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O DESAFIO DE APRENDER A ENSINAR: PRÁTICAS DIDÁTICAS NA
FORMAÇÃO INICIAL E NA INSERÇÃO PROFISSIONAL DOCENTE
Luís Paulo Cruz Borges
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Colégio Pedro II
Resumo
Este artigo tem como objetivo relatar, a partir da percepção de alunas, qual seria o papel
da Didática no Curso de Pedagogia de uma universidade pública no Estado do Rio de
Janeiro em diálogo com as práticas docentes do pesquisador em início de carreira. A
pesquisa pautou-se na abordagem qualitativa de cunho etnográfico, utilizando
observação participante, entrevistas e a descrição densa. Objetivou-se investigar como
ocorre a circularidade de saberes entre a escola e a universidade, através dos processos
de formação de professoras que atuam na educação básica. No itinerário da pesquisa
foram realizadas onze entrevistas com professoras que realizaram o Curso Normal,
cursam ou cursaram Pedagogia em uma universidade pública estadual no Estado do Rio
de Janeiro e possuem experiência no magistério. Também se observou uma sala de aula
de uma escola da rede municipal de ensino de São Gonçalo/RJ durante seis meses.
Foram observadas doze reuniões do projeto Residência Pedagógica com professores/as
egressos/as da mesma universidade. As análises dos dados ocorreram pelo processo
indutivo que privilegia o total e o peculiar pelo procedimento denominado bottom-up
(MATTOS, 1992) e da triangulação de dados. Os pressupostos que conduziram essa
investigação estão pautados nas concepções de Morin, Charlot, Candau e Lüdke.
Questionou-se, na investigação, quais disciplinas/atividades da universidade as
professoras consideravam fundamentais em suas práticas pedagógicas exercidas na
escola, sendo a Didática uma das disciplinas mais indicadas. Os resultados
evidenciaram problematizações acerca do papel da Didática no Curso de Pedagogia
relacionado ao trabalho docente no cotidiano escolar com o mote do desafio de aprender
a ensinar.
Palavras-chave: Didática na formação do Pedagogo Docente, Etnografia escolar,
Iniciação à Docência
Introdução: as primeiras palavras
Este artigo tem como objetivo discutir qual seria o papel do ensino de Didática
como um aspecto contributivo para a formação inicial de professores. Para tal
analisamos as percepções de alunas do Curso de Pedagogia de uma universidade pública
estadual no Estado do Rio de Janeiro, através de uma investigação de cunho
etnográfico, em diálogo com as experiências vividas em sala de aula do pesquisador
como um professor iniciante.
Na esteira das reflexões de Roldão (2007; 2005) e em diálogo com as
investigações de Cruz (2010; 2009) compreende-se o ensino como uma especificidade
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do profissional professor, por isso mesmo, circunscrita a uma contexto histórico-social
em mudanças. Assim sendo, toma-se a concepção de Roldão (2007, p.94) sobre o
ensino nas sociedades atuais como a ação de “fazer aprender alguma coisa a alguém”.
Esta perspectiva traz à tona a ideia que ensinar exige uma dupla transitividade e uma
mediação, por isso, situa-se como uma especificidade de “fazer aprender alguma coisa
(currículo) a alguém (na dupla transitividade entre sujeitos)” (ROLDÃO, 2007, p. 95).
Dessa forma, o ensino pode ser entendido não mais como uma transmissão de um saber
único, mas pode assumir uma postura de mediação entre forma e contúdo. Nas palavras
de Cruz e André (2011, p.10), “o professor necessita mobilizar os vários saberes que
possui, transformando-o em ato de ensinar enquanto construção de um processo de
aprendizagem de outros e por outros”.
É nesse cenário que a Didática, entendida como a mediação de toda prática
educativa, e a formação inicial emergem como temáticas problematizadoras deste
artigo. Por isso mesmo, o diálogo com os estudos de Candau (1983) nos propõe pensar a
Didática em questão e os novos rumos da Didática, por meio da tensão posta na década
de 1980 entre o fundamental e o instrumental, mas que ainda hoje ecoa nas discussões
sobre o ensino, a aprendizagem, a escola e a formação docente.
