o dia em_que_nasci_o_grito
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O dia em que nasci moura e pereça, Não o queira jamais o tempo dar, Não torne mais ao Mundo, e, se tornar, Eclipse nesse passo o Sol padeça. A luz lhe falte, o Sol se [lhe] escureça, Mostre o Mundo sinais de se acabar, Nasçam-‐lhe monstros, sangue chova o ar, A mãe ao próprio filho não conheça. As pessoas pasmadas, de ignorantes, As lágrimas no rosto, a cor perdida, Cuidem que o mundo já se destruiu. Ó gente temerosa, não te espantes, Que este dia deitou ao Mundo a vida Mais desgraçada que jamais se viu!
Luís de Camões
Tom de ira e exaltação que revelam revolta e desespero.
O dia em que nasci moura e pereça, Não o queira jamais o tempo dar, Não torne mais ao Mundo, e, se tornar, Eclipse nesse passo o Sol padeça. A luz lhe falte, o Sol se [lhe] escureça, Mostre o Mundo sinais de se acabar, Nasçam-‐lhe monstros, sangue chova o ar, A mãe ao próprio filho não conheça. As pessoas pasmadas, de ignorantes, As lágrimas no rosto, a cor perdida, Cuidem que o mundo já se destruiu. Ó gente temerosa, não te espantes, Que este dia deitou ao Mundo a vida Mais desgraçada que jamais se viu!
Luís de Camões
Ao contrário dos outros face a esta possível realidade, ele não tem medo, já que é um ser de exceção porque ninguém, em tempo algum, teve uma vida tão desgraçada como a sua, desgraça essa que começou no dia em que nasceu, pois desde logo se traçou o seu des8no fa:dico. A má-‐sorte escolheu-‐o, perseguiu-‐o e fez dele o ser mais desgraçado que «jamais se viu». No fundo, o sujeito poéPco deixa transparecer que a sua vida foi e é marcada pela dor, pelo sofrimento e pelo sen8mento de nega8vidade absoluta.
Estado de espírito do sujeito poé8co
Este poema deixa transparecer o desespero e revolta que o sujeito poé8co sente em relação a si e à sua vida, direcionando toda a sua raiva para o dia em que nasceu, o que revela uma imensa mágoa pela vida que lhe foi dada a viver.
Inicialmente o sujeito poéPco parece apenas desejar que o dia em que nasceu nunca mais se repita. Mas quando admite a hipótese de voltar a exis8r um dia como aquele em que nasceu, a sua fúria parece incontrolável. Deseja que haja um eclipse do sol, para que esse seja um dia sem luz. Desta forma, manifesta a vontade que existam sinais do fim do mundo, tais como o nascimento de monstros, chuva de sangue e rejeição das mães pelos filhos (e vice–versa). Cada maldição vai dando uma visão mais catastrófica e mais desumana do mundo, a ponto de este se tornar irreconhecível e destruído, «As pessoas (…) Cuidem que o mundo já se destruiu».
Maldições enunciadas
O dia em que nasci moura e pereça, Não o queira jamais o tempo dar, Não torne mais ao Mundo, e, se tornar, Eclipse nesse passo o Sol padeça. A luz lhe falte, o Sol se [lhe] escureça, Mostre o Mundo sinais de se acabar, Nasçam-‐lhe monstros, sangue chova o ar, A mãe ao próprio filho não conheça. As pessoas pasmadas, de ignorantes, As lágrimas no rosto, a cor perdida, Cuidem que o mundo já se destruiu. Ó gente temerosa, não te espantes, Que este dia deitou ao Mundo a vida Mais desgraçada que jamais se viu!
Luís de Camões
O soneto inicia com um pedido lacónico por parte do sujeito poéPco que deseja que o dia em que nasceu deixe de exis8r, como se fosse o dia mais faYdico de todo o calendário, no entanto, se tal acontecer, o seu pedido vai no senPdo de haver um eclipse total, para que não exista luz nesse dia, o que representa que o seu desejo é que não exista vida nessa data.
Pedidos formulados pelo sujeito poé8co na primeira quadra.
Efeito que a efe8vação dos desejos do sujeito poé8co causaria nos outros.
Inicialmente a efecPvação dos desejos do sujeito poéPco causaria espanto, pois as pessoas não perceberiam o que se estava a passar. O pasmo inicial daria lugar ao medo, sofrimento, pânico e terror, perante a sucessão de horrores.
Causa do desejo enunciado no primeiro verso do poema.
