o design da escrita - antonio suarez abreu

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livro de portugues perfeito para quem quer apreder mais e melhorar sua escrita e letra.

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudivel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • Antnio Surez Abreu

    O Design da EscritaRedigindo com Criatividade e Beleza

    Inclusive Fico

  • Agradecimento

    ao Dr. Wanderley Pires pela leitura crtica deste livro e pelas inmeras sugestes queforam plenamente aproveitadas.

  • SUMRIO

    Introduo: Conhecimento para qu?

    PRIMEIRA PARTE: O DESENHO DO TEXTO

    1. Design A Alma do Texto2. Mas o que Mesmo um Texto?3. Gneros, Tipos Textuais e Domnios Discursivos4. Referenciao Criativa5. Uso Criativo da Metonmia: um Processo de Projeo6. Vivendo Histrias e Fazendo Projees7. Comparaes e Metforas como Projees8. Projees por Esquemas de Imagem9. Aspectos Funcionais dos Processos de Projeo

    10. O Som da Linguagem no Texto Escrito

    SEGUNDA PARTE: ESCREVENDO FICO

    1. Conselhos Iniciais2. Primeiros Passos: as Idias3. Passo Seguinte: Sinopse e Escolha do Gnero4. Os Personagens5. Tempo e Espao6. O Conflito: Estrutura dos Plots7. Plots Secundrios ou Subplots8. Pontos de Vista Narrativos9. Dilogos

    10. Reviso

    Eplogo: O que um Escritor?

    Referncias

  • INTRODUOCONHECIMENTO PARA QU?

    Este livro resultado de uma pesquisa terico-prtica realizada na Unesp nos ltimos trsanos, aplicando princpios da chamada lingstica cognitiva na anlise e produo de textoscriativos. Dei aulas sobre esse assunto aos meus alunos de graduao e ps-graduao. Mas,em todos os momentos em que mantinha contato com essas mentes jovens, interessadas,tocadas pela vontade de aprender, uma pergunta aparecia sempre minha frente: para qu?Para que serve estudar tudo isso? S para abrir um livro, um jornal, uma revista, ser capaz deapontar o uso de estratgias criativas e poder dizer: Ah viu s como o autor foi feliz? ou Percebe como ele poderia ter feito melhor? muito pouco! Depois de ter escrito o Cursode Redao e ter visto o seu sucesso por mais de uma dcada, achei que deveria fazer maispelos meus leitores: ajud-los a redigir ainda melhor os seus textos, tornando-os maiscriativos e mais belos.

    Ao terminar um dos captulos, lembrei-me tambm dos textos que recebo algumas vezesdos meus alunos na universidade: crnicas, contos, inclusive romances, e da importncia deapontar uma construo inadequada e sugerir um novo caminho. Como havia ministrado, naUSP e na Unesp, um curso de extenso intitulado Como Escrever Fico, decidi, ento, pr emdia meus conhecimentos nessa rea e escrever uma segunda parte do livro, procurando ajudaros meus leitores a escrever textos de fico com mais desenvoltura e criatividade.

    Acredito, firmemente, que esse livro cumprir seu propsito porque seu contedo j foitestado com bastante sucesso. A leitura pode comear pela primeira parte ou pela segunda. indiferente. Aproveitem bastante, escrevam sempre, compartilhem suas experincias, pois oconhecimento como a gua: deteriora-se quando deixa de fluir. E s faz sentido quandoconseguimos realizar alguma coisa com ele!

  • Primeira Parte

    O DESENHO DO TEXTO

  • 1DESIGN A ALMA DO TEXTO

    De modo geral, quando se fala em design, as pessoas entendem que se trata apenas deacrescentar um pouco de esttica a alguma coisa que manteria sua funcionalidade, a despeitodela. A maioria das pessoas imagina que design , simplesmente, o acabamento que se d a umproduto qualquer, em sua fase final de produo. Voc acha que a HP concordaria com isso?Ou a Apple, fundada por Steve Jobs?

    Hoje, o design o foco. As montadoras de automveis contratam designers comoGiorgetto Giugiaro, Chris Bangle e Pininfarina, para dar uma identidade visual de grife aosseus carros. As fbricas de perfume gastam milhes, anualmente, no design de seus frascos. Odesign aplica-se hoje at mesmo rea de servios. Numa concessionria de automveis,numa clnica mdica ou odontolgica, o atendimento, a cordialidade, o bom humor compem odesign do negcio. Mas claro que um bom design representa muito pouco, se no houverqualidade. Ningum compraria um perfume ruim, mesmo que viesse embalado em um frascode cristal assinado por Valentino.

    Beleza fundamental, como dizia Vincius de Moraes, mas, em um texto, no se pode falarem beleza sem contedo. preciso frisar, tambm, que, a exemplo do projeto de um edifcio,design no algo que se acrescenta a um texto pronto. algo que SE CONSTRI com um texto.

    Design a arte de conciliar beleza e funcionalidade. A funcionalidade de um texto medida no somente pelo seu contedo, mas tambm pela sua clareza e objetividade. Um textofuncional, de qualidade, deve ser cristalino. Infelizmente, h gente que acredita que a belezadeve ser procurada apenas nos textos literrios e que os de outra natureza, principalmente oscientficos, dispensam o design. Afinal, h quem diga que, num texto cientfico, a densidade epreciso acadmicas so inimigas de recursos que o tornem mais claro, mais palatvel aosno-iniciados. Nada mais inconsistente! Um bom texto, qualquer bom texto, seja um poema,uma receita de bolo ou um artigo acadmico deve ser claro e belo, despertando admirao emquem o l. Como diz Mrio Quintana,

    [] se um autor faz voc voltar atrs na leitura, seja de um perodo ou de uma frase, no o julgue profundo demais, no fiquecomplexado: o inferior ele. Ao ler algum que consegue expressar-se com toda a limpidez, nem sentimos que estamos lendoum livro: como se o estivssemos pensando1.

    Veja, a ttulo de exemplo, o seguinte trecho retirado de uma reportagem tcnica da revistaCarro que narra um teste comparativo entre os nove automveis mais velozes do mundo:

    O carro de srie mais rpido do mundo anunciado por meio de um arauto: um rugido infernal que ecoa ao longe. S entoos olhos conseguem visualizar a silhueta escura e baixa. o Bugatti Veyron 16.4 que se aproxima, veloz como um raio.Finalmente possvel distinguir a grade dianteira em forma de ferradura e ento ele j passou!

    O golpe de ar to violento que quase nos arranca os culos do rosto. Os poucos e felizardos presentes pista deEhra-Lessien giram o pescoo na tentativa de acompanhar o blido. A passagem do Veyron em velocidade mxima perturba atodos e, ao se afastar, o veculo deixa apenas um rastro abstrato de pura fascinao2.

  • Logo no incio do texto, o autor apresenta o carro mais rpido do mundo por meio do somdo seu motor, a que chama, metaforicamente, de arauto3. como se esse rudo antecedesse oautomvel, exaltando suas qualidades. Logo em seguida sensao auditiva, aparece a visual.Em funo da alta velocidade desenvolvida, v-se apenas uma silhueta. O autor identifica oBugatti e pe o olhar do leitor no logo da marca: a grade dianteira na forma de ferradura. Aseguir, evoca outra sensao, desta vez tctil: o deslocamento de ar produzido pela velocidade(O golpe de ar to violento que quase nos arranca os culos do rosto). No final, surgeoutra vez o recurso ao visual, tambm metafrico: ao se afastar, o veculo deixa apenas umrastro abstrato de pura fascinao.

    Como vemos, um texto que poderia ser apenas tcnico e, portanto, mais contido, faz uso desensaes auditivas, visuais e tcteis, transportando o leitor para a pista de provas de Ehra-Lessien, onde o teste foi realizado.

    CRIATIVIDADE

    Temos o desconcertante costume de fazer sempre as mesmas coisas. Isso representava umavantagem competitiva h milhares de anos, quando nossos ancestrais, ao estabelecerem umadeterminada rotina, tinham chances maiores de sobreviver. Quando ingressamos no perodohistrico, com a inveno da escrita h 5 200 anos, as mudanas comearam a ganhar maiorvelocidade. Durante o sculo XX, a vida das pessoas sofreu mudanas muito maiores do queem toda a histria da humanidade. Iniciamos o sculo passado ainda movidos por traoanimal e o terminamos voando em aeronaves a jato para os locais mais distantes do planeta eassistindo ao pouso de naves-robs em Marte. Neste sculo que se inicia, as mudanas sero,no mnimo, cem vezes mais rpidas. Participar ativamente desse processo de mudanas exigeaprendizagem contnua e uma enorme dose de criatividade. No incio do sculo XX, nosEstados Unidos, apenas 10% dos americanos exerciam atividades criativas. Hoje em dia, 70%desenvolvem funes que demandam criatividade.

    Todos ns somos potencialmente criativos, mas a interao com o meio ambiente essencial. Nossas escolas, entretanto, primam por no oferecer condies para isso. Temos,ento, de procurar nossos prprios caminhos. O primeiro deles desaprender as coisas velhasque no servem mais, mas que continuam a pautar nossas aes dirias. Michael Hammer, emum artigo na Harvard Business Review, conta que gastamos as trs primeiras dcadas aps ainveno do computador, apenas automatizando procedimentos do passado. Pavimentando atrilha das vacas, diz ele.

    Conta-se que um jovem discpulo de uma religio oriental, cuja crena de baseava naexistncia de vrias vidas, dirigiu-se a seu velho mestre, j bastante idoso e perguntou-lhe:

    Mestre, o que o senhor vai querer ser em sua prxima vida?Depois de certo tempo de silncio, o guru respondeu: Um burro, meu filho. Mas um burro, mestre? Como? No consigo entender! Sim, um burro, meu filho, para poder desaprender muitas coisas que aprendi nesta vida e que no me servem mais.

    Depois, em uma outra vida, serei algum com a mente apta a aprender novas coisas.

    Talvez o mais difcil de desaprender sejam os preconceitos. Acreditamos, por exemplo,

  • que uma escola deva ser um local vigiado, onde, em intervalos regulares, uma turma de alunosfique confinada em um ambiente, ouvindo a preleo de um professor que fala sobre o queouviu de outros professores ou leu em livros. Ser que isso ainda funciona?

    Depois de desaprender coisas velhas e vencer preconceitos, uma boa idia desafiar oltimo mito, o da especializao. Procurar leituras diversificadas, de outras reas diferentesda nossa, investindo na interdisciplinaridade. Fazendo isso, estaremos pegando carona emmentes altamente criativas, estimulando e vitalizando a nossa prpria criatividade.

    Mas, o que criatividade? Os estudiosos da rea costumam dizer que ser criativo ver oque todo mundo v e pensar diferente. Trata-se da habilidade de ver alguma coisa de outroponto de vista, diferente daquilo que nos diz o senso comum. Foi assim que Henry Ford crioua linha de montagem, no incio do sculo passado, e conseguiu que os empregadoscomprassem seus prprios automveis. Foi assim que Rich Teerlink, presidente da Harley-Davidson, reposicionou sua fbrica de motocicletas, ganhando milhes de dlares, ao decretarque a Harley no era mais uma empresa que fabricava veculos apenas. Era uma empresa quefabricava e vendia um estilo de vida!

    Mas, como pensar criativamente quando se trata de escrever um texto? Como conseguirtorn-lo belo e funcional? Bem, isso assunto para os prximos captulos.

    1. Mrio Quintana, A Vaca e o Hypogrifo, p. 110.2. Revista Carro, jan. 2007, p. 69.3. Como na Idade Mdia as pessoas do povo geralmente no sabiam ler, havia os arautos, oficiais reais que liam em voz alta,

    nas praas, proclamaes solenes, anncios de guerra ou de paz. Nos torneios, os arautos apresentavam os cavaleiros,enaltecendo a sua origem e seus feitos.

