou privados que se pretende desenvolver.

O princípio da participação tem como linha mestra a cooperação da sociedade para

com o Poder Público, para traçar as diretrizes a serem observadas no consumo ou uso dos

bens ambientais e, também, contribuir para equacionar os problemas deles decorrentes.

Outro princípio imprescindível no direito ambiental é o da prevenção, pois “ao

assegurar a brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à vida em todas as suas

formas”, dentro de uma estrutura definida constitucionalmente como ‘ecologicamente

equilibrada’, estabeleceu a Constituição de 1988 uma imposição “tanto ao Poder Público

como à coletividade vinculada não só à defesa dos bens indicados em dispositivos

constitucionais – aqueles considerados essenciais à sadia qualidade de vida – como à

preservação dos bens ambientais” (FIORILLO, 2004, p. 76).

Os bens ambientais sendo preservado vão atender o princípio da prevenção, na

medida em que na maioria das vezes a existência de danos aos bens ambientais serão, quando

muito, reparadas por meio de indenização em dinheiro, hipótese em que nada auxilia a

incolumidade da vida como valor fundamental.

O princípio da prevenção tanto na seara material (art. 225/CF), como instrumental

(art. 5º, XXXV, CF), impede que a vida seja tratada como simples mercadoria a ser

convertida em dinheiro.

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Nesse aspecto Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2004, p. 77) registra que a “tutela

jurisdicional preventiva pressupõe por via de conseqüência a existência de uma ‘consciência

ecológica’ por parte da população brasileira, a ser desenvolvida por meio de uma concreta

política de educação ambiental”.

A proteção dos bens ambientais em face de ameaças vem definida na própria

Constituição Federal.

As pessoas humanas apontadas em face de sua condição de cidadania têm

possibilidade real e efetiva de requerer a tutela jurisdicional (acesso à justiça) visando a

apreciação de toda e qualquer ameaça aos bens ambientais.

Desta forma tem-se que:

[...] o direito de agir em face de lesão ou ameaça ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está, todavia, condicionado não só à existência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo ambiental (pressupostos processuais) como à existência das condições da ação ambiental em face do que determinam os arts. 5º, LIV e LV, da Constituição de 1988 (FIORILLO, 2004, p. 51).

O direito de agir garantido pelo art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988 assegura a

possibilidade de submeter à apreciação do Poder Judiciário toda e qualquer lesão ou ameaça

ao meio ambiente artificial disciplinado juridicamente em nosso País, assim como dos demais

recursos ambientais.

O direito de agir de forma organizada está postulado pelo princípio do devido

processo legal, e o cidadão tem direito ao acesso à justiça, como mencionado, e à devida

apreciação por parte do Poder Judiciário de pedido vinculado à lesão ou ameaça de direito

material ambiental, efetivando tal direito com a sentença e, de forma definitiva, com a

existência da coisa julgada.

Para isso:

[...] devemos entender o devido processo legal, no âmbito do direito processual ambiental, em toda sua abrangência, o que significa entender a aplicação do devido processo legal em matéria ambiental, tanto no sentido material (substantive due process) como no sentido processual (procedural due process) (FIORILLO, 2004, p. 87).

O princípio da precaução, assim como o princípio da prevenção tem como linha o

agir antecipadamente. Na prevenção tem-se o risco ou dano conhecido e na precaução tem-se

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a insuficiência da informação científica, sua incerteza ou, ainda, dados inconclusos sobre os

efeitos de determinado empreendimento ou produto sobre o ambiente, fauna ou flora.

Deste modo, sempre que houver dúvida há de se decidir em prol do meio ambiente

(in dúbio pro ambiente).

Na prática o princípio da precaução gera os mesmos efeitos da inversão do ônus da

prova, instituto do Código de Defesa do Consumidor, além de ter maior alcance.

Neste aspecto, vamos encontrar as ações coletivas, que estão à disposição da

sociedade, para a proteção de elementos que serviram para a garantia da qualidade de vida,

como o meio ambiente.

Quanto às ações coletivas devemos primeiramente fazer a distinção entre duas

espécies: as ações coletivas que visam proteger o direito individual homogêneo e as ações de

direito difuso. Temos ainda as ações coletivas que visam proteger os direitos coletivos

propriamente ditos.

Nelson Nery Júnior (2000, p. 155) assevera que, muitas vezes, o melhor critério

diferenciador entre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos não é propriamente a

matéria (direito do consumidor, meio ambiente, etc.), mas sim a pretensão de direito material

e a tutela jurisdicional buscada na ação. E neste sentido, o doutrinador expõe que:

A pedra de toque que identifica um direito como difuso, coletivo ou individual homogêneo não é propriamente a matéria (meio ambiente, consumidor, etc.), mas o tipo de pretensão de direito material e de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Um mesmo fato (acidente nuclear, por exemplo) pode dar ensejo a ação coletiva para defesa de direitos difusos (interdição da usina nuclear), coletivos (ação dos trabalhadores para impedir o fechamento da usina, para garantia do emprego da categoria) e individuais homogêneos (pedido de indenização feito por vários proprietários da região que tiveram prejuízos em suas lavouras pelo acidente nuclear).

Uma conclusão a que podemos chegar é a de que as ações coletivas que visam

proteger direito individual homogêneo, em última observação também se tratam de ação

individual, posto que seja possível quantificar a lesão sofrida por cada substituído. Tal

entendimento também se aplica às ações que visam proteger os direitos coletivos

propriamente ditos.

Nesse aspecto se apresenta a ação popular e, é importante, conforme afirma Luiz

Manoel Gomes Júnior (2004, p. 05), podemos acrescentar que o legislador ordenou um

sistema próprio para a tutela dos interesses oriundos dos conflitos de massa da sociedade, a

chamada Tutela Jurisdicional Diferenciada, no dizer de processualistas italianos.

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Com efeito, cuida-se de reflexo dos conflitos sociais que se instauraram no último

século. Cada vez mais se preza pela tutela de direitos como saúde, educação, cultura,

segurança, meio ambiente, direitos esses de natureza fluida, atribuindo-se sua titularidade a

todo e qualquer cidadão.

Como ponderado por Nelson Nery Junior (2001, p. 433):

[...] as regras tradicionais do Direito privado, fundadas na dogmática liberal do século XIX, não mais atendem às necessidades das relações jurídicas de hoje [...]. O excesso de liberalismo, manifestado pela preeminência do dogma da vontade, sobretudo, cede a exigências da ordem pública, econômica e social, que devem prevalecer sobre o individualismo, funcionando como fatores limitadores da autonomia privada individual, no interesse geral da sociedade.

Segundo mencionado doutrinário (2001, p. 433), “[...] eram poucos os segmentos

sociais que tinham importância para quem fazia ciência e para quem contava a história”.

Em tal contexto é que se insere o sistema processual do novo século, com o tema

emblemático da coletivização dos direitos (GOMES JÚNIOR, 2004, p. 05). Não se

desconhece que a ação popular possa ser utilizada de forma preventiva, mas para tal

finalidade, há o dever do Autor Popular em apontar e provar, de forma concreta, a

possibilidade de dano [artigo 333, I do Código de Processo Civil].

Com o advento da crise ambiental, surgiu a necessidade de se introduzir medidas

institucionais que visassem incorporar normas e observância no âmbito do ordenamento

jurídico, para que o processo de desenvolvimento industrial, econômico e tecnológico seja

alcançado de forma sustentável e proporcionado com maiores controles sobre os efeitos

nocivos ao meio ambiente. Inevitavelmente, com a utilização de técnicas condizentes no

processo de produção.

Como bem assevera Fabiana Castro (2002, p. 122) “hoje, a sociedade vive em uma

era de mudanças a um ritmo avassalador e de crescentes expectativas, pois os cidadãos

exigem produtos de elevada qualidade e que ao mesmo tempo preservam o meio ambiente

para as futuras gerações”.

A proteção ambiental deve ser manifestada pelo homem por uma atitude natural e

instintiva, motivada por fins e razões de direito que concorram a sobrepujar atos atentatórios

da ação humana que visem a consubstanciar em ficta ou real lesão à universalidade de bens

que constituem o meio ambiente, como se movido pelo mesmo instinto que agiria em proteger

direito próprio iminente e indisponível.

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O ordenamento jurídico brasileiro propicia e incentiva a participação do cidadão na

proteção do meio ambiente por meio da ação popular ambiental. Como corolário pátrio à

democracia social ambiental, legitima-se o cidadão a exercer a tutela jurisdicional ambiental.

Esse raciocínio é defendido por Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha

Rodrigues (1996, p. 111), ao destacarem que “podemos dizer que o meio ambiente apresenta

quatro significativos aspectos”, sendo eles: “1. natural; 2. cultural; 3. artificial e 4. trabalho”.

Nesta conjectura de formação de instrumentos adequados para a defesa de direitos, e

no caso, a defesa do meio ambiente através da ação popular ambiental é que consideraremos,

nos itens que seguem, cada aspecto procedimental para o desenvolvimento da referida ação,

visando a efetividade da tutela buscada com a mesma.

5.2 Natureza jurídica

Inicialmente, cabe observar o posicionamento do instituto na ordem constitucional.

Seguindo esse intento, observar-se-á que a ação popular [em seu inciso LXXIII, do artigo 5º]

localiza-se no Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, da Constituição Federal/88.

Analisando-se, em seguida, a relação do inciso, que concebeu esse aparato no corpo

da “Constituição Cidadã”, detectar-se-á que substancialmente trata-se o mesmo de um direito.

Logo, pela “concatenação das observações acima mencionadas, a ação popular seria, pela

ótica da Lei maior, um direito fundamental” (BRITO, 2007, p. 90-92).

Faz-se curial destacar que ao dizer que a ação popular, pela ótica da Constituição de

1988, é um direito fundamental, subentende-se que a vontade clara do constituinte foi a de

estabelecê-la como tal.

Certamente, se contrária fosse a sua intenção, tê-la-ia inculcado, em outro local, que

não fosse o Título II. Destarte, tendo sido esse o entendimento manifestado pelos

constituintes, respalda-se por mais uma vez, a ideia de que seria equivocada qualquer ação

doutrinária no sentido de conceber como direito político a ação popular. Afinal, o próprio

constituinte desconsiderou essa possibilidade.

Compreendendo-se a ação popular como um direito fundamental, resta, por

conseguinte, estabelecer qual a natureza desse direito. Nesse diapasão, diz-se que é de direitos

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subjetivos que se cogita, o que vale dizer direitos de um determinado sujeito, por oposição a

direito objetivo, expressão designada a direito legislado.

Logo, trata-se de um direito subjetivo. Como mencionado por citado doutrinador

(2007, p. 92), além do mais, a ação popular, do modo como se apresenta, não irradia uma

imposição legal. Quando o constituinte diz que “qualquer cidadão é parte legítima para propor

ação popular [...]”, delibera ele implicitamente que cabe a qualquer um, enquanto cidadão,

escolher se propõe ou não essa ação; caso contrário, teria redigido o inciso LXXIII de outra

forma, de modo a evidenciar o dever de todo cidadão em ajuizar a ação popular.

Dessa maneira, estipulou-se a ação popular constitucional como uma faculdade de

agir do cidadão, o que leva a entendê-la como facultas agendi, ou seja, direito subjetivo.

Esse entendimento torna-se mais claro ao observar-se especificamente a ação popular

ambiental. Segundo o caput do artigo 225 da Constituição de 1988, impõe-se à coletividade o

dever de defender e preservar o meio ambiente, ecologicamente equilibrado, para as atuais e

futuras gerações. Destaca-se, no entanto, que o exercício desse dever de proteção ambiental

poderá ser efetivado de inúmeras formas.

A realização de passeatas, o agrupamento de cidadãos em organizações não

governamentais de cunho ambiental e a realização de campanhas de educação ambiental pelos

cidadãos e, dentro de casa, através da ação isolada de cada indivíduo [economizando água,

por exemplo], poder-se-á cumprir com o dever constitucional de proteção ambiental. A

propositura da ação popular ambiental é apenas um dos meios de cumprir com esse dever.

Nessa conjectura, há de separar-se o direito ao meio ambiente [trazido pelo artigo

225], do direito de propor ação popular [contido no inciso LXXIII, do artigo 5º]. Enquanto

este trata unicamente de um direito fundamental de ordem subjetiva, aquele, por interesse

constitucional, além de ser um direito difuso, tem a sua proteção como um dever, de cada

cidadão e do Poder Público.

Dessa maneira, fica evidenciado que o dever constitucionalmente determinado é o de

proteção do bem ambiental e não o de utilização da ação popular ambiental.

Desse modo, o ajuizamento da ação popular ambiental é uma faculdade de cada

cidadão, isto é, um direito subjetivo, cabendo a cada um decidir o modo como vai cumprir

com o seu dever constitucional de proteção ambiental: se através de passeatas ou campanhas

de educação ambiental; se pelo ajuizamento de uma ação popular ambiental, quando pessoa

física e nacional, ou de uma ação civil pública, através de uma ONG; se através de uma

denúncia ao Ministério Público ou de quaisquer outras formas.

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É crucial afirmar-se que, por estar localizada constitucionalmente no Título II,

incumbe compreender a natureza jurídica da ação popular, inclusive em sua dimensão

ambiental, como um direito subjetivo fundamental, bem como estar atento à adequação da

ação popular ambiental.

Na Apelação Cível 83.550-5, de Piedade, entendeu-se que a ação popular era meio

adequado para defesa dos interesses da coletividade, conforme ementa a seguir transcrita,

porque havia um fato jurídico, desapropriação para fins de construção de um cemitério.

Vejamo-la:

AÇÃO POPULAR – meio ambiente – construção de cemitério – Relatório e Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) – Ausência – meio adequado – Instrumento de defesa dos interesses da coletividade – possibilidade de atuação preventiva contra lesão ao meio ambiente – Reexame necessário provido. (Apelação Cível n. 83.500-5 – Piedade – 9ª Câmara de Direito Público – Relator: Gonzaga Franceschini – 21-02-01 – V.U.) AÇÃO POPULAR – Objetivo – Abstenção da construção de cemitério – Imóvel desapropriado para esse fim – Inexistência de relatório de impacto ao meio ambiente – possibilidade de contaminação do lençol freático e consequentemente de todo o abastecimento na cidade – caráter preventivo da medida postulada – Cabimento – Ato administrativo caracterizado – Sentença anulada – Recurso provido – (Apelação Cível n. 83.500-5 – Piedade – 9ª Câmara de Direito Público - Relator: Gonzaga Franceschini – 21-02-01 – V.U.) (SÃO PAULO, 2009e).

Na continuidade de nosso estudo, tratemos a seguir da competência para o

processamento da ação popular ambiental.

5.3 Competência

O legislador, ao estabelecer como sendo dever de cada cidadão a proteção ambiental,

preocupou-se justamente com a ineficiência do Poder Público em determinadas situações, o

que demonstra, por exemplo, o seu interesse em propiciar uma fiscalização mais intensa da

população com relação à ação ou omissão do Estado em questões ambientais.

O constituinte preocupou-se em destinar a ação popular em sua substância um

verdadeiro arcabouço polivalorativo, de modo que esse instrumento constitucional, pela

lapidação que nele foi desenvolvida, tornou-se multifacetário (BRITO, 2007, p. 81).

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Diz-se isso, pela certeza de que o constituinte compreendeu de que de nada

adiantaria estabelecer, meramente no papel, o dever constitucional da preservação ambiental,

se não fossem criados aparatos, instrumentos e ferramentas, nos quais se insere a ação popular

ambiental, que tornassem viável a materialização e o exercício desse dever, na prática, pelo

cidadão.

A competência para o julgamento da ação popular está regulamentada no artigo 5º da

Lei nº. 4.717/65. Utilizaram-se a lei, de forma conjugada, basicamente três critérios

definidores de competência: a - em razão da pessoa; b - territorial; e c- funcional. O § 2º do

citado artigo 5º da Lei nº. 4.717/65 dispõe sobre regras de prevalência de competência da

justiça federal sobre o estadual, o que ocorrerá quando o pleito interessar simultaneamente à

União e a qualquer outra pessoa ou entidade, mesmo estatal.

