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História Mestrado em História e Património O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro memórias e percursos Nuno Gonçalo Rebelo da Paula 2016-2018 [ESTA PÁGINA APENAS SERÁ INCLUÍDA NA VERSÃO DEFINITIVA E PARA O FORMATO ELETRÓNICO]

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Page 1: O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro memórias e ...Anexo IV – Convocatória da Irmandade para as comemorações do IV Centenário do falecimento de Santa Joana-----177-178 Anexo

História

Mestrado em História e Património

O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro – memórias e percursos Nuno Gonçalo Rebelo da Paula

2016-2018

[ESTA PÁGINA APENAS SERÁ

INCLUÍDA NA VERSÃO DEFINITIVA

E PARA O FORMATO ELETRÓNICO]

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Nuno Gonçalo Rebelo da Paula

O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro – memórias e percursos

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em História e Património, orientada pelo(a)

Professor Doutor Luís Carlos Ferreira Correia do Amaral

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

setembro de 2018

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[ESTA PÁGINA SÓ SERÁ INCLUÍDA NA VERSÃO DEFINITIVA]

O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro – memórias e

percursos

Nuno Gonçalo Rebelo da Paula

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em História e Património, orientada pelo

Professor Doutor Luís Carlos Ferreira Correia do Amaral

Membros do Júri

Professor Doutor ….

Faculdade …. - Universidade ...

Professor Doutor ….

Faculdade …. - Universidade …

Professor Doutor ….

Faculdade …. - Universidade ...

Classificação obtida: …. valores

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Sumário

Declaração de honra ......................................................................................................... 9

Agradecimentos .............................................................................................................. 10

Resumo ........................................................................................................................... 11

Abstract ........................................................................................................................... 12

Índice de ilustrações ....................................................................................................... 13

Índice de tabelas (ou de quadros)] .................................................................................. 16

Introdução ....................................................................................................................... 17

1. Fontes informativas sobre Santa Joana Princesa---------------------------------19-31

1.1 Breve nota biográfica……………………………………………………….19-21 1.2 A fonte informativa para uma biografia ou hagiografia joaninas: o Memorial.------21-31

2. Da memória ao culto à Infanta em Aveiro----------------------------------------31-62

2.1 Pela comunidade do Mosteiro de Jesus e pela Ordem dos Pregadores-------31-39

2.2 Pela Casa Ducal de Aveiro----------------------------------------------------------39-41

2.3 Pela Diocese de Aveiro e pelos seus bispos (1.ª fase: 1774-1882; 2.ª fase: desde

1938)--------------------------------------------------------------------------------------------42-62

2.3.1 Santa Joana Princesa e a Diocese de Aveiro-------------------------------------42-43

2.3.2 A Bem-aventurada Joana de Portugal e os Bispos de Aveiro----------------------43

2.3.2.1 D. António Freire Gameiro de Sousa (1727-†1774-+1799)--------------------43-45

2.3.2.2 D. António José Cordeiro (1750-†1801-+1813)---------------------------------45-47

2.3.2.3 D. João Evangelista de Lima Vidal (1874-1938/†1940-+1958)---------------48-51

2.3.2.4 D. Domingos da Apresentação Fernandes (1895-†1958-+1962)--------------52-53

2.3.2.5 D. Manuel de Almeida Trindade (1918-†1962-1988-+2006)------------------54-59

2.3.2.6 D. António Baltasar Marcelino (1930-†1988-+2013)---------------------------59-61

2.3.2.7 D. António Francisco dos Santos (1948-†2006-+2017)----------------------------62

2.3.2.8 D. António Manuel Moiteiro Ramos (1956-†2014)---------------------------------62

3. Pela (Real) Irmandade de Santa Joana Princesa (desde 1877 até 2005)-----62-112

3.1 As Irmandades na Igreja: história, regulativos e realidade---------------------62-65

3.2 A Real Irmandade de Santa Joana Princesa---------------------------------------65-75

3.3 Espaços de culto da Irmandade de Santa Joana Princesa-----------------------76-78

3.3.1 Igreja de Jesus----------------------------------------------------------------------------79

3.3.2 Sacristia da Igreja de Jesus------------------------------------------------------------- 80

3.3.3 Túmulo-------------------------------------------------------------------------------------80

3.4 Alfaias do antigo Mosteiro e da Irmandade-------------------------------------------81

3.5 Estatutos fundacionais (1877)------------------------------------------------------95-97

3.6 Os segundos Estatutos (1925)-----------------------------------------------------98-100

3.7 Os terceiros Estatutos (1943)----------------------------------------------------100-103

3.8 Os atuais Estatutos (1991)-------------------------------------------------------103-105

3.9 Atualidade--------------------------------------------------------------------------105-106

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3.10 Formalidades não escritas--------------------------------------------------------107-108

3.11 Os graus juvenis da Irmandade--------------------------------------------------108-112

4. Pela autarquia----------------------------------------------------------------------112-114

5. Instrumentos normativos-------------------------------------------------------- 114-124

5.1 Os processos de beatificação e canonização-----------------------------------114-116

5.2 A bula de Beatificação (1693)---------------------------------------------------116-120

5.3 O processo canónico na atualidade---------------------------------------------120-124

6. Na memória e na identidade de Aveiro, na prática dos crentes-------------124-144

6.1 O culto na expressão artística---------------------------------------------------------124

6.2 O culto das relíquias--------------------------------------------------------------124-125

6.3 O culto externo: o caso da Procissão de Santa Joana – única no país pela sua

realidade antropológica, etnográfica e expressão pública da veneração------------125-144

7. Santa Joana Princesa na memória contemporânea de Aveiro---------------144-147

8. Santa Joana Princesa na identidade de Aveiro--------------------------------147-152

9. Culto a Santa Joana em Aveiro: realidade patrimonial imaterial?---------153-155

Conclusão ..................................................................................................................... 156

Referências bibliográficas ..................................................................................... 157-161

Anexo I - Fiel narração da tresladação Santa Joana Princesa e mais sucessos

antecedentes - José Pereira Baião em Portugal Glorioso e Illustrado--------------167-172

Anexo II - Sessão de 5 de março de 1874----------------------------------------------173-175

Anexo III – Carta do Bispo-conde de Coimbra à Irmandade------------------------------176

Anexo IV – Convocatória da Irmandade para as comemorações do IV Centenário do

falecimento de Santa Joana---------------------------------------------------------------177-178

Anexo V – Programma da grande solemnidade religiosa que ha de ter logar em Aveiro

nos dias 17 e 18 de Maio proximo em honra de Santa Joanna Princeza-----------179-180

Anexo VI – Quarto Centenario da morte da Princeza Santa Joanna--------------------181

Anexo VII – Carta de D. Domingos da Apresentação Fernandes-------------------182-183

Anexo VIII – Programa comemorativo de 1952--------------------------------------------184

Anexo X – Programa comemorativo de 1965------------------------------------------185-186

Anexo XI – Instrumentos litúrgicos após Declaração do Padroado----------------------187

Anexo XII – Criação da Paróquia de Santa Joana-------------------------------------188-189

Anexo XIII – A Igreja paroquial de Santa Joana--------------------------------------190-191

Anexo XIV: A criação da Freguesia de Santa Joana----------------------------------------192

Anexo XV – Receitas e despesas do culto entre 1985 e 1988------------------------193-194

Anexo XVI – Documento de doação da Estátua de Santa Joana--------------------------195 Anexo XVII – Programa comemorativo dos 500 anos do nascimento de D.ª Joana-------------196-197

Anexo XVIII – Documento da Diocese de Aveiro------------------------------------198-199

Anexo XIX – Tábua informativa das Festividades entre 1890 e 2005--------------200-204

Anexo XX – Os artigos dos Estatutos de 1877-----------------------------------------205-209

Anexo XXI – Os artigos dos Estatutos de 1925----------------------------------------210-213

Anexo XXIII – Os artigos dos Estatutos de 1991--------------------------------------214-215

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Declaração de honra

Declaro que a presente dissertação O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro –

memórias e percursos é de minha autoria e não foi utilizado previamente noutro curso

ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores

(afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e

encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo

com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-

plágio constitui um ilícito académico.

Aveiro, 30 de setembro de 2018

Nuno Gonçalo Rebelo da Paula

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Agradecimentos

Este trabalho tem uma palavra de sentido agradecimento ao Professor Doutor Luís

Carlos Correia Ferreira do Amaral que, com a maior compreensão nas

contingências do tempo e das distâncias, acudiu prontamente às dúvidas e lacunas

com recomendações sempre oportunas e o estímulo bastante para se chegar ao

momento presente.

A todas as instituições e pessoas que concederam documentação, sugestões e

pormenores, regista-se igualmente a nossa gratidão.

É devido um agradecimento aos Aveirenses, em todas as suas classificações sociais,

que há mais de meio milénio mantém acesa, diante da memória da Infanta D.ª

Joana, a chama do seu agradecimento e da sua devoção, sendo a matéria deste

trabalho.

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Resumo

Num dilatado período de tempo, entre 1490 e os nossos dias, Aveiro tem dedicado

culto religioso a uma Infanta que viveu num pequeno mosteiro com grande humildade e

espírito de serviço e ali faleceu. Imediatamente, não só as religiosas como a população

iniciaram uma espontânea devoção à filha do Rei D. Afonso V.

Ora, neste lastro de tempo, é longa a narrativa sobre o culto a D.ª Joana.

Poderíamos optar por uma narrativa contínua, sem reflexões de grande dimensão ou

tentativas de compreensão da intensidade de culto. Pelo contrário, tentámos

compreender os agentes divulgadores desse mesmo culto e as expressões que ele tomou

ao longo dos tempos.

No entanto, registemos que este nosso trabalho é um somatório de informações

de diversas proveniências, por forma a encontrarmos no culto à Bem-aventurada Joana

de Portugal em Aveiro uma realidade com vários matizes e não apenas um foco que

registasse ano por ano essa devoção.

É nosso objetivo que este trabalho contribua, tanto quanto possível, para a

compreensão da importância da presença e do culto à Infanta D.ª Joana na identidade

local, quer na sua dimensão material e patrimonial quer humana.

Palavras-chave: Santa Joana Princesa, Aveiro, culto, identidade, património

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Abstract

In a long period of time, between 1490 and today, Aveiro has dedicated religious

worship to an “Infanta” who lived in a small monastery with great humility and spirit

of service and died there. Immediately, not only the religious women and the population

began a spontaneous devotion to the daughter of King D. Afonso V.

Now, in this ballast of time, there is a long narrative about the cult of “Infanta

Joana”. We could choose a continuous narrative, without large reflections or attempts

to understand the intensity of worship. On the contrary, we have tried to understand the

agents of this cult and the expressions he has taken over the ages.

However, let us note that this work of ours is a summation of information from

various sources, so that we find in the cult of Blessed Joan of Portugal in Aveiro a

reality with many nuances and not only a focus that yearly records this devotion.

It is our objective that this work contributes, as much as possible, to the understanding

of the importance of the presence and worship of the “Infanta Joana” in the local

identity, both in its material and patrimonial dimension and in the human dimension.

Keywords: Saint Joana Princess, Aveiro, religious cult, identity, heritage

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Índice de ilustrações

Túmulo da Bem-aventurada Joana de Portugal-----------------------------------------------83

Cofre-relicário com hábito e correia------------------------------------------------------------85

Relicário com madeixa de cabelo---------------------------------------------------------------85

Tábua quinhentista representando a Infanta---------------------------------------------------87

Imagem da Igreja de Jesus-----------------------------------------------------------------------88

Imagem processional da Bem-aventurada Joana--------------------------------------------127

Resplendor de imagem--------------------------------------------------------------------------128

Coroa de espinhos-------------------------------------------------------------------------------128

Vestido da imagem------------------------------------------------------------------------------128

Punhos da imagem-------------------------------------------------------------------------------129

Escapulário da imagem-------------------------------------------------------------------------129

Faixa da imagem---------------------------------------------------------------------------------130

Sapatos da imagem------------------------------------------------------------------------------130

Capa da imagem---------------------------------------------------------------------------------130

Véu da imagem----------------------------------------------------------------------------------131

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Vestido interior----------------------------------------------------------------------------------131

Meias da imagem--------------------------------------------------------------------------------131

Crucifixo da imagem----------------------------------------------------------------------------132

Imagem processional de São Domingos------------------------------------------------------133

Estrela de prata e quartzo hialino a simular estigma----------------------------------------133

Resplendor de imagem--------------------------------------------------------------------------134

Vara de duplo travessão com cruz e açucena------------------------------------------------134

Vestido de imagem------------------------------------------------------------------------------134

Mangas da imagem------------------------------------------------------------------------------135

Punhos da imagem-------------------------------------------------------------------------------135

Escapulário da imagem-------------------------------------------------------------------------136

Faixa da imagem---------------------------------------------------------------------------------136

Capuz da imagem--------------------------------------------------------------------------------136

Manto da imagem--------------------------------------------------------------------------------137

Remate de estandarte----------------------------------------------------------------------------138

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Estandarte-----------------------------------------------------------------------------------------138

Pormenor do estandarte-------------------------------------------------------------------------139

Ciriais---------------------------------------------------------------------------------------------139

Lavanda e gomil de água às mãos-------------------------------------------------------------139

Turíbulos------------------------------------------------------------------------------------------140

Navetas--------------------------------------------------------------------------------------------141

Santo Lenho--------------------------------------------------------------------------------------141

Custódia-------------------------------------------------------------------------------------------142

Umbela--------------------------------------------------------------------------------------------142

Vasos processionais-----------------------------------------------------------------------------143

Insígnias de Irmão de Santa Joana------------------------------------------------------------144

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Índice de tabelas e quadros

Tabelas

Tabela dos processos canónicos-------------------------------------------------------------35-36

Graus juvenis da Irmandade--------------------------------------------------------------109-110

Tábua dos instrumentos canónicos e civis do culto-----------------------------------121-123

Genealogia da santidade na monarquia portuguesa-----------------------------------------162

Tabela de dados do mapa de culto a Santa Joana por concelhos em 2018---------164-165

Tabela de receitas e despesas entre 1985 e 1988---------------------------------------193-194

Tábua informativa das Festividades entre 1890 e 2005-------------------------------200-204

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Introdução

O presente trabalho não constitui a apresentação de interrogações, estudos,

formulações e a apresentação de uma conclusão sobre um determinado problema. Parte,

sim, de uma realidade existente num território, que conheceu diversos matizes e

dimensões, ao mesmo tempo que se sedimentava no tempo por diversos agentes.

O conteúdo das próximas páginas expõe da maneira mais sistemática, mas

também abrangente e rigorosa, tanto quanto possível, o culto que se presta à Infanta D.ª

Joana de Portugal, vulgarmente conhecida por Santa Joana Princesa. De facto, não é

ainda canonizada e na sua curta vida de 38 anos, apenas em dois deles susteve a coroa

de princesa. Era, sem dúvida, Joana e foi precisamente o retirar de tudo quanto era

passageiro, motivo de desentendimento ou soberba aos seus dias que a terá feito

escolher Aveiro como o seu destino. Foi onde viveu dezoito anos, de forma humilde e

sinceramente religiosa, embora sem ter cumprido votos solenes, por razões políticas e

de saúde. Num mosteiro pobre e rigoroso, foi uma como as demais, sem deixar, porém,

as suas responsabilidades, sempre que o dever do sangue a chamava.

Ao longo de mais de meio milénio muito se escreveu, falou e rezou à Bem-

aventurada Infanta D.ª Joana. O nosso objetivo foi precisamente reunir todos os

elementos possíveis e exequíveis de serem tratados num trabalho de dissertação, do

ponto de vida normativo, artístico, pastoral, político e social sob a unidade de um culto

que se presta em Aveiro. Na verdade, não foi a Vila ou Cidade quem escolheu Santa

Joana, mas sim o contrário, o que talvez justifica a densidade da impressão da Infanta na

identidade aveirense.

O filão lógico destas páginas é o entendimento que temos de existir, no caso

presente, uma transmutação; isto é, na medida em que a Infanta exerceu em Aveiro

grande influência e constitui, ainda hoje a sua maior referência, nos dias em que

conviveu com as Irmãs e, embora indiretamente com a povoação, tomou as suas

preocupações e foi uma entre os demais. O seu irmão, D. João II, concedeu-lhe o

senhorio de Aveiro. A população suspendeu a auréola da santidade na madrugada da sua

morte. A Igreja reconheceu a sua bem-aventurada. Artistas, músicos, sacerdotes e

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historiadores encontraram nela matéria bastante para constituir motivo de inspiração,

estudo e oração a cujos registos agora nos aproximamos. É essa transmissão pelos

tempos fora que pretendemos avaliar, na consciência de que não trazemos novidades

surpreendentes sobre a Infanta D.ª Joana, mas não deixamos de ter presente no nosso

espírito, ao iniciar este trabalho, o volume imenso em matéria e em espécie que sobre

ela existe.

Congregar, refletir e, por fim, demonstrar são os simples meios e objetivo deste

trabalho para maior conhecimento da Bem-aventurada Infanta Joana de Portugal no

culto que se manifesta em Aveiro.

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1. Fontes informativas sobre Santa Joana Princesa

1.1. Breve nota biográfica

Qualquer personalidade deverá ser vista no seu tempo e lugar: só assim

compreendemos os traços gerais de personalidade que se evidenciam em determinado

momento, bem como a reação que os contemporâneos manifestaram perante as suas

atitudes, sejam elas de âmbito meramente pessoal ou de alcance político.

A Infanta D.ª Joana1 nasceu a 6 de fevereiro de 1452, no Paço da Alcáçova,

sendo filha de D. Afonso V e de sua mulher, D. Isabel de Coimbra ou de Lencastre. D.

João II veio ao mundo em 1455 e foi jurado herdeiro do trono. A Infanta – que o povo

continuara a chamar Princesa – acabaria por desempenhar uma função quase maternal

junto do Príncipe Perfeito, aquilatando os acessos mais despóticos e violentos do jovem

herdeiro. Apesar do que Rui de Pina – fiel moço de escrivaninha de D. João II

promovido a cronista – escreveu sobre a Infanta (que a sua vida religiosa se devera a

grandes despesas de sua casa), certo é que, pelo alto siso demonstrado pela filha, D.

Afonso V transferiu para ela o que a sua mãe pertencera: o lugar feminino de

proeminência na corte, o governo do antigo Paço da Rainha2, o legado de joias maternas

e até o selo de chancela para autenticação de documentos. Apesar da juventude ligada a

responsabilidades sociais e da aura de temperança e conselho que desenvolveu junto do

pai e do irmão, D.ª Joana, não abandonou os serões cortesãos e os encargos adstritos à

filha de um Rei. Desde muito cedo se dedicou a rigorosas práticas ascéticas, de

penitência e assistência, no maior segredo que lhe era possível. A Infanta anunciou

firmemente a escolha da vida religiosa, manifestando-a após a chegada do pai das

tomadas de África, período durante o qual exerceu, de facto, a regência do reino3. Ante

a dignidade, eloquência e noção de irrevogabilidade da sua decisão, D. Afonso V

acedeu ao pedido da filha. D.ª Joana permaneceu algum tempo entre as religiosas de

1 Vide, para o conjunto da biografia da Infanta, GASPAR, João Gonçalves – A princesa Santa Joana e a

sua época, 1452-1490. 3ª ed. revista. Aveiro: Câmara Municipal de Aveiro, 2012. Pp.37-279. 2 Cf. MORENO, Humberto Baquero e Isabel Vaz de Freitas – A corte de D. Afonso V: o tempo e os

homens. Gijón: Ediciones Trea, 2006. 3 Cf. GOMES, Saúl António – D. Afonso V. Mem Martins: Círculo de Leitores, 2006. Pp. 97-101.

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Odivelas, solicitando que se seguisse marcha para Norte, até chegar ao destino por ela

pretendido. Ei-los em Coimbra: haveria melhor paradeiro para a Infanta exercer piedade

e oração, consentâneos com o seu real estado, que na casa fundada pela Rainha Santa

Isabel, sua antepassada? Santa Clara, porém, não lhe agradou e novamente pediu que se

prosseguisse caminho: este terminaria na pobre Vila de Aveiro, onde florescia um

Mosteiro de rigoroso preceito religioso: o das Dominicanas de Jesus. Era ali a sua

Tebaida, terra que mais parecia lugar de desterro que de gente, no dizer do Príncipe

herdeiro. Para D.ª Joana constituía a minha Lisboa, a pequena.

Parece-nos que fica, assim, por terra o argumento de Rui de Pina, segundo o qual

a decisão de D. Afonso V em fechar a casa da Infanta fora tomada para restringir

despesas e para evitar qualquer escândalo ou difamação que pudesse acontecer em sua

casa. O monarca desejava, porém, que a sua filha não vivesse num ambiente duvidoso,

no meio de tantas damas, donzelas e oficiais.

Permaneceu a Infanta dezoito anos na vila à beira-Ria, intervalados com

obrigatórias saídas devido à peste que grassava no povoado. Estando o mal debelado ou

pelo menos mais distante, regressava a real senhora para o humilde cenóbio. A saúde e

as razões de Estado, sempre fortes e como alto preço a pagar por uma liberdade

condicionada, não permitiram que a Infanta professasse solenemente. Efetuou votos

simples, mas, pela humildade e naturalidade com que realizava as tarefas quotidianas –

mais até que pela imposição da sua condição num restrito grupo de religiosas e proto

religiosas – D.ª Joana exerceu, entre elas, um ajuizado e espiritualmente muito rico

ascendente no conselho pessoal e dotação material e espiritual. Nunca desempenhou

qualquer função diretiva no Mosteiro, nem sequer nele vivia propriamente, mas numas

casas anexas que lhe permitiam, querendo, participar nos atos de culto. Neles tomava

parte sempre e com notável devoção e abnegação: sentada no último lugar no coro,

reservado às noviças. Nas lides da comunidade, o seu nome Soror Iffante surgia

igualmente no último lugar e na obrigação dos serviços mais simples. A contradição

entre a grandeza da personalidade – a maior que até então em Aveiro residiu – e a

simplicidade da vida orante permitem-nos considerar que logo aquela comunidade

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religiosa tomou a Infanta como seu património, isto é, enquanto mais-valia do Mosteiro

e da própria Vila junto das necessidades mais prementes da casa e de Aveiro.

Enfermiça e sempre com os horizontes temporais colocados para o Além, a filha

de D. Afonso V faleceu com fama de santidade na madrugada de 12 de maio de 1490,

sozinha entre as Irmãs e os padres do convento dominicano vizinho. Em testamento, as

propriedades e seus bens pessoais legou ao sobrinho D. Jorge, filho ilegítimo de D. João

II, criado pela tia em Aveiro, e aos seus próximos, e tendo concedido já anteriormente

em documento a liberdade aos escravos ao seu serviço, fez do Mosteiro de Jesus seu

herdeiro espiritual. O próprio Rui de Pina, quando refere a morte da Princesa, escreveu:

Foi depois mudada para o Mosteiro de Jesus, de Aveiro, onde, sem casar, com o

nome de honesta e mui virtuosa, acabou sua vida.

1.2 A fonte informativa para uma biografia ou hagiografia joaninas: o

Memorial

Conserva-se no antigo Mosteiro de Jesus um códice onde se encontram num só

volume Crónica da Fundação do Mosteiro de Jesus, de Aveiro e Memorial da Infanta

Santa Joana Filha del Rei Dom Afonso V.

Não é este o espaço para a análise interna dos dois documentos, mas não

deixaremos de referir os aspetos considerados respeitantes à figura da Infanta D.ª Joana.

Primeiramente relembremos que, aos nossos dias apresentaram-se apenas duas

edições com a sua transcrição, por António Gomes da Rocha Madahil, em 19394, e pelo

4 In Crónica da Fundação do Mosteiro de Jesus, de Aveiro, e Memorial da Infanta Dona Joana Filha Del

Rei Dom Afonso V – leitura, revisão e prefácio António Gomes da Rocha Madahil. Aveiro, 1939. Pp. IX-

XXXIX. Socorremo-nos de Madahil para apurar as características exógenas do manuscrito.

Tal como chegou aos nossos dias”, o códice é constituído por 161 folhas de pergaminho “da

terra”, grosseiramente preparado, agrupadas em “cadernos”: os 6 primeiros, de 4 fls. duplas; os 6

seguintes, de 5; os cadernos XIII e XIV de 4; o XV, de 5; o XVI, de 4; o XVII tem apenas I fl.; o XVIII, 4;

o XIX tem 5; e há ainda, a seguir, I fl. simples. No século XVIII apensaram aos cadernos de pergaminho

22 folhas complementares de papel onde ficaram registados sucessos subsequentes. Há ainda mais três

de papel igual, em branco.

“Chamadas” de caderno para caderno, unicamente; a numeração deles, à cabeça da 1.ª folha

de cada um, e com algarismos romanos, vai até o caderno IX, faltando daí em diante.

No canto inferior direito, rosto, a primeira folha de cada caderno foi marcada com “assinatura”; por

excepção, o 1.º caderno está “assinado” nas quatro primeiras folhas: a, a ii, … a iiij. […]

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22

Pe. Dr. Domingos Maurício Gomes dos Santos, em 19635, no âmbito dos seus estudos

sobre o Mosteiro de Jesus. Tem sido amplamente divulgada a primeira página da

Crónica e do Memorial, e foram diversos os trabalhos que se debruçaram sobre a

autoria de um e outro ou de ambos, consoante as conclusões dos seus autores6. Carece-

se, no entanto, de um estudo aprofundado dos dois manuscritos, quer do ponto de vista

paleográfico e baquigráfico, quer do despiste para as autorias que se lhe(s) atribuem e

respetivo enquadramento na produção cronística conventual e na hagiografia

portuguesa. De facto, no que ao Memorial diz respeito, há mais de quinhentos anos que

a sua matéria vem sendo fonte de informação ora para fins históricos, literários ou

artísticos ora com claros objetivos hagiográficos ou pastorais. Os pergaminhos

Medem as folhas, actualmente 297 x 209 mm em consequência da 2.ª encadernação, que destruiu, com o

novo corte, parte da primitiva numeração; pelo que resta dela podemos ainda verificar que era de

algarismos árabes, como veio a ser a que actualmente se conserva.

A segunda numeração revela-nos que a primitiva folha 45 foi arrancada; para diante verificam-

se várias outras mutilações, não podendo determinar-se a época em que foram praticadas; como no texto

se não notam faltas, é de crer que as folhas cortadas fossem brancas.

Até à fl. 43, a numeração actual acompanha a primitiva, que se distingue ainda a a par dela.

Da fl. 45 em diante verificam-se diferenças: a actual 45 era antigamente a 46, continuando essa

proporção até à 110, que primitivamente era a 111.

A 113 actual foi 115, e assim por diante; mas já a 137 mostra ter sido 148, seguindo até à 143

com essa diferença.

A 153 foi outrora a 155, e com essa distância entre as duas numerações se alcança o final do

manuscrito.

De folha para folha o texto não apresenta “chamadas” nem “assinaturas”; a “mancha” foi

preparada regrando-se o pergaminho a tinta muito leve e marcando na lauda duas colunas de 205 x 70

mm; nas margens exteriores, por vezes, encontram-se ainda os picos do compasso, à distância de 6

milímetros uns dos outros, aproximadamente. Aproveitam-se ainda os dois lados de cada folha.

Cada coluna apresenta 34 linhas, em média, e é, muitas vezes, limitada por traços de tinta que chegam à

extremidade das folhas. A mancha total da página, incluindo o espaço que separa as duas colunas, mede

150 x 205 mm, com insignificantes diferenças. Resultam daí amplas margens, calibradas de harmonia

com os preceitos clássicos de proporção.

Não há “títulos correntes”.

Caligrafia gótica, já da decadência; capitais traçadas a vermelhão, algumas vezes sobre fundo

filigranado violeta. Mais raramente, em princípio de certos capítulos, grandes capitais a azul. Epígrafes

também a vermelhão, bem como “caldeirões”. Por todo o texto, maiúsculas tocadas de amarelo. 5 SANTOS, Maurício Gomes dos – O Mosteiro de Jesus de Aveiro: Companhia dos Diamantes de Angola

(Serviços Culturais), II/2 – 1967. Pp. 225-301 6 VERDELHO, Telmo – Revista da Universidade de Aveiro n.ºs 6,7,8 – Aveiro, 1989, 1990, 1991. A

memória das palavras e dos gestos no “Memorial da Infanta Dona Joana Filha Del Rei Dom Afonso V”.

Pp. 221-240. VERDELHO, Telmo – Revista da Universidade de Aveiro n.ºs 6,7,8 – Aveiro, 1989, 1990,

1991. Breve nota sobre a autoria Memorial da Infanta Dona Joana Filha e da Crónica da Fundação do

Mosteiro de Jesus. Pp. 241-264. SOBRAL, Cristina – A vida da Princesa Santa Joana de Portugal:

hipóteses de autoria. RLM, XXVII (2015) ESPÍRITO SANTO, Ana – Actas del IV Encuentro hispano-

suizo de filólogos noveles Universität Basel Suiza – 2005. Para una edición del Memorial da Infanta

Santa Joana.

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23

continuam, assim, a aguardar por mãos pacientes que o considerem e divulguem

contemporaneamente.

Em segundo lugar, e partilhando da ideia defendida por Paula Almeida Mendes7,

reproduzida adiante, vem pairando grande silêncio sobre a enorme produção

hagiográfica portuguesa entre Quinhentos e Oitocentos. As histórias da literatura,

antologias ou dicionários8 não lhe conferem importância de maior.

Não será despiciendo ainda recordar:

Em Portugal, a partir de finais do século XVI, o número de edições de “Vidas”,

não só de santos, como também devotas, foi conhecendo um significativo aumento. Esta

tendência acentua-se no século XVII, época em que se assiste a um relativo e, em

alguns momentos, muito significativo crescimento do número de obras produzidas, e

manter-se-á, com algumas oscilações, até cerca de meados do século XVIII. A partir

desse período, a edição de hagiografias e biografias devotas sofreu, efectivamente, uma

muito significativa redução, que poderá, talvez, ser explicada, não só pelo facto de os

jesuítas, grandes cultores e divulgadores destes textos exemplares, terem sido expulsos

do reino português, como também pela emergência de um racionalismo imbuído do

espírito das Luzes, inscrito num processo de secularização a que a Igreja católica

procurou responder com outro tipo de estratégias que, porém, ao longo do século XIX,

não ignoraram o poder da escrita de “Vidas” de santos ou exemplos de virtude.

Embora todos os indícios apontem para a redação do Memorial nos inícios da

centúria de Quinhentos sem o pretender, portanto, ele vai de encontro às diretrizes

apontadas pelo Concílio de Trento (1545-1563), segundo o qual o especto salvífico na

ótica católica não pode ser abrangido apenas por meio hagiográfico, mas igualmente

pela heroicidade e maravilhosismo, entenda-se, milagres, que os tempos futuros

incentivariam9. Portanto, a escrita da vida de quem se considerava santo residia na

glorificação da personagem, para edificação espiritual de quem com a sua vida tomasse

7 In MENDES, Paula Almeida –Entre a aprendizagem da santidade e a predestinação divina. Algumas

notas sobre a infância e a adolescência em “vidas” de religiosas portuguesas (séculos XVII-XVIII) in

Via Spiritus 19 (2012). Porto: CITICEM. Porto, 2012. Pp. 123-143. 8 Cf. SILVA, Maria João B. Marques da Silva – Vida da Infanta Santa Joana in Dicionário de Literatura

Medieval Galega e Portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993. Pp. 660-661. 9 Cf. URBANO, Carlota Miranda – A hagiografia depois de Trento in Concílio de Trento: inovar na

tradição. História, teologia, projeção. Alcalá de Henares. Universidad de Alcalá, 2006. Pp. 167-173.

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contacto, e igualmente com forma de sustentação e de comprovação da fama sanctitis da

veneranda pessoa. Assim, o Memorial joanino insere-se, no campo da santidade, na

codificação dos modelos dessa mesma comunhão plena com Deus e na redefinição

daquela pela Igreja católica pós-tridentina.

Atentemos, por fim, no conteúdo, autoria e datação.

No primeiro segmento diremos que quer a Crónica quer o Memorial constituem

a matéria duma preocupação explícita e implícita de salvaguardar a memória de uma

comunidade e, dentro desta, duma figura em particular. Se na generalidade poderemos

considerar que o primeiro documento se centra na Madre Brites Leitoa, fundadora do

Mosteiro de Jesus de Aveiro, e tem como objetivo o louvor daquilo que é digno de ser

glorificado num mortal e perpetuar na memória da comunidade religiosa o espírito que

lhe preside, o legado da Madre que deve ser prosseguido e aperfeiçoado e a fixação dos

aspetos identitários daquele grupo orante constituído em família, não de sangue mas de

fé. Já o Memorial encontra naturalmente todo o seu protagonismo na Infanta D.ª Joana,

identificando na descrição sequencial da sua vida um exemplo rumo à santidade de

estímulo para a comunidade e futuros leitores, salvaguardando a pobreza da pena que

escreve tão perfeita vida. Não nos detendo na questão das diferenças entre os dois textos

(estrutura, finalidades, fontes informativas que parecem informá-los, etc.), recordemos

que a autora não pretendeu escrever uma biografia, mas sim deixar por escrito, por

imperativo de consciência e para memória futura, a vida de alguém em cuja santidade

acredita. Por conseguinte, não se lhe exigirá a frieza na análise dos acontecimentos, mas

compreenda-se o espírito piedoso, a atitude crente e a redação beatifica da interpretação

dos factos no campo do maravilhoso. Defendemos, por fim, a complementaridade dos

dois textos: a Crónica antecede, prepara, regulamenta a vida religiosa dominicana em

Aveiro e desenha o arquétipo de monja como forma de vida perfeita, virtuosa e penhor

salvífico, pela pobreza, castidade, recolhimento e clausura, e o Memorial personifica

esse mesmo arquétipo, mesmo numa não-religiosa e figura real, o que lhe adensa a

heroicidade nas provações, a santidade no dia-a-dia partilhado e no padroado que exerce

sobre a comunidade religiosa e aveirense, explanado ao longo do texto.

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25

Quanto à autoria, introduzimos desde já palavras de Madahil10

:

Verifica-se grande uniformidade caligráfica em todo o códice, excluídas,

evidentemente, as continuações que pelos anos adiante lhe foram lançadas; no entanto,

algumas ligeiras variantes dão-nos o direito de pensar se não terá havido intervenção

de mais uma pessoa na sua escrita, logo após as primeiras folhas.

Mais adiante refere também:

A fl. 113 escreveu-se posteriormente o “Memorial das cousas santas que foram

da dita excellente princesa e muito virtuosa Senhora. ha Senhora Iffante dona Johana”;

a letra procura imitar a caligrafia própria do códice, mas reconhece-se logo que é

doutra mão e não muito mais recente; o facto não é destituído de importância porque se

tem invocado esta página para provar a antiguidade do documento.

E ainda:

O livro não está assinado e do texto não consta declaradamente quem o tenha

escrito; mas, socorrendo-nos dos elementos indirectos que por todo ele se encontram,

alguma coisa podemos concluir.

Assim, verifica-se que as narrativas pertencem a uma Religiosa do próprio

Mosteiro; contemporânea da Infanta, a cujo falecimento assistiu; efectivamente – a)

“referindo-se a S. Domingos, patrono da Ordem a que o Mosteiro pertencia, designa-o

por nosso padre sã domingos”; – b) falando da fundadora do convento, chama-lhe “ha

muy virtuosa nossa madre brytiz leytoa”. […] – e) à Infanta, a cada passo trata por a

Infante dona Johanna “nossa” Senhora.

E outros mais exemplos se encontram no texto, provando que se trata

seguramente de uma religiosa e contemporânea da Infanta na comunidade.

O historiador considerou que no Mosteiro seria conhecida a autoria das piedosas

e ingénuas narrativas, e o seu nome não seria de todo desconhecido da comunidade. O

anonimato por humildade e a assunção pessoal de um desígnio interior das dominicanas

de Aveiro – o perpetuar da vida da Infanta – poderão ser o justificativo imediato para a

autora escudar a sua identidade. Porém, prossegue ainda Madahil, registam-se a

admissão de três sobrinhas de Fr. João de Guimarães, Prior do Mosteiro masculino de

10

Ibidem n.º 4.

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Aveiro e que orientara os primeiros tempos da vida conventual das religiosas

dominicanas na vila. Escreveu-se no Memorial:

Ho ãno do Senhor de Myl quatrocenttos . sessenta e sete . lancarom ho avyto a

tres sobrinhas do padre frey Joham de Guimaraães . a saber . Margaarida pinheyra . E

a sua Irmãa Catherina pinheyra . E a Ynes eanes prima destas.

Ora sucede que, neste trecho do Memorial, sublinharam o nome de Margarida

Pinheira e escreveram na margem:

esta escreveo a vida da Princesa Sta

.

A cor da tinta e a caligrafia, no entanto, demonstram ser de lavra posterior ao

texto que anotaram. Desconhece-se, porém, quando se realizou tal anotação e por mão

de quem. Por outro lado, foca-se a autoria no Memorial, nada dizendo, no entanto, sobre

a Crónica. Outro elemento perturba mais ainda este registo. O nome sublinhado é o de

Margarida Pinheira; no entanto, a anotação foi escrita à margem das duas últimas linhas

do registo, principiando no alinhamento paralelo às palavras Catherina pinheyra,

originando, assim, nova hipótese de autoria.

Antes de elencar as possibilidades quanto à autoria do Memorial, registemos a

expressão esta escreveo a vida da Princesa Sta

, a qual poderá indicar tanto a pessoa que

o redigiu, de facto, como a pessoa que o copiou, na sua função de escriba.

Na sua introdução, Madahil refere George Cardoso e o seu Agiologio, com

impressão de 1666, e atribui a narrativa a Catarina Pinheiro, não justificando, porém, a

sua opção. E é este o primeiro autor que aborda o problema da autoria. Daniel

Paperbrochio, em obra dedicada à Infanta, saída do prelo em 1679, não aceitou a

atribuição que treze anos antes fora dada ao Memorial e defende Margarida Pinheiro,

cruzando datas e narrativas da vida da Infanta e nas quais a narradora estivera presente.

E durante mais de duzentos e cinquenta anos a autoria não foi ponto de discussão

quando ao texto se referia qualquer hagiológico. Só em 1879 o aveirense Marques

Gomes, num esboço biográfico da Infanta D.ª Joana, atribui o Memorial a Bernarda

Pinheiro, mudando de opinião para Margarida Pinheiro em 1890, e terminando em

Catarina Pinheiro em 1910. Todavia, nenhuma das opções foi justificada. Mas se este

historiador contactou diretamente com a documentação existente no antigo Mosteiro de

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Jesus, já o mesmo não sucedeu com a francesa J. Belloc, em cuja biografia joanina de

1899 atribui a Margarida Pinheiro a lavra, crê Madahil apenas como reflexo de

informação alheia. E é esta a opinião do próprio historiador: ambos os códices são da

mesma pessoa, o estilo afigurava-se-lhe de uma só mão, confirmada pelo facto de a

autora, tratando do Mosteiro, se referir já à vida da Infanta scrypta sobre ssy brevemente

segundo he posto no cabo desta leenda. Margarida Pinheiro parece-lhe a religiosa que

escreveu o Memorial, e apresenta argumentos. Baseia-se não só no sublinhado já

referido, mas também no facto de nenhuma outra irmã privara tanto com a Infanta como

esta, uma vez que desempenhava funções de sua sacristã e criada.

Ana Espírito Santo11

, além de não considerar o códice como um todo, mas antes

narrativas distintas e independentes, até pelos espaços em branco que as medeiam,

também o índice que cada uma apresenta comprova tal independência. E estranha que a

autora espanhola se incline para tal opinião, porquanto diz, na sua análise, que, se se

está perante uma cópia, existiu um trabalho preparatório, pressupõe um conhecimento

prévio da obra a copiar, já que os capítulos foram marcados nos cadernos de

pergaminho. Os já referidos espaços em branco são justificados pela autora espanhola

como erros no tamanho do texto que se supunha ser copiado. Finalmente, refere Ana

Espírito Santo que não é de excluir uma mesma mão a realizar os dois trabalhos, embora

reconheça as distinções entre ambas. A identidade dessa mão, porém, a historiadora não

aborda.

O ano de 1990 foi particularmente relevante, naturalmente na sua dimensão

festiva e cultural, porquanto se completavam a 12 de maio os quinhentos anos do

passamento da Infanta D.ª Joana. A Universidade de Aveiro empreendeu, pois, jornadas

de estudos, onde, entre outros temas, se abordou o Memorial.

Telmo Verdelho12

considerou:

11

ESPÍRITO SANTO, Ana – Actas del IV Encuentro hispano-suizo de filólogos noveles Universität

Basel Suiza – 2005. Para una edición del Memorial da Infanta Santa Joana. 12

VERDELHO, Telmo – Revista da Universidade de Aveiro n.ºs 6,7,8 – Aveiro, 1989, 1990, 1991.

Breve nota sobre a autoria Memorial da Infanta Dona Joana Filha e da Crónica da Fundação do

Mosteiro de Jesus. Pp. 241-264.

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Rocha Madahil perdeu-se na floresta de testemunhos autorais e textuais. A

atribuição a Margarida Pinheiro parece-nos inaceitável porque é incompatível com a

informação do próprio texto. Catarina Pinheiro (1464-1528) irmã mais nova de

Margarida, é que foi provavelmente a recatada autora das piedosas narrativas

historiográficas. Mas a questão não pode transitar definitivamente em julgado. Uma

certa margem de mistério no respeitante à autoria continuará a fazer parte do encanto

desta “leenda” aveirense.

Ora, excluindo da autoria pela Madre Maria de Ataíde, superiora do Mosteiro

(que estaria mais ligada à sua fase fundacional e teria sobre ambas os documentos do

códice uma dimensão de mandato quanto à sua redação), Isabel Luís, última

sobrevivente do grupo das fundadoras do Mosteiro (que, ausentando-se de Aveiro a

partir de 1518, não presenciou alguns dos acontecimentos narrados e ocorridos

posteriormente a este ano) e Margarida Pinheiro (que exclui, por um lado, na medida em

que se narram com precisão os acontecimentos ocorridos no Mosteiro por Agosto de

1480, altura em que a religiosa e a Madre Maria de Ataíde estavam fora de Aveiro, não

podendo, pois, ter conhecimento pormenorizado do que ali sucedera naquele período em

que acompanharam a Infanta D.ª Joana, que saíra do cenóbio devido à peste que

grassava na vila. Além disso, se possuísse, segundo crê o autor, a categoria de Cronista,

não teria sido enviada para Setúbal, com setenta anos, para fundar a comunidade

dominicana local. Por outro lado, os seus afazeres litúrgicos, de sacristã da Infanta e

ensino de canto às noviças, não lhe deixaria nem tempo disponível para obras de tal

monta. Verdelho inclina-se claramente para Catarina Pinheiro, que viveu com as

fundadoras desde os três aos dezasseis anos de idade, tendo professando em 1480 e

acompanhado de perto toda a vivência da Infanta intramuros do Mosteiro. E se Madahil

atenta para o sublinhado a Margarida Pinheiro e a anotação sobre a autoria do Memorial

são tomadas como um todo, o autor considera que uma mão terá feito o sublinhado e

outra o registo.

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Se Ana Maria e Silva Machado13

não coloca o problema da autoria, mas se

ocupa essencialmente da finalidade do Memorial, já Cristina Sobral aponta Isabel Luís

como a religiosa a quem cabe a redação do texto. A defendê-la tem o facto de pertencer

ao grupo fundacional do Mosteiro, ao contrário de Margarida e de Catarina Pinheiro (é

digna de nota a utilização do nós no sermão pregado por Frei Pero Diaz, no início da

clausura, bem como mais adiante nas recomendações que nos dizia Frei João de

Guimarães). Além disso, e parece-nos curioso este pormenor, no louvor que realizado às

religiosas do Mosteiro, quanto mais não fosse o recorrente virtuosa, qualquer adjetivo

foi omitido aos nomes de Catarina Álvares e de Isabel Luís. E Cristina Sobral optou por

esta última uma vez que, quando se organizou a vida regular em 1465, já Isabel Luís

sabia ler e escrever, sendo-lhe entregues as funções formativas junto das noviças, sendo

ela, aliás, quem conduziu a tomada de hábito da Infanta. Mas já na Crónica, foi com

pormenor narrada a morte e sepultura da Madre Brites Leitoa, tendo sido precisamente

Isabel Luís quem acompanhou todos estes momentos, não existindo quer na Crónica

quer do Memorial indicação nenhuma sobre o destino dado a Isabel. Outro dado

importantíssimo é o facto de esta religiosa ter ocupado as funções de copista do

Mosteiro, o que a colocam, acima das demais Irmãs, na melhor posição para contacto

com documentos e disponibilidade de tempo para redação. Contrapõe-se, por isso a

Telmo Verdelho, no argumento respeitante saída de Isabel Luís do Mosteiro em 1518,

segundo este, justamente na altura em que a narrativa estaria a ser composta, bem

como o facto de não ter podido assistir a alguns episódios que são contados

pormenorizadamente e que a autora declara não presenciado. Para Cristina Sobral o

argumento não colhe, porquanto Telmo Verdelho não identifica um acontecimento

sequer em que Isabel Luís estivesse ausente e, segundo a autora, nem poderia indicá-lo,

já que a Crónica se detém em 1482 e o Memorial em 1490 e a religiosa apenas sai do

Mosteiro em 1518.

Parece-nos, no entanto, importante um dado, já pré-anunciado por Madahil.

Aquando do inquérito no primeiro processo para a beatificação da Infanta, foi

perguntado às religiosas sobre a autoridade e crédito do códice que existia no cartório

13

MACHADO, Ana Maria e Silva Machado, Revista da Universidade de Aveiro n.ºs 6,7,8 – Aveiro,

1989, 1990, 1991. Pp. 299-310.

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do Mosteiro. Todas elas afirmaram que não tinham conhecimento de crédito de quem

escrevera o livro visto que entre a época que ele fora escrito e a dos depoimentos

mediava cerca de um século e não existia qualquer documento referente ao livro.

Porém:

Todas as freiras que depuseram, disseram ser tradição que o livro tinha sido

escrito pela Madre Margarida Pinheiro e algumas até declaram que do próprio livro

constava ter sido esta freira que escrevera14

.

Considerando o clima ascético de culto da verdade, será de ter em alguma conta

o valor da tradição que as religiosas testemunham no seu depoimento.

Quanto à datação, informa Madahil:

O manuscrito não está datado; mas não me parece impossível fixar com grande

aproximação a época em que deve ter sido caligrafado; com esse problema se

relaciona outro, não apresentado ainda, que eu saiba: é o problema da originalidade

deste códice. Será ele o único que se escreveu, ou terá existido outro anterior?

Se Madahil baliza a datação do Memorial entre 1490 e 1525, tendo por

referência o último averbamento realizado à morte de uma religiosa dominicana de

Aveiro, a 7 de Outubro desse ano. Já Maria João Branco da Silva não crê na origem

quinhentista do documento e reduz substancialmente o período possível da sua datação,

colocada entre 1518 e 1525, sem, porém, a argumentar.

Já Telmo Verdelho considera Muito provavelmente a redacção do texto ocorreu

entre 1514 e 1520. Se Madahil definira a data 1490 antes da qual não poderia ter sido

composto o Memorial, o autor considerou no estudo de 1990 que o estudioso joanino

deixou passar uma informação essencial contida no próprio texto. A “composição”,

isto é, a redacção não poderia ter sido anterior a 1513. Com efeito, a p. 49 da

“Crónica” introduz-se uma prolepse narrativa que remete para acontecimentos

passados em 1513. E mais adiante refere que apenas quatro religiosas tinham assistido a

quase todos o período de fundação do Mosteiro e à permanência da Infanta em Aveiro e

14

NEVES, Francisco Ferreira Neves – Primeiro processo para a beatificação e canonização de Santa

Joana in Arquivo do Distrito de Aveiro, 1958, n.º 93. P. 11.

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foi sobre elas que recaíram as suas considerações, que acima reproduzimos, quanto à

autoria dos documentos do códice.

Já Cristina Sobral considera que o período plausível para produção é 1513-1525.

Segundo a investigadora, os cinco anos que medeiam entre 1513 e a saída da religiosa

que pressupõe ser autora (1518) seriam mais do que suficientes para a composição da

obra, particularmente se esta estivesse já a ser preparada, sendo que é conhecido com

segurança o ano de regresso de Isabel Luís a Aveiro, que poderá ter sucedido antes de

1525.