  • 2MAS O QUE MESMO UM TEXTO?

    Abro um jornal, percorro suas pginas e leio uma frase do depoimento de uma jovemmodelo: Perdi minha barriga em quinze dias! Mais adiante, vejo a declarao de umpassageiro em um aeroporto: Acabo de perder meu avio! Logo em seguida, leio umafrase no caderno Cotidiano: Perdi todos meus documentos, quando levaram a minhapasta!

    Fico imaginando, agora, que, se algum perde os documentos, porque era dono deles et-los perdido foi um acontecimento involuntrio e muito desagradvel. Por outro lado, opassageiro que perdeu seu avio, na realidade no era dono dele; apenas no conseguiuviajar no horrio que tinha programado. E a modelo que perdeu a barriga na verdadesimplesmente reduziu o volume do abdome e ficou feliz por isso.

    Continuo folheando as pginas do jornal, e meus olhos detm-se no ttulo de uma matriarelativa ao Carnaval: REVELAES AMEAAM DESTAQUES DAS ESCOLAS DE SAMBA NO RIO.

    Bem, eu sei que destaques o nome dado pela imprensa s celebridades que desfilamnessas escolas. Fico imaginando, ento, quais seriam as revelaes que as ameaam. Seria adivulgao de algum escndalo amoroso, de alguma falcatrua? Lendo a matria com interesse,descubro que revelaes o nome que a imprensa d a belas moas que esto comeando a sedestacar na mdia. A, ento, tudo fica claro! O que o ttulo da matria pretende dizer queessas garotas, pela sua beleza e juventude, concorrem com as atrizes e modelos famosas, quetm a tradio de desfilar nas escolas, mas que j esto comeando a perder o seu brilho.

    Depois dessas reflexes, fico a imaginar que os pequenos textos que li, na verdade, diziamuma pequena parcela daquilo que pude entender. Comeo a perceber que mais da metade dacomunicao aconteceu dentro da minha cabea, no momento em que os estava lendo. Ostextos funcionaram apenas como indutores do meu pensamento. Com o meu conhecimento demundo, eu que tinha atribudo sentido a eles. No texto sobre o Carnaval, a manchete eraambgua. Para conseguir compreend-la, precisei ler toda a matria.

    Um texto, portanto, no alguma coisa que venha pronta, com sentido completo, como diza tradio. apenas UMA PROPOSTA DE CONSTRUO DE SENTIDOS. Somos ns, leitores, que,vasculhando nossa memria, buscamos dentro do nosso conhecimento de mundo informaesadicionais que possam complementar aquilo que lemos. Sem isso, no h entendimentopossvel. O escritor e filsofo Eduardo Giannetti, expressa essa idia de maneira brilhante emseu livro Auto-engano:

    Ler recriar. A palavra final no dada por quem a escreve, mas por quem a l. O dilogo interno do autor a sementeque frutifica (ou definha) no dilogo interno do leitor. A aposta recproca, o resultado imprevisvel. Entendimento absoluto noh. Um mal-entendido o folhear aleatrio e absorto de um texto que acidentalmente nos cai nas mos pode ser o incio dealgo mais criativo e valioso do que uma leitura reta, porm burocrtica e maquinal.

    Autores so atores, livros so teatros. A verdadeira trama a que transcorre na mente do leitor-interlocutor1.

  • Rubem Alves fala-nos de uma sintonia mais fina entre quem escreve e quem l:

    Por que se gosta de um autor? Gosta-se de um autor quando, ao l-lo, tem-se a experincia de comunho. Arte isso:comunicar aos outros nossa identidade ntima com eles. Ao l-lo eu me leio, melhor me entendo. Somos do mesmo sangue,companheiros no mesmo mundo. No importa que o autor j tenha morrido h sculos2

    Quem no tem o conhecimento prvio necessrio para atribuir sentido aos textos que l rotulado com uma expresso pejorativa: analfabeto funcional. H alguns anos, o jornalistaGilberto Dimenstein relatou uma experincia: em uma famosa avenida de So Paulo, mostrouaos transeuntes um pequeno pedao de papel com a seguinte inscrio: 11% DO IR. A maiorparte das pessoas lia o texto da seguinte maneira:

    Bem, est escrito o nmero 11, depois um trao meio deitado para a direita, com duas bolinhas, uma em cima esquerdae outra em baixo direita. Depois est escrito I ERRE.

    Essas pessoas no conheciam o smbolo de porcentagem, nem a sigla do Imposto deRenda. Ou seja, embora alfabetizados, eram analfabetos funcionais.

    Muitas vezes, sobretudo quando lemos algum texto que traz referncias a alguma coisaantiga, perdemos muitos dos sentidos induzidos pelo autor no momento em que escrevia,simplesmente porque no temos repertrio para isso. Vejamos o seguinte trecho de uma colunado professor Pasquale Cipro Neto publicada no jornal Folha de S. Paulo:

    O que no se pode aceitar o uso desnecessrio e, sobretudo, exibicionista de termos estrangeiros. Em alguns casos, acoisa beira o ridculo. Quer um bom exemplo? O tal do Duas Rodas Fstival (pus o acento porque, no comercial da TV, apalavra lida como proparoxtona, inglesa). o prprio samba do crioulo doido: dois termos so portugueses; a estrutura dafrase e a outra palavra so inglesas. Haja!3

    Para entender o que Cipro Neto sugeriu com samba do crioulo doido, preciso podersaber que se trata de uma composio de autoria de Srgio Porto, famoso cronista carioca dosanos de 1960 que usava o pseudnimo de Stanislaw Ponte Preta, cuja letra satirizava o poderinventivo dos compositores cariocas de baixa escolaridade que, ao escrever os sambas-enredos das suas escolas de samba, misturavam, equivocadamente, pocas e personagens. Eisaqui a letra do Samba do Crioulo Doido:

    Foi em Diamantina / Onde nasceu JKQue a princesa Leopoldina / Arresolveu se cas.Mas Chica da Silva / Tinha outros pretendentes.E obrigou a princesa / A se casar com Tiradentes.L i l i l ia / O bode que deu vou te contar.L i l i l i / O bode que deu vou te contar.Joaquim Jos / Que tambm Da Silva Xavier / Queria ser dono do mundoE se elegeu Pedro II.Das estradas de Minas / Seguiu pra So PauloE falou com Anchieta. / O vigrio dos ndiosAliou-se a Dom Pedro / E acabou com a falseta.Da unio deles dois / Ficou resolvida a questoE foi proclamada a escravido. / E foi proclamada a escravido.Assim se conta essa histria / Que dos dois a maior glria.Dna. Leopoldina virou trem / E D. Pedro uma estao tambm.O, , , , , / O trem t atrasado ou j passou.

  • O, , , , , / O trem t atrasado ou j passou4.

    Bem, retorno ao meu jornal plenamente convencido de que um texto mesmo apenas UMAPROPOSTA DE CONSTRUO DE SENTIDOS. So os leitores que atribuem sentidos aos textos quelem, por meio do conhecimento prvio de mundo que cada um deles possui. Ao folhe-lo,novamente, vejo a propaganda do lanamento de um novo modelo de automvel e leio umeditorial que fala da importncia da diversidade de opinies em um sistema democrtico. Apropaganda tem a inteno de vender-me um automvel e o editorial tem a inteno deconvencer-me sobre a necessidade de pluralidade das idias em uma democracia. Percebo,tambm, que, por trs de um texto, existe sempre a inteno de algum.

    Se, ao conversar com um vizinho, troco idias sobre o tempo, minha inteno no ,necessariamente, compartilhar informaes meteorolgicas. Posso estar tentando apenasmanter uma relao cordial com ele. Se um rapaz pergunta a uma garota o que ela pretendefazer noite, sua inteno, geralmente, convid-la a sair.

    Lendo A Montanha Mgica, o grande romance de Thomas Mann, chego a uma passagem primeira vista bastante estranha. Trata-se de um discurso acompanhado de grandes gestos,feito mesa de jantar, por um personagem de nome Mynherr Peeperkorn, um novo hspede dosanatrio de Behrens em Davos, Sua, palco da narrativa de Mann.

    Senhoras e senhores. Muito bem. Tudo vai bem. Queria, no entanto, observar e no perder de vista em nenhum momento,que Nada mais sobre este ponto O que me cumpre declarar que Nada mais sobre este ponto O que me cumpredeclarar no aquilo, mas principal e exclusivamente o seguinte: temos o dever de uma forma inelutvel Repito e faoquesto de usar essa expresso: de uma forma inelutvel que se reivindica de ns No, senhoras e senhores, no! Esse no o sentido No me interpretem como se eu Que erro grave no seria pensar que Basta, senhoras e senhores! Bastaamplamente! Sei que estamos de acordo sobre todas essas questes, e por isso entremos no assunto!5

    Percebo, ento, que Pepperkorn no disse absolutamente nada! Dentro do contexto doromance, fica claro que a inteno do autor foi a de caracterizar Pepperkorn como um perfeitoidiota. Mais frente, um comentrio jocoso do narrador confirma essa primeira impresso:Seria interessante saber qual teria sido a reao de um surdo.

    Depois de reflexes como essa, sou forado a admitir tambm que UM TEXTO SEMPRE OPRODUTO DE UMA INTENO.

    Alm disso, fcil perceber que, em termos de interao textual, um editorial de jornalrepresenta um canal diferente de uma propaganda e uma propaganda, outro bem diferente deuma conversa informal com amigos, e assim por diante. Um texto sempre produzido em umasituao particular de interao social, seja um editorial, uma propaganda, um telefonema,uma dissertao escolar ou at mesmo um romance como A Montanha Mgica. Se chamarmosessas situaes de interao textual de gneros, veremos que UM TEXTO EXISTE SEMPRE DENTRODE UM DETERMINADO GNERO.

    Finalmente, podemos dizer que um texto:

    a) uma proposta de construo de sentidos;b) o produto de uma inteno;c) existe, sempre, dentro de um gnero.

  • 1. Eduardo Giannetti, Auto-engano, p. 13.2. Rubem Alves, Quarto de Badulaques LXXXIV, Correio Popular, 1 jun. 2006, Caderno C, p. 2.3. Pasquale Cipro Neto, Folha de S. Paulo, 18 nov. 2004.4. Em: http://www.paixaoeromance.com.5. Thomas Mann, A Montanha Mgica, p. 754.

  • 3GNEROS, TIPOS TEXTUAIS E DOMNIOS DISCURSIVOS

    Existem tantos gneros quantos forem as situaes de interao social, o que significadizer que h infinitos gneros. Telefonemas, cartas comerciais, bulas de remdio, romances,poemas so alguns exemplos. H gneros que j desapareceram, como o telex, outros queesto desaparecendo, como o telegrama, e outros que surgiram recentemente, como o e-mail.

    H gneros que fazem uso da oralidade, como um telefonema, um discurso poltico ou umaapresentao oral. H outros que fazem uso da escrita, como uma deciso judicial ou uma tesede doutorado. H tambm aqueles que fazem uso de ambos os canais. Sabemos, por exemplo,que a maioria dos noticirios de televiso, embora seja falada, lida em teleprompters. Poresse motivo que no faz muito sentido, hoje em dia, fazer distino rgida entre comunicaooral e escrita. Alis, as diferenas que tradicionalmente so ditas existirem entre fala e escritaso bem menores do que se pensa.

    Cada gnero tem suas prprias regras e convenes. Num e-mail, temos de preencher ocampo de assunto; em um telefonema, mesmo quando estando apenas ouvindo, temos deenviar, freqentemente, sinais vocais como ah, h, etc., para sinalizar ao nosso interlocutorque estamos atentos do outro lado da linha.