É na relação entre a escola de educação básica e a universidade (BORGES;
FONTOURA, 2010) que vislumbram-se as tensões e contradições do desafio de
aprender a ensinar pela mediação da Didática. Dalberio & Dalbeiro (2010, p.10) nos
propõe que “a Didática envolve a reflexão sobre todos os aspectos relacionados ao
ensino”, e também da aprendizagem. Por isso mesmo, toma como núcleo estruturante o
processo de ensinar e aprender.
O binômio ensinar-aprender está imbricado nas relações propostas no campo da
Educação. Tais dimensões se coadunam compondo, também, as questões do próprio
campo da Didática. Ensinar como especificidade humana requer uma gama de
exigências, tais como pesquisa, reflexão crítica, respeito aos diversos saberes do
alunado, entre outras (FREIRE, 1996). Exigências estas postas, também, no cenário da
formação e do trabalho docente.
Ensinar, então, se torna um desafio. O desafio de ensinar tudo a todos, proposto
por Comênio em sua Didática Magna (NARODOWSKI, 2006), ainda perdura nos dias
atuais. Em especial, no que tange ao Curso de Pedagogia e na sua polivalência que
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objetiva “tudo ensinar” aos diversos alunos e alunas do primeiro segmento do Ensino
Fundamental.
A partir dessa contextualização, do campo da Didática, que pressupomos situar
as questões relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem, a formação inicial e o
trabalho docente no cotidiano escolar, por meio da abordagem teórico-metodológica,
que se refere à circularidade de saberes e à etnografia.
Abordagem teórico-metodológica: os caminhos da pesquisa
Pesquisas qualitativas exigem um rigor científico em que sejam levados em
conta o ambiente natural como fonte de coleta de dados; o papel do pesquisador como
instrumento de pesquisa; os aspectos descritivos no relato dos dados; o destaque ao
processo das interações cotidianas; a perspectiva dos participantes e, por fim, uma
análise indutiva dos dados (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).
São essas as relações, acimas descritas, que instigam o desenvolvimento da
ideia de circularidade de saberes exercida no cotidiano da pesquisa existente entre a
escola e a universidade. Para Lüdke (2005), “a ideia de circularidade indica bem essas
idas e vindas, essa circulação entre as duas fontes produtoras de saber (escola e
universidade), cada uma enriquecendo a seu modo a construção do conhecimento a seu
respeito” (p.14. grifo meu), cada uma se retroalimentando.
No pressuposto de uma ciência que ocorre de forma linear, do simples para o
complexo, do fácil para o difícil, do erro ao acerto, encontramos a própria concepção de
circularidade, que por sua definição semântica pressupõe movimento, oscilação,
dinamismo (LEITÃO, 2002). A circularidade está pautada no confronto entre saberes
situados em um determinado contexto histórico. Nesse sentido, a teoria da
complexidade exposta por Morin (1996) orienta essa empreitada. As relações entre os
diversos paradigmas que hoje permeiam nossas teorias-práticas e práticas-teorias são
um indicativo de saberes que dialogam, se contrapõem, entrechocam, se reafirmam ou
formam outros novos saberes.
A circularidade é mais uma vez reafirmada e não vista, aqui, como um
pressuposto inerte ou como uma ação que ocorre sem um fim. É parte de um processo
de vaivém que transforma e, pelo mesmo movimento, é transformado, por isso mesmo
ocorre com dinamicidade. A circularidade não acontece de forma sistêmica, nem é
fechada em si mesma, pois está aberta para as diversas possibilidades de saberes.
Pressupomos, dessa forma, que existe uma dialogicidade entre o objeto de estudo, as
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participantes da pesquisa, as instituições pesquisadas, o pesquisador e toda a rede de
envolvidos na arte de fazer pesquisa em educação.
Sendo assim, tal pressuposto versa sobre uma circularidade de saberes, que,
permeando a escola e a universidade, vai retroalimentando cada uma ao seu modo e em
seu espaço-tempo. De tal maneira, vão se formando, em ambas as instituições, os
diversos sujeitos que atuarão na escola básica, assumindo, assim, as dimensões política-
social-cultural-educativa-cognitiva-humana-técnica que envolvem o ato de ensinar
outrem a aprender.
