o deferimento tácito e a ação de condenação à prática do ato devido

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O Deferimento Tácito e a Ação de Condenação à Prática do Ato Devido A questão a que se pretende responder é a seguinte: nos casos previstos pelo art. 108º do Código do Procedimento Administrativo - doravante CPA- em que a omissão administrativa determina a aprovação ou autorização da pretensão do particular, haverá ainda lugar ao pedido de condenação do art. 67º, n.º1, alínea a) do Código dos Tribunais Administrativos - doravante CPTA? Vejamos: O art. 67º, nº 1, alínea a) CPTA corresponde a situações de inércia ou omissão, em que a Administração incumpre o dever de decisão perante requerimento apresentado por particular. A figura do deferimento tácito vem regulada no art. 108º CPA e consiste numa ficção legal de deferimento. Os casos previstos nas alíneas do nº 3 do art. 108º são hipóteses em que o legislador assumiu que a regra, segundo a experiência comum, seria a do deferimento. São portanto situações em que, nos casos expressamente previstos, a lei associa ao decorrer do prazo para a tomada de decisão a ficção de que a pretensão do particular está de acordo com as exigências legais e portanto atribui à inércia da Administração o significado de deferimento. Será assim de afirmar que o significado atribuído à ausência de decisão pelo órgão competente substitui, para todos os efeitos, o acto administrativo omitido?

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Direito administrativo

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O Deferimento Tácito e a Ação de Condenação à Prática do Ato Devido

A questão a que se pretende responder é a seguinte: nos casos previstos pelo art. 108º do Código do Procedimento Administrativo - doravante CPA-  em que a omissão administrativa determina a aprovação ou autorização da pretensão do particular, haverá ainda lugar ao pedido de condenação do art. 67º, n.º1, alínea a) do Código dos Tribunais Administrativos - doravante CPTA?

Vejamos:O art. 67º, nº 1, alínea a) CPTA corresponde a situações de inércia ou omissão, em que a Administração incumpre o dever de decisão perante requerimento apresentado por particular.A figura do deferimento tácito vem regulada no art. 108º CPA e consiste numa ficção legal de deferimento. Os casos previstos nas alíneas do nº 3 do art. 108º são hipóteses em que o legislador assumiu que a regra, segundo a experiência comum, seria a do deferimento. São portanto situações em que, nos casos expressamente previstos, a lei associa ao decorrer do prazo para a tomada de decisão a ficção de que a pretensão do particular está de acordo com as exigências legais e portanto atribui à inércia da Administração o significado de deferimento.

Será assim de afirmar que o significado atribuído à ausência de decisão pelo órgão competente substitui, para todos os efeitos, o acto administrativo omitido?O Prof. Mário Aroso de Almeida responde positivamente, considerando, consequentemente, que em situações de deferimento tácito não haverá lugar à acção de condenação à prática de acto devido (art. 67º, n.º 1, alínea a) CPTA), uma vez que a produção desse acto já resultou da lei. O Prof. abre, no entanto, a hipótese de ser proposta uma acção comum para o reconhecimento de que o acto tácito se produziu (art. 37º, n.º 2, alínea a) CPTA) ou para a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar (art. 37º, n.º 2, alínea 3) CPTA). Neste último caso, embora o Prof. não se pronuncie, a parte do artigo aplicável seria apenas a segunda parte, uma vez que considera o acto de deferimento tácito como acto administrativo.

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Pelo contrário, o nosso Regente, Prof. Vasco Pereira da Silva, separa a produção de efeitos decorrente da ficção legal e a actuação intencional e materializada da Administração para admitir que um deferimento tácito possa ser seguido de uma acção de condenação à prática de acto devido. O Prof. parte do raciocínio do Prof. Aroso de Almeida – o surgimento de um acto administrativo em resultado do deferimento tácito – para afirmar que, mesmo que assim fosse, não seria de afastar a acção condenatória especial, pois esta tanto pode ter lugar em relação a omissões como a actuações administrativas desfavoráveis. Considera ainda que, mesmo que se diga que o deferimento tácito é uma ficção legal com efeitos positivos e por isso, em princípio, favorável ao particular, o pedido de condenação deve ser admitido pelo menos em duas situações:1. “ quando o deferimento tácito não corresponda integralmente às pretensões do particular, pelo que, pode ser considerado como parcialmente desfavorável”;2. “quando o deferimento tácito, numa relação jurídica multilateral, seja favorável em relação a alguns dos sujeitos mas não em relação aos demais”.Estas situações em que, para além dos efeitos positivos decorrentes da ficção legal, existem também efeitos desfavoráveis, mostram o quão criticável é a figura do deferimento tácito, a qual, perante o novo contencioso perdeu grande parte da sua razão de ser. 