    J os TIPOS TEXTUAIS so classificados em apenas quatro: narrao, argumentao,descrio e injuno. Na narrao, contamos um evento, na argumentao, defendemos umaidia. Na descrio, tentamos passar ao nosso interlocutor um cenrio, uma paisagem. Numainjuno, damos uma ordem, fazemos um pedido, estabelecemos condies. Uma oraoreligiosa, um aviso proibindo pisar na grama, assim como a sentena proferida por um juiz oua ordem de pagamento que enviamos a algum por meio de um banco so injunes.

    Dentro de um gnero, podemos utilizar diversos tipos textuais. Se, dentro do gnerotelefonema, eu converso com um amigo contando uma aventura, tenho uma narrao. Sedescrevo um lugar ou uma pessoa, tenho uma descrio. Se defendo uma idia, tenho umaargumentao e, quando, ao despedir-me, desejo-lhe uma boa semana, tenho uma injuno.Vejamos a pequena carta, a seguir, escrita por Machado de Assis a Joaquim Nabuco, porocasio da morte da me deste ltimo:

    Meu caro Nabuco. Receba os meus psames pela perda de sua querida e veneranda me. A filosofia acha razes deconformidade para estes lances da vida, mas a natureza h de sempre protestar contra a dura necessidade de perder to carosentes. Felizmente, a digna finada viveu o tempo preciso para ver a glria do filho, depois da glria do esposo. Retirou-se destemundo farta de dias e de consolaes. Minha mulher rene os seus aos meus psames. O velho amigo, Machado de Assis (Riode Janeiro, 5 de out. 1902)1.

    A carta tem incio com uma injuno: o voto de psames. Logo em seguida, aparece o tipotextual argumentao, quando Machado contrape a Filosofia natureza. Depois, vem umapequena narrao, quando ele fala do percurso de vida da falecida, assistindo glria deJoaquim Nabuco e de seu pai. Finalmente, o texto termina com outra injuno: os psames da

  • esposa acrescentados aos do autor.Na redao classificada em primeiro lugar em 2006, num concurso patrocinado pela

    EPTV, cujo tema foi A doao de rgos, o efeito criativo estava justamente na utilizao dainjuno, um tipo textual diferente da argumentao, que seria o tipo esperado em um textocomo esse. Vejamos o primeiro pargrafo desse texto:

    A morte s tem importncia na medida em que nos faz pensar na vida. Por isso, quando eu me for, no me deixe irtotalmente. Tire da minha morte a esperana da vida. Doe meus rgos, assim eu no morrerei de verdade, mas me perpetuareicomo parte das vidas que poderei salvar2.

    Chamamos de DOMNIOS DISCURSIVOS instncias socioculturais que congregam gneros quepodem estar prximos ou terem naturezas extremamente diferentes. O discurso jurdicocongrega gneros prximos como petio, sentena, acrdo. J o discurso jornalstico incluigneros to diferentes como reportagens, editoriais, anncios classificados, horscopo etc.

    O TEXTO ESCRITO

    O homem com a capacidade da fala surgiu sobre a face da Terra h milhares de anos, mas,como vimos, s aprendeu a escrever por volta de 3 200 anos antes de Cristo. Isso aconteceuna Sumria, na regio onde hoje fica o Iraque, e foi fundamental para o incio das civilizaes.Tanto verdade que a inveno da escrita configura a fronteira entre a Pr-Histria e aHistria. As grandes obras arquitetnicas, a literatura escrita, a Filosofia somente puderamexistir, quando algum, lanando mo de uma esptula ou de uma pena, conseguiu fazerclculos, desenhos e depositar seus pensamentos e emoes sobre um suporte fsico qualquer,fosse uma tbua de argila, um papiro ou um pergaminho.

    Graas escrita, voc pode fazer sua mente viajar na leitura dos jornais do dia,informando-se sobre o que est acontecendo no seu pas ou no resto do mundo. Lendo livros,voc descobrir que a escrita tambm uma espcie de mquina do tempo que pode lev-loa um passado muito distante. Imagine que voc, lendo um livro escrito h muito tempo, sedepara com o seguinte trecho:

    Tal como um fogo destruidor abrasa uma floresta imensa, nos cumes de uma montanha e de longe se v o seu claro,assim, o bronze maravilhoso dos guerreiros em marcha lanava o seu brilho resplandecente, atravs do ter, at ao cu3.

    Pense um pouco comigo: essa imagem do exrcito grego em marcha para lutar contra ostroianos faz parte de um poema chamado Ilada, produzido nove sculos antes da era crist. Aescrita, como mquina do tempo, levou voc trs mil anos atrs e o fez contemplar o brilhodas armaduras dos heris conduzidos guerra sob a proteo da deusa Atena.

    EXERCCIOS

    1. Consulte um jornal do dia e procure relacionar pelo menos cinco textos de gnerosdiferentes. Tente explicitar diferenas entre eles.

    2. Para cada um dos textos do exerccio anterior, identifique pelo menos dois tipos textuais.

  • 3. Leia o texto a seguir:

    A poupana precaucionria feita sob o signo da prudncia. Ela reflete uma postura defensiva perante o futuro. O que sebusca no um amanh radiante, mas precaver-se do pior. J o uso excedente, visando a finalidades simblicas, define o quepodemos denominar poupana sunturia. Ela inclui, de um lado, a transferncia de trabalho e recursos do presente para ofuturo, feita em nome da obteno de alguma bno ou favor celeste (como na construo de pirmides e templos ou narealizao de sacrifcios e oferendas).

    Se h alguma forma de existncia aps a morte e se os deuses se regalam com a materializao de vastas quantidades detrabalho humano em splicas de pedra e outras homenagens, ento a poupana sunturia obedece lgica dos juros: pagaragora, viver depois.

    As poupanas precaucionria e sunturia atendem a diferentes motivaes humanas, mas tm uma caractersticaimportante em comum. So ambas economicamente estreis. Quer dizer: elas no realimentam o processo produtivo de modo aexpandir e incrementar sua capacidade de gerar bens e servios para o consumo futuro. O grande divisor de guas amudana verdadeiramente capital nessa dimenso da experincia social humana foi a descoberta e gradual consolidao deuma modalidade de poupana que, em contraste com as demais, capaz de procriar, ou seja, capaz de retroalimentar oprocesso produtivo que lhe deu origem, vivificando o mundo do trabalho, capitalizando-o e frutificando mais de si mesmo: apoupana reprodutiva. A poupana reprodutiva me de si mesma.

    Ao contrrio de outras modalidades de poupana, que saem do circuito econmico ao cumprirem a funo a que sedestinam, ela reentra no sistema, realimentando o processo que lhe deu origem e permitindo a gerao em escala ampliada decpias de si mesma4.

    a) Explique os trs tipos de poupana.b) Como entende a expresso splicas de pedra?c) Em que consiste o grande divisor de guas?d) Que significa dizer que a poupana produtiva me de si mesma?

    1. Joaquim Maria Machado de Assis em: Epistolrio, Obra Completa, p. 1061.2. Bruna Henrique Albuquerque, aluna da 8 srie da E. E. Antnio Milito de Lima, em So Carlos, SP.3. Homero, Ilada, p. 36.4. Eduardo Giannetti, O Valor do Amanh, pp. 244-246, adaptado.

  • 4REFERENCIAO CRIATIVA

    INTRODUZINDO UMA REFERNCIA

    Quando produzimos um texto sobre algum assunto, colocamos nele referncias sobre omundo real ou sobre mundos possveis, mas, embora seja bvio, preciso sempre terconscincia de que essas referncias, materializadas pelas palavras, no so as prpriascoisas, mas a maneira como as vemos e as transportamos para os nossos textos. Se, falandosobre o mundo real, eu digo que um automvel passou em alta velocidade, a palavraautomvel no o objeto fsico automvel, mas apenas uma representao lingstica que euescolhi. Minha escolha poderia ter sido outra, como um carro passou em alta velocidade.Se, falando de outros mundos possveis, existentes apenas na nossa imaginao, eu digo queHarry Potter lutou contra um drago, a palavra drago apenas uma referncia, umarepresentao lingstica desse ser imaginrio, que poderia ser nomeado, por exemplo, comoum animal mitolgico alado que lana fogo pelas ventas. As referncias que pomos em umtexto, portanto, no se confundem com o que existe no mundo real ou em mundos possveis;so apenas reconstrues dos seres desses mundos no plano da linguagem.

    Quando criamos pela primeira vez uma referncia em um texto, dizemos que pomos neleuma referncia inicial, ou referncia zero. Para cri-la, temos de procurar construir umaimagem aproximada do pblico-alvo que queremos atingir. Qual a idade dele? Qual suaformao acadmica e cultural? Quais so suas crenas? Qual o domnio que ele tem doassunto que vamos desenvolver em nosso texto?

    Se voc estiver escrevendo um texto sobre ecologia para adolescentes de 13 anos, contraproducente inici-lo, dizendo, por exemplo, que uma mudana num ecossistema podeocasionar srios problemas. Afinal, bem provvel que seu leitor no saiba o que umecossistema. Essa referncia tem de ser trabalhada adequadamente para ser introduzida pelaprimeira vez no seu texto. Seria melhor comear dizendo: Em um ambiente em que convivemseres vivos que se relacionam entre si e com o meio em que vivem, uma mudana podeocasionar srios problemas. Mais frente, voc poder referir-se a esse ambiente chamando-o de ecossistema, mas a introduo desse conceito, pela primeira vez, deve respeitar oconhecimento prvio de quem vai ler o texto. Resumindo: NA INTRODUO DE UMA REFERNCIAEM UM TEXTO, DEVE-SE CONSIDERAR O NVEL DE CONHECIMENTO DE QUEM VAI LER.

    CONSTRUINDO UMA REFERNCIA

    Depois de introduzir uma referncia pela primeira vez em um texto, voc ter, com

  • certeza, necessidade de retom-la mais adiante. A maneira de fazer isso se chama coesotextual que pode ser definida como UM PROCESSO PELO QUAL, EM UMA FRASE B, CONSEGUIMOSRECUPERAR UMA REFERNCIA ANTERIOR, PRESENTE EM UMA FRASE A. Vejamos o seguinte texto:

    Santos Dumont viajou para a Frana aos 19 anos. L, ele inventou o dirigvel e o avio.

    Na segunda frase (frase B), o advrbio l recupera a referncia Frana da primeira frase(frase A). O mesmo acontece com o pronome ele, que, na segunda frase, que recupera areferncia Santos Dumont. Imaginemos uma outra seqncia como:

    Pedimos uma cerveja. Uma cerveja no veio gelada.

    Diante dela, achamos algo estranho. Embora cada uma das frases que a compem estejagramaticalmente correta, as duas juntas no formam um todo. No sabemos se a cerveja dasegunda frase tem a mesma referncia da primeira. Falta a coeso textual. Trocando o artigoindefinido uma pelo definido a, teremos:

    Pedimos uma cerveja. A cerveja no veio gelada.

    Agora, sim, as duas frases formam um todo que podemos chamar de texto.Voltando ao primeiro trecho, o da viagem de Santos Dumont, poderamos dar a ele outras

    redaes. Vejamos uma primeira alternativa:

    Santos Dumont viajou para a Frana aos 19 anos. L, inventou o dirigvel e o avio.

    Lendo a segunda frase, ligamos imediatamente o advrbio l ao termo Frana, mas notemos nenhuma palavra para recuperar Santos Dumont. Examinando, contudo, a frase commais ateno, conclumos que possvel relacionar o agente do verbo inventar (inventou) aSantos Dumont, ou seja: existe uma posio vazia antes de inventou que recupera o termoSantos Dumont. As gramticas do portugus costumam chamar isso de sujeito oculto ouelptico. Pois : agora voc fica sabendo que o famoso sujeito oculto no passa de umaestratgia para costurar uma frase na outra, promovendo a coeso textual por meio darecuperao de uma referncia feita anteriormente.