A circularidade é posta em destaque no sentido de compreender as
interdependências entre os diferentes saberes postos no contexto social que se dá através
de um diálogo. É no diálogo entre a escola de educação básica e a universidade, pela via
da formação docente, que construímos os saberes dos quais aqui falamos.
No itinerário da pesquisa foram realizadas onze entrevistas com professoras que
realizaram o Curso Normal, cursam ou cursaram Pedagogia em uma universidade
pública estadual no Estado do Rio de Janeiro (campus São Gonçalo e Maracanã) e
possuem experiência no magistério. Também observou-se uma sala de aula de uma
escola da rede municipal de ensino de São Gonçalo/RJ durante seis meses. As
observações foram realizadas como forma de compreensão dos processos formativos
que se davam entre a escola e a universidade, ou dito de outra forma, foram realizados
como forma de compreensão do trabalho docente que se dava no ambiente escolar.
Foram observadas doze reuniões do projeto Residência Pedagógica com professores/as
egressos/as da mesma universidade pública estadual no campus em São Gonçalo no ano
de 2011, que nos auxiliou, sobremaneira, no processo de análises dos dados. Por fim, o
diálogo da pesquisa se dá pelo exercício de análise do pesquisador em sua prática
inicial.
A análise foi indutiva, que se dá através da relação com o geral e particular,
fazendo com que, a partir do conteúdo em sua particularidade, partamos para a sua
totalidade, “do particular para geral e voltando-se ao particular” (MATTOS, 2008,
p.42). Sendo assim, utilizamos o processo bottom-up (MATTOS, 2008; 1992),
procedimento que pressupõe uma prática dialética de interação entre os participantes e o
pesquisador em uma ordem hierárquica inversa dos dados, ou seja, partimos das falas
das professoras, para os estudos teóricos e as políticas públicas.
O caráter etnográfico da pesquisa justifica-se pela compreensão da etnografia
como auxilio na compreensão das relações vividas no cotidiano da escola. Tal
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abordagem emerge na antropologia e tem seu marco no final do século XIX e início do
século XX como uma forma de descrição das várias dimensões do modo de vida de
homens e mulheres nas sociedades. Partindo dessa ideia, pode-se perceber, através das
palavras de Erickson (1988, p. 1.083), que a “etnografia é uma abordagem naturalística
para os procedimentos de pesquisa social, através da observação direta de situações
concretas”. Ou seja, a pesquisa etnográfica é situada em um contexto social e cultural
específico, em que a obtenção dos dados se dá adquirida de forma descritiva por meio
do contato do pesquisador com a situação investigada.
Muito mais do que um conjunto de técnicas para coletar dados, a abordagem
etnográfica é um pressuposto teórico-metodológico no âmbito das pesquisas das
ciências sociais e humanas, que se preocupa mais com o processo do que com o produto
e está imersa nas questões culturais (DAUSTER, 2007).
A didática na perspectiva do aprender a ensinar
O desafio de aprender a ensinar posto na formação docente, em muito vem
sendo objeto de investigações de autores brasileiros (MARTINS; ROMANOWSKI,
2010; CUNHA, 2010; DALBEN, 2010) e internacionais (ROLDÃO, 2007;
ZEICHNER, 2009). Pensar a Didática no campo da formação de professores e
professoras, de certa maneira, é ajuizar sobre os desafios, limites e possibilidades desses
campos de conhecimento.
O ensino de Didática na formação docente é revelador de diferentes concepções
e tensões entre as relações instrumental e fundamental, além da dicotômica teoria e
prática na formação de professores. Nos anos de 1980 o Seminário: A Didática em
Questão, organizado por Vera Candau na PUC-Rio elencou e debateu questões nodais
sobre a Didática e o ensino de Didática indicando uma interligação entre as dimensões
humana, técnica, política e social (CRUZ, 2009).
