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VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X
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O DESAFIO DE APROXIMAÇÃO ENTRE A TECNOLOGIA DO IMPLANTE
COCLEAR E O BILINGUISMO PARA OS SURDOS
Neide Mitiyo Shimazaki Tsukamoto1
Adriana de Mello Guzzo2
Grupo de Trabalho – Comunicação e Tecnologias
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo Este artigo apresenta os resultados de reflexões realizadas pelos pais surdos que optaram
em utilizar a tecnologia do Implante Coclear (IC) para seus filhos surdos, como um
recurso de apoio para potencializar a forma bilíngue de expressão comunicativa.
Considera-se, na concepção bilíngue, que a primeira língua dos surdos é a Língua de
Sinais e a segunda língua dos surdos é a Língua Portuguesa. A cultura, a identidade e a
comunidade surda se formalizam na Língua de Sinais. Para tal, este estudo de caso
utilizou-se da técnica da entrevista para a coleta de dados, mediada por Libras, com
quatro pais de filhos surdos com IC. Os pais relatam os aditamentos observados nos
seus filhos com IC e assinalam como um recurso que contribui para acessar aos saberes
universais processados em diferentes contextos, em especial, na educação. Realçam a
função de significar os sons percebidos eletronicamente, com a compreensão de sons
ambientais. Também, os pais destacam que, com o uso IC consente aos surdos
adquirirem a linguagem falada, processadas na construção de hipótese, nas elaborações
de argumentos, nas reorganizações discursivas, enfim, favorecendo a autonomia na
comunicação com ouvintes em Língua Portuguesa e com surdos em Libras. Tais
constatações, confirmam a necessidade de compor novos referenciais para os
esclarecimentos dos conflitos existentes entre as visões clínica-terapêutica e sócio-
pedagógica, com bases no direito e na liberdade de escolhas pessoais. Assim, esta
pesquisa evidencia a necessidade de esclarecimento e conhecimentos sobre o IC, como
um dos meios para a emancipação dos sujeitos surdos enquanto sujeitos sociais e negar
os benefícios seriam um retrocesso para a formação cidadã dos surdos, por assim
considerar e concluir que o IC representa um aparato da sociedade do conhecimento.
Palavras-chave: Surdez. Bilinguismo. Implante Coclear.
1 Doutoranda em Educação: Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores pela PUCPR.
Professora pela Secretaria de Estado da Educação (SEED-PR). Pesquisadora pela PUCPR. E-mail:
2Especialista em Libras. Graduada pela Universidade Federal do Paraná em Letras Libras. Professora de
Libras. E-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
Abordar o tema da inclusão escolar implica em reconhecer as esferas das políticas
públicas que norteiam a educação inclusiva, que se identificam entre os que são
favoráveis a inclusão escolar dos alunos com deficiências sensoriais, sobretudo de
alunos com surdez, e os que advogam pelo direito a uma educação específica, na luta de
reconhecer os surdos como um grupo social distinto, devido à especificidade linguística.
Fernandes (2003) recorre a análise sócio-histórica, na qual constata que na Antiguidade
já se referia a comunicação diferenciada entre os surdos, em contraposição ao
etnocentrismo oralista fundadas nos paradigmas culturais dos ouvintes. Também,
destaca que a língua de sinais utilizada pelas pessoas surdas oferece os elementos
simbólicos essenciais ao desenvolvimento das funções psíquicas superiores, como o
pensamento, a memória, a formação e a generalização de conceitos.
Para Felipe (2007) o sujeito surdo deve ser considerado pela sua diferença que se
manifesta pela sua língua natural que é a Língua de Sinais, no Brasil, a Língua
Brasileira de Sinais – Libras, a sua cultura e identidade na comunidade surda,
compreendida como o espaço de partilhar os valores e comportamentos.
Tais afirmações encontram amparo nas legislações, que reconhecem a Libras em
território nacional pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, sancionada em 22 de
dezembro de 2005, o Decreto Federal n° 5.626/2005, como a língua oficial dos surdos
(BRASIL, 2005).
Em temos educacionais, Santos (2010), aponta para a educação bilíngue, isto é, a língua
de sinais como primeira língua e a segunda língua, a Língua Portuguesa, como meio e
direito dos sujeitos surdos em acessar os conhecimentos acadêmicos, na consecução das
crianças surdas, ao nascer, terem o primeiro contato com pais fluentes em Libras, para
que não tenham prejuízos no desenvolvimento da linguagem e nas expressões dos seus
pensamentos e sentimentos.