    Uma outra alternativa de redao poderia ser:

    Santos Dumont viajou para a Frana aos 19 anos. L, esse brasileiro inventou o dirigvel e o avio.

    Agora, temos o termo esse brasileiro que recupera Santos Dumont. Trata-se de uma outraestratgia de coeso textual, em que utilizamos um sinnimo do termo da orao anterior.

    O mecanismo de coeso que faz uso de pronomes, artigos definidos e advrbios de lugarpara realizar a coeso textual tem o nome de COESO POR REFERNCIA. O que faz uso de elipses(sujeito oculto, por exemplo) tem o nome de COESO POR ELIPSE. O que faz uso de sinnimos, onome de COESO LXICA ou LEXICAL.

    A coeso lxica um dos mais importantes mecanismos de coeso textual. No exemploanterior, o sinnimo que foi empregado para recuperar Santos Dumont foi brasileiro. Trata-sede um sinnimo bastante genrico que recebe o nome de hipernimo. Vejamos, para maiorclareza, uma lista com alguns hipernimos:

  • substantivo hipernimomesa mveltermmetro instrumento ou aparelhogarfo talhersapato caladoSo Paulo cidade

    As pessoas que no dominam a arte da escrita costumam utilizar palavras como mesmo oureferido, para construir a coeso de seus textos, com resultado sofrvel. Compare os doistextos a seguir e sinta a diferena, para melhor, no segundo texto, com o uso de um hipernimo.

    Muita gente que freqenta restaurantes chineses prefere usar garfos e facas. H quem recuse os mesmos, preferindoimprovisar com os tradicionais palitos.

    Muita gente que freqenta restaurantes chineses prefere usar garfos e facas. H quem recuse esses talheres, preferindoimprovisar com os tradicionais palitos.

    O hipernimo pode ser ampliado, por motivo de clareza, como em:

    Santos Dumont suicidou-se no Guaruj, em plena revoluo de 32. H quem afirme que o brasileiro inventor do 14-bistenha posto fim a sua vida pelo desgosto de ver os avies que criou sendo usados em misses de bombardeio.

    A coeso lxica, por meio do uso de hipernimos simples ou estendidos, que podemoschamar de FORMAS NOMINAIS REFERENCIAIS, , em grande parte, responsvel pela clareza de umtexto.

    s vezes, uma forma nominal referencial pode recuperar no um termo da orao anterior,mas uma frase inteira. Vejamos o seguinte exemplo:

    Hoje j nos acostumamos a viver conectados com o trabalho, a famlia e os amigos pela internet. Uma sintonia que setorna mais produtiva e prazerosa quando no depende de um infernal emaranhado de fios1.

    Nesse texto, a palavra sintonia, na segunda frase, retoma no um termo da anterior, mastodo o seu contedo, o fato de vivermos conectados com o trabalho, a famlia e a internet.Nesse caso, a forma nominal referencial , quase sempre, um substantivo abstrato. Outrosexemplos:

    A associao de jogadores chegou a entrar com um processo contra a liga, alegando ms condies de trabalho. Foi o sinalde alerta para que David Stern, principal dirigente da NBA, decidisse dar o brao a torcer e aceitar a volta da velha bola, algosem precedentes na histria do campeonato. A deciso entrou em vigor anteontem, no jogo entre Charlotte e Minnesota, timede Kevin Garnett, um dos maiores crticos da bola sinttica. Aleluia para a bola de couro!2

    Aqui, a palavra deciso retoma o fato de o dirigente da NBA trazer de volta a bola decouro s quadras de basquete.

    No caso das pragas, os agricultores usam como defensivo a planta cravo-de-defunto para impedir que o pulgo-do-algodoeiro possa contaminar a plantao, explica Guimares. Esse tipo de conduta, na verdade, j amplamente disseminadapelo Brasil, inclusive para a preservao de pequenos jardins3.

    Nesse outro texto, a palavra conduta retoma o fato de os agricultores usarem o cravo-de-defunto como defensivo agrcola.

  • CONSTRUINDO A REFERENCIAO EM BUSCA DE CLAREZA

    Uma primeira funo das formas nominais utilizadas para a construo da referncia aclareza. Comea aqui o primeiro passo para a redao de um texto ao mesmo tempo claro ecriativo. Compare, por exemplo, as duas verses, a seguir, de um mesmo texto:

    1 verso

    Em outubro passado, quando lanou ao vento seu pacoto de sugestes para melhorar a Frmula 1 e reduzir seus custos,Max Mosley quase foi detido numa camisa-de-fora. Houve quem achasse que ele tinha pirado de vez. Entre outras coisas, elepropunha a troca de pilotos para dar mais emoo s corridas.

    2 verso

    Em outubro passado, quando lanou ao vento seu pacoto de sugestes para melhorar a Frmula 1 e reduzir seus custos,Max Mosley quase foi detido numa camisa-de-fora. Houve quem achasse que o presidente da FIA (FederaoInternacional de Automobilismo) tinha pirado de vez. Entre outras coisas, o advogado ingls propunha a troca de pilotospara dar mais emoo s corridas4.

    Na segunda verso, publicada na revista Quatro Rodas, o leitor fica sabendo que MaxMosley era presidente da Federao Internacional de Automobilismo, que era ingls e que eraadvogado. Isso torna o texto muito mais claro para o leitor e tambm mais criativo.

    Existem algumas maneiras de fazer isso. Uma delas o uso das anforas5 definicionais,em que o termo utilizado para a coeso lxica uma definio da referncia inicial, como notexto a seguir:

    Este ano, no Brasil, o H5N1 poder ser diagnosticado num prazo de trs horas. O investimento para o diagnstico do vrusda gripe aviria implicar um investimento de R$ 39 milhes e o treinamento de 1 700 tcnicos6.

    Como vemos, a forma nominal o vrus da gripe aviria, que retoma H5N1, umadefinio de H5N1.

    Outra maneira de fazer isso a utilizao de metforas7 como anforas didticas, comono texto a seguir:

    O dicionrio da vida o famoso cdigo gentico pode at parecer complexo, mas muito pobre. Na prtica, areceita para a construo de qualquer organismo exige apenas 20 palavras. Mas, como toda linguagem, ele tambm podecrescer, com uma mozinha do ser humano: um grupo de cientistas dos EUA acaba de criar cinco neologismos genticos parauma coleo de fungos num laboratrio da Califrnia8.

    REFERENCIAO COMO AVALIAO

    Muitas vezes, quem fala ou escreve utiliza a coeso lxica para fazer uma apreciao positiva ou negativa sobre algum ou alguma coisa, como no texto a seguir, em que o autorprocura dar destaque ao arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer:

    Niemeyer est de volta ao Olimpo da arquitetura. [] Quando decidiu convidar essa lenda viva da arquitetura paraprojetar uma pavilho pequeno e temporrio, Julia Peyton-Jones, a diretora da Serpentine, pediu ajuda a Zaha Hadid. Aarquiteta iraquiana conhece Niemeyer pessoalmente e escreveu uma carta de apresentao9.

  • A expresso lenda viva da arquitetura utilizada para retomar Niemeyer tem o claroobjetivo de exaltar sua figura. J o uso do hipernimo arquiteta iraquiana, para retomar ZahaHadid, tem apenas o objetivo de dar maior clareza ao texto. Um exemplo do emprego dacoeso lxica para apreciao negativa pode ser visto no seguinte trecho:

    O Brasil vai deixar de ter populao rural em 2030, se continuarem sendo usados os critrios atuais para definir o grau deurbanizao do pas. Esse absurdo, terico e prtico, foi apontado ontem pelo pesquisador da USP, Jos Eli da Veiga, empalestra realizada na 54 Reunio Anual da SBPC10.

    A expresso absurdo, terico e prtico cumpre o papel de desqualificar os atuaiscritrios para definir o grau de urbanizao do pas.

    UMA ALTERNATIVA PARA A CONSTRUO DA REFERNCIA: O APOSTO EXPLICATIVO

    possvel, tambm, utilizar o chamado aposto explicativo como forma de construir umareferncia, seja didaticamente, seja como avaliao.

    preciso lembrar que o aposto um termo da orao que modifica seu antecedente e seidentifica com ele. Quando dizemos rio Amazonas, por exemplo, Amazonas aposto de rio,porque modifica rio e se identifica com rio (Rio Amazonas e Amazonas rio). Nesseexemplo, temos o aposto especificativo, uma vez que rio gnero e Amazonas espcie.Quando dizemos Eisenhover, general e presidente americano, general e presidenteamericano aposto de Eisenhover, porque modifica Eisenhover e se identifica com ele.Nesse caso, contudo, temos um aposto explicativo, uma vez que Eisenhover espcie egeneral e presidente americano gnero. O aposto explicativo deve vir sempre entrevrgulas.

    Vejamos agora o seguinte trecho de Arnaldo Jabor:

    Depois, o papa ficou doente, h dez anos. E eu olhava cruelmente seus tremores, sua corcova crescente e, semcompaixo alguma, pensava que o pontfice no queria largar o osso?, e ria dele como um anticristo.

    At que, nos ltimos dias, Joo Paulo II chegou janela do Vaticano, tentou falar e num esgar dolorido, trgico, foifotografado em close, com a boca aberta, desesperado.

    Essa foto um marco, um smbolo forte, quase como as torres caindo em NY. Parece um prenncio do Juzo Final, umrosto do Apocalipse, a cara de nossa poca. aterrorizante ver o desespero do homem de Deus, do Infalvel, doembaixador de Cristo. Naquele momento Deus virou homem. E, subitamente, entendi alguma coisa maior que sempre meescapara: aquele rosto retorcido era o choro de uma criana, um rosto infantil em prantos! O papa tinha voltado a seunascimento e sua vida se fechava. Ali estava o menino pobre, ex-ator, ex-operrio, ali estavam as vtimas da guerra, osatacados pelo terror, ali estava a imensa solido igual minha. Ento, ele morreu11.

    Nos dois primeiros pargrafos a coeso textual feita de maneira normal. No terceiropargrafo, porm, esse procedimento ganha uma dimenso maior por ser um recurso utilizadopor Jabor para reconstruir a figura do papa como objeto do seu discurso, de acordo com umnovo ponto de vista da sua percepo. A figura do pontfice resumida por essa foto,retomada na frase seguinte como prenncio do Juzo Final. Logo a seguir, h dois apostos, umrosto do Apocalipse e a cara de nossa poca. Na frase seguinte, prossegue o uso da coesolxica. A expresso o homem de Deus retoma a figura do papa. Seguem-se dois apostos: oInfalvel, o embaixador de Cristo. Nas frases seguintes, prossegue o uso da coeso lxicacom mais apostos. Na frase final, temos dois apostos modificando a expresso o menino

  • pobre: ex-ator e ex-operrio e mais uma cadeia de expresses nominais construindo a figurado papa (vtimas da guerra, os atacados pelo terror), finalizando por sua identidade com oautor do texto: ali estava a imensa solido igual minha.

    Como vemos, aliado coeso lxica, o aposto explicativo um importante recurso dalngua disponvel para ser usado na construo das referncias.

    REFERENCIAO E MEMRIA DISCURSIVA

    Alm da clareza e das orientaes argumentativas, a coeso lxica tambm cria outrosespaos para veicular informaes, dentro de um texto. Vejamos o seguinte texto:

    Desde que os terroristas da Al Qaeda atacaram o World Trade Center e o Pentgono, no ano passado, h uma certeza: aorganizao islmica prepara novos atentados. A dvida quando e onde. Nos ltimos dez meses, a derrota no Afeganisto ea vigilncia internacional tornaram mais difcil a comunicao entre as clulas do grupo terrorista liderado pelo sauditaOsama bin Laden12.