Vamos analisar este julgado:

Agravo de Instrumento n° 711.836.5/2-00 – São Paulo - 4a Vara da Fazenda Pública. Agravante: Marina Bastos Conde. Agravados: Fazenda do Estado de São Paulo e outros. Ementa: AÇÃO POPULAR AMBIENTAL - ATO LESIVO AO MEIO AMBIENTE IMPUTADO A ÓRGÃOS PERTENCENTES ÀS ESFERAS DE GOVERNO ESTADUAL E MUNICIPAL - COMPETÊNCIA DAS VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL - COMPETÊNCIA POR PREFERÊNCIA OU PRIORIDADE INTELIGÊNCIA DO ART. 5o, § 2°, DA LEI DE AÇÃO POPULAR, C.C. ART. 35, II, DO DEC.- LEI COMPLEMENTAR N° 3/69 – CÓDIGO JUDICIÁRIO DE SÃO PAULO - RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 27/03/2008. (SÃO PAULO, 2008a)

Mas quando interessar simultaneamente ao Estado e ao Município, a competência

será da justiça estadual. Observa-se que a ação popular, apesar de possuir dignidade

constitucional como garantia processual fundamental do cidadão, não se encontra no elenco

das causas de competência originária do Supremo Tribunal Federal [artigo 102 da

Constituição Federal] e do Superior Tribunal de Justiça [artigo 105 da Constituição Federal].

O artigo 5º da Lei nº. 4.717/65, em seu § 3º, fixa também o juízo universal da ação

popular, ao dispor que “A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as

ações que forem posteriormente intentadas contra as partes e sob os mesmos fundamentos”

(BRITO, 2007, p. 83).

Ficando-se constatado que a competência para proteger e julgar Ação Popular é a

estabelecida no art. 5º da Lei nº. 4.717/65, o mesmo não é possível afirmar-se em relação à

Ação Popular Ambiental, pois a previsão infraconstitucional específica não regrou a hipótese,

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assim conclui-se, na sequência, pela plausibilidade da aplicação do artigo 2º da Lei nº.

7.347/85, que atribui competência ao juízo do local onde ocorreu ou deva ocorrer à lesão.

Quando o objeto tutelado for o meio ambiente, erigido pela Constituição a direito

fundamental de todos, infere-se que o processamento da ação popular ambiental implica

competência funcional ou competência territorial absoluta, usando terminologia mais

adequada, do juízo do local onde ocorrer o dano, por aplicação do artigo 2º da Lei nº.

7.347/85 [que abrange o meio ambiente] e não do artigo 5º da Lei nº. 4.717/65. O objetivo é o

de facilitar a colheita de provas pelo juízo que proferirá a sentença.

Não é outro o magistério de Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2005, p. 379), para

quem:

[...] a natureza jurídica do bem tutelado é que define o rito procedimental a ser utilizado. Dessa forma, tratando-se de meio ambiente, as regras de fixação de competência serão orientadas pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor, de maneira que será competente para o julgamento da ação popular o juízo do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, independente de onde o ato teve sua origem.

Ressalte-se, ainda, que se o dano ambiental ocorrer em área territorial pertencente a

mais de uma comarca dentro do mesmo Estado, ou a dois ou mais Estados, a hipótese será de

competência concorrente, aplicando-se as regras para caracterização da prevenção,

independentemente do local onde se deu a origem do ato lesivo.

Na seara da Ação Popular Ambiental, a regra de competência deve ser aquela

prevista para a ação civil pública em razão da natureza do bem jurídico tutelado. De acordo

com o expressamente previsto no artigo 5º, da Lei da Ação Popular, devemos examinar com

profundidade três aspectos, quais sejam, a jurisdição, a competência territorial e a do juízo5. A

5 CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DANO AMBIENTAL: LOCAL DO I LÍCITO. EFETIVIDADE JURISDICIONAL. RIOS FEDERAIS. INTERESSE DA UNIÃO. C OMPETÊNCIA FEDERAL. "Ementa: CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. SUSCITAÇÃO PELO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL QUE ATUA NA PRIMEIRA INSTÂNCIA. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. DANO AMBIENTAL. RIOS FEDERAIS. CONEXÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.1. O Ministério Público Federal tem atribuição para suscitar conflito de competência entre Juízos que atuam em ações civis públicas decorrentes do mesmo fato ilícito gerador. Com efeito,consoante os Princípios da Unidade e Indivisibilidade do Ministério Público, as manifestações de seus representantes constituem pronunciamento do próprio órgão e não de seus agentes, muito embora haja divisão de atribuições entre os Procuradores e os Subprocuradores Gerais da República (art. 66 da Lei Complementar n.º 75/93).2. Deveras, informado que é o sistema processual pelo princípio da instrumentalidade das formas, somente a nulidade que sacrifica os fins de justiça do processo deve ser declarada (pas des nullité sans grief).3. Consectariamente, à luz dos Princípios da Unidade e Indivisibilidade do Ministério Público, e do Princípio do Prejuízo (pas des nullité sans grief), e, uma vez suscitado o conflito de competência pelo Procurador da República, afasta-se a alegada ilegitimidade ativa do mesmo para atuar perante este Tribunal, uma vez que é o autor de uma das ações civis públicas objeto do conflito.4. Tutelas antecipatórias deferidas, proferidas por

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competência jurisdicional para o julgamento da ação popular, de acordo com a origem do ato

a ser impugnado, divide-se em dois grupos, como muito bem nos ensina Patrícia Miranda

Pizzol (2003, p. 567): “a - Justiça Federal em primeiro grau de jurisdição; caso o ato que se

pleiteia a anulação tenha sido consumado pela União, empresas públicas ou por entidades

autárquicas; b- Justiça Estadual: se for praticado o ato que se pretende anular pelo Estado,

autarquia ou fundação”.

Feitas as considerações sobre a competência, atentemo-nos no item subseqüente para

a definição do procedimento a ser seguido na ação popular ambiental.

Juízos Estadual e Federal, em ações civis públicas. Notória conexão informada pela necessidade de se evitar a sobrevivência de decisões inconciliáveis.5. A regra mater em termos de dano ambiental é a do local do ilícito em prol da efetividade jurisdicional. Deveras, proposta a ação civil pública pelo Ministério Público Federal e caracterizando-se o dano como interestadual, impõe-se a competência da Justiça Federal (Súmula 183 do STJ), que coincidentemente tem sede no local do dano. Destarte, a competência da Justiça Federal impor-se-ia até pela regra do art. 219 do CPC.6. Não obstante, é assente nesta Corte que dano ambiental causado em rios da União indica o interesse desta nas demandas em curso, a arrastar a competência para o julgamento das ações para a Justiça Federal. Precedentes da Primeira Seção: CC 33.061/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 08/04/2002; CC 16.863/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ 19/08/1996.7. Ainda que assim não fosse, a ratio essendi da competência para a ação civil pública ambiental, calca-se no princípio da efetividade, por isso que, o juízo federal do local do dano habilita-se, funcionalmente, na percepção da degradação ao meio ambiente posto em condições ideais para a obtenção dos elementos de convicção conducentes ao desate da lide.8. O teor da Súmula 183 do E. STJ, ainda que revogado, a contrario sensu determinava que em sendo sede da Justiça Federal o local do dano, neste deveria ser aforada a ação civil pública, máxime quando o ilícito transcendesse a área atingida, para alcançar o mar territorial e rios que banham mais de um Estado, o que está consoante o art. 93 do CDC.9. Nesse sentido, é a jurisprudência do E. STF ao assentar que: "Ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal. Competência da Justiça Federal. Art. 109, I e § 3º, da Constituição. Art. 2º da Lei 7.347/85. O dispositivo contido na parte final do § 3º do art. 109 da Constituição é dirigido ao legislador ordinário, autorizando-o a atribuir competência (rectius, jurisdição) ao Juízo Estadual do foro do domicílio da outra parte ou do lugar do ato ou fato que deu origem à demanda, desde que não seja sede de Vara da Justiça Federal, para causas específicas dentre as previstas no inciso I do referido artigo 109. No caso em tela, a permissão não foi utilizada pelo legislador que, ao revés, se limitou, no art. 2º da Lei 7.347/85, a estabelecer que as ações nele previstas 'serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa'. Considerando que o juiz federal também tem competência territorial e funcional sobre o local de qualquer dano, impõe-se a conclusão de que o afastamento da jurisdição federal, no caso, somente poderia dar-se por meio de referência expressa à Justiça Estadual, como a que fez o constituinte na primeira parte do mencionado § 3º em relação às causas de natureza previdenciária, o que no caso não ocorreu (...)" (STJ: CC 39111/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, DJ de 28.02.2005, p. 178). (BRASIL, 2009b).

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5.4 Procedimento

Deve-se observar na ação popular o procedimento ordinário, consoante está expresso

no caput do artigo 7º da Lei da Ação Popular, com exceção das regras especiais estabelecidas

nesse mesmo dispositivo e em outros.

É importante frisar que a Lei da Ação Popular prevê a possibilidade, ao estabelecer

prazos especiais, de julgamento antecipado da lide, caso não haja requerimento de produção

de provas testemunhais ou periciais [artigo 7º, V], conforme também passou a prever o

Código de Processo Civil/73 em seu artigo. 330. Por se tratar de ação coletiva para a tutela de

direito também difuso, aplicam-se as regras principiológicas da Lei de Ação Civil Pública e

do Código de Defesa do Consumidor, no que for compatível com a Lei da Ação Popular.

Quando for deduzido o pedido na ação popular para tutelar o meio ambiente ou o

consumidor, “será imprescindível a observância das diretrizes decorrentes do microssistema

de tutela jurisdicional coletiva previsto pela completa interação existente entre a Lei da Ação

Civil Pública - LACP e o Código de Defesa do Consumidor - CDC” (ALMEIDA, 2003, p.

407).

É cabível também a antecipação da tutela jurisdicional aplicando-se o disposto nos

artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil, por força de disposição expressa na Lei da

Ação Popular [artigo 22]. Ademais, já estabelecia o § 4º do artigo 5º deste diploma legal que,

na defesa do patrimônio público, caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado. Nesse

aspecto, a ação popular assume também função preventiva.

A partir de agora, trataremos dos elementos da ação aplicados à especificidade da

ação popular ambiental.

5.5 Partes

Parte na ação popular ambiental será aquele que pede e contra quem se pede, com o

diferencial de que o polo passivo não necessita ser integrado por todos os responsáveis pelo

ato lesivo, uma vez que se encontra em situação de solidariedade.

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A ação popular ambiental, que tem por objeto a tutela de direito difuso, não deve ter

seu processamento restrito às regras da mesma Lei que rege a ação popular, aproximando-se,

lastreada no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, da ação civil pública.

Diante destas considerações, abordaremos agora os aspectos correlatos quanto à

legitimidade de partes ativa e passiva, enquanto condições da ação.

5.5.1 Legitimidade ativa

Sendo o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado um direito difuso, sua tutela

está outorgada pela Constituição de 1988 não só ao Estado e ao cidadão, mas também a outra

gama de legitimados ativos especificados em legislação infraconstitucional que poderão

ajuizar ações, sendo que o resultado da demanda, independentemente de quem a propôs,

acabará por beneficiar a todos, até mesmo àqueles que não foram parte no processo.

A questão da legitimidade para agir é reconhecidamente “um dos denominados

pontos sensíveis do acesso à justiça para a defesa dos interesses ou direitos difusos, entre os

quais se inclui o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (SILVA, 2008, p.

274).

O nosso ordenamento, ainda que apenas em um passado recente, positivou regras

prescrevendo a titularidade do direito de ação coletiva em matéria ambiental não só aos entes

públicos, privados, associações, como também ao cidadão.

Por este motivo, Álvaro Luiz Valery Mirra (2005, p. 33-47) conclui que:

[...] sendo o direito ao meio ambiente um direito difuso, a todos pertence de forma indivisível e não atrelado à tutela exclusiva do Estado, aparece como verdadeiramente impossível reunir todos os seus titulares – isto é, a coletividade inteira – no polo ativo da demanda tendente à sua proteção, em litisconsórcio necessário, apesar do julgamento da causa abranger por atingir inevitavelmente todos os membros da sociedade, incluindo aqueles que não foram parte no processo [...] superando-se os óbices dos arts. 6º e 472 do CPC.

Inicialmente, a lei confere legitimidade ativa somente ao cidadão para o ajuizamento

da ação popular. Acabou-se por restringir a legitimidade ativa apenas ao nacional no gozo dos

direitos políticos.

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A nacionalidade, como explica a doutrina (GOMES JUNIOR, 2004; BRITO, 2007;

SILVA, 2008), pode ser a de origem ou a decorrente do processo de naturalização [derivada

ou legalmente adquirida], ao passo que a cidadania é a capacidade adquirida pelo nacional

para o exercício de seus direitos políticos.

Basta a cidadania mínima, que é a capacidade de votar, que pode ser adquirida no

sistema constitucional pátrio, facultativamente, com o alistamento eleitoral ao se completar 16

[dezesseis] anos de idade.

Observa-se que a ação popular está dentro das garantias constitucionais

fundamentais. A Constituição “não estabelece qualquer restrição à concepção de cidadão”, e a

ação popular é “garantia constitucional fundamental, não é compatível, na espécie, qualquer

interpretação restritiva”, por estabelecer “restrição indevida à condição de cidadão para

efeitos de legitimidade” (ALMEIDA, 2003, p. 403).

É discutível a natureza da legitimidade com que atua o cidadão-autor na ação

popular. Uns afirmam que se trata de substituição processual como espécie de legitimidade

extraordinária. Outros que seria legitimidade ordinária, já que o cidadão-autor estaria a

defender direito difuso de que também é titular.

Com efeito, prefere se utilizar da concepção defendida, com base na doutrina alemã,

por Nelson Nery Júnior (2001, p. 569), no sentido de que a legitimação para agir nas ações

coletivas para a tutela de direitos difusos e coletivos é legitimação autônoma para a condução

do processo.

Explica, mencionado autor que “Na hipótese de a legitimação legal para agir, ser

para a defesa de direitos de pessoas ‘indeterminadas’” (NERY JÚNIOR, 2001, p. 569),

direitos esses difusos ou coletivos, não ocorrem à substituição processual como se concebe no

processo civil individual.

A natureza dessa autorização legal é “legitimação autônoma para a condução do

processo”. É autônoma porque “totalmente independente do direito material discutido em

juízo: como os direitos difusos e coletivos não têm titulares determinados, a lei escolhe

alguém ou algumas entidades para que os defendam em juízo”, como afirma mencionado

doutrinador (2001, p. 569).

Quanto à legitimidade ativa, especificamente para a ação popular ambiental,

necessário se faz a abordagem do conceito de cidadão para o direito pátrio. É o que segue.

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5.5.1.1 Conceito de cidadão

Ao atribuir a qualquer cidadão a legitimidade para pleitear a nulidade de atos lesivos

ao patrimônio da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, exigiu no § 3º como prova da

cidadania o título eleitoral ou documento que a ele corresponda, o que pode levar ao

entendimento equivocado de que cidadão é somente o cidadão brasileiro (nato ou

naturalizado) eleitor.

Nas palavras de Fernando de Azevedo Alves Brito (2007, p. 81-82): “[...] percebe-se

que, por ser a ação popular ambiental um instrumento de ´controle`, isto é, de fiscalização do

Poder Público, em questões ambientais, por parte do ´cidadão`, não há como se dissociar a sua

substância da idéia de viabilização do exercício da soberania popular”.

A preocupação com a soberania nacional também se faz visível, pois ficou

constatado que o constituinte expressamente rejeitou a utilização da ação popular pelo

estrangeiro.

A legitimação ativa do estrangeiro para impetração da ação popular ambiental

poderia abrir margem para que ulteriormente Estados reconheçam-se no direito de decidir

sobre o meio ambiente nacional, questionando a soberania nacional, com relação às questões

ambientais.