Luís Filipe Colaço Antunes tem uma afirmação que o demonstra: “a acção para a determinação da prática de acto legalmente devido bem poderia ter aqui serventia, eliminando esta sombra de verdade jurídica que é o silêncio positivo”.

João Tiago da Silveira apresenta uma solução que parece ser de criticar porque se afasta imenso daquilo que pretende ser o instituto da condenação à prática do ato devido e que pretende superar a falta de protecção jurídica que advém da ausência de actuação administrativa. Este autor defende a criação de um método de reconhecimento extra-judicial dos deferimentos tácitos a cargo de uma entidade externa que emitisse um certificado que valesse como o acto em falta.    

Em suma, o deferimento tácito deverá ser interpretado como mero facto a incluir na norma do art. 67º, n.º 1, alínea a) CPTA e em nada altera o acesso ao meio processual, integrado na acção especial de

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condenação à prática de acto devido. Só assim se assegura a garantia dos direitos subjectivos dos particulares, e se atribui maior certeza e segurança na sua relação com a Administração.

Ana Catarina Teixeira16449

Da condenação à prática de acto devidoUm dos principais fortes sinais de alteração no quadro da lógica do Contencioso Administrativo, trata-se da acção de condenação da Administração à prática do acto administrativo devido, enquanto modalidade de acção administrativa especial (ART.46º do CPA) que se encontra regulado nos arts.66º e seguintes. Sendo possível falar numa superação dos "traumas de infância", deixando para trás a sua grosseira limitação na sua tarefa de julgar, passando assim de uma mera anulação para uma plena jurisdição.Tal foi possível com a revisão constitucional que ocorreu em 1997, com influência da nova linha orientadora que advinha do novo modelo contencioso de cariz subjectivista, com base na ideia de tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. Ou seja, foi finalmente estabelecido de forma expressa a possibilidade de escolha da prática de actos administrativos legalmente devidos como sendo fundamental no âmbito do princípio de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos dos particulares em relação à Administração. Deste modo, houve uma evolução no sentido de criação de um novo meio processual de base condenatória, consistindo numa acção de condenação à prática do acto devido como uma modalidade de acção administrativa especial, onde o critério determinante não será o acto administrativo praticado ou omisso da Administração, mas sim, a posição substantiva do particular no paradigma da relação jurídica administrativa.

Na sequência deste processo, estabeleceram-se duas modalidades que correspondem aos dois pedidos centrais que podem ser suscitados mediante este mecanismo processual: Condenação na emissão de acto administrativo omitido;

Condenação na produção de acto administrativo favorável ao particular.

Quanto aos pressupostos processuais da condenação à prática do acto devido, encontram-se tratados no art.67º do CPA, sendo possível destacar três situações legalmente previstas: Al.a)- Apresentação de requerimento, não tendo posteriormente sido proferida decisão dentro do devido prazo;

Al.b)-Recusa da prática do acto em causa;

Al.c)- Recusa liminar da Administração a proncunciar-se.

Não obstante, para que essa omissão seja juridícamente relevante, constitui requisito a existência de um dever de actuação por parte de um órgão da administração provocado por um pedido do particular, e que não tenha existido decisão dentro decisão dentro do prazo legalmente estabelecido. Sendo permitido agora que os particulares solicitem directamente a condenação da Administração na prática do acto devido.O Prof.Dr.Vasco Pereira da Silva, vem denominar tal possibilidade como "acto fingido", afastando a anterior prática que levava aos tribunais a anular os tais actos administrativos fingidos. Assim, a consequência da admissibilidade de acções condenatórias da Administração, prendeu-se com o Art.109º/1 CPA que é tacitamente derrogado na parte em que reconhece ao interessado a possibilidade de presumir indeferida a sua pretensão.