    Pela linha do texto, somos informados de que os terroristas da Al Qaeda preparamnovos atentados, no se sabe quando e onde e que a derrota no Afeganisto e a vigilnciainternacional dificultaram a comunicao entre suas clulas. Pela linha da coeso lxica,somos informados de que a Al Qaeda uma organizao islmica, que um grupo terrorista eque seu lder Osama bin Laden, de naturalidade saudita. Essas informaes poderiamtambm ser fornecidas dentro da linha do texto, mas o autor preferiu utilizar a construo dareferncia para veicul-las. De fato, a coeso lxica ao longo do texto vai completando,dentro das mentes do leitor, a referncia inicial terroristas da Al Qaeda. Essa construoacumulada, que recebe o nome de MEMRIA DISCURSIVA, tem o efeito de ampliar oconhecimento enciclopdico de mundo do leitor.

    EXERCCIOS

    1. Comece a escrever um texto, introduzindo uma referncia sobre os temas abaixo,imaginando que seu pblico-alvo so jovens pr-adolescentes:

    a) a China;b) os satlites de comunicao;c) o imposto de renda;d) um museu.

    2. Comece a escrever um texto, introduzindo uma referncia sobre os temas abaixo,imaginando que seu leitor um australiano adulto que aprendeu portugus em Sidney ecom quem voc se corresponde pela internet:

    a) o Brasil;b) a escravido no Brasil;c) Santos Dumont;d) o Carnaval.

  • 3. Escolha um dos incios de texto do exerccio anterior e desenvolva a referncia inicial:a) por meio de uma coeso lxica neutra;b) por meio de algumas anforas definicionais;c) por meio de coeso lxica agregando valores (positivos ou negativos);d) acrescentando alguns apostos explicativos.

    4. Repita o exerccio anterior para todos os outros temas do exerccio 2.

    1. Revista poca, edio especial, dez. 2006, p. 16.2. Folha de S. Paulo, 3 jan. 2007.3. Folha de S. Paulo, 10 dez. 2006.4. Revista Quatro Rodas, mar. 2003, p. 100.5. Anfora vem de do grego: an(a)- de baixo para cima + phor ao de levar, transportar. Significa transportar a

    referncia de uma frase anterior para a frase seguinte.6. Revista Pesquisa Fapesp, abr. 2006, p. 122, adaptado.7. No prximo captulo, falarei um pouco mais amplamente sobre a metfora.8. Graziela Zamponi, Estratgias de Construo da Referncia no Gnero de Popularizao da Cincia, Referenciao e

    Discurso, p. 180.9. Revista Veja, 18 jun. 2003, p. 92.

    10. Jornal Folha de S. Paulo, 10 jul. 2002.11. Arnaldo Jabor, Pornopoltica, pp. 69-70.12. Revista Veja, 17 jul. 2002, p. 50.

  • 5USO CRIATIVO DA METONMIA: UM PROCESSO DE

    PROJEO

    O QUE PROJEO?

    Transportemo-nos para a pr-histria e imaginemos dois de nossos longnquos ancestraisque, numa manh, abandonaram provisoriamente a segurana da caverna em que moravam, embusca de comida. Esto observando as rvores, procurando frutos. Subitamente, surge umgrande tigre negro que ataca um deles e comea a devor-lo. Em desabalada carreira,esquecendo a prpria fome, o sobrevivente volta caverna. No dia seguinte, sai ele de novo, procura de alimento. De repente, v, a meia distncia, um tigre cinza vagando por perto.Imediatamente, pe-se a correr de volta caverna. Mas, por que ele fez isso? Afinal, o tigreque vira no era o tigre negro do dia anterior que tinha almoado o amigo! Ocorre que nossoancestral j era dotado de um PROCESSO COGNITIVO DE PROJEO, ou seja, ele projetou sobre otigre cinza a figura do tigre negro do dia anterior e concluiu que ele era igualmente perigoso.O resultado desse processo tem o nome de CATEGORIZAO. Intuitivamente, nosso ancestralincluiu os dois animais, o do dia anterior e o do dia seguinte em uma categoria: a de animalpredador. Graas a essa habilidade cognitiva, ele pde sobreviver e, quem sabe, ter aoportunidade de passar seus genes frente e ser um de nossos tataravs perdidos no abismodo tempo. Podemos, agora, tirar duas concluses. A primeira que um processo de projeoimplica partir de um DOMNIO DE ORIGEM (no caso, o tigre negro) e aplic-lo a um DOMNIOALVO (no caso, o tigre cinza). A segunda que esse processo faz parte do arsenal cognitivo doanimal humano e sempre foi fundamental para sua sobrevivncia. Como diz Antnio Damsio,em seu livro O Erro de Descartes,

    quando somos confrontados com uma situao, a categorizao prvia permite-nos descobrir rapidamente se uma dada opoou resultado ser vantajoso ou de que modo as diversas contingncias podem alterar o grau de vantagem1.

    A nossa experincia de projeo mais comum a da projeo de uma parte em um todo.Se estamos diante de uma pessoa sentada do outro lado de uma mesa, nossa percepo visualabarca apenas parte do seu tronco, a cabea e, possivelmente, os braos. Sabemos, entretanto,que ela se encontra inteira atrs da mesa. Essa concluso se fundamenta numa projeo:projetamos a parte que percebemos visualmente no todo que a pessoa inteira. Por essemotivo que podemos utilizar fotos 3x4 em documentos de identificao. Quando mostro umadessas fotos a algum, ningum diz: Ah, a cabea do Joo. Diz, simplesmente, oJoo. tambm por esse motivo que apenas a fachada de um prdio pode ser construdacomo cenrio para um filme ou telenovela. Quem assiste projeta o cenrio da fachada em umprdio inteiro. Essa projeo de parte no todo chamada de METONMIA. Antigamente, ametonmia era tratada apenas como figura de linguagem. Modernamente, entendida como um

  • dos principais processos cognitivos utilizados no dia-a-dia pelos seres humanos.Os processos cognitivos que nos levam a fazer projees metonmicas acham-se tambm

    ligados a fatores histricos e culturais. Por que uma revoluo acontecida em Pernambuco, em1848, foi denominada praieira? Porque a sede do jornal liberal O Dirio Novo, quepropagava as idias que originaram a revolta, ficava na Rua da Praia, no Recife. Temos auma projeo metonmica que se configura pela utilizao do nome de um local pelo eventonele acontecido. Pelo mesmo processo, provm uma infinidade de denominaes como:batalha de Waterloo (nome de uma regio ao sul de Bruxelas onde se deu a famosa batalhaem que Napoleo foi derrotado pelos ingleses), escndalo de Watergate (edifcio ondeficava a sede do partido democrata americano, em Washington), deciso de Downing Street(residncia do primeiro ministro britnico) etc. etc.

    Antnio Damsio, no mesmo livro citado h pouco, relaciona a metonmia tambm snossas emoes e nos fala que, se um componente marginal se acha vinculado a algo positivoele visto, tambm, como positivo e se, ao contrrio, ele se acha vinculado a algo negativo, visto, tambm, como negativo. Conclui ele, dizendo que A luz que ilumina uma coisagenuinamente importante, boa ou m, brilha tambm sobre o que a rodeia2.

    por esse motivo que, muitas vezes, ao conhecer uma pessoa, podemos simpatizar ouantipatizar com ela primeira vista. O formato do rosto, o som da voz, um detalhe qualquerpodem ativar nossa memria emocional para o bem ou para o mal. H uma conhecidaapresentadora de televiso, muito bonita e competente, mas que, sem culpa prpria, me causoupssima impresso desde a primeira vez em que a vi, porque sua voz exatamente igual deuma professora que eu considerava antiptica.

    Plato, no livro em que narra o dilogo de Scrates com seu discpulo Fdon, sobre anatureza da alma, faz referncia a essa metonmia emocional, caracterizando-a comoreminiscncia:

    Muito bem prosseguiu Scrates. No sabes o que acontece com os amantes quando vem uma lira, um traje ouqualquer outra coisa que seus amados costumem usar habitualmente? Que ao ver essa coisa pensam em seu dono? Isto areminiscncia. [] Poderia te dar um milho de Exemplos 3.

    em funo da memria emocional metonmica que muitas agncias de propagandautilizam locais paradisacos, belas garotas, celebridades para anunciar produtos. Elas apostamno efeito da projeo desses locais, das garotas ou das celebridades sobre aquilo quepretendem vender. Esse tipo de colagem chamado de amlgama cognitivo. Numa atitude,muitas vezes criminosa, algumas agncias de publicidade associam o esporte ao consumo decigarros, e o consumo de cerveja a corpos bonitos. Um caso que ficou famoso nos anais datica na publicidade foi a propaganda do cigarro Malrboro, que associava o cigarro imagemde um caubi viril.

    A metonmia ligada s emoes explica, tambm, a paixo que certas pessoas demonstrampor carros antigos. interessante acompanhar a forma como um homem de 50 anos passeiapor uma exposio desses veculos. Automveis bastante antigos, fabricados nos anos de1920, quase no chamam sua ateno. Diante de um Mustang 1966, contudo, ele se detmemocionado. Um Ford 29 nunca fez parte da sua experincia de vida, mas o Mustang 66, queele teve a oportunidade de ver, quando criana, circulando imponente pelas ruas da sua cidadeou estampado nas revistas da poca, pode ter sido um objeto de desejo da infncia.

  • A metonmia explica a importncia das famosas madeleines 4 lembradas com emoo porMarcel Proust, em sua obra Procura do Tempo Perdido, por terem sido parte de umaexperincia emocional de convvio com a me em sua infncia. A metonmia tambmimportante para criar uma infinidade de projees criativas. Vejamos o seguinte trecho doWerther de Goethe:

    Retido por uma reunio a que no podia faltar, no fui casa de Carlota. Que hei de fazer? Mandei l o meu criado, apenaspara ter junto de mim algum que se tivesse aproximado dela. E com que impacincia o esperei! Com que alegria o viregressar! Deu-me vontade de beij-lo, mas tive vergonha.

    Conta-se que a pedra de Bolonha, quando exposta ao sol, furtalhe os raios e fica por algum tempo luminosa durante a noite.Pareceu-me haver acontecido o mesmo com o meu criado. S o pensar que os olhos de Carlota tinham pousado em seu rosto,nas suas faces, nos botes da sua libr, no seu colete, fez com que ele se tornasse para mim to precioso, to sagrado! Naquelemomento, eu no daria o meu criado por 1 000 escudos. Eu me sentia to feliz junto dele! Que Deus no deixe voc rir-se detudo isto! Wilhelm, no so as vises quimricas que nos tornam felizes?5

    Utilizando a projeo metonmica dos olhos da amada na figura do seu criado, Goetheescreveu esse captulo memorvel.

    Jos Cndido de Carvalho utilizou tambm a projeo metonmica no incio do seuconhecido romance O Coronel e o Lobisomem:

    Nos currais do Sobradinho, no debaixo do capoto de meu av, passei os anos de pequenice, que pai e me perdi no gostodo primeiro leite. Como fosse dado a fazer garatujaes e desabusado de boca, l num inverno dos antigos, Simeo coou acabea e estipulou que o neto devia ser doutor de lei:

    Esse menino tem todo o sintoma do povo da poltica. invencioneiro e linguarudo6.

    Para falar na perda dos pais, o narrador em primeira pessoa, na figura do CoronelPonciano, diz que pai e me perdi no gosto do primeiro leite, fazendo analogia entre o leitee sua me. Para criar uma situao humorstica, descreve o menino que fora, por meio decaractersticas que, dentro do imaginrio popular, fazem parte do comportamento dos doutoresda lei e dos polticos: escrever garatujas (letra ruim e disforme) ser desabusado de boca,invencioneiro e linguarudo. O texto ficou muito mais criativo e bonito do que se ele dissesse,simplesmente, que tinha ficado rfo logo que nasceu e que o av fez previso de que eleseria, futuramente, um advogado ou um poltico.

