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BRUNO FRANCESCATO O DIÁRIO DE BRENO FRANK 1ª edição Assis Edição do Autor 2012

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BRUNO FRANCESCATO

O DIÁRIO DE BRENO FRANK

1ª edição

AssisEdição do Autor

2012

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O autor

Bruno Francescato é dono de um estilo simples, mas, em sua primeira obra, utiliza a força da imaginação para mis-turar ficção com a realidade da sua vida como imigrante ita-liano pelos lugares aonde passou.

Para o autor, seu personagem Breno Frank é um ho-mem puro e a lei é desnecessária para ele. Quem atravessa seu caminho deve ser aniquilado.

Todos os personagens deste livro são fictícios. Quais-quer semelhanças com pessoas, vivas ou mortas, terá sido mera coincidência.

Contato com o autor

E-mail: [email protected]: facebook.com/bruno.francescato

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Dedico este livro à minha amada Nina,

às minhas filhas K. e C. , ao meu extraordinário genro

e à minha adorada neta Bruna

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Adaptação, revisão, diagramação e capa: MÁRCIO GARCIA OSTI

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Sumário

PARTE I

1944.............................................................................pág. 131950.............................................................................pág. 211955.............................................................................pág. 251967.............................................................................pág. 311969.............................................................................pág. 491972.............................................................................pág. 79

PARTE II

1973...........................................................................pág. 101

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PARTE I

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1944

Estava escurecendo no deserto e, ao longe, via-se um horizonte amarelo. A cada minutos, o vento leve ficava mais forte. Após a aula, eu estava a quatro quilômetros da minha casa com trinta ovelhas que pastavam no deserto do Saara, na Líbia, em uma colônia de italianos imigrantes. As ovelhas pastavam alguns arbustos secos aqui e ali e, como eu espe-rava, levantava a tempestade de areia. Era o ghibli, o vento quente e seco que vem do sul e do sudeste na primavera ou no verão.

Eu não tinha como voltar para casa e as ovelhas acaba-ram se espalhando. A areia batia nas minhas pernas e nos pés descalços. Sentei-me, cobri os olhos com as mãos e comecei a chorar. Não sei por quanto tempo fiquei ali. Uma ou duas horas, talvez.

De longe, vi uma caravana de camelos. Eram beduínos e, com alento, corri de encontro a eles. Receberam-me bem, pararam ali mesmo e montaram as tendas. Com o vento forte e a areia enfurecida, foi um trabalho árduo. Os camelos esta-vam endiabrados.

Depois, recolheram-me em uma tenda, bebi água, lavei os olhos que estavam cheios de areia e comi umas tâmaras, os frutos das palmeiras do deserto. Essas palmeiras só dão onde há oásis e no deserto não existem árvores.

Os beduínos são pretos e devia haver uns quinze. Vi três mulheres e uns cinco meninos. Colocaram-me em um canto da tenda e cobriram-me com uma pele de ovelha. Esta-va frio, eu me encolhi e dormi.

Amanheceu e a tempestade passou. Eu queria a minha mãe e, com certeza, meus irmãos estavam me procurando. Mas onde me achariam naquele mundo de areia e dunas?

O beduíno Ali, creio que era o chefe, era alto, magro, barbudo e usava uma túnica branca e um turbante na cabeça. Ele colocou a mão na minha cabeça, olhou-me e perguntou

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o meu nome. Eu entendia o árabe. Ele me deu um puxão e coloquei-me em pé.

– Bruno – eu disse.– Breno – ele respondeu. Ficou por Breno mesmo e até que gostei.Eu era um cristão branco e, olhando para os compa-

nheiros, vi que levantavam as tendas. Olhei ao longe e só via dunas e areia. Nada dos meus irmãos. Os beduínos arriaram os camelos e aí percebi a intenção deles. Vão me levar, pen-sei. Para onde? Como vou voltar para casa?

Ali me puxou pelo braço e carregou-me em um camelo dentro de um cesto.

– Vamos levar esse maldito cristão – disse ele, apontando para mim.

– Para onde? – eu disse. – Cala-te, pequeno satanás – um beduíno gritou de longe. Com pouca água e pouca comida, partimos com os ca-

melos em fileiras. As patas afundavam na areia. Foram mui-tas horas de caminho e o calor era terrível. Comigo viajava uma mulher e seus dois filhos. A bendita mulher me deu um caneco de água e cinco tâmaras. A água era levada em pele de bode, fedia e era quente. Minhas pernas doíam e eu não podia me mexer.