Do ponto de vista da cultura ouvinte e dos gestores em saude, a utilização do IC
representa possibilidade de utilização da capacidade auditiva e da aquisição da língua
oral, com independência na comunicação, entre outros benefícios. Todavia, na
comunidade surda, que busca o reconhecimento às diferenças linguísticas e o uso do
recurso do Implante Coclear (IC) têm sido criticadas. Até o momento, as posições tem
sido unilateral, isto é, a comunidade surda é contra o IC, de maneira que, as discussões
sobre o uso do IC como um recurso de apoio para a disseminação da abordagem
bilíngue não são expressivas.
Esclarecem Quadros, Cruz e Pizzio (2012) que as críticas direcionadas aos surdos
implantados decorrem em razão dos processos de aquisição, de interação e de
aperfeiçoamento da audição e da linguagem que acompanham a estrutura de
desenvolvimento da Língua Portuguesa, na qual, os objetivos propostos são elaborados
para equiparar os resultados de linguagem às crianças ouvintes monolíngues.
O movimento mundial de priorizar a inclusão social e escolar de pessoas com
necessidades educacionais especiais, sobretudo com surdez, traz a necessidade de
revisar as concepções ambivalentes e confusas construídas na trajetória da humanidade.
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A forma de pensar e relatar a surdez ainda são múltiplas e variadas. Autores como
Quadros (1997), Perlin (2005), Ströbel (2007), entre outros, sistematizam em dois
grandes modelos de concepções que definem a pessoa com surdez: a surdez na
concepção clínica-terapêutica e a surdez na perspectiva pedagógica e social.
Na concepção clínica-terapêutica, utiliza-se o termo “deficiente auditivo” para
conceituar as pessoas com surdez e com as devidas orientações interagem com os
ouvintes por meio de comunicação oral apoiados na audição residual e dos recursos das
tecnologias digitais. Enquanto que a surdez na concepção pedagógica cultural utiliza-se
o termo “surdo” e o concebe como um sujeito sócio-antropológico cultural capaz de
decidir seu futuro e de ter autonomia de decisão assegurada pelo uso da Língua de
Sinais (PERLIN, 2009).
No seu Parágrafo Único do Decreto 5626/2005 diz que “considera-se deficiência
auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais,
aferida por audiograma nas frequências de 500 Hertz (Hz), 1.000Hz, 2.000Hz e
3.000Hz” (BRASIL, 2005). Nesse enfoque, o nível de perda é baseado na unidade de
medida denominada decibel (dB), que indica a intensidade e o volume dos sons obtida
por meio de realização de audiometria para identificar os diferentes graus de perda
auditiva e tipo de surdez. O referido parágrafo precede à concepção clínica-terapêutica.
No entanto, nas demais prerrogativas, estabelecem-se as normas para a concepção
sociocultural da surdez.
Distingui Sander (2012, p. 75) que na concepção do bilinguismo, a surdez não gera
limitações uma vez compreendidas como “uma diferença marcada pelo uso de língua de
sinais” e, também, que “não exclui o aprendizado da modalidade oral da língua,
simplesmente a oralidade deixa de ser o único objetivo a ser perseguido”.
Diante o exposto, evidencia-se que neste estudo não se tem a intenção de privilegiar
uma ou outra concepção, mas como conhecimento integrante das questões associadas à
surdez, conjecturados em todas as dimensões do conhecimento, como instrumentos para
que a sociedade e os seus setores compreendam a diferença e a necessidade de construir
referenciais de pesquisas baseados na parceria colaborativa entre as abordagens, ou seja,
ver os sujeitos surdos nas reais necessidades e nas potencialidades funcionais.
Vale destacar a importância de conhecer os recursos tecnológicos, sobretudo o IC como
um meio que permita aos surdos de pais surdos valer-se da filosofia bilíngue articulada
nas interações sociais.
Os surdos e o Implante Coclear
Como já expostos, a luta pela diferença linguística identificam concepções de surdez a
partir de pontos distintos, como do ponto de vista clínico, do educacional e do cultural.
