o desafio de se classificar revistas científicas e...

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7 R. Periodontia - Dezembro 2010 - Volume 20 - Número 04 PASSO-A-PASSO DA PESQUISA O DESAFIO DE SE CLASSIFICAR REVISTAS CIENTÍFICAS E PESQUISADORES FATOR DE IMPACTO DAS REVISTAS CIENTÍFICAS Recebimento: 14/10/10 - Correção: 03/11/10 - Aceite: 29/11/10 A pesquisa constitui a base do progresso mundial e proporciona a esperança que possamos resolver muitos problemas. Por causa disso, governos e instituições ao redor do mundo fornecem apoio financeiro considerável para a pesquisa científica. Naturalmente, querem saber se o seu dinheiro está sendo investido sabiamente; querem avaliar a qualidade da pesquisa pela qual pagam a fim de tomar decisões informadas sobre investimentos futuros (Adler, Ewing e Taylor, 2009). A vontade de “avaliar a qualidade” acompanha o homem desde muito tempo e parece ter sempre estado na base do pensamento ocidental. O problema da medida foi sempre central na ciência, culminando, com a medição da própria evolução e atividade científica da ciência (Pinto & Andrade, 1999). Assim, os índices bibliométricos ou também chamados cienciométricos foram introduzidos nas ciências naturais em 1955 por Eugene Garfield (Garfield, 1955). E, no início dos anos 1960, foi criado o fator de impacto das revistas científicas, o Journal Citation Reports (JCR), uma medida criada pelo Institute Scientific Information (ISI) para avaliar o número de vezes que os artigos de uma revista são citados em periódicos indexados nessa base de dados. No Brasil, os estudos bibliométricos iniciaram-se com Morel e Morel (1977) no final da década de 70 e ganharam corpo no início dos anos 90, quando alguns pesquisadores, principalmente da área de Bioquímica, começaram a advogar a importância de se levar em consideração o fator de impacto de revistas científicas e o número de citações de pesquisadores na avaliação pelos pares. Estes indicadores que, na época, estavam sendo utilizados nos EUA, até como critérios de seleção de cientistas e de professores pelas universidades americanas, começaram a fazer parte do imaginário da ciência brasileira (Fonseca, 1992; Meneghini 1990; Dietrich, 1993). O fator de impacto das revistas científicas mostra- se então como uma ferramenta importante na Prof. Dr José Roberto Cortelli Universidade de Taubaté-SP revista perio dezembro 2010 - 4ª REV - 08-02-11.indd 7 8/2/2011 19:21:18

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R. Periodontia - Dezembro 2010 - Volume 20 - Número 04

PASSO-A-PASSO DA PESQUISA

O DESAFIO DE SE cLASSIFIcAR REVISTAS cIENTíFIcAS E PESQUISADORESFATOR DE IMPAcTO DAS REVISTAS cIENTíFIcAS

Recebimento: 14/10/10 - Correção: 03/11/10 - Aceite: 29/11/10

A pesquisa constitui a base do progresso mundial e proporciona a esperança que possamos resolver muitos problemas. Por causa disso, governos e instituições ao redor do mundo fornecem apoio financeiro considerável para a pesquisa científica. Naturalmente, querem saber se o seu dinheiro está sendo investido

sabiamente; querem avaliar a qualidade da pesquisa pela qual pagam a fim de tomar decisões informadas sobre investimentos futuros (Adler, Ewing e Taylor, 2009).

A vontade de “avaliar a qualidade” acompanha o homem desde muito tempo e parece ter sempre estado na base do pensamento ocidental. O problema da medida foi sempre central na ciência, culminando, com a medição da própria evolução e atividade científica da ciência (Pinto & Andrade, 1999).

Assim, os índices bibliométricos ou também chamados cienciométricos foram introduzidos nas ciências naturais em 1955 por Eugene Garfield (Garfield, 1955). E, no início dos anos 1960,

foi criado o fator de impacto das revistas científicas, o Journal Citation Reports (JCR), uma medida criada pelo Institute Scientific Information (ISI) para avaliar o número de vezes que os artigos de uma revista são citados em periódicos indexados nessa base de dados.