Posto isto, muito gostaríamos de indicar ano preciso e autor reconhecido, pelo

menos, do Memorial, no qual há mais de meio milénio certamente tantos autores

recolhem informações com objetivos biográficos, hagiográficos, pastorais, panegíricos,

musicais, romancistas, poéticos, teatrais, políticos, panfletários, etc.. Ele constitui, na

verdade, a base da informação joanina, não obstante dados incidentais das crónicas de

seu pai e seu irmão e da documentação existente da própria Infanta ou sobre ela

referente. Enquanto, porém, não existir um rigoroso exame aos pergaminhos utilizados

no códice, a paleografia não se ocupar do conteúdo ali existente, e se não recompuser

todo o edifício humano do Mosteiro de Jesus, não chegaremos – se isso é possível – a

uma data e a um nome. Deixámos, no entanto, cremos nós, elementos suficientes para o

que até hoje se estudou sobre os assuntos.

2. Da memória ao culto à Infanta em Aveiro

2.1 Pela comunidade do Mosteiro de Jesus e pela Ordem dos Pregadores

Poderemos dizer com propriedade que o culto à Infanta D.ª Joana começou

imediatamente após a sua morte, sem ninguém da nobreza junto de si, mas naquela

comunidade religiosa que ali se reuniu junto da moribunda. A presença de tão ilustre

personalidade real, que causara o maior impacto na vila e entre as suas pares pelo

exemplo de virtude, abnegação e bem-fazer, deixaria lastro durante muito tempo nos

seus contemporâneos. Porém, foram muito claras as disposições da Infanta quanto ao

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seu lugar de sepultamento, revelando, assim, expressiva ação de simplicidade após a sua

morte. Ter-se-á dado um milagre à passagem do caixão da Infanta, em plena época

primaveril: as flores e folhas dos marmeleiros do jardim conventual onde a senhora se

recreava, tombaram sobre o ataúde. O prodígio ainda hoje é evocado. Em campa rasa ou

Túmulo modesto estiveram os despojos mortais de D.ª Joana até inícios do século

XVIII15

, altura em que foi construído mausoléu.

O lastro do culto junto do corpo da Infanta, ora no leito de morte, ora nos vários

locais funerários desde 12 de maio, constitui até hoje a prova insofismável da devoção

que lhe é prestada, por pequenos e grandes, pobres e ricos16

. Então era de luto e dor;

hoje é de memória agradecida e de culto piedoso17

. Mas não só este sinal manifesta as

primícias cultuais a D.ª Joana: à data do seu falecimento, celebrava-se na Corte o

casamento do Príncipe-herdeiro D. Afonso e da filha dos Reis Católicos. D. João II

mandou suspender as festividades, sobre a corte caiu pesado luto e as tapeçarias e

demais panos de armar foram substituídos por simples panejamentos azuis, em clara

alusão que o monarca quis deixar sobre a atual morada da irmã: no céu, azul e bem-

aventurado.

Sendo certo que as Constituições da Ordem determinavam o registo de todas as

irmãs no livro do convento, inscrevendo as datas mais importantes das suas vidas, com

maior razão sentiu a comunidade não só a necessidade de o fazer de forma mais ampla

em relação à Infanta e ao próprio espaço monacal. Assim terá nascido o Memorial de

que já nos referimos. Ora, nesta época o registo escrito é raro e precioso, provando, do

ponto de vista da produção, a existência de uma comunidade letrada e informada, e

editorialmente a clara intenção de perpetuar a memória de um Mosteiro, de uma

recolhida em particular e das benesses por ela concedidas18

. As formas que o culto à

15

Refira-se que, entre os parentes mais nobres de Santa Joana, poucos são os familiares que não estão

sepultados no Panteão real da Casa de Avis, na Batalha. Assim, ali jazem seus bisavós, seus tios-avós,

seus avós, seus pais, seus irmãos e seu sobrinho encontram-se na Sala do Fundador e numa das Capelas

imperfeitas. 16

Oração do Arcebispo-Bispo de Aveiro, D. João Evangelista de Lima Vidal, divulgada em estampas

devocionais. 17

Ibidem n.º 1. P. 277. 18

Vd. sobre a atividade intelectual da comunidade, MOITEIRO, Gilberto Coralejo – As Dominicanas de

Aveiro (c. 1450-1525): Memória e Identidade de uma Comunidade Textual. Lisboa: Faculdade de

Ciências Sociais e Humanas, 2013. Tese de Doutoramento.

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33

Infanta Joana configurou são detetáveis no espaço e também na expressão. O Mosteiro é

o lugar principal deste culto: a sala onde faleceu e o pequeno talho de terra onde o seu

corpo foi depositado são os pontos mais depressa identificáveis com a passagem da

Infanta por Aveiro. Sobre este tema, debruçou-se, cremos nós com felicidade, Gomes

Madahil, ao escrever o opúsculo A Princesa Santa Joana – do senhorio temporal ao

padroado da Diocese de Aveiro19

. Na verdade, logo após a sua morte, o Mosteiro e a

Vila executaram uma transmutação da intercessão da Infanta: se em vida fora senhora

de Aveiro mas também a mãe dos pobres e a protetora do convento, com maior razão na

eternidade celeste concederia a sua bem-aventurança e beneficiaria quem a ela

recorresse pela sua comunhão com Deus.

Ao longo dos anos, constituíram-se meios para que essa veneração se realizasse,

dentro dos cânones devocionais próprios do Catolicismo, da Ordem dos Pregadores20

e

de cada época. Mas não só, dentro do Mosteiro, religiosas doentes rezavam junto da sua

sepultura, tomavam um pouco da sua terra, que dissolviam em água e bebiam, sentindo

assim alívio para as suas maleitas. À semelhança do sucedido com o rico colar de ouro e

pedrarias de sua 5.ª avó, a Rainha-Santa Isabel, também ao Mosteiro de Jesus acorriam

as parturientes cuja hora de nascimento dos filhos se afigurava difícil. Concedida a

correia que cingira o hábito de estamenha branca da Infanta, encontravam as mulheres

alívio na hora do parto. A correia existe ainda hoje e foi deposta sobre as vestes simples

da recolhida, mandada encerrar em caixa-relicário de prata; uma madeixa de cabelo

cortada numa exumação – também ela em relicário de cristal e prata – são as duas

relíquias expostas à veneração dos fiéis desde inícios do século XVIII. Já nos anos

oitenta do século XX passaram a sair em procissão, a 12 de maio, imediatamente antes

do pálio e defronte do Santo Lenho do Mosteiro. Mas, ainda mais notável do ponto de

vista cultual e, de certo modo, em ato de coragem mas de profunda convicção na bem-

aventurança da Infanta, no ano seguinte à morte de D.ª Joana não se celebrou, como era

de norma, o ofício de defuntos, mas o formulário do Comum de Todos-os-Santos. Por

19

Cf. MADAHIL, António Gomes da Rocha, Separata do vol. XXXIII do Arquivo do Distrito de Aveiro.

Coimbra Editora: Aveiro, 1966. 20

Vd. MARTÍNEZ, Felicíssimo – Espiritualidade dominicana: O carisma e a missão da ordem dos

pregadores. Coimbra: Teracitas, 2015.

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34

outro lado, a tábua quinhentista21

, deixou de ser peça artística a demonstrar beleza e

porte da senhora Infanta para se tornar ícone devocional: a comunidade adornou o

retrato, que foi exposto no altar, levantado junto da sepultura. Em seu redor os

elementos próprios do culto: velas, flores e fumos de incensos.

Após a morte da Infanta, três vetores imprimem dinâmica ao Mosteiro de

Jesus22

. Primeiramente, a presença de uma figura real numa pequena povoação do

litoral, atraiu para ali vocações de consagração de senhoras da alta nobreza, tornando,

assim, o pequeno cenóbio em florescente foco de irradicação dominicana em Portugal.

A consciência da importância de tal presença não terá sido, de todo, como se viu,

indiferente, de todo, à obrigatoriedade do registo do Memorial. Além do fluxo de

consagração, registem-se, entre os séculos XVI a XVIII23

, o vigor que algumas

Prioresas imprimiram à vida monacal, em particular com aumento e embelezamento da

sua área física, e o inculco de novas práticas devocionais, além do luzimento das

celebrações realizadas no Mosteiro. Depois, e não obstante a todo este conjunto, o

conjunto de provimentos, tenças, doações, os rendimentos, enfim, permitiram e

estimularam a prosperidade da comunidade, a sua riqueza patrimonial24

e o lugar

destacado que ocupavam na vida social de Aveiro. Finalmente, e em paralelo com estas

duas dinâmicas, cresce e diversifica-se a devoção à Infanta D.ª Joana.

Se a chegada a Aveiro de senhoras nobres para tomarem hábito dominicano

podem ser já uma das demonstrações desse culto, a sua popularização imprimiu-lhe

nítida expansão. Muitos acorriam às grades do Mosteiro para pedir um pouco dessa

terra e a dissolver em água, para cura das suas maleitas ou poderem tocar sequer nos

objetos que foram da Infanta. O que hoje consideramos relíquias – e vê-las-emos em

pormenor adiante – também eram solicitadas. As Irmãs, na medida em que a sua vida e

regra permitiam, correspondiam a estes desejos, a serem lidos e compreendidos,

naturalmente à luz da época e das suas práticas religiosas.

Mas a Igreja compreendeu a força da presença da Infanta em Aveiro, do

evidente culto que lhe era prestado, e, embora fechando os olhos ao que se passava no

21

Adiante se verão, mais em pormenor, estes objetos cultuais. Vd Pp 83-88 e 127-144 22

Vd, para o conjunto das centúrias, SANTOS, ob. cit. n.º 5. Pp. 185-194. 23

Vd, para o séc. XVIII, SANTOS, ob. cit n.º 5. Pp. 253-269 24

Sobre a vida económica do Mosteiro de Jesus vd. SANTOS, ob. cit. n.º 5. II/3.

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Mosteiro de Jesus, e inicia oficialmente as diligências para se iniciar um processo de

beatificação.

Assim, em 1577 ocorreu nitidamente um primeiro fervor religioso pela cura

milagrosa da prioresa Sóror Jerónima de Castro. Terá sido nos anos seguintes que se

deu a primeira transladação do corpo da Infanta, da campa rasa para pequeno caixão,

inculcando-se a referida devoção à terra da sepultura. Já em 1602 ocorreu segunda

transladação para o coro de baixo, com presença do bispo D. Afonso de Castelo Branco,

e vinte e dois anos depois realizou-se a terceira transladação para um caixão mais digno,

com apoio de D. Filipe II.

Em 1625, efetivamente, oficializa-se o pedido para se dar início a processo de

beatificação, pela Prioresa D.ª Mariana de Coutinho, intercedendo junto do Bispo-

conde, apoiadas pelo Juiz, procurador e vereadores da Câmara de Aveiro. No ano

seguinte dar-se-ia início às tramitações canónicas, abandonadas por falta de rigor.

Sendo certa que a devoção joanina continuou, impávida ante a contrariedade –

realidade que iria acompanhá-la até aos nossos dias – sempre com foco na comunidade

monástica reunida atrás das grades, apresentou-se ininterrupta a comunhão do povo de

Aveiro e espalhando-se, na medida das comunicações da época, o exemplo de vida da

Infanta D.ª Joana. Se em 1596 sairia do prelo a primeira biografia joanina, por Frei

Nicolau Dias, na centúria seguinte não cessariam as publicações.

Embora façamos, mais à frente, uma tábua dos instrumentos normativos que

informam o culto à Infanta D.ª Joana, valerá a pena sistematizar os processos canónicos,

seus intervenientes e respetivas datações25

.

Tipo de processo Duração Corrido em Matéria Juiz

Ordinário 6/10/1626 a

28/10/1627

Coimbra e Aveiro Vida, morte,

virtudes, milagres

e fama de

santidade da

Infanta

D. João Manuel,

Bispo de Coimbra

Ordinário 13/10/1686 Coimbra Igual matéria à do D. João de Melo,

25

Ibidem n.º 14. Pp. 5-6.

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Baseado no

processo anterior

anterior Bispo de Coimbra

Ordinário 11/3/1687 a

21/4/1687

Coimbra e Aveiro Culto, veneração e

prodígios da

Infanta

D. João de Melo,

Bispo de Coimbra

Apostólico 4/4/1689 Lisboa Por virtude de

letras remissoriais

e compulsoriais da

Sagrada

Congregação dos

Ritos, que dava a

faculdade de se

venerarem

imagens da

Infanta desde

tempos antigos

Apostólico 2/5/1689 Évora Igual matéria mas

dando faculdade

para visitar,

reconhecer e

descrever imagens

da Infanta

Apostólico 2/5/1689 Coimbra e Aveiro Por virtude de

letras da Sagrada

Congregação dos

Ritos, tendo por

objeto o culto da

Infanta

Apostólico 1749 a 1752 Super virtibus et

miraculis in

specie. Não teve

conclusão

Finalmente, a 4 de abril de 1693, D.ª Joana de Portugal foi declarada bem-

aventurada por Inocêncio XII (em beatificação equipolente, isto é, com reconhecido

culto imediatamente após a sua morte e não através de beatificação solene, ou seja, por

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reconhecimento de um milagre), permitindo-se a sua celebração cultual a 12 de maio,

em Aveiro, Portugal e na Ordem Dominicana. Os missais contemporâneos apresentam

já oração coleta e as demais orações e ofícios remetem para a Comum das Virgens.

Desde maio desse mesmo ano até aos nossos dias, Bispos, pregadores de renome,

expressivos armadores de altares, capelas reais, religiosas e religiosos e sobretudo o

povo em sucessivas gerações têm manifestado publicamente o culto a quem

denominaram Santa Joana Princesa. A imagem esculpida depois da beatificação está no

altar a ela dedicado, na Igreja de Jesus que, de certo modo, fixou a sua iconografia: a

Infanta com um crucifixo na mão – relembrando o madeiro para onde fixou o olhar

antes de morrer, as três coroas reais no chão – aludindo aos casamentos que, segundo a

tradição, recusou ou conseguiu não contrair – e a coroação da fronte não por metal real,

mas pela coroa de espinhos – divisa com a qual marcava a sua roupa. Desta época será

também a confeção do primeiro pavilhão de paramentos para a festa de Santa Joana, em

data e encomenda ainda não identificáveis.

A sua canonização nunca se concretizou. Porém, desde o pós-beatificação, que

se inicia um natural período de expansão do culto à Infanta, passando pelas fases de

vivo interesse da Coroa na canonização da sua antepassada – não obstante o prestígio

político que daí proviria e representaria – e que se materializou no melhoramento dos

espaços emblemáticos do Mosteiro (pinturas e azulejos com cenas reais e imaginárias da

vida da Infanta na Igreja de Jesus e na sala do lavor, onde morreu) – mas também de

esmorecimento ou ardor cultual, já na época contemporânea por todos os Bispos de

Aveiro, como se verá.

Não haverá dúvida que o século XVIII, não obstante o processo pro-canonização

abandonado neste lustro, ficará registado no culto joanino, talvez com proveito da talha

dourada, em caracteres auríferos. A dinâmica plástica que se edifica no espaço; a

divulgação crescente do exemplo da Bem-aventurada Infanta; a oratória sacra que à

volta do seu culto se desenvolveu; tudo se alia ao esplendor litúrgico26

. Referimos, em

26

Vd descrições desse culto em SANTOS, ob. cit n.º 5. Pp. 257.

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particular, a Missa, de David Perez (1711-1778) e a Calenda de Santa Joana, do

compositor José Joaquim dos Santos (1747-1801)27

.

No séc. XIX, ainda, por petição das religiosas, a festa à Bem-aventurada D.ª

Joana fora tomada como real28

.

Hei por bem que a procissão que no dia da festividade da Princesa Santa Joana

se costuma fazer na dita cidade [de Aveiro] seja considerada como real e que a ela

assista e a acompanhe o senado da Câmara da mesma cidade, que nomeará as pessoas

que deverão levar o pálio e insígnias principais, e determinará o giro regular e decente

27

Deveu-se o resgatar da poeira dos tempos a Calenda e a Missa de Santa Joana ao Professor Doutor

Mário Trilha. No folheto distribuído na apresentação da obra escreveu-se: Durante o meu doutoramento,

que decorria, por assim dizer, na casa da Santa Joana, ocorreu-me uma ideia simples, talvez mesmo

óbvia, mas que de tão óbvia e simples, ainda não tinha sido posta em prática por nenhum dos meus

colegas músicos ou musicólogos: investigar se havia música setecentista dedicada directamente a Santa

Joana de Aveiro. [Já em Julho de 1996, o Padre Arménio Costa realizara o Doutoramento em Música e

Artes do Espectáculo defendendo a tese Mosteiro de Jesus de Aveiro – Tesouros Musicais – Ofícios

rimados e sequências nos códices quatrocentristas, na Universidade de Aveiro]. Até então, quando se

falava em música ligada a Santa Joana, a associação com o canto gregoriano era praticamente

automática. Foi com grata surpresa, que encontrei na Biblioteca Nacional um razoável corpus

setecentista de peças ligadas ao culto da princesa Aveirense. Estas peças formam um conjunto muito

heterogéneo, e vão desde simples versos gregorianos com acompanhamento de órgão até uma missa

completa a 5 vozes. Deste material, seleccionei, sem hesitar duas obras: A “Calenda de Santa Joana

Princesa” e a “Missa de Santa Joana”, ambas as peças nunca tinham sido editadas e encontram-se

apenas em cópias manuscritas do século XVIII, depositadas na Biblioteca Nacional. O primeiro

problema que encontrei foi identificar os compositores destas obras. No caso da Calenda, não foi muito

difícil desvendar a questão da autoria, pois na própria catalogação da Biblioteca Nacional, já havia uma

atribuição ao compositor José Joaquim dos Santos, feita pelo musicólogo Rui Cabral, que foi

confirmada, através do estudo da caligrafia e datação das marcas d’água do papel, pelo eminente

especialista Professor João Pedro d’Alvarenga. Já descobrir o compositor da Missa de Santa Joana, foi

realmente mais complexo. O manuscrito está catalogado como de autor anónimo e não há uma partitura

geral, dado que só chegaram até nós as partes separadas de cada uma das cinco vozes e a linha do

órgão (baixo-contínuo), o que transformava o trabalho de transcrição a uma actividade muito

semelhante à de montar um puzzle de milhares de peças. Mais uma vez, o estudo da datação do papel

situava o período da composição. Durante esta fase, contei com a inestimável ajuda do Professor

d’Alvarenga. À medida que começava a “visualizar” a composição, e a sua grande qualidade intrínseca,

comecei a considerar que se pudesse tratar de uma obra de David Perez, que foi um dos maiores

compositores em actividade em Portugal na segunda metade do XVIII. Expus esta hipótese ao Prof.

d’Alvarenga, que a considerou como muito provável e, na sequência, contactei o maior especialista

mundial na obra sacra de David Perez, Prof. Maurício Dottori da Universidade Federal do Paraná

Brasil, que após minucioso estudo, assegurou que a missa de Santa Joana é inquestionavelmente da

autoria de Perez, e precisou que pelos elementos estilísticos nela encontrados, trata-se de uma

composição da última década de vida deste compositor (1770). Nesta época, mais precisamente em 1774,

ocorre a elevação de Aveiro a bispado que, como evento de grande importância para esta cidade,

justifica a encomenda a um compositor célebre em toda a Europa, e que estava afecto ao serviço da

rainha D. Maria I e muito estimado por esta soberana, de uma missa dedicada a Santa Joana. Este

evento permite-nos compreender que a música também desempenhou um papel extremamente importante

durante as comemorações da elevação de Aveiro a bispado, que ocorreram na onda das compensações

pombalinas a Aveiro. 28

Cf. Chancelaria de D. João VI, Livro XI, fls. 9-v.in SANTOS, ob. cit., P. 356 e P. 608.

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da mesma procissão assim como costuma praticar nas procissões reais, assistindo

também com as suas insígnias à Missa da festa do referido dia na dita igreja [do

Mosteiro de Jesus] no lugar que lhe competir com decência e decoro segundo as

minhas reais ordens.

Assim se determinaram em 1806 as ordens do Príncipe-regente D. João, cujo

segmento municipal chegou, com as devidas adaptações e restrições ao regime político,

até aos nossos dias, tomando em 1844 os gastos com as festividades.

Porém, não se quedaram nesses esplendores o culto joanino, por todas as

camadas sociais, já que se anteviam algumas nuvens contrárias à prática religiosa,

particularmente a monástica. Sobre o assunto se verá o sucedido quando abordarmos o

fundamento para a criação da Irmandade da Padroeira de Aveiro.

Entrementes, em 1855, cholera-morbus ceifava todos os dias inúmeras vidas a

eito, na cidade e nos lugares vizinhos, tendo-se organizado em 24 de Setembro, uma

procissão de penitência, com as imagens do Senhor Ecce-Homo e de Santa Joana

Princesa. No préstito, os religiosos entoavam o Miserere e a multidão ajoelhava, não

havendo olhos que não estivessem marejados de lágrimas. O cortejo religioso, que saiu

da Igreja da Misericórdia, foi precedido de preces públicas nos dias 21, 22 e 23,

celebradas na mesma igreja. A iniciativa obedeceu a uma deliberação da Mesa da Santa

Casa, tomada em 14 de setembro, cujo secretário era então o Cónego José Joaquim de

Carvalho e Góis29

.

2.2 Pela Casa Ducal de Aveiro

O gérmen da Casa Ducal de Aveiro nascera no Mosteiro de Jesus, porquanto ali

fora deixado aos cuidados da Infanta o filho ilegítimo de D. João II com D.ª Ana de

Mendonça, D. Jorge de Lencastre, o qual receberia, pois, o apelido da trisavó. Esmerou-

se em eloquente e piedosa educação do sobrinho a devota tia30

31

.

29

Cf. CHRISTO, António e João Gonçalves Gaspar – Calendário histórico de Aveiro: Aveiro, Câmara

Municipal de Aveiro, 1985. P. 380. 30

Cf. RAMALHO, Américo da Costa – Cataldo, a Infanta D. Joana e a educação de D. Jorge.

Humanitas. Vol. 41-42 (1990).

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Não poderemos resumir a relação dos Duques de Aveiro com o culto da sua

parente direta de forma contínua e fervorosa. Encontramos, sim, nos 258 anos da sua

existência nobiliárquica, alguns momentos em que nobres figuras se aproximaram do

Mosteiro de Jesus e/ou da Infanta Bem-aventurada. No entanto, em tal casa brasonada

não fora nunca fácil a sucessão.

Na Casa de Bragança tudo ia correndo normalmente: a cada Duque, ia

sucedendo o filho varão mais velho, sem qualquer disputa: mas, na Casa de Aveiro, a

cada morte de Duque, seguia-se uma crise, com discussões, questões judiciais e

intervenções régias, onde não faltaram crimes de lesa-majestade32

.

Assim, D. João de Lencastre (1501-1571), primeiro Duque, recebeu o senhorio

de Aveiro, que fora já de sua tia-avó D.ª Joana. Sendo sabido que o título fora

concedido por D. João III, não mandou o monarca passar carta respetiva, apenas seu

neto D. Sebastião o fez, em 30 de agosto de 1557, sem se saber o seu conteúdo, por não

ter passado na Chancelaria33

. A sua esposa, D. Beatriz de Lara, fez adornar um dos

novos Túmulos provisórios da Infanta D.ª Joana, com colcha de carmesim, adornada a

galão de ouro e fez substituir o antigo vaso com terra da sepultura por outro de matéria

mais digna.

Sucedeu-lhe no Ducado, D. Jorge de Lencastre (1548-1578), morto em Alcácer-

Quibir. Ordenou o nobre que se concedesse água ao Mosteiro de Jesus34

.

D.ª Juliana de Lencastre (1560-1636) sucederia ao pai por vontade expressa

deste, uma vez que à face lei fundamental da família lhe não poderia suceder. Mas não

só, já que D. Jorge manifestou desejo de que a filha menor casasse com seu primo D.

Álvaro de Lencastre. Da titular, a única menção de que há registo é a de ter deixado de

contribuir anualmente com três moios de trigo e cem galinhas, costume já de D. João,

seu avô35

.

31

Cf. VASCONCELOS E LENCASTRE, D. António de Queiroz de Vasconcelos e Lencastre – Dom

Jorge 2.º Duque de Coimbra – Coimbra: Caminhos Romanos. 32

In MACHADO, J.T. Montalvão – A Casa dos Duques de Aveiro – sua história e representação actual

– Edição de autor. 1971. Pp. 23. 33

Ibidem n.º 32. 34

Ibidem n.º 5. P. 519 35

Ibidem n.º 5. P. 128

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Foram o casal de duques avós do seguinte titular, D. Raimundo de Lencastre

(1620-1666), do qual nenhuma nota se acha de contacto com o Mosteiro dominicano

feminino de Aveiro. Sobre ele considerou Montalvão Machado36

:

Não soube honrar a sua qualidade de português. […] Morto D. João IV [que

chamara o Duque à fidelidade à coroa portuguesa], fugiu para França, de onde seguiu

para Espanha, exibindo atitudes absolutamente condenáveis. Apesar de altamente

protegido por Filipe IV, que o cumulou de mais títulos e dignidades, a melhor fidalguia

espanhola tratava-o com o maior desdém, se não com alguma repugnância.

D. Pedro de Lencastre (1608-1673) foi declarado Duque de Aveiro, após grande

disputa pela sua titularidade. Era ele Arcebispo de Sida e Inquiridor-geral do Reino e

filho dos terceiros titulares da Casa de Aveiro. Mas nem o seu estado religioso fez nutrir

pela sua antiga parente ou pelas paredes que ela habitou qualquer benemerência.

Pelo estado religioso do antigo titular, nova contenda na atribuição da

titularidade do Ducado de Aveiro, que foi concedido a mulher estrangeira – caso único

no direito sucessório português –, D.ª Maria de Guadalupe, (1630-1715), sendo isto de

estranhar, uma vez que existiam ainda varões dos Lencastres e a lei pátria proibia a

concessão de títulos a quem tivesse perdido a nacionalidade lusa. Foi, porém, D.ª Maria

titulada como Duquesa, sem nunca ter regressado a Portugal nem ter prestado

vassalagem aos reis portugueses. Não são necessárias mais razões para uma relação nula

com Aveiro.

O penúltimo titular foi D. Gabriel Ponce de Leon (1667-1745), nomeado para o

Ducado não sem polémica e demandas, mas que prestou vassalagem a D. João V e

tomou posse dos bens dos antigos Lencastres. Apenas este Duque de Aveiro manifestou

fervorosa devoção pela remota antepassada, oferecendo para o seu mausoléu preciosos

lampadários e aranhas de cristal, que as Invasões Francesas arrebataram, e se fez

sepultar na Capela de Santo Agostinho37

, hoje com ligação direta, mas, ao tempo,

apenas separada por uma parede ao coro de baixo. Pelo seu falecimento, mandou a

Prioresa celebrar ofícios e lições de sufrágio. É dos raros exemplares onde o brasão dos

36

Ibidem n.º 32. P. 27. 37

Ibidem n.º 5. P. 666.

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Aveiro não sofreu o camartelo pombalino que extinguiria a segunda mais importante

casa nobre de Portugal.

Não tendo deixado herdeiros, D. Gabriel, após nova contenda entre linhagens,

foi sucedido por D. José de Mascarenhas e Lencastre (1708-1759). Tornou-se

tristemente célebre este nobre por ter o seu nome envolvido no Processo dos Távoras38

e lhe custou a morte no cadafalso e de toda a sua família e a confiscação dos bens. Só no

reinado de D. Maria I seria a absolvido do crime, embora fossem tardias as tentativas de

reclamação do Ducado de Aveiro. Com algumas reservas se tem atribuído a D. Caetano

Henriques Pereira Faria Saldanha de Lancastre (1877-1960) o referido título. Não se lhe

conhece ligação alguma ao culto a Santa Joana, nem o seu nome se encontra associado a

alguma festividade.

2.3 Pela Diocese de Aveiro e pelos seus bispos (1.ª fase: 1774-1882; 2.ª fase:

desde 1938)

2.3.1 Santa Joana Princesa e a Diocese de Aveiro

A Diocese de Aveiro, logo que foi constituída em 1774, se sentiu naturalmente

ligada àquela bem-aventurada Infanta que vivera na então Vila de Aveiro, olvidando o

culto prestado a Santa Ana. A circunscrição restaurada exaltou mais ainda D.ª Joana.

Não obstante, como até veremos no mapa cultual em anexo39

, a Diocese nunca se sentiu

verdadeiramente envolta no culto joanino, circunscrevendo-se à cidade as suas

celebrações, se como todo orgânico nunca mostrou particularmente ligada ao culto à

Bem-aventura Joana de Portugal. De dimensão diocesana refira-se a existência do

Seminário e duma Paróquia que a tem como patrona e algumas espécies iconográficas

existentes em território diocesano.

38 Ibidem n.º 32. Pp. 55-81. 39

Cf. Pp. 163-165.

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43

As armas da Infanta são adotadas como o elemento essencial da heráldica diocesana

restaurada40

.

40

Desde o falecimento de D. João Evangelista que era desiderato da Diocese de Aveiro a constituição de

um brasão de armas. No entanto, os documentos – particularmente da Cúria diocesana e da Chancelaria

eclesiástica continuaram a usar o selo da Diocese, e as demais expedições as armas de fé de D. Domingos

e D. Manuel Trindade. Durante o múnus pastoral do Bispo oriundo de Braga diligenciou-se junto do pe.

dr. Bernardo Xavier Coutinho, no sentido de prover à conceção de armas diocesanas. No entanto, não foi

consensual tal configuração, sendo posteriormente alterada na forma do seu escudo e dos elementos

constitutivos, como veremos.

O pe. dr. Xavier Coutinho apresentou o seguinte brasão para a Diocese de Aveiro:

Em escudo francês moderno – boleado nos cantos inferiores e terminando em ponta – que

principiou a sua generalização no século XVIII, no primeiro cantão, à direita, apresentam-se em campo

de ouro as armas da Princesa Santa Joana – cujos elementos e evolução representativa analisaremos

isoladamente –, proteção sob a qual a Cidade e Diocese de Aveiro se encontravam desde 1806. De facto,

em 5 de agosto deste mesmo ano, deixando transparecer as ideias teológicas do tempo, designou D.

António José Cordeiro a Beata Joana de Portugal como particular intercessora de Aveiro ante a iminência

de uma invasão francesa.

No segundo cantão, à esquerda, traz em campo gironado ou franchado, de goles de prata, as

armas da Cidade de Aveiro. Tal composição foi oficialmente aprovada, após a proposta da secção de

Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses de 20 de janeiro de 1926, que assim a constituiu:

de verde com uma águia estendida de prata armada e bocada de vermelho, acompanhada de um sol de

ouro e de uma lua de prata e carregada de um escudo das quinas em azur com bisontes prateados. As

armas encimadas por uma coroa mural de cinco torres e cercadas pelo Colar da Ordem da Torre Espada,

atribuído à Cidade. A bandeira de um metro por lado, quarteada de branco e de vermelho, tendo por baixo

das armas uma fita branca com os dizeres a vermelho “CIDADE DE AVEIRO”.

Como paquife ou lambrequim, o costumado capelo de Bispo de sable (preto), forrado de sinople,

com seus cordões e seis borlas, dos Bispos. Sob o capelo, à esquerda o báculo pastoral decossado em

ouro, voltado para fora, e à direita a mitra preciosa, de frente, com suas ínfulas em ondulação: uma

tendente do dextro do chefe para o bordo dextro e outra sobre o próprio dextro do chefe, tendo ao centro a

cruz processional de ouro trebolada e ponta em vértice. Recorde-se que desde 31 de março de 1969 com a

Instrução Ut Sive Sollicite, de 31 de março de 1969, já não são permitidos no brasão episcopal a mitra e o

báculo.

Foi este o brasão que se fundiu no vitral do jazigo dos Bispos de Aveiro. No entanto, duas fortes

oposições se apresentaram a tal representação: a primeira era a demasiada relevância dada às armas da

Cidade de Aveiro, contra a qual se insurgiram os arciprestes e autarcas das outras Cidades da Diocese;

depois, o brasão de Santa Joana, portanto de uma pessoa, não pareceu oportuno a várias opiniões.

Perante os problemas expostos, o pe. dr. Xavier Coutinho idealizou, sob as mesmas atribuições

do chapéu, fita e borlas, mas já sem a mitra e o báculo, outras soluções. Todas elas, porém, apresentavam

uma nova alteração: sob a ponta cruz processional – agora em remate redondo, uma faixa partida em três

partes, tendo a primeira os dizeres ‘AMAR A’, a segunda ‘DEUS’, e a terceira ‘É SERVIR’. O escudo foi

modificado, passando a ser o francês antigo, sobre o qual se apresentou, em primeira hipótese a coroa de

espinhos e, em segunda hipótese, a coroa de princesa. Uma terceira hipótese em que o escudo se parte do

lado dextro ao sinistro, portanto, constituindo duas metades de iguais dimensões, é a junção destes dois

elementos, e que o pe. dr. Bernardo Xavier Coutinho coloriu: a parte superior apresenta a coroa de

princesa, sobre fundo de ouro, sendo o atributo em prata e com as pedrarias em ouro, e a parte inferior,

em fundo de prata, a coroa de espinhos, de ramagens vermelhas. Ambos os atributos estão intimamente

ligados às representações heráldicas de Santa Joana, não sendo, pois, de estranhar, que, mesmo com a já

referida oposição, se compusessem mais duas hipóteses, estas aprovadas e a última em uso: sobre fundo

de ouro as armas de Santa Joana Princesa, apresentando na primeira hipótese os mesmos elementos do

escudo primitivo: mitra, cruz processional e báculo e a última sem os atributos episcopais. Recorde-se que

desde 31 de março de 1969 com a Instrução Ut Sive Sollicite, de 31 de março de 1969, já não são

permitidos no brasão episcopal a mitra e o báculo (Arquivo da Diocese de Aveiro).

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44

2.3.2 A Bem-aventurada Joana de Portugal e os Bispos de Aveiro41

Como será fácil de antever, a figura da Infanta que se recolheu no Mosteiro de

Jesus esteve presente na pastoral de todos os Bispos da Diocese de Aveiro, quer a da

primeira circunscrição quer da atual. Não nos deteremos naturalmente nesse âmbito, não

é esse o fito destas linhas, mas reter-nos-emos essencialmente nos instrumentos

canónicos que conformaram o culto à Infanta.

2.3.2.1 D. António Freire Gameiro de Sousa (1727-†1774-+1799)42

Durante o múnus pastoral do primeiro Bispo de Aveiro, ocorreram duas

importantes efemérides joaninas: o tricentenário da sua morte (1790) e centenário da sua

beatificação (1793). Diante do mausoléu que já nesse século XVIII recebera os despojos

mortais e na Igreja de Jesus, senão mesmo por toda a povoação também nessa centúria

elevada a Cidade e sede de Bispado, certamente se ergueram preces ao Céu pela

proteção de Bem-aventurada Infanta43

.

Peça que não tem sido referenciada há quase um século e um quarto é um grupo

de barro vermelho pintado e dourado, representando a morte de Santa Joanna

Princeza. No primeiro plano, a Santa deitada sobre um pequeno catre e ao lado duas

É neste o escudo que se baseiam as armas atuais da Diocese de Aveiro e nele também se

constituiu a sua bandeira, de 1977, composta por três baixas verticais de igual proporção: à esquerda

campo verde – em recordação da esperança permanente em que o cristão deve viver na sua peregrinação

sobre a terra, ao meio, em campo de prata e ao centro, as armas da Diocese com a respetiva efígie, e à

direita campo azul – em lembrança da meta celestial que deve constituir o devir de cada diocesano.

Refira-se, por último, a propósito da bandeira da Diocese, aquando da constituição do seu primeiro

brasão, noticiava o que a respetiva bandeira era composta pelas cores pontifícias e na partição em ouro

assentava o novo brasão. Contudo, dada a inconveniência e inoportunidade de utilizar tais atributos da

sinalética pontifícia, só em 1977 se constituiu a bandeira atual, a qual, contudo, não respeita as regras

heráldicas, não contrastando metal com esmaltes, sendo a sequência, como veremos, da esquerda

reservada para as argolas do mastro: verde, “branco” (devendo ser prata) e azul. 41

Vd na especialidade GASPAR, João Gonçalves – Os Bispos de Aveiro e o culto a Santa Joana Princesa.

In Aveiro e o seu Distrito, n. º7, junho de 1969. Vd, na generalidade, GASPAR, João Gonçalves Gaspar –

A Diocese de Aveiro – subsídios para a sua história. Aveiro: Diocese de Aveiro, 2013. Pp. 41-143 e 399-

735 e GASPAR, João Gonçalves – Encontros e encantos – bispos na vida e na memória da Princesa

Santa Joana: Aveiro, Tempo Novo, 2015. 42

Assinalado com † indica-se o ano de início do múnus pastoral na Diocese de Aveiro e com + o ano da

morte. 43

Vd GASPAR, João Gonçalves – Encontros e encantos – bispos na vida e na memória da Princesa

Santa Joana: Aveiro, Tempo Novo, 2015. Pp. 149-153.

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45

religiosas dominicas chorando; no segundo plano sobre um plintho Jesus Cristo

abraçado à cruz, no meio das nuvens e, cercado de serafins com a esponja, as

disciplinas, os cravos e a corôa de espinhos. Resguarda-a uma redoma, sobre que

assenta uma pequena cupula dourada, com as armas do primeiro bispo de Aveiro, D.

António Freire Gameiro de Sousa, a quem pertenceu. Tem de altura 42 cm e é

proveniente da extincta mitra de Aveiro44

.

Tendo sido incorporado praticamente todo o espólio do Paço episcopal de

Aveiro no antigo Mosteiro de Jesus, esta peça, porém, não mais surgiu inventariada ou

sequer referida, senão por Marques Gomes, mas comprova inequivocamente a devoção

do bispo D. António Gameiro de Sousa pela Bem-aventurada Infanta.

2.3.2.2 D. António José Cordeiro (1750-†1801-+1813)45

46

Ocupava a cátedra de Aveiro D. António José Cordeiro quando solicitaram as

religiosas dominicanas maior pompa e luzimento na festa da Infanta. Os rogos foram

atendidos por el-rei D. João VI, em documento que mais adiante se referenciará.

Mas nos alvores do século XIX, o território português foi devassado pelas

Invasões Francesas.

Refira-se um texto do prelado, com data 5 de agosto de 180847

, o qual, sendo

também presidente da Junta Provisional de Aveiro, escreveu em circular:

Devendo Nós reconhecer que as calamidades que temos sofrido são um efeito da

vingança de Deus Nosso Senhor pelos pecados com que temos ofendido e provocado a

sua ira, é preciso, amados irmãos e filhos caríssimos, por meio de penitências e de um

perfeito arrependimento das nossas culpas aplacar a ira do Senhor e desarmarmos o

braço da sua divina justiça, para que pela sua misericórdia ponha termo ao castigo, de

que Napoleão e as suas tropas têm sido o instrumento, e proteja e auxilie as

44

In GOMES, Marques – Catálogo da Exposição de Arte Religiosa no Convento de Jesus em Aveiro.

Aveiro: Minerva Central, 1895. P. 30. 45

Ibidem n.º 42. Pp. 154-166. 46

Ibidem n.º 43. 47

Livro das Pastoraes dos ex. Bispos d’ Aveiro. Liv. I (1776-1836), fls. 256-259. Reservados Museu de

Aveiro. Este livro encontra-se desaparecido deste museu. A cópia que actualmente se conhece, está em

depósito no Arquivo Distrital de Aveiro e pertence a um particular.

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46

portuguesas e as dos nossos fiéis aliados para serem inteiramente desbaratadas as do

inimigo e se concluir em todo o Reino a restauração da Monarquia Portuguesa; e é

também preciso ao mesmo tempo desagravar os horríveis e sacrílegos desacatos que

aquelas tropas francesas sem Fé nem Religião têm feito tão repetidas vezes ao

Santíssimo e Adorável Sacramento do Altar, não só profanando os vasos sagrados mas

também lançando por terra ímpia e sacrilegamente as sagradas partículas. Pelo que

temos resolvido fazer, na tarde do dia 7 deste mês, uma procissão de penitência que

sairá da Nossa catedral, sendo levada nela a devotíssima imagem do Senhor Ecce

Homo, que se encaminhará à Igreja do real Mosteiro de Jesus, aonde se venera o corpo

da Bem-aventurada Princesa Santa Joana, a quem já em princípio da nossa

consternação havíamos tomado por medianeira para com o Pai de Misericórdias, e

outrossim, no dia 15 deste mês, expor o Santíssimo Sacramento por todo o dia à

adoração dos fiéis e na tarde do mesmo dia fazer procissão de desagravo, da mesma

forma que se faz a do Corpo de Cristo.

Causou, então, a maior impressão o bispo aparecer na procissão sem as vestes

pontificais, descalço e com uma corda ao pescoço, em vez da cruz peitoral.

Foi aquela a primeira vez que, em documento escrito, o Bispo de Aveiro atribuiu

à Infanta o protetorado espiritual aveirense48

.

Segundo o documento, os párocos e clérigos seculares e regulares da cidade

deveriam apresentar-se na Catedral com o povo e exercitarem penitência, jejuns,

esmolas, mortificações e orações. Os pastores em cada uma das suas freguesias fariam

uma ou outra procissão num dos dias de preceito, logo que recebessem esta ordem.

Terminou a primeira vaga invasora das tropas francesas e na circular de 24 de agosto, o

prelado aveirense dava graça a Deus, convocando para o Pontifical na Catedral, em 8 de

setembro, onde haveria pregação e se exporia o Santíssimo Sacramento, levado depois

em procissão até à Igreja de Jesus, aonde se venera o corpo da Bem-aventurada

48

Curiosamente, na celebração festiva do duplo centenário da invocação da Bem-aventurada Joana de

Portugal como Protetora de Aveiro, o então Bispo de Aveiro, D. António Francisco dos Santos, anunciou

nesse dia, na Catedral, em missa comemorativa da efeméride, o falecimento do seu antecessor D. Manuel

de Almeida Trindade, ocorrido nessa tarde.

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47

Princesa de Portugal Santa Joana, cuja intercessão para com o Pai das Misericórdias

e o Deus de toda a consolação havíamos implorado.

Na premência de uma nova evasiva, o reino preparou-se para a sua resistência e,

em 24 de janeiro de 1809, D. António faria nova carta pastoral, em que uma vez mais

apelava à oração junto de Deus e a oblação da penitência, com uma particular confiança

e devoção, o patrocínio e intercessão da Santíssima Virgem Mãe de Deus, Protectora

do Reino, e da Augusta Princesa de Portugal, Santa Joana.

As tropas napoleónicas entraram, de facto, em território português, onde

encontraram resistência e não possuíram capacidade de resposta, retirando-se. No

entanto, pela terceira e última vez, as armas francesas atentaram contra os portugueses.

A 18 de abril de 1811, o Bispo de Aveiro anunciou a derrota definitiva dos franceses,

convocando o canto do Te Deum em todas as igrejas, realizando o mesmo na Sé, no dia

21 e, noutro dia a designar, celebraria Pontifical pela manhã e presidiria à tarde, após

um sermão, a uma procissão eucarística até à igreja do real mosteiro de Jesus aonde se

venera o corpo da Santa Princesa, cuja intercessão havíamos implorado, e ali

cantaremos outra vez o “Te Deum”.

Ainda no governo pastoral de D. António José Cordeiro, eclodiu a Revolução

Liberal. Promulgaram as novas Cortes as Bases da Constituição em março de 1821,

procedendo-se ao seu juramento em todo o país. A celebração realizou-se em Aveiro no

dia 29, presentes a Câmara Municipal, o bispo e as demais autoridades civis, militares e

eclesiásticas. A 10 de abril, foi o juramento das forças de linha, com parada junto da

Igreja de Santo António. Em seguida, dirigiram-se os presentes para o Mosteiro de

Jesus, onde o Vigário-geral, Dr. Manuel Rodrigues de Araújo Taborda, presidiu à missa

solene e ao Te Deum. Realizaram-se, pois, as celebrações junto do Túmulo de Protetora

de Aveiro.

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48

2.3.2.3 D. João Evangelista de Lima Vidal (1874-1938/†1940-+1958)49

50

Primeiro bispo da Diocese restaurada, nascido em Aveiro, com particular ligação

desde criança ao Mosteiro de Jesus, cuja Eucaristia, na Igreja, lhe deixara para sempre

na memória rara impressão, pertencendo até à Ordem Terceira Dominicana (teve

também uma irmã que foi Superiora da Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa

Catarina de Sena51

), com naturalidade se relaciona D. João Evangelista ao culto à Bem-

aventurada Infanta. No altar a ela dedicado, celebrava sempre que os seus afazeres

permitiam uma passagem por Aveiro, enquanto professor no Seminário de Coimbra,

arcebispo em Lisboa, Bispo de Angola e Congo ou Superior das Missões Ultramarinas.

Fora, ali, aliás, em 25 de dezembro de 1896 que celebrou a sua Missa Nova.

Em 1929 escreveu o prelado:

As circunstâncias permitiram que este ano eu pudesse presidir às festas

soleníssimas que se fazem amanhã em Aveiro pela sua amada padroeira; e eu, que

ando tão fatigado das multidões, que suspiro pelo silêncio e pela solidão como pelo

maior bem da minha vida, estou como um pequenino a extravasar de alegria por ter

licença de seus pais para ir à festa, como estou agora a sentir nesta ‘casa de lavoura’

[em Eixo, freguesia rural de Aveiro, de onde a sua família era oriunda] a sensação de

umas férias num intervalo do colégio. […] A festa de Santa Joana, em Aveiro. A rua do

mosteiro, onde ela morreu, era toda um jardim de glória! A cidade engalanada! Na

Igreja de Jesus resplandeciam os admiráveis paramentos que a piedade nacional teceu

para Santa Joana e que hoje são como que umas coisas mortas nas vitrinas de um

museu de curiosidades e belezas regionais. O cónego Correia Pinto, com a sua voz

misteriosa e dolente, embalou nos braços da sua alma a doce e querida padroeira da

nossa terra. […] À tarde, a procissão foi mais do que decente… foi luxuosa. Assim, não

se via um fato de cor, não se via uma opa que não fosse de seda; todos enluvados e, ao

pálio e às insígnias, todos de calção, meias brancas de seda e sapatos de verniz com

fivelas de prata. Os anjinhos, uns verdadeiros anjinhos! E a doce Santa, tão linda, uma

49

Ibidem n.º 42. 50

Ibidem n.º 43. Pp. 207-230. 51

As religiosas ofereceram o terno de paramentos, presentemente na Paróquia de Eixo.

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visão do céu! São Domingos, com a sua estrela resplandecente na testa! Debaixo do

pálio, o bispo mitrado, com o ‘santo lenho’! E, não obstante Fátima, um mar de gente,

quase toda vestida de preto! Há muito que não aparecia assim de perto em Aveiro;

senti a palpitação dos meus patrícios, um pouco envaidecidos – ingénua gente! – com o

seu pobre, esfarrapadinho, triste irmão. E Santa Joana deu-me uma boa noite!

Restaurada a Diocese de Aveiro, pela qual desempenhou teve papel

determinante, foi na mesma bula pontifícia da nova circunscrição nomeado

Administrador Apostólico e, dois anos mais tarde, seu Bispo titular. À Bem-aventurada

confiou desde logo a sua ação apostólica:

Com a protecção da Princesa Santa Joana, cujas cinzas se guardam em

precioso Túmulo no convento de Jesus de Aveiro, da qual é patrona, […] a coragem e a

boa vontade jamais nos faltarão a favor deste nosso empreendimento52

.

Dinamizou de forma expressiva a festa da Protetora de Aveiro, com restauração

da respetiva novena e ofício litúrgico em 12 de maio, missa solene com Te Deum e,

sendo possível, a saída da procissão pelas ruas da cidade.