– Quero minha mãe – gritei chorando. Veio uma chi-batada nas minhas costas com gritos daquela maldita velha.

Fiquei a maior parte do tempo com os olhos fechados. Quando os abria, via água ao longe. Era ilusão. O sol ardia.

À tarde, os beduínos pararam e fizeram uns círculos. Os homens cataram uns arbustos.

Eu me retorcia de fome. No fogo havia uma panela fer-vendo alguma coisa. Olhei de perto e era carne seca de cabra. Passaram-se duas horas e a carne veio em um prato de barro para eu comer. A carne era mole e boa. Percebi que a maioria dos beduínos não tinha dentes e só com carne mole mesmo para poder comer.

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Logo eles estavam rezando e batendo a cabeça no chão, pois eram muçulmanos. Eu os acompanhei fazendo os mes-mos movimentos deles. Queria ser um bom menino e ter a confiança deles.

Fiquei curioso de como eles alimentavam os camelos e eram os homens que cuidavam disso. Puseram todos os ani-mais de joelhos, um homem abria a boca do camelo e os ou-tros enfiavam uns dez quilos de sementes de tâmara e uns dez litros de água. Um menino que me acompanhava disse que era para durar uns quinze dias.

Entrei na tenda, no meu canto, perto de Ali. Em uma pele de ovelha me encolhi e dormi. Os camelos, de vez em quando, davam uns berros.

Com o dia amanhecendo, vi o sol nascer grande e ver-melho. Deram-me um chá e três tâmaras. Levantamos cami-nho. Logo atrás de mim, havia uma mulher, um camelo e uma criança que chorava e estava doente. Virei minha cabeça e vi que ela estava magra. Pensei que quando chegar o calor de cinquenta graus será que a criança vai aguentar ou vai para o céu?

Depois de umas horas, passaram-me uma caneca com água e cinco tâmaras. Eu não ouvia mais o choro da criança. O sol ainda estava alto e ouvi gritos:

– Alá, Alá. Então vi palmeiras de longe. Uma hora depois, chega-

mos perto. Era verdade e onde há palmeiras, há água. Era um oásis. Chegamos com gritos de alegria, mas havia centenas de tendas.

O moleque estava mal, era um lamento, não tinha mais voz e a mãe chorava. Descemos e montaram as tendas. Havia centenas de camelos e tendas de outros nômades. Palmeiras gigantes rodeavam a lagoa.

À tarde, comemos tâmara e, todos em círculos, pediam para Alá saúde para o menino. Rezavam por uma hora. Entra-mos nas tendas para dormir. Eram muitos camelos e os gritos

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eram constantes a noite inteira.Amanheceu. Sombra e água, coisa rara naquele deser-

to. Desviei-me do grupo e vi de longe uma barraca vendendo melancia, batata, etc.. Aqui deve ser Taorga, pensei. Passou perto de mim um homem e perguntei:

– Aqui é Taorga?– Sim – disse ele. Estou salvo, pensei, pois lembrei que meus irmãos fa-

lavam que eles iam a Taorga vender melancia e outros produ-tos. Será que meus irmãos vieram fazer a feira?

No fundo do oásis, vi três cavalos. Eu estava parado olhando o movimento e passou um cachorro preto, sarnento, rosnando e me mostrando os dentes. Ele deve ter estranhado porque eu era branco.

Voltando para a tenda, eu catava tâmara do chão. Es-tavam meio comidas, talvez por morcego, coruja ou sei lá que bicho. Eu simplesmente catava e comia, pois estava com muita fome. Lambuzei minha boca, as tâmaras eram doces e eu comia com vontade.

Ouvi uma voz nas minhas costas. Reconheci a voz e deu-me um calafrio. Ali veio perto e puxou-me por uma ore-lha. Doía, pois ele tinha a mão musculosa. Ele me levou junto com o grupo, olhou-me com os olhos de fogo e disse:

– Breno, não saia daqui. – Era uma ordem. Um pouco longe dali havia uma trilha batida e devia ser

a estrada dos feirantes. Meus irmãos diziam que eram quinze quilômetros de casa até Taorga.

Eu precisava fugir e começava a escurecer. No acam-pamento, ouvi um lamento total com choro e reza. Pensei, é o moleque que morreu. Puseram-se em círculos de joelhos. Todos se curvavam e batiam a cabeça no chão. Poucos se lembrariam de mim naquele momento. Era a hora. Eu preci-sava de um pouco de sorte e a sorte existe.