No Brasil, os estudos bibliométricos iniciaram-se com Morel e Morel (1977) no final da década de 70 e ganharam corpo no início dos anos 90, quando alguns pesquisadores, principalmente da área de Bioquímica, começaram a advogar a importância de se levar em consideração o fator de impacto de revistas científicas e o número de citações de pesquisadores na avaliação pelos pares. Estes indicadores que, na época, estavam sendo utilizados nos EUA, até como critérios de seleção de cientistas e de professores pelas universidades americanas, começaram a fazer parte do imaginário da ciência brasileira (Fonseca, 1992; Meneghini 1990; Dietrich, 1993).

O fator de impacto das revistas científicas mostra-se então como uma ferramenta importante na

Prof. Dr José Roberto CortelliUniversidade de Taubaté-SP

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avaliação do impacto e influência do periódico na comunidade científica. Entre outras utilidades os editores das revistas podem apoiar a seleção ou remoção de determinados periódicos de suas coleções e determinar quanto tempo cada revista deve ser mantida antes de ser arquivada. Já os autores podem identificar os periódicos mais influentes e apropriados onde incluirão suas publicações e confirmar o status de revistas onde tiveram seus artigos publicados.

Logo, o fator de impacto mede o valor dos periódicos calculando-se o número médio de citações por artigo durante um período específico de tempo. A média é computada de dados coletados por Thomson Scientific, o qual publica os (Relatórios de Citações em Periódicos). O Thomson Scientific extrai, por ano, referências de mais de 9000 periódicos, acrescentando informações sobre cada artigo e suas referências ao seu banco de dados (THOMSON: SELECTION). Usando estas informações, pode-se contar com que frequência um artigo específico é citado por artigos subsequentes que são publicados na coleção de periódicos relacionados.

Para um periódico e ano específicos, o fator de impacto do periódico é computado calculando-se o número médio de citações para os artigos no periódico durante os dois anos anteriores de todos os artigos publicados naquele determinado ano. Se o fator de impacto de um periódico for 1,5 em 2007, significa que em média os artigos publicados durante 2005 e 2006 foram citados 1,5 vez através de artigos na coleção de todos os periódicos relacionados publicados em 2007. Exemplificando, o fator de impacto de uma revista em 2009 foi calculado da seguinte maneira: número de citações no Science Citation Index em 2009 para os artigos publicados em 2007 e 2008, dividido pelo número de artigos que a revista publicou nestes dois anos. Assim, se a revista publicou 115 e 120 artigos, respectivamente, em 2007 e em 2008, e se estes artigos foram citados 200 vezes em 2009, o fator de impacto dessa revista é 200/235, ou seja, o seu fator de impacto em 2009 é igual a 0,851.

As citações de artigos publicados variam no tempo: existem subáreas em que eles passam a ser citados após quatro anos da publicação e outras em que as citações se elevam agudamente a partir do ano de publicação, atingindo o pico dois a seis anos após, quando, então, começam a declinar (Magri et al. 1996; Moed & van Leeuwen, 1996; Moed et al 1996; Bourke P, Butler, 1996; Seglen, 1992; Metcalfe, 1995).

O período de dois anos usado para definir o fator de impacto tinha a finalidade de tornar a estatística atual (Garfield, 2005). Para alguns campos, tais como as ciências biomédicas, isto é apropriado porque a maioria dos artigos

publicados recebe a maioria das suas citações logo após a publicação. Em outros campos, como por exemplo, a matemática, a maioria das citações ocorre além do período de dois anos. Examinando uma coleção de mais de 3 milhões de recentes citações em periódicos de matemática (o banco de dados Math Reviews Citation) vê-se que aproximadamente 90% das citações para um periódico estão fora desta lacuna de dois anos. Por conseguinte, o fator de impacto é baseado em um mero 10% da atividade de citações e perde a vasta maioria das citações (Adler, Ewing e Taylor, 2009).