A proteção do meio ambiente fundamental para a preservação da própria vida

humana, sem a existência de um meio ambiente equilibrado, que torne o território nacional

habitável, não há como preservar a vida do povo brasileiro. E, sem a existência do povo

brasileiro, deixa de existir o próprio Estado Nacional; afinal, sendo o povo um dos elementos

do Estado, sua inexistência resulta na inexistência do todo estatal.

Assim sendo, quando:

[...] o constituinte viabilizou a existência na Constituição da ação popular ambiental, buscou ele, além de viabilizar a proteção ambiental em si mesma e consequentemente a preservação da vida do povo brasileiro, criar um instrumento que indiretamente garantisse a manutenção da vida do próprio Estado brasileiro (BRITO, 2007, p. 85).

A posição do pesquisador baiano, a princípio pode demonstrar uma preocupação real

com a soberania popular do país, mas ela não é tão real, como podemos verificar em doutrina

mais especializada.

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Gregório Assagra de Almeida (2003, p. 403) demonstra que a concepção de cidadão

como sendo o cidadão-eleitor não é exigida pelo texto constitucional, que só faz menção a

cidadão, e explana que:

Com efeito, tem-se que a concepção de cidadão deve ser extraída de um dos mandamentos nucleares da Constituição Federal, qual seja o princípio da dignidade da pessoa humana, estabelecido como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito Brasileiro (art. 1º, III, da CF). Destarte, todos os que devem ser respeitados na sua dignidade de pessoa humana tem legitimidade ativa para o ajuizamento de ação popular: o analfabeto que não se alistou, os maiores de 70 anos, cujo voto também é facultativo, os que não estejam em dia com o serviço eleitoral, os presos, etc. Interpretação em sentido contrário esbarra nos princípios comezinhos de interpretação constitucional.

Conforme previsto na Constituição Federal e, ainda, especialmente para o exercício

da Ação Popular Ambiental, o conceito de cidadão não está condicionado a ser

concomitantemente eleitor, posto que não atue na defesa de direitos eminentemente políticos.

Está na defesa de direito fundamental, difuso, intimamente ligado ao direito à vida com

qualidade, pelo que se qualifica como direito humano fundamental.

São do magistério de Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2005, p. 377), quanto ao

conteúdo da expressão cidadão, as seguintes considerações: “aludida relação em sede de ação

popular ambiental não é acertada, porquanto estaria restringindo o conceito de cidadão à ideia

ou conotação política”, ou seja, somente “o indivíduo quite com as suas obrigações eleitorais

poderia utilizar-se da ação popular”.

Dessa forma, sendo de todos os bens ambientais, nada mais lógico que “não só o

eleitor quite com a Justiça Eleitoral, mas todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País

possam ser rotulados cidadãos para fins de propositura da ação popular ambiental”. Com isso

denota-se que o destinatário do meio ambiente ecologicamente equilibrado é “toda a

coletividade – brasileiros e estrangeiros aqui residentes – independentemente da condição de

eleitor”, de modo que, “no tocante à proteção dos bens e valores ambientais, o art. 1º, § 3º, da

Lei nº. 4.717/65 não foi recepcionado pelo Constituição Federal de 1988” (FIORILLO, 2005,

p. 378).

A Constituição Federal de 1988 prescreveu no artigo 5º, caput, a igualdade de

tratamento perante a lei brasileira, sem distinção de qualquer natureza, aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à

propriedade, nos termos que especificou, ampliando, por consequência, o leque de

legitimados ativos para o ajuizamento da ação popular, quanto se trata de proteção ao meio

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ambiente. Esta ampliação não legitima a propositura de ação popular ambiental ao Ministério

Público nem às pessoas jurídicas [Súmula 365 do Supremo Tribunal Federal].

O direito ao meio ambiente equilibrado é de cada um, como pessoa humana,

independente de sua nacionalidade, raça, sexo, idade, estado de saúde, profissão, renda ou

residência.

Conforme leciona Paulo Affonso Leme Machado (2005, p. 116-126), quanto à

legitimidade do estrangeiro para o ajuizamento da ação popular ambiental, “Não é nenhum

excesso entender que todos os habitantes do País, brasileiros e estrangeiros (art. 5º, caput)

estão legitimados a utilizar a ação popular ambiental”.

José Rubens Morato Leite (2000, p. 132-133), nesse mesmo sentido, afirma que a

cidadania foi ampliada, concebendo até mesmo ao estrangeiro que prove estar residindo no

país o direito subjetivo de propor ação popular ambiental, e explica que “[...] andou bem o

constituinte neste aspecto, pois o estrangeiro, ao exercitar esta cidadania estará protegendo um

bem que atinge uma perspectiva intercomunitária e de caráter transfronteiriço”.

Considera-se correta a afirmação de que o bem ambiental foi erigido pela Lei magna

à categoria de direito fundamental, na medida em que é essencial para a garantia da vida.

Neste ponto, não se afigura possível qualquer restrição a sua proteção, pois, sendo o bem

ambiental difuso, interessa a todos diretamente, atingindo-os na mesma proporção.

Este é mais um dos elementos que permitem a caracterização da ação popular

ambiental com outra natureza jurídica, uma vez que “a proteção ao bem ambiental, difuso por

definição, não se restringe ao eleitor, mas sim é possível a qualquer cidadão, até mesmo ao

estrangeiro residente no país” (SILVA, 2008, p. 279).

Vale frisar que, consoante o art. 231, o indigenista, individual ou não, esteja ele em

dia ou não com os deveres eleitorais, possui legitimidade para defender e ingressar em juízo

na defesa de seus interesses e direitos.

Percebe-se que o texto constitucional é claro quando permite que os índios ingressem

em juízo para a defesa de seus interesses e direitos. Assim, também é claro o texto do artigo

5º da Constituição de 1988, quando diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Isto posto, entendemos que o índio ou qualquer outro habitante no território

brasileiro [estrangeiro ou não], mesmo não tendo o título eleitoral que comprove a sua

regularidade com a justiça eleitoral, está apto a propor a ação popular ambiental.

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O indivíduo está apto a propor a ação popular ambiental, primeiro, porque o conceito

de cidadão fixado na doutrina advém de antes da Constituição de 1988, por conta da lei de

ação popular de 1965, e, como vemos, não foi recepcionado pelo art. 5º, caput, citado, vez

que “todos são iguais sem distinção de qualquer natureza”, principalmente quando se trata de

garantir a inviolabilidade de um direito à vida, e também porque o conceito de meio ambiente

está ligado à essencialidade do direito à vida com saúde [artigo 225 da Constituição

Federal/88].

Segundo, porque não há restrições ao direito constitucional de ação popular no

tocante à legitimidade ativa, já que menciona que “qualquer cidadão”. Ora é regra de

hermenêutica básica que um parágrafo ou inciso ou alínea não só não pode contrariar a cabeça

do artigo, como também deve ele se utilizar para explicitar o seu conteúdo.

Como a definição do caput menciona que todos são iguais, sem distinção de qualquer

natureza, entendemos que a Lei de 1965, que cuida da ação popular, não foi recepcionada no

seu conceito de cidadão quando o bem ambiental é o objeto de proteção. Isto porque, além

dos motivos já citados, alia-se o fato de que o bem ambiental é difuso, ou seja, atinge a todos

já que estes são os titulares desse bem indivisível.

Assim, em matéria de bem ambiental [artificial, natural, do trabalho e cultural], não

só o índio, mas qualquer um, já que fazem parte do todos, poderá propor a ação popular. Isso

não significa dizer que a referida lei estaria revogada.

Com tranquilidade o afirmamos, pois, com relação aos bens públicos [dos quais não

fazem parte o bem ambiental já que a sua natureza está no abismo entre o público e o

privado], à moralidade administrativa, é perfeitamente possível a aplicação da lei e, até quiçá,

a restrição do conceito de cidadão.

Finalizando, como estamos voltados para o meio ambiente artificial, o Estatuto da

Cidade, Lei nº. 10.257/01, determina em seu artigo 2º, quem são legitimados.

Mesmo assim podemos encontrar decisões que ainda exigem o titulo de eleitor, como

a que segue:

TJSP – Câmara Especial de Meio Ambiente Apelação com Revisão n° 729.455.5/0-00 - Quatá. Apelantes: José Carlos Lima Silva e outros. Apelada: Prefeitura Municipal de Quatá. Ementa: AÇÃO POPULAR AMBIENTAL - FALTA DE CONDIÇÕES DA AÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM O JULGAMENTO DO MÉRITO. A falta de comprovação da condição de eleitor, até á data da sentença, determina a extinção da ação sem o conhecimento do mérito, questão que

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não se altera pela juntada de cópia dos títulos de eleitor de alguns dos autores, em razões da apelação. Meio inidôneo, ademais, para a declaração de inconstitucionalidade de lei municipal, bem como inviável a singela condenação em obrigações de fazer e não fazer. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 04.06.2009. (SÃO PAULO, 2009f).

Fixadas as considerações sobre a legitimidade ativa, analisemos, na sequência, a

legitimidade passiva.

5.5.2 Legitimidade passiva

Legitimidade passiva é bem abrangente, pelo que se extrai do artigo 6º da Lei nº.

4.717/65. O legislador, para garantir certamente a eficácia na tutela jurisdicional, estabeleceu

que a ação popular poderá ser proposta em face:

a- das pessoas públicas ou privadas; b- das entidades referidas no art. 1º da mesma Lei; c- das autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão; d- dos beneficiários diretos (FIORILLO, 1996, p. 277).

A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto da

impugnação, assume posição singular na ação popular, pois, citada, poderá [artigo. 6º, § 3º, da

Lei da Ação Popular]: contestar o pedido; abster-se de contestá-lo e permanecer inerte; ou

atuar como assistente ao lado do autor da ação popular.

Celso Antonio Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa Maria de Andrade Nery

(1996, p. 277-278), sustentam que “em sede de ação popular ambiental pode figurar no polo

passivo da ação qualquer pessoa responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente”. Na ação

popular ambiental eventual litisconsórcio formado no polo passivo será facultativo, porém,

simples, já que a sentença poderá conter comandos diferentes para as diversas partes

envolvidas.

Mauro Capelletti (1997, p. 27), antes mesmo da Constituição de 1988, já afirmava a

necessidade de uma superação do sistema individualista para o atendimento das garantias

processuais que ultrapassavam estes limites, haja vista que em:

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[...] tratando-se de relações meta-individuais ou difusas, nas quais é, evidentemente, envolvido um número elevadíssimo de sujeitos, impor, uma rígida observância da garantia do contraditório significaria tornar praticamente impossível a tutela judiciária daquelas relações, pela impossibilidade de identificar todas as ´partes ausentes’, de intimar todos dos atos do juízo, de oferecer, em suma, a todos uma real possibilidade de participação em juízo.

Eis, portanto, porque mesmo os milenares princípios de defesa e de contraditório se

revelam insuficientes diante das mutantes exigências da sociedade contemporânea. Tal

insuficiência, por outro lado, não significa abandono, mas superação. É necessário “superar

sistemas de garantismo processual de caráter meramente individualístico”. Em seu lugar:

[...] deve nascer um ‘social` ou ´coletivo`, conceito não somente para a salvaguarda dos indivíduos em um processo individualístico, mas também para a salvaguarda dos múltiplos e extremamente importantes novos grupos e ´corpos intermediários´ que também reclamam acesso à justiça para a tutela de seus interesses (CAPELETTI, 1997, p. 27).

O litisconsórcio passivo aqui é facultativo, também porque a responsabilidade, neste

caso, é solidária, [Art. 264 do Código Civil de 2002: “Há solidariedade, quando na mesma

obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou

obrigado a divida toda” (MELLO, 2009, p. 335), ao contrário do que se verifica na ação

popular da Lei nº. 4.717/65, “no qual o litisconsórcio é necessário que aqui os efeitos da

sentença não necessariamente atingirão igualmente a todos os envolvidos” (SILVA, 2008, p.

280).

O Ministro Teori Albino Zavascki (BRASIL, 2009c), afirma que é:

[...] forçoso considerar que o regime da coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto porque consagra a Constituição que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88). Aliás, essa eficácia direta da sentença na esfera de outrem é que justifica a compulsoriedade litisconsorcial.

Ressaltamos, todavia, que esta ação, a despeito de rotulada de difusa na ementa, tinha

por objeto a anulação de atos e contratos realizados por Município com prejuízo para o

Instituto de Previdência dos Servidores e que nenhum dos exemplos citados pelo Ministro

Relator referia-se à defesa do meio ambiente.

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Na questão ambiental, os bens difusos podem ser lesados tanto por um ato

administrativo como por um ato cometido por particular, compondo uma gama enorme de

agentes, muitas vezes desconhecidos do autor popular. A necessidade de inclusão de todos os

responsáveis no polo passivo da demanda, bem como a citação pessoal de todos eles, relegaria

o instituto à ineficácia total, à impraticabilidade.

Por outro lado, para se apurar a responsabilidade, o autor poderá indicar um ou mais

responsáveis pelo ato impugnado para figurarem no polo passivo da demanda. O

litisconsórcio passivo, neste caso, é facultativo, mas a sentença produzirá efeitos, ainda que

diferentes, para todos os envolvidos, face à categoria do bem jurídico difuso tutelado. O

Superior Tribunal de Justiça (SÃO PAULO, 2008b) tem demonstrado entendimento no

sentido de que a responsabilidade é objetiva nos casos de danos ao meio ambiente, atingindo

até mesmo o caso de adquirente de um bem ambiental, e quando os danos foram provocados

por terceiros ou pelo antigo proprietário. Vejamos: “Em matéria de dano ambiental a

responsabilidade é objetiva. O adquirente das terras rurais é responsável pela recomposição

das matas nativas”.

Ainda que o agente causador do dano disponha de autorização do Poder Público para

o exercício de sua atividade, que se revelou nociva ao meio ambiente, isto não impede que

seja atingido pelos efeitos da sentença condenatória de uma ação popular ambiental, uma vez

que por tudo isso, “se possa rotular o agente de inocente, por ter agido com a estrita

observância da disposição normativa do Poder Público, mais inocente, ainda, será a

coletividade, vítima direta do dano ambiental” (SILVA, 2008, p. 282).

Estabelecidos os pontos gerais quanto à legitimidade ativa e a passiva, enquanto

condições da ação, e quanto ao conceito de cidadão, apresentamos a seguir as considerações

específicas dos mesmos aplicados à ação popular ambiental.

5.5.3 A legitimidade ativa e passiva na ação popular ambiental

É de se consignar que, preferindo uma interpretação sistemática do texto

constitucional, Celso Antonio Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa Maria de Andrade

Nery (1996, p. 223-224):

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[...] sustentam que, no caso mais precisamente da ação popular para a defesa do meio ambiente (ação popular ambiental), a concepção de cidadão para efeito de legitimidade ativa não pode ser restrita ao nacional que esteja no gozo de seus direitos políticos, até porque a Constituição não contém dispositivo delimitando a concepção de cidadão.

Além disso, o artigo 5º, caput, da Constituição Federal consagra que “todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Está garantida aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade. Arrematam ainda os juristas que o artigo 225, caput, também da

Constituição Federal, consagra que “todos (portanto brasileiros ou não) têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado”, que é “bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade da vida”.

Com efeito, na confrontação do artigo 5º, caput e inciso LXXIII, com o artigo 225,

caput, todos da Constituição Federal, pode-se perceber que o legislador constitucional não

restringiu a legitimidade para a propositura de ação popular para a defesa do meio ambiente.

Tendo em vista que a Constituição de 1988 realmente não faz restrição na concepção de

cidadão, e que, em matéria de direitos e garantias fundamentais, não é possível interpretação

restritiva sob pena de se violar o espírito democrático do texto constitucional, tem-se que

razão assiste ao posicionamento citado.