A 15 de janeiro de 1939, já em Aveiro se realizava a primeira grande

peregrinação ao Túmulo de Santa Joana. Nessa altura, escreveu e disse o arcebispo:

Seja como for, o que me incumbe desde já, e ardentemente, é procurar, quanto

em mim caiba, não deixar cair este nome nas sombras do silêncio e do sono, é limpar

de uma primeira camada de poeira o manto da Santa Princesa; é acender uma

lâmpada à beira do seu sepulcro; é fazer ouvir, aos quatro lados do seu mausoléu, o

murmúrio suave das preces e dos corações dos fiéis; é dizer às aranhas e aos vermes, e

a todos esses micróbios que se valem do esquecimento e da noite para viverem: para

fora daqui, parasitas; o corpo de uma Santa não é pasto miserável para a vossa fome;

para fora daqui, importunos, vós não sois coroa para a fronte imaculada da Santa; dai-

lhe lugar à luz, à luz refulgente do meio-dia; dai-lhe lugar às flores, flores de

fragrância, flores ele brancura; dai-lhe lugar à luz, à luz das velas, brilhantes como

estrelas do céu; dai-lhe lugar ao incenso, que rola em espirais ao trono de Deus; dai-

52

In Correio do Vouga, 17 de Janeiro de 1932, P. 4.

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lhe lugar às preces, ao doce sussurro das almas; dai-lhe lugar ao amor, que é afinal a

luz dos nossos olhos, a vida da nossa vida, a alma da nossa alma53

.

Outras peregrinações se lhe seguiram, impulsionando assim o culto à Protetora

de Aveiro. Ainda em 1939, a 9 de novembro, iniciou-se a celebração da missa às

quintas-feiras, na mencionada Igreja de Jesus, que se prolongou durante algum tempo.

Mais tarde, a partir de 5 de novembro de 1950, dar-se-ia continuação ao culto nesse

histórico templo, com a missa ao Domingo, a qual se manteve até aos finais da década

de Oitenta, aquando da reestruturação do horário e dos templos onde se celebravam a

Eucaristia dominical.

Além de pregador com raros dotes54

, D. João Evangelista amou profundamente a

sua terra. Vale a pena, por isso, recordar a impressão que reteve, na primeira pessoa,

uma procissão de Santa Joana55

.

Outra vez ainda, nesta rotação incessante da liturgia do ano, aquela que nós

escolhemos no céu para ser padroeira da sua terra de Aveiro, nos enche de luz os

olhos, nos enche de mel a boca, nos acende estrelas na alma, e parece até que nos

ressuscita nos dedos a pena que, de fadiga, já queria calar-se.

Vem o sacristão com o pavio enrolado na cana e alumia o seu altar, em Jesus,

sem deixar uma única do trono inteiro das suas velas. Vêm as mordomas com o seu

açafate debaixo do braço a rescender das mais lindas e orvalhadas flores, que nós

temos aqui nos nossos jardins de maio, e fazem com a sua arte inigualável uma

composição tão delicada de vasos, de ramos, de cores, que fica tão bem aos pés dela

como o sorriso devoto da alma dos seus patrícios. Vem o Dr. Querubim com a opa

dominicana das duas cores, com a vara de prata a comandar-lhe nas mãos, com olhar

ardente e os passos apressados da sua responsabilidade de Juiz da Real Irmandade de

Santa Joana Princesa, e dá aos confrades, umas atrás das outras, as ordens mais

terminantes para a procissão. Vêm os padres e paramentam-se gravemente para a

Missa cantada. Vêm as músicas, a nova e a velha, com a voz dos seus instrumentos ao

desafio com a dos foguetes. Vem o velho Bispo com a facada, que ela curou, com

53

In Correio do Vouga de 12 de Fevereiro de 1939, P. 1. 54

VIDAL, João Evangelista de Lima – Panegyrico de Santa Joanna Princeza, 1898. 55

In Correio do Vouga de 17 de março de 1941. Pág. 1

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outras, que nem ela cura. E não há grão de poeira que fique hoje, depois dos esmeros

da véspera, poisada no seu sepulcro.

Bem queria eu que cá viesse outra vez o Senhor Patriarca com os seus flabelos,

com a sua tiara, com a sua capela sixtina e sobretudo com o seu sorriso que vale mais

que todos os aparatos e deslumbramentos da sua corte. Bem queria eu que a catedral56

fosse outra vez como a conchinha de um berbigão, incapaz de conter multidões. Estas

coisas são quase um sonho que, se chega a ter qualquer sombra de realidade, se

desvanece em seguida nas nossas mãos, à maneira de um molde que se parte depois de

servir e não mais se repete.

Seja como for, sem o Senhor Patriarca ou com ele a distância, a deitar-nos a

sua bênção, com as mitras resplandecentes dos seus sufragâneos ou só com a mitra sem

diamantes do pobre pastor, com os dois leques de Roma a esvoaçar aos ventos de

Aveiro ou com os Irmãos a defenderem com as palmas fechadas a chama dos círios

para ela não se apagar à margem do rio, o que seria tristeza, seja como for, rica ou

pobre a instrumental, o sermão, o cortejo, o junco nas ruas, a exultação nas janelas, e

até estou a dizer que esta piedade interior, que não depende da iluminação nem de

bandeiras nem de qualquer fogo preso, ainda abrirá na boca da princesinha um sorriso

mais largo, mais maternal, do que mesmo se chegasse a Aveiro para a sua festa o

próprio Papa que está em Roma.

Em 1940, ainda por ação de graças pela restauração diocesana, recebeu Aveiro,

como se viu, o Patriarca de Lisboa. Ainda em 1952 celebrou D. João Evangelista o

programa festivo dos 500 anos do nascimento da Infanta D.ª Joana, em expressivo

júbilo e com iniciativas diversas por toda a Cidade57

.

56

Não é aqui exato D. João Evangelista uma vez que, como se verá, as celebrações pontificais decorreram

na Igreja de Jesus. 57

Vd. Anexo VII. P. 164

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52

2.3.2.4 D. Domingos da Apresentação Fernandes (1895-†1958-+1962)58

59

O segundo Bispo de Aveiro (que fora auxiliar do arcebispo D. João desde 1953 e

Vigário capitular até à sua eleição para a mitra aveirense) dedicou igualmente o seu zelo

pastoral ao culto a Santa Joana. Tendo sido o único bispo ordenado até hoje em Aveiro,

foram cedidos os paramentos da festa da Padroeira para a ordenação episcopal de D.

Domingos.

A esse propósito escreveu uma exortação pastoral60

.

Obedecendo a um impulso de piedade e à obrigação de velar pelo património

espiritual que Nos foi legado, empreendemos o labor aliciante de impulsionar o culto

da Princesa Santa e de envidar todos os esforços no sentido de a causa da sua

canonização entrar numa fase nova e, praza a Deus, decisiva. É este o motivo, amados

diocesanos, desta Nossa Exortação Pastoral.

Presentemente, o Postulador Geral da Ordem dos Dominicanos estudo em

Roma o processo, de há muito suspenso.

Importa, desde já, e em colaboração com a Postulação Geral, iniciar entre nós

uma cruzada de orações, lançar um movimento de devoção às relíquias de Santa Joana,

impetrar de Deus, por intercessão da nossa Padroeira, graças a milagres que decidam

da sua canonização […].

Assim, com a criação da “Associação dos Pajens de Santa Joana Princesa”,

que na presente data fica estabelecido na Igreja de Jesus, pretendemos congregar

muitos jovens de ambos os sexos em volta do seu Túmulo e das suas relíquias, em gesto

de prece e em preocupação de conhecerem as nobilíssimas lições da vida da nossa

Infanta.

Por ocasião das comemorações do bimilenário da primeira referência histórica a

Aveiro e do bicentenário da elevação a cidade, ocorridas em 1959 e revestidas de

particular brilho61

– sendo presididas pelo Chefe de Estado –, endereçou o prelado uma

58

Ibidem n.º 42 59

Ibidem n.º 43. Pp. 231-238 60

In Correio do Vouga, de 27 de junho de 1959. P. 4. 61

Foi nesse ano composto o Hino de Santa Joana, com autoria de Pe. João Gonçalves Gaspar (letra) e P

e.

M. Teixeira S. Sp. (música).

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53

carta, datada de 20 de abril, à Sagrada Congregação dos Ritos, solicitando, por parte da

Santa Sé, o reconhecimento oficial da Bem-aventurada Joana de Portugal como

protetora de Aveiro.

A missiva62

, ainda inédita, foi pedida à Cúria Diocesana de Aveiro que no-la

cedeu e que poderemos resumir em três propósitos. D. Domingos expunha:

1.º Tendo sido o Seminário Diocesano consagrado ao Sagrado Coração de Jesus

e o tendo como patrono, tomando em consideração a peculiar devoção de Aveiro à bem-

aventurada Infanta, com as devidas aprovações e declarações pontifícias, o Santo Padre

considerasse Santa Joana Princesa como titular do referido Seminário;

2.º A Cidade de Aveiro tinha, por costume imemorial, a Beata Joana de Portugal

como sua celeste protetora, manifestado pelo culto e piedade que se verificava

ininterruptamente desde 1490 junto dos restos mortais da Infanta. O Bispo solicitava,

pois, a aprovação do protetorado de Santa Joana junto de Aveiro, como acreditava

piamente o povo cristão da Cidade de Aveiro.

3.º Em ordem ao aumento do fervor religioso junto do Túmulo de Santa Joana e

para fomento da sua devoção junto dos jovens, solicitava o reconhecimento canónico da

Associação dos Pajens de Santa Joana63

.

A referida Congregação respondeu64

à petição negativamente a 23 de maio.

Como refere Madahil, O prematuro falecimento de D. Domingos da Apresentação

Fernandes não lhe permitiu continuar as diligências tão entusiasticamente encetadas

para a intensificação do culto da santa Princesa.

62

Vd. Anexo VII. Pp. 182-183. 63

Não deixa de criar curiosidade a razão pela qual D. Domingos envia para Roma o reconhecimento desta

associação, quando a sua jurisdição diocesana era bastante para o fazer. Depois, por quê criar uma

associação de leigos quando existia já a Irmandade? Encontramos apenas duas razões para tal facto: D.

Domingos estivera intimamente ligado à Ação Católica (era seu Superior ao tempo da nomeação

episcopal), verdadeiro músculo da juventude católica em Portugal. Sabendo que qualquer irmandade tem

o seu ritmo e baliza etária próprios, cremos que a autonomia de uma associação juvenil pretendia rasgar

horizontes e criar dinâmicas que a natureza, as características e as finalidades da Irmandade, não

colidindo, não abarcavam na totalidade o espírito que o bispo pretendia imprimir à associação. 64

De facto, com facilidade se encontrou o documento requerido. Já a resposta a que o Dr. Madahil teve

acesso, por mão de Monsenhor Aníbal Ramos, não se encontra na Cúria Diocesana. Tentativas em Roma,

diligenciadas por D. Carlos Moreira Azevedo, encontraram, em agosto de 2018, um rascunho de resposta

a enviar para Aveiro, no qual se expõem os argumentos para a recusa do ambicionado padroado.

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2.3.2.5 D. Manuel de Almeida Trindade (1918-†1962-1988-+2006)65

66

Tivemos já ocasião de avaliar o insucesso dos esforços de D. Domingos, no

sentido de reativar o processo de canonização da Infanta D. Joana. Sobre ela,

pronunciou-se D. Manuel67

:

A antiga padroeira de Aveiro não era Santa Joana mas a senhora Sant' Ana.

Houve tempos em que a laguna não tinha saída para o mar. As águas acumuladas

transformavam em pântanos as terras vizinhas. A malária e a peste eram o flagelo de

Aveiro. Para debelar esses males, o povo recorreu à intercessão da mãe da Virgem

Maria, tomando-a como sua padroeira. As espécies iconográficas conservadas

documentam o facto de maneira insofismável. Mas também as devoções estão sujeitas

às vicissitudes do tempo. O culto de Sant' Ana foi decaindo pouco a pouco. Hoje só os

eruditos sabem da existência dessa devoção. Novo astro se acendeu entretanto no

coração dos aveirenses. Uma princesa, deixando o fausto da corte, vira recolher-se faz

agora [1972] precisamente cinco séculos, dentro dos muros do povo Mosteiro de Jesus.

Tinha então 20 anos. A sua vida não foi longa mas foi bela.

Publicou Madhail68

a carta enviada por D. Manuel de Almeida Trindade ao Papa

Paulo VI, datada de 17 de junho de 1964. Mas regressando ao depoimento,

reproduzimos o que então declarou o prelado.

Surgiu entretanto um elemento novo no que se refere na história da vida e do

culto da Santa Princesa. Esse elemento foi a obra monumental do Pe. Dr. Domingos

Maurício Gomes dos Santos, “O Mosteiro de Jesus de Aveiro”, a expensas da

Companhia dos Diamantes de Angola. Esse trabalho pela extensão e rigor da

investigação histórica, pela riqueza da documentação aduzida e até pela dignidade da

sua apresentação gráfica não deixaria de fazer impressão em quem em Roma houvesse

65

Ibidem n.º 42 66

Ibidem n.º 43. Pp. 241-247. 67

Excerto de depoimento para o documentário de 1972, realizado pela Radiotelevisão Portuguesa, com

imagem de Artur Costa e Guilherme Costa, som de José Valente e Fernando Xis, montagem de Elisabeth

Fernandes, sonoplastia de Alfredo Pimentel, locução de Álvaro Nazareth, colaboração do Dr. David

Cristo e produção de Ana Maria Roseira. O teor do depoimento é sensivelmente igual à carta pastoral

publicada por D. Manuel por ocasião da divulgação da bula de 1965. 68

Ibidem n.º 19. Pp. 9-16.

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de se debruçar sobretudo no diz respeito ao que se refere ao culto a Santa Joana, e

assim aconteceu69

.

Na carta, D. Manuel fez menção à recusa dos sucessivos casamentos propostos e

à vida de rigor na observância das mais edificantes virtudes cristãs, não obstante a sua

dignidade real, o Bispo de Aveiro atentava para o facto de a filha de D. Afonso V ser

commumente denominada por Santa Joana Princesa, bem assim ao facto de nos anos de

1749 e 1752 o prelado de Coimbra ter visto reconhecidas as virtudes e milagres

atribuídos à Infanta em 17 de março de 1756 pelo Papa Bento XIV.

Rememorando a atribuição do epíteto de Protetora, durante as Invasões

Francesas que devastaram o País, reconheceu-se na intercessão da Bem-aventurada

Infanta a passagem incólume de tais turbulências em Aveiro.

Recorda-se, por fim, a ininterruptibilidade do culto prestado à Infanta, na

romagem piedosa ao seu Túmulo e particularmente no aniversário da sua morte, com

Missa e Procissão solenes, presididas pelo Bispo diocesano.

Assim, pedia D. Manuel de Almeida Trindade:

1.º a consideração de Santa Joana como Padroeira da Cidade e da Diocese de

Aveiro;

2.º que lhe fossem aplicadas as disposições para os Ofícios das Dioceses de

Portugal, de acordo com o Decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, em 26 de Julho

de 1960;

3.º que os textos da Missa fossem os indicados pelo Missal Romano para o

Comum das Virgens, sendo a passagem do Evangelho a parábola do Reino dos Céus

ser semelhante a um tesouro escondido.

Madahil recorreu a uma notícia de 17 de agosto de 1964, do Diário de Notícias,

que refere:

Esteve nesta Cidade o rev. Píccari, O.P., postulador geral, em Roma, das causas

de canonização da Ordem Dominicana e que aqui se deslocou propositadamente na

intenção de tomar contacto directo com o ambiente onde viveu e morreu Santa Joana

69

Não é totalmente rigorosa a afirmação de D. Manuel, porquanto em 1965 se encontravam publicados

três dos seis volumes da obra do Pe. Dr. Domigos Maurício Gomes dos Santos, dadas ao prelo em 1963 e

1966, respetivamente. Curiosamente, não se encontra reproduzida na obra do sacerdote jesuíta a bula de

1965.

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Princesa. O prosseguimento do processo de canonização, pedido e renovado com

empenho, constitui uma velha aspiração de Aveiro.

O rev. Píccari, que se fazia acompanhar do rev. Raul Rolo, da mesma Ordem,

teve uma reunião com a comissão encarregada do processo de canonização da

padroeira da Cidade e da Diocese, à qual presidiu o prelado, sr. D. Manuel de Almeida

Trindade. Aquele sacerdote religioso esteve também no antigo Mosteiro domínico de

Jesus, onde admirou o Túmulo da excelsa princesa, o templo, com o altar da invocação

da virtuosa filha do Rei D. Afonso V, a cela onde morreu, as suas relíquias e a sala

exclusivamente dedicada à sua iconografia.

Concluiu o investigador joanino:

Profundamente impressionado por quanto lhe foi dado observar […] o Rev.

Píccari, de regresso a Roma, reforça o pedido do Prelado aveirense […], firmando com

o seu nome […] exposição, dirigida ao Prefeito da Sagrada Congregação dos Ritos,

Cardeal Larraona.

Cremos que tudo concorreu para o sucesso da secular pretensão de Aveiro e em

5 de janeiro de 1965 foi tornada pública a decisão pontifícia de declarar Santa Joana

Padroeira da Cidade e da Diocese de Aveiro, pela bula Flos sanctitatem, da qual

retemos o essencial70

.

[…] A flor da santidade, com o auxílio de Deus, floresceu brilhantemente e deu

magníficos frutos em todas as classes sociais, conforme a história da Igreja o

demonstra; assim aconteceu entre os Reis e as famílias reais não menos que entre os

pobres e os humildes. Também a fértil e feliz terra lusitana, tão rica de santos, não só

se gloria de Isabel, conhecida por “Rainha Santa”, mas também outra Santa Aveirense,

descendente de régia estirpe. Com efeito, Joana – era este o seu nome – recusando

núpcias reais, passou a vida tão humilde e tão austeramente no Mosteiro Aveirense das

Irmãs Dominicanas, vulgarmente chamado Mosteiro de Jesus, que entre todas as

Religiosas sobressaiu em virtude e tornou-se insigne em milagres.

Em face disto, o Venerável Irmão Manuel de Almeida Trindade, Bispo de

Aveiro, também em nome do clero secular e do clero regular, das autoridades da

70

In Sagrada Congregação dos Ritos, n.º A. 21/965: breves apostólicos, n.º6/1965. Cf. ibidem n.º 16.

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Cidade e de todos os fiéis, suplicou-Nos vivamente que ratificássemos pela Nossa

Autoridade, aquele celeste Patrocínio sobre a Cidade e sobre a Diocese, as quais

saudamos com louvor.

Nós, portanto, de muito bom grado resolvemos atender ao pedido […]

declaramos Santa Joana, Princesa de Portugal, como principal Padroeira junto de

Deus para a Cidade e para toda a Diocese de Aveiro, com todas as honras anexas e

privilégios que legalmente competem aos padroeiros principais dos lugares, não

obstante seja o que for em contrário.

O prelado anunciou jubilosamente a notícia à Diocese em carta pastoral, de 7 de

Abril, com instruções quanto à festiva celebração em 12 de maio próximo (Eucaristia e

Procissão solenes; na devoção do mês de Maio e durante a respetiva novena de Santa

Joana se rezasse a oração da Missa que lhe é própria e que todos os Párocos celebrassem

a Eucaristia nas suas paróquias, convidando os fiéis não só a tomarem parte do ato

litúrgico mas ainda a darem graças ao Senhor pelo benefício recebido e a rezarem

pelas intenções do Santo Padre em sinal de reconhecimento).

Por fim, a Sagrada Congregação dos Ritos, em 13 de março, pelo seu secretário,

Fr. Fernando Antonelli, determinou o que liturgicamente se aplicaria doravante em 12

de maio na Diocese e Cidade de Aveiro, e ainda hoje se aplica71

.

Administrativamente, o Bispo de Aveiro instituiu em 11 de novembro de 1969 a

Reitoria de Santa Joana e em 1972 elevou a mesma a Paróquia, cujo templo teve a

deposição da primeira pedra em 30 de julho de 1972, na comemoração dos 500 anos da

chegada a Aveiro da Princesa72

.

A 30 de novembro de 1984, a Assembleia da República decretou a criação da

freguesia de Santa Joana, por força da Lei nº 63/84, de 31 de dezembro, para entrar em

vigor em 1 de janeiro de 198573

.

No final do múnus pastoral de D. Manuel de Almeida Trindade em Aveiro,

sentiu o Bispo o agonizar da Irmandade. É para o reavivar que nomeia uma Comissão

71

Vd Anexo XI. P. 187. 72

Vd Anexo XII, P. 188-189 e XII. P. 190-191. 73

Vd Anexo XIV, P. 192.

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Administrativa para a instituição, em carta pastoral, datada de 12 de maio de 198774

.

Respiguemos o essencial.

Desejando promover cada vez mais, a devoção à Princesa Santa Joana,

Padroeira da Cidade e da Diocese de Aveiro, como é comum ao sentir e á piedade dos

católicos aveirenses;

Desejando que o culto litúrgico em sua honra decorra com a maior dignidade

possível;

Considerando que a Irmandade de Santa Joana Princesa, com sede na Igreja de

Jesus, da Paróquia de Nossa Senhora da Glória, tem tido, desde a sua fundação, em

1877, essa finalidade específica;

Considerando a necessidade de reorganizar e de revitalizar a referida

Associação de fiéis, presentemente privada de órgão directivos eleitos;

Tendo presente o requerimento do rev. Pároco da Freguesia de Nossa Senhora

da Glória, seu assistente religioso, por si ou por delegado;

Tendo sido ouvidas diversas pessoas que, em particular e em reunião,

manifestaram livremente as suas opiniões;

Atendendo ao que prescreve o cânon 318, 1, do Código de Direito Canónico;

HAVEMOS POR BEM

1. Louvar o trabalho e a dedicação dos elementos dos diversos órgãos

directivos, que ao longo dos anos mantiveram viva a mencionada

Irmandade;

2. Constituir a Comissão Administrativa da Irmandade de Santa Joana

Princesa […] que entrará imediatamente em exercício e obedecerá ao

estabelecido nos respectivos Estatutos aprovados pelo Ordinário da Diocese

em 13 de Agosto de 1943, manter-se-á em funções – se outra coisa não for

determinada – até à primeira eleição e tomada de posse dos órgãos

directivos da Irmandade de Santa Joana Princesa, à qual se procederá logo

74

In Correio do Vouga, de 15 de maio de 1987.

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após a reformulação dos seus novos Estatutos, redigidos conforme o texto

nacional das Normais Gerais das Associações de Fiéis, a publicar

brevemente pela Conferência Episcopal Portuguesa. […]75

Finalmente, se refira parte do conteúdo do Comunicado n.º 176

da referida

Comissão:

Lembramos terem já divulgado os Reverendíssimos Prelados a intenção de, na

sua próxima presença em Roma, proporem à Santa Sé diligências em ordem à

canonização de Santa Joana Princesa. Ora, para a concretização deste passo, muito

concorrerão as orações dos seus inúmeros devotos.

2.3.2.6 D. António Baltasar Marcelino (1930-†1988-+2013)77

Como referido, D. António Marcelino interessou-se vivamente pelo culto à

Padroeira de Aveiro. Exceto um grupo dos graus juvenis não foi criado durante o seu

múnus pastoral. Acompanhou com vivo interesse a dinâmica que a Irmandade imprimiu

juntos jovens, comparecendo aos seus encontros e introduziu, como os seus

antecessores, o exemplo da Bem-aventurada Joana nas suas homilias, documentos

pastorais e na atividade programática da Diocese.

Porém, relativamente ao processo de canonização da Padroeira, nada foi

avançado. Pelo contrário, tomou-se a sua inutilidade como certa. Escreveu o Vigário-

geral de Aveiro78

,

75

À puridade, cremos ser necessário realizar esclarecimentos breves. A anemia da Irmandade deveu-se

fundamentalmente a dois factos: o período longo de provedoria do venerando Dr. Querubim do Vale

Guimarães desde 1925 até à sua morte, em 1970, conduziu a que, após o seu desaparecimento, nenhum

Irmão quisesse ocupar a função. Paralelamente, exerceu também a presidência do Lactário e do Amaro

dos Pobres, ambos sob o patronato de D.ª Joana e tiveram atividades entre as décadas de Vinte a

Cinquenta da centúria nossa anterior. Depois, ao tempo, as Associações de fiéis em Aveiro sentiam

grande dificuldade no recrutamento de Irmãos, cessando algumas delas as suas funções. Por exemplo a

Ordem Terceira de São Francisco suspendeu a Procissão das Cinzas em 1969 e a Irmandade do Senhor

Jesus do Bendito da Vera-Cruz extinguiu-se em 1974. Finalmente, a verdade dos factos levou a Comissão

Administrativa a elaborar os Estatutos, e só depois se convocarem eleições. 76

Arquivo Irmandade de Santa Joana Princesa. 77

Ibidem n.º 42. 78

GASPAR, João Gonçalves – Caminhar na esperança: Eixo, 2004. P. 208

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60

De 3 a 14 de Outubro de 1988 estive novamente em Roma, por incumbência

expressa de D. António Baltasar Marcelino, nesta ocasião para estabelecer vários

contactos em ordem a estudar a viabilidade de ser retomado o processo de canonização

de Santa Joana. Conversei demorada e pormenorizadamente com o padre José

Inocêncio Venchi, postulador-geral da Ordem Dominicana, e ainda me desloquei à

Congregação para as Causas dos Santos, onde o padre Ambrósio Eszer, relator, me

deu esclarecimentos úteis e mesmo necessários para o Reinício e prossecução do

trabalho. Estive também no Arquivo do Vaticano, durante várias horas, para consultar,

numa primeira abordagem, a documentação aí existente, tendo visto os milhares de

folhas dos processos numerados de 486 a 500, pertencentes ao “Fundo dos Ritos”.

Num dos dias posteriores […] fora do ambiente do Dicastério da Santa Sé e

como conselho particular, foi-me dito peremptoriamente que, para Aveiro, depois da

decisão de Paulo VI em declarar Santa Joana como sua Padroeira principal, a

canonização não teria valor acrescentado: ela, desde 1965, gozava das prerrogativas

na liturgia e no culto, próprias dos Santos, com memória obrigatória, festa ou

solenidade, com a invocação na anáfora e na ladainha dos Santos, e com a

possibilidade de ter Titular de Igrejas, instituições e associações. Guardei estas

palavras, ditas por alguém que estava dentro destes problemas: para quê tanto

trabalho e tão grande despesa, se nós já tínhamos o necessário?!...

D. António Marcelino, que recusou a conceção de armas episcopais, escolheu,

porém, como lema para o seu múnus pastoral a frase de São Paulo, Darei o que é meu e

dar-me-ei a mim mesmo pela vossa salvação, que fez imprimir em pagelas distribuídas

em 1988, aquando da sua entrada como bispo diocesano, tendo no verso das mesma

uma pintura da Padroeira, presente num cadeiral da Sé aveirense.

Inaugurou, ainda, as duas estátuas erguidas à Padroeira de Aveiro.

Efetivamente, nos inícios de 1989, organizou-se um movimento em Aveiro, que

tinha como objetivo a localização na Praça do Milenário um grupo escultórico que

simbolizasse a arte e o artesanato da cerâmica, uma vez que esta é milenar na

localidade. Considerava-se ser esse o local mais propício, já que se localizava nas

proximidades do antigo Bairro dos Oleiros. De imediato, a Irmandade de Santa Joana

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Princesa tomou a dianteira do projeto de edificação de uma estátua à Padroeira de

Aveiro, organizando-se, sobretudo em campanha no semanário da Diocese Correio do

Vouga, uma campanha de angariação de fundos para o bronze da futura estátua. Quase

sem estudo prévio, responsabilizou-se pelo trabalho o escultor-santeiro Joaquim Alves

Cardoso, da Vergada (Santa Maria da Feira). Com celeridade se adquiriu o metal

necessário a fundir e o Município ofereceu o pedestal. Assim, em frente ao antigo

Mosteiro de Jesus, inaugurou-se a estátua em 10 de Dezembro do mesmo ano de 1989,

prenúncio das grandes comemorações do ano seguinte. Em finais de 2001, D. António

Baltasar Marcelino, perante a construção, a expensas do Município de uma nova estátua

da Padroeira, de Hélder Bandarra, inaugurada em 12 de Maio 2002, com a presença dos

Duques de Bragança, a primitiva estátua transferida para o adro da igreja da paróquia de

Santa Joana79

.

2.3.2.7 D. António Francisco dos Santos (1948-†2006-+2017)80

No governo pastoral de D. António Francisco, a Padroeira de Aveiro foi sempre

referida ou solicitada a sua excelsa proteção, em homilias de celebrações diocesanas.

Em 2013, ano em que se comemoram as bodas de alabastro da restauração de Aveiro

enquanto sede episcopal, organizou-se uma peregrinação ao Túmulo da Padroeira e a

missa do dia 12 de maio foi celebrada em frente do Museu, na Praça do Milenário. A

imprensa e a própria organização realçaram a dezena de milhares de pessoas que

passaram na cidade na peregrinação e participaram na procissão, embora ambas tenham

revelado graves lacunas na dignidade e decoro que não se ligaram, pelos séculos fora,

ao culto à Padroeira.

As tentativas de retoma do processo de canonização da Infanta D.ª Joana por

parte de D. António Francisco não encontraram, nos seus colaboradores mais próximos,

acolhimento bastante para que o bispo se sentisse estimulado a prossegui-las. E assim

partiu para a Diocese do Porto, em 2014, onde permaneceu até 11 de Setembro de 2017,

data do seu falecimento.

79

Vd Anexo XVI, P. 195. 80

Ibidem n.º 42.

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2.3.2.8 D. António Manuel Moiteiro Ramos (1956-†2014)81

Após um período de Sé Vacante em Aveiro, em que exerceu as funções de

Administrador diocesano Monsenhor João Gonçalves Gaspar, D. António Moiteiro

realizou a sua entrada solene na Catedral a 14 de setembro de 2014. Ainda nesse ano,

como se referirá, institui a Comissão de gestão da Irmandade, preparou o cinquentenário

da declaração da Infanta como Padroeira da Cidade e da Diocese e anunciou a

reabertura do processo de canonização. Tendo tomado posse perante o colégio dos

consultores junto do Túmulo da Padroeira, só em 2017 instituiu Tribunal pro-

canonização e o seu Postulador. Em 2018, por sua sugestão e com maquete dos objetos

a apresentar em exposição por parte da Irmandade, realizou-se uma mostra no Museu,

Santa Joana e os Bispos de Aveiro (entre 12 de maio e 21 de outubro), mas apenas de

organização da Diocese e da Câmara Municipal.

3.Pela (Real) Irmandade de Santa Joana Princesa (desde 1877 até

2005)

3.1 As Irmandades na Igreja: história, regulativos e realidade82

São Lucas, no livro dos Atos dos Apóstolos, que terá sido escrito cerca de sete

décadas depois de Cristo, aborda já a organização que a Igreja mantinha na assistência

às viúvas pobres e outros necessitados da sociedade, bem como a promoção de coletas

em diversas comunidades para o patrocínio daqueles fins. O mesmo livro relata a venda

das propriedades e bens por parte dos primeiros cristãos, cujo produto depunham nas

mãos dos Apóstolos e seus sucessores (numa primeira fase sete diáconos), os quais

repartiam pelos mais carentes.

81

Ibidem n.º 42. 82

GASPAR, João Gonçalves e Georgino Rocha: As irmandades na igreja: reflexão sobre o passado e

pistas para o futuro. Aveiro: Secretariado Diocesano de Pastoral, 1981, Pp. 3-17. Cf. Dicionário de

História Religiosa de Portugal, Dir. Carlos Moreira Azevedo, Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2000,

Vol. A-C, Pp. 459-470.

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As próprias comunidades cristãs, vendo as necessidades da Igreja de Jerusalém

e, mais tarde, dos pobres da Judeia, mobilizaram-se em fraterno auxílio.

Grupo social perseguido e martirizado, com rituais ocultos das autoridades, os

cristãos associados eram juridicamente ilícitos, sendo mais tarde tolerados pela lei civil

como colégio funerário ou associação destinada ao exercício da piedade para com os

defuntos, o que garantia aos fiéis a certeza de uma sepultura e de um local de culto para

reunião. Era, pois, muito restrito o âmbito de ação dos cristãos, registando-se em

Alexandria, no século III, a atuação junto de enfermos.

Na centúria seguinte, no entanto, com a concessão da liberdade de culto e

terminadas as perseguições, os cristãos puderam assim reunir-se e celebrar a sua

liturgia. A Igreja encontrou rápida dinâmica de serviço público, particularmente na

emergência de novos valores sociais (inspirados nas bem-aventuranças; por exemplo na

exaltação da pobreza e condenação da riqueza/soberba), muito particularmente no

socorro aos mais necessitados e marginalizados da sociedade.

No século VII, em 658, os Bispos da Gália, reunidos num Concílio em Nantes,

decretaram leis ou regras às agremiações de confrades, entretanto constituídas, nos

domínios da caridade e da piedade. Estas agremiações passaram a designar-se por

confraternitates, literalmente confrarias ou irmandades; nestas instituições os

elementos, os confrades, chamavam-se por irmãos, de forma a melhor definirem os seus

sentimentos evangélicos e acentuarem a sua vinculação fraterna.

Com o decurso do tempo, as associações de fiéis, com aprovação enquanto tais

pela Igreja, foram-se distinguindo, tendo surgido outras denominações ou

nomenclaturas, conforme os fins próprios que visavam atingir. A estrutura eclesial e os

próprios fiéis, individualmente, criaram instituições que se especializaram, muito

particularmente, na assistência a enfermos, órfãos, viajantes e atormentados por

qualquer forma de miséria física ou espiritual. Os monarcas, na medida em que os

Estados se foram configurando e cristalizando e acolhendo o Cristianismo como religião

maioritária, favoreceram largamente estas atividades, às quais a Igreja concedia

bênçãos, indulgências e incentivos.

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Do século XIII em diante apresentaram-se três grandes famílias de associações

de fiéis: as Ordens Terceiras Seculares, que se destinavam particularmente à

concretização de uma mais perfeita vivência cristã, tendo os seus membros a obrigação

de testemunhar tal espírito e carisma dentro da Ordem Religiosa em que se inseriam,

embora num modo consentâneo com a vida secular; as Pias Uniões, cuja fundação se

ligou a uma finalidade assistencial e caritativa, acolhendo um vasto género de

instituições de solidariedade social, educação, cultura, evangelização, catequese e

assistência; e finalmente Solidalícios e Confrarias, cuja atividade principal, sem

detrimento da caridade fraterna, foram incremento do culto público, cabendo-lhes

especialmente o cuidado e público louvor a Deus, à Eucaristia, a Santa Maria e aos

Santos.

No que às Confrarias se refere, situa-se o seu nascimento no século XIII e XIV,

proliferando em Portugal por todo o território, e estando muito orientadas para o

exercício da piedade cristã, foram nascendo, desenvolvendo atividade, mantendo-se,

transformando-se ou decaindo e se extinguido. Agrupavam adultos, jovens e crianças,

das mais diversas classes e condições socais. Na linha temporal mais remota,

encontram-se a Confraria de Jesus, fundada em Lisboa em 1432, a Confraria de Santa

Maria (para clérigos inicialmente e mais tarde aberta a leigos), da Sé de Évora e com

instituição em 1469, e, em Aveiro, a antiquíssima Confraria de Santa Maria de Sá,

corporação de pescadores e mareantes, que não admitia outro género de profissão ou

artífice, distribuindo assinaláveis privilégios e respondendo a uma finalidade não só

religiosa e cultural, mas também cívica, caritativa e mutualista. Usufruía de elevados

rendimentos, mantendo hospital, farmácia, açougue e montepio para socorrer aos seus

irmãos e familiares.

Dentro das Confrarias, é de registar com particular sublinhado as Irmandades ou

Confrarias da Santa Casa da Misericórdia, dedicadas inteiramente ao exercício das 14

obras de misericórdia (sete espirituais e sete corporais). A primeira existente em

Portugal foi instituída pela rainha D.ª Leonor, numa capela da Sé de Lisboa, conhecendo

enorme desenvolvimento nos séculos seguintes e difundindo-se por todo o território

nacional, quer no continente europeu quer nos domínios do Ultramar. O seu

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regulamento, o Compromisso, constituiu modelo privilegiado das associações de fiéis,

com a respetiva adaptação à realidade eclesial e social em que se instituíam.

De forma crescente e com motivo diverso (incremento do culto eucarístico ou

desagravo à conspurcação ou furto das espécies), nasceram na Idade Média as

Confrarias do Santíssimo Sacramento, muitas delas se associando a um determinado

momento da vida de Cristo, daí a existência de muitas destas associações de culto

eucarístico Confrarias do Santíssimo Sacramento e do Senhor, ou com função exequial

e de sufrágio, Confrarias do Santíssimo Sacramento e das Almas. Mas não só, com

particular ação na Quaresma e para o exercício da piedade cristã e devoção à Paixão de

Cristo, multiplicaram-se em Portugal as Irmandades do Senhor dos Passos. O tempo foi

generalizando as invocações e desempenhos das Confrarias que entretanto foram

nascendo, particularmente no culto a Santa Maria, sob diversas invocações, e dos

Santos, cujas vidas divulgavam e de cuja devoção eram particulares responsáveis e

difusores.

Canonicamente, as associações de fiéis tiveram orientações claras quanto à sua

instituição e regulamentação em 1604, pelo Papa Clemente VIII, num exercício de

manifestação de autoridade da Igreja sobre as Confrarias ou Irmandades, que o poder

real também reclamava. Só em 1861 Pio XI voltou a legislar sobre o assunto e, na época

contemporânea, encontraram acolhimento nos Códigos de Direito Canónico de 1918 e

de 1983.

3.2 A Real Irmandade de Santa Joana Princesa

É parquíssimo o arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa. Exceto páginas

soltas de convocação de Irmãos (para eleições e para a procissão) e respetiva listagem,

desde 1877 apenas se conhece um livro de atas. Só a partir dos anos Oitenta do século

XX se constituiu um arquivo de tudo quanto diz respeito à atividade da instituição.

Restou-nos, pois, socorrermo-nos da imprensa de época (que apenas faz menção

ao programa de festas anual e a Assembleias-gerais) e aos instrumentos normativos que

regularam a Irmandade, de forma a deduzirmos a sua evolução.

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Tivemos já oportunidade de verificar com mais precisão a realidade da

implantação do regime constitucional e liberal em Portugal e a sua tendência hostil à

vida religiosa como sendo muito clara: quanto às comunidades masculinas procedeu-se

à exclaustração e alienação dos imóveis e bens e quanto às comunidades femininas,

atendendo à condição da mulher naquele tempo, manteve-se a vida religiosa, proibindo-

se porém a admissão de noviças, pelo que se extinguiu a vivência do mosteiro à morte

da última religiosa. Os seus imóveis e bens transferir-se-iam igualmente para a Fazenda

Pública.

Não obstante o consequente envelhecimento da comunidade religiosa, o natural

esmorecimento que a morte sucessiva das professas e a diminuição das suas rendas

provocava, nunca se deixou de realizar a festa da Bem-aventurada D.ª Joana e fazer

memória do seu excelso patrocínio. Somente em ofícios e missa na Igreja de Jesus ou

com procissão pelas ruas da cidade, não há dúvida que o Mosteiro sucumbia e com ele o

culto à Infanta. O seu biógrafo contemporâneo escreveu83

:

A agonia do Mosteiro de Jesus prolongou-se [desde 1833] por quarenta anos,

tudo se consumando em 2 de Março de 1874 – data em que se finou a última religiosa

professa, madre Henriqueta Rosa Anjos Barbosa Osório. Nos anos seguintes a Câmara

Municipal de Aveiro providenciou à festa de Santa Joana.

Um grupo alargado de aveirenses, muitos dos quais com projeção social e

formação bastante para consciencialização do momento presente, compreendeu a

necessidade de garantir a continuidade do culto a Santa Joana aquando da morte da

última religiosa do Mosteiro de Jesus. Foi assim que em 16 de março de 1877 um grupo

de cento e onze signatários instituem a Irmandade de Santa Joana Princesa., da qual foi

o seu primeiro Provedor Agostinho Pinheiro da Silva, antigo Presidente da Câmara. Não

obstante, uma portaria governamental de 30 de maio de 1877 concedeu à Irmandade o

uso da igreja conventual e outras dependências, nomeadamente o coro de baixo, e

alfaias de utilização litúrgica, para respetivo uso, havendo necessidade de os enunciar

em conforme inventário84

. No restante espaço do antigo Mosteiro de Jesus,

83

Ibidem n.º 1. Pp. 313-314. 84

Sobre este assunto se debruçou Amaro Neves em A Real Irmandade de Santa Joana Princesa e os seus

inventários artísticos. Artipol: Águeda, 1987

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correspondendo a um pedido dos aveirenses e do Vigário-geral, Pe. Dr. Manuel Baptista

da Cunha85

, instaurou-se, por força de portaria de maio de 1874, o Colégio de Santa

Joana, destinado a educandas, e cujo funcionamento se verificou até à aplicação em

plenitude das leis do Marquês de Pombal, do ministro António Augusto Aguiar e de

Anselmo Braancamp.

No esplendor da sua atividade, era assim descrita uma procissão de Santa

Joana86

:

A Procissão de Santa Joana, cujo Túmulo se acha na Igreja de Jesus, anexa ao

Museu da Cidade que foi antigo convento, é – por seu esplendor – uma das

manifestações religiosas de maior grandeza em toda a região.

A cidade veste nesse dia as suas mais luzidas galas. Colgaduras nas janelas,

ruas juncadas de folhagem e animação comunicativa do povo que ali acorre de todo o

distrito, são motivos que exprimem uma alegria sã neste ambiente de festa em

homenagem à Santa Padroeira.

Cerca das quinze horas começa a organizar-se o desfile.

Os sinos repicam festivamente anunciando a saída da Procissão.

À frente o “guião”, assim designado pelas funções de guia que desempenha no

trajecto a percorrer. Compõe-se de uma bandeira triangular, de damasco branco,

sobreposta com as insígnias da Confraria de Santa Joana, bordadas a ouro, conduzida

por um confrade. Da extremidade da haste suspendem-se dois cordões que outros

confrades sustentam, – um pela direita, outro pela esquerda –, afastados do “guião” o

bastante para delimitar o espaço, em largura, que o corpo da Procissão vai ocupar.

Segue-se esta insígnia a Cruz alçada, de prata, da confraria, ladeada por dois

ciriais, do mesmo metal e acompanhada a pouca distância por outro confrade que

conduz a vara de prata, de Juiz da Confraria. Em filas laterais, um após outro, seguem

os confrades, na sua maior parte homens do mar que nesse dia envergam o trajo

próprio daquela solenidade. Opa de seda branca, murça preta de seda, calção negro e

85

Vd. Anexo II. Pp. 173-175. 86

In CASTRO, D. José de, Aveiro – Culto religioso – usos e costumes. Tomo VI. Lisboa: Instituto de

Alta Cultura, 1943 Pp. 333-334. Este texto, porém, deve reportar para uma procissão anterior a 1888,

altura em que se adquiriu o atual estandarte e não se usava já o antigo guião.

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meia branca, também de seda, colete e casacos negros, luva branca e sapato preto com

fivela de prata, cores da ordem Dominicana a que Santa Joana pertenceu.

Em fila central aparecem crianças revestidas com o trajo de alguns Santos ou

Anjos.

Atrás delas o “andor” de Santa Joana, em talha dourada, conduzido aos

ombros por oito confrades, quatro de cada lado; cada confrade segura na mão

disponível uma vara, com a extremidade em forquilha de metal, que servirá para apoiar

o “andor”, toda a vez que haja necessidade de interromper a marcha, para descansar,

ou mesmo substituírem-se durante o percurso. No “andor”, juncado de flores brancas,

ergue-se a imagem de admirável escultura, revestida com o hábito da Ordem,

sobressaindo o manto negro primorosamente bordado a ouro. Recobrem-no, durante o

desfile, nuvens de pétalas lançadas das janelas.

Ladeiam o “andor” oito confrades com tochas de prata.

Após um intervalo preenchido com filas de confrades e crianças revestidas,

aparece o “andor” de São Domingos, fundador da Ordem, com igual luzimento do

anterior.

Segue-se então a parte propriamente litúrgica da Procissão; constituída pela

Cruz Paroquial e dois ciriais, de prata, conduzidos por seminaristas revestidos de

riquíssimos paramentos brancos e ouro. Por ambos os lados uma fila de seminaristas

com batina preta e sobrepeliz branca, procedem o “pálio” também de seda branca e

ouro, sustentado por oito varas distribuídas por confrades ou individualidades de

representação local.

Sob o “pálio” o sacerdote que preside à Procissão, acolitado por outros dois

igualmente revestidos de idênticos paramentos, conduz um precioso relicário onde se

guarda a relíquia da Cruz do Redentor, pequeno fragmento a que se dá o nome de

Santo Lenho.

Dois agrupamentos filarmónicos acompanham a Procissão em todo o percurso,

executando marchas lentas apropriadas.

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E, finalmente, o Povo fiel, de todas as camadas sociais, em oração de

agradecimento ou de súplica, numa atitude de piedoso recolhimento perante este acto

solene de devoção à Santa Princesa de Portugal.

E temos esse precioso relato, pela pena de Fernando Teles da Silva Caminha e

Meneses, Marquês de Penalva e Conde de Tarouca e Alegrete que, em 1873 nos deixa

este quadro precioso:

Achava-se a Igreja de Jesus ricamente adornada com as suas próprias

armações de damasco de oiro, dispostas com muito gosto e symetria; no altar da Santa

Princesa, ornado com armações da mesma tella, não faltava (como competia á

gerarchia da Santa), um rico docél, estava artística e elegantemente formado um

trophéo composto de bandeiras portuguesas, e de um manto real de velludo e seda, no

meio do qual se viam as armas portuguezas, e a corôa de espinhos, emblema da Santa

Princesa. Os riquíssimos paramentos, de um tecido de prata bordada a oiro, só podiam

rivalizar com os paramentos da Sé Patriarchal de Lisboa, ou da Real Capella de São

João Baptista de S. Roque; casula, dalmaticas, pavilhão, frontal, pallio, véo de cálix

etc., é tudo egual, e de grande valor; até a forma, porque estavam dobradas as alvas, e

toalhas, apresentava novidade e graça. Tornemos ainda ao altar de Santa Joanna. As

muitas flores artificiaes, que ornavam este altar, poderiam talvez rivalizar pela sua

perfeição com as obras, n´este género, do famoso Constantino, o portuguez conhecido

pelo nome de Rei dos Floristas. Era grande a profusão de luzes, e acertadíssima a sua

disposição. Pelas 11 horas do dia, abriu-se a grade do coro de baixo, e apresentou-se,

á vista dos fieis, o bello especatculo, de que apenas faremos imperfeito esboço, porque

talvez, nem mesmo a elegante penna de Garrett podesse descrever devidamente este

quadro, digno por certo dos pincéis de Raphael, de Miguel Angelo e de Morillo. O

tumulo, ou mausoléo, está collocado no meio do coro de baixo, a riquesa artistica

d´esta peça, a sua perfeita conservação, e magestosa ornamentação, e sobre tudo o

precioso thesouro que contém, bastariam para agradar aos olhos e impressionar os

espíritos, mas a piedade e a arte vieram ainda contribuir porque o espectáculo fosse

mais grandioso, imponente e bello. Em frente do tumulo estavam duas credencias, em

uma das qaues se achava collocado um cofre de cristal e prata onde se guardam as

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contas e o habito de Santa Joanna, e na outra em ambula de cristal, os louros cabellos

da bemaventurada Princeza. Grande profusão de flores artificiaes, obra perfeita das

pupilas do convento, serviam de ornamento ao tumulo e credencias. O côro estava

atapetado com uma rica alcatifa. Para completar tão bello quadro, viam-se aos lados

do tumulo duas respeitaveis sentinellas, ou antes, duas damas fieis e respeitosa, que

faziam aguarde de honra á sua Princeza; mas quem seriam estas sentinellas, estas

damas? Eram duas senhoras das que ainda se conservam no convento, e que, vestidas

com o habito de S. Domingos, realçavam a beleza do quadro, e não poderiam ser

observadas indiferentemente! Pouco depois das 11 horas principiou a missa, com o

Santíssimo exposto, cantada, com acompanhamento de órgão, pelas pupillas do

convento que teem lindas vozes. O sermão foi muito bom, e as sentidas lágrimas do

orador fizeram deslisar lágrimas pelas faces de muitos ouvintes, e principalmente pelas

das duas senhoras que estavam no coro de baixo, e é provável que acontecesse o

mesmo ás que estavam no coro de cima. Pelas 6 horas da tarde sahiu a procissão, pela

forma seguinte: abria o préstito a archy-confraria do Santíssimo Coração de Maria;

seguia-se o andor de Santa Joanna vestida com o habito dominicano, de seda, com

riquíssima bordadura de ouro, sendo a imagem perfeita e quasi de tamanho natural;

atraz d´este andor ia um lindo anjo levando o rosário da Santa; o 2º andor era de S.

domingos, bella esculptura e ricos vestidos; seguia-se outro anjo levando um livro em

salva de prata: acompanhavam a procissão as duas irmandades do Santíssimo das

freguezias da cidade, levando todos os irmãos opas de seda, prezas com cordões de

retroz e grandes borlas de ouro, e os que levavam as insígnias e pegavam nos andores

iam de casaca preta e de calção e meia, sapato e fivela. Uma linda menina ia no centro,

levando na mão um ramo de açucenas. Seguiam-se duas alas de sacerdotes com

sobrepelizes, e capas do asperges, e por ultimo o Santíssimo Sacramento debaixo do

riquíssimo palio já mencionado. A câmara municipal, de capa e volta e chapéo de

plumas, levando o seu rico estandarte,o ex.mo vigário geral, o ex.mo governador civil,

juiz de direito e auctoridades civis e militares, que todas assistiram á festa e

acompanharam a pomposa procissão; fechava o prestito uma das phylarmonicas da

cidade, e uma força de caçadores. É inexcedível a decência, ordem, respeito e socego

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com que se fez a procissão. As ruas estavam atapetadas com flores e junco, e as

janellas ornadas com bellas colchas de seda e damasco bordadas. Pode dizer-se, sem

exageração, que a festa de Santa Joanna, em Aveiro, é em tudo completa87

.