A utilização de recursos tecnológicos, como os Aparelhos de Amplificação Sonora
Individual (AASI), Implante Coclear e Sistema FM elucidam o foco na concepção
considerada clínica-terapêutica, pois representam meios tecnológicos que possibilitam
às pessoas com surdez se apropriam da linguagem oral.
A Organização Mundial da Saude (OMS), em 2003, passou a utilizar o CIF em
valorização aos aspectos funcionais da audição e para que certos termos, como
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“deficiência” e “limitação”, não constituíssem impedimento para a promoção da saúde.
Assim, Daher (2008), representante do Ministério da Saude no Brasil, elenca um rol de
portarias regularizando os procedimentos clínicos para as ações da Política Nacional de
Atenção à Saude Auditiva e o IC consiste um destes procedimentos.
O IC, definidos por Bevilacqua, Moret e Costa (2011) como um dispositivo eletrônico
de alta tecnologia, também conhecido como ouvido biônico, que estimula eletricamente
as fibras nervosas remanescentes, permitindo a transmissão do sinal elétrico para o
nervo auditivo, a fim de ser decodificado pelo córtex cerebral. O implante coclear
consiste em dois tipos de componentes interno e externo, conforme apresenta a Figura
1. O componente interno é inserido no ouvido interno por meio de ato cirúrgico e é
composto por uma antena interna com um imã, um receptor estimulador e um cabo com
filamento de múltiplos eletrodos envolvido por um tubo de silicone fino e flexível.
Figura 1 – Implante Coclear
Fonte: Maria Cecília Bevilacqua. In: www.implantecoclear.com.br. Acesso em 12 fev.2013
Almeida-Verdu, Souza e Bevilacqua (2008) apresentam a avaliação da natureza e da
qualidade de estímulos sonoros feitas com pessoas com surdez neurossensorial bilateral
pré-lingual, isto é, surdez ocasionada por desordem do ouvido interno bilateral, no
período que antecede à aquisição de linguagem, que passaram a utilizar o IC.
As autoras revelam que, mesmo para pré-linguais, os benefícios do recurso do IC têm
sido imediatos e permitido a detecção de sons ambientais captados por meio de
microfone, demonstrado na Figura 2, que os transformam eletricamente em algoritmos
eletrônicos, que são enviados a uma antena, transmitindo a informação ao implante e ao
feixe de eletrodos que estimulam e as informações chegam às células do nervo auditivo
proporcionando a sensação auditiva.
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Figura 2 – Dispositivos internos e externos
Fonte: Maria Cecília Bevilacqua. In: www.implantecoclear.com.br. Acesso em 12 fev.2013
Moret, Bevilacqua e Costa (2007) atentam que o maior desafio do IC não se relaciona
ao dispositivo que permite ao surdo escutar, mas, se os sons que irão escutar vão ter
significado. Afirmam que os benefícios do recurso dependerão das condições de
aprendizagem de cada sujeito e
os aspectos que influenciaram o ganho nas categorias de audição e de
linguagem das crianças implantadas foram a idade da criança, o tempo de
privação sensorial auditiva, o tempo de uso do implante coclear, o grau de
permeabilidade da família no processo terapêutico, o tipo de implante coclear e a estratégia de codificação da fala utilizada (p. 10).
Na consideração de que o IC consiste em recursos de tecnologia que auxilia o cérebro a
interpretar os estímulos sonoros, devolvendo o sentido ao paciente, o Ministério da
Saude tem se responsabilizado pela intervenção cirúrgica, considerada de alta
complexidade hospitalar (DAHER, 2008).
Apesar dos riscos, os dados do Ministério da Saúde mostram, em 2009, foi de R$ 538,4
milhões – 315% superior ao total investido em 2002. Pela Portaria Coletiva, o POC-35,
de 1999, o Implante Coclear e Deficiências Auditivas passa a ser de responsabilidade do
Ministério da Saude, por meio do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
constados na Portaria MS/SAS Nº. 503, de 03/09/99, o que significa que, como parte da
assistência às pessoas com deficiência auditiva, a tecnologia de IC tem sido financiada
pelo Sistema Único de Saude (SUS) (BRASIL, 2001).