Não se pode esquecer que a defesa do meio ambiente é tão premente para a

sobrevivência de própria sociedade que interpretação em sentido contrário, além de esbarrar,

repita-se no texto e no espírito da Constituição, está na contramão da história universal atual

de luta e de conscientização por um meio ambiente equilibrado.

E mais, no que se refere à legitimidade passiva na ação popular ambiental Celso

Antonio Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa Maria de Andrade Nery (1996, p. 227-

228) também sustentam que não pode existir limitação – serão legitimados passivos todos

responsáveis pelo ato lesivo ao patrimônio ecológico.

E ainda:

Segundo a regra estabelecida pela jurisdição civil coletiva (Título III do CDC + LACP), plexo de normas processuais que devem reger a ação popular ambiental, temos que pode figurar no polo passivo qualquer pessoa responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente, já que sobre estas pode recair o conceito de poluidor estabelecido pela Política Nacional do Meio ambiente, e principalmente porque não há qualquer vedação do texto constitucional no tocante a essa questão (FIORILLO; RODRIGUES; ANDRADE NERY,1996, p. 227-228).

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Razão assiste também nesse aspecto aos referidos juristas, pois “não há impedimento

constitucional ou infraconstitucional para qualquer restrição quanto à legitimidade passiva na

ação popular ambiental” (ALMEIDA, 2003, p. 424). Todos aqueles que concorreram para a

ocorrência do evento danoso ao patrimônio ecológico devem ser citados como demandados na

ação popular ambiental ajuizada.

Após tratarmos das questões atinentes à legitimidade de partes, teceremos a partir de

agora as observações pertinentes à intervenção de terceiros, na modalidade assistência,

permitida expressamente pela legislação ao Ministério Público.

5.5.4 Assistência do Ministério Público

O artigo 6º da Lei nº. 4.717/65, em dois de seus parágrafos [§§ 3º e 6º], prevê a

possibilidade de assistência na ação popular. O Ministério Público exerce papel singular e

fundamental na ação popular, atua como parte adesiva ativa. Realiza o acompanhamento da

ação, o apressamento da produção da prova. Portanto, não é o Parquet na ação popular mero

custos legis; ao contrário, é parte assistencial, atuando em nome do interesse da sociedade e

na defesa da ordem jurídica.

O artigo 9º da Lei da Ação Popular confere ao Ministério Público, no caso de

desistência da ação popular, legitimidade ativa subsidiária incidental, ao assegurar-lhe a

possibilidade de promoção do prosseguimento da ação, depois de cumpridos os prazos e as

formalidades estabelecidos no dispositivo.

O artigo 16 da do mesmo diploma legal confere ainda ao Ministério Público

legitimidade ativa subsidiária obrigatória para a execução, caso o autor da ação popular ou

qualquer terceiro legitimado não promova a respectiva execução no prazo de 60 [sessenta]

dias do trânsito em julgado da sentença condenatória. A execução deverá no caso ser

promovida pelo Parquet no prazo de 30 [trinta] dias, sob pena de o órgão desidioso incorrer

em falta grave.

No próximo item abordaremos a causa de pedir.

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5.6 Causa de pedir

O autor popular deve certificar-se da suficiente demonstração e comprovação da

causa petendi, consubstanciada na causa de pedir próxima e remota. Os fundamentos

jurídicos são encontrados tanto em leis esparsas e na Constituição de 1988, que garante a

todos direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Observa-se que a causa de pedir na ação popular deverá conter a narrativa de todos

os fatos relevantes [causa de pedir remota] e lesão ou ameaça de lesão a quaisquer dos direitos

difusos tuteláveis pelo cidadão-autor via ação popular.

Na causa de pedir, deverá o autor popular demonstrar claramente que do ato do

particular decorreu, ou ele está na iminência de provocar lesão ao meio ambiente, e invocar o

artigo 1º da Lei nº. 7.347/85, além da Constituição de 1988, que incumbe todos do dever de

preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, motivo pelo qual ampliou o

objeto da ação popular.

Verificaremos nos dois itens subseqüentes os componentes da causa de pedir na ação

popular ambiental.

5.6.1 Ilegalidade e lesividade

Em regra, os requisitos da ilegalidade e lesividade do ato, previstos na ação popular

[Lei nº. 4.717/65], são também necessários para a caracterização da causa de pedir da ação

popular ambiental.

Na ação popular a ilegalidade do ato ou omissão precisa estar cumulada com a

demonstração da lesividade, seja ela patrimonial ou moral. Entretanto, em se tratando de ação

popular ambiental, basta somente a lesividade ao meio ambiente para a propositura desta

ação.

Segundo Édis Milaré (2005, p. 990-991), o binômio ilegalidade/lesividade exigível

para a propositura da ação popular de cunho simplesmente patrimonial não se afeiçoa à

demanda popular destinada à proteção do ambiente, para a qual tão-só a lesividade é

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suficiente à provocação da tutela jurisdicional. A licitude da atividade não exclui a

responsabilidade decorrente do dano ambiental.

A Constituição de 1988 passou a possibilitar a defesa dessa teoria com suficiente

segurança, uma vez que expressamente estabelece no art. 5º, LXXIII, que “qualquer cidadão é

parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo [...]”, no que se coaduna a

doutrina majoritária.

Os danos ambientais são de difícil reparação. Muitas vezes, “a recuperação do meio

ambiente e o retorno ao estado de origem são impossíveis, razão pela qual precisam ser

sistemática e positivamente coibidos” (SILVA, 2008, p. 269). A ação popular ambiental é um

importante instrumento colocado pelo ordenamento jurídico constitucional.

A lesão tipificada é lesão ao meio ambiente, cuja defesa foi legitimada diretamente

ao cidadão via ação popular apenas com a Constituição de 1988. Como afirma José Afonso da

Silva (2008, p. 270):

Não gostava, como já dito, da Lei regulamentadora 4.717/65, que exigia a conjugação desses fatores para configuração da causa petendi, mas que traz no seu bojo objeto distinto, ato, ou omissão, não precisa ser lesivo ao erário, nem se revestir de ilegalidade para provocar lesão ao bem ambiental e autorizar o cidadão à busca direta de sua reparação.

Esta concepção visa privilegiar o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável:

direito fundamental intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, na medida em que se

liga à defesa da vida, e vida com dignidade.

Uma das características que diferencia a ação popular da ação popular ambiental é

justamente a necessidade de conjugação dos requisitos da ilegalidade e lesividade para a causa

de pedir. Vejamos os julgados da seara da ação popular e da ação popular ambiental, pois

percebamos que na área ambiental cita-se, somente, a questão da lesão: “Ação Popular -

Carência decretada por ausência dos requisitos da lesividade e da ilegalidade - Recurso oficial

não provido” (SÃO PAULO, 2009g).

Observemos agora o segundo caso jurisprudencial:

EMENTA: AÇÃO POPULAR. Carência de ação. Correção de ato omissivo do Poder Público. Incabível. Honorários advocatícios e custas processuais. Má-fé não comprovada. Isenção. A finalidade da ação popular é anular um ATO ILEGAL OU LESIVO ao patrimônio público, inclusive ao meio ambiente, não servindo para corrigir um ato omissivo do Poder Público nem para criar uma obrigação de fazer, o que é admissível somente em ação civil pública. (TJRO. Apelação Cível n 01.000688-5 – Origem: 001990095151

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Porto Velho/RO 2ª Vara da Fazenda Pública – 8ª Câmara de Direito Público – Relator: Juiz Sansão Saldanha – 30.03.2000 – V.U.). (BRASIL, 2008).

Tratemos, pois, dos atos comissivos e omissivos inseridos no campo ambiental.

5.6.2 Ato comissivo ou omissão

Gregório Assagra de Almeida (2003, p. 420) assevera que o princípio da

inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição de

1988, é uma das maiores garantias do Estado Democrático de Direito, não comportando

exceção de modo a não permitir a análise do ato discricionário, justamente porque ele pode

ameaçar ou lesionar direito difuso tutelável via ação popular.

São numerosos os obstáculos para a efetivação de medidas judiciais quando a

questão é a omissão administrativa em matéria ambiental. O acolhimento da omissão na causa

de pedir tem como argumentos contrários a violação do princípio da separação dos poderes, a

falta de legitimidade do Judiciário, já que o Executivo tem a discricionariedade

administrativa.

De fato, os poderes são independentes sim, porém, harmônicos entre si, e o

Judiciário, ao atuar no controle de políticas públicas, conduz à efetividade do princípio

Democrático.

Em matéria de direitos sociais impende reconhecer a vinculação da Administração

Pública aos fins buscados pela ordem constitucional vigente, que pretende deliberadamente,

em matéria ambiental, a preservação da qualidade de vida e a proteção do ambiente natural

contra as ações degradadoras.

Assim, o agir administrativo está umbilicalmente ligado a tais pressupostos, sendo

vedada qualquer atuação de ente estatal tendente a gerar danos ambientais ou a não evitar que

estes sejam produzidos, conforme decisão abaixo:

Ação Popular - Objetivo - Reformulação do sistema de esgotos junto à nascente de rio - Dano ao meio ambiente - Inexistência de ato a ser anulado - Lesão, no entanto, decorrente de omissão da administração - Existência, porém, de anterior condenação do município na forma pleiteada - Falta de interesse processual caracterizada - Hipótese do artigo 267, inciso VI, do

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Código de Processo Civil – Recurso provido para esse fim. (SÃO PAULO, 2008c).

A ação ou omissão administrativa e a atividade do particular que lesione o bem

ambiental, ao contrário daquelas previstas para a ação popular em defesa do erário, é

modalidade de responsabilidade objetiva, que independe da prova da ocorrência de culpa ou

de dolo. Relevante é o interesse do autor, legitimado nesta perspectiva de interesse difuso,

para tentar o comprometimento do ato administrativo, ressaltando que se faz necessário o

autor popular apresentar rol de provas, vejamos:

Apelação com Revisão n° 609.250.5/9-00 - São Paulo - 2a Vara da Fazenda Pública. Recorrente: Juízo "Ex-Officio". Apelados: Prefeitura Municipal de São Paulo e outros. Ementa: AÇÃO POPULAR AMBIENTAL – PEÇA INICIAL TOTALMENTE DESACOMPANHADA DE QUAISQUER PROVAS – PRAZOS CONCEDIDOS AO AUTOR POPULAR, OS QUAIS FORAM DESATENDBDOS – EXTINÇÃO DO FEITO SEM O JULGAMENTO DO MÉRITO - POSSIBILIDADE. Compete ao autor popular oferecer, junto com a peça inicial, indício de prova dos fatos alegados, que permitam ao Magistrado reconhecer que não se trata de mera aventura jurídica; não o fazendo, apesar de instado várias vezes pelo Juízo a providenciar documentação hábil a amparar sua pretensão, correta a extinção da ação popular, não se confundindo a necessidade de amparo documental prévio da peça inicial com a fase de instrução probatória. RECURSO OFICIAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (SÃO PAULO, 2008d).

No item seguinte faremos os apontamentos pertinentes ao último dos elementos da

ação, o pedido.

5.7 Pedido

O pedido na ação popular da Lei nº. 4.717/65 tem como via de regra natureza

desconstitutiva condenatória, na medida em que visa a desfazer ato lesivo e ilegal ao

patrimônio público. Não parece, entretanto, que este seja o melhor tratamento quando o objeto

da tutela for o bem ambiental. Poderá haver também a cumulação de pedidos, desde que

compatíveis entre si e que seja competente para julgá-lo o mesmo juízo.

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É de se ter presente que a ação popular se desenvolve no âmbito da jurisdição

coletiva, e nesse plano há de se conceder um temperamento, certa relativização conceitual dos

elementos da ação – partes, pedido e causa – porque eles aí não apresentam a mesma rigidez

compartimentada que há nas ações coletivas.

É que nas ações coletivas as partes não postulam interesse próprio e o seu pedido, ao

seu turno, é de ser visto em seu sentido substancial, a saber, comportando avaliação quanto à

sua idoneidade para tutelar eficazmente o conflito meta-individual.

De fato, interesse envolvendo o bem difuso não se coaduna com esta situação de só

anulação do ato lesivo e indenização em pecúnia, equivalente ao dano. Até porque existe uma

grande dificuldade em se valorar a extensão dos danos ambientais, e a indenização reverte a

um Fundo, que não necessariamente destinará o valor para a recomposição daquele específico

dano. Na ação popular da Lei nº. 4.717/65, o valor da indenização reverte diretamente para os

cofres lesados.

Afirma Rodolfo de Camargo Mancuso (2003, p. 93) que, com a reforma processual

de 1994, agora é possível ao juiz impor multa diária ao réu independente do pedido expresso

do autor, multa processual nos termos do artigo 461, § 4º e § 5º, do Código de Processo Civil,

“o que é particularmente importante para as ações populares ambientais, onde o bem jurídico

tutelado – de uso comum do povo: CF, art. 225 – não se recompõe, satisfatoriamente, com a

singela condenação pecuniária”. Além disso, a proteção do meio ambiente – este um direito

fundamental; aquela, um dever do cidadão -, mais se harmoniza com a tutela preventiva do

que com a reparatória.

Nas lições de José Afonso da Silva (2002, p. 321-322) temos que:

[...] o objeto imediato da demanda popular consiste na anulação do ato lesivo ao meio ambiente e na condenação dos responsáveis pelo ato, incluindo os seus destinatários, ao pagamento de perdas e danos ou, alternativa ou cumulativamente, a repor a situação no status quo ante, ou seja, a recuperar o meio ambiente degradado. O objeto mediato constitui-se na proteção do meio ambiente, o que envolve a ideia de conservação, recuperação, preservação da sua qualidade.

As lesões a direitos difusos poderão implicar em danos morais, uma vez que um dano

ambiental pode produzir não apenas uma lesão no equilíbrio ecológico, mas também na

qualidade de vida e na saúde das pessoas, pois viola valores coletivos, o que não é aceitável

juridicamente, devendo, portanto, ocorrer à indenização moral desta coletividade.

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Sobre direitos difusos temos que, com efeito, o direito individual puro, que é o

pertencente a um único titular individualizado, não poderá fundamentar ação coletiva.

Também pode ocorrer que o direito ou interesse difuso apresente dimensão

individual. Nestes casos, se o indivíduo sofrer lesão ou ameaça direta em sua esfera de direito

em decorrência da violação também de direito difuso (meio ambiente, por exemplo), ele

poderá vir a juízo para buscar a tutela de seu direito, conforme lhe assegura a Constituição

(art. 5º, XXXV), o que também atinge por via reflexa, no mundo dos fatos, direito difuso. O

processo no caso é individual e não coletivo.

Ocorre que “o indivíduo [...] acaba por beneficiar, em caso de procedência do

pedido, uma comunidade de pessoas indeterminadas e indetermináveis, que são os titulares de

direito ou interesse difuso em questão”, conforme Gregório Assagra de Almeida (2003, p.

495-496).

Ao Poder Judiciário compete transplantar para a prática o disposto na Constituição

Federal e na legislação ordinária acerca do dano moral ambiental, fazendo aplicação, nos

casos indenizatórios, do princípio in dúbio pro ambiente.

Na ação popular ambiental, pela “dificuldade que se impõe ao autor em mensurar o

valor financeiro dos danos, tanto mais do dano moral, existe entendimento jurisprudencial no

sentido de que poderá pugnar pela fixação em limites que consideram aceitáveis” (SILVA,

2008, p. 285).

Marcelo Abelha Rodrigues (2004, p. 176-177) afirma que o dano é marco

delimitador do tipo de tutela jurisdicional a ser solicitada pelo autor popular por meio dos

pedidos mediato e imediato, posto que, se já houve o dano, a tutela será sancionatória, voltada

para o passado e, de preferência, buscando uma reparação in natura; e, se ele ainda não

ocorreu, mas existe potencialmente a possibilidade de sua ocorrência, duas outras situações

podem ser verificadas: sem dano, mas com ilícito ocorrido ou sem o ilícito ocorrido. “Nesses

dois casos, a e b, tem-se a tutela específica com a prevenção do dano ou a inibição do ilícito

pela imposição judicial do dever positivo ou negativo [...]. Enfim, trata-se de obter a inibição

prevista no dispositivo legal que, em sede ambiental, é muito comum” (ALMEIDA, 2003, p.