SILVA, Vasco Pereira da; O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise; Coimbra, Almedina, 2009

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SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de; Direito Admnistrativo Geral; Tomo III; Dom Quixote, 2008ANDRADE, José Carlos Vieira de ; A Justiça Administrativa; 11ª Edição, Almedina

Joana Vistas- 14011050

Condenação à Prática de Acto Devido

Como sabemos, a figura da condenação à prática de actos administrativos insere-se nas acções administrativas especiais (art. 46º/ 2 a) CPTA) mas para podermos proceder à delimitação desta figura, cumpre distingui-la da impugnação de actos administrativos. Esta acção surge como meio para o particular recorrer de actos administrativos que apresentem vícios de ilegalidade para que, desta forma, esses actos possam ser declarados nulos, anulados ou inexistentes.

No entanto, se o particular não se bastar com a anulação pode ainda recorrer a outro tipo de acto para que a sua posição jurídica seja salvaguardada e regulada, estamos assim a falar da condenação à prática de acto devido.

Nos termos do artigo 66.º CPTA, são referidas duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido:

a) Condenação à emissão de acto ilegalmente omitido;

b) Condenação à emissão de acto ilegalmente recusado de conteúdo favorável, em substituição do acto anterior desfavorável

Para que possa ser deduzido um pedido de condenação à prática de um acto administrativo, nos termos do art. 67º CPTA, é necessário que o interessado tenha começado por apresentar um requerimento que tenha constituído o órgão competentes no dever de decidir[1].

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Cumpre então, antes de mais, explicitar o que se entende por acto devido.

Segundo o Professor Vieira de Andrade[2], o acto devido é aquele que devia ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão, quer tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua pretensão.

No entanto, o Professor Vasco Pereira da Silva discorda desta posição afirmando que não se deve fazer tal valorização do pedido imediato sobre o pedido mediato e à causa de pedir. Para este autor, a causa de pedir deve também ser considerada, ou seja, é necessário ter uma concepção ampla do processo para que desta forma, o objecto seja a pretensão do interessado, ou melhor, o direito subjectivo do particular a uma determinada conduta da administração (e não o acto de indeferimento).

Esta posição também é defendida pelo Professor Mário Aroso de Almeida que acrescenta que “o processo de condenação não é configurado como um processo impugnatório, no sentido em que, mesmo quando tenha havido lugar á prática do acto devido o objecto do processo não se define por referência a esse acto ".

Em suma, o acto administrativo não possui qualquer autonomia, em caso de procedência do pedido do particular relativamente ao direito subjectivo lesado, ele é automaticamente eliminado.

O artigo 71.º CPTA demonstra, pois, que o que o tribunal aprecia verdadeiramente é a concreta relação administrativa entre o particular e a Administração, no intuito de apurar a existência ou não do direito do particular, e determinar o próprio conteúdo do acto devido.

Mas voltando ao regime legal, de acordo com o disposto no art. 67º/1 CPTA, a condenação à prática de actos administrativos pode ser pedida em três tipos de situações:

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1)      Art. 67º/1 alínea a) – Aqui estamos perante casos em que a Administração tenha sido constituída no dever de decidir mas permaneceu omissa, não proferiu qualquer decisão até expirar o prazo legalmente estabelecido para decidir, incluindo-se aqui casos de incumprimento por parte da Administração.

Em caso de incumprimento do dever de decidir por parte da Administração passa, assim, a ser tratado como a omissão pura e simples, isto é, como um mero facto constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisão judicial de condenação à prática do acto ilegalmente omitido salvo, nos casos específicos em que a lei preveja deferimentos tácitos (art. 108º CPA);

 

2)      Art. 67º/1 alínea b) – Aqui cabem os casos em que a pretensão deduzida pelo interessado é indeferida através da recusa expressa do acto requerido. Sendo que aqui, o objecto do processo não é o acto de indeferimento mas sim a pretensão do interessado;

 

3)      Art. 67º/1 alínea c) – Aqui estão compreendidos os casos em que tenha sido recusada a apreciação do requerimento dirigido à prática do acto administrativo. Estando aqui compreendidas duas sub-hipóteses: o caso de a recusa poder ser contestada com fundamento na inexistência de facto dos motivos de ordem formal ou com falta de fundamento normativo.  