É dentro desse contexto que vimos a emergência de uma Didática Fundamental
em contraponto à Didática Instrumental. Percebemos então, a mudança de uma Didática
“[...] centrada na transmissão dos instrumentais técnicos necessários à aplicação do
conhecimento científico fundado na qualidade dos produtos, eficiência e eficácia, para
uma Didática atenta à necessidade de favorecer a formação de educadores críticos e
conscientes do papel da educação na sociedade. Trata-se de afirmar a Didática como um
campo de conhecimento que busca compreender o processo de ensino em suas múltiplas
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determinações e complexidades, para intervir nele e reorientá-lo na direção política e
social pretendida” (CRUZ, 2009, p.04).
Nesse sentido, acredita-se, aqui, em um processo de ensino “multidimensional,
situado em um contexto político-social que acontece numa cultura específica, trata com
pessoas concretas que têm posição de classe definida na organização social em que
vivem” (CANDAU, 1983, p.14).
Dessa forma, questionou-se, na investigação, quais disciplinas/atividades da
universidade as professoras consideravam fundamentais em suas práticas pedagógicas
exercidas na escola. De uma forma estrutural quantificável, as disciplinas consideradas
fundamentais foram:
01 (uma citação) - Linguagem, Lúdico, Prática de Ensino, Educação Especial,
Cultura e Educação, Currículo, Ensino Fundamental, História e Geografia,
Ciências, Artes, Grupo de Pesquisa
02 (duas citações) - Avaliação, Filosofia, Matemática, Estágio
03 (três citações) - Psicologia, Alfabetização, Português
04 (quatro citações) - Educação Infantil.
05 (cinco citações) - Didática.
Percebemos que a disciplina Didática aparece como a mais mencionada nas falas
das entrevistadas. Tal indicativo pode estar relacionado ao Curso Normal e ao papel que
esta disciplina tem nessa instância formativa, correlacionado com a perspectiva do
ensinar a ensinar e do aprender a ensinar. No cotidiano escolar o planejamento, os
processos de avaliação e o diálogo com os outros docentes se aprensentam como
dimensões que aprendemos nos cursos de Didática. As falas das professoras, com
nomes fictícios, Paula e Luana, corroboram tal constatação:
Paula: As disciplinas, de uma forma geral, de Educação Infantil, de Ensino
Fundamental, porque acaba conhecendo as pessoas que estudaram sobre essa
determinada faixa, os pensadores, os educadores, me deixa ver (...), Didática. É
importante e eu acho que a gente tem muito pouco na universidade. Eu acho porque no
Normal eu tive todos os anos e eu achei um semestre na Faculdade muito pouco, muito
pouco.
Luana: Didática, apesar de achar que na faculdade faltou muito. Só tivemos um
período de Didática. Muito pouco, mas achei importante.
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No entanto, cunhamos tal análise na perspectiva da fala das próprias
entrevistadas, em que podemos evidenciar as seguintes disciplinas/atividades mais
destacadas, de acordo com cada perspectiva:
a) Professora Luana - Lúdico, Estágio, Didática, Psicologia e Linguagem.
b) Professora Paula - Psicologia, Educação Infantil, Ensino Fundamental,
Didática.
c) Professora Liliane - Psicologia, Português, Matemática, Filosofia.
d) Professora Ana - Ciências, Matemática, Português, Historia e Geografia,
Educação Infantil, Alfabetização e Didática.
e) Professora Beatriz - Português, Educação Infantil, Alfabetização.
f) Professora Raquel - Didática, Artes, Cultura e Educação, Alfabetização e
Educação Infantil.
g) Professora Sarah - Avaliação e Educação especial.
h) Professora Luiza - Filosofia, Didática e Currículo.
i) Professora Maria Eduarda - Estágios e o Grupo de Pesquisa.
j) Professora Cristiane - Avaliação.
k) Professora Sarah - Prática de Ensino.
De forma geral, as entrevistadas sinalizaram que as disciplinas cursadas na
universidade, que são fundamentais em suas práticas na escola, estão relacionadas ao
ato de ensinar e aos fundamentos da Educação, tais como as disciplinas de Filosofia,
Linguagem, Psicologia, Alfabetização e Cultura (Antropologia). Tais escolhas são
justificáveis pelo fato de fundamentarem ou mesmo auxiliarem a reflexão sobre o
exercício do magistério e sobre a relação professor-aluno.