Na sua edição de 21 de maio de 1902 relatava o Campeão das Províncias:

Estava um encanto, o formoso e artístico templo de Jesus, no domingo. A

decoração dos altares e throno, era d’ uma grande symplicidade e bom gosto,

produzindo o mais bello efeitto.

Com a riqueza da armação e frontaes dos altares, que são o melhor que há no

paiz, casava-se bem a belleza das flores tanto naturaes como artificiaes, rivalizando

estas com aquellas, tal era a sua perfeição.

Os repiques dos sinos em todas as torres da cidade, incluindo a dos Paços do

concelho, as girandolas de foguetes e bandas de música percorrendo as ruas,

anunciavam desde a madrugada que a cidade estava em festa. Pouco depois das 11

horas, à egreja de Jesus principiava a afluir enorme concorrência que em breve enchia

o templo, deixando apenas livre, a custo, os logares destinados às auctoridades,

câmara municipal e demais convidados. Em frente, formava uma guarda d’ honra

composta de praças do regimento de infanteria 24, com a respectiva banda,

commandada por um oficial. Às 11 horas e um quarto, chegou o sr. Bispo-Conde

acompanhada pelo sr. Dr. João Evangelista de Lima Vidal, fazendo a guarda a

continência de estylo. No perystilo do templo, era s.ª ex.ª rev.ma

aguardado pelo sr.

coronel Gama Lobo, comandante da brigada, coronel Augusto Garcia, comandante de

infanteria n.º 24, com todos os seus officiaes, capitão Pessoa, commandante do

esquadrão de cavalaria n.º 7 e officiaes do mesmo, conselheiro José Ferreira da

Cunha, Duarte Ferreira Pinto Basto e outros convidados, direcção da Real Irmãdade

de Santa Joanna e todo o clero.

No templo achavam-se ainda os representantes do Rei e do Governador Civil.

Na missa solene, ao púlpito subiu o cónego aveirense João Evangelista de Lima Vidal,

pregando panegírico à Padroeira. Finda a celebração e recolhido o prelado à carruagem,

87

Recorte de jornal não identificado (Arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa).

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com todas as reverências e em ambiente de plena festa, esta ficava suspensa até à saída

da procissão, pela tarde.

O itinerário da imponente procissão de santa Joana princesa, que se realiza

como temos dito no próximo domingo 18 do corrente, é o seguinte: Ruas de Jesus,

Direita, Costeira, Praça de Luiz Cypriano, Ponte da Praça, Balcões, Rua dos

Mercadores, Mendes Leite, Manuel Firmino e do Gravito. O regresso pelos mesmos

pontos, que é seguir toda a rua de José Estêvão e ponte do Cojo. – relatava o Distrito de

Aveiro, em 12 de maio de 1902.

Presidente honorário da Mesa da Real Irmandade, oriundo até do Distrito de

Aveiro e confessado devoto da Infanta Bem-aventurada, o Bispo-conde D. Manuel

presidiu, como habitualmente, à procissão, com a primorosa compostura e solenidade de

sempre. Nada faria antever, ante o clima de festa da cidade, qualquer incidente, embora

alguns indícios existissem de que algo anormal sucederia. Os Irmãos de Santa Joana que

transportavam o andor de São Domingos, a imagem mais próxima do Pálio, mostraram

muita relutância em fazê-lo. As autoridades locais estavam parcamente representadas:

apenas três dos nove vereadores da Câmara e um deles confessadamente por ser Irmão

de Santa Joana, Avelino Dias Figueiredo, e o Governo Civil pelo seu Secretário-geral (o

Governador não esteve presente cumprindo luto).

Porém, com geral surpresa da população que assistia à passagem do préstito, as

primeiras irmandades, chegando ao alto da Costeira, atravessaram frente aos Paços do

Concelho e seguiram pela antiga Rua de Santa Catarina, não descendo assim pela Praça

de Luiz Cipriano. Apenas quando, sob o pálio, o prelado de Coimbra se aproximou na

Igreja da Misericórdia – Paços do Concelho se apercebeu de que o itinerário havia sido

alterado, dando, porém, ordens para que a procissão seguisse conforme estava

programado. Que irmandades tomaram tal ação e por qual motivo? Estavam certamente

presentes, porque de costume, as dos Santíssimo Sacramento da Vera-Cruz e da Glória.

Alguns laivos republicanos já a germinarem? Momento propício para manifestar ao

Bispo que se colocou na fileira contra a destruição do antigo Convento das Carmelitas,

conforme defendia a Câmara de Aveiro? Elementos contrários ao território aveirense

sufragâneo da Diocese de Coimbra e que haviam espalhado o boato de que o bispo

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arrecadara para si os bens da mitra extinta88

? (embora D. Manuel se tivesse batido pela

manutenção da diocese aveirense em 1881) ou, apenas e só, a antiga rivalidade das duas

freguesias da cidade? O Provedor em vão ordenou que as irmandades retrocedessem,

tendo apenas cumprido o mandato a Irmandade do Santíssimo da Glória (o que dá mais

força ao nosso último argumento89

), seguindo assim a procissão pelo percurso

estabelecido com o Pálio, autoridades e oficiais militares. Esperançou-se ainda que

fosse um mal-entendido e, à chegada da Ponte Praça, retrocedendo por alguma das ruas

transversais, retomassem os seus lugares os Irmãos. Mas apenas o piquete de cavalaria

novamente ingressou na procissão. No espaço que estabelece a fronteira natural da

Cidade, o Canal Central da Ria, gerou-se constrangedor cenário de desacato, onde

pequenos grupos populares impediram a junção das irmandades da frente do préstito

com as restantes sob clima de confusão e desrespeito pelo ato religioso. Aqui, sim, é

bem possível que estivessem presentes alguns elementos hostis à realidade religiosa,

que, aproveitando a ocasião, dirigiram contra o Bispo de Coimbra gritos subversivos e

exclamações. Valeu a força de cavalaria que isolou em particular o segmento clerical da

procissão, seguindo D. Manuel aparentando serenidade sob o Pálio, que recolheu à

Igreja de Jesus. Na rua do antigo Mosteiro, o tumulto aumentou, estendendo-se por toda

a artéria, onde se extinguiu por fim. Não terá sido porventura pouca a intervenção ou,

pelo menos, a presença do cónego aveirense Lima Vidal para que tudo findasse. Pelo

pôr-do-sol e à noite, muitos foram os aveirenses que manifestaram ao Bispo de Coimbra

o seu desgosto pela demonstração hostil à sua veneranda pessoa, sempre interessado na

região e que dera provas da sua particular atenção para com o culto joanino e o Colégio

estabelecido nas antigas instalações monásticas.

88 In GASPAR, João Gonçalves Gaspar – A Diocese de Aveiro – subsídios para a sua história. Edição

Revista e aumentada. Aveiro: Diocese de Aveiro, 2013. P. 267. 89

Já numa Procissão do Corpo de Deus, tendo o direito de findar a Procissão, antes do Pálio, a Irmandade

do Santíssimo Sacramento da Vera-Cruz, pelos anos Quarenta do século passado, mais antiga, de facto,

que a da Glória, mas esta entendendo que sucedia ao culto ao Santíssimo da Igreja Matriz de São Miguel,

posicionou-se no lugar que a Vera-Cruz entendia ter por direito. Existiram trocas de impressões, esta

última Irmandade retirou-se da procissão e, durante largos anos, até o ano 2000, não participou no préstito

do Corpo de Deus, altura em que o préstito não se circunscreveu às imediações da Glória, atravessou o

Canal Central e veio até à Vera-Cruz.

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Valerá a pena recordar palavras de quem viveu o incidente na primeira pessoa, a

Madre Constança das Carmelitas de Aveiro90

:

O Ex.mo

Senhor Bispo-Conde amava muito a nossa Comunidade, como o

mostravam os privilégios concedidos no ano de 1892, e não consentia em que se

demolisse o convento [das Carmelitas], como o Presidente da Câmara pretendia. Este

fez quanto pôde, e como não o conseguia, intentou fazer um levantamento em Aveiro, e

que o povo insultasse o Senhor Bispo […].

Sua Ex.ª o Sr. Bispo presidia à procissão e levava o Santíssimo Sacramento na

custódia, quando se notou uma desarmonia, e começou a confusão. Separou-se a

procissão do Sr. Bispo: este caminhava seguindo as ruas indicadas; os que levavam o

andor da Santa foram para outra rua, reuniram-se no átrio do templo e fizeram um

insulto ao senhor Bispo.

Começaram os gritos, os assobios, enfim, uma sublevação, pelo motivo de não

consentir que tocassem no convento, pois a horta grande já não existia.

Nós, ouvindo aquela diabólica manifestação, e sabendo que era por nossa

causa, estávamos aflitas. O Sr. Bispo, dentro da igreja de Jesus, estava pálido,

esperando que o povo acalmasse, tinha o seu coche à porta, mas não era possível sair.

Como a procissão era real, estavam todas as autoridades civis, todos os

miliares em seus cavalos, desejosos de que lhe dessem ordem para defender o Sr.

Bispo… mas como o queria quem promovia aquela desordem?

Passado algum espaço de tempo, resolveram-se a dar ordem aos militares, que

imediatamente formaram duas linhas e voltaram os cavalos para o povo, como para o

atropelar. Então pôde o Sr. Bispo sair da igreja: meteu-se no coche, e no meio de duas

fileiras de miliares de cavalaria seguiu para o paço episcopal.

Ao chegar à ponte ouviu-se um tiro, não se sabendo quem o disparou. Quando

chegaram ao Paço despediu-se a tropa e ficaram guardas para defender o Sr. Bispo.

Ainda assim houve quem disparasse um tiro a uma das janelas da sala, mas felizmente

não houve nenhuma morte.

Como conclui Amaro Neves91

:

90

In BELINQUETE, José Martins, cit. Crónica do Carmelo de Viana do Castelo in As Carmelitas em

Aveiro ontem e hoje. Aveiro: Edições Sinai, 1996. P. 176.

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É fácil compreender que a situação tinha uma base anticlerical e

antigovernamental. De facto, por esta altura, os partidos rotativistas incapazes de

soluciona os problemas nacionais, atacavam-se mutuamente enquanto engrossavam as

fileiras do Partido Republicano. Ora, atacar o bispo foi cair em desgraça com o rei.

Este, não o esqueçamos, era o “Juiz perpétuo” da Real Irmandade, enquanto o Bispo-

conde era seu “Presidente honorário”. Neste aspecto, o “desacato” foi mais grave do

que parecia à primeira vista.

Naturalmente que a imprensa local, em todos os seus matizes políticos, sociais e

religiosos, concedeu amplo espaço para argumentação na dimensão do sucedido, ora

responsabilizando anticlericalistas ora católicos pelo sucedido.

O certo é que, durante largos anos, a Irmandade não superou o abalo sofrido. As

festas de Santa Joana restringiram-se à Missa, ao beijar das relíquias e à piedosa visita

ao Túmulo. Mais ainda, o próprio corpo dos Irmãos de Santa Joana adoeceu e dividiu-

se. Em vão se procurou na provedoria do conselheiro José Ferreira da Cunha e Silva, em

penhor de unidade, que se não conseguiu. D. Manuel Correia de Bastos Pina, afirmara

não voltar mais a Aveiro. Não mais participou, é certo, em festividades joaninas, mas de

todo não cumpriu o que afirmara, já que recebera o Rei D. Manuel II, seu afilhado, no

Mosteiro de Jesus, aquando da visita à cidade, ocorrida em 27 de novembro de 1908. A

Real Irmandade teve, na ocasião, lugar apagado. É certo que fora o seu Pálio que cobriu

o augusto visitante à saída da antiga portaria do Mosteiro até ao landau que o levaria.

Mas quem tomou as honras da casa ante o monarca fora a Madre D.ª Maria Ignez

Champallimaud Duff.

Senhor – dirigira-se o Provedor da Irmandade, Joaquim da Silva Peixinho, a el-

Rei –, é pobríssima esta Real Irmandade de Santa Joanna Princesa de Portugal em

cujo templo vossa majestade se dignou entrar, vindo ungir com as suas orações o

Túmulo da Santa e marcando uma data de júbilo e honra nos annaes d’ esta

corporação, fraca de haveres do mundo, mas rica, de uma riqueza incomparável pelo

valor do tesouro sagrado que tem na sua posse e da qual presta fervoroso culto.

91

NEVES, Amaro – A Real Irmandade de Santa Joana Princesa e os seus inventários artísticos. Artipol:

Águeda, 1987 P. 65.

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O augusto pae de vossa magestade, el-rei D. Carlos I, por certo, considerando a

caridade que esta míngua merecia e a veneração que era devida àquelle tesouro,

consentiu em ser o presidente perpétuo d’ esta irmandade.

E nós, afoitando-nos com esse exemplo que tanto nos enalteceu, ousamos pedir

a vossa magestade el-rei Senhor D. Manuel II, que egual mercê vossa majestade nos

conceda e que o seu tesouro, senhor, seja também protecção e escudo da nossa

humildade e engrandeça a memória da virtude que ella tem por missão guardar92

.

Foi a mensagem escrita em pergaminho e encerrada numa pasta forrada de

pelúcia pelas cores nacionais, com cantos e fecho em prata, tendo ao centro sobre uma

palma as armas de Santa Joana Princesa. Numa cartela muito elegante fora escrito: A

Real Irmandade de Sacta Joanna Princeza a sua magestade el-rei D. Manoel II.

Não nos iludamos, pois, com tais elementos, pois na visita a todo o antigo

Mosteiro, não teve qualquer papel a secular Irmandade, nem consta documento em que

o último monarca português aceitasse tal presidência. Tangiam, assim, a agonia os sinos

pelo culto à Princesa na sua Lisboa, a pequena.

Soaram as troadas republicanas em todo o País. Que sucederia a uma instituição

de católicos com particular empenho no culto a uma Bem-aventura advinda de sangue

real? Sabendo da apagada atividade da Irmandade já antes de 5 de outubro de 1910, não

é difícil adivinhar o seu futuro nos anos vindouros. Dele nos ocuparemos mais adiante.

Certamente que os aveirenses, quase na sua totalidade, com profundo respeito e

veneração pela Princesa, veriam com tristeza as cinzas em que se transforma o culto a

Santa Joana. As celebrações quer dos anos últimos da monarquia quer dos princípios da

república foram várias vezes promovidas pela comunidade dominicana ainda existente

em Aveiro, sem intervenção da Irmandade ou muito reduzida.

A 18 de outubro de 1910 saíram do Mosteiro de Jesus de Aveiro as últimas

irmãs professas, encerrando-se e selando-se as portas do edifício. Um decreto

ministerial de 23 de agosto de 1911 destinou o espaço e dependência do antigo

convento à instalação de repartições públicas, escolas, tribunais, quartéis, destinando-se

a parte adstrita ao aos claustros da igreja – que já havia sido qualificada monumento

92

Recorte de jornal não identificado (Arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa).

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nacional – à instalação de um museu regional, sob administração municipal. Contudo,

na incapacidade da edilidade levar por diante tal propósito, a 7 de julho de 1912, o

Estado tomou em seu encargo a instalação e conservação do respetivo museu.

Em todo este processo de mudança de regime político, onde ficara o culto À

Infanta, nomeadamente pela sua Irmandade? Reuniram-se os Irmãos em 6 de novembro,

resolvendo apresentar ao novo Governo petição para restituição dos bens arrolados

como propriedade pública93

.

E lamentavam-se as celebrações por esse tempo94

:

Tempo houve em que o Convento de Jesus foi opulento e mimoso dos bens da

fortuna […] Hoje, porém, d´essa prosperidade passada apenas lhe resta a recordação.

Foros, décimas e privilégios arrebatou-lhos a nova reforma eclesiástica e a sua

decadência manifestou-se em tudo, até nas solenidades do culto religioso, que outrora

se fazia ali com todo o luxo e ostentação, até na festividade solenne da Santa Princesa,

no dia 12 de Maio, antigamente celebrada com todo o explendor e magnificência […].

Os esforços da Câmara, empenhada nos festejos à Protectora, permitiam, ainda assim,

a celebração do 12 de Maio com alguma dignidade.

A instabilidade do regime republicano e consequentes desordens públicas e

indefinições da autoridade conduzem inevitavelmente ao esmorecimento nas

organizações de eventos públicos, mormente de cariz religiosa. A Igreja encontra, na

verdade, um clima de hostilidade no período a seguir à Revolução de 5 de outubro. A

sua ação, se não proibida, esteve pelo menos condicionada aos espaços estritamente

religiosos. Não obstante a extinção da Diocese de Aveiro em 1881, a festa da Protetora

aveirense revestiu nestes anos proporções modestas.

Só na aurora da restauração da Diocese, o estandarte com as armas da Infanta

veria a luz do dia e da devoção.

93

In Campeão das Províncias, de 2 de novembro de 1910 e de 9 de novembro de 1910 94

Recorte de jornal não identificado (Arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa).

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3.3 Espaços de culto da Irmandade de Santa Joana Princesa95

Refez-se, ainda que brevemente, o percurso da partilha do espaço monacal entre

as religiosas dominicanas e a Real Irmandade, posteriormente a entrega de todo o seu

valioso e diverso recheio (pintura, escultura, paramentaria, livro antigo, etc.) até à

nacionalização de todo o imóvel e seu espólio.

Nem sempre foram amistosas as relações entre o Estado (como entidade

proprietária e gestora do Museu) e a Irmandade de Santa Joana. Os regimes políticos, o

enquadramento social e a própria dinâmica da instituição conduziram aos já referidos

momentos de clivagem, cordialidade, acordos tácitos e por fim acordos escritos para um

espaço museológico com utilização pontual para celebrações religiosas.

Vejamos, por ora, os espaços joaninos, não nos ocupando na sua dimensão

artística, mas cultual.

Sendo todo o espaço, hoje ocupado pelo Museu Aveiro – suas coleções e

reservas, salas polivalente, pedagógicas, laboratoriais de restauro e conservação,

biblioteca e de arquivo – uma memória viva da presença da Infanta D.ª Joana em

Aveiro, não há dúvida que a igreja do antigo Mosteiro do Santo Nome de Jesus é o

espaço onde ela se encontra em plenitude. Na verdade, não só o altar-mor que lhe é

dedicado, mas quer a azulejaria e a pintura, tudo ao gosto barroco, em conjunto com o

Túmulo, constituem o espaço por excelência do culto joanino em Aveiro.

Assim também a sala do lavor, no primeiro andar do edifício, dedicada, tal como

se antevê, aos trabalhos manuais nos tecidos e bordados, converteu-se, mesmo na sua

exiguidade uma biografia plena da Infanta. No local onde faleceu, estiveram depois

reunidas as principais espécies cultuais e documentais da Infanta. Ali se recolheu o

códice da Crónica e do Memorial, durante largo tempo algumas as suas relíquias – que

iremos referir – e as próprias imagens processionais. As telas, mesmo anacrónicas,

porque representam o dobrar da Idade Média para a Idade Moderna, na qual D.ª Joana

viveu, ao gosto do século XVIII, no seu vestuário e artefactos, apresentam a inequívoca

decisão da Infanta pela religiosidade, por Aveiro e pela humildade.

95

Cf. Museu de Aveiro – Roteiro, Zulmira Gonçalves (coord. edit.), DRCC/DGPC, 2011.

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3.3.1 Igreja de Jesus

A capela-mor (obra portuense, 1725-29) foi realizada pelos entalhadores e

escultores António Gomes e José Correia e pelo pintor Manuel Ferreira e Sousa. As

figurações dos mais importantes passos da vida de D.ª Joana, na referida capela-mor,

mas também as pinturas parietais e na parte superior das sanefas, encontram ali no

esplendor do ouro e do gosto barroco uma catequese pictórica e imagética que

sucessivas gerações de religiosas e religiosos, nobres e povo manifestaram o seu culto à

humilde Infanta, que ali vivera quando o espaço era bem diferente: pobre, isolado e

recolhido96

.

Com sucessivas intervenções ao longo dos séculos, que não cabem neste

momento referir, desde que se constituiu, a Irmandade de Santa Joana Princesa procurou

que o culto eucarístico se realizasse na Igreja. Ao longo dessas décadas a celebração da

missa foi sendo assegurada com regularidade, tendo ou não a Irmandade capelão. A

própria solenidade de 12 de maio ora se realizava na Igreja de Jesus ou na Catedral,

nesta última naturalmente desde quando a atual circunscrição episcopal existe. Do

adorno e luzimento do templo se ocuparam as irmãs zeladoras da Irmandade de Santa

Joana. Pregadores de renome ocuparam o púlpito da Igreja, particularmente na novena

da Infanta e na sua festa97

. Ali se rezaram as horas canónicas antes da procissão para a

Catedral ou se deram a beijar as relíquias, bem como se organizava, de lá partia e lá

chegava a procissão de Santa Joana.

Nos dias de hoje, os compromissos de Aias e Cavaleiros são ali realizados, bem

como a admissão de novos Irmãos e Irmãs, em 12 de maio. De lá parte o cortejo de

entrada da missa festiva e para lá se regressa, após oração junto do Túmulo, a qual finda

as celebrações da manhã. Da parte da tarde, é da Igreja de Jesus que saem para a rua as

venerandas relíquias da Bem-aventurada, o Pálio, o estandarte e os ciriais, onde

regressam no final do percurso.

96

Sobre a pintura e azulejaria no antigo Mosteiro de Jesus vd. ob. cit. n.º 95. Pp. 63-102; 195-208. 97

Vejam-se as grelhas no Anexo XIX. Pp. 200-204.

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3.3.2 Sacristia da Igreja de Jesus

Ainda hoje, do ponto de vista estatutário, a sacristia da Igreja é a sede da

Irmandade de Santa Joana. Numa das paredes, junto à porta interior de acesso à

sacristia, do lado da Epístola, encontra-se uma placa que atesta de forma inquestionável

a doação à Irmandade do templo98

. Nada, porém, desta instituição hoje lá se encontra,

salvo o seu brasão em estuque no teto, e duas placas que assinalam a sua fundação e

também uma homenagem aos Irmãos fundadores e dirigentes.

Durante vários anos se reuniu ali a Direção da Irmandade e tomavam posse, a 12

de maio, os seus dirigentes.

3.3.3 Túmulo

Tivemos já ocasião de detetar os locais de sepultamento da Infanta D.ª Joana.

Não atentamos em pormenor para o estilo primoroso de mármore embutido com que

João Antunes99

o idealizou e concebeu – sendo a sua única obra tumular –, mas

referimos dois aspetos. Adiante se abordarão outros aspetos.

Como se compreenderá, este é o lugar privilegiado da ligação entre os crentes e

a Padroeira de Aveiro. Ali têm afluído reis e rainhas de Portugal100

, prelados de vários

pontos do globo, várias peregrinações diocesanas e nacionais, e visitas individuais.

98

É este o texto: HOC TEMPLUM / QUOD AB INITIO SORORUM / SANCTI DOMINICI FUERAT /

REGANTE LODUVICO Iº / REGINA QUE MARIA PIA, ET / SUB PONTIFICATU PIO IX, / REGIAE

AGGREGATIONI / SANCTAE JOANNAE PRINCIPIS / TERTIO CALENDAS JUNII / ANNO

MDCCCLXVII / DATUM FUIT. E a cuja tradução se propõe: Este templo, que de início foi das Irmãs de

São Domingos, reinando Luís I e a rainha Maria Pia, sob o pontificado de Pio IX, foi dado à Real

Irmandade de Santa Joana Princesa, nas terceiras calendas de Junho de 1877. 99

Cf. BIRG, Manuela – João Antunes: arquitecto, 1643-1712. Lisboa: Instituto Português do Património

Cultural, 1988. 100

Na verdade, o século XIX é rico nos laços de piedosa devoção bragantina à filha d’ O Africano. De

facto, em 1852, D. Maria II, o rei-consorte D. Fernando e o futuro rei D. Pedro V visitaram Aveiro, na

Igreja de Jesus ouviram Te Deum e devotamente oraram junto dos restos mortais de Infanta D.ª Joana. A

Irmandade de Santa Joana Princesa, como se viu, em 1877, fez inscrever no artigo 2.º o Rei D. Luís como

Juiz perpétuo e solicitar a concessão do título de Real à Irmandade, como já desde o príncipe regente D.

João em 1806 declara a Procissão como Real. Em 1887 D. Luís, portanto, Juiz in jure da Irmandade e D.ª

Maria Pia visitaram este mesmo espaço. No primeiro ano século XX, o Príncipe-herdeiro D. Luís Filipe

foi constituído Irmão honorário da Irmandade de Santa Joana. D. Manuel II visitou, como se abordou já, o

antigo Mosteiro de Jesus (Notas do Arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa).

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Mesmo personalidades que confessam o seu ateísmo, ali têm estado e admiram a peça.

Assim aconteceu, por exemplo, com José Saramago, nas suas Viagens a Portugal.

Até à instalação da Comissão administrativa da Irmandade, era necessário o

pagamento de um bilhete completo para acesso ao Túmulo. Desde 1988, é possível

visitar e, quem o desejar, ali rezar, deixar uma flor e ou uma esmola e levar consigo uma

pagela devocional da Bem-aventurada Joana. Como se referiu, ali terminam as

celebrações da manhã e, durante todo o dia 12 de maio, centenas de rosas são ali

depostas como sinal de promessa que se cumpre.

3.4 Alfaias do antigo Mosteiro e da Irmandade

Nacionalizados os bens do antigo Mosteiro, teve a Irmandade a necessidade de

gerir com o Estado a forma de serem colocados os objetos litúrgicos à disposição para a

realização das festividades de Santa Joana. Nem sempre foram amistosas tais relações,

mas, aproximando-se o dia 12 de maio, nada foi faltando para a festividade.

Durante vários anos, aprimorou-se na armação dos altares, principalmente no

dedicado à Princesa. Para as celebrações litúrgicas usavam-se os ricos paramentos da

festa joanina.

Com o desaconselho da armação dos altares, pelas alterações litúrgicas

introduzidas no II Concílio do Vaticano, paralelamente ao esmorecimento da atividade

da Irmandade nos anos sessenta e setenta do século passado, a festa de Padroeira

conheceu proporções modestas. Conforme as possibilidades, organizava-se a procissão

ou se restringia o culto à Igreja.

Nos anos oitenta do século XX, uma direção mais rígida do Museu e uma ativa

Comissão administrativa nem sempre conseguiram chegar a termos pacíficos de

colaboração, sendo necessária a mediação, em várias ocasiões, do Bispo de Aveiro.

Causaram grande pesar, sobretudo, a substituição dos mantos reais (vestes em seda

bordadas a ouro que revestiam as imagens processionais), e recolha e substituição do

Pálio (também em seda e bordado a ouro) e dos paramentos da festa, por razões de

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conservação museológica101

. Foi ainda proibida a utilização de paramentaria do Museu

nas celebrações da Catedral.

Atualmente e ao abrigo do referido protocolo, pede a Irmandade que a Câmara

Municipal confira autorização para que sejam colocados à disposição: bandeira de

damasco branco, com as armas da Padroeira bordadas a ouro e cruz de prata, que dois

ciriais de prata acompanham, uma naveta e um turíbulo, ambos em prata, com as armas

de Santa Joana, cofre-relicário com correia e fragmento de hábito, em cristal e prata,

relicário com madeixa de cabelo, em prata e cristal e relicário do Santo Lenho, em prata,

Pálio e respetivas varas e remates em talha, oito vasos em talha para os ramos de flores

em tecido, quatro deles para andor processional da Bem-aventurada Joana com respetiva

escultura de roca, com os seus atributos em prata, coroa de espinhos e resplendor e

crucifixo em madeira e prata, e quatro vasos para o andor processional de São

Domingos, com respetiva escultura de roca, com os seus atributos em prata, resplendor,

estrela de estigma e vara e cruz tríplice em prata com açucena entrelaçada.

Também nos anos Oitenta terminaram, como já referido, as celebrações

dominicais na Igreja de Jesus e demais igrejas da Paróquia da Glória, existindo apenas

na Igreja matriz, Igreja da Misericórdia e Igreja do lugar de Vilar.

O culto à Padroeira de Aveiro encontra na Irmandade, cremos nós, uma rica e

variada realidade religiosa e cultural que tentámos explanar ao longo do tempo, e nos

seus matizes humanos e materiais.

Esse mesmo culto, difundido e praticado por estruturas religiosas distintas

(Diocese, Ordem dos Pregadores, Paróquias e Irmandade) pertencem a uma mesma

realidade social, a Igreja Católica. Como referimos na introdução, optámos pelo estudo,

tão fundamentado quanto possível, do filamento cultual a que se dedica a Irmandade de

Santa Joana Princesa em Aveiro.

101

A 20 de abril de 1989 a Irmandade expressou à Diretora do Museu o seu desagrado pelas vestes com

que se revestiram os andores a partir da procissão do ano anterior, solicitando diligências, junto da

Secretaria de Estado da Cultura, para restauro dos Mantos reais. Sem sucesso, dirigiram-se a 3 de abril de

1990 à mesma responsável, questionando se, tratando da efeméride dos 500 anos do falecimento da

Padroeira, as imagens processionais iriam revestidas com os vestes novas ou com os Mantos reais.

Obtiveram resposta, em 10 de abril, do Instituto Português do Património Cultural, na qual informam ser

intenção da entidade governamental abrir uma exposição para mostra das tais peças já que, pelo seu

deterioramento, era impossível revestirem as imagens processionais (Arquivo da Irmandade de Santa

Joana Princesa).

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Não sendo tão antiga quanto outras associações de fiéis, quer na cidade quer no

País, assume contornos muito próprios e reconheceu momentos de grande projeção e

outros de esmorecimento, como é natural. Tentámos, por isso, avaliar em que medida

mutações políticas e sociais influíram na instituição e qual a sua resposta.

Assim, é de crer que a Irmandade de Santa Joana Princesa, não sendo a única

instituição que intervém no culto à Padroeira de Aveiro, desempenha primordial,

específico e singular papel num lastro de tempo com origem em 1877 até aos nossos

dias.

Vejamos na dimensão material e normativa.

Associadas ao culto encontram-se diversas relíquias, de natureza distinta e

adstritas a diferentes materiais102

. Assim encontramos:

1.Túmulo: mármore, coro de baixo do antigo

Mosteiro de Jesus, do século XVIII. Para ele

concorreu o erário real103

. Túmulo do arquiteto

João Antunes, em mármore branco, policromo,

esculpido e embutido. Tem de altura 2, 96 m, de

largura 1, 37 m e de comprimento 2,14m A arca

tumular em pedra mármore policroma em forma

de paralelepípedo retangular, feito de embutidos

de motivos vegetalistas, florais e geométricos, de

cores vermelha, amarela, preta, cinzenta, branca, e azul, com duas pedras de armas, com

o escudo de Portugal cada uma, encimados por uma coroa real, a decorá-lo na parte

102

Todas as informações e imagens foram retiradas da página de Internet https//:www.matriz.dgcp.pt 103

Ibidem n.º 5. P. 597, Cópia, do século XVIII, em Arquivo da Universidade de Coimbra, Convento de

Jesus de Aveiro, Tom. 51, fols. 514-515- Alvará de Filipe II, de Portugal, pelo qual concede 50$00 Reis

de esmola para restauração do: Visto as cousas que alegão e vossa informação e parecer acerca do que

pedem, ey por bem e vos mando que lhe entregueis e façaes entregar, logo, sem duvida nem embargo

algum, os cincoenta mil Reis, que se tiraram no arrendamento das sisas da dita Vila, o anno passado do

seis centos e hum, para refazimento da sepultura da Infante Sancta, de que na dicta petição fazia

menção, não entrando nisso cousa alguma da minha fazenda. Para a construção do mausoléu

concorreram proventos da Vila de Aveiro e da comarca da Vila de Esgueira.

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superior e assente em base de forma retangular também em mármore policromo. As

quatro faces (semelhantes duas a duas e duas maiores a posterior e anterior, duas

menores, a cabeceira e os pés), estão inseridas em molduras relevadas, com decoração

vegetalista e floreada e de enrolamentos de folhas de acanto, em número de oito, nos

quatro vértices do paralelepípedo da arca. As faces maiores apresentam ao centro uma

reserva com a representação de uma cruz, de cor acastanhada, inserida numa coroa de

espinhos doirada; a face da cabeceira apresenta ao centro uma reserva com uma palma

verde que sai de uma coroa (diadema) de princesa, doirada; a face menor que lhe é

oposta, apresenta ao centro uma reserva com três lírios brancos. O Túmulo é rematado

na parte superior por um frontão interrompido, tendo ao centro, na posição inversa à da

sua orientação, uma peanha de forma retangular, com embutidos em mármore

policromo, assente em folhas de acanto brancas, sobre a qual poisam os dois escudos

com as armas de Portugal (em mármore policromo, voltados cada um para o exterior, de

costas lisas e sem decoração), ladeados, cada um por dois anjos querubins em pedra

mármore branca, encimados, cada uma, por uma coroa real em pedra branca, com

motivos em mármore policromo. Na parte inferior o retângulo tumular assenta numa

base de rebordo saliente, (semelhante à superior que antecede o frontão), com motivos

vegetalistas e geométricos policromos, segura por quatro anjos, em mármore branco,

com as mãos levantadas sentados em mísulas redondas, com as pernas cruzadas,

colocados sob os quatro vértices do Túmulo. Nas duas faces maiores (posterior e

anterior), entre os anjos, em mármore branco, apresentam-se duas fénix renascidas (uma

de cada lado), sob cada qual se lê a inscrição latina EX CINERE (A partir das cinzas).

Todo o conjunto que constitui e decora esta arca tumular assenta numa base de forma

retangular, com motivos embutidos em mármore policromo, preto, vermelho e branco,

de feição geométrica.

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2.Peça em prata e vidro, com 24,7 cm de

altura, 14,1 cm de largura e 23,5 cm de

comprimento. Guarda parte do hábito e da

correia: no interior de cofre-relicário em prata

e cristal, do século XVII 104

. A correia é

datável de 1472 a 1490, é constituída por

couro e bronze e as suas dimensões são 3 cm

de largura e 81 cm de comprimento. A

apresenta uma das extremidades cortada,

tendo apenas um orifício na ponta, e a outra,

terminada em bico, apresenta uma aplicação em bronze, com forma de resplendor. O

mesmo tipo de aplicação rodeia os 5 orifícios sequenciais do cinto que se concentram na

metade do cinto correspondente à ponta da peça descrita.

Contém ainda fragmento do hábito: peça pertencente ao vestuário usado pela Infanta

Aveiro. Algum tempo após a sua morte, nomeadamente em 1701, a então prioresa D.ª

Isabel da Visitação, encomendou um cofre relicário em prata e vidro, destinado a

receber parte do hábito (túnica e escapulário) e o cinto usados pela princesa.

3.Peça em prata e vidro, do séc. XVII, possui de altura 30,4 cm e de

diâmetro da base 9 cm e tem no seu interior madeixa de cabelo.

Existe uma placa circular de chumbo presa ao interior da base.

Relicário de forma cilíndrica que contem uma madeixa de cabelo

que a tradição diz haver pertencido à Infanta D.ª Joana. A base

circular é alteada e apresenta decoração fitomórfica. O corpo divide-

se em parte inferior, semiesférica, de superfície lisa e superior

formado por um recipiente cilíndrico em vidro, onde se encontra a

relíquia, ladeado por três tiras de contorno recortado. O relicário é

104

Deste cofre-relicário foi retirado em 2015 um rosário, que a tradição atribui à pertença da Santa Joana,

mas que estudos recentes dataram como posterior à centúria da Princesa. Deverá ter sido, pois, colocado

junto aos seus restos mortais e exumações posteriores, ao encontraram-no, associaram ao uso pela Bem-

aventurada. Não existem, na verdade, descrições da primeira nem da segunda exumação.

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encimado por cúpula com o mesmo tipo de ornamentação da base e

rematado por cruz latina sobre pequeno globo.

Sobre ambos os relicários, que saem em procissão a 12 de maio, escreveu

Marques Gomes105

:

Da mesma epocha do relicario é sem duvida o cofre como este pertencente à

Real Irmandade de Santa Joanna Princeza e que como elle contém reliquias da sua

santa padroeira. No cofre, do lado opposto às armas reaes portuguezas, veem-se as da

Ordem Dominica como aquelas, abertas a buril, e no fundo está esta inscripção:

“Sendo Prioreza-madre-sôr-Isabel-da-Visitação – 1701”. Não era necessario este

testemunho para se conhecer que o cofre era obra do começo do seculo XVII, pois os

ornatos de cercadilho que n’ elle se veem são caracteristicos d’esta epocha. Dentro do

cofre está parte do habito e da camisa com que a Santa Princeza falleceu, uma correia

e um rosario. Este ultimo é notavel pelos engastes de oiro que sustentam as contas e

bem assim pela cruz que é de filigrana de oiro, de delicado lavor. Julga-se ter

pertencido também á mesma Santa Princeza, não podendo ser argumento em contrario

do que muitos pensam, é antiquissimo. Estas reliquias, incluindo o cabelo, estavam n’

um só cofre depositado no côro de cima e quando em junho de 1689 o bispo de

Coimbra D. João de Mello veio examinar os restos mortaes da Princeza e proceder a

um longo inquerito para o processo da beatificação, e foram tambem examinadas por

este prelado que tirou uma pequena parte de cada uma d’ ellas para mandar para

Roma. Na feitura do cofre procurou imitar-se o desenho do grandioso tumulo que jaz

presentemente a Santa Princeza e que, ao tempo estava em construcção, pois foi

começado em 1699.

4.Cristo crucificado, possivelmente coevo à estadia de D.ª Joana em Aveiro, e nas suas

mãos à hora da morte, com engastamento de cabelo atribuído à Infanta. A cruz e a

imagem de Cristo, em estilo gótico, são de madeira esculpida, com cabelo natural e

coroa de espinhos em arame. Tem de altura 76 cm e de largura 37,3 cm. Este crucifixo,

105

Ibidem n.º 44. P. 38.

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denominado de Santa Joana, princesa, porque a ela atribuído com Cristo crucificado

morto numa cruz latina, com uma tabela com a inscrição "I. N. R. I." pregada à parte

superior do braço vertical. A figura de Cristo tem a cabeça inclinada sobre o seu lado

direito, com o rosto com os olhos fechados, com barba e bigode, apresentando-se com

cabelo natural, levando sobre a cabeça uma coroa de espinhos feita em arame; à cintura

tem atado um cendal dourado. Aberta no peito tem uma ferida da qual jorra sangue

vermelho pintado, bem como nos braços e pulsos, presos, com cravos de metal, um de

cada lado da cruz, nos braços laterais, e nos pés, sobrepostos o direito sobre o esquerdo,

presos com um cravo de metal, na parte inferior da cruz do braço vertical. A cruz é

bastante mais comprida do que a figura de Cristo.

5.Busto-relicário, é constituído por barro policromado, vidro e madeira e aparenta ser

trabalho português. Possui de altura 24 cm, de largura 10 cm e de comprimento 19 cm.

Representando a Infanta D.ª Joana em busto, de frente, com a cara inclinada sobre a sua

direita, com o "olhar em alvo", coifa na cabeça até ao pescoço, sobreposta de um véu,

do seu hábito de dominicana, de cor escura, com uma coroa de espinhos, por cima. O

busto desenvolve-se pelo corpo, sem braços, até quase à cintura, policromado com

motivos florais verdes, de folhas, em relevo; na frente, a meio do peito, tem o espaço

para uma relíquia coberta por um vidro. O corpo alonga-se pousando numa peanha do

mesmo material, barro policromado, verde escuro, e o conjunto constituído pelo busto e

por esta peanha assenta numa base de secção retangular de barro pintado de vermelho,

com a inscrição Santa Joana na face da frente.

6. Prisma-relicário: datado entre 1690 a 1700, com dimensão de 55,7 cm de altura, 16,5

cm de largura e 10,3 cm de profundida, é de lavra proto-barroca e é construído por

madeira, vidro, elementos orgânicos tais como osso, plica, entre outros. A téc. ica

aplicada é a policromias e entalhamento da madeira com aplicação de folha de ouro.

Este relicário em madeira entalhada e dourada com pintura a preto no exterior e a

vermelho no interior; peça definida por uma base, corpo intermédio e remate. Peça

tridimensional em forma de prisma triangular com três faces fechadas e uma

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envidraçada, assente em base ou plinto retangular. A base forma um pedestal com

mostruário circular envidraçado colocado na face principal; o interior da base tem uma

concavidade de secção circular envidraçada e emoldurada com filet dourado e quatro

folhas em esquadria; no interior está exposto um fragmento de osso calcinado

(texturado), e elemento esférico não identificado. O corpo intermédio da peça tem uma

face envidraçada e o interior é vasado, pintado e subdividido em sete partes. Estão

expostas as relíquias de santos, com legenda individual manuscrita a aparo e de cor

sépia, sobre tiras finas de papel. Descrição das relíquias: canto inferior esquerdo – Santa

Sancha; canto inferior direito – Rainha Santa Isabel; intermédio esquerdo – Luva de

Santa Joanna; intermédio direito – Capa de S. Domingos; médio esquerdo – Osso de

Santa Joanna; médio direito – Osso de S. Domingos; vértice superior – Mártir. Remate

tridimensional em forma de pinha ladeada de duas folhas de acanto com a face posterior

plana; composição de fecho entalhada e dourada.

7.Peanha-relicário: constituída por madeira e vidro contém relíquia de D.ª Joana, do

século XVII. Esculpida e entalhado dourado e policromado possui de altura 22 cm, de

largura 27,5 cm e de comprimento 36,5 cm esta peanha de secção rectangular tem

decoração de "marmoreado" no tampo e na face frontal, esta sobredecorada com festão

de flores e laçadas douradas. Estas laçadas rematam o vidro na face frontal, através do

qual se podem ver três relíquias: de Santa Joana, de Santo Augusto e de Santa Teresa de

Ávila. A parte inferior da peanha assenta em quatro pés dourados e decorados.

8. Retrato datável entre 1472-1475, em óleo sobre madeira de

castanho. Tem de altura: 60 cm e de largura 40 cm. Apresenta

busto da Infanta D.ª Joana, de frente, em traje de corte. Cabelo

comprido de cor clara; cabeça cingida por crespina em ouro,

com pedraria e pérolas. Vestido com decote rendado,

pronunciado em bico. Mão direita sobre o colo, parcialmente

coberta por uma madeixa de cabelo, apresentando um anel no

dedo indicador. Provavelmente trazido por D. Filipa (filha do

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Infante D. Pedro, Duque de Coimbra) para o Mosteiro de Jesus de Aveiro.

9. Esta imagem, originalmente feita para o altar da invocação

de Santa Joana, na Igreja do Mosteiro de Jesus, foi usada nas

celebrações da beatificação da Infanta, que decorreram em

Aveiro, em 1695. O seu lugar de destaque, no altar lateral

mais rico da Igreja de Jesus e diante da porta exterior, onde

ainda hoje se encontra, completado pela riqueza da imagem,

ficar-se-á a dever à expansão do culto e após a sua

beatificação. Representação iconográfica de Santa Joana,

nesta escultura de vulto. D.ª Joana veste o hábito da Ordem

Dominicana, suporta um resplendor de prata símbolo da sua

Beatificação, e, ainda, como seus atributos pessoais tem uma

coroa de espinhos, em prata, sobre a cabeça e segura nos

braços um Crucifixo, as suas armas assumidas (ou armas

espirituais) pela vida religiosa que escolheu. A seus pés, na base estão representadas três

coroas, que simbolizam os três casamentos reais que, segundo a lenda, lhe foram

propostos e recusou, para abraçar a vida religiosa. A base, do século XVIII, ostenta as

armas da Infanta: um escudo em forma de lisonja, ladeado por dois anjos-tenentes, com

as suas armas reais do lado direito e vazio do lado esquerdo, reservado, nos escudos

femininos, às armas do marido.

É uma escultura de vulto em madeira policromada, estofada e dourada,

constituída por duas partes: a escultura e a base em que assenta, que lhe é posterior, do

séc. XVIII. A Infanta apresenta-se de frente, vestindo o hábito de dominicana, com

túnica, em madeira dourada estofada, com motivos vegetalistas, caindo em pregas até

aos pés, tapando-os, decorada com uma barra a toda a volta, com relevos aplicados e

pedrarias, que se repete nas mangas largas, do tipo das do séc. XVII, deixando ver o

interior; por cima da túnica à frente tem o escapulário, também em madeira dourada,

(sendo o forro, de que se vê a ponta direita à frente, dobrada, em madeira estofada, igual

à túnica), decorado com relevos aplicados e pedrarias, formando uma decoração de

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motivos vegetalistas, e alguns geométricos. Por cima tem uma capa, em madeira

dourada e estofada, no exterior e no interior, pelas costas, apertando à frente, junto ao

pescoço, onde fecha, decorada aí com pedrarias aplicadas, que cai atrás até meio das

pernas; a capa vem à frente do lado direito, sendo segura pela mão da princesa junto ao

corpo. Sobre a cabeça tem um véu até aos ombros, que tapa a coifa de senhora,

característica do séc. XVII, encimada por uma coroa de espinhos, em prata, seu atributo

pessoal. Apresenta cara e mãos com carnações e segura nos braços uma cruz de prata;

Atrás da cabeça tem um resplendor de prata, radiado, com pedra preciosa ao meio. Base

de secção trapezoidal, com a aplicação escudo de armas, em lisonja, na frente, encimada

por coroa aberta, ao meio, ladeada por motivos vegetalistas em madeira dourada e

policromada, segura por dois anjos tenentes, nus, com carnações, com tira de madeira

dourada ao peito, no corpo, com uma coroa aberta junto da parte inferior do corpo de

cada anjo, de cada lado. A lisonja assenta o vértice inferior noutra coroa, fechada, tendo

mais duas, uma de cada lado, na parte superior da base, junto à(s) cabeça(s)

respetivamente de cada anjo estão representadas as suas armas espirituais, a coroa de

espinhos e a cruz.

10. Rosário de São Domingos

Escreveu Marques Gomes106

:

Do século XVII é do mesmo modo o rosario de filigrana d’ oiro da Real

Irmandade de Santa Joanna Princeza, do qual se havia dito com cruz e pingente da

mesma filigrana e fios de perolas, pendentes d’ este ultimo.

Cremos ser este o rosário que pendia do punho direito da imagem processional

de São Domingos e que até aos anos Oitenta do século passado CINZAS continuava a

pertencer ao conjunto que se apresentava em andor. A propósito, refiram-se alguns

aspectos sobre a apresentação das imagens em procissão.

Sabendo que os andores107

foram substituídos e revestidos por paramento

próprios, até 1988 o andor de São Domingos – além de preceder o de Santa Joana e não

106

Ibidem n.º 44. P. 11. 107

Em 2016, particularmente para sua inclusão na exposição patente no Museu de Aveiro Santa Joana:

devoção e festa, foram restauradas e conservadas as imagens de Santa Joana e São Domingos.