    A projeo metonmica tambm muito usada na poesia, como se pode ver no seguintepoema, composto em Portugal no sculo XV, pelo poeta Joo Roiz de Castelo Branco.

    CANTIGA, PARTINDO-SE7

    Senhora, partem to tristesMeus olhos por vs, meu bem,Que nunca to tristes vistesOutros nenhuns por ningum.

    To tristes, to saudosos,To doentes da partida,To cansados, to chorosos,Da morte mais desejososCem mil vezes que da vida:Partem to tristes os tristes,To fora de esperar bem,

  • Que nunca to tristes vistesOutros nenhuns por ningum.

    Nesse poema, o autor projeta nos olhos, metonimicamente, sentimentos como tristeza,saudade, cansao e desejo.

    Quando a projeo metonmica feita pondo foco em uma parte inalienvel de algumacoisa ou pessoa (olhos, como no caso desse poema), ela chamada, nos tratados de estilstica,de SINDOQUE.

    EXERCCIOS

    1. Descreva alguma pessoa que voc conhea a partir de alguns de seus traos particulares:modo de andar, falar, agir, comportar-se.

    2. Narre a histria do incio do namoro entre uma garota desleixada e um rapaz obcecado porlimpeza, descrevendo, para caracteriz-los, o local do encontro entre os dois.

    3. Copie alguns trechos de um poema em que o autor tenha feito uso de projeo metonmica.

    4. Escreva um pequeno poema, utilizando projeo metonmica. Pode ser parte do corpo dealgum, uma pea de roupa, uma jia ou parte de um cenrio, como um quadro, uma foto,uma mesa etc.

    1. Antnio Damsio, O Erro de Descartes, pp. 231-232.2. Idem, p. 145.3. Plato, Fdon ou da Alma, Dilogos, p. 137.4. Bolinho em forma de concha.5. Johann Wolfgang von Goethe, Werther, p. 324.6. Jos Cndido de Carvalho, O Coronel e o Lobisomem, p. 3.7. Jos Joaquim Nunes, Crestomatia Arcaica, p. 471. (A ortografia foi atualizada.)

  • 6VIVENDO HISTRIAS E FAZENDO PROJEES

    Segundo Mark Turner, autor do livro The Literary Mind: the Origins of Thought andLanguage, a maior parte da nossa experincia e do nosso conhecimento organizada por meiode histrias. Quando pensamos em histrias, pensamos logo em um romance, um conto policialou, saindo do campo da fico, em histrias envolvendo pessoas reais, em crises polticas, ouem histrias curiosas de povos distantes, como as narradas no Discovery Channel. Ningumpensaria que uma pessoa atravessando a rua consiste em uma histria, mas uma pequenahistria, uma espcie de marco zero de outras histrias mais complexas. Vivemos umaporo delas durante o nosso dia. Pela manh, h a pequena histria de nos levantarmos,tomarmos banho e fazermos o desjejum. Depois, a pequena histria de entrarmos no carro, sairenfrentando o trnsito, e assim por diante.

    Em nossas pequenas histrias dirias, somos capazes de distinguir objetos de pessoas, umobjeto de outro objeto, uma pessoa de outra pessoa. Somos tambm capazes de distinguirobjetos de eventos. Fazemos isso, porque o processo evolutivo nos ensinou a distinguirobjetos de acontecimentos e a reuni-los em histrias.

    Somos acostumados a ouvir histrias desde pequenos. Ouvir histrias foi um dos maisimportantes processos de aprendizagem de nossos longnquos ancestrais. noite, em volta dafogueira, um adulto falava das aventuras do dia, de como ele conseguira localizar uma presano exerccio de uma caada e de como se aproximou dela e conseguiu mat-la. Em volta, ascrianas ouviam, fascinadas, os relatos de sucessos e fracassos, aprendendo as tcnicas decaa, vitais para sua prpria sobrevivncia futura, numa poca em que os seres humanos aindaeram apenas coletores e caadores.

    A PARBOLA COMO PROJEO

    PARBOLAS, PROVRBIOS E FBULAS

    Assim como fomos condicionados a fazer projees para criar categorias ou paraestabelecer relaes entre partes acessrias de coisas ou acontecimentos importantes e essasprprias coisas ou acontecimentos, fomos tambm condicionados a fazer projees de umahistria sobre outras histrias. Buda, Cristo e outros grandes mestres e filsofos utilizaramprojees chamadas PARBOLAS, para seus ensinamentos. Para defender a tese do resgatedaqueles que se desviaram do caminho, Jesus conta a parbola do filho prdigo; para defendera tese da contribuio de cada um segundo suas posses, Jesus narra a parbola do bolo daviva. No campo da Filosofia, a projeo mais conhecida a parbola da caverna contadapor Plato, na Repblica, para salientar a distino entre as miragens que vemos e o

  • verdadeiro conhecimento. Em conversa com Glauco, seu irmo, depois de contar a histria deseres humanos agrilhoados desde a infncia dentro de uma caverna, obrigados a olhar apenaspara as sombras projetadas na parede (domnio de origem), Plato faz a projeo:

    Meu caro Glauco, esse quadro continuei deve agora aplicar-se a tudo quando dissemos anteriormente, comparando omundo visvel atravs dos olhos, caverna da priso, e a luz da fogueira que l existia, fora do Sol. Quanto subida aomundo superior e viso do que l se encontra, se a tomares como a ascenso da alma ao mundo inteligvel, no iludirs minhaexpectativa, j que teu desejo conhec-la1.

    As fbulas so tambm parbolas, pequenas narrativas cujo domnio alvo da projeo avida pessoal de cada um. Vejamos a verso original da conhecida fbula da Raposa e as Uvasde Esopo:

    Uma raposa faminta viu uns cachos de uva pendentes de uma vinha: quis peg-los mas no conseguiu. Ento, afastou-semurmurando: Esto verdes demais. MORAL: Assim tambm, alguns homens, no conseguindo realizar seus negcios porincapacidade, acusam as circunstncias2.

    Veja-se que, em primeiro lugar vem a histria (domnio de origem). Logo em seguida, vemo ensinamento moral (domnio alvo) que anlogo ao provrbio: Quem desdenha quercomprar.

    Alis, os provrbios so parbolas condensadas. Quando vemos que algum se esforapara conseguir algo e est a ponto de desistir, podemos dizer:

    gua mole em pedra dura tanto bate at que fura.

    Ao dizer essa frase, fazemos uma projeo cujo domnio de origem o provrbio e odomnio alvo a situao vivida por nosso interlocutor. O objetivo motiv-lo a perseverar emseu intento.

    ESCREVENDO TEXTOS CRIATIVOS POR MEIO DA PROJEO DE HISTRIAS

    A projeo de pequenas histrias um excelente recurso para desenhar criativamente umtexto. Imagine que algum queira redigir um texto defendendo a explorao sustentvel daAmaznia. Poderia dizer, por exemplo, que tanto devastar essa regio de maneirairresponsvel quanto deix-la intocada so um mau negcio e que o ideal seria aproveit-la demaneira racional. Mas essa mensagem ficar mais bem gravada na cabea do leitor se,primeiramente, criarmos uma imagem por meio de uma pequena histria, para, depois,projet-la na defesa da nossa tese, como no seguinte texto:

    Li, em uma revista especializada em automveis, que h alguns milionrios americanos malucos que, tendo comprado umaFerrari de um milho de dlares, em vez de us-la, colocam-na em exposio, como enfeite, na sala da manso em quecostumam receber seus convidados.

    Quando se fala em preservao da Amaznia, h muita gente que pensa dessa maneira. Ora, preservar no quer dizer noutilizar. preciso ser contra o desmatamento predatrio, no contra o desmatamento racional. preciso ser contra a retiradairracional de madeira, no contra sua retirada racional. Isso vale para a pesca, a caa, a preservao da flora etc. Concluindo:preservar seguir apenas aquela mxima antiga que diz: ratio est in media res. A razo est no meio da coisa.

    No primeiro pargrafo, temos a histria dos milionrios excntricos que compram Ferrarisapenas para exp-las na sala de estar. No segundo, a projeo dessa histria sobre o tema

  • tratado. O resultado um texto com um poder muito maior de atrair o leitor.Em uma de suas crnicas, Nelson Rodrigues narra, primeiramente, uma experincia de

    infncia num processo de premiao em exposio de gado:

    A nossa modstia comea nas vacas. Quando era garoto, fui, certa vez, a uma exposio de gado. E o jri, depois de nosei quantas dvidas atrozes, chegou a uma concluso. Vi, transido, quando colocaram no pescoo da vaca a fitinha e a medalha.Claro que a criana tem uma desvairada imaginao ptica. H coisas que s a criana enxerga. Mas quis-me parecer que oanimal teve uma euforia pnica e pingou vrias lgrimas da gratido brasileira e selvagem3.

    Na seqncia do seu texto, fala, mais frente, sobre a cerimnia de premiao deimportantes figuras brasileiras:

    Fiz as divagaes acima porque assisti, no ltimo sbado, entrega dos prmios do Museu da Imagem e do Som. [] SalaCeclia Meireles. Como o governo da Guanabara estava ligado aos prmios, compareceu o governador Negro de Lima que,em pessoa, faria a entrega. E, para maior nfase do acontecimento, puseram l uma banda de msica. Um dos premiados eraOscar Niemeyer. Outro: Glauber Rocha; outro ainda: Pel4.

    Logo a seguir, na continuao do texto, Nelson retoma a pequena histria inicial,projetando-a sobre a premiao de um dos agraciados:

    Dir algum que eram prmios modestos. No importa. A vaca j citada recebeu muito menos, ou seja, uma fitinha comuma medalha. E nasceu nos seus dentes toda uma espuma; a gratido escorria-lhe em forma de baba elstica. Eis o que meperguntava: como reagiria Oscar Niemeyer?5

    O efeito dessa projeo sarcstico: leva o leitor a visualizar o famoso arquitetobabando, ao receber seu prmio. Trata-se de uma dura crtica a como nos deixamos iludir poressas honrarias (medalhas, fitinhas, placas etc.) que at mesmo as vacas costumam ganhar.

    Um outro exemplo, desta vez cheio de lirismo, o que nos apresenta a seguinte crnica deRubem Braga:

    O PAVOEu considerei a glria de um pavo ostentando o esplendor de suas cores; um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e

    descobri que aquelas cores todas no existem na pena do pavo. No h pigmentos. O que h so minsculas bolhas dgua emque a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavo um arco-ris de plumas.

    Eu considerei que este o luxo do grande artista, atingir o mximo de matizes com o mnimo de elementos. De gua e luzele faz seu esplendor; seu grande mistrio a simplicidade.

    Considerei, por fim, que assim o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mimexistem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glrias e me faz magnfico.

    (Rio, novembro, 1958)6

    No primeiro pargrafo, o autor explica como o pavo, sendo pobre em cores, obtm umaquantidade infinita de matizes, por meio da luz refratada nas bolhas dgua presentes em suaspenas. No ltimo pargrafo, faz a projeo: aquilo que o torna magnfico como amante soapenas seus olhos recebendo a luz que emana dos olhos da amada.

    EXERCCIO

    Escreva textos sobre os temas a seguir, utilizando pequenas histrias como fonte deprojeo. Voc pode recorrer a livros que j leu, revistas, jornais ou prpria imaginao:a) perseverana e vitria;

  • b) ajudar o prximo sem esperar recompensa;c) ser honesto;d) fazer previso de gastos;e) vender alguma coisa pelo preo justo;f) escolher uma profisso.

    Na resoluo do exerccio a), voc pode comear contando a histria de algum que sesuperou e venceu na vida; em b), um episdio da vida de Madre Teresa de Calcut, porexemplo, e assim por diante.