Luana: Psicologia, pra você entender como é seu aluno, conhecer melhor sobre ele. E a
Linguagem pra aperfeiçoar os seus métodos pra aplicar em sala de aula. Pra ele
conseguir compreender os conhecimentos: Português, Alfabetização.
Ana: (...) A Psicologia e a Filosofia foram para aquilo que eu te falei, a questão da
relação do aluno com o professor.
Foi no espaço da Residência Pedagógica, campo de observação, que também
encontramos importantes esboços de falas e exemplos relacionados com o papel da
universidade e da Didática na formação docente. Elencamos as colocações da professora
Sarah como interlocutora preferencial, por observarmos suas aulas na Escola da Praça e
para fins de estruturação do trabalho de pesquisa dentro da abordagem etnográfica.
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Fala de Sarah na reunião da Residência Pedagógica: Saí do Curso Normal, fiz
concurso e fui trabalhar na escola pública. Tive muitas dificuldades para trabalhar
com os alunos, com a carência deles... Estava infeliz. Então, senti a necessidade de vir
para a universidade. A universidade me deu a perspectiva de realizar um trabalho mais
humano. Foi na universidade que vi a necessidade de conciliar o financeiro com o
profissional e com o prazer (Encontro VI – 25/09/10).
A fala da professora Sarah nos faz questionar o papel da universidade no
contexto formativo docente e, ainda, como é articulada essa formação. O diálogo com
os pares e a partilha de experiências são indicativos dessa questão. Por isso mesmo,
urge evidenciar o papel da Residência Pedagógica como espaço-tempo de articulação e
partilha de saberes.
É preciso, mais uma vez, pensar o papel da Didática no processo de aprender a
ensinar e ensinar a aprender, já que esta é entendida como a mediação de toda a prática
educativa. Em suas falas, as professoras evidenciavam a importância de se ter a
disciplina Didática em todo o período do Curso Normal, enfatizando que o mesmo não
ocorre na Faculdade de Educação. Contudo, na vivência do cotidiano da escola a
Didática e as práticas didáticas vão sendo postas por demandas diárias e o Curso de
Pedagogia em muito nos é contributivo para uma análise crítica e reflexiva do exercício
docente.
O papel da Didática no limiar da reflexão entre o Curso Normal e o Curso de
Pedagogia revela uma aproximação parental entre ambas as instâncias formativas
dos/das docentes do primeiro segmento do ensino fundamental (CRUZ, 2009). Dessa
forma, colocar a Didática em questão, articulando as dimensões técnica, política e
humana, como nos propõe Candau (1983), desde os meados da década de 1980, ainda é
um desafio aos cursos de formação docente. O que tem sido proposto como Didática
nos cursos de formação de professores? Esta é uma proposição que a investigação de
Cruz (2010) vem realizando e que em muito nos auxilia em novas problemáticas,
indicando outras perspectivas de estudos sobre esse campo de saber.
É nesse sentido, que o desafio de aprender a ensinar está, intimamente,
relacionado ao cotidiano escolar. Ao chegar à escola, já na condição de professor, foi
preciso pensar na inserção profissional como um desafio de fazer relacionar o aprendido
ao que seria vivido. Os debates, leituras e construções que permearam minha formação
na graduação e na pós-graduação geraram, assim, uma gama de relfexões para o meu
fazer pedagógico. A Didática se tornara fundamental por fazer aliar questões práticas e
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teóricas: planejamento, avaliação, escolha do material pedagógico, a clareza da minha
posição política em sala de aula, o relacionamento escola-família, gestão de pessoas
diante da administração escolar, enfim, foram fundamentais no meu dia a dia.
O desafio de ensinar a aprender se coadunou, de maneira clara, com a concepção
de Roldão (2007) de que é preciso “fazer aprender alguma coisa a alguém” e no
cotidiano da escola tal desafio foi perpassado pela mediação, pelo diálogo com os pares,
com uma estrutura pedagógica que possibilitasse a realização do fazer cotidiano e pela
compreensão da multidimensionlidade do ensino.
Considerações Finais
Ao questionarmos como se dá a circularidade de saberes entre a escola e a
universidade e qual a apropriação desses saberes por ambos os espaços-tempos, não
imaginávamos o que nos esperava ao longo da jornada. Chegamos a uma temática, o
desafio de aprender a ensinar, através da ação de (re)pensar o papel da Didática no
Curso de Pedagogia e na formação incial de docentes.