497).

O uso dessa tutela inibitória não pode ser tardio, e os seus mecanismos de efetivação

devem ser eficientes o bastante, sob pena de não impedirem a injuridicidade da conduta que

muitas vezes pode acarretar dano ao ambiente.

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Em matéria ambiental, a ação popular ambiental preventiva não só é possível, como,

inclusive, é recomendável, face à dificuldade de recomposição do bem natural. A tutela

preventiva é a que melhor atende as necessidades de proteção destes direitos difusos.

Na ação popular ambiental, basta a lesividade ao meio ambiente ou a demonstração

de que ela está na iminência de ocorrer. O fundamento, nesta ação, é constitucional. A ação

popular com fundamento na Lei nº. 4.717/65, não exige a oitiva do Poder Público antes da

concessão da liminar, quando o objeto a ser tutelado for o erário.

Porém, no caso de ação popular ambiental, esta providência deve ser efetivada, já

que as regras para ela adotadas são as mesmas da ação civil pública, do mandado de

segurança coletivo e da Lei nº. 8.437/92 [artigo 2º], sob pena de nulidade.

Na Ação Popular Ambiental, temos a peculiaridade de que o próprio Poder Público

pode ser o causador do dano ao meio ambiente, por meio de uma obra pública, por exemplo, e

até que haja a responsabilidade de seus agentes, figurará no polo passivo da demanda.

Após abordamos as questões atinentes aos elementos da ação e à condição da ação

no tocante à legitimidade de partes, enfocaremos nos dois itens subseqüentes as outras duas

condições da ação, quais sejam, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido.

5.8 Interesse de agir

É complicada a análise do interesse jurídico na ação popular ambiental, porque os

danos provocados ao meio ambiente são de difícil e, muitas vezes, de impossível reparação.

Não seria lógico, viável ou prudente que se aguardasse a concretização de um dano para que

só então o sistema jurídico autorizasse o cidadão a ajuizar Ação Popular Ambiental, sob o

fundamento de que somente com a lesão perpetrada estaria configurado seu interesse

processual.

Esta atitude teria por escopo apenas reparar ou indenizar, na impossibilidade de

reparação, ou, cumulativamente, indenizar com a reparação.

Em matéria ambiental, existem situações nas quais o dano somente ficará manifesto

em tempo futuro, com base em conhecimento científico atual.

O interesse necessidade-adequação, ou interesse necessidade-utilidade, estará

presente sempre que o cidadão se vir compelido a socorrer-se do Judiciário para defesa do

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meio ambiente, bem difuso, em demanda que tenha caráter preventivo, inibitório,

ressarcitório, condenatório, como afirma Luiz Manoel Gomes Junior (2004, p. 131-132) ao

dizer que “hoje, mais do que obter uma tutela ressarcitória, o que se objetiva é que o dano não

seja produzido. Ora, qual a lógica em se admitir que haja o prejuízo apenas porque no futuro

poderá haver o ressarcimento?”.

A ação popular ambiental “não possui apenas caráter reparatório ao meio ambiente”,

mas também e, principalmente, preventivo de dano, “o que implica na caracterização do

interesse processual do Autor Popular no ajuizamento desta demanda” (SILVA, 2008, p. 290),

independentemente da ocorrência prévia e efetiva de lesão, bastando a possibilidade de sua

ocorrência.

Discutiremos a seguir a impugnação quanto à possibilidade jurídica do pedido na

ação popular ambiental.

5.9 Possibilidade jurídica do pedido

O tópico mais importante a ser tratado quanto à possibilidade jurídica do pedido na

ação popular ambiental é a questão de sua impugnação.

Neste ponto a doutrina diverge dos fundamentos para caracterização da rejeição

liminar da demanda, ou do pedido, quando o argumento for a impossibilidade jurídica do

pedido. É o que podemos observar no julgado abaixo:

Ação Popular - Ausência das condições da ação - Extinção do processo sem julgamento de mérito - Admissibilidade - Se o autor popular não lastreia o seu pedido em ato lesivo ao patrimônio público, nem à moralidade administrativa, ou ao meio ambiente e patrimônio histórico e cultural, ressente-se a ação popular do próprio objeto, inexistindo a possibilidade jurídica do pedido, que diz com interesse particular - Sendo assim, o processo tinha de ser extinto, sem julgamento do mérito, não havendo qualquer nulidade da sentença, que não apreciou questão de mérito, onde não chegou - Sentença mantida – Recurso reexame necessário não provido. (SÃO PAULO, 2008e).

Passemos aos apontamentos quanto à prescrição em relação à ação popular

ambiental.

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5.10 Prazo prescricional

A ação civil pública é imprescritível, não só pela ausência de norma específica na Lei

de regência, mas também devido à natureza jurídica dos bens coletivos que protege.

Tratando-se de matéria ambiental a consciência jurídica indica a inexistência de

direito adquirido de degradar a natureza, da mesma forma, tem-se admitido a

imprescritibilidade da pretensão reparatória. Quando o direito ou interesse tem natureza

ambiental, não incide a prescrição para as ações que objetivam sua tutela.

Embora seja patrimonialmente aferível para fim de indenização, o direito ao meio

ambiente hígido é indisponível e imprescritível, também, não se trata de ferir ou desprestigiar

o princípio da segurança jurídica com a afirmação da imprescritibilidade da Ação Popular

Ambiental. O enfoque aqui é outro.

O objetivo maior é tutelar um bem essencial à existência, à manutenção, à

preservação da vida neste planeta, e vida com qualidade. E a segurança jurídica, como posta

para os institutos de natureza civil e patrimonial, não poderia servir de óbice a este intento de

índole constitucional, tanto menos se fosse utilizado para conferir ao instituto da prescrição o

mesmo alcance que lhe outorga a legislação infraconstitucional.

Não é possível a existência de um direito fundamental sem a respectiva proteção do

sistema jurídico, sob pena de estar sendo lesado outro direito também fundamental, o do

devido processo legal, por isso temos que, a Lei da Ação Popular data de 1965 e sua

concepção não previa a tutela ambiental, o que foi autorizada, expressamente, com o advento

da Constituição de 1988, que recepcionou, no inciso LXXIII do artigo 5º, a ação popular,

ampliando seu objeto.

Se não houver compatibilidade entre os dois preceitos legais, a analogia não pode ser

aplicada, assim a Lei de Ação Popular de 1965 não deve ser aplicada em sua totalidade em

relação à Ação Popular Ambiental.

Assim, na sistemática da ação civil pública, caso a pretensão reparatória específica

não se faça mais possível, como corolário da condenação em obrigação de fazer e não fazer, e

caso a atividade lesiva já tenha sido encerrada, com o dano efetivado, persiste ainda a

possibilidade de que a obrigação de fazer ou não fazer seja convertida em indenização por

perdas e danos, em pecúnia, e revertida ao Fundo dos Direitos Difusos para posterior

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recuperação do bem lesado, o que leva a aceitá-la como a que melhor se amolda às normas

constitucionais.

Entendemos que diante de uma ação popular ambiental, as regras processuais

aplicáveis ao processo serão aquelas previstas pela Lei da Ação Civil Pública, que não traz em

seu bojo prazo prescricional demarcado, justamente por se voltar à proteção judicial de bens

imprescritíveis, tamanha sua importância para a sociedade.

A natureza jurídica da ação popular ambiental não é, portanto, a mesma da ação

popular regulamentada pela Lei nº. 4.717/65, devido à diversidade dos bens jurídicos

tutelados e à adequada sistemática processual aplicada para a eficácia dos comandos legais.

A partir do item subseqüente [5.11] trataremos dos aspectos processuais visualizando

a linha temporal de interposição, processamento e recursos. Iniciemos com a análise da

petição inicial.

5.11 Petição inicial

A petição inicial da ação popular ambiental deverá seguir os requisitos dos artigos

282 e 283 do Código de Processo Civil. O artigo 1º, § 3º, da Lei nº. 4.717/65 determina que a

inicial seja acompanhada da prova de cidadania, o que poderá ser feito com a juntada de cópia

do título de eleitor ou documento que a ele corresponda [artigo 1º, § 3º, da Lei nº. 4.717/65].

Tem-se que “essa disposição legal não foi recepcionada pelo texto constitucional, que não

limita a concepção de cidadão a quem tenha capacidade de votar e esteja em dia com os seus

direitos políticos” (ALMEIDA, 2003, p. 408). Para instruir a inicial, o cidadão poderá

requerer às entidades referidas no caput do mesmo artigo as certidões e informações que

julgar necessárias; porém, deverá indicar a finalidade das mesmas.

E mais, tendo em vista a incidência, em sede de ação popular, também do princípio

da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva, estatuído no artigo 83 do Código de

Defesa do Consumidor, seria aplicável à ação popular por força de regra expressa prevista no

artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública, conclui-se que são admissíveis na ação popular todos

os pedidos: condenatório, em todas as suas espécies; declaratórios, negativos ou positivos;

constitutivos, descontitutivos ou modificativos; e, inclusive, provimento com eficácia

mandamental, se o caso o exigir.

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Discutamos em seguida a possibilidade de concessão de liminar na ação popular

ambiental.

5.12 Liminar

A Lei nº. 6.513/77 acrescentou o § 4º ao artigo 5º da Lei nº. 4.717/65, com o seguinte

teor: “Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado”.

Essa liminar tem natureza de antecipação de tutela, já que na verdade antecipa os efeitos da

tutela de mérito pretendida. A partir de 1994, já seria possível a antecipação da tutela por

força da aplicabilidade subsidiária do Código de Processo Civil.

Portanto, são admissíveis, em sede de ação popular, todos os tipos de provimentos e

todas as formas de tutelas jurisdicionais adequadas e que possam garantir a efetividade do

provimento final; isso por força da incidência do princípio da máxima amplitude da tutela

jurisdicional coletiva, que está estabelecido expressamente no artigo 83 do Código de Defesa

do Consumidor. Assim vamos encontrar a antecipação da tutela quando for necessária como

no caso abaixo indicado:

Agravo de Instrumento n° 668 057-5/0 - Comarca de Campinas – Agravante CARLOS ALFREDO ROSSI e outros - Agravados JOSÉ LUIZ VIEIRA MULLER - Ação popular - Meio ambiente - Acusadas atividades poluidoras em APP - Tráfego e estacionamento de veículos a motor - Tutela antecipada para impedir estacionamento de veículos - Presença dos requisitos legais, nas circunstancias - Laudos e fotografias que comprovam as infrações - Agravo acolhido. Voto 21 793. (SÃO PAULO, 2008f).

Interessante decisão na Câmara Especial de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça

de São Paulo, de 19 de Fevereiro de 2009, que versa sobre liminar concedida em 1º grau,

tendo sido impetrado Agravo de Instrumento, o qual restou infrutífero. Vejamos decisão do

Desembargador Renato Nalini, com seu voto vencedor no julgamento:

TJSP – Seção de Direito Público - Câmara Especial do Meio Ambiente VOTO N° 14.391 AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 830.127-5/5 - PIRACICABA Agravante: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO Agravados: MÁRIO LUIZ GONÇALVES DE CAMARGO e OUTROS

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AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO POPULAR - CONCESSÃO DE LIMINAR PARA SUSPENSÃO DE CONSTRUÇÃO ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTO - CABIMENTO - PARECERES DE ESPECIALISTAS JUNTADOS NA INICIAL QUE INFIRMAM AS LICENÇAS CONCEDIDAS PELOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS - ALEGAÇÃO DE QUE A OBRA ESTÁ SENDO CONSTRUÍDA EM ÁREA DE NASCENTE, A COMPROMETER O LENÇOL FREÁTICO, E DEVASTAR A MATA CILIAR - PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO A INSPIRAR TODO O DIREITO AMBIENTAL- AGRAVO DESPROVIDO. AÇÃO POPULAR - CONCESSÃO DE LIMINAR - PRÉVIA OITIVA DO REPRESENTANTE DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO DESNECESSIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 2o DA LEI N° 8.437/92 - PRECEDENTE DO STJ – AGRAVO DESPROVIDO Agrava de instrumento a FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, de despacho que, em ação popular movida por MÁRIO LUIZ GONÇALVES DE CAMARGO e OUTROS, deferiu parcialmente a liminar para suspender temporariamente os efeitos da "Licença Prévia n° 21001304" e "Licença de Instalação n° 21002241" emitidas pela CETESB aos 26.11.2007, bem como eventuais obras que tenham sido iniciadas para a construção de estação de tratamento de esgotos, pela core CONSTIC EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, na implantação do projeto de loteamento Monte Alegre, no Município de Piracicaba. Como fossem concedidas as licenças necessárias à realização das obras e, entendendo os autores populares que a E.T.E. seria construída em local onde existiria uma nascente, coberta por vegetação nativa típica de área riparia, em solo permanentemente úmido em razão da superficialidade de lençol freático, vale dizer, em Área de Preservação Permanente, ajuizou-se ação popular a objetivar a nulidade das licenças concedidas e o desfazimento do aterro já realizado, eis que vulnerados o artigo 225, § Io, III, da Constituição Federal, o artigo Io, §§ 2o e 3o da Lei n° 4.771/65, e o artigo 197 da Constituição Paulista. Concedida em parte a medida liminar para suspensão dos efeitos das licenças e da obra, e designada pelo juízo a realização de prova pericial, irresignou-se a Fazenda Estadual neste agravo de instrumento, secundando anterior agravo interposto pela CONSTIC. Sem razão, contudo. A alegação de que a terra retirada para a construção da ETE será carregada pelas chuvas até o Córrego Figueira, ocasionado danos ambientais catastróficos, em nada iníirma a decisão agravada, que se valeu do melhor direito ao conferir efetividade aos princípios da precaução e prevenção. Diante dos consistentes elementos formadores da convicção judicial, não havia outra alternativa senão a concessão da liminar. Sempre a ressaltar que os princípios da precaução e da prevenção, incidentes sobre todas as questões de ameaça ou dano à natureza, sobrelevam ao interesse particular e merecem prioridade. Ambos legítimos, o direito à natureza é direito intergeracional, pois dele dependerá a sobrevivência da Humanidade no planeta. Não há como fazer preponderar o dos empreendedores pretensamente prejudicados, no cotejo ora estabelecido. E embora ponderável o interesse da comunidade, não é à custa do meio ambiente que o sistema de tratamento do esgoto deve ser implantado. Ademais, a liminar, apesar de impugnar ato expedido pela Administração, não se volta contra o interesse público, antes defende o direito intergeracional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a uma sadia qualidade de vida. Tampouco há se falar que a medida esgota o objeto da ação. A liminar não é irreversível. Constatada a inexistência de nascente d'água no local, após competente dilação probatória e o pronunciamento

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judicial, a construção da Estação de Tratamento de Esgoto poderá ter continuidade. No mais, as alegações acerca da correção da conduta do DEPRN, e da falta de higidez do laudo e parecer apresentados pelos agravados, ganham complexidade incompatível com o presente recurso, extrapolando seus limites de cognição. (SÃO PAULO, 2009h, grifo nosso).

Ressalte-se que em sua argumentação o julgador registra que a impugnação às

licenças concedidas pela Administração, não se volta contra o interesse público, ao contrário a

liminar vem defender o direito intergeracional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

e a uma sadia qualidade de vida, conforme já bem demonstrado neste trabalho, bem

fundamentada decisão em cumprimento à Constituição Federal de 1988.

No próximo item seguem as considerações sobre a citação.

5.13 Citação

A citação deverá ser efetuada pelo oficial de justiça, se assim o requerer o cidadão-

autor. Caso contrário poderá se efetuar pelo correio, exceto em relação às pessoas jurídicas de

direito público, tendo em vista a vedação legalmente estabelecida [artigo 222, c, do Código de

Processo Civil].