    PROJEES DE AES EM EVENTOS

    Ns temos duas formas de percepo: o espao e o tempo. Vivemos dentro de um espao esomos sensveis ao decorrer do tempo. Temos conscincia, tambm, de que, embora possamosvoltar a um ponto em que j estivemos (espao), no podemos voltar a um momento que jvivemos (tempo).

    Quanto ao entendimento, ns, humanos, desenvolvemos duas ferramentas: acategorizao, que j vimos no captulo anterior, e a causalidade. Se dentro de uma salahouver um gato e algum, de fora, fizer rolar uma bola sobre o cho, o gato, imediatamente, iratrs da bola. Mas, se dentro dessa mesma sala, estiver um ser humano, a primeira coisa queele ir fazer ser voltar-se para a direo da origem da bola, procurando saber de onde vem equem a atirou.

    Embora determinadas aes como castigar e mastigar sejam prprias de seres animados,costumamos, s vezes, projet-las em eventos. o que acontece, quando dizemos que a chuvacastiga o sul do pas, ou que a impressora est mastigando o papel. Outros exemplos:

    A inflao comia os salrios antes do Plano Real.Minha intuio me diz que devo parar de confiar nos outros.Aos trinta e dois anos, um cncer o pegou de surpresa.

    A imaginao dos povos antigos, aliada a essa necessidade de encontrar uma causaanimada, criou, para os fenmenos que no sabiam explicar, os mitos, que so formas deprojetar aes em eventos. Em vez de entender os raios e troves como fenmenos danatureza, os gregos construram uma histria pondo Zeus como um ator divino que atirava osraios sobre a Terra. Mas quem manufaturava os raios? Bem, como Zeus era o deus dosdeuses, no poderia, devido sua importncia hierrquica, fabric-los. Para dar conta dessatarefa, os gregos construram outra histria segundo a qual Hefesto, um deus menos importante,era encarregado de produzi-los. Segundo a lenda, esse deus teria fabricado tambm o Carro deApolo (o sol) e as armas de Aquiles. Na mitologia nrdica, a origem dos troves tinha comoator o deus Thor que os produzia brandindo nos cus um martelo chamado de mjolnir.

    Tambm os romanos tinham mitos bastante criativos, como o da deusa Fortuna, queexplicava a boa ou a m sorte das pessoas. Essa deusa era representada pela esttua de umajovem carregando em uma das mos uma cornucpia, espcie de vaso em forma de chifre com

  • frutos e flores, sugerindo abundncia, e, em outra, um leme de navio. Se movesse a cornucpiaem direo a um humano, ele era beneficiado com a riqueza. Se movesse o leme, aprosperidade se afastava dele.

    A transformao de algo inanimado em ator, mudando eventos em aes, um importanterecurso para o design de um texto. Vejamos o seguinte trecho de Joaquim Nabuco:

    s vezes me distraio a pensar que povo eu salvaria, podendo, se a humanidade se devesse reduzir a um s. Minhahesitao seria entre a Frana e a Inglaterra alis, sei bem que no comeo do sculo quem eliminasse a Alemanha domovimento das idias, da poesia, da arte, eliminaria o que ele teve de melhor. Entre a Frana e a Inglaterra, porm, fico sempreincerto. O meu dever seria, talvez, socorrer a Frana. Se Madame Rcamier e eu estivssemos a nos afogar, qual de ns duaso senhor salvaria? perguntou uma vez Madame de Stal ao seu amigo Talleyrand. Oh! Madame, vous savez nager. 7 AInglaterra, tambm, sabe nadar 8.

    A Inglaterra, tambm, sabe nadar. Aqui, Nabuco projeta um ator, um ser animado,Madame de Stal, em um ser inanimado: a Inglaterra. Em estilstica, esse procedimento tem onome de HIPLAGE.

    A propsito, nosso Hino Nacional comea com uma projeo por hiplage:

    Ouviram do Ipiranga as margens plcidasDe um povo herico o brado retumbanteE o sol da liberdade, em raios flgidos,Brilhou no cu da Ptria nesse instante.

    Muitos interpretam que quem ouviu o brado retumbante foram pessoas, imaginando que overbo ouvir (em ouviram) est em uma forma impessoal de terceira pessoa do plural,como em bateram porta. O sujeito da frase, entretanto, so as margens do Ipiranga,transformadas por Duque Estrada em atores capazes de ouvir. A ordem direta seria: Asmargens plcidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo herico.Convenhamos que a ordem invertida dificulta bastante o entendimento da ao projetada.

    Vejamos um belo exemplo de projeo de uma ao num evento, no poema de Vicente deCarvalho intitulado A Flor e a Fonte:

    Deixa-me, fonte! DiziaA flor, tonta de terror.E a fonte, sonora e fria,Cantava, levando a flor.Deixa-me, deixa-me, fonte!Dizia a flor a chorar:Eu fui nascida no monteNo me leves para o mar.E a fonte, rpida e fria,Com um sussurro zombador,Por sobre a areia corria,Corria levando a flor.Ai, balanos do meu galho,Balanos do bero meu;Ai, claras gotas de orvalhoCadas do azul do cu!Chorava a flor, e gemia,Branca, branca de terror,E a fonte, sonora e fria

  • Rolava levando a flor.Adeus, sombra das ramadas,Cantigas do rouxinol;Ai, festa das madrugadas,Douras do pr do sol;Carcia das brisas levesQue abrem rasges de luarFonte, fonte, no me leves,No me leves para o mar!As correntezas da vidaE os restos do meu amorResvalam numa descidaComo a da fonte e da flor

    Nesse poema a fonte e a flor se tornam atores vivendo um conflito. Nos versos finais, esseconflito projetado na vida do eu-lrico do poeta: tal qual a flor levada ao mar pela fonte,sua vida e o que restou do seu amor esto sendo tambm levados.

    EXERCCIO

    Conte pequenas histrias em que os atores sejam, respectivamente:

    a) um moinho;b) um lago;c) uma rvore;d) um carro;e) uma jia;f) uma arma de fogo;g) uma caneta.

    1. Plato, A Repblica, p. 212.2. Esopo, Fbulas, p. 31.3. Nelson Rodrigues, A Cabra Vadia, p. 20.4. Idem, p. 22.5. Idem, ibidem.6. Rubem Braga, Ai de Ti Copacabana, p. 120.7. Oh! Madame, vs sabeis nadar.8. Joaquim Nabuco, Minha Formao, p. 85.

  • 7COMPARAES E METFORAS COMO PROJEES

    s vezes, a projeo de imagens feita por comparao. So famosas as comparaesfeitas por Jos de Alencar. Vai aqui um trecho de Iracema, um de seus mais famososromances:

    Alm, muito alm daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.Iracema, a virgem dos lbios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da grana e mais longos que seu talhe de

    palmeira.O favo da jati no era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hlito perfumado1.

    Alencar projeta, por comparao, a cor das asas da grana aos cabelos de Iracema, cujocomprimento medido pelo tamanho de seu corpo, por sua vez comparado com o talhe de umapalmeira. A seguir, projeta a doura do favo da jati em seu sorriso e o perfume da baunilha,em seu hlito. O resultado a criao de uma ndia hollywoodiana em plena selva brasileira.

    Veja o poder da projeo por comparao no seguinte trecho do Hamlet de Shakespeare,no momento em que o jovem Hamlet critica a me por se ter casado com seu tio um msapenas depois da morte de seu pai:

    No, no quero lembrar Frivolidade,O teu nome mulher. Um ms apenas,Antes que se gastassem os sapatosCom que seguiu o enterro de meu pai,Como Nobe em prantos eis que ela prpria Oh Deus, um animal sem raciocnioGuardaria mais luto ei-la casadaCom o irmo de meu pai, mas to diversoDele quanto eu de Hrcules: um ms!2

    Primeiramente, Hamlet compara Gertrudes, sua me, a Nobe, personagem da mitologiagrega que, de tanto chorar a morte de seus catorze filhos assassinados por Apolo e rtemis,foi transformada por Zeus, penalizado, em uma rocha que vertia gua continuamente. A seguircompara-a a um animal sem raciocnio e a si mesmo, depreciativamente, com Hrcules paraacentuar a diferena entre o atual esposo e o antigo.

    Mais frente, quando aguarda que o fantasma de seu pai lhe diga como e quem oassassinou, assim se dirige Hamlet a ele, em comparao:

    Conta-me logo, para que eu, com asasRpidas como a idia ou como o amor,Voe vingana!3

    A resposta do fantasma vem com outra comparao:

    Era o que esperava.

  • Serias mais aptico e mais lentoQue a raiz que apodrece junto ao Letes,Se no fizesse isso. Agora Hamlet,Escuta:4

    A mais comum e mais utilizada forma de projeo a METFORA, uma figura de linguagemem que o domnio alvo substitudo pelo domnio de origem, numa projeo mais concisa,como ocorre neste trecho em que Nlson Rodrigues, em uma crnica, comenta o fato de oBrasil jamais ter ganho um prmio Nobel:

    Todo mundo j ganhou o prmio Nobel, menos o brasileiro. No me venham falar em subdesenvolvimento. O Chile e aNicargua so mais subdesenvolvidos do que o Brasil. E ambos tm o seu prmio Nobel. H quem diga: A Nicargua noexiste. Sei l. Mas, exista ou no, eis a verdade: existe para a Academia Sueca. O Brasil, no. E nem importa a nossatremenda extenso territorial. Este pas uma espcie de elefante geogrfico. Mas Academia Sueca olha para c e no vningum5.

    Dizer que o Brasil uma espcie de elefante geogrfico valoriza a idia do contraste entreo tamanho do pas e ausncia de talentos que sejam reconhecidos pela Academia Sueca.

    So milhares os exemplos desses processos de projeo, tanto metafricas quantometonmicas. Vejam mais um deles no belo trecho de Orlando Paes filho em seu romanceDirio de um Cavaleiro Templrio:

    A segunda visita impressionante do dia foi a de Margavina. Linda como sua filha Richardis, jovem como ela, com sua pelecor de prola e olhos azul-cu, exalava beleza, cujo nico contraste com a filha era a ausncia do hbito de monja e a presenade um vestido vermelho, todo decorado com pedras e fitas douradas. Seu cabelo, da cor do ouro, pendia por sobre osacabamentos do vestido. Assim que desceu da carruagem, foi recebida pelo abade, pois Margavina era grande benfeitora domonastrio. O olhar agradecido e subalterno do abade demonstrava o tamanho dessas benfeitorias. Olhar muito diferente foidirigido a ela por lorde Henry de Mainz. Este a olhou com os olhos azuis em brasa e seu apetite pela mulher lembrou o terrvelolhar de meus falecidos tios. Margavina lhe devolvia, despudoradamente, o olhar sensual. Ali estavam dois potros selvagensvestidos de glria6.

    Depois de descrever Margavina, seu vestido, seu cabelo, suas jias, Paes Filho pe focono encontro dos olhares (projeo metonmica, como vimos) entre ela e lorde Henry de Mainz.A frase final coroa a descrio com uma metfora: Ali estavam dois potros selvagensvestidos de glria.

    EXERCCIOS

    1. Procure na mdia escrita do dia ou da semana (jornais e revistas) exemplos decomparaes e metforas, transcrevendo-as e explicando-as.

    2. Utilize comparaes e / ou metforas, escrevendo pequenos textos sobre:

    a) um poltico conhecido;b) uma cantora;c) um artista de cinema ou televiso;d) um co.

  • 1. Jos de Alencar, Iracema, p. 51.2. William Shakespeare, Hamlet, pp. 167-168.3. Idem, p. 174.4. Idem, ibidem.5. Nelson Rodrigues, A Cabra Vadia, p. 198.6. Orlando Paes Filho, Dirio de um Cavaleiro Templrio, pp. 51-52.