Padovani (2008, p. 355) destaca que o IC permite “o desenvolvimento de diversas
funções do sistema auditivo que permitem ao indivíduo não apenas perceber os sons de
sua língua, como também propiciar o desenvolvimento da linguagem”. O apoio ao
desenvolvimento do processamento auditivo, isto é, aprendendo a escutar irá organizar
o sistema linguístico e
não se pode generalizar os resultados de aquisição e desenvolvimento de
linguagem por crianças surdas implantadas ou mesmo usuárias de outros
dispositivos de amplificação sonora[...]. No entanto, parece não haver
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dúvidas de que, para grande parte das crianças, o implante coclear possibilita
acréscimo no ritmo de desenvolvimento da linguagem e a possibilidade de
eventualmente alcançarem níveis aproximadamente normais de competência
(p.358)
De forma que, os surdos implantados requerem atenção intensa, principalmente na fase
pós-operatória e depois no sentido de significar e processar os sons captados no cérebro.
Almeida-Verdu, Souza e Bevilacqua (2008) indicam terapias específicas, com fins de
aprender a escutar os sons do mundo, que podem ser individual e terapia conjunta.
Ressaltam, também, que o acompanhamento deve ser realizado por equipe
multiprofissional, que inclui o mapeamento e balanceamento de eletrodos e telemetria
de respostas neurais.
Assim sendo, pressupõe-se que os resultados condizem com a afirmação de Quadros,
Cruz e Pizzio (2012) que constatam que as pesquisas no segmento dos usuários de IC se
focam no desenvolvimento da língua oral e em contextos orais. Não negam os
benefícios do IC, mas advogam pela apropriação de Libras pelos implantados.
Afirmam as referidas autoras que “nenhuma investigação científica examinou ainda o
desenvolvimento de uma língua de sinais e de uma língua oral enquanto dois sistemas
de uma criança bilíngue, comparando-as com a situação bilíngue natural vivenciada por
filhos ouvintes, de pais surdos” (p.187).
Tais constatações exige a compreensão de que a Libras é um direito linguístico
adquirido pelos surdos, que se mescla aos outros desafios que surgem quando se quer
transpor ao conceito do senso comum.
Caminhos investigativos sobre as aproximações entre o bilinguismo do implante
coclear
A investigação foi realizada a partir da necessidade de buscar informações sobre os
benefícios do IC, na proposição inicial de constituir apoio para a concepção bilíngue
abarcando filho surdo de pais surdos. De maneira que, esta pesquisa se caracteriza como
sendo qualitativa e de caráter de estudo de caso simples que aborda situações inéditas e
contemporâneas, na principal preocupação de estabelecer a interação entre fatores e
eventos, com finalidade de se analisar o objeto apreendido na dinâmica social (YIN,
2005).
Como instrumento de coleta de dados utilizou-se da técnica da “entrevista”, que
segundo Lankshear e Knobel (2008), constitui uma forma de coleta de dados na
pesquisa qualitativa. Entre as interações indicadas pelos autores para conduzir a
entrevista, escolheu-se a realização presencial, na qual, o entrevistador e o entrevistado
utilizaram-se de Libras, ao invés de dados verbais, reuniu-se dados sinalizados, em
virtude do público-alvo constituir-se de surdos.
Na verdade, às características do público-alvo, formado por quatro pais surdo de filhos
surdos com IC, definiram-se os encaminhamentos das entrevistas, que exigiu interações
planejadas e combinadas entre o entrevistador e o entrevistado, para que se concretizem
em dados científicos.
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Na fase de organização que precedeu a realização da entrevista, exigiu contato prévio
feito via e-mail e envio de torpedos nos celulares. Confirmada a disponibilidade,
conforme a disponibilidade ocorreu a elaboração de um texto de instrução, que dentro
dos gêneros textuais da Língua Portuguesa, no caso, a segunda língua para os surdos,
explicita visualmente o passo a passo da realização da entrevista, e destacam os
objetivos dela e a intenção de formalizá-la. Foram enviadas para quinze (15) sujeitos
surdos, mas, quatro (4) retornaram.
Após as confirmações dos quatro (4) participantes elaborou-se o roteiro de perguntas
que foram disponibilizados antes da data marcada para a entrevista. Tudo foi registrado
pela câmera fotográfica digital, em formas de fotos e filmagens, para as transcrições das
entrevistas. Os textos transcritos foram retextualizados e apresentados para a apreciação
e aprovação dos entrevistados.