Neste ínterim, investigamos a relação de saberes estabelecida entre a escola e a
universidade, através dos processos de formação docente que ocorrem nas diversas
instâncias formativas, em nosso caso, o Curso Normal, o Curso de Pedagogia, o Projeto
da Residência Pedagógica e a vivência do cotidiano na escola. A circularidade não se
deu somente por uma questão física – ida do pesquisador à escola e da professora à
universidade – mas, sim, por uma troca de saberes e experiências, vivenciada pelo fazer
pesquisa em educação.
É necessário pensar em uma formação docente, que relacione as diversas
dimensões do ensino, que contextualize a prática pedagógica em um cenário histórico e
social, além de uma formação que ocorra levando-se em consideração as questões
socioafetivas e profissionais (CANDAU, 1983).
Como nos fala Charlot (2008), o professor é um profissional da contradição. Por
isso mesmo, podemos ponderar que o professor, nas sociedades contemporâneas, é
entendido como um trabalhador imerso em contradições, que são reveladas ou não.
Dessa forma, evidenciamos que o trabalho docente está posto em complexidade
(CHARLOT, 2008).
Os docentes, em nossa sociedade, vivem em uma encruzilhada de contradições
no que se refere às questões das desigualdades sociais, econômicas, políticas, culturais e
educacionais. Segundo Charlot (2008, p.19) “vão se multiplicando os discursos sobre a
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escola, mas também sobre os professores”, discursos esses que são impregnados de
ideologias, teorias, concepções de prática, enfim, de muitas ideias. No âmbito desta
pesquisa, foi possível apreender que o papel do professor a todo o tempo é colocado em
xeque em alguns discursos na escola e também nas políticas públicas de formação, tal
como vimos no município de São Gonçalo/RJ. No entanto, existem os movimentos
contrários a tais perspectivas, como é o caso da luta sindical, que busca situar a
docência como uma ação didática e política, cunhada de saberes-fazeres, dentro do
contexto escolar.
As contradições postas pela complexidade do mundo atual – no que se refere ao
pesquisar, ao formar, ao estudar, ensinar e aprender e mesmo compreender – afetam o
cotidiano da escola. Charlot (2008) nos fala em pontos específicos dessas ações, a saber:
o professor como herói e/ou como vítima, o professor como culpado do fracasso
escolar, o professor tradicional ou construtivista, o docente universalista ou o pluralista,
o professor autoritário e/ou licencioso... Essas dimensões são reverberadas em aflições e
constatações que as participantes deste estudo evidenciaram em suas falas e foram
percebidas na observação participante no cotidiano da escola e nos encontros da
Residência Pedagógica, estando a Didática nesse bojo.
Ao longo do itinerário dessa investigação, foi possível a emergência de um
diálogo com outros autores e reflexões de cunho teórico-metodológico. O estudo de
Freund (2009) nos ajuda a pensar que “sonhando com o ideal, pisando no real, fazendo
o possível”, vamos tecendo saberes na pesquisa em educação e no exercício profissional
do magistério, em nosso caso, a partir do ponto de vista da Didática. É necessário
pensar em novas abrangências para novas pesquisas, reconhecendo os limites deste
estudo.
Por fim, evidenciamos o papel da etnografia como abordagem que nos auxilia a
perceber as diferenças e a descontinuidade, possibilitando entender que existem outras
lógicas no cotidiano escolar e que o professor é sujeito na ação da pesquisa em
educação, especificamente no que condiz à questão da formação docente. O papel do
pesquisador ocorre ao aliar interesses, respeitando os sujeitos que permeiam a escola e
fazendo uma mediação da linguagem científica com a linguagem existente no âmbito
escolar, por assim dizer, uma mediação entre a pesquisa e o ensino. Sendo assim, ao
longo desta investigação, foi possível estabelecer um tratado colaborativo, em que as
teorias abordadas foram orientadas por questões humanas e éticas, relacionadas com a
Didática e seu papel na formação docente no Curso de Pedagogia.
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Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 103060