Estes requisitos baseiam-se no alcance subjectivista dado ao pedido, destinado à satisfação de direitos ou interesses legalmente protegidos do autor. Fora destas situações, o código permite também o pedido de condenação nos casos de inactividade oficiosa comprovada da Administração perante valores comunitários relevantes ou direitos dos particulares, bem como, embora em cumulação com o

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pedido impugnatório, as de indeferimento parcial ou indirecto da pretensão.

Por fim, é importante saber se todo e qualquer interessado pode pedir a condenação à prática de acto devido. O artigo 68.º CPTA refere as regras de legitimidade quando estão em causa pedidos de condenação, e neste caso, são partes legitimas para os apresentar:

- Sujeitos privados: os indivíduos e pessoas colectivas que aleguem a titularidade de um direito ou interesse legalmente admitido (artigo 68.º/1-a) e b) CPTA);

- Sujeitos públicos: as pessoas colectivas mas também órgãos administrativos, uma vez que embora o preceito não o preveja, os órgãos são os verdadeiros sujeitos públicos em direito administrativo e, por outro lado, o artigo 10.º/4 CPTA entende que os pedidos dirigidos aos órgãos devem ser considerados como dirigidos às pessoas colectivas, pelo que, tal como entende Vasco Pereira da Silva, não se vê qualquer sentido útil em admitir pedidos de condenação no domínio de relações inter-subjectivas e já não no âmbito das inter-orgânicas. Assim sendo, deve conjugar-se o art. 68.º/º1 b) com o art. 10º, dando prevalência a factores de ordem material sobre os de natureza formal.

- Ministério Público (actor público): actua na defesa da legalidade e do interesse público, somente quando decorra de um dever que resulte directamente da lei, pelo que só pode formular pedidos de condenação quando esteja em causa (art. 68º/1 alínea c)) a ofensa de um direito fundamental, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer bem referido no artigo 9.º/2 CPTA.

CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO VS ADMINISTRATIVO - Recensão crítico-comparativa sobre a definitividade enquanto pressuposto da recorribilidade em ambos

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DUARTE NUNO COSTA 16168 SUB-3 (usando o login de Guilherme Galante por não me conseguir registar em nome próprio!)

Tendo em conta a enfermidade “traumatico-freudiana” diagnosticada pelo Prof. Vasco Pereira da Silva de que padecia além da infância do próprio contencioso administrativo português, com manifestações “virais” no que toca à sobejamente conhecida convulsão/manifestação disso mesmo, que representava o recurso hierárquico necessário, ao qual pela posologia de uma “sangria” pela navalha da inconstitucionalidade, o Professor consegue expurgar todas as consequências do direito fundamental de impugnação contenciosa dos actos administrativos, receitado o artigo 268.º, n.º4 da Constituição, desde que lesivos dos particulares, concluindo na autópsia, o nado morto que resulta agora das disposições legais que estabelecem o recurso hierarquico necessário. Congratule-se o proveitoso pós-recobro do legislador no sentido de determinar a impugnabilidade dos actos administrativos em razão da eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares, afastando expressamente toda e qualquer exigência de recurso hierárquico necessário, artigo 51.º, n.º1 , do CPTA, sem garantias administrativas como condição necessária de acesso aos tribunais, cicatriz palpável da ferida agora sarada, desferida antes pela doutrina do “administrador-juiz”.

Observe-se agora o quadro-clínico do contencioso que para muitos autores é tido como uma verdadeira Eva arrancada da costela do Adão do contencioso administrativo (por todos, SALDANHA SANCHES), para outros mero filho bastardo, e que se quer pródigo arrependido (para que à “boa casa” administrativa retorne) que é o Contecioso Tributário. Todavia, pois que peca por tardio o seu grito do “ipiranga”, no que lhe toca, temos clara a opção do contencioso tributário entre reclamar e/ou impugnar, por uma interpretação “descomplexada” que o legislador fiscal faz da Constituição, não sendo assim necessário percorrer a “via sacra” reclamação-recurso hierárquico-tribunal. O fundamento da impugnação será “qualquer ilegalidade” (artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, doravante CPPT), tal como para a reclamação, de modo a garantir a tutela jurisdicional, como preceitua a Constituição. De “amarras soltas” o contencioso tributário

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reage assim contra o ordenamento anterior em que o recurso directo aos tribunais ia “afunilando” para o particular, pela imposição de reclamações e recursos prévios, arrogando-se a Administração de discricionaridade técnica no que concernia aos conceitos fiscais, v.g. em matéria de quantificação. Hodiernamente, qualquer “errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários” será fundamento de ilegalidade, balizada pela alínea a) do supra citado artigo 99.º CPPT. O contencioso tributário lança uma generosa rede aos particulares, assumindo-se o artigo em questão nas suas quatro alíneas como meramente exemplificativo, deixando margem a que qualquer ilegalidade possa ser suscitada.