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o contrário como nos dias de hoje – apresentava um supedâneo no centro, onde se

colocava a imagem processional. O cão, elemento icónico ligado ao fundador da Ordem

dos Pregadores, não se encontrava aqui, mas na própria base do andor, no vértice direito

da frente. O dito rosário pendia, então, para o lado esquerdo. Os ornamentos florais

constituíam uma moldura e privilegiavam, conforme pudemos apurar por testemunhos

orais de provectos aveirenses, a cor branca e vermelha, coloração do gironado do brasão

municipal. Já o andor da Padroeira, em tudo igual ao de São Domingos, apresentava

apenas na decoração, a que denominavam jardim e que ia da base até ao topo do

supedâneo, constituição essencialmente por rosas, flor muito associada ao culto à

Padroeira de Aveiro.

11.Objeto levado pelo presidente da procissão sob o Pálio

Não é uniforme o objeto transportado pelo presidente da procissão, por norma o

Bispo da Diocese. As referências mais remotas indicam levar-se o Santíssimo

Sacramento numa das duas custódias do antigo Mosteiro, envolto em véu de ombros e

sob o Pálio. Em algumas imagens, o prelado encontra-se sob o pálio de cabeça

descoberta e indo atrás deste docel a umbela, objeto litúrgico adstrito ao transporte do

Santíssimo no interior da igreja. Referências iconográficas indicam o transporte do

Santo lenho, visível por ele mesmo, envolto em véu de cálice e pela apresentação do

Bispo com a sua mitra, o que as prescrições litúrgicas não permitem utilizar quando se

transporta o Santíssimo Sacramento. Além disso, as normas emanadas do II Concílio do

Vaticano proíbem a incorporação do Santíssimo em procissões onde se apresentem

imagens, o que foi sempre o caso da que se realiza em honra da Infanta D.ª Joana.

12. Pavilhões de paramentos

Maria João Mota, estudiosa dos têxteis existentes no Museu de Aveiro, tem

persistentemente investigado acerca da origem e associação destes paramentos às

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92

celebrações da Padroeira108

, não tendo encontrado, porém, fontes documentais que

encaminhem para uma origem precisa. Através dos inventários que se foram realizando,

listagens e catálogos de exposições foi recolhendo informação e cruzando-a com

universo documental mais vasto.

Sistematizamos os paramentos associados ao culto à Infanta D.ª Joana:

I – (XVII-XVIII): manga de cruz; duas dalmáticas; duas estolas de diácono;

quatro manípulos; uma casula; três estolas; capa de asperges; três colarinhos; gremial;

pano de estante; frontal de altar; Pálio de oito varas e respetivos laços (8); pano de

púlpito;

II – (séc. ?): capa de asperges; estola; manípulo; casula.

Sobre a origem dos paramentos a primeira informação é fornecida no Catalogo

da Exposição de Arte Religiosa109

:

O convento de Jesus foi sempre desde o seu começo uma verdadeira escola de

lavor; quasi todos senão todos, os riquissimos paramentos, hoje da Real Irmandade de

Santa Joanna Princeza, e que formavam um dos melhores patrimónios d’ aquella casa

religiosa, foram executados ali. Mas de tantas bordadoras insignes só um nome chegou

até nós, soros Maria das Chagas, que fr. Lucas de Sancta Catharina diz ser de

“singular em obras de agulha, dextra em debuxos e na invetiva d’elles.110

O autor, Marques Gomes, que publicou o catálogo em parceria com Joaquim de

Vasconcelos, não indica, porém, a fonte para a sua fundamentação. Bastaria a referência

a uma religiosa com particulares dotes neste campo e a existência de uma sala do lavor

no Mosteiro para tal conclusão? Remota ligação poderá existir com a encomenda

realizada em Roma a expensas da Igreja de São Roque, em Lisboa, sendo raro o

paramento português de Setecentos cuja lhama ou bordado não consistisse uma imitação

mais ou menos aproximada de São Roque. Aqui se incluiriam os trabalhos efetuados em

Aveiro. Apesar dos estudos realizados por Maria João Mota só uma análise comparativa

exaustiva entre o pavilhão de paramentos do Mosteiro de Jesus e o de São Roque

108

Cf. MOTA, Maria João – Museu de Aveiro, da colecção à musealização: têxteis. Paramentos e alfaias

da festa da Princesa Santa Joana. Tese de Mestrado 2002-2004. 109

Ibidem n.º 44. P. 85. 110

Cit. Terceira parte da História de São Domingos. Porto: Lello Irmão, 1977. Liv. IV, cap. XVIII.

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poderia dar filamento histórico na sustentação de uma escola com origem naquelas

peças romanas.

No que concerne à utilização dos paramentos dos séculos XVII e XVIII111

, e

antes de retomarmos a questão da origem destes objetos de culto, refira-se que a sua

utilização se verificou até há pouco mais de cinquenta anos. Na verdade, a imprensa

local, ao longo de todo o século XX referia, na informação sobre as festividades de

Santa Joana, na Igreja de Jesus ou na Sé (a partir de 1938), o uso pelos celebrantes das

riquíssimas casula, dalmáticas, capa de asperges, estolas e manípulos. O pálio chegou

mesmo a sair à rua até à aquisição do atual, em 1988. Nos meados do século anterior, já

os diretores do Museu colocavam algumas reservas no seu emprego litúrgico, dada a

precaridade que apresentavam e o agravamento na conservação pela sua utilização.

Excetuaram-se, com respetivo pedido formal ao responsável superior do Museu de

Aveiro, o empréstimo de alguns paramentos em 1938 (entrada solene de D. João

Evangelista de Lima Vidal enquanto Administrador Apostólico da Diocese), 1953

111

Maria João Mota baliza temporalmente este pavilhão de paramentos: O conjunto de lhama surge

referido em todas as listagens e inventários do antigo convento ou dos seus fiéis depositários até à

criação do Museu, sendo inquestionável a sua existência a partir de 1859. Por outro lado, as suas

características téc. icas e materiais situam-no entre finais do séc. XVII e o decorrer do séc. XVIII. Assim,

parece-nos determinado o pormenor referido para o novo túmulo, em 1711, na qual se refere a utilização

de um pálio de seis varas. Sabemos assim que o pálio de oito varas pertencente ao conjunto não estaria

ainda a uso nessa ocasião e, do mesmo modo, o restante conjunto. Desta forma ficariam eliminadas as

datas anteriores a 1711. Por outro lado, tendo em conta os elevados recursos que a partir da década de

40 são canalizados para a prossecução do processo de canonização da Princesa, e consideradas as

posteriores restrições decorrentes das reformas pombalinas, com Frei João de Mansilha, parece-nos

mais lógico apontar para o período de maior desafogo económico, balizado entre 1711 e 1740. […]

Quanto ao conjunto de seda canelada [capa de asperges; estola; manípulo; casula], constatámos a sua

ausência nas listagens de 1859 e 1888, 1922 e 1942 e nos catálogos das diversas exposições. Das datas

mais significativas na história do culto, posteriores a 1942, a de 1959 parece-nos uma hipótese

fortemente provável. Lembramos o facto de o Bispo de então ser um fervoroso impulsionador do culto da

Princesa. […] Coincidentemente o novo bispo era um homem de elevada estatura, o que poderia

justificar que a capa do conjunto agora encomendada tivesse de sofrer alterações para aumentar a sua

altura.

Não nos parece plausível esta hipótese. Nem o Monsenhor João Gaspar (secretário particular dos

três primeiros Bispos de Aveiro) nem o Pe. José Martins Belinquete, a quem questionámos sobre o

assunto, têm memória de qualquer encomenda, quer por parte da Diocese quer pessoalmente por D.

Domingos da Apresentação Fernandes ou outro bispo, assim como não existe nenhum documento relativo

aos referidos paramentos. Junta-se ainda o facto de, por finais da década de 50 e inícios de 60 do século

passado, a preocupação por parte da Diocese em liquidar as despesas com a construção do Seminário de

Aveiro e do Colégio do Calvão, descartaria este tipo de gastos. Poderia advir a oferta de particular, mas

de novo nos encontramos perante a falta de documentação sobre tal presente. No governo pastoral do seu

sucessor, parece-nos ser ainda menos possível a aquisição ou oferta. Apenas de conhece a utilização dos

referidos paramentos em ocasiões muito especiais e não com regularidade, o que não sucederia se D.

Manuel de Almeida Trindade tivesse direta ligação com eles.

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(ordenação episcopal de D. Domingos da Apresentação Fernandes, Auxiliar de Aveiro)

e 1965 (entrada solene de D. Manuel de Almeida Trindade como Bispo de Aveiro)112

.

No entanto, por virtude da grande cordialidade e bom relacionamento nas décadas de

Quarenta a Setenta, não era rara a utilização de vários paramentos do Museu, dada a

pobreza neste campo da contígua Catedral de Aveiro. No que concerne à procissão, o

fim da utilização das alfaias seculares ocorre em 1965, quando a Sé adquiriu um

pavilhão de paramentos113

.

Retomando o filamento da origem das espécies têxteis ligadas ao culto a Santa

Joana, recordemos dois pontos prévios: por um lado a natural existência de espaços e

religiosas adstritas à confeção de roupas de uso pessoal ou litúrgico – para consumo

interno ou para conventos ou igrejas locais – e de acordo com o evoluir das práticas,

materiais disponíveis, gostos e indicações litúrgicas; por outro, a partir do Concílio de

Trento, a importância recrudescente da paramentaria, em conjunto com o canto, a

melodia, os metais preciosos, a arquitetura dos templos, as determinações dos diversos

ritos litúrgicos, entre outros, reverte num maior investimentos vestes celebrativas, não

obstante os mercados têxteis, metais e pedrarias disponíveis a partir do século XV.

A este propósito, e no levantamento efetuado por Maria João Mota das receitas e

despesas do Mosteiro nos períodos imediatamente após a Beatificação da Princesa

(1697/1699/1672), constitui-se como pouco provável a capacidade das religiosas, por si

mesmas ou por encomenda, de adquirirem tais peças.

No conjunto da produção têxtil do Mosteiro de Jesus, a estudiosa constatou:

Não encontramos mais nenhum conjunto tão completo e com o mesmo mérito de

execução. As peças de maior qualidade existentes na colecção do Museu, e

tradicionalmente atribuídas às religiosas do Convento de Jesus, são, na sua

generalidade, peças avulsas ou pequenos conjuntos. Pensamos mesmo que muitas serão

112

Maria João Mota indica também a utilização em 1940, por D. Manuel Gonçalves Cerejeira, de tais

paramentos. Pelas fotografias existentes da procissão, verifica-se a utilização do pavilhão do Patriarca de

Lisboa, constituído pela capa magna do Patriarca D. José Francisco de Mendonça (1786-1808),

dalmáticas, mitra preciosa para o Cardeal e mitras simples para os monsenhores mitrados e flabelos do

mesmo predecessor no Patriarcado. A ter utilizado os paramentos aveirenses seria na Missa segundo rito

joanino. 113

Constituído por casula, duas dalmáticas, duas tunicelas, capa de asperges, seis estolas, três manípulos,

véu de cálice, véu de ombros e bolsa de corporais.

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provavelmente resultantes de dotes ou ofertas piedosas ao Convento. Aqui, e uma vez

mais, se levanta a questão da atribuição da sua origem a um trabalho conventual, a

qual se tem verificado não assentar em provas documentais mas sim na tradição.

Acrescentamos ainda mais um pormenor que não nos parece despiciendo:

nenhum dos paramentos tem elemento algum ligado à iconografia da Padroeira de

Aveiro. Ao compararmos com o sumptuoso Túmulo e a sua superabundância imagética,

não deixa de pesar no nosso espírito que estes paramentos não têm origem em Aveiro

nem se ligam de princípio ao culto joanino.

Assim, e em concordância com a investigadora na não comprovação da

produção aveirense dos paramentos ligados ao culto a Santa Joana, a investigadora abre

duas hipóteses: doação do duque ou família ducal de Aveiro, em homenagem à sua

distante parente, ou por via de patrocínio régio, à semelhança de outros benefícios ao

Mosteiro e para o próprio culto da Princesa.

Explorando a hipótese de encomenda ducal, sabe-se que D. Gabriel de Lencastre

foi benemérito para com várias instituições de Aveiro, entre elas o Mosteiro de Jesus,

em capela do qual, aliás, e contígua ao coro de baixo, foi sepultado. À data da sua

morte, a comunidade determinou um ofício de lições e missa em cada aniversário, na

gratidão pelas benesses ao mosteiro, nomeadamente os lampiões que iluminavam o

Túmulo da remota antepassada. Mas de nada mais há registo. A investigadora refere,

então, a falta de referência aos paramentos nas ofertas ao Mosteiro de Jesus,

salvaguardando, porém, a necessidade de análise dos livros de despesas e receitas da

Casa de Aveiro para excluir completamente a hipótese da proveniência desta na

encomenda de paramentaria, a qual, a confirmar-se, seria de mão espanhola, uma vez

que ali residiram os Lencastre entre 1663 e 1732.

A oferta por via régia parece ser ainda a mais provável e, do ponto de vista

financeiro, a que poderia comportar despesa de tal monta. De facto, D. João V

beneficiou o Mosteiro de Jesus e demonstrou-se particular devoto da Santa Princesa,

quer pela oferta do Túmulo e da fachada do cenóbio, que se lhe atribui, quer o apoio

fornecido para a canonização da antepassada. Assim, se a oferta se concluir por

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encomenda régia, Maria João Mota aponta as oficinas de Lisboa ou de Itália para a

confeção dos paramentos.

Não parece, por conseguinte, possível a hipótese de um outro benemérito que

oferecesse tal preciosidade às monjas dominicanas.

3.5 Estatutos fundacionais (1877)114

Vistos já, na linha do tempo, os motivos que originaram a instituição da

Irmandade de Santa Joana, é necessário, ainda que brevemente, verificarmos o

enquadramento histórico em que tal ocorreu.

Refere Veríssimo Serrão que As relações entre o Estado e a Igreja foram de

maneira geral satisfatórias durante o terceiro liberalismo115

. Na verdade, a instituição

eclesial prosseguiu as suas atividades pastorais e sociais sem interferência ou

impedimento de maior por parte dos Governos. Em 1877 ocorre o fim do primeiro

consulado de Fontes Pereira de Melo no poder, sucedendo-lhe na presidência do

Ministério o Duque de Ávila. Nos inícios de 1876, sentiram-se em Portugal os efeitos

da especulação que haviam sofrido os títulos da dívida pública espanhóis. Sendo

possível evitar no imediato tais consequências no país, pelas falências sucessivas

ocorridas desde fevereiro, em junho a situação agravou-se. Havia interesses conjuntos

na construção das linhas de ferro peninsulares, pelo que a desconfiança gerada levou a

uma corrida aos bancos e à falta de liquidez para garantir os encargos116

. A crise

estendeu-se a todo o território português, iniciando-se no Porto, disseminando-se em

todo o Douro e estendendo-se a Lisboa. Em agosto, porém, Fontes Pereira de Melo

considerou a crise debelada, responsabilizando a oposição como geradora do

acontecimento ou, pelo menos, quem dele tirou dividendos. Na verdade, o chefe do

Governo conseguira empréstimos junto de Londres, não só para o Tesouro, mas também

para o Banco de Portugal. Dominada a crise monetária, as atividades económicas,

114

Estatutos da Real Irmandade de Sancta Joanna, Princeza de Portugal filha d'el-Rei D. Affonso V.

Coimbra: Imprensa da Universidade, 1877. 115

SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de Portugal [1851-1890] vol. IX: Editorial Verbo, Outubro

de 1986, Pp. 312-314. 116

Idem n.º 115, Pp. 58-59.

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contudo, sofreram consequências decorrentes de tal instabilidade, não se verificando a

suspensão das atividades comerciais e industriais. Se a crise fora vencida, facto é que a

oposição se serviu dela para reconquistar o poder. Em 7 de setembro de 1876 assinou-

se, na praia da Granja, um pacto entre os dois partidos da governação. Foi assim que

surgiu o Partido Progressista, que de imediato traçou o seu programa político,

sintetizou Veríssimo. Históricos e reformistas fundiram então num grande bloco de

alternativa ao Partido Regenerador e o seu mentor não reunia já condições bastantes

para a manutenção do poder. Entregou, pois, Fontes Pereira de Melo o Ministério à

disposição do monarca. Sugeriu o Presidente o nome do seu sucessor, o que não deixa

de estranhar, tomando em consideração o clima de clivagem política, mas permite

compreender até que ponto o espírito de rotativismo se plasmava na prática política

corrente. O nome apontado, contudo, não reuniu o consenso das forças partidárias, dado

que Ávila mantinha equidistância em relação às duas correntes que se uniram. Não

exercendo o poder em plenitude, o Duque compreendeu que lhe restavam apenas a

condução dos negócios mais prementes da governação e a convocação de eleições. Não

exerceu o militar muito tempo as funções governativas. Em Janeiro de 1878, o

Ministério não conseguiu dominar a oposição dos progressistas e D. Luís, em face do

prestígio de Fontes, a ele recorreu de novo para a formação do Ministério.

Neste clima político se formou a Irmandade de Santa Joana Princesa e se

constituíram os seus primeiros Estatutos. O articulado é composto por seis capítulos e

com 51 artigos.

Cumpre, na sua globalidade, o Código das Confrarias, de 1870, embora com

algumas especificidades relativamente ao reconhecimento pelas 101 assinaturas que

subscrevem os Estatutos e ao percurso seguido para a sua aprovação pelas autoridades

civil e eclesiástica.

Internamente, o dispositivo estatutário apresenta a estrutura adstrita ao referido

Código, embora mencione o regulativo as realidades próprias do antigo Mosteiro e nele

influiu a realidade humana que ainda lá residia.

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3.6 Os segundos Estatutos (1925)

O tempo que medeia a aplicação do primeiro corpo normativo e o segundo (48

anos) foi constituído por profundas alterações políticas e sociais e, no assunto em

questão, nas relações existentes entre o Estado e a Igreja117

.

A implantação da República em Portugal, a 5 de outubro de 1910, e o novo

regime por ela instituído, fez expedir o Decreto de 28 de outubro118

desse mesmo ano, o

qual estabelece no seu art.º 1 a manutenção da aplicação do 3.º do art.º 253.º do Código

Administrativo de 1896, aplicável às irmandades, confrarias, etc., em vigor, remetendo

para este o novo diploma Emquanto não for promulgado o novo Código Administrativo,

ou de outro modo se não providenciar, podem os governadores civis, auctorisação do

Governo exercer o preceituado no Código em vigor. A única alteração que se produziu,

plasmou-se no art.º 2, que determina, Às comissões que forem nomeadas em

substituição das respectivas mesas dissolvidas ficam competindo, sem restrição alguma,

as mesmas atribuições que estas tinham e a administração, sem limitação de tempo,

emquanto não forem legalmente substituídas. Alterou-se, assim, o regime em tempo

limitado, previsto no Código Administrativo.

No entanto, o decreto, como refere outro dispositivo de 4 de Março de 1911119

,

levantou duvidas acerca da interpretação do artigo 2.º […] que autorisou os

governadores civis a dissolver as mêsas ou administrações das irmandades, confrarias

[…], que não estejam imediatamente subordinados ao Governo, independentemente de

processo e fóra dos casos especificados no n.º 3.º do art.º 253.º do Código

Administrativo […] de 1896;

Clarifica o normativo,

117

Sobre o assunto veja-se, na globalidade, DUARTE, Dionísio – Manual anotado das Irmandades,

Confrarias e Institutos de piedade e beneficência. Contendo os artigos do Cod. Adm. de 4 de Maio de

1896 e 7 de Agosto de 1913 aplicáveis ás referidas corporações, as instruções sobre a sua escrituração,

organisação de Estatutos, orçamentos e contas, e, em anotações elucidativas do texto, todas as leis,

decretos, portarias, acórdãos do Sup. Trib. Adm. e de outros tribunais, opiniões dos jornais da

jurisprudência e todos os modelos indispensáveis para o funcionamento das mesmas corporações, etc.:

Parceria António Maria Pereira, Livraria Editora, Lisboa, 1916. 118

Ibidem n.º 117. Pp. 3-43. 47-48. 119

Ibidem n.º 117. Pp.51-52.

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Sendo certo que o referido 2.º estabelece ás comissões nomeadas em

substituição das mesas ou administrações dissolvidas ficam competindo, sem restrição

alguma, as mesmas atribuições que estas tinhas, mas:

Tendo se considerado vedada ás mesas ou administrações nomeadas a

administração de irmãos, na infundada suposição de que subsistia a restrição do n.º 3.º

do referido art.º 253.º do código de 1896, o que contraria manifestamente a disposição

do art.º 2.º do decreto de 28 de outubro de 1910;

E, convindo que todas e administrações das mencionadas associações ou

institutos funcionem com as mesmas atribuições e sob o mesmo regime:

Hei por bem decretar, interpretando o decreto do Governo Provisorio:

Artigo 1.º As mesas ou administrações nomeadas em substituição das

dissolvidas podem admitir irmãos, independentemente de qualquer restrição,

Artigo 2.º As mesas ou administrações nomeadas em virtude do decreto de 28 de

Outubro de 1910, administrarão as irmandades, confrarias […] enquanto não forem

legalmente substituídas.

Porém, pelos princípios informadores, extensão e amplitude das suas

repercussões, o dispositivo mais importante data de 21 de abril de 1911 e é a lei da

separação do Estado das Igrejas120

. Não é espaço aqui para analisar-se a profundidade

das determinações plasmadas em 196 artigos. Porém, digamos em breves palavras que

os princípios estruturantes são o da desvinculação do Estado à Igreja Católica, enquanto

religião do Estado, e a consequente não participação nos seus gastos, devendo as ações,

templos e dimensões materiais religiosas (toque de sinos, procissões, etc.)

conformarem-se com as leis civis e a elas se sujeitarem, tendo por princípio a liberdade

religiosa. O Estado reconhecia apenas a prática eclesiástica enquanto parte integrante

dos costumes das populações e só nessa medida o compreendia. Finalmente, os bens da

Igreja passavam à disposição da esfera que promovia o culto, mas igualmente ao Estado

e à instituição administrativa que deles necessitasse. Tivemos já ocasião de relatar o que

sucedeu ao antigo Mosteiro de Jesus depois da Implantação da República.

120

Diário do Governo, número 92. Pp. 3-8.

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100

Se do quadrante político existiram estas decisões, que mantém, no essencial a

ordem normal das Irmandades, até nova orientação normativa, no que concernia ao

património, tivemos já ocasião de verificar o que ocorreu no espaço do antigo Mosteiro

de Jesus e a respetiva reação da Irmandade de Santa Joana Princesa.

Só em 1925 a instituição com o culto à Infanta submeteu ao Bispo-conde de

Coimbra novos Estatutos. São compostos por 37 artigos e foram remetidos ao prelado

por dois Irmãos, António Fernandes Duarte Silva, que supomos fosse Presidente, e

António Christo, porventura secretário, em 1 de junho de 1924.

Antes da análise, na globalidade, deste normativo, refiram-se três aspetos. O

primeiro concerne à nomenclatura da instituição, Irmandade de Santa Joana Princesa

de Portugal. Num artigo que referiremos, o 11.º, se dizia, Nas solenidades da Santa

Princesa uzará a bandeira da antiga Irmandade de Santa Joana. Cremos que

subtilmente se aludia à queda do epíteto Real, concedido à instituição. Finalmente, a

cópia a que tivemos acesso destes Estatutos tem dactilografado a vermelho, O original

tem ao alto da 1.º página o seguinte despacho: “Visto. Coimbra, 12 de Março de 1925.

+ Manuel, Bispo de Coimbra”. Também caíra para D. Manuel Correia de Bastos Pina a

denominação de Bispo-conde. Deste regulativo apenas se conhece uma versão

datilografada.

Refira-se que o Manual em referência apresenta modelos diversos, sendo um

deles relativo a Estatutos. A Irmandade de Santa Joana não seguiu integralmente quer a

nomenclatura da epígrafe de cada artigo do modelo, mas segue, no essencial, as

disposições que determinam na generalidade.

3.7 Os terceiros Estatutos (1943)

Apesar de todas as diligências efetuadas, não foi possível deparar-nos com o

regulativo de 1943121

.

121

Não existindo no arquivo da Irmandade, diligenciou-se junto da Cúria Diocesana de Aveiro. Existe

efetivamente referência à aprovação dos novos Estatutos de 1943 pelo Arcebispo-Bispo de Aveiro sob a

forma de um pequeno cartão informativo, assinado pelo prelado em 15 de agosto desse ano, sem, porém,

ter em anexo qualquer outro documento. Cópia desse cartão se registou nas entradas do Arquivo do antigo

Governo Civil de Aveiro, hoje incluso no Arquivo do Ministério da Administração Interna. Também no

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101

Cremos, no entanto, que tais Estatutos nada de substancialmente diferente

vieram alterar ao que estabeleciam as normas de culto de 1925. A recente criação da

Diocese e a assinatura da Concordata entre Portugal e Santa Sé talvez sejam os motivos

para a constituição de novos Estatutos. Dentro dos dispositivos nacionais surgiu o

Regulamento Geral das Associações de fiéis.

Não podendo ter presente para análise os Estatutos de 1943, referiremos o que

nos parece de maior relevância e que se terá plasmado neste novo articulado normativo

da Irmandade.

Quanto ao primeiro ponto, existe apenas uma alteração quanto à superior

autoridade eclesiástica, que, até então era expedida de Coimbra, e passaria a ter, a partir

de 1938, sede em Aveiro122

. Ao seu Bispo competia, assim, pelo cumprimento, por

parte da Irmandade, em cumprimento dos Estatutos, à conformidade dos atos praticados

pela instituição com o Direito Canónico e as leis civis, entretanto emanadas pelo Estado

Novo. Relativamente à Concordata, parece-nos que os Estatutos de 1943 consagraram,

uma vez mais, de acordo com o artigo III do tratado entre Portugal e Santa Sé, a

faculdade concedida à Igreja Católica para constituir, de acordo com as normas

canónicas, associações ou organizações às quais o Estado reconhece personalidade

jurídica, por participação escrita à Autoridade competente – no caso os Governos Civis

–, por parte do Bispo da Diocese, ou legítimo representante, onde tiverem a sua sede.

No mais, cremos que tudo se manteve quanto ao corpus dos Estatutos de 1925, com a

exceção da Escola.

Conforme atenta Manuel Saturino da Costa Gomes123

, O Regulamento Geral das

Associações de fiéis124

(…) logo no art.º 1.º, Título I, capítulo I, sobre a natureza, fins e

espécies, encontramos esta norma clarificadora: «Ainda que os fiéis, observadas as

normas da hierarquia e disciplina da religião católica, podem livremente congregar-se,

Arquivo do Museu de Aveiro se indagou sobre o normativo, não obtendo, contudo, qualquer documento.

Por fim, foram questionados ainda alguns familiares de antigos Irmãos de Santa Joana, no sentido de

averiguar, entre outros documentos, sobre a posse destes Estatutos, mas sem qualquer sucesso. 122

Bula Ominia Ecclesiarum, de 11 de Dezembro de 1938, de Pio XI (Arquivo da Cúria Diocesana de

Aveiro). 123

GOMES, Saturino in Lusitania Canonica, Instituto Superior de Direito Canónico – Universidade

Católica Portuguesa. Pp. 75-76. 124

In Lumen, vol. I (1927) Pp. 527-622.

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102

mediante a aprovação da Igreja, para qualquer dos fins compreendidos no âmbito da

[sua] missão”

Consagra o art.º5 a tríplice de associações de fiéis já conhecidas: ordens terceiras

seculares, confrarias ou irmandades e pias uniões.

No que concerne ao reconhecimento destas mesmas associações mantém-se o

princípio da aprovação pela legítima autoridade eclesiástica, em nítida articulação do

seu art.º 6 com o CDC (c. 687 §1).

Refira-se, por fim, a especial ênfase que os Bispos de Portugal deferem à Ação

Católica, entendido como órgão do apostolado na formação dos jovens, a qual,

determina o Episcopado, não a pode, não a sabe fazer o Estado, ainda que fosse

cristão. É o privilégio, é a obra exclusiva da Igreja, que possui o espírito e a graça de

Cristo. É de ordem sobrenatural: entra no número das coisas que pertencem a Deus125

.

De facto, o presente regulamento articula-se, no que às associações de fiéis diz

respeito, internamente com o c. 684 do CDC, e quanto ao direito externo, com a

Constituição da República Portuguesa (1933), no seu art.º 45 e o Código

Administrativo (1936), no seu art.º 387.

Sendo um tratado entre dois estados soberanos, a Concordata assinada entre

Portugal e a Santa Sé, celebrada a 7 de maio e 1940, e que tem ainda em apenso o

Acordo Missionário, pela natureza do segundo signatário, envolve uma realidade

eclesiástica que, neste diploma, se articula com o normativo civil do país.

No que às Irmandades diz respeito, vimos já, a propósito dos últimos Estatutos

analisados, que o art.º III126

as englobava. Assim, era reconhecida à Igreja Católica em

Portugal o direito de associação, em harmonia com o Direito Canónico. O Estado

reconhecia personalidade jurídica a associações ou organizações eretas na Igreja

Católica, reconhecimento esse que resultava da simples participação escrita à

Autoridade competente. O artigo seguinte inscreve a possibilidade de tais associações

possuírem bens e dispor deles, na mesma forma de outras pessoas morais perpétuas, e

125

Cf. Pastoral Colectiva sobre o Comunismo e alguns graves problemas da hora presente, n.º 20, in

Lumen, vol. I (1927) P. 221 cit. GOMES ibidem n.º 123. 126

Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa. Edição do Secretariado da Propaganda

Nacional. 1963. Pp. 20-21.

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administravam-se livremente sob a vigilância e fiscalização da competente Autoridade

eclesiástica.

Em 2004 foi assinada nova Concordata, revogando assim o texto de 1940.

3.8 Os atuais Estatutos (1991)

Logo no Concilio II do Vaticano, como referiu D. António Marcelino127

, se notou

nova óptica eclesial […] sobre o direito de associação dos fiéis e o âmbito das

associações dos fiéis, provou na Igreja, um enorme crescimento de associações laicais,

em número e em diversidade de expressões e objectivos, mas sempre com a normal

exigência de uma dimensão apostólica. No caso presente da Irmandade de Santa Joana

Princesa, pareceu aplicar-se a realidade que o prelado anotou, Não faltam ainda outras

que rejuvenesceram, pois vinham apenas vegetando, porque confinadas a interpelações

restritas da sua história, da espiritualidade cristã e, por vezes, presas a espaços

limitados, humanos e geográficos.

Não obstante estes propósitos pastorais, e porque o tempo do direito é sempre mais

lento e demora a cristalizar realidade, supondo conflitos, adiantando resoluções e

remetendo para a hierarquia a conformidade com a pastoral da Igreja e as suas normas,

só em 1983 se publicou o CDC, ainda em vigor. Ainda nesse espírito, meio século

depois do primeiro regulamento de Associações de fiéis, aprovado pelos Bispos de

Portugal, o Episcopado emitiu novo regulamento, que é ainda o instrumento canónico

pelo qual se orientam todas as Dioceses do País no que a esta forma de apostolado diz

respeito.

O CDC128

, que entrou em vigor na Igreja Católica a 25 de janeiro de 1983, foi

bem mais amplo quanto à noção, finalidade e ação das Irmandades. Aliás, a divisão

tripartida que o códice anterior apresentava, desaparece. O novo dispositivo refere-se,

como aliás os documentos conciliares e o CIC, apenas a Associações de fiéis. Assim, o

título V, nos seus capítulos I a IV, contém 31 cânones, sendo que os c. 298 a 311

127

MARCELINO, D. António – As Associações na Igreja in Lusitania Canonica, Instituto Superior de

Direito Canónico – Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2005. P. 308. 128

Código de Direito Canónico. 3.ª edição revista. Braga, Editorial Apostolado da Oração, 1995. Pp. 52-

57.

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constituem as normas comuns a estas instituições no ramo público, os c. 312 a 320 à

natureza das mesmas, os c. 321 a 326 dedicam-se às associações privadas e fiéis e,

finalmente, os c. 327 a 327 são normas especiais sobre as associações de leigos.

Tal amplitude, em relação ao códice anterior, revela uma maior participação dos

leigos na eclesialidade, o reconhecimento da importante pastoral destas instituições no

mundo contemporâneo, sempre em articulação com as orientações das Dioceses e da

Igreja universal.

Atentemos, ainda, no âmbito dos documentos expedidos pelo II Concílio do

Vaticano129

o que foi dedicado ao apostolado laical e por outras palavras explicitará o

Catecismo da Igreja Católica, que adiante se verá.

Trata-se do Decreto Apostolicam actuositatem, que determina no seu número 15,

Os leigos podem exercer o seu trabalho apostólico quer individualmente quer reunidos

em diferentes comunidades ou associações. No número 18 desenvolve, indicando, Os

cristãos devem exercer o seu apostolado unindo os seus esforços. Sejam apóstolos […]

nas suas paróquias e Dioceses – comunidades que exprimem a natureza comunitária do

apostolado –, e também nas associações e grupos que livremente resolverem formar.

Estabelece o número seguinte as diversas modalidades do apostolado associado. Foi

este decreto promulgado pelo Papa Paulo VI em 18 de novembro de 1965.

O Catecismo da Igreja Católica130

(CIC), aprovado por João Paulo II em 11 de

outubro de 1992, inscreveu, na epígrafe dedicada à Vocação dos leigos, precisamente no

seu n.º 900131

, que Todos os fiéis, são por Deus encarregados do apostolado, em virtude

do Baptismo e da Confirmação, os leigos têm o dever e gozam o direito,

individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem

divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra

[…] Nas comunidades eclesiais, a sua acção é tão necessária que, sem ela, o

apostolado dos pastores não pode, a maior parte das vezes alcançar pleno efeito.

129

Concílio Ecuménico Vaticano II – documentos conciliares – constituições, decretos e declarações:

Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2002. Pp. 463, 465-6. 130

Catecismo da Igreja Católica: Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2.ª edição, 2000. Pp. 52-57. 131

Ibidem n.º 130. P. 240.

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105

Por orientação da Secretaria Episcopal, foi dado a conhecer à Irmandade o teor

do Decreto Episcopal de 3 de junho de 1990, no sentido de serem atualizados os

Estatutos de todas as associações de fiéis da Diocese.

Foi ainda a Comissão Administrativa que realizou a determinação quanto aos

Estatutos da Irmandade de Santa Joana Princesa, não obstante o facto de não conhecer

os últimos132

. O texto foi submetido a aprovação episcopal a 30 de novembro, tendo

obtido o visto do Chanceler da Cúria e o seu nihil obstat em 10 de dezembro, e a 21 do

mesmo mês foram aprovados e receberam decreto de aprovação. Em obediência aos

artigos III e IV da Concordata e para o reconhecimento do gozo de personalidade

jurídica nos foros canónico e civil da referida instituição, a 10 de setembro de 1996, o

Vigário-geral da Diocese remeteu ao Governo Civil de Aveiro o texto dos Estatutos,

recebendo da respetiva Secretaria-geral a declaração da conformidade legal da

Irmandade, em 8 de julho de 1997.

Assim, a partir de um modelo difundido pela própria Diocese, o articulado

normativo foi tomando corpo a partir da realidade existente.

Composto por 38 artigos, divididos por seis capítulos. Como se compreenderá,

existindo um modelo orientador facultado pela Diocese, o que ao culto à Padroeira de

Aveiro diz respeito, apenas introduz as necessárias alterações no que à ação da

Irmandade se aplica.

3.9 Atualidade

A Comissão Administrativa cessou funções em 1993133

, apresentando-se a

sufrágio para os órgãos de gestão de Irmandade, precisamente com os elementos da

referida comissão. Com a ocupação de algumas funções na Direcção e no Conselho

Fiscal por outros Irmãos em subsequentes sufrágios, a cúpula diretiva manteve-se até

2005, ano em que o Provedor Manuel Bóia apresentou ao Bispo diocesano a sua

demissão.

132

Disso mesmo nos deu informação o membro da referida Comissão e futuro Provedor Manuel Bóia. 133

Comemoram-se, nesse ano, os 300 anos da Beatificação da Infanta D.ª Joana, tendo, a 12 de maio, em

sessão solene da Câmara Municipal de Aveiro, a Irmandade recebido a Medalha de Mérito Municipal em

Prata (Arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa).

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106

As festividades de 2006 foram organizadas por um grupo de Irmãos e para o

triénio 2007-2010 apresentou-se uma lista única a sufrágio, com homologação da sua

eleição pelo Bispo D. António Francisco dos Santos, não obstante a respetiva lista ser

contrária ao disposto pelos Estatutos de 1991134

. Até 2014 mantiveram-se em funções os

referidos Irmãos, com demissão de um deles, e o não exercício de atividade por parte de

outros, não tendo até tomando posse. Nesse ano, os elementos dos órgãos diretivos

apresentaram a sua demissão ao Administrador diocesano – por vacância da Sé de

Aveiro, na nomeação do seu Bispo para a Diocese do Porto.

Em vista à aproximação dos 50 anos da Declaração de Santa Joana Padroeira de

Aveiro, no final de 2014 e já com o novo bispo, D. António Moiteiro, foi indigitada

uma Comissão de Gestão para comemoração do festivo cinquentenário e também

realização da festa de 12 de maio. Em 4 de julho de 2015 a mesma Comissão, com mais

alguns Irmãos, submeteu-se a sufrágio em lista única, entrando em funções em 24 de

outubro, por posse na Igreja de Jesus.

Em 1 de agosto desse ano, a gestão do Museu de Aveiro transferiu-se para o

Município. Ficava, pois, o secular espaço e emblemático polo de culto da Bem-

aventurada Joana sob alçada camarária. Envidou, assim, esforços a atual Direcção no

sentido de assegurar o uso das alfaias litúrgicas de Santa Joana e espaços do Museu para

celebrações adstritas à Padroeira. Assim, em 12 de maio, nos Paços do Concelho, foi

assinado pelo Bispo de Aveiro, pelo Presidente da Câmara Municipal de Aveiro e pelo

Provedor da Irmandade de Santa Joana Princesa um protocolo de colaboração que inclui

o uso, sempre que necessário, das alfaias e espaços museológicos, atentadas as devidas

comunicações ao Município, bem assim a sua inclusão, no âmbito da realização da

procissão de 12 de maio, do seguro municipal em vários âmbitos. Tal protocolo é, pois,

o último corpo normativo do culto a Santa Joana Princesa.

3.10 Formalidades não escritas135

134

A Assembleia-geral não foi ocupada pelo Provedor e dois elementos da Direcção, mas pelo Pároco da

Sé e dois Irmãos; a Direcção e o Conselho Fiscal apresentaram ainda um número acrescido de Vogais. 135

Cf. BÓIA, Manuel – Quinze expressivas e históricas Procissões de Santa Joana, a Princesa. Aveiro:

Edição do autor, 2018.

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107

Não poderemos, com propriedade, considerar os dois pontos que abordaremos

como estruturas rígidas, estanques e imutáveis no culto a Santa Joana e muito menos

encontrem eco nalgum documento administrativo.

Porém, são de referir práticas e costumes visíveis na Procissão/culto de Santa

Joana. Com certo bairrismo mas não sem verdade, cremos nós, dizia D. João

Evangelista de Lima Vidal136

, Quem viu uma procissão em Aveiro, não viu decência

maior em parte nenhuma. Valerá a pena reproduzir o que mais escreveu:

Aqueles homens da beira-mar andavam ontem na sua faina, nas companhas de

São Jacinto ou da Costa Nova do Prado, dentro dos grandes barcos de proa esguia, a

remar, a deitar as redes ou à pancada de água, a dirigir manobras do saco; de

ceroulas arregaçadas, de peito ao léu, cheios de escamas, gritando a todo o pulmão. E

hoje ali vão eles, irrepreensivelmente bem postos, de fato preto, de calçado a luzir, de

gravata branca e de luvas brancas, de opa de seda com cordão e borlas de ouro!

Quem há como a sra. Mariquinhas para compor um anjinho?! Aquelas cabeças

encaracoladas, aureoladas e floridas, são na realidade as cabeças dos serafins que

Murillo fazia brotar das nuvens que emolduravam as suas virgens, aquele ouro,

distribuído com sobriedade e com arte, está infinitamente longe de ser, como noutras

partes, a exposição ambulante de algum ourives de feira; e os sapatinhos de cetim

branco amoldam-se tão perfeitamente ao formato dos pequenos pés que os calçam, que

por um lado não fazem a menor ruga, e por outro não estorvam o menor movimento, a

menor contracção!

Os andores, a maior parte das vezes, são verdadeiros encantos de ornato; nem

uma coisa a mais, nem uma coisa a menos; e cada coisa em seu lugar próprio!

Os pendões bordados e as cruzes de prata, a sequência grave das irmandades, o

brilho das suas vestes litúrgicas, a custódia debaixo do pálio, a “música nova” ou a

“música velha” a bulir-nos na alma, o nosso esplêndido povo pelas janelas e pelas

ruas, tudo se apresenta tão bem, tudo corre tão bem, que digam-me se eu não tenho

razão de repetir o que escrevi ao princípio: quem viu uma procissão em Aveiro não viu

decência maior em mais parte nenhuma.

136

In VIDAL, João Evangelista de Lima – Lições da Natureza e dos Homens, Coimbra. 1914. Pp. 97-98.

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Nem na pátria da arte. Um dia, era numa linda aldeia, mas ainda assim que

miséria! As opas pareciam sacos de serapilheira com murças de papel pintado; umas

vezes não chegavam aos joelhos, outras vezes arrastavam na poeira a modos de cauda.

O andor era pouco mais que uma padiola enfeitado à valentona.

No entanto, sobre esse mísero pedestal, esse mísero pedestal, erguia-se uma

doce Madona, com o sofrimento e a resignação pintados no rosto, com sete espadas

nuas atravessadas no peito. E a meu lado, alguém que talvez padecesse, que talvez

precisasse de uma gota de bálsamo nas úlceras que o consumiam, exclamou:

– É bela, la Madona.

3.11 Os graus juvenis da Irmandade

Os graus juvenis da Irmandade de Santa Joana Princesa137, realidade única no

País que, não tendo acolhimento nos Estatutos, obedeceram com rigor a um esquema de

rotatividade na captação de elementos por todas as paróquias do arciprestado (concelho)

de Aveiro até 2005.

137

Segundo apurámos junto dos criadores dos grupos, exceto D. Domingos da Apresentação Fernandes

que ao criar os Pajens quereria recordar o grupo de pessoas que, na corte, mais de perto acompanhavam a

Infanta, já os Cavaleiros recordam, naturalmente, os titulares dessa força armada, mas não só. Na idade

em que os jovens atingem esse grau, é-lhes imposto um chapéu armado, porquanto na época da Infanta já

se poderia atingir o reinado pessoal. Assim, pretende-se que os jovens respondam mais pela atitude

ponderada e refletida que pelos impulsos próprios da adolescência. Adolescência essa que é precisamente

a característica dos Infantes, os quais, pela idade, estão ainda no crescimento e nos alvores da devoção à

Padroeira de Aveiro. Os Escudeiros, como a nomenclatura indica, tinham, em guerra, a função de levar o

escudo do seu senhor. No solar ou palácio, exerciam funções de guarda-salas. Pela simbologia própria, é

o primeiro grupo a ter bordado no gibão as armas da Infanta. As Aias representam essencialmente a

dimensão intelectual e de serviço da Infanta, porquanto esta lia – preferia até livros em latim e deixou às

Irmãs muito e boa livraria – (daí a presença nos atributos dos livros do Antigo e Novo Testamento), mas

também a sua humildade no serviço aos outros (daí a presença das toalhas, que recordam o gesto de lavar

os pés a doze pobres, que anualmente a Infanta realizava). Já os Leais Conselheiros recordam claramente

uma alusão ao livro do avô da Infanta, O Leal Conselheiro, sendo as Damas representativas das senhoras

que na corte se ligavam às suas famílias mais representativas. Os Donzéis e Donzelas, tal como os Pajens,

têm por finalidade simbolizar o grupo de pessoas que privavam na corte com os seus principais

dignatários. Por fim, os Irmãos ‘de carreira’ em tudo se assemelham com os Irmãos ‘tradicionais’, à

exceção do lugar que ocupam na Procissão.

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109

Grupo Idade Criador Ano Atributos

Pajens 14 anos D. Domingos da

Apresentação

Fernandes

1959/1988

(rapazes e

raparigas)

Infantes: semelhante aos Pajens;

‘Santa Joana’, que transporta adorno com

crucifixo e coroa de espinhos.

Cavaleiros: placa (dois elementos);

Bandeira (um elemento);

Brandões: restantes elementos.

Infantes e

Cavaleiros

10 e 14 anos Eng.º Manuel Bóia e

Pe. Arménio Costa

1989

(Infantes rapazes e

raparigas)

Infantes: semelhante aos Pajens;

‘Santa Joana’, que transporta adorno com

crucifixo e coroa de espinhos.

Cavaleiros: placa (dois elementos);

Bandeira (um elemento);

Brandões: restantes elementos.

Leais

Conselheiros

15,16 e 17 anos Dr. Amaro Neves 1990 Placa (dois elementos);

Distintivo com as armas de Santa Joana (um

elemento);

Brandões: restantes elementos.Placa (dois

elementos); Registo com reprodução do

quadro quinhentista (um elemento); Registo

com reprodução do Túmulo (um elemento);

Brandões: restantes elementos

Damas Eng.º Manuel Bóia e

Dr. Amaro Neves

1991 Placa (dois elementos); Registo com

reprodução do quadro quinhentista (um

elemento); Registo com reprodução do

Túmulo (um elemento);

Brandões: restantes elementos

Irmãos e Irmãs

de carreira

18 anos e

seguintes

Pe. João Gonçalves Placa (dois elementos);

Brandões: restantes elementos.

Donzelas 8 e 9 anos Eng.º Manuel Bóia e

Dr. Amaro Neves

1993 Cada um dos elementos transporta duas das 12

fitas de cada um dos registos.

Donzéis 8 e 9 anos Dr. Amaro Neves 1994 Cada um dos elementos transporta um

brandão.

Princesas

Joanas

(todos os

elementos de

António Rocha 1995 Placa (dois elementos);

Losango com um ‘J’ e uma coroa de espinhos

Page 110: O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro memórias e ...Anexo IV – Convocatória da Irmandade para as comemorações do IV Centenário do falecimento de Santa Joana-----177-178 Anexo

110

Na verdade, poderemos considerar o reduto contemporâneo daquela primeira

manifestação pública após a Beatificação da Infanta138

, em cuja procissão figuraram

diversos andores evocativos dos passos mais expressivos da sua vida, bem assim da

comemoração do IV centenário do seu falecimento139

, em que várias crianças também

aludiam, por trajes e atributos, à vida da Infanta.

Este caminho de ligação de rapazes e raparigas em idade de catequese à

Padroeira foi assim prosseguindo ao longo de três décadas, com o auxílio do Dr. Amaro

Neves (no estabelecimento da hierarquia e nomenclatura dos grupos) sempre aprovado

por D. António Marcelino e apoiado pelo padre João Gonçalves – diligente assistente

religioso da Irmandade até ao fim da sua paroquialidade na Sé.

Na maioridade integram-se, em pleno direito, como Irmãos desta secular

instituição. Com os seus trajes belamente concebidos, coadjuvados de alfaias ligadas ao

culto a Santa Joana, os graus juvenis da Irmandade – com um fundamento histórico, em

ordem de apresentação social correta e um valor espiritual muito próprio – não são nem

devem ser considerados grupos etnográficos. Não representam, pois, um papel ou

envergam figurinos. Reproduzindo classes ou grupos da corte da Princesa ou da sua

época, fazem presente o valor espiritual que pretendem representar.

O segundo ponto tem que ver com aspetos da formalidade e continuidade de

certas regras não escritas, portanto, costumes. No que se refere ao préstito de 12 de

maio, a frente e final: todos os homens que vestem calção na Procissão de Santa Joana

138

Vd Anexo I, P. 167-172. 139

Vd Anexo V. Pp. 179-180.

nome Joana) em relevo: restantes elementos, excepto Irmãs

(com brandão).