  • 8PROJEES POR ESQUEMAS DE IMAGEM

    Do ponto de vista cognitivo, as projees podem partir de domnios de origem bastantegerais: os ESQUEMAS DE IMAGEM. Esquemas de imagem so padres estruturais recorrentes emnossa experincia sensrio-motora que, quase sempre, servem para estruturar conceitoscomplexos. Sua origem est ligada nossa estrutura fsica. Utilizando nosso prprio corpocomo ponto de observao, criamos conceitos como direita, esquerda, frente, atrs, acima,abaixo. Como somos seres dotados de movimento, criamos conceitos como origem, caminho,destino, obstculos. Como somos confrontados com foras que nos puxam ou empurram(vento, animais, outros seres humanos) criamos um conceito chamado de fora dinmica.Como, para ficar em posio ortosttica (ereta) ou nos mover, utilizamos nosso sistemaneurolgico de propriocepo, temos tambm incorporado o conceito de equilbrio esttico edinmico.

    O termo imagem no deve ser entendido aqui como meramente visual uma vez que asimagens, alm de visuais, podem ser auditivas, tcteis, olfativas etc. Os principais esquemasde imagem so, pois:

    Percurso com incio, meio e fim, dirigido frente, ao alto ou para baixo;Container com suas partes: fora, dentro e limites;Ligao entre partes, entre unidades etc.;Fora dinmica resultado do contato dinmico entre partes;Equilbrio de fora, de massa, de luz etc.

    O esquema de percurso muito usado para fazer meno durao da vida humana nametfora a vida uma jornada. A direo para cima considerada positiva, como em essejogador est no ponto alto da sua carreira; ele est subindo na vida. J a direo para baixo considerada negativa, como em a produo dessa fbrica vem caindo ano a ano. A basecognitiva para isso que os seres humanos quando esto saudveis e vigorosos, esto em p,mas quando esto seriamente doentes, caem de cama1.

    Um exemplo do uso do esquema de imagem de percurso o famoso poema de Drummond,intitulado No Meio do Caminho:

    NO MEIO DO CAMINHO

    No meio do caminho tinha uma pedraTinha uma pedra no meio do caminhoTinha uma pedraNo meio do caminho tinha uma pedra.

    Nunca me esquecerei desse acontecimento

  • Na vida de minhas retinas to fatigadas.Nunca me esquecerei que no meio do caminhoTinha uma pedraTinha uma pedra no meio do caminhoNo meio do caminho tinha uma pedra2.

    A interpretao usual desse poema a de que o caminho (espao) se acha projetado notempo e que a pedra seria a projeo de um problema na vida do eu-lrico do autor. Na fraseNunca me esquecerei desse acontecimento / na vida de minhas retinas to fatigadas, temosuma projeo metonmica, uma vez que retinas so uma parte do corpo do eu-lrico do poeta.

    A projeo por meio do esquema do container leva em conta um dos nossos esquemascognitivos mais comuns. Afinal, uma casa um container, uma bolsa um container, um copo um container etc. etc. Num container, temos trs partes: o exterior (fora), o interior (dentro)e a fronteira ou limite entre o exterior e o interior:

    o esquema do container que nos faz errar a regncia de verbos como ir e chegar.Segundo a norma culta do portugus do Brasil, esses verbos devem ser construdos com apreposio a, como em:

    Eu fui casa da minha prima.Eu cheguei a So Paulo s 10h.

    Contrariando essa orientao, os brasileiros utilizam, na lngua oral, a preposio em nolugar de a, dizendo:

    Eu fui na casa da minha prima.Eu cheguei em So Paulo s 10h.

    Isso acontece porque casa e cidade so containers. Quando vamos casa de algum,entramos dentro dela e, quando vamos a uma cidade, tambm entramos nela.

    tambm o esquema de container que interfere na regncia de um verbo como passar.Dizemos: hoje passei pela avenida Paulista, mas antes de voltar para casa, passei napadaria. Em passei pela avenida Paulista, h apenas o esquema do percurso (caminho),mas, em passei na padaria, h o esquema do container, uma vez que se entra dentro dapadaria quando se vai a ela.

    Um interessante uso do container como esquema de imagem o do poema de Joo Cabralde Melo Neto, intitulado Catar Feijo:

    CATAR FEIJO

    Catar feijo se limita com escrever:

  • jogam-se os gros na gua do alguidare as palavras na da folha de papel;e depois, joga-se fora o que boiar.Certo, toda palavra boiar no papel,gua congelada, por chumbo seu verbopois para catar esse feijo, soprar nele,e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

    Ora, nesse catar feijo entra um risco:o de que entre os gros pesados entreum gro qualquer, pedra ou indigesto,um gro imastigvel, de quebrar dente.Certo no, quando ao catar palavras:a pedra d frase seu gro mais vivo:obstrui a leitura fluviante, flutual,aula a ateno, isca-a com o risco3.

    Na primeira estrofe desse poema, a proposta do autor utilizar como domnio de origem aao de catar feijo, utilizando uma panela cheia dgua, ou seja, um container, para projet-la em um domnio alvo: escrever um texto potico. Entretanto, logo no quinto verso, o poetapercebe a no-adequao do container escolhido para a escrita: uma folha de papel no apropriada para suas pretenses. Projeta, ento, a imagem do gelo (que branco) na folha(branca) de papel: gua congelada. Nem assim as coisas se resolvem. Muda, ento, parte dodomnio de origem: catar feijo passa a ser, agora, uma ao feita sobre uma superfcie plana(adequando-se estrutura de uma folha de papel), soprando fora os feijes estragados que soocos, a palha e o eco (repetio de sons em finais de palavras).

    A segunda estrofe um comentrio sobre a adequao ou no desse segundo domnio deorigem: o de soprar as impurezas do feijo sobre uma superfcie plana. Chega ele conclusode que, no domnio de origem, pequenas pedras no so sopradas e podem constituir umobstculo para o consumo do feijo: entre os gros pesados entre / um gro qualquer, pedraou indigesto, / um gro imastigvel, de quebrar dente. Dessa vez, contudo, mantm o domniode origem, aceitando a pedra no domnio alvo, como uma projeo da dificuldade que elepretende pr frente do leitor, ao ler um poema seu: a pedra d frase seu gro mais vivo:obstrui a leitura fluviante, flutual / aula a ateno, isca-a com o risco. Cumpre dizer que oprprio poema j um exemplo da arte potica de colocar pedras ao longo do percurso daescrita. O exemplo mais visvel a troca de sufixos entre flutuante e fluvial, produzindofluviante, flutual. O esquema de projeo final, agora, o da imagem de percurso com apedra no caminho.

    Esse poema uma espcie de profisso de f de Joo Cabral. Para entender isso, basta lero trecho a seguir, de uma entrevista que o poeta deu ao jornal O Globo, em 1973:

    Quando eu comecei a escrever, eu encontrei vigente na poesia brasileira um tipo de linguagem que no me interessavamuito, com algumas excees. Ento, eu procurei um tipo de linguagem que no era o que estava sendo usado correntemente.Eu tentei criar uma outra linguagem, no completamente nova, como os concretistas fizeram, mas uma linguagem que seafastasse um pouco da linguagem usual. Ora desde o momento em que voc se afasta da norma voc se faz esta palavraantiptica que hermtico. Quer dizer, voc se faz hermtico numa leitura superficial. Agora, se o leitor ler e reler, estudaresse texto, ele ver que a coisa no to hermtica assim. Apenas est escrito com um pequeno desvio da linguagem usual4.

    Um magnfico exemplo do emprego do esquema de fora dinmica o utilizado por

  • Guimares Rosa no texto a seguir:

    O senhor ouvia, eu lhe dizia: o ruim como ruim, termina por as espinheiras se quebrar Deus espera essa gastana.Moo!: Deus pacincia. O contrrio, o diabo. Se gasteja. O senhor rela faca em faca e afia que se raspam. At aspedras do fundo, uma d na outra, vo-se arredondinhando lisas, que o riachinho rola. Por enquanto, que eu penso, tudo quantoh neste mundo, porque se merece e carece. Antesmente preciso. Deus no se comparece com refe, no arrocha oregulamento. Pra qu? Deixa: bobo com bobo um dia, algum estala e aprende: esperta. S que s vezes, por mais auxiliar,Deus espalha, no meio, um pingado de pimenta5

    O esquema de fora dinmica provocado pelo contato entre duas partes exemplificadopelas facas que se atritam e amolam, pelas pedras do riacho que se atritam e arredondam e, emseguida, projetado no atrito entre os seres humanos, como resultado de uma ao divina. Logoem seguida, Rosa faz mais uma projeo desse esquema, ao narrar o constrangimento vividopor Riobaldo, j ex-jaguno, quando se defronta, num vago de trem, com um delegado mau ebruto chamado Jazevedo:

    Haja? Pois, por um exemplo: faz tempo, fui, de trem, l em Sete-Lagoas, para partes de consultar um mdico, de nome meindicado. Fui vestido bem, e em carro de primeira, por via das dvidas, no me sombrearem por jaguno antigo. Vai e aconteceperto mesmo de mim, defronte, tomou assento, voltando deste brabo Norte um moo Jazevedo, delegado profissional. Vinhacom um capanga dele, um secreta, e eu bem sabia os dois, de que tanto um era ruim, como o outro ruim era6.

    EXERCCIOS

    1. Escreva um texto resumindo a histria de duas pessoas que se amavam muito, mas que seacabaram desentendendo e se separando. Use, para isso, o esquema de percurso.

    2. Fale um pouco do amor que um rapaz tem por uma garota, utilizando o esquema docontainer. Voc pode utilizar o corao, a cabea, a pele como container para fazer essaprojeo.

    3. Descreva um momento de desentendimento entre esses dois amantes, utilizando umaprojeo vinculada ao esquema de fora-dinmica.

    PROJEO DE IMAGENS E VALORES

    Um aspecto importante nos processos de projeo que eles transferem valores provindosdo domnio de origem para o domnio alvo. Se utilizarmos, por exemplo, a metfora da guerrapara falar de negcios, dizendo algo como Na batalha dos negcios, devemos sempre sabera hora de atacar e de recuar , traremos para o campo da negociao um valor negativo,estressante, ligado a vencer ou ser vencido. Se utilizarmos uma metfora de percurso, dizendoque na aventura dos negcios, devemos saber a hora de apreciar uma bela paisagem e ahora de procurar novos caminhos , traremos um valor positivo, ligado ao ldico, a algumacoisa que pode causar prazer. Joseph Campbell, comentando esse fato em seu livro O Poderdo Mito diz o seguinte:

    Minha idia do horror verdadeiro o que se v em Beirute. Voc tem l as trs grandes religies do Ocidente, judasmo,cristianismo e islamismo; e como as trs tm nomes diferentes para o mesmo deus bblico, no so capazes de conviver. Cada

  • uma est fixada na prpria metfora e no se d conta da sua referencialidade. Nenhuma permite que se abra o crculo ao seuredor. So crculos fechados. Cada grupo diz: Somos os escolhidos, Deus est conosco7.

    Um outro exemplo interessante dessa transferncia de valores o fato de, na culturajudaico-crist, o conceito de Deus estar ligado metaforicamente ao conceito de pai (Painosso que estais no cu). O frame de pai inclui proteo, responsabilidade, mas incluitambm controle, ameaas, punio etc.

    Conheci um religioso que dizia ser muito difcil ensinar uma criana carente a rezar o PaiNosso, pois a metfora do pai trazia imagens negativas, de abandono, violncia, ausncia,todas elas vinculadas sua prpria experincia.

    Em seu best-seller O Ponto de Mutao, Fritjof Capra faz aluso aos valores transferidospelas projees de imagem, quando c