Em sua defesa os demandados na ação popular poderão contestar arguindo em

preliminar as matérias elencadas no artigo 301 do Código de Processo Civil, bem como

utilizar outras formas de defesa compatíveis. Não poderá utilizar os demandados da

reconvenção, de acordo com o artigo 315, parágrafo único, do citado diploma normativo,

sendo que o prazo para contestação é de 20 [vinte] dias, prorrogáveis por mais 20 [vinte] dias,

a requerimento do interessado, caso seja difícil a produção de prova documental.

Cabe-nos agora abordamos a fase instrutória do procedimento da ação popular

ambiental.

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5.14 Fase instrutória

A ação popular é ação de conhecimento que segue o rito ordinário. Com exceção das

disposições especiais de procedimentos previstas no artigo 7º da Lei nº. 4.717/65, são cabíveis

todos os meios de prova em direito admissíveis, sejam eles típicos, sejam moralmente

legítimos.

Na ação popular o juiz tem amplos poderes instrutórios. Isso porque a ação popular é

espécie de ação coletiva de tutela de direitos difusos, o que “impõe ao julgador a busca efetiva

da verdade processual, de sorte a prestar uma tutela jurisdicional coletiva legítima e

socialmente justa” (ALMEIDA, 2003, p. 411). Aplica-se aqui o princípio da máxima

efetividade do processo coletivo.

O próximo item do nosso estudo será dedicado à sentença aplicada à realidade da

ação popular ambiental.

5.15 Sentença

Podemos observar que dentro dos modelos de ações populares corretivas ou

supletivas, o sistema brasileiro optou por dar finalidade corretiva à ação popular.

Na esteira dessa função corretiva da ação popular, observa-se que as sentenças

admissíveis na ação popular brasileira contêm, em regra, provimentos condenatório e

constitutivo; “admite-se também o declaratório positivo, quando se pede a declaração de

nulidade do ato administrativo praticado” (ALMEIDA, 2003, p. 412).

Ressalta-se que o artigo 11 da Lei nº. 4.717/65, mitigando o princípio da

correspondência, admite que o juiz, de ofício, condene ao pagamento de perdas e danos os

responsáveis pela prática e os beneficiários dele. Portanto, o juiz está autorizado em sede de

ação popular a julgar ultra petita.

Nem sempre se verificam nos recursos os efeitos suspensivos para a ação civil

pública e, por consequência, à ação popular ambiental, uma vez que o artigo 14 da Lei nº.

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7.347/85 faculta ao juiz a análise do caso concreto para eventual atribuição dos mesmos

contra a sentença, o que, evidentemente, trará dano à parte.

A norma, portanto, é que o recurso interposto de sentença proferida na ação civil

pública tenha efeito apenas devolutivo, fazendo com que as novas regras do Código de

Processo Civil para o cumprimento de sentença encontrem aplicação na Lei nº. 7.347/85.

Conforme salienta Flávia Regina Ribeiro da Silva (2007):

É sabido que a Constituição Federal de 1988, no art. 5º, inciso LXXIII legitimou nova espécie de Ação Popular no sistema processual brasileiro: A Ação Popular ambiental. Portanto, quando o objeto evidenciar a defesa do meio ambiente, devido à peculiar característica deste bem, alçado pela CF/88 à categoria de direito humano fundamental, a sentença na ação Popular poderá ter natureza mandamental, com cominação de multa diária para o caso de seu descumprimento. Estará o juiz utilizando de todos os meios disponíveis no sistema para assegurar a efetividade da tutela jurisdicional, ainda que tal não tenha sido pedido diretamente pelo Autor. (...) Desta feita, resta claro que a sentença na Ação Popular pode assumir as mais variadas características, dado seu objeto e a natureza do bem jurídico a ser tutelado. Assim, quando a Ação Popular tiver por objeto a proteção bem de difícil ou impossível reparação, como o meio ambiente, para o qual a indenização pecuniária não corresponda à melhor forma de retorno ao status quo ante, significando apenas uma compensação, o sistema processual e os objetivos constitucionais de assegurar maior efetividade à prestação jurisdicional autorizam sua tutela preventiva e até mesmo a cautelar e a antecipada. Ainda mais nas ações coletivas, que tamanha repercussão tem na sociedade.

Como conseqüência lógica, passemos a abordar os recursos.

5.16 Recursos

Afirma Marcelo Abelha Rodrigues (2004, p. 238) que:

[...] quanto aos recursos utilizáveis nas demandas coletivas não há nenhuma novidade, devendo incidir integralmente o art. 19 da LACP, que determina a aplicação subsidiária do CPC e, nesse passo, pode-se afirmar que todos os recursos, seus prazos, princípios regentes, etc. são aplicáveis às demandas coletivas.

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Também neste aspecto Luiz Manoel Gomes Júnior (2005, p. 721) entende que, no

caso de sentença condenatória em ação popular ambiental, o recurso interposto deve ser

recebido apenas no efeito devolutivo, aplicando-se a norma do art. 14 da Lei nº. 7.347/85,

uma vez que a concessão de efeito suspensivo é uma faculdade atribuída ao juiz, que o fará

em casos excepcionais, mas principalmente por conta da natureza jurídica ambiental do bem

tutelado, erigido à categoria de direito fundamental.

Aplica-se, ainda, a dispensa do preparo somente ao autor popular ambiental, por

interpretação do Artigo 5º, LXXIII, da Constituição de 1988, bem como a remessa

obrigatória.

A Lei nº. 4.717/65 somente faz menção à apelação [artigo 19] e ao agravo de

instrumento [§ 1º do artigo 19]. Todavia, esse posicionamento foi elaborado durante a

vigência do CPC/39 e hoje se encontra superado.

Com efeito, sustenta Gregório Assagra de Almeida (2003, p. 413) que:

[...] são cabíveis na ação popular os seguintes recursos: a- agravo pelo regime do instrumento ou pelo regime de retenção; b- apelação; c- recurso adesivo; d- embargos infringentes, quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito proferida em sede de ação popular; e- embargos declaratórios; f- recurso especial; g- recurso extraordinário; h- embargos de divergência.

Necessário se faz abordarmos em seguida o reexame necessário enquanto condição

de eficácia da sentença na ação popular ambiental.

5.17 Reexame necessário da matéria

Está determinado pelo artigo 19, da Lei nº. 4.717/65, que a sentença que concluir

pela carência ou pela improcedência da ação popular está sujeita ao duplo grau de jurisdição,

não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal.

Trata-se de condição de eficácia da sentença, de sorte que a sentença em ação

popular, nestas hipóteses, só transitará em julgado e só produzirá efeito depois de sua

confirmação pelo tribunal. A remessa obrigatória, também denominada de reexame necessário

da matéria, independe de recurso das partes, demandantes ou demandados.

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5.18 Coisa julgada e efeitos da decisão

A Lei da Ação Popular em seu artigo 18 adotou o sistema da coisa julgada secundum

eventum litis, que foi seguido posteriormente pela Lei de Ação Civil Pública [artigo 16] e pelo

Código de Defesa do Consumidor [artigo 103].

Assim, estabelece o referido artigo 18 que a sentença terá eficácia erga omnes. Por

esse artigo, então, estabelece-se que após a sentença, a decisão terá eficácia para todos; regra

que “só será quebrada quando ficar evidenciado, através de uma nova ação, sustentada em

nova prova, ter sido o julgamento improcedente por deficiência probatória” (BRITO, 2007, p.

139).

No caso de improcedência do pedido por insuficiência de provas, deverá o julgador

fundamentar a decisão apontando as razões da deficiência probatória, sob pena de nulidade.

5.19 Execução na ação popular

A execução forçada na ação popular decorre do provimento condenatório do ato

sentencial. Estabelece o artigo 11 da Lei de Ação Popular que a sentença que julgar

procedente o pedido decretará a invalidade do ato impugnado e condenará ao pagamento de

perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele.

Podemos observar que com relação ao destino da verba condenatória na ação popular

deve-se verificar primeiro a natureza do direito difuso violado. Se a condenação em dinheiro

decorrer da violação a outros bens de natureza difusa [patrimônio cultural, histórico, moral ou

ecológico], a verba reverterá ao fundo criado para a reconstituição dos bens lesados previsto

no artigo 13 da Lei nº. 7.347/8 e para a quitação das despesas processuais em sede de ação

popular. O constituinte pátrio, certamente para facilitar o ingresso em juízo do cidadão via

ação popular, isenta-o, salvo comprovada má-fé das custas processuais e do ônus da

sucumbência [artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal].

Seguindo para a finalização deste trabalho científico entendemos por bem abordar

mais dois itens relevantes quando pensamos nas questões processuais da ação popular

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ambiental: a figura a pessoa jurídica como ré e a intervenção do amicus curiae. Iniciemos

pelas considerações a cerca da pessoa jurídica.

5.20 Pessoa jurídica no pólo passivo da ação popular ambiental

A Lei Ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma

inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-

ambiente. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais

advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao

meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.

A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de

praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades.

Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no

meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas

e, portanto, ser passível de responsabilização penal.

A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade

da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu

nome e proveito.

A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma

pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. De qualquer modo, a pessoa

jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do

seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado. A atuação do colegiado em

nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê

que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida de sua

culpabilidade.

A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de

prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e

desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. Não há ofensa ao

princípio constitucional de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, pois é

incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma

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contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma

individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.

A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida,

diante de sua legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual-penal. Conforme

jurisprudência acostada:

RECURSO ESPECIAL Nº 564.960 - SC (2003/0107368-4) RELATOR : MINISTRO GILSON DIPP RECORRENTE : M. P. DO ESTADO DE SANTA CATARINA RECORRIDO : AUTO POSTO 1270 LTDA - MICROEMPRESA ADVOGADO : ODAIR FERNANDO TRAY E OUTRO EMENTA - CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO. (BRASIL, 2009d)

A Constituição de 1988, consolidando uma tendência mundial de atribuir maior

atenção aos interesses difusos, conferiu especial relevo à questão ambiental, ao elevar o meio-

ambiente à categoria de bem jurídico tutelado autonomamente, destinando um capítulo inteiro

à sua proteção. Em seu artigo 225, com efeito, a Carta Magna assim proclama: “Todos têm

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial

à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo

e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

No § 3º do mesmo dispositivo, a Carta Constitucional passou a prever, então, a

criminalização das condutas lesivas causadas ao meio-ambiente, fossem os infratores pessoas

físicas ou jurídicas. Confira-se: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio

ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Feita a opção constitucional pela responsabilização da pessoa moral, dez anos após,

veio a lume a Lei nº. 9.605/98, regulamentando o disposto no referido § 3º do artigo 225 da

Constituição Federal/88 e prevendo, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização

criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente.

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Eis o teor do artigo 3º da Lei Ambiental: “As pessoas jurídicas serão

responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme disposto nesta Lei, nos casos

em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de

seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade” (FIORILLO, 2009, p. 156).

A referência às pessoas jurídicas, no entanto, não ocorreu de maneira aleatória, mas

como uma escolha política, diante mesmo da pequena eficácia das penalidades de natureza

civil e administrativa aplicadas aos entes morais.

Rebatendo a tese final contemplada por alguns autores, no sentido da suficiência das

sanções de natureza administrativa e civil aos entes coletivos, cito as ponderações do

Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, José Luis Germano da Silva, no

julgamento do Mandado de Segurança 2002.04.01.013843-0/PR:

Não é incomum ouvir-se a afirmação de alguns no sentido de que bastariam as sanções administrativas para coibir os atos ilícitos societários. Não parece razoável a tese. Em primeiro lugar, especialmente nos países de terceiro mundo, onde a administração é mais sensível à impropriedade e os seus órgãos julgadores são despreparados, não é eficaz como resposta do sistema subtrair do Direito Penal a regulação, submetendo-se a perseguição ao Judiciário, que tem mais autonomia e independência para investigar e punir. Se a carga de negatividade social do crime empresarial justifica a presença do Direito Penal como ultima ratio, não há por que omitir-se na regulação. No Brasil, acresce a esses argumentos o fato de que a investigação criminosa pertence ao Ministério Público, que tem cumprido à risca sua função constitucional. Manter a controvérsia no âmbito regulador estrito da administração seria afastar o parquet da teia armada pelas empresas para realizar seus fins delituosos (PARANÁ, 2009).

É sabido, destarte, que os maiores responsáveis por danos ao meio ambiente são

empresas, entes coletivos, através de suas atividades de exploração industrial e comercial.

A incriminação dos verdadeiros responsáveis pelos eventos danosos, no entanto, nem

sempre é possível, diante da dificuldade de se apurar, no âmbito das pessoas jurídicas, a

responsabilidade dos sujeitos ativos dessas infrações. É o que destaca, com muita clareza,

Eládio Lecey, (2002, p. 45-49, grifo nosso):

[...] Sabidamente, os mais graves atentados ao meio-ambiente são causados pelas empresas, pelos entes coletivos. Em razão de serem cometidos no âmbito das pessoas jurídicas, surge extrema dificuldade na apuração do (ou dos) sujeitos ativos de tais delitos. A complexidade dos interesses em jogo na estrutura das empresas pode levar à irresponsabilidade organizada dos indivíduos. A diluição da responsabilidade não raro é buscada deliberadamente, com a utilização de mecanismos colegiados de decisão. (...) Deve-se, portanto, na responsabilização do sujeito ativo das infrações

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através da pessoa jurídica, dar especial atenção à figura do dirigente. (...) A par da responsabilização do dirigente, seja como autor ou co-autor, seja como partícipe, impõe-se a criminalização da pessoa jurídica para que, na restrita imputação à pessoa natural, não acabe recaindo a responsabilidade, como de regra, sobre funcionários subalternos que, na maioria das vezes, temendo represálias, não incriminam seus superiores. Ou porque, punindo-se apenas o indivíduo, pouco importaria à empresa que um simples representante, ou 'homem de palha' sofresse as conseqüências do delito, desde que ela, pessoa jurídica, continuasse desfrutando dos efeitos de sua atividade atentatória. Bem andou, pois, nossa Constituição de 1988 ao estabelecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica nas infrações contra o meio ambiente (art. 225, §3º). O legislador infraconstitucional, finalmente, recepcionou a norma da Carta Magna, consagrando a criminalização da pessoa coletiva nesses delitos (lei 9.605/98, art. 3º) [...].

A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais surge,

assim, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio ambiente, mas como

forma mesmo de prevenção da prática de tais crimes, função essencial da política ambiental,

que clama por preservação.

Cito, aliás, o seguinte trecho da obra de Luis Paulo Sirvinskas (2003, p. 15):

A maioria dos países da Europa pune a pessoa física e jurídica que lesa o meio ambiente, não só administrativa e civil, mas também penalmente. Nas esferas administrativa e civil, a proteção ao meio ambiente não tem sido eficaz. Na esfera administrativa, das multas aplicadas pelo IBAMA, em 1997, somente seis por cento foram recolhidas aos cofres públicos e, na esfera civil, nem todas as ações civis públicas têm sido coroadas de êxito, especialmente pela demora no seu trâmite. Por isso, a necessidade da tutela penal, tendo-se em vista seu efeito intimidativo e educativo e não só repressivo. Trata-se de uma prevenção geral e especial. Ressalte-se que alguns países inseriram tipos penais ambientais no Código Penal e outros por legislação ordinária. Nos dias presentes, a tendência no mundo moderno é responsabilizar penalmente a pessoa física e jurídica que cometa crimes contra o meio ambiente.

O caráter preventivo da penalização, com efeito, prevalece sobre o punitivo. A

realidade, infelizmente, tem mostrado que os danos ambientais, em muitos casos, são

irreversíveis, a ponto de temermos a perda significativa e não remota da qualidade de vida no

planeta.

Fernando Galvão (2003, p. 16-17) assim analisa a incriminação da pessoa jurídica

como forma de prevenção da conduta danosa ao meio ambiente, pela ótica capitalista.