As primeiras questões do roteiro se referiam aos aspectos biológicos da surdez, como a
causas, histórico na família e período em que ocorreu a surdez. O óbvio se confirmou,
os pais e filhos têm a genética como a principal causa biológica da surdez, em que os
casos se enquadram em surdez pré-lingual, isto é, nenhum dos quatro filhos surdos teve
contato com a Língua Portuguesa oral, o que significa que eles, segundo Bevilacqua,
Moret e Costa (2011) não têm a memória auditiva como apoio na aquisição da
linguagem.
Codifica-se, neste estudo, os pais com a letra “P” e mais o número, em respeito à
preservação dos autores e a ética da pesquisa, que no questionamento: por que vocês
optaram em fazer o IC? Não seria uma decisão que foi contra a comunidade surda? as
respostas foram:
P1: Porque eu acho que é um recurso tecnológico maravilhoso que melhora
a vida de surdos. Ele tem opção de conviver com os ouvintes e conosco, na
comunidade surda e ele ensina os vocabulários em Libras para nós. Sei que
a comunidade surda é contra. Muitos surdos me disseram que o meu filho ia
morrer louco, por causa do barulho que ele ia ouvir, mas acho que falta
informação.
P2: Meu sonho era que ela fizesse o IC, para ela não sofrer tanto com a falta
de comunicação e compreensão do que é falado. Eu sempre sou criticada por
isso. Muitos surdos já me acusaram de traição e de dizer que é falta de
identidade surda, mas o que eu quero é a felicidade da minha filha.
P3: Eu pesquisei muito na internet a respeito do IC e vi que realiza muito
nos Estados Unidos e acreditei nos médicos do Brasil.
As respostas revelam o sentido de proteção natural dos os pais que querem evitar o
constrangimento dos filhos, que sofrem com as ambiguidades entre as questões relativas
às lutas pela identidade surda e as questões que diz respeito a possibilidade de conseguir
a apropriação da Língua Portuguesa, que acima de tudo, denuncia a resistência social
reincidente.
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P4: Nós só queremos a felicidade dos filhos, e não queria que eles sofressem
como sofri com a falta e comunicação. Acho que o mundo não está
preparado para aprender a língua de sinais e nós ficamos muitos sozinhos.
Na pergunta, como você vê o seu filho com IC? As afirmações revelaram a gratidão dos
filhos. P1: Ele me agradeço toda vez que pose. Ele diz “obrigada mamãe, você é
inteligente”. Eu o vejo feliz, pois, aumentou as possibilidades de
acompanhar o mundo dos ouvintes. Ele até sabe outra língua e toca um
instrumento musical! Sem IV seria impossível este aprendizado.
P2: Eu vejo que ela é feliz. Já me disseram que surdo com IC morre de
depressão e cometem suicídio, mas isso deve ser de cada pessoa. A minha
filha é feliz e ele se desenvolve cada vez mais com ajuda do IC.
O segundo depoimento acima revela a falta de conhecimento que tem como base a
verdade do senso comum, sem fundamento científico, contrário à afirmação de
Bevilacqua, Moret e Costa (2011), o IC recurso fantástico para a autonomia do sujeito
surdo. Em relação a opinião da família também corrobora com a autora.
P3: O pai e a minha família estão felizes, pois, agora ele ensina a família
inteira, tenta me ensinar inglês, também, me ensina sinais novos. Ele é inteligente demais.
P4: Ela brinca com as meninas que escutam como se fosse ouvinte. Fico
surpresa. Ela sabe escrever cartas e redações e gosta de ler. Imagine isto
para os surdos antigos....
Na questão sobre a vontade de divulgar os resultados positivos do uso do IC na
comunidade surda, as respostas foram:
P1: Não. Porque falta conhecimento e as vezes a comunidade surda é muito
radical, não dá para mostrar e dialogar com eles. Na verdade eles não
tiveram filho com IC para ver os resultados. Eu não gostaria de relatar como
IC é bom, só ser for em outro estado ou outra cidade, aqui não.
P2: Não. Eles já me criticam em público, foi bem chato [...] seria mais um
motivo para discutir e de me acusarem de traidora e de sem identidade.