Toda a segunda estrofe traduz uma enumeração realizada pelo sujeito poéPco que expressa os seus desejos rela8vamente à possibilidade de voltar a exis8r o dia em que nasceu, deste modo, a falta de sol, os indícios de que o mundo pode acabar, o nascimento de monstros, a chuva de sangue e o não reconhecimento dos filhos por parte das mães revelam o perigo que a vida corre de se ex8nguir, sugerindo um ambiente trágico, caó8co e até apocalíp8co, uma vez que todas as imagens sugeridas são aterradoras. Toda a estrofe reforça a vontade manifestada pelo sujeito poé8co que deseja que o dia do seu nascimento não Pvesse exisPdo.
Expressividade da enumeração presente na segunda quadra.
Relação do soneto com o quadro «O Grito» de Edvard Munch
Assunto
O quadro «O Grito» de Edvard Munch espelha o desespero da figura central que, agarrando o rosto, emite um grito de dor e sofrimento num cenário exterior.
Este quadro encerra em si três funções, já que se por um lado a imagem conta uma história, e por isso adquire a função narrativa, por outro essa história espelha o desespero da vida humana, levando à reflexão, logo, é um quadro com função argumentativa e crítica, mas, naturalmente, por fim, a função estética está bem patente nesta obra, uma vez que o pintor pretende proporcionar um prazer estético a todos aqueles que observam este quadro.
Função da imagem
Relação do soneto com o quadro «O Grito» de Edvard Munch
Composição da imagem
• O cenário é exterior, representando, supostamente, uma ponte por cima de um rio, vendo-‐se no horizonte umas montanhas.
• Em cima da ponte estão três figuras, duas
mais recuadas e à esquerda do observador, e uma à direita e mais próxima do observador que se encontra com as mãos no rosto numa aPtude de desespero.
• Dividindo a imagem pelo eixo ver8cal, pode concluir-‐se que as duas figuras ao longe à esquerda, que olham para a figura em destaque, remetem para um presente ou passado recente e a figura mais próxima para um futuro. Através do eixo horizontal, a figura centra-‐se numa zona de materialidade e o rio, céu e montanhas numa zona de espiritualidade.
• O ponto/linha de força da imagem é consPtuído pela figura em destaque que ocupa, sensivelmente, o centro do quadro.
Relação do soneto com o quadro «O Grito» de Edvard Munch
Elementos cromá8cos e luminosidade
• O céu é pintado por cores quentes e vivas parecendo um céu em chamas, o que contrasta com o tom uPlizado nas montanhas e no rio que se encontram abaixo de si e que estão representados por verde muito escuro e diferentes tonalidades de azul, que se caracterizam por ser cores mais frias.
• A ponte é representada por uma mescla de cores, desde o azul, laranja, castanho, creme e cinzento, transmiPndo, através desta fusão de cores, uma tonalidade indefinida, no entanto sem vida.
• As duas figuras ao longe encontram-‐se em tons escuros, supostamente, preto ou castanho muito escuro, sendo indisPntos os rostos.
• A figura central possui a indumentária em tons de preto e castanho, sendo o seu rosto creme acinzentado, podendo-‐se disPnguir, claramente, o delinear da boca, que se encontra aberta como quem lança um grito, e dos olhos, tal como das mãos que se encontram a agarrar a face.
• Ao nível da luminosidade, esta centra-‐se sobretudo na figura central e no céu, dando-‐lhes um maior destaque na imagem.
O dia em que nasci moura e pereça, Não o queira jamais o tempo dar, Não torne mais ao Mundo, e, se tornar, Eclipse nesse passo o Sol padeça. A luz lhe falte, o Sol se [lhe] escureça, Mostre o Mundo sinais de se acabar, Nasçam-‐lhe monstros, sangue chova o ar, A mãe ao próprio filho não conheça. As pessoas pasmadas, de ignorantes, As lágrimas no rosto, a cor perdida, Cuidem que o mundo já se destruiu. Ó gente temerosa, não te espantes, Que este dia deitou ao Mundo a vida Mais desgraçada que jamais se viu!
Luís de Camões
Tendo em conta os senPmentos expressos no soneto de Camões «O dia em que nasci moura e pereça» e o
quadro de Edvard Munch «O Grito», pode afirmar-‐se que estas duas obras de arte se complementam, uma vez
que os sen8mentos existentes são semelhantes. Assim, os senPmentos de desespero, dor, sofrimento e
frustração do sujeito poé8co estão presentes na expressão facial da figura em destaque do quadro, na medida
em que esta lança um grito ensurdecedor de apelo e angús8a face à realidade em que vive, sendo disso
exemplo a forma como coloca as mãos no rosto e a expressão do olhar. Também a solidão e desfasamento em
relação aos outros sen8dos pelo sujeito poé8co estão presentes na expressão do rosto da figura central do
quadro, podendo, deste modo haver uma equiparação entre o soneto e o quadro analisado.