Sem embargo, atente-se para os casos em que o contencioso tributário, desinibido de reaccionismos e complexos exacerbados contra relações à laia de incestuosas com o “administrador-juiz” (salvo o devido respeito pelo “fervor” de VASCO PEREIRA DA SILVA), prevê casos em que terá de haver reclamação, prévia ao recurso a tribunal. Assim, reza o art. 117.º CPPT, quando se trate de impugnação com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos. Veja-se o n.º1 do preceito que prevê a dependência de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável (com correspondência na Lei Geral Tributária quanto aos métodos indirectos). A razão de ser da exigência prende-se nestes casos com a pretensa maior celeridade da resposta, e pelo presuntivo argumento de que neste âmbito de questões, previsivelmente/possivelmente será dada razão ao contribuinte, alcançando-se a almejada e tão “na moda” celeridade da justiça, evitando-se sobrecarregar os tribunais (conseguida ironicamente pelo legislador através do que qualificamos serem “manobras de diversão”, pelo desviar das atenções dos próprios tribunais, evitando corrigir nuclear e internamente as causas da morosidade judicial, sem prejuízo das vantagens da brevidade proporcionadas ao contribuinte por esta “manobra”). Expressão deste sistema encontra-se no quarteto dos artigos 131.º, 132.º, 133.º e 134.º CPPT, acerca da impugnação dos actos de autoliquidação, substituição tributária, pagamentos por conta, e objecto da impugnação, respectivamente. Especificamente, quanto ao artigo 131.º, em que quanto a casos de erro na autoliquidação, “a

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impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária”, a solução surge como perfeitamente lógica e natural, dado que se é o próprio sujeito passivo a admitir o seu erro, será mais que previsível e sem necessidade de recorrer a artes divinatórias, para intuitivamente concluir que a própria Administração lhe irá dar razão, tendencialmente sem obstar. O artigo 132.º, quanto à impugnação em caso de retenção na fonte, tenderá aplicar-se a situações em que o substituto tributário, que retém o imposto do substituído, entrega de forma errónea ao Fisco, maior quantia do que a que reteve, caso em que o artigo prevê previamente ao recurso a tribunal, a reclamação graciosa com o pedido de reembolso da quantia em excesso entregue. Finalmente, o artigo 133.º CPPT, referente à impugnação em caso de pagamento por conta, refere a susceptibilidade de impugnação do mesmo com fundamento em erro sobre os pressupostos da sua existência ou do seu quantitativo (n.º1) que requer prévia reclamação graciosa para o órgão periférico local da administração tributária competente (n.º2) (assinalando-se a crítica feita por inúmeros autores, por todos, ANA PAULA DOURADO, quanto à redacção confusa e deficiente do n.º1 do preceito, cuja conclusão da necessidade de reclamação graciosa se consegue apenas retirar da leitura do n.º2 do artigo).

Remeta-se ainda, e numa fase primeva, para a questão análoga no contencioso tributário, acerca da definitividade dos actos tributários, artigo 60.ºCPPT, (outro) pressuposto de recorribilidade do acto tributário: a definitividade material – para assumir que os actos de natureza tributária que fixam direitos dos contribuintes são, efectiva e defintivamente, definidores de situações jurídicas. E, como tal, reunidos que estejam os requisitos de definitividade horizontal e vertical (artigo 54.º CPPT), estes actos podem ser impugnados contenciosamente. O artigo 54.º CPPT (“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”) consagra assim o Princípio da Impugnação unitária no contencioso tributário, pois que só haverá impugnação contenciosa do acto final do