Dentro da própria academia verificam-se outras críticas ao fator de impacto como determinante da qualidade científica (Santos et al. 2010). A própria Revista Science em 2008 publicou em seu editorial “The Misused Impact Factor” que a qualidade dos artigos deve ser avaliada para determinar não somente sua contribuição para a ciência, mas também para ajudar as agências de financiamento na tomada de decisões. O editorial ressalva ainda que não há atalhos numéricos para se avaliar qualidade individual em pesquisa. Ele destaca inconsistências no fator de impacto e afirma que o problema está no fato de que as revistas podem manipulá-lo aumentando, por exemplo, o número de artigos de revisão, que são muito mais citados que os artigos primários. Esta opinião coincide com a do próprio criador do fator de impacto, Eugene Garfield. Ele admite que o fator de impacto apresenta várias falhas e também particularidades para cada subárea de conhecimento e alerta para o perigo de se avaliar indivíduos usando o fator de impacto como critério, mas conclui que apesar de não ser uma ferramenta perfeita para se medir qualidade de artigos, o fator de impacto é uma das melhores que se dispõe (Santos et al. 2010). O quadro (1) mostra o fator de impacto/ baseado no Journal Citation Report 2009 de alguns periódicos de interesse nas áreas da Periodontia e da Implantodontia.

íNDIcE H

O índice h, também nominado em inglês como h-index, representa uma quantificação de produtividade científica auferida por um pesquisador ao longo de sua carreira, ou seja, o índice h é o número de artigos com citações maiores ou iguais a esse número. Assim, por exemplo, para um pesquisador ter um índice h = 5 ele terá 5 artigos publicados que receberam 5 ou mais citações; já outro pesquisador com índice h = 20 publicou 20 artigos científicos, sendo que cada um deles recebeu ao menos 20 citações em outros trabalhos. O quadro 2 ilustra o fator h de um pesquisador relacionando o número de artigos publicados por este pelo número de citações que estes artigos receberam. O índice h pode ser

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AVALiAçãO DO fAtOR DE iMPActO DE REVistAs ciENtíficAs DE AcORDO cOM JOuRNAL citAtiON REPORt 2009

Nome do Periódico Fator de Impacto

1 Acta Odontologica Scandinavica 1.412

2 Archives of Oral Biology 1.649

3 British Journal of Oral and Maxillofacial Surgery 1.327

4 Clinical Implant Dentistry and Related Research 2.452

5 Clinical oral Implants Research 2.920

6 Clinical Oral Investigations 2.233

7 Gerodontology 1.014

8 Implant Dentistry 1.505

9 International J of Periodontics & Restorative Dentistry 1.702

10 Journal of the American Dental Association 1.726

11 Journal of Applied Oral Science 0.386

12 Journal of Clinical Periodontology 3.549

13 Journal of Dentistry 2.000

14 Journal of Dental Research 3.458

15 Journal of Oral Pathology & Medicine 2.144

16 Journal of Periodontal Research 1.966

17 Journal of Periodontology 2.192

18 Oral Diseases 1.922

19 Oral Microbiology and Immunology 2.336

20 Periodontology 2000 3.027

Quadro 1

Quadro 2encontrado gratuitamente na internet no Google Scholar e por meio de assinatura nas bases de dados da Thomson ISI Web of Science (disponível em http://isiwebofknowledge.com) e da Scopus database (disponível em http://www.sco-pus.com).

De acordo com Hirsch o índice h teria vantagens sobre outros indicadores de produtividade, como por exemplo, o número total de artigos publicados, que avalia produtividade mas, não o real impacto das publicações científicas ou ainda o número total de citações do pesquisador. No entanto alguns pesquisadores consideram que o índice h, assim como o fator de impacto, não deveria ser usado para comparar pes-quisadores de diferentes áreas, pois há diferença nos valores médios desses índices entre as áreas e as subáreas (Kelly e Jennions, 2006).