P3: Não sinto preparado para enfrentar os que são contra, que são muitos e
acreditam que o IC não é bom, que é coisa de ouvintes.
P4: Não quero divulgar, porque já tentei, mas eles não querem enxergam os avanços da minha filha. Parece que eles tem ciúmes de ver meu filho
escutando e sabendo o que escuta.
As respostas se complementam nos relatos livres quando perguntado se tem algo a
dizer:
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P1: Sim. O IC só vem a ajudar os filhos surdos de pais surdos, pois eles
trazem conhecimentos adquirido no mundo ouvinte e ele sabe que é surdo,
mas o recurso permite desenvolver e avançar no conhecimento. Sei que ele
vai chegar na universidade, dentro de uma escolaridade de verdade, pois ele
fala outra línguas, também toca música e adora dançar. .
P2: Sim. Gostaria que os surdos que criticam olhassem o IC como um recurso tecnológico que auxiliam os surdos a aprender o que todos outros
alunos ouvintes aprendem. Com isso, acho que diminui a dificuldade na
comunicação, na compreensão dos problemas, e dá chance dos surdos ser
mais independentes.
P3: Não critiquem o que não conhece. Procurem ver os surdos implantados e
como ele tem nos ajudado. Eu me emociono todas as vezes que o meu filho
me ensina em Libras o que ele escutou.
P4: Não precisa ter medo de fazer IC. Ninguém morre por isso. Ruim é ficar
sem apoio e ficar preso a um conceito e morrer na ignorância. Não vejo mal
nenhum em ser implantados e ser bilíngue. .
As respostas revelam uma intransigência e falta de conhecimento sobre o IC e os
benefícios que trazem para os surdos, quando na verdade poderia associar o IC com o
desenvolvimento e disseminação das Libras.
A defesa da apropriação e utilização das Libras, mesmo para os implantados, corrobora
com os estudos Quadros, Cruz e Pizzio (2012) que apresentam os resultados de forma
qualitativa e quantitativa indicando um contraste entre os dois grupos, mas com uma
diferença na performance da criança surda com IC, filha de pais surdos e
complementam que
a análise dos resultados revela que a criança surda com implante coclear com
acesso irrestrito à Libras apresenta desempenho muito próximo das crianças
bilíngues bimodais ouvintes na Libras e no Português, resultado diferente das
crianças surdas com implante coclear com acesso restrito à Libras, que apresentam desempenho inferior no Português e nos padrões fonológicos da
Libras, sendo que mesmo com acesso restrito à Libras estas crianças
conseguem atingir desempenho melhor na Libras. (p.1)
De tal maneira que revelam que estamos no início de uma grande batalha: da aceitação
de diálogo a respeito do IC com a comunidade surda como sendo benéfico à concepção
bilíngue e a aceitação da inovação tecnológica em prol à autonomia dos sujeitos surdos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados das entrevistas revelam que os surdos implantados fazem uso da audição,
da linguagem oral e da Libras e com qualidade interativa igual e em alguns casos,
superior as dos ouvintes.
Todavia, ainda a comunidade surda encontra-se em tempo de consolidar as últimas
conquistas sobre o direito de ser diferente na expressão de uma língua própria, na qual,
torna-se compreensível que não coloquem em pauta as discussões sobre as possíveis
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aproximações entre os recursos tecnológicos, o IC, e o bilinguismo, sem desvincular do
conceito clássico de ser uma tendência clínica-terapêutica.
De maneira que intensificam-se a necessidade de se ultrapassar as discussões de campos
distintos de conflitos entre a visão clínica da sócio-pedagógica, que constituíam estudos
que articulem o direito de às escolhas e não eliminem umas às outras, por considerar o
IC como um aparato da sociedade do conhecimento amparadas por tecnologias e negá-
las seria um retrocesso para a formação cidadã dos surdos.
A pesquisa teve os propósitos alcançados, na certeza de que irá confrontar com desafios
e discordâncias, mas, na veemência de que o conhecimento e o esclarecimento das
possibilidades e dos benefícios do IC precisam tornarem-se público, por fim, derrubar
os mitos em torno do IC.
Assim, espera-se que consolidem espaços para discussões entre os surdos implantados,
a comunidade surda e a sociedade, que utilizem o IC como bases para uma educação
bilíngue de qualidade, o que já é oficial.
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