Escudeiros 11 e 12 anos Dr. Amaro Neves 1996 Placa (dois elementos);

Brandões: restantes elementos.

Aias 14 anos Eng.º Manuel Bóia e

Dr. Amaro Neves

1997 Placa (dois elementos);

Antigo e Novo Testamento (dois elementos);

Toalhas (restantes elementos.)

Açafatas 11 e 12 anos Dr. Amaro Neves 2001 Placa (dois elementos);

Sacolas (restantes elementos.)

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111

são os mesmos que o fizeram na Procissão dos Passos da Vera-Cruz e da sua Procissão

da Páscoa. Função que, em muitos casos, se mantém de avós para pais e para filhos. Na

procissão amiúde se juntam três gerações de uma família. Envergam um traje nobre: sob

a opa alvi-negra, casaco preto, camisa, laço e luvas brancas, calções, meias opas e

sapatos com fivela de prata.

Escreveu o panfletário, polemista, anticlericalista, mas, sobretudo, aveirense

Homem Christo140

:

O homem da faixa marítima onde nasci, que ama a Deus, porque ama as

procissões, requintadamente artísticas, com uma ordem e disciplina admiráveis, sem

balandraus de paninhos nem chimpanzés como as de quase todos os outros pontos do

país – onde ele ostenta as suas luvas, o seu calção e meia, o seu sapato de entrada

baixa, a sua opa de seda, o seu donaire, a sua elegância, a sua nativa distinção, fidalgo

de nascença.

Assim, na procissão participam o binómio equestre da Guarda Nacional

Republicana, o pelotão aero-transportado de São Jacinto (Regimento de Infantaria 10),

Corpo Nacional de Escutas, representações das duas corporações de Bombeiros da

Cidade, das duas Irmandades do Santíssimo Sacramento de Aveiro, da Santa Casa da

Misericórdia, da Fraternidade da Ordem Terceira de São Francisco, das Irmãs

Dominicanas em Aveiro, da Confraria de Nossa Senhora do Carmo, da Real Confraria

da Rainha Santa Isabel (Coimbra), da Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda

(Arouca) dos grupos juvenis da Irmandade de Santa Joana, dos Irmãos que transportam

as insígnias (estandarte, cirais, lanternas, andores de São Domingos e da Padroeira e

Pálio), Irmãos e Irmãs tradicionais141

e de carreira de Santa Joana142

, acólitos,

seminaristas, diáconos, sacerdotes, Bispo diocesano, autoridades e representações

culturais, em préstito acompanhado pela Fanfarra do Exército e três bandas locais de

música. Na parte nobre da Cidade, junto aos Paços do Concelho, os seus sinos tocam

140

Cit. in NEVES, Amaro, Énio Semedo e Jorge Arroteia – Aveiro Do Vouga ao Buçaco. Novos Guias de

Portugal. Lisboa: Editorial Presença, 1989. P. 23 141

São Irmãos tradicionais todos os adultos e crianças que, solicitando a sua admissão na Irmandade, esta

seja aprovada, liquidada a joia de entrada e paga a quota anual, exercendo, na sua plenitude os seus

direitos e deveres na instituição. 142

São Irmãos de carreira todos os jovens que atingiram a maioridade, após terem pertencido aos diversos

Graus juvenis da Irmandade.

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festivamente, arremessam-se pétalas de flores à passagem das imagens, das relíquias e

do Pálio, pelo ar voam papéis brancos e vermelhos (cor do fundo gironado da bandeira

da Cidade) e interpreta-se a mais nobre peça musical de Aveiro, a Marcha de

continência a el-Rei D. Carlos.

4.Pela Autarquia

A explanação de todo o processo conducente à decisão hoje em vigor para a

determinação do feriado municipal em Aveiro a 12 de maio, dia do falecimento de

Santa Joana, é morosa, dados os matizes políticos, ideológicos e socais que nele

incidem143

.

Assim, em breves traços, refiram-se algumas datas e decisões. Em sessão

ordinária da Câmara Municipal de 27 de fevereiro de 1911 e nos termos do art.º 2.º do

Decreto de 12 de outubro do mesmo ano, considerava-se feriado o dia 16 de maio, data

histórica da insurreição liberal de 1828, em que se fez ouvir, partido da Cidade de

Aveiro, o primeiro grito de liberdade.

A 20 de fevereiro de 1930, perante o ofício do Governo Civil de Aveiro, ante o

Decreto 17171, que concedia às municipalidades a faculdade de escolherem, de entre os

dias que representam as festas tradicionais e características do Município, devendo, por

isso, informar qual o dia escolhido para esse efeito. Reiterou a Câmara Municipal a data

de 16 de Maio como dia do feriado no concelho.

A Irmandade de Santa Joana Princesa expediu, a 14 de maio de 1944, um ofício

que, entre outros assuntos, propunha a mudança do feriado para o dia da morte da

Protetora. Resolveu a Câmara Municipal que o assunto fosse discutido em ocasião mais

oportuna.

Em sessão ordinária de 2 de outubro de 1950 o executivo camarário, presidido

por Álvaro Sampaio, decidiu transferir o feriado de Aveiro para 12 de maio. Pouco

menos de dois anos depois, em reunião de 14 de janeiro de 1952, solicitou o Município

143

Cf. BARROS, Rui – Município de Aveiro 1893 – 1993 1000 anos na sua história. Câmara Municipal

de Aveiro: Gráfica do Vouga, outubro de 1995. Pp. 215-233.

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ao Ministro do Interior, nos termos do art.º 4.º do Decreto n.º 38596 desse ano, a

consideração de 12 de maio como a data do feriado municipal, por ser este o dia o dia

consagrado a Santa Joana, Padroeira da Diocese de Aveiro [ainda o não era

oficialmente, como vimos], e ainda por normalmente se realizarem nos mesmos dias as

Festas da Cidade de Aveiro.

Porém, o ponto culminante da Festa da Padroeira, a procissão que percorre

várias ruas da Cidade, não registou, nesta época, realização ininterrupta. Pelo que, em

13 de abril de 1953, por força do decreto acima citado, considerou-se 12 de Maio dia

feriado, mas somente quanto se realizasse a referida Festa, entenda-se, a saída da

Procissão. A procissão fixou-se, por decisão da Direcção da Irmandade, como anual em

1963.

Assim, em 1955 (11 de abril) e 1957 (15 de abril), as reuniões ordinárias

exararam a deliberação de não considerar-se feriado municipal nesses anos, pela não

realização das festividades joaninas. Em 1959, em reunião camarária, o vereador José

Mortágua considerou que o feriado a 12 de maio deveria ter lugar todos os anos, quer se

realize ou não a correspondente procissão.

Com o advento da Democracia, o feriado foi um dos pontos de discussão acesa

com nítido carácter ideológico e partidário na agenda autárquica. Por conseguinte, em

reunião ordinária de 2 de maio de 1975, fixou-se o dia 16 de maio como a data do

feriado no concelho, considerando-se que a mesma era antes do Fascismo […]

homenagem que se prestava aos mártires aveirenses vítimas do seu amor pela

Liberdade.

O Diário do Governo, II série, n.º 22 de 27 de janeiro de 1976 inscreve

oficialmente a retoma do dia dos mártires da liberdade como o feriado de Aveiro.

Finalmente, em 12 de maio de 1978, aventou o vereador Vítor Mangerão a

possibilidade de retomar esse mesmo dia para feriado concelhio, uma vez que a

mudança para quatro dias depois tem na sua origem uma decisão inequivocamente

política. Mais adiante, referia: Tal alteração correspondeu mais aos critérios da época

pós-25 de Abril de que aos verdadeiros sentimentos e opção do povo do concelho, além

de que 16 de Maio, independentemente do seu intrínseco valor histórico, não assume,

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114

nem promete vir a assumir qualquer significado apreciável ao nível da consciência dos

munícipes; pelo contrário, a festa de Santa Joana Princesa, para além do seu

simbolismo estritamente religioso, mais perceptível, e mais conhecida, não menos

profunda em valor local e tradicional. Por fim considerava, entre as duas datas, é o dia

12 de maio que vem ao encontro do sentir generalizado do povo do concelho, que

nunca foi ouvido para a mudança feita, e nunca trocará a sua reverência, dedicação e

entendimento, preterindo Santa Joana e preferindo os “Mártires da Liberdade”.

Propunha assim a transferência do feriado novamente para 12 de maio.

Em sessão da Assembleia municipal de 13 de julho desse ano, o assunto foi

largamente discutido. Verificou-se que os deputados eleitos pelo Centro Democrático

Social (que liderava o executivo municipal) e pelo Partido Popular Democrático

concordavam com a alteração do feriado concelhio, o Partido Socialista apresentava

deputados que se abstinham e outros que se manifestaram contra, e a Frente Eleitoral

Povo Unido, coligação formada pelo Partido Comunista Português, Movimento

Democrático Português – Comissão Democrática Eleitoral e pela Frente Socialista

Popular, votavam contra. O plenário, nesse mesmo dia, deliberou, por maioria absoluta,

a fixação do feriado concelhio a 12 de Maio.

5.Instrumentos normativos

5.1 Os processos de beatificação e canonização

No desfiar dos anos, continuou a veneração, a atribuição de milagres a D.ª Joana

e a continuidade da fama de santidade da real recolhida. É neste contexto, como

referido, que se terá sentido a necessidade de registar a vida e beatitude da Infanta. Viu-

se já inicialmente em tábua própria os processos de beatificação e canonização

organizados.

Mais dois factos assomam na escalada para o reconhecimento da santidade de

D.ª Joana144

. Em 1599, a prioresa D.ª Inês de Noronha, entre outros melhoramentos que

144

Ibidem n.º 1. P. 292.

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empreendeu no Mosteiro, obteve de Filipe II – em documento já referido – uma verba

para edificar um Túmulo mais digno para a Princesa, de ébano e com incrustações de

marchetes em metal dourado. Sobre pedra calcária, o ataúde com as armas da Princesa

foi rodeado de grades torneadas e ornatos de bronze. Concluiu-se a obra em 1602. A

canonização da antepassada de D.ª Joana, em 1625, terá suscitado o desejo de ver a

Infanta também declarada Santa como D.ª Isabel de Portugal145

. De facto, no ano

seguinte, as religiosas de Jesus e autoridades civis (juiz, vereadores e procuradores de

Aveiro) dirigiram ao Bispo de Coimbra petição para abertura de inquérito quanto ao

apuramento das virtudes e milagres operados por intercessão da Infanta, em ordem à sua

futura beatificação e canonização. O processo desenvolveu-se de forma célere: no ano

seguinte, o prelado confirmou o crédito a dar-se quanto ao Memorial, atestou a

santidade de vida de D.ª Joana e reconheceu os milagres constantes em tal

documento146

. A forma expedita como tudo se tratava quanto ao processo a enviar para

Roma estancou neste momento: não se pode afirmar que tenha chegado à Santa Sé (o

texto que existe hoje na Congregação dos Ritos é uma transcrição de 1686), por outro

lado, João Gonçalves Gaspar aventa a hipótese de existirem faltas no necessário rigor

processual e jurídico. O processo parou, pelo que se avançou para uma ramificação

possível na chegada à declaração da beatitude da Infanta: a prova da fama da santidade

e do culto imemorial, isto é, possibilidade per viam cultos, que a bula de 1634 de

Urbano VIII oficializou. Refira-se, finalmente, que este culto se materializava tal-qual

em 12 de Maio de 1491, se estendia ao povo que acorria em grande número nesse dia à

Igreja do Convento e ao dilatar da fama de santidade noutras localidades portuguesas. A

oração constante junto do Túmulo foi novamente reforçada pelos melhoramentos que

nele se operam: depois do reconhecimento dos restos mortais da Infanta a antiga caixa

fúnebre foi encerrada noutra de pau-santo com incrustações de bronze, coberta agora

com damasco carmesim, pelo ano de 1640. As benfeitorias realizaram-se a expensas da

Duquesa de Aveiro, como já referido. Dificuldades de ordem política e nas relações

diplomáticas nesta época não foram propícias para que o processo de beatificação da

filha de D. Afonso V terminasse na forma pretendida. Em 1686, porém, os

145

Sobre a santidade nas dinastias portuguesas, veja-se mapa genealógico em anexo P. 162. 146

Ibidem n.º 14. Vol. XXIV. Pp. 3-81.

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dominicanos, unido a outros elementos de religião e da nobreza, encetaram esforços

para a retoma das diligências junto da Santa Sé para reavivar a questão. O Bispo de

Coimbra reconheceu as virtudes, instalou-se tribunal para o efeito, constituiu-se

processo apostólico em obediência a todas as formas, bem assim os quesitos e

interrogatórios que confirmaram, clarificaram e remataram informações já constantes

nos processos anteriores. De novo se verificou a autenticidade do Memorial, dos restos

mortais e das imagens iconográficas da Infanta; entre elas, uma antevê já D.ª Joana,

vestida de noviça dominicana, com a açucena da virgindade numa mão e um livro na

outra, e de corpo sobre uma nuvem, em clara alusão ao estado de bem-aventurança em

que acreditavam a Infanta já se encontrar, sendo obra realizada antes da declaração da

beatificação.

Finalmente, a 4 de abril de 1693, D.ª Joana de Portugal é declarada beata por

Inocêncio XII.

5.2 A bula de Beatificação (1693)

Desconhece-se atualmente o paradeiro do documento pontifício original, com o

selo do Papa Inocêncio XII. Tal breve foi, no entanto, dado a impressão e é a sua versão

que conhecemos. Desconhece-se o paradeiro atual e até a sua existência nos dias de hoje

do breve pontifício que declara da Infanta D.ª Joana como Bem-aventurada. De facto,

circunscrevendo-se o território da Vila de Aveiro à Diocese de Coimbra, era lógico que

o documento se integrasse na documentação da cúria e chancelaria diocesanas.

Diz a página de Internet do Arquivo da Universidade de Coimbra, a este

propósito:

O Arquivo da Universidade foi elevado a repartição autónoma da Universidade

de Coimbra pelo Decreto n.º 4 de 12 de junho de 1901, passando a ter uma direção

própria e um quadro de pessoal. Foi nomeado seu primeiro diretor o Doutor António

Garcia Ribeiro de Vasconcelos, pois a sua ligação ao Arquivo vinha já de anos

anteriores, uma vez que, em 21 de maio de 1897, fora nomeado para reorganizar a

documentação do Arquivo. Inicialmente teve a designação de Arquivo e Museu de Arte

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117

Sacra pois com a extinção do culto na capela da Universidade, esta foi transformada

em Museu de Arte Sacra, tendo ficado na dependência do Arquivo, por Decreto com

força de Lei de 21 de janeiro de 1911.

Desde logo foi considerada sua missão primordial conservar a documentação

recebida e produzida pela Universidade de Coimbra. Alguns anos depois passou a

receber documentação de outras instituições do distrito de Coimbra, sendo de destacar

a incorporação feita em 1917, por indicação do doutor Júlio Dantas, então inspetor das

Bibliotecas Eruditas e Arquivos, tendo sido recebida a documentação do cartório da

Mitra e do Cabido da Sé de Coimbra e a documentação paroquial que se encontrava no

Seminário Diocesano de Coimbra.

Ora, não se conhece nenhum incêndio deflagrado no antigo paço episcopal de

Coimbra, tendo sido entregue à Câmara Municipal, em 1912, para instalação de um

museu. Portanto, a bula desapareceu por mão misteriosa ou por incúria. Mas é ainda

mais surpreendente que em Roma também nada existe. A nosso pedido, perscrutou nos

arquivos vaticanos D. Carlos Moreira Azevedo que revelou, em Novembro de 2017147.

Consideram-se, pois, perdidas as esperanças de encontrar tal documento. Resta-

se a publicação impressa de 1693 e de chapa lisboeta.

Até hoje não foi traduzida de forma integral e correta o texto da bula da

beatificação da Infanta D.ª Joana. A esse trabalho moroso, pelo latim arrevessado e

pelos longos períodos, se dedicou a Dr.ª Maria de Fátima Bóia, a quem penhoradamente

agradecemos o tempo e dedicação que lhe dispensou148

.

Nunca nenhum historiador se dedicou à sua tradução, pelo que, muito

livremente, o poderemos dividir em quatro partes, sendo a primeira relativa aos

peticionários da beatificação da Infanta. Cujas virtudes são naturalmente exaltadas: a

parte religiosa (Bispos e Ordem Dominicana) e política (Rei de Portugal D. Pedro II), a

segunda é a referência aos documentos de anteriores pontífices para celebração da

147

O prelado realizou diligências na antiga Congregação dos Ritos consultando o volume Sec. Brev. Reg.

2049 correspondente ao ano 1693 sem sucesso. O Registo lateranense dos anos do Pontificado de

Inocêncio XII desapareceu. O texto está publicado no Bullarium Romanum, vol.20, p. 515-517. 148

É um pouco adúltera e suprime várias partes do texto a tradução apresentada em GASPAR, João

Gonçalves – Iconografia de Santa Joana. Aveiro: Tempo Novo Multimédia, 2018. Pp. 32-33.

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Beatificação equipolente, depois a confirmação da imemoriabilidade do culto à Princesa

e finalmente a declaração oficial do Papa, em comunhão com toda a estrutura pontifícia.

Eis o breve de Beatificação equipolente da Infanta D.ª Joana149

:

[Sua Santidade] o PAPA INOCÊNCIO XII [para memória futura do

acontecimento]

Por incumbência do SACROSSANTO Apostolado, tanto quanto a grandeza da

imperscrutável sabedoria Divina e a profundidade da benevolência para com a nossa

inferior modéstia se dignaram aplicar às virtudes de há muito tempo, ainda que

merecidas, urge que Nós, por meio de piedosas orações dos Reis Ortodoxos com

grande fulgor de méritos visíveis para a Igreja de Deus, concedamos, de muitíssima

boa vontade, decisão favorável a quem aspirou à veneração de modo louvável. [Demos

assentimento] a fim de ser aumentado na terra [o número] de Virgens Sagradas que

reinam na feliz eternidade com o Esposo Celeste, principalmente daquelas que, nos

dias da sua peregrinação, embora tivessem sido colocadas na sublimidade de situações

humanas, não recearam o risco das riquezas mas pensaram no conselho Apostólico

vindo da acção do Divino Espírito. Estas foram seguidoras do Senhor, para que fossem

Santas de corpo e alma.

Portanto, visto que, em outras ocasiões, isto é, em 10 de Julho de 1688, a

Congregação dos nossos Veneráveis Irmãos Cardeais da Sagrada Igreja Romana nos

Ritos dos Santos, Encarregados do Processo sobre a Santidade de vida e sobre as

virtudes, enquanto viveu, da Beata Joana de gloriosa memória, filha do ilustre Rei de

Portugal e dos Algarves Afonso V e Religiosa da Ordem de S. Domingos com o nome de

Santa Princesa, falecida em 12 de Maio de 1490, [já] examinara as relíquias sob

autoridade Ordinária e porque fora admitida pela comissão de introdução da causa de

Beatificação ou Canonização da mesma Beata Joana e por aquilo que fora assinado

seguidamente por fecunda lembrança de [Sua Santidade] o Papa Inocêncio XI, nosso

Predecessor, na sua vigorosa execução das Cartas Remissoriais e Compulsoriais,

outros processos nas cidades de Coimbra, Évora e Lisboa sobre o culto imemorial

149

In SILVEIRA, Fr António – Epitome da Vida de Santa Joana Princesa de Portugal, Lisboa, 1755. Pp.

181-186.

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respeitosamente prestado à própria B. Joana, pelo ensejo retirado dos Decretos de

[Sua Santidade] o Papa Urbano VII, de recente memória, igualmente nosso Antecessor,

uma vez divulgados na Congregação da Santa Inquisição, foram trabalhados com

autoridade Apostólica e [então] o Venerável Irmão, actual Bispo de Coimbra, Juiz

delegado sobre os mesmos da acima referida Congregação Cardinalícia, terá feito

avançar a sentença para o Culto imenso da chamada Beata Joana, mostrada com

conhecimento e constância das Ordens [Regulares] e não sustentado por um acaso,

como se opina; finalmente, sem dúvida, face às esforçadas súplicas do nosso [D.] Pedro

[II], Filho Caríssimo em Cristo, ilustre Rei de Portugal e também dos Algarves e ainda

por petições públicas crescentes dos Veneráveis Irmãos Bispos, outrossim as dos

Dilectos Filhos Consagrados, as dos Senados, dos Colégios, Academias, totalidade do

Reino Lusitano e conforme as reiteradas instâncias do igualmente Filho Dilecto

Paulino Bernardim, Frei distintamente professo na Ordem dos Pregadores, Mestre em

Teologia Sagrada, deste modo Postulador da Causa de Beatificação ou Canonização

na citada Congregação dos Cardeais, em assunto Dúbio, se a sentença supradita

deveria ser confirmada na circunstância e para o efeito, acerca do que se tratam a

mencionada Congregação Cardinalícia terá determinado que deveria ser confirmada a

resolução recomendada, não só através de relatos contidos nos ditos processos e esses

avaliados séria e cuidadosamente de entretanto examinados, tanto nos [documentos]

escritos como nos [testemunhos] orais que constem relativos ao antiquíssimo Culto,

ouvido o Dilecto Filho Promotor da Fé.

Por um lado, está o Decreto publicado pela sobredita Congregação

Cardinalícia que Nós confirmamos e aprovamos com autoridade Apostólica sob os

termos das circunstâncias presentes, desejando anuir favoravelmente aos piedosos e

devotos rogos do referenciado Rei [D.] Pedro [II], humildemente dirigidos para Nós

sobre esta questão, como se revela, o qual [decreto] evidentemente se refere ao culto

imemorial da mencionada Beata Joana e que consta do caso extraído dos Decretos do

[nosso] precedente [Papa] Urbano, evocado no princípio; por outro lado,

acrescentamos a solidez da inatacável firmeza Apostólica, sem prejuízo, todavia, do

parecer da anunciada de início Congregação dos Cardeais, sempre postos à frente,

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decidindo se tais registos presentes se mostram conscientes, válidos e eficazes e não só

vir a causar como a escolher e obter os seus próprios resultados, completos e perfeitos,

votar a favor deles absolutamente, para os quais recorre e recorrerá no futuro, bem

como manter-se por eles atenta e inviolavelmente; e assim, dentro dos antecedentes,

sejam quem forem os Juízes Ordinários e ainda os Auditores delegados das causas do

Palácio Apostólico, [resolvem] se devem ser julgados, delimitar-se, quer

frustradamente, quer em vão, de um modo diferente do que deveria ser a respeito deles,

com conhecimento de causa ou por ignorância, não vir a ser atacada da parte de

ninguém nem de qualquer autoridade.

Não obstando as Constituições nem Ordens Apostólicas nem todos aqueles

demais contrários, queremos porém, que através dos treslados dos próprios registos

presentes, ou de cópias e até de impressões, assinados pela mão de algum notário

público e munidos com o selo da pessoa constituída dignidade Eclesiástica, os mesmos

[documentos] sejam tidos como garantia directamente no Processo ou fora dele. Estes

seriam considerados exactamente os presentes, se tiverem de ser reproduzidos ou

mostrados.

Celebrado em Roma, na [Igreja] de Santa Maria Maior, sob o sinete do

Pescador, no dia 4 de Abril de 1693 no ano II do Nosso Pontificado.

I.F. Cardeal Albano.

Francisco Cantarélio, secretário da Congregação.150

5.3 O processo canónico na atualidade

Com efeito, preparava a Diocese de Aveiro a reabertura do processo da sua

Padroeira. Para a canonização equipolente ou equivalente, também dita extraordinária,

com base no culto imemorial, centenário e/ou ininterrupto, requer-se a) processo

150

A tradutora optou por inserir entre parêntesis retos determinadas palavras subentendidas,

denominações ou articuladores do discurso para maior facilidade de compreensão e naturalmente dentro

da lógica da narrativa.

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ordinário sobre escritos e fama de santidade; b) introdução da causa na respetiva

Congregação da Cúria Romana; c) processo apostólico do culto prestado; d) revisão do

processo do culto e confirmação do papa; e) processo das virtudes em especial; f) juízo

acerca das mesmas virtudes em particular, realizado em três sessões e g) decreto final

do papa. Encontra-se o processo canónico, o processus 500 do Archivum da Biblioteca

Apostólica Vaticana, suspenso desde 1755 na alínea d), que já obteve151

.

Aquando da visita ad limina realizada pelo Episcopado português, o Bispo de

Aveiro dirigiu-se à Congregação da Causa dos Santos onde foi confrontado com dois

problemas: o facto de o atual processo respeitar as conformidades canónicas dos séculos

XVII e seguintes, não já as que se encontram em vigor, e depois o risco que constituía a

continuidade de um processo que padece, a princípio, de legalidade, pelo que seria mais

prudente iniciar-se um novo processo canónico pro-canonização da Infanta. Após

instituição do Tribunal Diocesano e nomeação do Postulador, em Junho de 2017,

procura-se a canonização da Infanta D.ª Joana por via de um milagre.

Tábua dos instrumentos canónicos e civis do culto a Santa Joana em Aveiro

Instrumento Origem Consequências

Documento (1634) Papa Beatificação per viam cultos

Bula pontifícia (1693) Papa Beatificação da Princesa Joana

Reconhecimento das virtudes

(1756)

Papa Bento XIV Prossecução do processo de

canonização

Estatutos da Real Irmandade de

Santa Joana Princesa (1877)

Real Irmandade de Santa Joana

Princesa

Incidências normativas de:

*Código das Confrarias (1870)

*Aprovação do Governo Civil

de Aveiro

*Aprovação pelo Bispo-Conde

de Coimbra

Institucionalização do culto a

Santa Joana Princesa

Estatutos da Irmandade de Santa Irmandade de Santa Joana Atualização estatutária

151

Ibidem n.º 43. P. 144.

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122

Joana Princesa (1925) Princesa

Incidências normativas de:

*Código Administrativo (1879)

*Decreto de 28 de Outubro

(1910)

*Lei de 4 de Março (1911)

*Lei de 21 de Abril (1911)

* Código de Direito Canónico

(1917)

*Collecção authentica da

legislação diocesana

*Synodo Diocesano de Coimbra

celebrado nos dias 30 e 31 de

Julho de 1923 pelo Ex.mo e

Rev.mo D. Manuel Luiz Coelho

da Silva Bispo Conde

Estatutos da Irmandade de Santa

Joana Princesa (1943)

Irmandade de Santa Joana

Princesa

Incidências normativas de:

*Aprovação pelo Arcebispo-

Bispo de Aveiro

*Reconhecimento do Governo

Civil de Aveiro *Regime Geral

das Associações de Fiéis (1927)

*Código Administrativo (1936)

* Constituição da República

Portuguesa (1933)

*Concordata (1940)

Atualização estatutária

Determinação do feriado

municipal (1952)

Câmara Municipal de Aveiro

Incidência normativa:

*Revogação da fixação do

feriado a 16 de Maio (1930)

Instituição do dia feriado

municipal

Bula pontifícia (1965) Congregação dos Ritos

Concessão do Padroado da

Cidade e da Diocese de Aveiro a

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123

Incidência normativa para:

*Ofícios litúrgicos e calendário

litúrgico

Santa Joana

Instituição a 11 de Novembro de

1969 a Reitoria de Santa Joana e

em 1972 elevação a mesma a

paróquia, cujo templo teve a

deposição da primeira pedra em

30 de Julho de 1972

Bispo de Aveiro Circunscrição paroquial com

patronato de Santa Joana

Determinação do feriado

municipal (1978)

Câmara Municipal de Aveiro

Incidência normativa:

*Revogação da reposição do

feriado a 16 de Maio em 27 de

Janeiro de 1976

Atualização do dia feriado

municipal

Criação da freguesia de Santa

Joana a 30 de novembro de 1984

por força da Lei nº 63/84, de 31

de Dezembro, para entrar em

vigor em 1 de Janeiro de 1985.

Assembleia da República Circunscrição administrativa

com a denominação de Santa

Joana

Estatutos da Irmandade de Santa

Joana Princesa (1991)

Irmandade de Santa Joana

Princesa

Incidências normativas de:

*Decreto episcopal de 3 de

Junho (1990)

*Modelo diocesano

*II Concílio do Vaticano (1962-

1965)

*Código de Direito Canónico

(1983)

*Catecismo da Igreja Católica

(1992)

Atualização estatutária

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124

Se, por um lado, verificámos em que medida as mutações políticas e naturais e

evoluções sociais que sofreu o culto a uma figura da Igreja Católica, vimos que, com

diferentes agentes (cúpula da Igreja, Religiosas, Irmandade ou povo de Aveiro), ele se

manteve ininterrupto, independentemente dos normativos que o estabeleciam,

limitavam ou tinham por prerrogativa. Por outro lado, acompanhámos a também natural

evolução da Igreja na consideração a esta figura religiosa. Não pudemos detalhar, como

é compreensível, o processo canónico que levou à Beatificação de D.ª Joana, mas

tentámos registar todos os instrumentos de que a Igreja se serviu para que o seu culto se

estabelecesse e se manifestasse.

6. Na memória e na identidade de Aveiro, na prática dos crentes

6.1 O culto na expressão artística

Seria exaustivo relatar todas a esculturas, pinturas, gravuras, azulejos, cerâmicas

ou outras expressões artísticas que em Aveiro existem, sobretudo no seu Museu, sobre a

Infanta D.ª Joana. Detenhamo-nos, na linha lógica deste percurso, no culto das relíquias,

no quadro quinhentista e na primeira imagem posterior à beatificação e às alfaias

ligadas à devoção joanina152

.

6.2 O culto das relíquias

Desde o início do cristianismo que as relíquias ocupam lugar particular na

liturgia e na pastoral, principalmente se se referem a partes de corpos de mártires, uma

vez que seriam estes os primeiros a erguer a palma da santidade no momento da

ressurreição. Era, pois, importante, para o fiel, ser enterrado junto destas relíquias, ou

pelo menos perto dos seus relicários, de forma a poder acordar para a vida eterna ao

lado dos soldados da fé. O primeiro exemplo do culto de uma relíquia por crentes

cristãos surge em 156 em Smyrna (atual Esmirna na Turquia), a propósito do martírio

152

Vd. Pp. 83-88 e 127-144.

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de São Policarpo relatado. A busca por objetos semelhantes tornou-se cada vez mais

popular, conduzindo por exemplo, à descoberta da cruz da crucificação de Jesus Cristo

em cerca de 318. No século VII, o arcebispo da Cantuária São Teodoro declarou que as

relíquias deviam ser objetos de veneração e iluminadas dia e noite pela luz de uma vela.

Dois séculos mais tarde, a prática era obedecida pelo menos pelo rei Alfredo de

Inglaterra.

Durante a Idade Média e o período de construção de catedrais, o culto das

relíquias atingiu o seu auge. Nesta altura, a edificação e manutenção de uma catedral era

custeada sobretudo através de donativos da congregação. A importância eclesiástica de

uma diocese, bem como a sua capacidade de atrair novos fiéis e peregrinos, era, muitas

vezes, dependente da quantidade e qualidade de relíquias que eram exibidas para

veneração. Uma relíquia é parte do corpo de um santo ou objetos que estiveram ou

foram usados por estes, aos quais os católicos, prestam veneração ou reverência.

A Igreja estabeleceu ainda classificações de relíquias153

.

6.3 O culto externo: o caso da Procissão de Santa Joana – única no país pela sua

realidade antropológica, etnográfica e expressão pública da veneração.

O culto que Aveiro tem prestando à Infanta Santa Joana começou imediatamente

após a sua morte, como referido. Desde então, aquela comunidade de religiosas, com

quem viveu quase 18 anos, acompanhadas pelos padres dominicanos, reuniram-se já

não em sentimento saudoso ante um cadáver, mas na convicção de serem os primeiros

devotos de alguém que consideravam na eternidade o que para eles fora em vida:

protetora, se quisermos, santa. De imediato se diligenciou no sentido de oficializar o

culto à senhora infanta. Demorou 203 anos até que ele se efetivasse com a assinatura da

bula de beatificação.

153

Primeira classificação – parte do corpo de um santo (fragmento de osso, unhas, cabelo etc.). Segunda

classificação – objetos pessoais de um santo (roupa, cajado, os pregos da cruz, e outros). Terceira

classificação – inclui pedaços de tecido que tocaram no corpo do santo ou no relicário onde uma porção

do seu corpo está conservada.

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Dominicanos – ramo feminino e masculino – em particular e vila/cidade (a partir

de 1759) e Diocese de Aveiro (primeira circunscrição entre 1774-1881; circunscrição

atual desde 1938) viveram e vivem os propósitos da Bem-aventurada Joana de Portugal,

lhe prestam culto público e segundo os ritos católicos. Porém, pela ligação tão estreita

da presença da Infanta em Aveiro, a identidade da povoação funde-se e confunde-se no

seu espírito – pela sua presença e afeto aos aveirenses – com a da própria filha de D.

Afonso V.

A 11 de dezembro de 1938 as cinzas da antiga mitra de Aveiro renascem: o papa

Pio XI restaurou, com diferente circunscrição, a antiga Diocese, confiando a D. João

Evangelista de Lima Vidal a sua administração apostólica e a respetiva cátedra, em

1940. Viu-se já como o prelado não foi indiferente ao ressurgir do culto a Protetora de

Aveiro. Assim aconteceu, de forma crescente e estimulante. À santa Infanta confiou a

sua ação apostólica, atribuindo-lhe o patronato do seminário diocesano, por exemplo, e

inculcando de forma expressiva a festa de Santa Joana, com restauração da respetiva

novena, ofício litúrgico em 12 de maio, missa solene com Te Deum e, sendo possível, a

saída da procissão pelas ruas da Cidade. O seu sucessor, D. Domingos da Apresentação

Fernandes foi mais longe: imprimiu dinâmica à Irmandade e pediu à Santa Sé, embora

sem sucesso, a concessão do padroado da Cidade e da Diocese a Santa Joana, como já

referido. A sua morte prematura, em 1962, após quatro anos apenas de labor pastoral,

trouxe até à mitra de Aveiro D. Manuel de Almeida Trindade, que obteve, em 5 de

janeiro de 1965, a bula Flos sanctitatem, que concretizou o desiderato do seu

predecessor. Não é facto muito comum uma bem-aventurada ter o padroado não só

duma cidade mas de uma diocese. Cremos que a Roma chegaram dados suficientes para

se provar a contínua, fervorosa e plena convicção em Aveiro e pelos aveirenses de que

Santa Joana era sua padroeira154

. Algum tempo depois, pensamos que com muita

felicidade, Madahil escreveu o opusculo A Infanta Santa Joana: do senhorio temporal

ao padroado da Diocese de Aveiro155

, partindo da ideia de transmutação na terra da

intercessão divina da Princesa. Isto é, simplesmente, Santa Joana cuidaria no plano

154

Olvida-se assim qualquer resquício de continuidade na devoção a Santa Ana, antiga padroeira de

Aveiro. 155

Cf. Ob. cit. n.º 19.

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espiritual com o mesmo devotamento que cuidara na sua vida das carências materiais

dos aveirenses e passantes em Aveiro.

Na comemoração dos 50 anos da bula de proclamação do padroado, o atual

prelado anunciou publicamente a intenção de reabrir o processo de canonização.

O governo pastoral de Aveiro, sempre dedicou particular atenção à figura da

Infanta, por exemplo, com criação da reitoria/paróquia de Santa Joana, a Carta de Santa

Joana aos jovens (1987) e a instalação da Comissão Administrativa da Irmandade de

Santa Joana Princesa, perante a agonia da instituição após a morte do seu último

provedor, Querubim do Vale Guimarães.

Atentemos agora à forma mais expressiva ao culto à filha do rei D. Afonso V em

Aveiro, após a constituição da Irmandade e a sua dimensão enquanto memória e

identidade.

Alfais litúrgicas do culto à Bem-aventurada Joana em Aveiro156

Imagem processional com estrutura em madeira,

representando a Infanta, do séc. XVII, vestido com o

hábito dominicano, constituído por túnica e coifa

brancas, capa, véu e gola pretos. A imagem apresenta-se

de frente, com o rosto e mãos com carnações e os braços

abertos, devendo ter na mão direita voltada para baixo e

a mão direita voltada para cima, por forma a suster um

crucifixo que se engasta nas palmas das suas mãos. Tem

como atributos o resplendor de prata símbolo da sua

santidade e o crucifixo, e como atributos pessoais a coroa

de espinhos.

156

Idem n.º 52.

Imagem processional da Bem-

aventurada D.ª Joana

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Peça em prata fundida, do séc. XVIII, com segmentos dourados,

relevada e cinzelada. Tem de altura 49,3 cm e de diâmetro 32,1

cm. É de forma circular, com raios lanceolados. Campo circular

vazado, delimitado por moldura de dezanove elementos

multifacetados, na qual está inscrita uma estrela de nove pontas

que tem ao centro outro elemento multifacetado. O campo do

verso tem decoração semelhante. Dispõe de espigão.

Coroa de espinhos em prata relevada, fundida e cinzelada com

fecho móvel. Diâmetro variável conforme a abertura, tendo

dimensão mínima de 17,9 cm e máxima de 19,2 cm. É atribuível

a Joaquim Maria da Costa Serra e aos séculos XIX-XX.

Vestido em fio de seda bordado,

laminado, lâmina e lantejoulas dourados

com galão em fio laminado e lâmina

dourados e bordado directo a pontos de

ouro. O galão é também bordado. Possui

de altura 1,25 m e de diâmetro 2, 74 m.

Apresenta formato cónico truncado, com

abertura nas costas até à altura do peito e

lateralmente até às cavas. É de cetim de

seda branco bordado a ouro com campo da peça com bordado formando uma malha

losangulada, constituída por finas ramagens, em cujos pontos de interceção se

apresentam estrelas de oito pontas. Inclusos aos losangos, pequenos ramalhetes. Junto à

base e ao centro do vestido, flor de maior dimensão com elementos raiados. Uma barra

de motivos florais em torçal acompanha a base da peça. Remate da peça com galão

bordado, seguido de um outro rendado. Note-se que, enquanto a frente da peça

apresenta o bordado completo, à exceção da zona do decote e ombros que apresentam

Resplendor de imagem

Coroa de espinhos

Vestido da imagem

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apenas os contornos do desenho bordados, nas costas, a metade superior da peça é em

cetim liso, seguindo-se uma zona apenas com os contornos bordados e finalizando com

uma zona, com cerca de 30 cm, com os motivos bordados na sua totalidade.

Punhos em fio de seda, papel laminado dourado e

fio laminado dourado com galão também em fio

laminado dourado. Aplicou-se a técnica da gaze

espolinada. Possuem de altura 16 cm e de largura

21 cm. Contornos laterais e inferior da peça com

estreito galão dourado, fio de seda amarelo e

cordãozinho dourado. Bordado direto a pontos de

ouro de formato retangular, com a parte superior

em V. Campo da peça com bordado formando uma

malha losangulada, constituída por finas ramagens, em cujos pontos de interceção se

apresentam estrelas de oito pontas. Inclusos aos losangos, pequenos ramalhetes. Uma

barra de motivos florais em torçal acompanha os limites laterais e inferior da peça.

Remate da peça com galão bordado, seguido de um outro rendado.

Peça do séc. XVIII, tem 120 cm de altura e 35 cm de diâmetro. O tecido

base é fio de seda bordado a fio laminado, lâmina e lantejoulas dourados

sobre cetim. O galão é de fio laminado e lâmina dourada e o bordado direto

a pontos de ouro. Galão: bordado. Descrição: Peça de formato retangular

com decote redondo na parte superior. Cetim de seda branco bordado a

ouro. Campo da peça com bordado formando uma malha losangulada,

constituída por finas ramagens, em cujos pontos de interceção se

apresentam estrelas de oito pontas. Inclusos aos losangos, estrelas de

menor dimensão. Uma barra de motivos florais em torçal acompanha os

limites laterais e inferior da peça. De realçar que a zona superior da peça,

que fica oculta pelo capuz, apresenta apenas os contornos dos elementos

Punhos da imagem

Escapulário da imagem

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decorativos não sendo preenchido por pontos de ouro. Remate da peça com galão

bordado, seguido de um outro rendado.

Faixa de tafetá de seda preta lisa, datável do séc. XVIII. Em

ambas as extremidades da peça destacam-se seis finas riscas

brancas com intervalos idênticos. Possui de altura 3,24 m e

de largura 9 cm. A franja, com cerca de 7 cm de altura, é

constituída pela própria seda desfiada.

Sapatos do tipo sabrina, com decote redondo no peito do pé e salto

raso, do séc. XVIII em tecido de algodão branco revestido a cetim

de seda de tom cru bordado a ouro com fio laminado, lâmina,

vidrilhos brancos e lantejoulas dourados. O bordado é direto a

pontos de ouro. Têm de comprimento 24 cm. Uma ramagem florida

central ocupa a parte superior da peça. Uma fina e sinuosa

ramagem florida desenvolve-se lateralmente a partir deste elemento

terminando no calcanhar. Na base do sapato, orifício circular para

permitir o encaixe da imagem no andor.

Capa em peça semicircular, com altura de 1,36 m e de

largura 2,58 m com decote redondo e duplo forro.

Bordada a pontos de ouro com fio de seda laminado

com lâmina e lantejoulas douradas com galão de iguais

materiais. Cetim de seda preto bordado a ouro. Campo

da peça com malha losangulada de finas ramagens, em

cujos pontos de interceção se apresentam estrelas de

oito pontas. Inclusos aos losangos, pequenos

ramalhetes. De realçar que a peça, quando aberta, apresenta as flores com orientações

diversas, já que quando colocada na imagem estas se direcionam sempre no sentido

ascendente. Uma barra de motivos florais em torçal acompanha o perímetro da peça, à

Faixa da imagem

Capa da imagem

Sapatos de imagem

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exceção do decote, sendo este ainda rematado por galão bordado, seguido de um outro

rendado.

Peça retangular, com 57 cm de altura e 1,01 m de

altura, em cetim de seda preto bordada a ouro com

fio laminado, lâmina vidrilhos brancos e lantejoulas

douradas. Uma sinuosa ramagem florida contorna os

lados e limite inferior da peça. Apresenta bordado

direto a pontos de ouro e galão também bordado.

Vestido interior em fino linho branco. Comprimento até aos pés,

franzido abaixo do peito e alargando em direção à base. Tem de altura

1,14 m e de largura 66 cm. É autora ou doadora Maria Martins

Taveira. Datado do séc. XX. Parte superior constituída por uma larga

renda com motivos florais. Aplicação de idêntica renda com recorte

ondulado sobre os ombros. Três estreitas tiras de renda com motivos

vegetalistas isolados de pequena dimensão partem de ambos os lados

da peça à altura das cavas, divergindo em direção à base. A mesma renda é aplicada em

duplicado acompanhando o perímetro inferior da peça. Do lado esquerdo, à altura do

peito, o monograma M. P., seguido da inscrição a tinta: À Princesa Sta. Joana oferece

Maria Martins Taveira, acrescido de uma pequena flor. Atilhos de seda bege nos

ombros.

Meias de malha até ao joelho, com calcanhar demarcado, em

malha de algodão branco. Datáveis entre o séc. XVIII-XIX.

Extremidade superior da peça com bainha e três riscas vermelhas

muito finas. Orifício na zona inferior do calcanhar possibilitando

o encaixe da imagem no andor. Um pouco abaixo das riscas, a

letra M bordada a ponto cruz.

Véu da imagem

Vestido interior

Meias da imagem

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Crucifixo em madeira de pau santo, trabalho português,

datável do séc. XVIII. Possui de altura 70,5 cm, de largura

10 cm e de comprimento 35 cm. Apresenta um Cristo de

madeira policromado, em cruz de madeira de pau santo,

preso por três cravos. O Crucificado apresenta-se com a

cabeça caída sobre a Sua direita. Tem um cendal branco

preso à cintura, cabelos e barbas castanhos, lábios

vermelhos, marcas de sangue vermelhas, no rosto e tronco

nu. A cruz do Crucifixo, de linhas direitas (cruz latina:

braço vertical maior do que o horizontal) apresenta a

decoração de uma esquadria na face exterior, em relevo na

madeira; tem os remates dos braços em forma de ponteiras,

de prata, trabalhadas, e, na face posterior do cruzamento dos braços tem um resplendor

radiado em prata, além do resplendor de Cristo, em prata. Na parte superior do braço

vertical tem aposta um pendão de prata, trabalhada, decorada com motivos vegetalistas,

com a inscrição I.N.R.I. identificadora de Jesus Cristo como o Rei dos Judeus. Note-se

que os atributos de Jesus Cristo referidos neste Crucifixo, designadamente a cruz da

crucifixão, a coroa de espinhos, serão também os símbolos assumidos nas armas da

Infanta.

Crucifixo da imagem

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Imagem processional com estrutura em madeira,

representando São Domingos de Gusmão, do séc. XVII,

vestido com o hábito dominicano, constituído por

túnica branca com capa com capuz e gola pretos. A

imagem apresenta-se de frente, com cara e mãos com

carnações, com os braços abertos, devendo ter na mão

direita uma cruz-bordão, com duplo travessão em prata,

e tendo na mão direita um livro fechado, a Regra da

Ordem; na testa ostenta uma estrela em prata com

pedraria, e na cabeça um resplendor em prata, seus

atributos pessoais. Junto de si, aos pés, do seu lado

esquerdo, tem um cão branco com malhas pretas com

um facho na boca. Tem como atributos o resplendor de

prata símbolo da sua santidade, e como atributos

pessoais, a cruz-bordão em prata com duplo travessão

na mão direita, e o livro da Regra da Ordem na mão

esquerda, símbolos de fundador da Ordem Dominicana,

e ainda como atributos pessoais a estrela em prata, símbolo do estigma que terá

recebido, com pedrarias na testa, e o cão com o facho na boca, alusivos à história da

fundação da Ordem por sua mãe, Santa Joana de Asa.

Peça em prata, do séc. XVIII, com sistema de encaixe

constituído por prego móvel que fica embutido na fronte da

imagem. Numa das extremidades do prego, que constitui o

centro da estrela, encontra-se engastado um quartzo. Estrela de

oito pontas constituída na sua totalidade por quartzos

engastados.

Imagem processional de São Domingos

Estrela de prata e quartzo

hialino a simular estigma.

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(Ver descrição semelhante na imagem da Bem-aventurada

Joana)

O ramo de açucenas, em prata, do séc. XVIII, com 1,57cm de altura é móvel

e encontra-se encaixado na vara através de um anel largo em prata. A cruz

bordão é constituída por vara e cruz. A vara tubular, lisa tem uma ponteira

facetada na extremidade inferior e, na superior, um ramo de açucenas que se

destaca da vara. A cruz é de duplo travessão e as terminações dos braços e

parte superior da haste associam o elemento de voluta a motivos

vegetalistas.

Peça do séc. XVIII, tem 1,33 cm de altura e 2,80

cm de diâmetro. O tecido base é o fio de seda

bordado com fio laminado, lâmina e lantejoulas

dourados. O galão é de fio laminado e lâmina

dourada O cetim é bordado directo a pontos de

ouro. Peça de formato cónico truncado, com

abertura nas costas até à altura do peito e

Resplendor da imagem

Vara de duplo

travessão com cruz

e açucena

Vestido da imagem

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lateralmente até ás cavas. Cetim de seda branco bordado a ouro. Campo da peça com

bordado formando uma malha losangulada constituída por finas ramagens, em cujos

pontos de interceção se apresentam estrelas de oito pontas. Inclusos aos losangos,

pequenos ramalhetes. Junto à base, no centro do vestido, flor de maior dimensão com

elementos raiados. Uma barra de motivos florais em torçal acompanha a base da peça.

Remate da peça com galão bordado, seguido de um outro rendado.

Peça do séc. XVIII, tem 47 cm de altura e 22 cm de

diâmetro. O tecido base é o fio de seda bordado: fio

laminado, lâmina e lantejoulas dourados. Galão de fio

laminado e lâmina dourados. O bordado é direto a

pontos de ouro. Peças de formato retangular, em cetim

de seda branco bordado a ouro. O campo das peças

com bordado formando uma malha losangulada,

constituída por finas ramagens, em cujos pontos de

interceção se apresentam estrelas de oito pontas.

Inclusos aos losangos, ramalhetes floridos. Base das mangas com barra de motivos

florais em torçal rematadas por galão bordado, seguido de um outro rendado.

Par de mangas compridas em linho cru, abertas num

dos lados a toda a altura da peça. Peças do séc.