Enquanto o fator de impacto tem sido a melhor estatística conhecida baseada em citações, há outras estatísticas mais recentes que estão agora efetivamente promovidas. Além do já definido índice h encontramos outros dois índices para classificar os indivíduos, são eles:

fAtOR h DE uM PEsQuisADOR DE AcORDOcOM O PROPOstO POR hiRsch (2005)

Número de artigos publicados

Número de citações recebidas

1 1002 803 784 705 636 547 498 329 1710 1011 10

Total de citaçõesdo pesquisador 563

Índice h 10

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Índice m: O índice m de um cientista é o índice h dividido pelo número de anos desde o seu primeiro documento. Este também foi proposto por Hirsch (2005). A intenção é compensar os cientistas mais jovens porque eles não tiveram tempo para publicar documentos ou conquistar muitas citações.

REFERÊNcIAS BIBLIOGRÁFIcAS

1- Adler R, Ewing J, Taylor P. Dossiê: C&T- análises sobrea cultura da

avaliação na produção acadêmica Mediações v. 14, n.1, p. 69-100,

Jan/Jun. 2009

2- Bourke P, Butler L. Standard issues in a national bibliometric database:

The Australian case. Scientometrics. 1996;35:199-207.

3- Dietrich CP. Ci Cult. 1993, 45, 11.

4- EGGHE, L. Theory and practice of the g-index. Scientometrics, vol. 69,

n.1, pp. 131-152, 2006.

5- Fonseca L. Ci Cult. 1992, 44, 172.

6- Garfield E . Agony and the ecstasy – the history and meaning of

the journal. International Congress on Peer Review And Biomedical

Publication Chicago, September 16, 2005.

7- Garfield E. “Citation indexes of science: a new dimension in

documentation through association of ideas” Science 122 (3159):

108-1 (1955).

8- Hirsch JE. An index to quantify an individual’s scientific research output.

Proc Natl Acad Sci USA, vol. 102, n. 46, pp. 16569-16573, 2005.

9- Kelly CD, Jennions MD. Trends in Ecology & Evolution 2006, 21, 167.

10- Magri MH, Solari A. The SCI Journal Citation Reports: A potential

tool for studying journals? Description of the JCR journal population

based on the number of citations received, number of source items,

impact factor, immediacy index and cited half-life. Scientometrics.

1996;35:93-117.

11- Meneghini R, Fonseca L. Ci Cult. 1990, 42, 629.

12- Metcalfe NB. Journal impact factors. Nature. 1995;376(6543):720.

13- Moed HF, van Leeuwen TN, Reedijk J. A critical analysis of the journal

impact factors of Angewandte Chemie and the Journal of the American

Chemical Society: Inaccuracies in published impact factors based on

overall citations only. Scientometrics. 1996;37(1):105-16.

14- Morel RL, Morel CM. Ciência da Informação 1977, 7, 79.

15- Moed HF, van Leeuwen, TN. Impact factors can mislead. Nature.

1996;381:186.

16- Santos NCF, Faustina LOC, Kuppens CL. PRODUTIVIDADE EM

PESQUISA DO CNPq: ANÁLISE DO PERFIL DOS PESQUISADORES DA

QUÍMICA. Quim. Nova, Vol. 33, No. 2, 489-495, 2010

17- Seglen PO. Evaluation of scientists by journal impact. In: Weingart P,

Sehringer R, Winterhager M, editors. Representations of science and

technology. Leiden: DSWO Press; 1992. p. 240-52.

18- Pinto AC, Andrade JB. Fator de impacto de revistas científicas: qual

o significado deste parâmetro? QUÍMICA NOVA, 22(3) (1999) 453

Índice g: O índice g de um cientista é o maior n para o qual os n documentos mais citados tenham um total de pelo menos n 2 citações. Este foi proposto por Leo Egghe em 2006 (EGGHE, 2006). O índice h não leva em conta o fato que alguns documentos no topo n podem ter contagens de citações extraordinariamente altas. O índice g é designado para compensar por isto.

Endereço para correspondência:

José Roberto Cortelli

Unitau - Pós-graduação em Odontologia

Expedicionário Ernesto Pereira, 110 – Centro

CEP: 12020-330 – Taubaté – SP

E-mail: [email protected]

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