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procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres. Nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de um tributo, a esfera jurídica dos interessados apenas é atingida por esse acto, e por isso, em regra, será ele, e apenas ele, o acto lesivo e contenciosamente impugnável: o acto impugnável será aquele que põe termo ao procedimento (salvo as excepções que o próprio artigo reconhece, a título excepcional e na medida em que seja imediatamente lesivo, ou perante previsão legal expressa, vg os artigos 86.º1 da LGT e 63.º7 e 10 CPPT). No confronto, e como é conhecido neste ponto da matéria, o CPTA, sobre esta matéria no seu artigo 51.º fixa o conceito de acto impugnável. Apelando ao conceito de acto destacável e ao critério da lesividade do acto, na base do princípio da impugnação unitária do contencioso tributário, o seu “primo” contencioso administrativo vai mais longe na noção de acto administrativo impugnável, como é testemunho a Exposiçao de Motivos do CPTA em que “deixa de se prever a definitividade como um requisito geral de impugnabilidade, não se exigindo que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental ou no exercício de uma competência exclusiva para poder ser impugnado”, afastando “definitivamente a definitividade horizontal” da noção de acto impugnável (na nossa expressão). Decisiva será para o CPTA a eficácia externa dos seus efeitos (“…a produção de efeitos externos, independentemente da respectiva eficácia”, na lição de VIEIRA DE ANDRADE).

Criticamente, e admitindo a especificidade do direito tributário e respectivo direito adjectivo, o CPPT, sem embargo das soluções inovadoras e mais conformes à Constituição do que o bloco legal que anteriormente regia o contencioso administrativo, obriga-nos numa análise mais atenta a concluir que perdeu agora terreno face ao CPTA, impondo-se uma mudança neste aspecto do regime (até porque a prática jurisprudencial em torno deste princípio de impugnação unitária tem-se revelado mais restritiva do que a própria norma!). No que toca também ao que nos propusemos expôr neste “post”, a definitividade vertical não é tratada em qualquer dos artigos, 54.º e 60.º CPPT, ou seja, da necessidade de que o acto tenha sido praticado pelo ocupante do patamar último da escala hierárquica para que

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possa dele ser deduzida impugnação contenciosa. Sem embargo, será de retirar do regime do recurso hierárquico, (maximedos artigos 67.º1 CPPT e 80.º LGT), a par do regime da reclamação graciosa, (artigos 68.º a 67.º CPPT), que a impugnação administrativa dos actos tributários lato sensu é desnecessária, via de regra, para efeitos da sua impugnação contenciosa. Veja-se, e como já amplamente expostosupra, que os artigos 131.º a 134.º CPPT consagram na legislação processual tributária excepções, casos em que a impugnação administrativa prévia é requisito de recorribilidade judicial. Haverá que caracterizar o direito adjectivo (Direito Fiscal) e a sua exponencial privatização (transferência das tarefas declarativas e liquidatórias para o contribuinte, maxime a auto-liquidação, na lição de Direito Fiscal da Prof. ANA PAULA DOURADO), como responsáveis por esta excepcionação, justificando esta “administrativização” das decisões procedimentais, momento em que a Administração é convocada a decidir, e a partir do qual o contribuinte poderá assacar-lhe responsabilidade na sede judicial própria.

Dos artigos 51.º e 59.º, n.ºs 4 e 5 do CPTA decorre a regra da desnecessidade da impugnação administrativa prévia, estudado o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA. Porém, clarifica o co-autor da reforma, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, o CPTA não tem “o alcance de revogar as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias”, no que passa cartão vermelho a Doutrina de VASCO PEREIRA DA SILVA.

O artigo 59.º, n.º 4 do CPTA estabelece que a “utilização de meios de impuganção administrativa suspende o prazo de impuganção contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal”, o que leva PAULO OTERO a usar a expressão “impugnação recomendável”. No contencioso tributário, tal efeito suspensivo apenas se verificará, no âmbito do recurso hierárquico, quando atribuído por lei, e no âmbito da reclamação graciosa,“quando for prestada garantia adequada (…), a requerimento do contribuinte a apresentar com a petição, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo órgão periférico local competente”, artigo 69.º al. f) CPPT, o mesmo se diga quanto à reclamação genérica, artigo 66.º da Lei Geral Tributária.

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Bibliografia

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SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª edição, Almedina, 2009