Confira-se:

Por outro lado, a sanção de natureza penal oferece um contra-estímulo muito mais eficiente na proteção do meio-ambiente, justamente por trabalhar em

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harmonia com a lógica do mercado capitalista. A pena criminal possui efeito estigmatizante que, para a pessoa física, sempre foi considerado um ponto negativo. A pessoa física tem maiores dificuldades para a reinserção social após receber a marcação oficial de criminoso. No caso da pessoa jurídica, a marca da responsabilidade criminal dificulta os negócios da pessoa jurídica e, na defesa de seus interesses econômicos, os dirigentes da pessoa jurídica são estimulados a evitar o processo penal. Na lógica do mercado, a certificação de qualidade ambiental do ISO 14.001 abre caminho para bons negócios. Já a denúncia criminal possui efeito contrário, descredencia e, em alguns casos, inviabiliza a transação comercial com a pessoa jurídica responsável por dano ambiental. O tempo se encarregará de mostrar que a opção pela responsabilização criminal da pessoa jurídica desenvolve estratégia muito eficiente na preservação do meio ambiente, em especial porque trabalha intervindo na lógica capitalista do lucro.

No direito comparado, muitos são os países que já adotam a possibilidade de

responsabilização penal da pessoa jurídica, dentre eles: Inglaterra, Estados Unidos, Canadá,

Nova Zelândia, Austrália, França, Venezuela, México, Cuba, Colômbia, Holanda, Dinamarca,

Portugal, Áustria, Japão e China, demonstrando uma tendência mundial no sentido de admitir

a aplicação de sanções de natureza penal às pessoas jurídicas pela prática de ofensas ao meio

ambiente.

A responsabilização penal da pessoa jurídica, sendo decorrente de uma opção

eminentemente política, conforme referido, depende, logicamente, de uma modificação da

dogmática penal clássica para sua implementação e aplicação.

A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras, assim, na suposta

incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem

penalidades. Ocorre que a mesma ciência que atribui personalidade à pessoa jurídica deve ser

capaz de atribuir-lhe responsabilidade penal.

É incabível, de fato, a aplicação da teoria do delito tradicional à pessoa jurídica, o

que não pode ser considerado um obstáculo a sua responsabilização, pois o direito é uma

ciência dinâmica, cujos conceitos jurídicos variam de acordo com um critério normativo e não

naturalístico, como bem ressalta Fernando Galvão (2003, p. 141). Em suas razões recursais, o

Ministério Público, com efeito, assim ressalta: “A responsabilidade penal desta, à evidência,

não poderá ser entendida na forma tradicional baseada na culpa, na responsabilidade

individual, subjetiva, propugnados pela Escola Clássica, mas deve ser entendida à luz de uma

nova responsabilidade, classificada como social”.

Indaga-se de que forma a pessoa jurídica seria capaz de realizar uma ação com

relevância penal. Tudo depende logicamente da atuação de seus administradores, se realizada

em proveito próprio ou do ente coletivo.

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Explica Germano da Silva apud Galvão (2003, p. 142), ainda no julgamento do

Mandado de Segurança nº. 2002.04.01.013843-0/PR, que "a autoria da pessoa jurídica deriva

da capacidade jurídica de ter causado um resultado voluntariamente e com desacato ao papel

social imposto pelo sistema normativo vigente. Esta é a ação penalmente relevante".

Assim, se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica

atos no meio social, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de

responsabilização penal, tal como ocorre na esfera cível.

A questão da culpabilidade, por exemplo, deve transcender ao velho princípio

societas delinquere non potest. Na sua concepção clássica, não há como se atribuir

culpabilidade à pessoa jurídica.

Modernamente, no entanto, a culpabilidade nada mais é do que a responsabilidade

social. E a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu

administrador ao agir em seu nome e proveito. Valdir Sznick (2001, p. 66-67), na mesma

linha, prevê de que maneira a pessoa jurídica é culpável:

[...] à pessoa jurídica pode-se imputar, exigir e atribuir a responsabilidade penal. Se a culpabilidade é poder agir segundo as exigências do direito (a exigibilidade de outra conduta) a pessoa jurídica é culpável (entendendo a exigibilidade no conceito dos finalistas, reproduzido por Jimenez de Asúa). Tratando-se de pessoas jurídicas, estamos diante de uma culpa social, diferenciada mas que atinge interesses coletivos ; em um campo teórico, trata-se de uma culpa diferenciada, diversa da culpa tradicional, dentro do interesse público, fundamento da "strict liability", do direito americano, que prescinde da "mens rea", ou seja, do dolo. (Conf. Celis Wells, Corporations asd Criminal Responsability, Claredon Press, N. York, 1993, pág. 56 e seg.). Segundo Celia Wells, a "strict liability" (responsabilidade estrita) se incorporou à responsabilidade da pessoa jurídica, dentro da relação empresa-empregados, adotando responsabilidade vicariante (da empresa pelos seus empregados), sempre procurando determinar a responsabilidade da pessoa física (dirigentes ou responsáveis), mesmo sendo a pessoa jurídica responsável busca-se o elemento subjetivo do responsável.

É certo que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada

da atuação de uma pessoa física que age com elemento subjetivo próprio [dolo ou culpa]. Em

princípio, sempre que houver a responsabilidade criminal da sociedade estará presente

também a culpa do administrador que emitiu o comando para a conduta, do mesmo modo o

preposto que obedece à ordem ilegal, como de resto o empregado que colabora para o

resultado.

Os critérios para a responsabilização da pessoa jurídica são classificados na doutrina

(SIRVINSKAS, 2003, p. 132), como explícitos:

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[...] que a violação decorra de deliberação do ente coletivo; 2) que autor material da infração seja vinculado à pessoa jurídica; e 3) que a infração praticada se dê no interesse ou benefício da pessoa jurídica; e implícitos no dispositivo: 1) que seja pessoa jurídica de direito privado; 2) que o autor tenha agido no amparo da pessoa jurídica; e 3) que a atuação ocorra na esfera de atividades da pessoa jurídica.

Disso decorre que a pessoa jurídica, repita-se, só pode ser responsabilizada quando

houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral,

conforme o artigo 3º da Lei nº. 9.605/98.

Luís Paulo Sirvinskas (2003, p. 134) ressalta que "de qualquer modo, a pessoa

jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do

seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado". Essa atuação do colegiado

em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. Porém, tendo

participado do evento delituoso, todos os envolvidos serão responsabilizados na medida de

sua culpabilidade.

É o que dispõe o parágrafo único do artigo 3º da Lei nº. 9.605/98, que institui a co-

responsabilidade, nestes termos: “A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das

pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato” (FIORILLO, 2009, p. 236).

A insuscetibilidade de imposição de penas privativas de liberdade às pessoas

jurídicas é um argumento pouco aceitável contrário a sua responsabilização penal. O

ordenamento penal brasileiro prevê outras sanções penais para os entes morais.

Relativamente à Lei nº. 9.605/98 e às sanções ali previstas, merece destaque o fato de

que estão elas relacionadas na Parte Geral, e não nos próprios tipos penais, o que tem

suscitado diversas críticas na doutrina, diante da dificuldade que pode decorrer para a

aplicação prática, em face da necessidade de se realizar uma espécie de integração com a

Parte Especial.

Essa imprecisão técnica não é novidade no ordenamento penal brasileiro. Outras

normas contam com o mesmo defeito, mas foram adaptadas e aplicadas eficazmente.

Exemplo disso é o artigo 95, d, da Lei nº. 8.212/91. As penas restritivas de direitos consistem

em suspensão parcial ou total de atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou

atividade e proibição de contratar com o poder público e dele obter subsídios, subvenções ou

doações.

As penas de prestação de serviços à comunidade, por seu turno, servirão como

autêntica forma de reinserção da pessoa coletiva com expressivo retorno à tutela do meio

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ambiente, na medida em que se consubstanciam em custeio de projetos ambientais,

recuperação de áreas degradadas, contribuições a entidades ambientais, etc.

Mais uma questão de destaque é a respeito da possibilidade de ofensa ao princípio

insculpido no inciso XLV do artigo 5º da Constituição de 1988, in verbis: “Nenhuma pena

passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de

perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas,

até o limite do valor do patrimônio transferido”.

Essa regra, como bem se sabe, veio como forma de salvaguardar os familiares dos

condenados dos reflexos da condenação penal. Ora, não se pode negar o fato de que sempre

que alguém sofre uma condenação, a pena aplicada pode vir a atingir indiretamente pessoas

estranhas ou ligadas ao apenado, embora não relacionadas com o evento delituoso.

Exemplos disso são os parentes ou cônjuges do condenado, quando o mesmo não

puder garantir o sustento da família enquanto se encontrar preso, ou mesmo quando não puder

efetuar o pagamento de eventual pena de multa. Da mesma forma ocorre com a pessoa

jurídica. A penalidade a ela imposta afetará de alguma maneira os seus sócios e empregados e

até consumidores e fornecedores, sem que isso implique em violação à regra constitucional.

Não se pode deixar de lembrar que o referido dispositivo trouxe uma exceção à regra

da não transposição da pena, consubstanciada na extensão, aos sucessores do condenado, do

perdimento de bens.

Ademais, independentemente da teoria que se adote para definir a natureza jurídica

da pessoal moral [da ficção, da realidade objetiva ou da realidade jurídica], é incontroversa a

existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a

prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada,

decorrente de sua atividade lesiva.

Não obstante alguns obstáculos a serem superados, a responsabilização penal da

pessoa jurídica é um preceito constitucional, posteriormente estabelecido, de forma evidente,

na Lei ambiental, de modo que não pode ser ignorado. Dificuldades teóricas para sua

implementação existem, mas não podem configurar obstáculos para sua aplicabilidade prática,

na medida em que o direito é uma ciência dinâmica, cujas adaptações serão realizadas com o

fim de dar sustentação à opção política do legislador.

Desta forma, a denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve

ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-

penal.

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Por fim, abordaremos no último tópico as temáticas mais relevantes quanto à figura

do amicus curiae na ação popular ambiental.

5.21 Uma nova figura: o amicus curiae na ação popular

Quando a atividade jurisdicional se depara com a efetiva existência de um direito, de

um interesse juridicamente protegido, deve conceder-lhe a tutela que o assegura. Mas, em

face da necessidade de obter a garantia constitucional, pode ocorrer que o indivíduo até

postule ao Poder Judiciário, mas este não tenha como realizar a sua defesa correta.

Para a solução deste impasse, podemos visualizar a aplicação de um instrumento

novo na ação popular: a presença do amicus curiae.

Iniciemos sua análise trazendo um exemplo: várias pessoas de um bairro postulam na

justiça uma rede de esgoto, porque os dejetos estão sendo jogados em um leito de córrego nas

imediações. Sabem que isto é errado, mas não tem condições de demonstrarem sozinhas,

mediante estudos científicos, a lesividade da situação fática. Contratam um advogado e um

pesquisador, ou alguém interessado que possua conhecimentos especializados na área que

possa intervir como amicus curiae.

Temos que parte, para fins de auxílio técnico-jurídico das decisões judiciais, é uma

nova dimensão processual da qualidade de parte no processo civil. Ela abrangeria a atuação

do amicus curiae [amigo da corte ou do tribunal]. Poderá agir como amicus curiae aquele que

a própria lei nomear ou então aquele que pode avocar para si a atuação nessa qualidade.

A figura do amicus curiae, que significa amigo da corte ou do tribunal, é instituto

originário do direito anglo-americano. Sua introdução no direito brasileiro ocorreu com o

advento da Lei nº 6.385/76 que, em seu ao artigo 31, passou a impor a obrigatoriedade de

intimação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, para sua intervenção nos processos

em que se discutam questões de sua competência.

Esclarece-nos Cássio Scarpinella Bueno (2008, p. 06) que:

A expressão latina é referida expressamente por Paulo Rónai, em clássica obra, e explicada como ´amigo da cúria, isto é, da justiça`. Diz-se de perito designado por um juiz para aconselhá-lo. Essa primeira aproximação do significado da expressão é esclarecedora da função processual daquela figura

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e bastante rente às funções desempenhadas pelos seus mais remotos ancestrais.

Há pouco tempo, a Lei nº. 9.868/99, que passou a disciplinar o processo e o

procedimento da ação direta com pedido declaratório de inconstitucionalidade e da ação direta

com pedido declaratório de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, veio

admitir expressamente a intervenção do amicus curiae no sistema do controle concentrado de

constitucionalidade, conforme está previsto no seu artigo 7º, § 2º.

Também existem outras disposições legais que admitem a intervenção do amicus

curiae, sendo elas: o artigo 89 da Lei nº. 8.884/94, que prevê a intervenção em determinadas

causas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE; o artigo 482, § 3º, do

Código de Processo Civil, que dispõe que o relator, levando em consideração a relevância da

matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, em despacho irrecorrível, a

intervenção de outros órgãos ou entidades no incidente de declaração de inconstitucionalidade

em controle difuso ou incidental nos tribunais.

O amicus curiae, no sistema brasileiro, poderá intervir por provocação do juiz ou por

requerimento próprio, diferentemente do direito anglo-americano, que prevê também a

hipótese da intervenção do amicus curiae por consenso das partes.

Quanto às condições para figurar como amicus curiae, Cassio Scarpinalla Bueno

(2008, p. 147) informa que:

Para nós, terá ´representatividade adequada` toda aquela pessoa, grupo de pessoas ou entidade, de direito público ou de direito privado, que conseguir demonstrar que tem um específico interesse institucional na causa e, justamente em função disso, tem condições de contribuir para o debate da matéria, fornecendo elementos ou informações úteis e necessárias para o proferimento de melhor decisão jurisdicional.

Esclarece citado doutrinador que meros interesses corporativos, que dizem respeito

apenas à própria entidade que reclama seu ingresso em juízo, não são suficientes para sua

admissão na qualidade de amicus curiae.

Não obstante exista entendimento no sentido de que a figura do amicus curiae é

espécie do gênero intervenção de terceiros em sentido clássico, observa-se que há

entendimento também em sentido contrário.

Em sentido contrário, o principal argumento é o de que no sistema da intervenção de

terceiros, cuja disciplina básica está no Código de Processo Civil dos artigos 50/80, o terceiro

ingressa na relação jurídica processual em curso, passando a ser parte assistente ou até mesmo

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parte demandante ou demandado, isso conforme a espécie de intervenção de terceiros. O

terceiro, no caso das hipóteses clássicas de intervenção de terceiros, torna-se, com a sua

intervenção, parte no processo, produzindo alguma forma de alteração subjetiva na relação

jurídica processual. Já “o amicus curiae não integra, com a sua intervenção, a relação jurídica

processual, pois ele somente atua como um auxiliar técnico-jurídico do juiz, com função

diversa, mas semelhante à função de um perito”. São esses os ensinamentos de Fredie Didier

Junior (2002, p. 157), que ainda aduz que “a intervenção do amicus curiae consubstancia em

um importante apoio técnico-jurídico ao juiz, contribuindo, assim, para o aprimoramento da

própria qualidade das decisões judiciais”. Ele ainda afirma que, na sua qualidade de assistente

técnico-jurídico do juiz ou do tribunal, o “amicus curiae não teria, em regra, legitimidade para

recorrer das decisões proferidas nas causas em que intervir”.

A respeito do tema, escreveu Cássio Scarpinella Bueno (2006, p. 126) que o grande

aspecto de distinção do amicus curiae daquelas espécies de intervenção de terceiros previstas

no CPC, seria, principalmente, mas não exclusivamente, a falta de um interesse jurídico:

[...] entendido como aquele que decorre de uma específica relação jurídica-base entre dois ou pouco mais de dois indivíduos, que tem tudo para ser afetada, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, pela decisão (ou decisões) a ser (em) proferidas(s) em processo em que contendem outras pessoas.

É de se consignar que os artigos 7º e 18 da Lei nº. 9.868/99 proíbem a intervenção de

terceiros no processo objetivo do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pela

ação direta declaratória de inconstitucionalidade e pela ação direta declaratória de

constitucionalidade, não obstante a própria lei em questão admita a intervenção do amicus

curiae [artigo 7º, § 2º]. Isso, por si só, já seria motivo para que se procure distinguir a

intervenção do amicus curiae das espécies clássicas de intervenção de terceiros constantes do

Código de Processo Civil brasileiro.