XVIII, têm 42 cm de altura e 34 cm de diâmetro

respetivamente. O tecido base é linho, fio de seda e

lâmina dourada. O galão é de fio laminado e lâmina

dourada. Aplicaram lhama prateada na zona do

punho rematada na base por estreito galão dourado.

A peça aperta com botões, sendo quatro destes,

correspondentes à zona dos punhos, forrados a lhama e os restantes três a linho.

Mangas da imagem

Punhos da imagem

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Peça do séc. XVIII, tem 120 cm de altura e 34 cm de diâmetro. O

tecido base é fio de seda bordado a fio laminado, lâmina e

lantejoulas dourados sobre cetim. O galão é de fio laminado e

lâmina dourada e o bordado direto a pontos de ouro. Galão:

bordado. Descrição: Peça de formato retangular com decote

redondo na parte superior. Cetim de seda branco bordado a ouro.

Campo da peça com bordado formando uma malha losangulada,

constituída por finas ramagens, em cujos pontos de interceção se

apresentam estrelas de oito pontas. Inclusos aos losangos, estrelas

de menor dimensão. Uma barra de motivos florais em torçal

acompanha os limites laterais e inferior da peça. De realçar que a

zona superior da peça, que fica oculta pelo capuz, apresenta apenas

os contornos dos elementos decorativos não sendo preenchido por

pontos de ouro. Remate da peça com galão bordado, seguido de um

outro rendado.

Peça do séc. XVIII, tem 3,19 cm de altura e 8,5 cm

de diâmetro. O tecido base é seda preta lisa, apenas

com seis finas riscas brancas, com espaçamentos

idênticos entre si, em ambas as extremidades.

Extremidades franjadas pelo desfiado da própria seda com uma altura de 7 cm.

Peça do séc. XVIII, tem 73 cm de altura e 1,44 cm de

diâmetro. O tecido base é fio de seda bordado com: fio

laminado, lâmina e lantejoulas dourados. O galão: também a

fio laminado e lâmina dourados. O cetim foi bordado direto

a pontos de ouro. Galão também bordado. A peça é em

forma de capuz com gola a cobrir os ombros, sendo esta

arredondada na frente e em bico atrás. Cetim de seda preto

bordado a ouro. Peça com decoração baseada numa malha

Escapulário da imagem

Faixa da imagem

Capuz da imagem

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losangular de finas ramagens, com estrelas nos pontos de interceção. No interior dos

losangos, ramalhetes floridos simples. Apenas a zona posterior da gola, à qual se

sobrepõe o capuz, não apresenta decoração. No contorno da peça, cercadura de

elementos vegetalistas, em torçal. Interior do capuz com decoração bordada idêntica à

exterior mas sobre cetim de tom cru. Remate da peça com galão bordado, seguido de

um outro rendado.

Peça do séc. XVIII, tem 1,34 cm de largura. O

tecido base é fio de seda bordado com fio laminado,

lâmina e lantejoulas dourados. O galão tem fio

laminado e lâmina dourado. Sobre cetim o bordado

é direto a pontos de ouro. Galão também bordado.

A peça é semicircular, com decote redondo. Cetim

de seda preto bordado a ouro. Campo da peça com

malha losangulada de finas ramagens, em cujos

pontos de interceção se apresentam estrelas de oito

pontas. Inclusos aos losangos, pequenos ramalhetes. De realçar que a peça, quando

aberta, apresenta as flores com orientações diversas, de forma a que, quando colocada

na sua posição de utilização, estas se direcionem sempre no sentido ascendente. Uma

barra de motivos florais em torçal acompanha o perímetro da peça, à exceção do decote,

sendo este ainda rematado por galão bordado, seguido de um outro rendado. Tem duplo

forro.

Capa da imagem

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138

Alfaias de culto157

Peça de prata fundida, cinzelada e puncionada, de fabrico

Portuense, tem 58,3 cm de altura e 37,8 cm de largura. Esta cruz

funciona como remate de pau de bandeira. Na parte inferior da

haste existe uma estrutura tubular de encaixe. Cruz da Ordem

dos Pregadores flordelizada, com a metade longitudinal da

superfície do braço e da haste vasada e com a outra preenchida,

com contorno em filete inciso. No cruzamento do braço e haste,

há uma reserva circular vasada onde se inscreve florão.

Estandarte em seda beje com motivos vegetalistas com 1,65

m de altura e 1,85 m de largura, emoldurada de galão e

canotilho em ouro e com as armas de Santa Joana Princesa

bordadas também a ouro com adornos no exterior da lisonja.

Possui bainha para engastamento da vara de madeira e

remate de prata fundida, com igual galão e canotilho.

(Pormenor da bandeira)

157

Idem n.º 120.

Remate de estandarte

Estandarte

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139

Peças em prata fundida, relevada, cinzelada e puncionada, de

fabrico atribuível a Manuel José Gonçalves Russo, do Porto, do

séc. XIX. Têm 2,25m de altura. A vara apresenta uma alma

tubular em madeira e são formada por cinco partes móveis de

prata que nela encaixam. O castiçal é constituído por quatro

partes móveis, uma delas tubular, de encaixe à vara. A vara,

tubular, de superfície lisa, apresenta na extremidade inferior uma

ponteira para apoio no chão. Os cinco segmentos apenas

apresentam como decoração um friso formado por dois filetes

perlados. O castiçal é constituído por tubo liso, tendo na parte

superior superfície anelada; haste formada por estrutura bojuda,

seguida de outra mais alongada, formada por estrangulamentos

sucessivos. A haste apresenta decoração de folhas, florões e

molduras. A arandela apresenta ornamentação com folhas

alongadas. Bocal de superfície lisa com torçal na parte superior.

Nele se insere uma vela.

Peças em prata fundida, relevada, cinzelada,

burilada e puncionada, atribuível a atribuível

a Manuel Ribeiro Gomes, de Lisboa, pela

inscrição MRG, do séc. XVIII, foi oferta de

Teresa Saldanha Oliveira e Sousa ao

Mosteiro de Jesus, tem 39 cm de altura e 10,1

cm a base do gomil, de superfície lisa com

base circular alteada apresenta como

decoração, na zona inferior, filete de folhas

de oliveira; na zona superior, friso com o

motivo de duas linhas serpentiformes que se entrelaçam. A meio do corpo, observa-se

Cirial (2 peças)

Lavanda e gomil de água às mãos

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de novo friso de linhas entrelaçadas delimitado por pontilhado. No colo, encontram-se

representadas as armas da Irmandade de Santa Joana Princesa. A encimar este conjunto

uma coroa fechada. Este escudo encontra-se inserido em reserva oval. A asa é definida

por curvas e contracurvas dadas através de enrolamentos de folhas de acanto. O bico é

delimitado exteriormente por filete de folhas de oliveira. A lavanda de água às mãos é

também atribuível a Manuel Ribeiro Gomes, de Lisboa, pela inscrição MRG, do séc.

XVIII, foi oferta de Teresa Saldanha Oliveira e Sousa ao Mosteiro de Jesus, é de prata

fundida, relevada, cinzelada, burilada e puncionada e tem 33,4 cm de largura e 46,2 cm

de comprimento. Bacia elíptica. O fundo liso apresenta ao centro as armas da Irmandade

de Santa Joana. Covo acentuado com vincos simulando gomos. Aba lisa com o motivo

de linhas serpenteadas entrelaçadas. Ostenta também as armas da Real Irmandade de

Santa Joana Princesa.

Peças em prata fundida, relevada,

recortada, cinzelada e puncionada,

atribuível a Portuense, do séc. XIX, tem

30,5 cm de altura, 30 cm de diâmetro e

de base 7,9 cm um e 7,8 cm outro. O

turíbulo é em forma de urna. No interior,

o recipiente semiesférico para queimar o

incenso é em bronze. Base circular

alteada com friso decorativo constituído

por dois tipos de folhas que se repetem na

zona inferior do vaso. Na parte superior,

friso com o motivo de flor inserido em

entrelaçado e interrompido regularmente por florão. O mesmo friso repete-se a meio do

opérculo. No topo do vaso existem três saliências onde estão soldadas as argolas de

onde pendem as cadeias de suspensão. Existem igualmente outros três orifícios, na zona

inferior do opérculo. O opérculo apresenta ornamentação recortada de elementos

vegetais. Este conjunto é rematado por estrutura em forma de urna. Cadeias de

Turibulo (2 peças). Usavam-se as duas peças se se levasse

o Santíssimo em procissão e um só se se levasse o Santo

Lenho.

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suspensão com elos de forma circular e disco superior também circular alteado. Ostenta

as armas da Real Irmandade de Santa Joana Princesa.

Peças em prata fundida, relevada, puncionada,

cinzelada e incisa. Atribuível a Portuense, do

séc. XIX, tem de altura: 15,1/14,7 cm e de

largura: 25,8/25,5 cm. Navetas com a união

entre a haste e o vaso efetuada por sistema de

rosca. Na parte superior, a tampa está ligada ao

vaso por dobradiças. Base quadrangular com decoração de friso de folhas de acanto. A

haste, de secção quadrangular, apresenta ornamentação vertical de folhas alongadas e

termina, superiormente, em anel. Na zona inferior do vaso, observa-se uma primeira

faixa decorativa com alternância de dois tipos de folhas; mais acima, uma segunda faixa

com enrolamentos vegetais e flores. A parte superior do vaso, apresenta ao centro o

escudo de armas da Irmandade ladeado por reservas onde estão inseridos ramos de

flores. Nas extremidades encontram-se salientes duas cabeças de ave. Armas da Real

Irmandade de Santa Joana: lisonja partida, tendo no primeiro, as armas de Portugal e no

segundo, uma coroa de espinhos. A encimar este conjunto uma coroa fechada. Este

escudo encontra-se inserido em reserva oval.

Peça em madeira, vidro, chumbo, bronze, ferro e prata fundida,

relevada, cinzelada e puncionada, do séc. XVIII, vindo de provável

doação de D.ª Violante de Sousa ao Mosteiro de Jesus, tem 35 cm

de altura e 17,4 cm de largura. O relicário simula custódia, com

alma de madeira e chumbo que percorre posteriormente quase

totalidade da peça, e que a sustenta na posição vertical. Os

recetáculo que contem as relíquias, é uma caixa de forma oval e

encontra-se presa ao resplendor por intermédio de parafusos e

porcas. A base triangular, com dois pés frontais apresenta área

decorada e delimitada por duas volutas; sob fundo puncionado o

Navetas

Santo Lenho

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motivo de concheado associa-se a motivos vegetalistas. Haste balaustriforme com nó

triangular. O nó apresenta ornamentação de enrolamentos vegetalistas e volutas.

Resplendor oval com raios lanceolados. Junto ao viril observa-se decoração de

concheado associado a motivos vegetalistas e volutas.

Peça em prata dourada, fundida, cinzelada, puncionada e

incisa, vidro, diamantes e granadas. Possui de altura: 76,8 cm e

o diâmetro do resplendor é de 32,5 cm. A custódia formada por

quatro partes móveis. A porta do hostiário é móvel e apresenta

sistema de dobradiça. Lúnula amovível. Base triangular

apoiada em três pés, com volutas associadas ao motivo de

concheado. A base apresenta dois andares decorativos. Em

ambos observa-se o motivo de reserva aliado ao concheado ou

à folha. No andar inferior, em cada um dos ângulos, aparece

destacado um querubim. Haste balaustriforme com inclusão de

motivos fitomórficos, de concheado e de voluta. No nó

encontram-se querubins nos ângulos. No prolongamento da

haste – e transição para o resplendor - três cabeças de anjo

escondem o encaixe. Hostiário em forma de sol raiado com halo envidraçado formado

por raios lanceolados; em volta do halo a ornamentação é dada através de nuvens onde

foi aplicada pedraria engastada. A lúnula tem a forma cabeça de anjo de asas abertas.

Peça em damasco espolinado com fio de seda e fio

laminado dourado simples e crespo, galão de fio

laminado, datado do séc. XVIII, tem de diâmetro 1,10

cm de diâmetro. Peça em formato de guarda sol, com

uma estrutura dividida em 12 gomos por galão dourado.

Chapelete com aplicação de galão idêntico acrescido de

franja. Ponteira com borla de madeira revestida de

entrançado com curta franja na ponta. Contornando o Umbela

Custódia

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perímetro inferior da peça, aba recortada franjada, contornada por galão dourado. Haste

de pau santo sem punho.

Peça em madeira de castanho com preparação de gesso/cré e

aplicação pontual de folha de ouro, de estilo tardo barroco ou

Neoclássico – período de D. Maria I, de oficina portuguesa e

datados entre 1780-1800, tem de altura: 44 cm, de largura 27

cm e de profundidade 19 cm. É uma peça tridimensional em

forma de vaso ovoide, de curvatura fechada e alongada, com

bojo liso e uma cinta estriada, intersetada pela colocação

lateral de duas asas ou pegas em voluta e dois botões

quadrangulares com flor central, elementos decorativos

perpendiculares entre si. O corpo da peça é suportado na

base por pé de secção quadrangular apoiado em quatro

elementos circulares colocados em esquadria, em forma de

bolacha, entalhados e dourados com elementos florais, lanceolados e recortados. O

términus do vaso é em forma de bocal rentrante, com um perlado em talha inferior e

folhas lanceoladas, recortadas e invertidas que fazem o remate do bocal onde existe um

orifício para encaixe do palmito que decora o andor processional. No seu interior insere-

se a base de um ramo de flores em tecido, rematadas na base por laço de armar em

tecido de linho entremeado de fio dourado, galão, franja e ornato em tecido e pedra de

vidro ao centro.

Conjunto de oito vasos processionais (integram os

andores de São Domingos e

Santa Joana)

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Insígnias de Irmão de

Santa Joana

O Irmão de Santa Joana enverga fato preto na Procissão, ou calção

se transportar estandarte, ciriais, Pálio ou lanterna do Pálio, com

camisa, laço e luvas brancas, opa com murça preta e as armas da

Padroeira sobre o lado esquerdo, bordadas a ouro, canotilho,

missangas, e volta completa com abertura para braços de cor creme,

rematada na gola com borla bordada em prateado, assim como

sapatos de entrada baixa e fivela de prata e collants opacos cor de

carne. Na imagem vê-se ainda a vara do Provedor, datável de 1877,

em prata, engastada com as armas, em igual matéria.

7. Santa Joana Princesa na memória contemporânea de Aveiro

Tivemos já ocasião de refletir de forma mais profunda, a realidade patrimonial e

material que tem o culto a Santa Joana em Aveiro. Tal realidade é um acervo da

memória da Infanta e constitui uma expressão pública da devoção e amor à Padroeira,

que vem realizando continuadamente atos litúrgicos e de grande dimensão social.

Partindo dos dados já apresentados, é, pois, no conceito de memória que agora

refletimos, tal qual ele nos surge numa Enciclopédia reconhecida: faculdade de

conservar e reproduzir os acontecimentos anteriormente adquiridos158

.

Não foi, como bem se compreenderá, a Irmandade a instituir memória a Santa

Joana, mas a própria comunidade religiosa dominicana, a própria localidade e a Ordem

dos Dominicanos, em particular, e a Igreja, na sua generalidade (aprovação do culto e

este segundo normas litúrgicas e pastorais próprias de cada época). A instituição é

apenas a formalidade do culto laico à Infanta. A própria palavra comemorar significa

precisamente trazer à memória. E aqui deveremos retirar dois filamentos, isto é: este

trazer à memória a figura de Santa Joana não só pelo seu lado histórico, de narração da

158

In Enciclopédia Luso-brasileira de Cultura: século XXI: Lisboa: Verbo, 1998, vol. XIII. Pp. 244-6.

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sua vida, mas igualmente o de preservar o que de material e imaterial existe de Santa

Joana. Veremos melhor essas duas dimensões adiante. Fiquemos, no entanto, com a

informação de que a memória anual, de forma mais notória, pública e significativa, se

concentrou a 12 de maio ou em data de saída da Procissão (nalguns anos do século XX

no Domingo mais próximo ao dia da morte da Princesa).

Para além do respeito pelos lugares sagrados do antigo Mosteiro no Museu de

Aveiro e respetivo culto, da veneração das relíquias da Princesa – o que de mais

significativo constitui a memória da Infanta –, se vem realizando a secular Procissão de

Santa Joana, dinamizada pela sua Irmandade, mas onde tomam parte as diversas

associações públicas de fiéis da Cidade e autoridades civis, judiciais, militares e

académicas. De forma muito vincada, a Procissão perpetua a memória da Protetora local

e exibe traços significativos da identidade de Aveiro – na amplitude da sua comunidade

– com a Infanta. Portanto, memória e culto são realidades que se sequenciam.

Uma procissão é sempre, segundo a tradição católica, uma assembleia litúrgica

em caminho e em oração, mesmo, como é o caso, enriquecida por múltiplos aspetos

humanos, materiais, musicais e até artísticos. Como expressão pública de uma

assembleia peregrina, a Procissão de Santa Joana, pelo seu carácter festivo, bem

antecipa a Igreja a caminho que sabe não ter nesta terra morada permanente, mas que

vai em busca da que há-de vir (Epístola aos Hebreus 13, 14).

Ao falarmos de património tão ligado à memória e adstrito ao culto, estes

tornam-se importantes, porquanto “dão corpo” à memória da Princesa e, por outro lado,

pela sua antiguidade e valor simbólico que devotos e população em geral lhe reconhece.

Ele tem sido motivo de larga discussão quanto à sua propriedade, uso, segurança e

guarda. A Irmandade de Santa Joana, uma vez ereta, constituiu, como referido, um

inventário das alfaias, paramentos, joias e demais objetos de culto, que foram do antigo

Mosteiro de Jesus, escolhidas e designadas pelo Vigário-geral da extinta Diocese e

entregues pelas recolhidas no dito mosteiro, por depósito à Irmandade, em

conformidade com a portaria 30 de maio de 1877. São um total de 156 os itens que ali

se descrevem e estavam assim à guarda da instituição. Se, por um lado, parte das

dependências se destinaram ao Colégio de Santa Joana, por outro, o que mais

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146

diretamente se relacionava com o culto religioso dentro do Mosteiro estava entregue à

Irmandade, e se assegurou uma vida quase normal naquele espaço. Porém, com o

advento da República, todo o antigo mosteiro e respetivo recheio foi, como se viu,

apropriado pelo Estado. Os anos agitados do novo regime foram fatais para a letargia da

antiga Real Irmandade. Só com a pacificação das relações entre o Estado e a Igreja com

o advento da ditadura militar (1926-1933) e da ditadura constitucional (1933-1974) e de

certa benevolência dos responsáveis do Museu de Aveiro permitiu que quer a

Irmandade usasse os objetos relativos ao culto à Infanta mas, tendo esta meios

bastantes, após a restauração diocesana, pudesse dispor de capelão e de culto religioso

regular na Igreja de Jesus. Desde os anos Noventa até este ano existiu apenas um acordo

verbal para, sempre que necessário, o Museu facultasse as alfaias ao culto anual joanino.

Necessitando de seguro para salvaguarda de relicários, particularmente, foi-se

conseguindo tal apólice contratada pelo Museu a fim de se realizar a Procissão de 12 de

maio. Em 2015, com a passagem da unidade museológica à gestão municipal e

apresentados os argumentos de que todos os bens adstritos ao culto a Santa Joana

pertencem à sua Irmandade, a Câmara Municipal, a Diocese de Aveiro e a Irmandade

assinaram um protocolo, em 12 de maio último, que faculta a cedência dos objetos

cultuais a esta última e ao abrigo do seguro municipal. Terminara assim, por ora, um

longo processo, quanto à disputa de décadas por tais objetos, cuja propriedade efetiva

ainda hoje é discutível, mas que se crê, em verdade, de toda a população de Aveiro.

Que lugar tem a população de Aveiro na memória de Santa Joana? Na verdade,

certamente inscrita há muito tempo nos missais e liturgias – logo que foi canonicamente

possível –, cremos que a memória ou lembrança da Infanta D.ª Joana e o seu legado

espiritual ecoa na população desde a sua morte. Por isso não se estranhe que gerações de

aveirenses coloquem o nome Joana às suas crianças por lembrança da Padroeira; porque

uma antepassada foi recolhida do Colégio de Santa Joana; porque algum parente

pertenceu à Irmandade. Não é incomum encontrar-se na Procissão de 12 de maio três

gerações de uma família.

Mas enganamo-nos ou poderemos ter curto campo de visão se considerarmos

que a figura da Infanta apenas se circunscreve à realidade crente/religiosa. Muitos têm

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sido os artistas a criarem peças de cerâmica, escultura, pintura, azulejaria, os escritores a

usarem a real figura para dramaturgia, biografia profana, romance histórico-religioso, as

instituições (religiosas, laicais ou estatais) a tomarem o nome de Santa Joana (escolas,

externatos, associações de solidariedade) e até mesmo iniciativas (rally, salões de arte)

ou titularidade de espaços comerciais (restauração, hotelaria e serviços). Significa isto

que a própria sociedade coloca no denominador comum, digamos assim, a Bem-

aventurada Joana.

Todo este percurso serviu para que possamos entender, no fio do tempo, o que o

património, acrescentando o legado da memória, contribuiu para a identidade de Aveiro.

E este segmento é o que veremos de seguida.

8. Santa Joana Princesa na identidade de Aveiro

Muitos e variados são os segmentos naturais, culturais, históricos ou sociais,

económicos que consubstanciam ao longo do tempo o que poderemos considerar a

matriz distintiva de uma localidade.

Considerando a definição defendida por Peralta e Anico159

, que estabelecem

intima relação entre os conceitos de identidade e património, aprofundando o seu

entendimento como uma extensão óbvia um do outro, facilmente plasmamos tal

compreensão na realidade da presença de Santa Joana em Aveiro. Na verdade, quer

ainda na sua vida – naturalmente pela honra sentida na comunidade dominicana pela

permanência de uma ilustre figura da realeza, mas também pela localidade que nela via

quer uma defensora dos seus direitos e necessidades, –, quer também após 1490, como

aquela que acreditavam ser a sua protetora celeste. A veneração aos objetos a ela

ligados ou para ela concebidos (Memorial – a primeira biografia sobre a Princesa,

escrita por uma ou mais contemporâneas –, Túmulo, altar, pinturas e esculturas na Igreja

de Jesus e sala de lavor) só se assimilam porque a comunidade integra Santa Joana no

seu património, precisamente na linha defendida pelas autoras, como a sua

159

In PERALTA, Elsa e Marta Anico (coord.) – Patrimónios e identidades: ficções contemporâneas.

Oeiras: Celta Editora, 2006. Pp 1-6; 21-25.

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manifestação “natural”, que sobrevive ao decurso do tempo e que é preciso resgatar a

preservar a todo o custo. Assim sucedeu em Aveiro desde a morte da Princesa, em

regime político mais ou menos favorável à manifestação religiosa, quer o povo, quer as

elites sociais e representações clericais se esforçam no sentido apontado. Mais ainda,

essa defesa verifica-se pela noção do carácter excecional da presença e, para os crentes,

intercessão celestial da Infanta D.ª Joana por Aveiro.

Por outro lado, encontramos igual identificação da realidade cultual joanina com

a ideia de património e identidade como ficções, isto é: esta última será a ficção do

sujeito coletivo, na medida em que a Princesa aglutina, pela sua forma de amar a terra e

os aveirenses, os defender em momentos de necessidade enquanto viveu no mosteiro, e

igualmente porque a sua natureza livre e decidida parece interpretar a génese da

localidade160

; a primeira, da ideia do património como instrumento simbólico ao serviço

dessa ficcionação. Em verdade, ao lembrarmos a festa de Santa Joana, recordemos que

todas as alfaias que os grupos juvenis da Irmandade envergam coadunam representações

de diversa índole: assim as bandeiras dos Infantes e dos Pajens têm um escudo pousado

sobre o fundo gironado vermelho e branco, retirado da bandeira de Aveiro; os homens

das insígnias mais solenes: estandarte, ciriais, Pálio e suas lanternas são transportados

por Irmãos trajados em veste rica de procissão: opa de seda, borla de retrós, calção,

meias opacas e sapatos de fivela de prata; atrás do referido Pálio seguem, segundo o

regulamento protocolar, todas as representações sociais da região de Aveiro; o

arremesso de pétalas é reproduzido por elementos dos grupos etnográficos, trajados com

as vestes típicas da cidade. Ora, em toda esta dinâmica se verifica o fenómeno

denominado pelas autoras como representações de pertença. Nesse sentido, com o

evoluir dos anos e certa necessidade de estabilizar tipos e figurinos sociais, também nos

parece que a realidade cultual a Santa Joana vai ao encontro do estabelecimento de uma

relação dialética entre a realidade, as ideias, os valores e os interesses de quem a

propõe e ativa, numa dinâmica de um modelo de construção cultural.

160

Muito caro é em Aveiro o valor da liberdade: ver-se-á na questão do feriado que consagrou a primeira

insurreição contra o Absolutismo, mas também os três congressos republicanos e da oposição

democrática que decorreram na Cidade (1957, 1969 e 1973), o que levou o Presidente da República a

atribuir em 1999, pela primeira vez a uma Cidade, a Ordem da Liberdade.

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149

Outro ponto que se afigura de grande identificação com a teorização de Arnico é

a ideia de falar-se em património cultural é falar-se de identidades. Ramificando a

conceptualização do autor, referimos património histórico e património etnológico.

Veja-se cada ponto na realidade em estudo: o primeiro segmento do património é

inegável: trata-se da veneração a uma figura real que faleceu há mais de 525 anos. E são

vários os elementos que atestam essa veneração quer para o passado quer para o futuro.

Isto é, a presença da fanfarra do Exército e do pelotão aero-transportado é, de certa

forma, a homenagem reconhecida da Forças Armadas à descendente de Reis, àquela que

foi, de facto, regente do reino, mas também ao seu pai e às suas conquistas militares em

África. Trata-se este de um exemplo, mas outro existe mais concreto: o escol de

donzéis, donzelas, açafatas, escudeiros, cavaleiros e aias, leais conselheiros e damas

são a viva representação histórica da corte ao tempo da Infanta, sendo certo o valor

espiritual que lhes está intrínseco.

Parece-nos igualmente, pelo elencado no que concerne à vivência e

materialização cultual de Santa Joana, que esta realidade em Aveiro vai, de certo modo,

ao encontro da definição de Sílvia Helena Zanirato relativamente ao património161

.

Tentemos ver em que aspetos: definindo-o a autora como os elementos materiais e

imateriais, naturais e culturais, herdados do passado ou criados no presente, no qual

um grupo de indivíduos reconhece sinais de sua identidade. Os elementos culturais são

conformados pelas manifestações materiais e imateriais criadas pelos sujeitos que nos

precederam. Neles se incluem objetos e estruturas de valores históricos, culturais e

artísticos, bens que representam as fontes culturais de uma sociedade ou de um grupo

social e que podem ser materiais ou imateriais. Conservá-lo é uma forma de garantir o

testemunho e referencial, não apenas do seu valor arquitetónico e histórico, mas de

valores culturais, simbólicos, da sua representatividade técnica e social. Vejamos cada

um destes segmentos. Não há dúvida que o culto a Santa Joana é uma realidade herdada

das religiosas e religiosos e povo de Aveiro logo em 1491, cujo lastro de tempo

ininterrupto faz nele reconhecer sinais de sua identidade. Assim não fora e não se

preservariam as suas relíquias e as enobreciam, não se comemoraria ano após ano o dia

161

In Usos sociais do patrimônio cultural e natural. UNESP – FCLA – CEDAP, 2009. Vol. 5, n.º1, P.

137-152.

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da sua morte na envolvência do corpo social da vila/cidade e, vendo na figura real e

beatífica, sinal da identidade de Aveiro, assim o comprovam o padroado da Cidade e da

Diocese, a instituição do feriado municipal no dia da sua morte162

e a mole de pessoas

que, há mais de 500 anos, se congrega de forma multiforme, a comemorar e rememorar

Santa Joana Princesa. Quanto ao segundo segmento, refira-se uma vez mais a

materialidade da ligação cultual à Infanta: redação do seu Memorial, encomenda de uma

missa de Santa Joana e de paramentaria, estudos sucessivos da sua figura e da época,

representações artísticas de vários autores, estilos e épocas, etc. O terceiro segmento

veremos com mais profundidade no final destas linhas, relativamente à imaterialidade

do culto joanino.

Mas, como reforça Zanirato, citando Nestor Canclini, o património expressa a

solidariedade que une aqueles que compartilham um conjunto de bens e práticas que os

identificam. Ora, isso mesmo sucede com a figura de Santa Joana: não obstante ser uma

figura da realeza, elementos de todos os estratos sociais se identificaram com os seus

propósitos e reconhecem a sua ação social e cultural em Aveiro, e fizeram-no nos já

referidos bens e práticas que os identificam singularmente das demais manifestações

cultuais quer na própria localidade quer no país163

. O ponto seguinte reforça uma ideia

já expressa, a proteção se efetiva no envolvimento das comunidades que os detém, num

processo que inclui a identificação, a conservação, o estudo e a difusão dos bens

patrimoniais.

Finalmente, vejamos a categoria de património histórico-artístico enquanto

modelo institucional e segmento da identidade de Aveiro. Na vertente estudada, parece-

nos que se verifica quer a perpetuação de ritos (veneração das relíquias e das imagens

processionais), quer a construção ou manutenção dos símbolos do passado, mas num

novo significado enquanto tesouro a preservar. Isto é, com o expandir da Cidade, a

identidade de Aveiro alargou-se, pelo que, após o derrubar da muralha medieval e da

consequente extinção da divisão vila nova – vila velha, note-se que a procissão sai do

antigo Mosteiro de Jesus, passa nevralgicamente no centro de poder do Município –

163 Veja-se em anexo o mapa com a expressão do culto à Padroeira em Aveiro em todo o país (pintura,

escultura, toponímia, patronato, azulejaria ou outra) e a respetiva proposta de leitura. Pp. XXX

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151

cujos Paços do Concelho dispõem bandeiras, tocam os sinos e arremessam papéis alvi-

rubros das suas janelas – atravessando simbolicamente as pontes sobre a Ria, presta a

sua homenagem à Igreja da única paróquia da vila nova e regressa em triunfo para o

antigo Mosteiro pela Avenida de Santa Joana, onde reside a sua estátua, desde 2002.

O penúltimo ponto de estudo é o da tradição inventada, entendemos nós como

que um perpetuar, em moldes que se transformam com o tempo e contribuem para a

identidade de Aveiro, na esteia do que defende Eric Hobsbawn. Não há dúvida que o

culto a Santa Joana em Aveiro está datado e corporizado: há informação bastante para

sabermos quando começou, se edificou, declinou e se cristalizou. Por outro lado, é

inegável que, ao gosto da época, esse culto foi inventado, construído mas não num par

de anos – como aventa Hobsbawn – mas desde 1490. Por outro lado, compartilhamos da

ideia de tal culto estar adstrito a práticas, de natureza ritual ou simbólica (…) uma

continuidade com o passado. São estas ideias inegáveis, mas não se olvide a dinâmica

de cerca de duas centenas de jovens (entre os seis anos de idade até aos 17) que

compõem os graus juvenis, bem como as dezenas de Irmãs e Irmãos de Santa Joana que

incorporam a procissão, a qual termina com a sugestiva placa (a partir de uma homilia

de D. António Marcelino) Santa Joana é de Aveiro, Aveiro é de Santa Joana, atrás do

qual segue o povo de Aveiro. Encontramos, de novo, uma dinâmica que Hobsbawn

denomina de costume, e, em tudo isto, encontramos matéria para considerarmos o culto

à Infanta D.ª Joana em Aveiro como património cultural imaterial.

Refira-se também que o culto à Bem-aventurada D.ª Joana sofreu, como é bem

compreensível, das situações políticas vigentes em Portugal. Trata-se de uma figura da

monarquia, cuja procissão é real desde 1806, detém uma Irmandade a quem foi

atribuído o epíteto de real em 1877, cujo Mausoléu foi visitado por todos os reis da

dinastia de Bragança (desde a fundação da Irmandade, sendo o Rei seu Juiz perpétuo) e

a cujas festividades frequentemente o Bispo-conde de Coimbra presidia, sendo seu

presidente honorário da Mesa. Vimos já o processo doloroso no Liberalismo, na

República e até localmente, quanto à questão do feriado. Mas a conformação da festa da

Protetora de Aveiro a regime político mais cordato com a veneração religiosa também

se verificou: em 1940, ano de comemoração dos centenários nacionais, é certo que a

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152

justificação oficial dada fora a de ação de graças pela restauração da Diocese, mas não

será indiferente a presidência das festividades pelo maior dignitário da Igreja em

Portugal, o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira. Em 1959, ano

do bicentenário da elevação de Aveiro a Cidade e do milenário da sua primeira

referência histórica, não é hostil a mudança da festividade para junho, por alturas da

visita do Presidente da República, Américo Thomaz, a inclusão da Princesa no panteão

dos santos nacionais e até quem a visse na representação dos famosos Painéis do Museu

de Arte Antiga164

. Compreende-se, assim, melhor a realidade política e regimental em

torno do culto joanino: quer de pacificação, como nos casos referidos, quer de

confronto, como o feriado municipal e até do desacato na procissão em 1902.

A propósito da ideia de transmissão, reproduzimos palavras de Marc Bloch

quanto este escreveu, Para uma sociedade, qualquer que seja, possa ser inteiramente

determinada pelo momento imediatamente anterior àquele em que vive, não lhe bastará

uma estrutura tão perfeitamente desarticulada? Seria ainda preciso que as trocas entre

as gerações se operassem apenas, se ouso dizê-lo, em fila indiana, tendo as crianças

contactos com os seus antepassados somente por intermédio dos pais. Quisemos, pois,

nestas linhas compreender que a memória de Santa Joana constitui, naturalmente, um

processo evolutivo: desde o registo escrito sobre a sua vida (Memorial), às primeiras

representações iconográficas até às manifestações cultuais que durante mais de 500 anos

se verificam em Aveiro, em torno da figura da Princesa. Condicionámo-nos à dimensão

da memória e da identidade de tal personagem após a instituição da sua associação local

de leigos.

Tivemos ocasião de verificar que o processo foi evolutivo conforme as mutações

políticas, religiosas e sociais, sem perder, no entanto, traços de identificação da

localidade com a figura e também de aproximação do culto àquilo que se foi julgando

serem os principais aspetos da vida e exemplo cristão da Infanta D.ª Joana.

Em suma, na memória e identidade de Aveiro, por diferentes formas, distintos

matizes, variadas instituições têm contribuído para a sua indissociabilidade com a

Padroeira.

164

Cf. SOUTO, Alberto – O retrato da Princesa-Infanta e o grande enigma os “Painéis de S. Vicente” In

Arquivo do Distrito de Aveiro n.º 92 – Aveiro, 1957. Pp. 271-299.

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153

9.Culto a Santa Joana em Aveiro: realidade patrimonial

imaterial?

Tentemos responder à questão de acordo com os articulados legais165

e três

artigos científicos.

Baseando-nos no primeiro documento legal, no ponto relativo à fundamentação

do pedido de inventariação do evento a propor a Património Cultural Imaterial (PCI),

que nos remete para a Portaria n.º 196/2010 e para o Decreto-lei 139/2009, dando eco a

disposições internacionais sobre o assunto da UNESCO, julgamos que o culto a Santa

Joana é uma manifestação do património imaterial, quer por si só (pelos valores

espirituais, identitários e históricos) quer pela relação com demais manifestações de

património (os agentes individuais e coletivos envolvidos no culto, bem como a

comunidade que se congrega para vislumbrar tais atos) confirmam essa disposição.

Também quanto ao património material o Estado tem vindo a definir e regulamentar

esta realidade, quer ao imaterial (devoção, divulgação de virtudes, etc.) a Irmandade e a

Igreja vêm alicerçando há seculos. Por outro lado, todas estas dimensões obedecem a

regulamentos internos e externos. Naturalmente a liturgia está definida e é muito clara;

todos os componentes militares, musicais e institucionais obedecem aos seus códigos

internos de conduta; e os demais elementos são rigorosamente incorporados segundo

um esquema que há décadas vem sendo aplicado. Trata-se, por isso, quer de uma

realidade social (na dimensão histórica, etnográfica, cultural) a preservar e manter, mas

igualmente a divulgar, transmitir e tornar acessível, na sua compreensão e manifestação.

Da respetiva e preceitual inventariação a que os diplomas aludem, cremos que, com

facilidade, os serviços culturais do Município – particularmente do Museu de Aveiro – e

a Igreja/Irmandade largamente corresponderiam com informação para cumprir os

requisitos de inventariação, dadas as publicações, festas transatas e experiência

adquirida.

165

Ministério da Cultura, Portaria n.º 196/2010 de 9 de Abril; Decreto-lei n.º 139/2009.

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154

Clara Bertrand Cabral166

faz-nos inserir esta realidade na Convenção de 2003,

considerando PCI as práticas, representações expressões e conhecimentos – bem como

instrumentos, objetos, artefactos e espaços culturais que lhe estão associados – que as

comunidades, os grupos […] reconheçam como fazendo parte integrante do seu

património cultural […] transmitido de geração em geração, […] constantemente

recriado”. Ora, com este enunciado, o autor introduz-nos para a categoria onde o culto

de Santa Joana pode inserir-se: nas “práticas sociais, rituais e eventos festivos que

estruturam as vidas e dos grupos, que são por estes compartilhadas, e que são

relevantes para muitos indivíduos.

Assim, cremos que o culto a Santa Joana, por toda a dinâmica interna e externa

que envolve, bem merece percorrer todos os requisitos atinentes ao processo de

candidatura de PCI e mais ainda lhe ser atribuída tal categoria.

Por último, atentemos para o oportuno artigo que nos apela ao Desafio de não

nos ficarmos pela preservação do PCI167

. Dele retiremos três reflexões: sendo que esta

noção foi aduzida aquando da superação das limitações da Convenção de 1972 (que

essencialmente enfatiza o legado que a Humanidade recebeu dos seus antepassados e

deve transmitir às gerações futuras), e na emergência de um novo discurso sobre

património. Cremos, pelo exposto, que o culto joanino abarca quer a visão tradicional

quer a nova sobre patrimónios. Depois, a autora chamou a atenção para as realidades em

perigo, e, portanto, a salvaguardar. Materialmente, o culto a Santa Joana está protegido

ao abrigo das normas museológicas; do ponto de vista imaterial, a estrutura humana

coaduna-se dentro de um esquema rotineiro e estabelecido pela ordem harmónica e da

tradição de Aveiro também nos parecem cumpridos. Recordemos, a propósito do espaço

museológico, que as conceções e estéticas de preservação e enquadramento ao seu

tempo, lugar e aspeto original vêm sendo um objetivo dos responsáveis e técnicos do

166

CABRAL, Clara Bertrand – A Convenção da UNESCO: inventários e salvaguarda Pp. 131-132 in

Museus e Património Imaterial: agentes, fronteiras e identidades, Paulo Ferreira da Costa (conceção e

coordenação) Instituto dos Museus e da Conservação, novembro de 2009. 167

DUARTE, Maria Alice – O desafio de não ficarmos pela preservação do património cultural

imaterial, Pp. 42-61 in Seminário de Investigação em Museologia dos Países de Língua Portuguesa e

Espanhola 1 Porto – Actas do I seminário de investigação em museologia dos países de língua portuguesa

e espanhola. Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras. Departamento de Ciências e Técnicas do

Património, 2010.

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155

Museu de Aveiro. Finalmente, na interpelação da autora acerca da visão

preservacionista dominante do património, cremos, no que ao culto à Bem-aventurada

diz respeito, sempre que necessário e oportuno, as entidades que o coordenam vão

paulatinamente encontrando ajustes, adaptações à realidade e novidades, como

verificámos.

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156

Conclusão

Nas linhas que desfiámos, tentámos construir a memória, tão abrangente nos

seus agentes e dinâmicas como nas suas velocidades e cristalizações, do culto à Infanta

D.ª Joana de Portugal em Aveiro. Cremos que ela constitui uma parte importante da sua

identidade, não só pelo lastro de tempo que compreende, mais de meio milénio, mas

como ela ajudou a definir as dimensões, formas e matéria para essa mesma identidade

que, não só as distingue das demais localidades – como é compreensível, todos os

lugares são diferentes – como, dentro deste cosmos aveirense, o culto à Bem-aventurada

Joana representa uma energia muito própria.

Pensamos que o seu conjunto bem pode aspirar a constituir-se como património

cultural imaterial, uma vez que se encontra na raiz da identidade não só da cidade mas

de uma vasta região, transcendendo os limites do religioso e abarcando os domínios

culturais, sociais e artísticos.

Socorrendo-nos de todos os materiais de que era possível acercar-nos, bem como

na limitação deste trabalho, tentámos reconstituir as memórias e os itinerários do culto

joanino em Aveiro.

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157

Referências bibliográficas

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Arquivo Municipal de Aveiro

Arquivo daIrmandade de Santa Joana Princesa

Arquivo do Museu de Aveiro

2. Jornais

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Campeão das Províncias

Litoral

3. Legislação

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CABRAL, Clara Bertrand – A Convenção da UNESCO: inventários e salvaguarda Pp.

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DUARTE, Dionísio – Manual anotado das Irmandades, Confrarias e Institutos de

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Agosto de 1913 aplicáveis ás referidas corporações, as instruções sobre a sua

escrituração, organisação de Estatutos, orçamentos e contas, e, em anotações

elucidativas do texto, todas as leis, decretos, portarias, acórdãos do Sup. Trib. Adm. e

de outros tribunais, opiniões dos jornais da jurisprudência e todos os modelos

indispensáveis para o funcionamento das mesmas corporações, etc.: Parceria António

Maria Pereira, Livraria Editora, Lisboa, 1916.

DUARTE, Maria Alice – O desafio de não ficarmos pela preservação do património

cultural imaterial, in Seminário de Investigação em Museologia dos Países de Língua

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162

D. Isabel

D. Afonso II

(Rei) D. ª Sancha

(Beata d.

1705)

D. ª Teresa

(Beata d.

1705)

D. ª Mafalda

(Beata

d. 1793)

D. Sancho II

(Rei)

D. Afonso III

(Rei)

D. Afonso IV (Rei)

D. Pedro I

(Rei)

D. João II

(Rei)

SANTA JOANA PRINCESA

Beatificada em 1693

GENEALOGIA DA SANTIDADE NA MONARQUIA PORTUGUESA

D. Afonso Henriques

| D. Sancho I + D.ª Sancha

|

+

+

Rainha da Hungria; tia-avó

da Rainha Santa Isabel

D. Isabel (Santa d. 1235)

+

D. Isabel (Santa d. 1625)

D. ª Isabel D. Henrique D. Pedro D. Duarte

D.Afonso V

(Rei)

D. João I

(Rei)

D. Fernando

(Rei)

D.ª Branca

D. Filipa de

Lencastre

D. Dinis (Rei)

Amadeu da Silva

(Beato d. 1705)

D.ª Leonor

de Meneses

D.ª Beatriz da

Silva

(Santa d. 1971)

Donzela, madre e confidente da Infanta, irmã de

Santa Beatriz da Silva e do Beato Amadeu da Silva

D. Afonso D. João D. Fernando

Infante Santo

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Quadro informativo

Designação Categoria Datação (séc.) Datação (ano) Local

Colégio Azulejaria XX Desconhecido Ermesinde

Base Militar n.º 1 Azulejaria XIX Desconhecido Granja do Marquês

Centro Paroquial Azulejaria XX Desconhecido Lisboa

Lar Azulejaria XX Desconhecido Palmela

Externato Azulejaria XX Desconhecido Sesimbra

Biblioteca Nacional Azulejaria XIX 1701 Rio de Janeiro

Mosteiro de Santa Maria da Vitória Escultura XVIII Desconhecido Batalha

Externato Escultura XX Desconhecido Ermesinde

Igreja de São Salvador do Mundo Escultura XVIII Desconhecido Évora

(particular) Escultura XVIII Desconhecido Godim

Paróquia de Santa Joana, Princesa Escultura XXI 2009 Lisboa

(particular) Escultura XVIII Desconhecido Ovar

Santa Casa da Misericórdia Escultura XX Desconhecido Penalva do Castelo

Igreja de Cristo-Rei Escultura XVIII Desconhecido Porto

Igreja Paroquial Escultura XIX Desconhecido Salselas

Convento de Nossa Senhora do Carmo Escultura XVIII Desconhecido Tentúgal

Igreja de Monserrate Escultura XVIII Desconhecido Viana do Castelo

Capela de Nossa Senhora da Penha de França Escultura XVIII Desconhecido Vista Alegre

Paróquia de Santa Joana Princesa Escultura XX Desconhecido Votuporanga

Igreja de Santa Catarina Escultura XIX Desconhecido Palermo

Navio Vera Cruz Escultura XX 1950 Não Georreferenciável

(particular) Escultura XVIII Desconhecido Mouquim

Mosteiro de Santa Joana de Lisboa Escultura XVIII 1731 Lisboa

Igreja Paroquial Festividade XIX Desconhecido Salselas

Igreja Paroquial Festividade Desconhecido Desconhecido Ribeira de Moinhos

Igreja Paroquial Festividade XX 1972 Brasil

Capela Orago XIX Desconhecido Salselas

Capela Orago XXI 2017 Ribeira de Moínhos

Mosteiro de Santa Joana de Lisboa Orago Desconhecido Desconhecido Lisboa

Igreja Paroquial Paróquia XX 1988 Brasil

Igreja Paroquial Paróquia XX 1972 Lisboa

Externato Patronato XX 1973 Ermesinde

Lar Patronato XXI 2012 Lisboa

Núcleo Desportivo Patronato XX 1989 Ermesinde

Centro de Noite Patronato XXI 2007 Penalva do Castelo

Lar Patronato XXI 2014 Pinhal Novo

Externato Patronato XX 1923 Sesimbra

Complexo funerário Patronato XXI 2001 Lisboa

Enfermaria do Hospital de Todos-os-Santos Patronato Desconhecido Desconhecido Lisboa

(particular) Pintura Desconhecido Desconhecido Abrantes

(particular) Pintura XVIII Desconhecido Águeda

Igreja Paroquial Pintura XVII Desconhecido Cambra

Museu Machado de Castro (duas imagens) Pintura XVIII Desconhecido Coimbra

Igreja de São Domingos Pintura XVII Desconhecido Elvas

Biblioteca Municipal Pintura XVIII Desconhecido Évora

(particular) Pintura XVIII Desconhecido Águeda

Museu Dr. Santos Rocha Pintura XX 1943 Figueira da Foz

Igreja Paroquial Pintura XVIII Desconhecido Godim

Museu Alberto Sampaio Pintura XVIII Desconhecido Guimarães

Museu de Arte Antiga Pintura XVII Desconhecido Lisboa

Igreja Paroquial Pintura XVIII Desconhecido Margazão

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165

Gabinete do reitor da Universidade Pintura XVIII Desconhecido Coimbra

(particular) Pintura XVIII Desconhecido Moreira da Maia

Igreja Paroquial Pintura XVIII Desconhecido Parambos

(particular) Pintura Desconhecido Desconhecido Santarém

Mosteiro de São Martinho Pintura XVII Desconhecido Tibães

Convento de Santa Catarina de Sena Pintura XVIII Desconhecido Évora

Convento de Nossa Senhora da Saudação Pintura XVIII Desconhecido Évora

Convento Corpus Christi Pintura XVIII Desconhecido Vila Nova de Gaia

Igreja Paroquial Pintura XVIII Desconhecido Vila Nova de Paiva

San Domenico Palace Hotel Pintura Desconhecido 1623 Taormina

(particular) Pintura XVIII Desconhecido Paris

Igreja de Santo António dos Portugueses

(imagem no tecto) Pintura XVII Desconhecido

Roma

Museu da Sociedade Martins Sarmento Pintura XVII Desconhecido Guimarães

Convento do Salvador Pintura XVIII Desconhecido Lisboa

Convento da Anunciada Pintura XVIII Desconhecido Lisboa

Convento de São Domingos Pintura XVIII Desconhecido Lisboa

Igreja de São Domingos Pintura XVIII Desconhecido Lisboa

Colégio do Bonsucesso Pintura XVIII Desconhecido Lisboa

Igreja da Graça Pintura XVIII Desconhecido Lisboa

Museu de São Roque Pintura XVIII Desconhecido Lisboa

Igreja de Santo António dos Portugueses

(imagem parietal) Pintura XVIII Desconhecido

Roma

Biblioteca Municipal Pintura XVIII Desconhecido Santarém

Avenida Toponímia XX Desconhecido Lisboa

Casal Toponímia XX Desconhecido Batalha

Ladeira Toponímia XX Desconhecido Igreja Paroquial

Rua Toponímia XX Desconhecido São Pedro Penaferrim

Travessa Toponímia XX Desconhecido Vila Fria

Rua Toponímia XX Desconhecido Fátima

Rua Toponímia XX Desconhecido Baguim do Monte

Rua Toponímia XX Desconhecido Cascais

Rua Toponímia XX Desconhecido Porto

Rua Toponímia XX Desconhecido Odivelas

Rua Toponímia XX Desconhecido Custóias

Rua Toponímia XX Desconhecido Fernão Ferro

Rua Toponímia XX Desconhecido Vila Fria

Rua Toponímia XX Desconhecido Murtosa

Casa das Irmãs Dominicanas Vitral XX 1950 Fátima

Igreja Paroquial Vitral XXI 2001 Vale Maior

Igreja Paroquial Vitral XX 1996 Ribeira de Fráguas

Igreja da Santa Família Vitral XX Desconhecido Villeurbanne

Proposta de leitura do mapa

Excluindo, por razões práticas, a cidade de Aveiro do mapa com os elementos de

culto joanino, poderemos sugerir três linhas de leitura. A primeira tem que ver com o

facto de, muito concretamente ao nível da iconografia (pintura e escultura), recolhemos

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51 espécies de uma Bem-aventurada. A extinção da vida religiosa terá levado

certamente à dissipação de muitas imagens de antigos mosteiros dominicanos para

outros lugares de culto ou casas particulares. Registe-se que a maior parte da escultura

se encontra em locais de culto, já a pintura tem presença em locais de culto também,

assim como em museus e coleções particulares.