O sol estava bem baixo. Rezei uma Ave-Maria. Aos poucos, vi três carroças na trilha. Eram os feirantes voltando

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para Gioda, a colônia italiana onde eu morava. Vi dois ca-valos pretos e um branco. Nosso cavalo também era branco, mas um pouco mais escuro. Havia um fio de esperança.

O choro dos beduínos aumentava e mais gente se aglo-merava. Os carroceiros já estavam longe. Saí da tenda e fiz um sinal da cruz. Eu era magro, então era veloz. Corri seguin-do as trilhas das carroças e sem olhar para trás. Só ouvia gri-tos e choro. Corri não sei por quanto tempo até que comecei a ver as carroças. Meu coração batia no peito que parecia mar-telada. Meus pés doíam, mas eu precisava chegar. Cheguei perto das carroças. Os cavalos deviam estar cansados, pois iam a passos lentos. Gritei:

– Sono io, Bruno. – Viraram as cabeças. Foi um grito só:– Miracolo! – Não eram meus irmãos, mas vizinhos.

Beijaram-me e abraçaram-me. Pedi água e bebi. Disseram que meus irmãos me procuraram no deserto e que minha mãe Elvira estava desesperada, assim como meu pai Arturo.

Amanheceu o dia e chegamos em minha casa. Abraços, beijos e todos felizes.

A nossa família era de oito irmãos, seis homens e duas mulheres. Quatro ficaram na Itália, em um convento de pa-dres, e quatro na África, três homens e uma mulher. Eu era o mais novo um ano e meio. Fomos para a África em 1939 com meus irmãos Mario, de 16 anos, Olivo, de 18.

Gioda era uma colônia italiana com oitenta casas, mas uns cinquenta colonos voltaram para a Itália. Meu pai dizia:

– Vamos ficar para fugir da guerra. – Ele sabia o que era guerra. Meu pai sabia que a Líbia era pouco atacada por-que ele tinha participado de duas guerras, na Primeira Guerra Mundial, de 1915 a 1918, e outra na Eritreia, África, como voluntário, em 1935. O governo dava mantimentos para as famílias dos voluntários. Éramos uma família muito pobre e com muitos filhos, mas eu ainda não havia nascido nesta épo-ca. Também éramos pobres na Líbia, mas estávamos longe das bombas.

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Em Gioda havia um poço artesiano grande com canale-tas para os sítios que funcionava uma vez por semana. Lá não chove em dez anos. Eu vi chuva uma única vez.

Meu pai contava que era amigo do comandante Capel-letti na Eritreia e que lá ele era o padeiro da tropa.

Em Gioda havia só uma estrada de asfalto e as casas ficavam a três quilômetros dela. Era uma estrada de mais de mil quilômetros que passava por Trípoli, Misrata e Sirte.

O mundo vivia a Segunda Guerra Mundial e, em novembro de 1944, à noite, tropas alemãs e inglesas tra-varam uma batalha violenta com canhões, metralhadoras, tanques e granadas. Tudo isso em frente à nossa casa. Foi um inferno.

Atrás da casa havia um estábulo e corremos todos para lá. Certa hora, houve um estrondo em nossa casa, clareando a noite. Os alemães ganharam a batalha, levaram os feridos e foram cantando. Eu lembro que era a canção de vitória “con te Lili Marlen”.

Um tiro de canhão entrou pela porta de casa e furou a chaminé. Um rombo de um metro.

Fomos ver os restos dos ingleses. Eram mortos, feridos, jipes e canhões. Tudo destroçado por todo lado. Após duas horas, vieram buscar o que restou dos destroços, além dos feridos e mortos. Foi terrível ver os feridos gritando de dor.Foram duas batalhas em quatro anos.

Como sabemos, Itália, Alemanha e Japão perderam a guerra. Por isso, em Gioda, as coisas pioraram. O poço ar-tesiano que molhava as nossas terras ficou abandonado. Os alimentos que o governo nos fornecia acabaram. Estávamos abandonados naquele deserto, mas nossa sorte era que batata-doce dava até sem chuva. Nós matávamos só uma ovelha por mês e, assim, por meses, batata-doce era a comida nossa de cada dia.

Nós éramos muito católicos e o padre quis que eu fosse coroinha. A igreja recebia alimento do Vaticano e eu comia na

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sacristia com o padre. Aos domingos, eu e os meus coleguinhas íamos a casas

abandonadas e havia muitas bombas perdidas. Fazíamos um monte com arbustos, bomba no meio e fogo... Corríamos para as casas vazias esperando o estouro sem conhecer o perigo, mas era uma grande diversão.

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