O Supremo Tribunal Federal atualmente vem flexibilizando, em suas decisões, a

intervenção do amicus curiae, tanto que anteriormente não admitia a sustentação oral pelo

amigo da corte, mas em decisão recente o mencionado tribunal alterou o seu posicionamento e

passou a admitir a sua sustentação oral. O principal argumento foi o de que a atuação do

amicus curiae não poderia limitar-se à mera apresentação de memoriais, pois a ampliação de

sua atuação contribuiria para a garantia da maior efetividade e legitimidade das decisões do

STF e ainda valorizaria a dimensão democrática dessa espécie de participação processual.

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Além disso, em outra decisão [ADPF 54 MC-DF, publicada no DJU do dia

02.08.04], o Supremo Tribunal Federal entendeu ser possível, outrossim, a intervenção do

amicus curiae na arguição de descumprimento de preceito fundamental, aplicando, por

analogia, o disposto no § 2º do artigo 7º da Lei nº. 9.868/99.

Destarte, há hoje uma forte tendência no sentido de ampliar a intervenção do amicus

curiae, o que poderia abranger outras demandas de interesse público e social, como a ação

civil pública, a ação popular etc. Essa tendência atende aos ditames de uma democracia

pluralista, em que a interpretação jurídica deverá ser pluralista e aberta, o que também vai ao

encontro do estatuído nos artigos 1º e 5º, XXXV, e § 2º, da Constituição Federal.

A intervenção como auxiliar técnico-jurídico do juízo, portanto, de entidades, órgãos

e pessoas com domínio de conhecimentos técnicos e jurídicos específicos, fortaleceria, em

muito, a atuação do Poder Judiciário nas demandas coletivas, especialmente nas mais

complexas, como as que envolvem o meio ambiente, a ordem urbanística, a saúde pública, a

segurança pública etc. Assim, considerando que a ação civil pública também visa à tutela de

interesses gerais da coletividade, mesmo que no plano concreto, nada impediria, no nosso

entendimento, a aplicabilidade, também por analogia, do disposto no § 2º, do artigo 7º da Lei

nº. 9.868/99, na ação civil pública e até mesmo em outras ações coletivas.

Como afirma Cássio Scarpinella Bueno (2008, p. 69) na “dogmática mais recente do

direito processual civil, forte na necessidade de o legislador processual implementar o modelo

político do Estado brasileiro”, e este clama “cada vez mais pela eficiência do processo, no

sentido de ele dever produzir, sempre, os melhores resultados possíveis e aguardados desde a

perspectiva do direito material”, mesmo que, em algumas situações, “em detrimento do ideal

de segurança jurídica, que, na visão tradicional, é e, para muitos, continua sendo, a própria

razão de ser do Direito”.

O amicus curiae tem condições de canalizar os interesses, como explanado por

mencionado autor, representando as partes adequada e suficientemente em juízo. Trata-se de

‘processos individuais’ ou de ‘processos coletivos’ esses ‘interesses’ ou ‘direitos’, que

caracterizam o modelo de direito crescentemente adotado pelo nosso ordenamento jurídico, e

o nosso próprio modelo de Estado, definido desde a Constituição de 1988, “devem passar a

ser considerados pelo Estado-juiz, sob pena de esvaziar a pluralidade política que caracteriza

a nossa sociedade, e, até mesmo, as diversas funções desempenhadas pelo Estado”.

Assim, o amicus curiae:

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[...] comparece em juízo como legítimo portador desses interesses e direitos para dentro do processo. Sua função é a de levá-los ao Estado-juiz, portanto. E tal iniciativa não pode e não deve ser confundida com o nosso processo coletivo, embora não neguemos que o instituto em estudo seja uma forma de completar aquele sistema, dando vazão derradeira aos interesses metaindividuais sub-representados em juízo (BUENO, 2008, p. 668).

Resta saber se o amicus curiae seria parte ou não no processo civil. Entendemos que

sim, pois ele assume a qualidade de parte porque participa do contraditório contribuindo e

influenciando na formação do provimento. A sua intervenção é fator de ampliação da própria

legitimidade das decisões judiciais. Por outro lado, observa-se que ele não é mero auxiliar

técnico do juiz. É também auxiliar técnico-jurídico e, não fosse isso, não se subordinaria ao

juiz. Daí a sua qualidade de parte. Por tais motivos entendemos que não há obstáculo que

impeça que o amicus curiae recorra, em sendo o caso de recurso, da decisão judicial que não

venha a acatar sua opinião no processo em que houve a sua intervenção.

Por todo o exposto, posicionamo-nos pela possibilidade da intervenção do amicus

curiae, enquanto parte técnica, na ação popular ambiental, pois em face da deficiência de

conhecimento técnico de juiz, promotores, advogados e a sociedade faz-se importante poder

contar com um especialista nesta área, para dirimir dúvidas e esclarecimentos suscitados.

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CONCLUSÃO

Demonstrou-se neste estudo a visão jurídica acerca da posição do ser humano em

relação ao meio ambiente, caracterizado como bem de uso comum do povo. Então, propôs-se

a análise da necessidade de reestruturação e efetivação das prestações jurisdicionais frente à

necessidade da manutenção de uma vida digna.

Verificamos que o arcabouço jurídico e a evolução doutrinária, haja vista a Lei nº.

6.938/81, representaram um grande impulso na tutela dos direitos metaindividuais. A

Constituição Federal de 1988 veio afirmar o Direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, e desde então, a tutela jurídica do meio ambiente vem sofrendo profundas

transformações.

Então, pontuamos que entre as bases do Direito Ambiental têm-se a necessidade de

identificar as situações que levem à instabilidade do meio, e sua função é apresentar regras

que possam prevenir evitar e/ou reparar esse desequilíbrio.

A complexidade natural do meio ambiente, a profunda dimensão ostentada pelo

conceito de cidadania e a distorção processualística da ação popular (em sua vertente

ambiental) foram alguns dos fatores que tornaram mais penoso percorrer o caminho que levou

à confecção deste trabalho.

Necessária se faz a construção de um novo modelo de tutela processual capaz de

amparar os novos direitos surgidos com a massificação da sociedade, entre os quais se pode

incluir o meio ambiente.

O direito ao meio ambiente para as presentes e futuras gerações é um direito e uma

obrigação imposta a toda a coletividade, inclusive ao Poder Público. Atualmente, o Direito

Ambiental tem como centro de suas preocupações muito mais a prevenção do dano ao meio

ambiente do que sua reparação.

Em um contexto permeado pela complexidade e por conflitos de massa, o presente

trabalho foi elaborado em um momento de modificações ocorridas no Estado e na sociedade

permeadas pelo risco, ao mesmo tempo em que se altera a divisão clássica do Direito,

passando de Público e Privado para a divisão consagrada na Constituição de 1988, entre

Direito Individual e Direito Coletivo, a mudança do padrão ocorre a partir do momento em

que a realidade normativa, que se apoia no dogma da segurança jurídica, se revela pouco

eficiente quando se trata de tornar efetivos direitos consagrados na Constituição de 1988,

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como o do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e visa

uma sadia qualidade de vida com dignidade, assim no momento atual do direito ambiental

para que a sociedade possa participar do processo de preservação do meio ambiente,

necessário buscar uma efetividade deste direito, que pode ser garantido pelo instituto da Ação

Popular Ambiental.

A tutela jurídica merece, por via de consequência, uma análise contemporânea de

nosso direito positivo, não guardando nenhuma compatibilidade com interpretações baseadas

em subsistemas originários do século XIX ou mesmo estabelecidas com enfoque na superada

visão direito público x direito privado.

Para iniciar, pugna-se pela primazia das liberdades formais, que se relaciona com os

direitos e garantias das oportunidades e a igualdade de condições. Não se preocupa em

verificar a real satisfação dos desejos pessoais, importa-se apenas em garantir um sistema

normativo e a paridade entre os cidadãos.

Ocorre a impossibilidade de se produzir ordenações completas de valores e das ações

correspondentes. Sugere-se a recuperação da importância prática da teoria social no auxílio à

solução de dilemas e conflitos. A busca é por uma melhoria. Como a maioria dos cidadãos

vive nas cidades, como pensar essa liberdade deste cidadão na cidade? Uma cidade

sustentável pode ser, portanto, aquela que fornece um ambiente saudável, democrático e com

possibilidades de trabalho para sua população, a partir do adequado gerenciamento de

insumos bióticos, abióticos e antrópicos a ela necessários.

Esse entendimento, como foi delineado, justificou a importância que o legislador

constituinte destinou ao art. 225 da Constituição Federal de 1988. Importância tamanha que o

fez estabelecer em seu caput, incisos e parágrafos, todos os princípios do Direito Ambiental.

Esse entendimento justificou, mais ainda, a preocupação e o zelo que teve ao incorporar,

constitucionalmente, a vertente ambiental da ação popular, com o fim de estabelecer um

poderoso instrumento jurídico, com o qual o cidadão pudesse, na prática, proteger contra

lesões o seu direito ao meio ambiente.

A preocupação do trabalho voltou-se para o meio ambiente das cidades e para que

uma cidade seja considerada sustentável, ela deve seguir uma trajetória de seu

desenvolvimento em que seu progresso no presente não ocorra à custa dos recursos das

gerações futuras.

O direito à cidadania pressupõe a participação dos habitantes das cidades nas

decisões sobre a ordenação almejada. A participação popular deve ser crescentemente

estimulada e complementa-se com a ordenação ou reordenação do espaço urbano a partir de

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princípios básicos sustentados no direito à cidadania, na administração democrática das

cidades e na função social destas.

Portanto, devemos explorar mais o papel da cidadania, tanto com informação, como

na educação, não só para fiscalizar os órgãos públicos, mas no sentido de ampliar a visão que

temos dos seres humanos, expandindo suas liberdades para liberdades sustentáveis.

Não só fazer o que se quer, mas o que se pode fazer, cuja liberdade importa a todos

os cidadãos não só fiscalizando, mas muito mais participando nas decisões colegiadas no

âmbito municipal em cada ponto onde esteja; combinar a noção básica do direito à

sustentabilidade, uma cidadania com participação social, pois, todos, são capazes de uma

reflexão ponderada e uma sensibilidade social, tendo como instrumento jurídico para

preservação do seu ambiente, o instituto da Ação Popular Ambiental.

De qualquer modo, a institucionalização de novos instrumentos jurídicos de política

urbana se apresenta como oportunidades para a organização das lutas pelo direito a cidades

socialmente mais justas e ecologicamente mais equilibradas. A aplicação dos novos

instrumentos depende da adesão ativa dos municípios e da sociedade à política ambiental, a

conscientização do que seja um impacto ambiental.

A busca de instrumentos que permeiam o uso do meio ambiente, antes de impetrar

uma ação Popular Ambiental, é importante. Se o agressor do meio ambiente tem licença

ambiental, a atenção se a área que está explorada é área de mananciais, a constituição de

reservas legais e áreas de preservação permanente e áreas de proteção ambiental.

Os cidadãos devem deixar de ser apenas pacientes, cujas demandas requerem

atenção. O papel da cidadania deverá desempenhar, na política ambiental, um envolvimento

do indivíduo com sua capacidade de pensar, avaliar e agir, isso requer que encaremos os seres

humanos como agentes, e não só como pacientes.

Sejamos nós os agentes ambientais com liberdade de decidir qual valor atribuir às

coisas e de que maneira preservar esses valores e isso se estende muito além de atender nossas

necessidades. O que significa que as reais mudanças de agir em relação ao meio ambiente

ocorrem quando essa realidade ou importância estiver inserida no dia-a-dia da coletividade e

não apenas como objeto de demanda para a prestação jurisdicional.

Até porque o Direito Ambiental deverá dialogar com os demais ramos do

conhecimento: a Economia, a Ética, a Ecologia, a Biologia, etc. E tal mudança deve ocorrer e

imprimir ao Direito o papel de transformador da realidade social, e não só de legitimador de

uma ordem excludente e injusta.

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Ora, as questões que tratam do direito fundamental ao meio ambiente devem levar

em consideração o fato de o homem estar inserido nesse conceito, e tal direito amplia para a

preservação de todas as formas de vida, para preservar a todos, e a otimização da tutela

preventiva se faz necessária para inibir a ação de ações degradadoras.

O indivíduo cidadão que deve estar imbuído da consciência de que seu padrão de

consumo é responsável pela qualidade ambiental.

Ora, tais assertivas mostram que a tutela é a preventiva com natureza inibitória para

não se degradar o ambiente, até porque a degradação já ocorrida tem gerado alterações no

patrimônio genético das diversas populações de outros seres vivos que vivem nas cidades e

tais mutações genéticas têm deixado os seres vivos [micróbios e animais peçonhentos] mais

resistentes, pois sem um habitat natural, passam a morar nas cidades. Para frear as formas de

desenvolvimento que degradam, somente a atuação da sociedade com a aplicação de um

instituto que pertence ao Direito Coletivo, pois com o tamanho da população mundial, muitos

pontos, quando questionados, vão afetar um conglomerado de pessoas, que serão beneficiadas

ou atingidas por ações irresponsáveis de pessoas desumanas.

Assim, para a popularização da preservação do meio ambiente, podemos tentar

diminuir a distância entre os ditames federais e a legislação municipal e abrir uma nova forma

de luta. Falando em desenvolvimento urbano sustentável, lembramos de cooperação, ou

parceria, seja entres os Poderes Públicos, seja com a participação da iniciativa privada, já

prevista no Estatuto da Cidade. Uma alternativa viável que se apresenta, no momento, são os

consórcios intermunicipais, sobretudo dos recursos hídricos e da questão do lixo urbano.

Agora, concluímos que explorando o papel da cidadania e combinando a noção

básica do direito ä sustentabilidade, para tirarmos do papel o desafio de preservarmos o

ambiente para as futuras gerações, de uma vez por todas, apresenta-se ao final a Ação Popular

Ambiental, com instrumentos da Ação Popular, da Ação Civil Pública e as normas do Código

de Defesa do Consumidor.

Assim foram apontados os vários aspectos processuais da Ação Popular Ambiental

onde a competência a ser observada será a do local onde provavelmente vá ocorrer o fato

danoso, tendo como natureza jurídica um direito subjetivo fundamental. A causa de pedir

deve claramente demonstrar a causa próxima e a remota de pedir, sim, a só iminência de

provocação de degradação pode ser causa de pedir.

Na petição inicial, que deve seguir o Código de Processo Civil, e, também, deve

trazer consigo as provas necessárias para tal pleito, até porque, muitas vezes é necessária a

devida liminar para inibir o ato lesivo. Somente a lesividade, pois se é lesivo, se torna ilegal,

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pois se exige a ilegalidade e a lesividade. A citação pode ser feita à pessoa física ou jurídica,

realizada pelo oficial de justiça, e depois as outras pessoas serão incluídas como litisconsortes

necessários. A ação é ação de conhecimento com procedimento ordinário.

As partes, hoje, já com questionamentos superados, têm que tanto parte ativa como

passiva, todos podem ser partes e contar com assistência, e inclusive da figura do amicus

curiae. O pedido tem natureza desconstitutiva condenatória, para prevenir e inibir atos

lesivos, e são ações imprescritíveis, embora necessitando de comprovar a possibilidade

jurídica. A sentença ambiental aceita recursos, com reexame necessário da matéria, quanto à

coisa julgada, tem-se que a eficácia é erga omnes.

A realidade leva a concluir que, para que sejam produzidas mudanças significativas

no modelo de desenvolvimento vigente, é necessário ultrapassar as atitudes teórico-críticas

diante dos problemas brasileiros, adotando práticas transformadoras com um engajamento em

todas as esferas públicas e privadas da sociedade, exercendo a cidadania sustentável.

É a força da sociedade na preservação do meio ambiente por intermédio da Ação

Popular Ambiental.

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