Em todo o caso, há uma macha bastante densa na zona de Lisboa, de onde a

Infanta era natural, e ao longo da linha marítima e sobretudo a norte do país. Sabemos

que a zona urbana e litoral apresentava uma presença dominicana bastante forte, pelo

que não surpreende essa realidade.

Depois, a presença da raridade de festividades pelo país se justifica pelo facto de

a Bem-aventurada Joana não se encontrar presente de forma vincada na religiosidade

popular. No entanto, se, por exemplo, não será de considerar anómala a atribuição de

toponímia Santa Joana Princesa a locais em Fátima, Odivelas, Porto e Batalha (o

primeiro local é o principal centro religioso do país, o segundo reserva a memória da

permanência da Infanta num mosteiro local e os segundos são sinais da presença

dominicana nesses limites), já noutros locais é motivo de curiosidade.

Por fim, é digna de nota a presença de culto joanino no Brasil (uma paróquia,

por exemplo), em França (um vitral), em Paris (uma pintura) e naturalmente em Roma

(Igreja de Santo António dos Portugueses). Causa-nos estranheza a inexistência de

nenhum registo em Espanha.

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Anexo I

Fiel narração da tresladação Santa Joana Princesa e mais sucessos antecedentes - José Pereira

Baião em Portugal Glorioso e Illustrado. Pp. 463 e ss. Lisboa, 1727 (Adaptação).

Considera o narrador que, inflamada de amorosa devoção, certa religiosa, a quem o

tempo nos roubou o nome, mandou lavrar hum tumulo da altura de dous palmos, cercado em

roda de humas grades de paõ preto bronzeadas, dentro do qual mandou meter o caixaõ, ditoza

joia em que se emgastava a mais fina pedra, metido este em outro cofre, que tambem mandou

fazer do mesmo paõ santo com bronziadas faxas. Asi estiveram por munto anos estas soberanas

reliquias, obrando os mesmos prodígios e milagres sem [mais] culto, que o de huma missa

cantada com sermaõ que conformandosse com as prohibiçoins pontifiçias lhe referiam as

virtudes e milagres com portesto, festa que se fazia em o dia 12 de Mayo.

De facto, a comunidade desejava edificar Túmulo digno para aquelas que, não só

religiosas e aveirenses, mas era considerada santa. Nos quadros mentais e taumatúrgicos da

época, antes das grandes benesses surgiriam alguns prenúncios, porquanto o mosteiro foi

guarnecido de uma lâmpada de prata (por nascimento de um filho ao fidalgo D. João de Melo),

uma esmola de seiscentos mil reis (por nascimento de dois filhos a Damião Pereira da Silva).

Este dinheiro seria a semente pela qual a madre D. Filipa de Meneses encarregaria o padre

apresentado Fr. Manuel Mascarenhas.

No final de junho de 1689 deslocou-se a Aveiro o Bispo de Coimbra e na capela de

Santo Agostinho, contígua ao coro de baixo mas, ao tempo, sem ligação a este pela actual porta,

inquiriu testemunhas, de cujos depoimentos se inflamou tanto em o amor e devoção que

publicamente dezia e chamava a minha santa. Terminado o acto, entrou na clausura com o

promotor e quatro capelães. Na portaria, de cruz alçada, foi recebido o Bispo pelas Irmãs e

rumaram todos ao coro de baixo, onde mandou exumar os restos mortais da Princesa,

encontrando-os envoltos em toalha de linho atada com fitas também de linho. Venerou-os e deu-

os a beijar às religiosas, sem os desembrulhar, ordenando que se encerrassem de novo no caixão

desenterrado. No coro de cima, o prelado analisou as demais relíquias da Princesa, que se

guardavam num cofre em gaveta fechada. Eram elas parte dos cabelos, os quais, segundo o

texto, se recolheram no simbólico corte durante a tomada de hábito, e ainda parte do escapulário

e da camisa com que falecera a filha de D. Afonso V.

Das relíquias fez termo o notário, às quais se juntaram as demais diligências e se

enviaram a Roma. Em verdade, dois anos volvidos, concedeu o papa Urbano VIII permissão

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para no dia 12 de Mayo se podesse rezar da princeza santa, que se celebrou solenemente no

Mosteiro de Jesus, sendo prioresa a Madre Ana de Belém. O documento refere claramente,

chegou o breve.

Em junho realizou-se tríduo festivo, vindo assistir a ele o Bispo-conde, que armou por

sua conta a Igreja, celebrando pontifical no último dia. Narra a descrição que o prelado disse vir

também paras festas da beatificação, o que a mentalidade da época atribuiu a profecia.

Datado de 4 de abril de 1693, lavrou-se, sob o selo do pescador ao pontificado de

Inocêncio XII, o breve da beatificação de Joana de Portugal, virgem. Era prioresa das

dominicanas de Aveiro a Madre Lourença da Silva. As festividades ocorreram por toda a vila,

Ordem dos Pregadores e todo o reino. Naturalmente que em Aveiro se celebrou com

insofismável brilho, constituído por oitavário em que se pregavam dois sermões por dia,

auxiliando a solenidade a música da Sé de Coimbra. Durante esse tempo correram festas de

cavalaria e touro e, chegado o dia 12 de maio, saiu à vila vistosa procissão, delineada por

Sebastião Pacheco Varela. Constava de varios andores em que hiam os principais passos da

vida da prinçeza santa e por ultimo hum carro triumfante em que hia a imagem da santa,

Precedia a tudo o governador Gonçallo de Souza e Menezes com hum estandarte de tella

branca, em que hia bordada a mesma imagem e nas borlas delle pegavaõ seus netos […].

Levou o senhor bispo conde o Santissimo e collocouçe a imagem da santa princeza em huma

sumptuozissima cappella em a igreja.

Três anos volvidos, sendo prioresa a Madre D.ª Mariana de São José e prior dos

Dominicanos de Aveiro o padre apresentado Frei Pedro Monteiro, particular devoto da Princesa,

realizaram-se estâncias junto do rei D. Pedro II para construção de um mausoléu, digno de

emserrar as reliquias de huma tam grande santa e de huma princeza jurada sucçessora deste

reino.

Entre o momento da encomenda ao arquiteto João Antunes e a transladação definitiva

decorreram doze anos, havendo também necessidade de se renovar o coro, não se considerando

decente permanecerem ali as veneráveis relíquias, pelo que se transladaram para a capela de

Nossa Senhora da Assunção.

A 28 de agosto de 1711, D. António de Vasconcelos e Sousa, Bispo de Coimbra,

nomeou quatro abades das ordens de São Bento e São Bernardo, a fim de transportarem os

restos mortais de Santa Joana para o seu ainda atual mausoléu. Apenas se encontravam nas

dioceses contíguas D. Jerónimo Soares, prelado de Viseu, estando em Lisboa os bispos de Braga

e Lisboa. D. Pedro II, informado por D. António das contrariedades em encontrar capela digna

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para tal ato, ordenou à sua composição os abades de Santo Tirso, de São Bento e de São

Bernardo de Coimbra e aos beneditinos de Seiça e do colégio de Coimbra.

A 10 de outubro, entrou solenemente em Aveiro o Bispo de Coimbra para a tumulação

definitva de Santa Joana. Na portaria do Mosteiro de Jesus aguardavam-no o Provincial dos

Pregadores, Mestre Frei Manuel da Encarnação e o Padre apresentado Frei José Jesus Maria. No

interior, recebeu o mitrado a Madre Isabel da Visitação com toda a comunidade. Entrou o bispo

no cenóbio e, sob o pálio, foi até ao coro de cima, onde recebeu as reverências devidas.

Determinou D. António que se abrisse a urna, descobrindo-se as relíquias da mesma forma que

as deixara Frei João de Vasconcelos. Atenta o narrador para o facto de a Princesa nam permitio

que os seus ossos fossem vistos e tocados senaõ pella família dos Vasconcellos. Sem duvida que

sendo o mesmo sangue saberia como os havia de venerar.

As ossadas foram desembrulhadas pelo bispo, dando a beijar a caveira à comunidade e a

todos os presentes, observando todas entre a espeçial consolação, que recebiam, hum

suavíssimo cheyro, semelhante ao que tem o barro de Estremos. O prelado transferiu as

relíquias da toalha de linho para uma de cambraia, que se colocaram em caixão de veludo

carmesim, agaloado de prata, que se encerrou e permaneceu no mesmo lugar até vinte daquele

mês. Nesse dia, à tarde, deu entrada novamente no mosteiro D. António, com o cabido da sua

catedral, o deputado da Inquisição de Coimbra, seu sobrinho, o deão de Lamego, especial

devoto da Princesa, o padre provincial e outros sacerdotes. Da vila, entraram no mosteiro o juiz

de fora e os membros do senado. De novo as ossadas foram desencerradas e dadas a beijar aos

presentes.

O bispo declarou serem autênticas as relíquias da Santa Princesa, o que autenticou o seu

secretário, notário apostólico. Do mesmo modo se fez termo daquele acto que o seu cabido,

senado da vila, religiosos e religiosas assinassem. O documento foi encerrado junto com o

caixão, sendo lavrada cópia para o cartório do Mosteiro.

Organizou-se depois uma procissão, na qual o caixão foi transportado por cónegos e

outras dignidades, que precediam o prelado, estando as varandas por onde passou o préstito

ornadas de sedas e pinturas, assim como se decorou o claustro do mosteiro com flores e figuras.

No coro de baixo, preparou-se um altar frente ao mausoléu e ali esteve ao culto por entre luzes e

incenso durante o tríduo festivo.

A 21 de maio, véspera do aniversário do reinante D. João V, compareceu o cabido da

Catedral de Coimbra, a chamado do seu Bispo, o qual foi recebido de cruz alçada na porta da

Igreja de Jesus, tendo assistido a solene Te Deum, acompanhado por três músicos da capela real.

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No templo, telas fingidas ornamentavam o espaço, com profusão de luzes e incenso.

Desencerrou-se o Santíssimo para o trono preparado e iniciaram-se as celebrações: missa

cantada, panegírico por Frei José de Jesus Maria e indulgências concedidas pelo Bispo-conde,

que derramou a sua bênção pela assembleia. À tarde, tornou o prelado com o seu cabido e

músicos, interpretando melodia apropriada e encerrou-se o Santíssimo. Iniciou-se então a missa,

cantada pelo arcediago, pregando padre Fr. António de Siqueira, muito devoto da Princesa.

Houve cântico de vésperas com paramentos de pontifical, encerrando-se o Santíssimo,

cantaram-se as matinas. Pela vila decorreu festividade geral, entre repiques e luminárias.

De forma solene foram os despojos mortais da Princesa Santa Joana transferidos para

sumptuoso mausoléu a 23 de outubro. À igreja conventual muitos acorreram, ora por devoção

ora por curiosidade. Os sinos tocaram a repique pelas nove horas à chegada do Bispo-conde com

todo o seu estado, grave família, rica carruagem. O cabido recebeu o prelado com a cruz, junto

à porta da Igreja de Jesus, iniciando-se o Te Deum. Antes do cântico de Tércia, revestiu-se o

bispo e o cabido de paramentos para o solene pontifical. Finda a celebração, à qual assistiram

vários nobres, ofereceu D. António um banquete. À tarde pregou-se sermão, pelo Pe. D.

Bernardino dos Anjos, cónego regular de Santo Agostinho. Terminado este, o Bispo e os seus

cónegos paramentaram-se e após a cruz entraram na portaria, onde o aguardava a comunidade.

Ali estavam também presentes os padres Provincial, Prior, confessores e Padre Mestre

Deputado, bem como o Senado da Vila e com estes seis cavaleiros da Ordem de Cristo para

segurarem às varas do pálio. Entraram pois no coro de baixo, e, após as devidas reverências,

incensou D. António o féretro da Infanta. Os abades tomaram-no aos ombros, posto que estava

num andor adornado de flores de seda, e junto destas três coroas: uma real e uma imperial,

aludindo aos pretendentes de D.ª Joana.

Saído do claustro, o préstito apresentou-se nas ruas de Aveiro. Precidiam danças,

chamarelas e trombetas, estando presente numerosa comunidade dominicana, que se

incorporaram nele, assim como religiosos de Santa Teresa, Capuchos, pessoas nobres e

eclesiásticos, sendo perto de quinhentos os clérigos que se apresentaram na transladação,

respondendo ao apelo do Bispo-conde. Após a cruz da catedral de Coimbra e dos seus cónegos,

era então transportado o caixão da Infanta, sob o pálio, indo logo atrás o prelado e o senado da

vila, acompanhado de numeroso povo. Pelo percurso, apresentavam-se em guarda de honra duas

alas de infantaria que, ao passar da procissão, espoletaram duas cargas. Passou o expressivo

préstito junta da Igreja matriz de São Miguel, entrando depois no convento das madres

carmelitas, em devoto pedido destas. Chegado ao Mosteiro de Jesus e estando aberto o Túmulo

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cinzelado por João Antunes, após a incensação, nele se colocou definitivamente o caixão de

Santa Joana, de cuja fechadura se tiraram três chaves: uma para el-Rei, outra para a madre

Prioresa e ainda uma para o próprio bispo. Por ser muito tarde já, não se encerrou o Túmulo, e

se despediu, ante a maior comoção das religiosas, D. António e os demais religiosos. Desde

então, rezou a comunidade diariamente pelo prelado que tantas deferências manifestara por

aquela casa.

Em maio seguinte, tomou novamente o Bispo-conde por sua conta o tríduo festivo da

Bem-aventurada, determinando Te Deum no dia 12 de maio. No dia nove desse mês, entrou D.

António em Aveiro, estando a Igreja de Jesuscom luzido trono e briosa decoração. Foi ele

recebido na porta da Igreja pelo cabido da catedral e assim se iniciou o tríduo, com música,

pregação e missa.

No dia seguinte, novamente o bispo foi recebido na Igreja conventual e ali se expôs o

Santíssimo e cantou missa o cónego Miguel Souto Mayor, sendo pregador o Padre Manuel de

São Francisco, religioso de Santa Clara e confessor do mosteiro de Coimbra. Terminada a

missa, o prelado presidiu às vésperas e encerrou-se o Santíssimo, cantando-se finalmente as

matinas.

A 12 de maio, celebrou o bispo pontifical. Banquetearam-se os ilustres visitantes e

importantes locais e tomou depois parte o prelado em procissão do Santíssimo. E assim

terminaram as festividades de 1714.

O documento informa que durante mais dois anos D. António de Vasconcelos realizou

tríduo da festa da Infanta D.ª Joana, sempre com o maior esplendor e magnificência.

No ano seguinte, já não esteve presente nas festividades o Bispo-conde, embora estas

tenham sido preparadas pelo seu estribeiro-mor, com a mesma ponpa e esplendor, muzica e

pregadores e asitençia dos senhores seus parentes. De igual forma esteve ausente o cabido de

Coimbra, pelo que o prelado escreveu ao prior do Mosteiro vizinho de São Domingos,

solicitando auxílio no canto de vésperas e matinas.

O documento alude ainda às festividades de 1717, tomando a seu cargo o tríduo

preparatório e o dia festivo D. António de Vasconcelos. Porém, este Bispo-conde adoeceu,

recebendo até os sacramentos e esperando pella ultima ora; e por emtresessaõ da sua santa, a

quem muito recomendou, escapou e ainda que naõ estava capas de vir mandou da mesma sorte

que o anno passado o seu estribeiro mor.

Veio ainda mais sete anos comemorar em Aveiro o falecimento da Santa Princesa este

Bispo de Coimbra, tendo falecido em 23 de dezembro de 1718. Sentiu pesaroso o Mosteiro de

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Jesus a morte de D. António, tendo a prioresa Madre Ângela do Sacramento mandado realizar

exéquias solenes, armando de negro a Igreja, com luzimento de setenta velas e pregação do

Padre Prior de Coimbra.

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Anexo 2168

Sessão de 5 de março de 1874

Presidio o senr. Agostinho Duarte Pinheiro e Silva. Compareceram os senrs. Vereadores

Jeronimo Baptista Coelho, Jose Marques d’ Azevedo, João Gonçalves Netto, Jose Rodrigues, Bernardo

Vieira de Carvalho e Francisco Lopes.

Assistio o senr. Administrador do Concelho Antonio Henriques Rodrigues da Costa.

Lida a acta da sessão antecedente foi aprovada.

O senr. Presidente expoz que tendo falecido a Ex.ma

Prioreza do Real Convento de Jesus, d’ esta

Cidade; ultima religiosa que alli existia, devia considerar-se extinto o mesmo Convento, tomando posse a

Fazenda Nacional do edificio e bens d’elle. Que n’ estas circunstancias que decerto a Camara

deploraria, iam fechar-se as portas d’aquella casa, que continha o mais precioso monumento d’ esta

Cidade, e um dos mais estimados do Reino, o tumulo da Princeza Santa Joanna, o qual, de direito

pertencia, ou devia pertencer à Cidade, e portanto à Câmara.

Havendo discussão sobre este objecto, abundando todos os vereadores presentes no desejo de

que fosse conservada aquella casa, destinando-a para recolhimento e casa d’ educação, ainda com

algum sacrificio e despeza do Municipio, votou a Camara que se dirigisse ao Governo de Sua Magestade

a seguinte representação.

Senhor!

Desde o dia 2 do corrente que o Real Mosteiro de Jesus, d’ esta Cidade, pertencente à Ordem

Dominicana, se acha comprehendido nas disposições da lei de 4 d’ Abril de 1861, pelo fallecimento da

ultima religiosa professa, que nelle vivia. Este convento, Senhor, mereceu sempre o maior respeito dos

habitantes d’esta Cidade pelas altas virtudes das que o habitavam, e pela memorias historicas que a elle

se prendem. Alli viveu e morreu como Santa a Serenissima Princesa Dona Joanna, filha do Senr. Rei

Dom Afonso V e suas cinzas n’elle existem guardadas em precioso tumulo de mosaico, justamente

considerado como um dos mais estimados monumentos que tem o Reino.

Fecharam se internamente as portas d’aquella casa onde habitavam 30 senhoras entre

recolhidas, educandas e criadas, algumas d’avançada idade e enfermas, outras sem familia nem parentes

a quem recorram excepto os moradores d’ Aveiro, e seria maltratar um capital, que pode vantajosamente

ser approveitado em beneficio da instrução e da caridade.

Por Provisão do Principe Regente o Senhor Dom João, de 12 de Fevereiro de 1807, foi

obrigado o Senado e Camara d’ Aveiro a toma sob a sua protecção a festividade e procissão, que no dia

168

Arquivo Municipal de Aveiro. Livro das Sessões da Câmara Municipal de Aveiro de 1874, fls. 156-

158.

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12 de Maio de cada ano se faz no referido Convento em honra da Santa Princesa “devendo assistir com

suas insignias principaes e praticar o mesmo que nas outras festas e procissoes reaes se pratica”.

É este um título, Senhor, com que esta Camara Municipal se estava no pedido que

respeitosamente vai fazer a Vossa Magestade.

O Convento esta extinto. Mas pode no logar delle surgir um estabelecimento de educação, como

ja existem outros em outras Cidades do Reino. O edificio é de fabrico modesto, e está em grande parte

muito deteriorado. Não servia para outra applicação, e vendido em hasta publica dava apenas o preço

dos materiaes. Mas pode bem utilizar se para aquelle fim, e talvez por muitos anos sem reparações

dispendiosas. Poderão servir de mestras as proprias senhoras que ja o habitam, e cuja competencia,

posto que provados haveria meios de legalmente conhecer.

A utilidade d’ um estabelecimento d’ esta ordem n’ uma terra como Aveiro onde escasseiam,

como quase em todas as da provincia, os meios de educação, poderia constituir à Cidade e ao Distrito

educação brilhante a que elle poderá proporcionar, na educação moral, formada em princípios de severa

virtude, tendendo simultaneamente a illustrar e desenvolver a intelligencia e a formar a mulher de

familia. É esta talvez de todas as durações as mais proveitosas e a mais necessária.

Se o Governo de Vossa Magestade não julga conveniente não julga conveniente proceder

directamente e por iniciativa propria a esta fundação, a Camara pede que lhe seja concedido o Convento

para n’ elle instituir uma casa semelhante em analoga a que o Municipio do Porto sustenta no largo de

S. Lasaro, com o titulo de recolhimento de orphãos e d’ outros que sob diversas formas existem no paiz, e

alem d’ isso pode uma subvençam annual, pelo averbamento d’ inscripções, ou por qualquer outro meio

que melhor se julgue, que venha em auxilio da exiguidade dos seus recursos, e seja devidamente

destinado a prover às despezas d’ uma instituição, que ao mesmo tempo que é do interesse local, tem

incontestavel utilidade publica.

O art.º 11 da citada lei de 4 d’ Abril de 1861 determina “que todos os bens, que nos termos d’

ella, constituíram propriedade detração d’algum convento, que for supprimido na conformidade dos

canones, serão exclusivamente aplicados à manutenção d’ outros estabelecimentos de piedade e

instrucção e á sustentação do culto e clero” tem applicação obvia do caso presente. É um

estabelecimento de educação que vai fundar se sobre os alicerces rasos d’ uma instituição monástica

desusada.

Pela extinção do Convento percebe o Estado uma avultada somma que elle possuía em

inscrihções, e ainda em bens por desamortizar. Não se augmenta, pois, com o pedido da Camara a

despesa publica. Da-se o destino que a lei designou aos redditos provenientes d’ essa instituição. E nem

todos seriam precisos para o fim que se indica, porque uma parte d’ eles seria bastante para habilitar a

Camara para a formação que pretende.

A superintendência d’ este estabelecimento d’ instrucção, quando mesmo à Camara pertença

fundar o, inutil parece tambem dizer, que ficaria inteira ao Estado, nos termos da legislação vigente, e a

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Camara aceitaria nem podia deixar de o acceitar, todas as condições que a este respeito se lhe

emposessem, para regularidade do ensino, e completo approveitamento dos fins da instituição.

A egreja e o tumulo da Santa Princesa, é justo que pertençam à Cidade – à Camara por

consequencia que a representa. Nem sequer duvida a Camara, que Vossa Magestade completando o

pensamento do Augusto Avô de Vossa Magestade o Senhor Dom João VI. Haja por bem conceder-lhe. As

alfaias do culto pertencentes ao Convento, e principalmente as que servem na festividade de 12 de Maio,

a Camara igualmente as pede, com as condição expressa de não poderem ser distribuidas ou applicadas

a outro uso ou fim, sob pena de volverem, ou o valor d’ ellas, à posse do Estado.

Senhor! Esta Camara Municipal interprete dos seus munícipes, espera que Vossa Magestade Se

Digne acceder benignamente a sua supplica o

haja por bem deferir-lhe. Aveiro em sessão de 5 de Março de 1874.

Igualmente resolveu a Camara que esta representação fosse dirigida ao Deputado por este

Circulo, o Ex.mo

Conselheiro José Dias Ferreira, em cujo zelo e esforços por todas as cousas d’ esta

terra, a Camara deposita maior confiança, pedindo-se-lhe que interposesse a sua valiosa influencia em

favor do deferimento da representação.

A Camara resolveu tambem consignar n’ esta acta o seu sentimento pelo fallecimento da Ex.ma

Prioreza D. Maria Henriqueta Osorio Barbosa, e que em atenção a ser a unica religiosa professa do

Real Mosteiro de Jesus que viera a unica religiosa professa ao Real Mosteiro de Jesus que viera a

enterrar no Cemiterio publico desta Cidade, se lhe desse n’ elle sepultura gratuita. […]

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Anexo 3 – Carta do Bispo-conde de Coimbra à Irmandade

Il.mo

e Ex. mo

Senhor

Acceitamos de muito bom grado a presidência honoraria, mas só honoraria da Real Irmandade

de Santa Joanna Princesa, agradecemos muito a V.ª Ex.ª e á Mesa da mesma Irmandade ao muito que

nos captiva e penhora esta attenção e deferencia para connosco.

Tambem com muito gosto iremos no dia 18 assistir á festa e procissão da Santa Princesa, por

que independentemente da nossa devoção para com Ella, representamos sempre como nossas as festas

ou as alegrias, as tristezas ou os soffrimentos d’ essa Cidade.

Deus guarde a V.ª Ex.ª.

Coimbra 8 de Maio de 1884

Il.mo

e Ex. mo

Sen.or

Conselheiro

Presidente da Mesa da Real Irmandade de Santa Joanna Princesa

Manoel, Bispo Conde

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Anexo 4 – Convocatória da Irmandade para as comemorações do IV Centenário do falecimento de Santa

Joana

Il.mo

A Meza da Real Irmandade de Santa Joanna Princeza, da qual V. é mui digno membro,

considerando que no futuro anno de 1890 se completam quatro seculos desde o glorioso óbito da mesma

Santa, e desejando celebrar este quarto centenario da nossa Padroeira com uma festividade mais

pomposa do que o costume, a exemplo do que praticam outras corporações religiosas para com os seus

Padroeiros; havendo até algumas, como as do Bom Jesus do Monte, da Rainha Santa e outras, em

Lisboa, Braga e Porto, que só fazem as festividades ordinarias de dois em dois anos e algumas vezes com

maiores intervallos ainda, para poderem com maior pompa e brilho, quando as fazem, estimular mais a

devoção das pessoas que a ellas concorrem; e pois que uma tal festividade deve exigir maiores despezas,

para as quaes deseja não solicitar dos irmãos donativos extraordinarios, além do respectivo anual,

acceitando todavia os que voluntariamente ofereçam as pessoas que essa devoção tiverem; e

considerando mais que no presente anno não tem havido donativos, não podendo por isso dar-se à festa,

ainda que n’ este anno se faça, o brilho do costume; resolveu portanto reduzir n’ este ano a festividade,

celebrando-se somente a missa solemne e sermão com exposição do Santissimo Sacramento, sendo isto

precedido das novenas de estylo, e economisando se as despezas da procissão e mais festejos externos,

que fazem a mais avultada das despezas da festa, para que a sua importancia possa reverter em beneficio

da festividade do futuro anno.

E levando esta deliberação ao conhecimento de V., espera que ella haja de merecer a sua

approvação, a qual tem a honra de solicitar por este meio.

Queira V. acceitar os protestos da consideração e estima com que temos a honra de assignar-

nos

De V.

Mt.º att.ºs veneradores

Aveiro, 27 de Fevereiro de 1889

O Presidente

Manuel José Marques da Silva Tavares

O Thesoureiro

João Pedro Soares

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Os Vogaes

Angelo da Rosa Lima

José Gonçalves Gamellas

Thomé da Silva de Mello Guimarães

João Augusto Marques Gomes

O Secretario

Alipio Anthero de Carvalho

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Anexo 5 – Programma da grande solemnidade religiosa que ha de ter logar em Aveiro nos dias 17 e 18

de Maio proximo em honra de Santa Joanna Princeza

A Meza da Real Irmandade de Santa Joanna Princeza resolveu celebrar este anno com maxima

pompa o quarto centenario da morte da sua Padroeira, e para isso conta com o auxilio do municipio e de

todos os habitantes da cidade d’ Aveiro, de que a mesma Santa também é Padroeira.

A grande solemnidade religiosa ha de ter logar no dia 18 de maio proximo, pela forma seguinte:

1.º – No dia 17 haverá vistosas illuminações em todos as ruas por onde tiver de passar a

procissão, e que são as que n’ outro artigo vão ser designadas. Estas ruas, além de illuminações que se

hão de repetir na noite de 18, serão ornadas, tropheus, bandeiras e flores. Em algumas d´ellas haverá

também corêtos, para nas noites de 17 e 18 e manhã d’ este ultimo tocarem bandas de musica.

2.º – No braço da ria que atravessa a cidade, e entre o espaço que medeia entre a Ponte da

Dubadouro e a da Praça do Commercio estacionará um grande numero de barcos embandeirados em

arco.

3.º – A frontaria e egreja de Jesus será engalanada com tropheus. A rua de Jesus ha de ser

ornamentada d’ uma fôrma completamente nova em Aveio, devendo a sua illuminação produzir um

effeito magnifico.

4.º – No dia 18 ao raiar da aurora, depois de uma salva de 101 morteiros, enormes girandolas

de foguetes subirão ao ar, e duas philarmonicas percorrerão as ruas da cidade tocando hymnos

nacionaes.

5.º – Pelas 11 horas da manhã principiará na egreja de Jesus a festividade religiosa,

propriamente dita. Foi n’ este convento que viveu e morreu a virtuosissima filha de El-Rei D. Affonso V.

A egreja, que já de si é um monumento, taes e tantos são os primorosos ornatos de talha dourada que

totalmente a revestem, será luxuosa e artisticamente decorada. Toda a armação é de damasco branco

tecido a ouro, e os paramentos de lhama de prata ou de velludo bordado a ouro, tudo antigo e

riquissimo. Officiará o pontifical o ex.mo

e rev.mo

sr. Bispo Conde acolitado por numeroso clero. De fazer

o panegyrico da Santa Princeza estará encarregado o sr. conego Alves Mendes, presentemente a maior

gloria do púlpito portuguez.

À festividade assiste, conforme o antigo uso e alvarás regios, a camara municipal e todas as

auctoridades da cidade. Uma força militar fará a guarda de honra.

A Mesa da Irmandade vae convidar Sua Magestadde El-Rei, juiz perpetuo e protector da mesma

Irmandade, para se fazer representar na solemnidade religiosa. Para assistirem a ella vão também ser

convidados os rev.mos srs. arcebispo-bispo do Algarve169

, bispo de Bragança170

e arcebispo de

Mitilene171

, que fizeram parte do corpo docente do curso de sciencias ecclesiasticas da hoje extincta

169

D. António Mendes Belo (Bispo do Algarve entre 1884-1908). 170

D. José Alves Mariz (Bispo de Bragança entre 1885-1912). 171

D. Manuel Baptista da Cunha (Arcebispo de Mitilene entre 1888-1899).

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diocese Aveirense. Tudo leva a crer que estes illustres prelados venham abrilhantar a grande

solemnidade com a sua assistencia.

6.º – Pelas 4 horas da tarde sahirá a procissão da egreja de Jesus, onde recolherá depois de

percorrer as seguintes ruas: – Jesus – Anselmo Braancamp – José Estevão – Vera-Cruz – Gravito –

Apresentação – Mercadores – Alfandega – José Luciano de Castro – Arrochela – St.º Antonio– Sé–

Passeio – e Nova.

7.º – Abrirá o prestito religioso a Real Irmandade de Santa Joanna com o seu estandarte de seda

bordada a ouro, e seguir-se-hão todas as irmandades legalmente erectas na cidade, indo dissiminadas

por entre ellas uma grande legião de criancinhas vestidas de cherubins, com emblemas e datas alusivas á

virtuosa vida e santa morte da Princeza. Também irão no préstito religioso os riquissimos andores de

Santa Joanna Princeza e de S. Domingos; cujos andores foram agora completamente restaurados. Sob a

cruz do clero tomarão logar os alumnos do Seminario de Coimbra, e bem assim todo o clero d’ este

cidade d’ Aveiro e freguezias vizinhas. Sob o palio levará a custodia o ex.mo

Bispo Conde, seguindo-se o

representante d’ El Rei, e os prelados acima referidos, se accederem, como é d’ esperar, ao convite que

lhes vae ser dirigido, as auctoridades e regimento de cavalaria 10. No préstito tomarão parte tambem,

além da charanga d’ este regimento, a fanfarra do Azylo-Escola, e mais cinco bandas, sendo duas

regimentaes.

8.º – Todas as ruas por onde a procissão passa serão juncadas e todas as janellas ornadas de

cobertores de damasco. Em todos os largos lançar-se-ão grandes girandolas de foguetes á sua passagem.

9.º – Durante todo o dia 18 e bem assim no seguinte, estará patente ao publico a egreja de

Jesus, bem como o magnifico tumulo de mosaico em que jaz a Santa Princeza, obra do seculo XVIII e

verdadeiro monumento d’ arte devido ao cinzel d’um artista portuguez.

Aveiro e secretaria da Real Irmandade de Santa Joanna Princeza, 10 de Março de 1890.

O PRESIDENTE,

Commendador, Dr. Manoel José Marques da Silva Tavares

O THESOUREIRO

João Pedro Soares

OS DIRECTORES:

Dr. Manoel Nunes d’ Oliveira Sobreiro – Thomé Pereira Veiga – João Augusto Marques Gomes

– David da Silva Mello Guimarães – Angelo da Rosa Lima

O SECRETARIO:

Alipio Anthero de Carvalho

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Anexo VI – Quarto Centenario da morte da Princeza Santa Joanna172

Completou-se no dia 12 do corrente o quarto centenário da princeza Santa Joanna, e por esse

motivo a confraria erecta no convento de Santa Joanna173

, em Lisboa, commemorou este centenario com

uma grande procissão, convidando todas as corporações religiosas e estabelecimentos pios a

concorrerem a esta festa religiosa, em que se rendia preito à virtuosa princeza de Portugal.

No dia 11 foi a imagem da santa princeza174

conduzida procissionalmente do convento de Santa

Joanna para a Sé, e no dia seguinte voltou da Sé para a sua egreja, com grande solemnidade.

Sahiu da Sé pelas 11 horas da manhã a procissão, em que tomou parte grande numero de

irmandades, collegiadas, os asylados dos asylos municipaes e do de Maria Pia, o Cabido da Sé com as

basilicas e guião, e uma força do regimento de caçadores n.º 5, com a respectiva banda e de infanteria

n.º 7.

Ao recolher da procissão cantou-se um solemne “Te-Deum”, com que terminou a

commemoração do quarto centenario da virtuosa filha de Affonso V, depois canonisada pela egreja.

Na verdade, no respigo histórico que segue esta notícia, segue-se a linha historiográfica que

envereda pela dessacralização da Infanta, aludindo ao facto, por exemplo, de esta partir de Aveiro quando

por aqui grassavam epidemias, e dá crédito à ideia de que esta morrera envenenada. Curioso é que o

Occidente – publicamente amplamente divulgada na época – refere, ao encerrar a nota histórica:

Desejariamos publicar algum retrato da santa princeza se o houvesse, mas não ha, como não ha

de muitos outros personagens da mesma época, de que aliás apparecem alguns retratos aprocriphos.

172

In Occidente de 21 de maio de 1890 173

Procurou-se na obra Confrarias, Irmandades e Mordomias, de Natália Nunes e com edição da

Associação Portuguesa dos Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, em 1976 esta dita confraria,

nada se tendo encontrado, porém, de alguma ereta no Convento de Santa Joana. Pelo contrário, é referida

uma Irmandade de Santa Joana Princesa e de São Francisco de Sales em Confrarias, Misericórdias,

Ordens Terceiras, Obras Pias e outras Associações de Fiéis em Portugal nos séculos XIX e XX, de

Pinharanda Gomes, in Lusitania Sacra 8-9 (1996-97), ereta na Igreja da Visitação em Lisboa. Porém, em

consulta na Biblioteca Nacional, a associação de fiéis tem como patrona Santa Joana de Chantal e não a

Infanta portuguesa. 174

Segundo Ob. Cit. XX pensa ser a imagem atualmente na Igreja do Cristo-Rei, no Porto.

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Anexo VII – Carta de D. Domingos da Apresentação Fernandes

Beatissimi Pater:

Dominicus, Aveirensis Episcopus, humiliter ad pedes Vestrae Sanctitatis, suplicanter haec tria

exponendi veniam petit:

I

Dioceseos Aveirensis Seminarium Minus, jam ab initio et hodie in potestate talis tituli esse dici

potest, illum Sanctae Joannae Principis in titulum vulgo accepit. Etsi antecessor noster, Joannes

Evangelista de Lima Vidal, die 5.ª mensis Januarii anni 1958 pie defunctus, Sacrum Cor Jesu in

Titularem ac Patronum primarium ejusdem Seminarii saltem in mente dederat quia nullum documentum

de hac re exstat, tamen per totam Diocesem Seminarium Sanctae Joannae appellatum est et adhuc

appellatur.

Vi autem canonis 1278, tantum cum indulto Sedis Apostolicae, Beatum, Patronum ac Titularem

cuiuslibet institutionis constituere licebit.

Atqui, Beatae Joannae, Principi Lusitaniae, dumtaxat cultus publicus ex Decretis Papae Urbani

VIII 1625, 1631 et 1634, et Papae Innocentii XII diei 9 mensis Aprilis 1693 concessus est. Vulgo tamem

“Sancta” appellatur. Cum Seminarium supra-dictum, in sermone et dicto fidelium ac benefactorum,

nomem Sanctae Joannae Principis sortitum est, ita ut sic ab omnibus vocetur et denominetur, requisitum

indultum Sanctae Sedis Apostolicae, ad normam canonis 1278m ad talem Patronam ac Titularem

eiusdem Seminarii constituendum, humiliter imploro.

II

Aveirensi civitati, ex immeroriabili consuetudine populi, Beata Joanna, Lusitaniae Princeps,

única Patrona coelistis est, ita ut fideles publicum cum pietate ei praestant, eo quod eadem Beata Joanna

hic permansit et vixit ac pie defuncta est hic anno millesimo quadringentesimo nonagesimo.

A Vestra Sanctitate humiliter imploro ut Sancta Sedes officialem aprobationem concedatur

fidelium sensui et denominationi, certitudinem protectionis Beatae Joannae apud populum christianum in

civitate Aveirensi demonstrantibus.

III

Processus canonicum dictae Beatae Joannae, Lusitaniae Principis, reassumere, ad

canonizationem petendam, mihi in animo est et ex nunc maiorem devotionem erga Servam Dei, Beatam

Joannam Lusitaniae Principem, ac profundiorem cultum ejus reliquarum in ecclesia “de Jesus”, sic

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dixta, hujus civitatis Aveirensis inveniuntur, sicut tumulus ejus arte pretiosoque egregius, promovere volo

ac vehementer desidero.

Animis adolescentium máxime utriusque sexus pietatem augere sicut cultum, per pietatis

conventiones, orationes et frequentiores ad tumulum visitationes, omnibus modis legitimis, desiderans,

“Piam Associationem Devotorum Beatorum Beatae Joannae” cum statutis propriis ac insignibus,

canonice erigere, rem optimam considero ac reputo.

Ideo a Sancta Sede Apostolica indultum ad erectionem canonicam “Piae Associationis

Devotorum Beatae Joannae” humiliter peto et imploro175

.

Deus Sospitem Vestram Sanctitatem Servet.

Datus Aveiro (Lusitaniae), 20 Martii 1959

+ Domingos, Bispo de Aveiro

(+ Dominicus d’ Apresentação Fernandes, Episcopus Aveirensis)

175

Proposta de tradução: Ao reassumir o processo canónico, da dita Beata Joana, Princesa de Portugal,

para pedir a canonização, está no meu espírito e, a partir de agora, quero promover o veemente desejo,

uma maior devoção para com a Serva de Deus, Beata Joana Princesa de Portugal, e um culto mais

profundo das suas relíquias que se encontram na igreja "de Jesus", assim chamada, desta cidade de

Aveiro, tal como o seu túmulo de uma alta e preciosa arte. Para fazer crescer, maximamente, no espírito

dos adolescentes de ambos os sexos a piedade e o culto, através de atos de piedade, orações e visitas mais

frequentes ao túmulo, por todos os modos legítimos, desejando erigir canonicamente uma Pia Associação

de Devotos da Beata Joana, com estatutos próprios e insígnias, o que considero e reputo como uma coisa

ótima. Por isso, humildemente peço e imploro à Santa Sé Apostólica o indulto para a ereção canónica da

Pia Associação de devotos da Beata Joana. Deus guarde a Vossa Santidade.

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Anexo VIII – Programa comemorativo de 1952176

Programa comemorativo dos 500 anos no nascimento de Santa Joana Princesa

Sexta-feira, 9

Abertura da exposição icono-bibliográfica de Santa Joana Princesa e inauguração da “Sala de

arte oriental Dr. António Nascimento Leitão”, no Museu Regional de Aveiro”, no Museu Regional de

Aveiro.

Às 21,45 horas – No Teatro Aveirense, sarau

Sábado, 10

Concerto pela “Banda de Pinheiro da Bemposta”, das 12 às 14 e das 18 às 20 horas.

Abertura do II Acampamento de Aveiro.

II “Rallye” Automóvel de Aveiro.

Às 22 horas – Procissão nocturna em honra de Santa Joana [Da Igreja de Jesus para a Igreja do

Carmo].

Domingo 11

Concerto pela “Banda de Vale de Cambra”, às 10h.

1.º Concurso de pesca de Aveiro.

Às 11 horas – Solene Pontifical na Sé Catedral.

Concurso e exposição pecuária, no Rossio, às 10 horas.

Às 14 horas, provas complementares do “Rallye”.

Às 17 horas, procissão de Santa Joana Princesa.

Às 19 horas, marchas das Freguesias.

Segunda-feira, 12

Às 11 horas, passeio fluvial à Mata de São Jacinto, às 17, Regatas regionais, às 22, Marcha

luminosa

Terça-feira, 13

Das 17h às 19 horas, concerto pela Banda Amizade

Quarta-feira, 14

Concerto pela Orquestra Sinfónica do Conservatório de Música, do Porto

176

Arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa

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Anexo X – Programa comemorativo de 1965177

Festa de Santa Joana Princesa

Padroeira da Diocese e da Cidade de Aveiro

Dia 12 de Maio (Feriado Municipal)

É a primeira vez que se realiza após a proclamação oficial, por Paulo VI, de Santa Joana Padroeira de

Aveiro.

As comemorações iniciam-se com alvorada pelas Ruas, pela Banda Amizade.

Às 10,30, na Igreja de Jesus, chegada do Ex.mo Prelado e canto de Tércia.

10,45, Cortejo litúrgico para a Catedral.

11,00, Solene Pontifical na Sé, com homilia pelo Rev. Pe. Eugénio Martins, professor do Seminário de

Coimbra.

18,00, Procissão, saindo da Igreja de Jesus, percorrendo o

itinerário seguinte:

Ruas de Santa Joana, dos Combatentes da Grande Guerra e de Coimbra, Ponte-Praça, Rua de José

Estêvão e de Manuel Firmino, Largos da Apresentação e 14 de Julho, Rua de Domingos Carrancho,

Praça do Dr. Melo Freitas, Ponte-Praça, Ruas de Coimbra e de Gustavo Ferreira Pinto Basto, Praça do

Marquês de Pombal, Ruas do Capitão Sousa Pizarro, de Miguel Bombarda, dos Combatentes da Grande

Guerra e de Santa Joana.

Tomarão parte neste préstito as Ex.mas Autoridades Civis, Militares e judiciais, Associações religiosas,

Rev.do Clero, Seminaristas, as Irmandades do Santíssimo Sacramento da Vera-Cruz e da Glória, e a

Real Irmandade de Santa Joana Princesa.

Às 21,30, no Jardim D. Pedro, concerto pela Banda Amizade.

Às 24 horas, final dos Festejos com um bouquet de fogo de artifício, na Praça do Milenário (Frente à

Igreja de Jesus).

177

Arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa

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Pede-se aos moradores das ruas do percurso o favor de engalanarem as varandas e janelas à passagem

da Procissão.

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Anexo XI – Instrumentos litúrgicos após Declaração do Padroado

O primeiro formulário litúrgico para a comemoração da memória de Bem-aventurada Joana de

Portugal foi uma separata de quatro páginas, com impressão da União Gráfica, para anexar ao Missal

festivo latino-português, saído do prelo em 22 de agosto de 1965, e sendo edição autorizada pela

Comissão Episcopal de Liturgia de Portugal, presidida por D. João da Silva Campos Neves, Bispo de

Lamego. Constituiu-se tal separata com indicação do dia e bem-aventurada a celebrar (B. Ioannæ,

Lusitaniæ Principis – Aveirensis civitatis totiusque diœcesis principalis patronæ – II classis), antífona

para o Intróito, Oração coleta, excerto da I Carta do Apóstolo São Paulo aos cristãos de Corinto, VII, 25-

34, versículo de aclamação ao Aleluia, excerto do Evangelho segundo São Mateus, XIII, 44-52, Oração

sobre as oblatas, antífona de Comunhão e Oração pós-Comunhão. O formulário, tal como todo o missal,

constitui-se por duas colunas, sendo a da esquerda em latim e a da direita em português. O padre João

Pedro de Abreu Freire indicou no mesmo Concordat cum originali approbato, datado em Aveiro a 5 de

abril de 1965, com o respetivo Approbamus lingua vernacula textus e a ordem Imprimatur, com a mesma

data e local, por D. Manuel de Almeida Trindade, Bispo de Aveiro.

Na atual edição do Missal Romano, apresentado em 2 de fevereiro de 1991, pelo Bispo de

Santarém, D. António Francisco Marques, e em uso em Portugal, contém-se apenas as antífonas de

entrada, Oração coleta, Oração sobre as oblatas, antífona de Comunhão e Oração pós-Comunhão – com

pequenas alterações nos formulários de 1965. As leituras estão contidas no Lecionário santoral, e indica

as seguintes passagens bíblicas: excerto do livro do Apocalipse (21, 1-5), o Salmo 44 (45), 11-12.14-

15.16-17, sendo o refrão a passagem do Evangelho segundo São Mateus 25, 6 e o Evangelho é o mesmo

do formulário de 1965, mas reduzido até ao versículo 46. Para a Cidade de Aveiro (onde se celebra como

Solenidade, portanto com recitação ou cântico do Glória e do Credo), há ainda uma leitura depois do

salmo, extraída da Carta aos Filipenses (3, 8-14). Em Aveiro existe ainda um formulário diferente àquele

que é proposto pela edição da Oração dos Fiéis.

No que concerne ao ofício de leitura, utiliza-se a Oração coleta da Missa própria da Padroeira de

Aveiro e hino, salmodia, responsório breve, leitura breve e preces do formulário proposto pelo breviário

para a Comum das Virgens.

Finalmente, no que respeita à liturgia, na celebração da Vigília Pascal, em Sábado Santo, na

Ladainha dos Santos, em toda a Diocese, bem como nas Ordenações, deve ser invocada Santa Joana

Princesa, no lugar correspondente aos Santos patronos dos lugares, bem assim como em todos os

formulários das Orações Eucarísticas do Missal romano em uso e no já referido lugar dos patronos.

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Anexo XII – Criação da Paróquia de Santa Joana178

[…] Desde há cerca de quarenta anos, pouco a pouco fora-se agravando, na consciência das

pessoas desta zona periférica de Aveiro, o desejo da sua autonomia religiosa. E, se se conseguisse a

resposta para este sonho, prosseguir-se-ia mais além, em ordem à consecução da emancipação

administrativa. Esperava-se que assim sucedesse, porque tudo se começara com a égide da Padroeira de

Aveiro, a Princesa Santa Joana.

Para se caminhar em terreno seguro, tendo eu a responsabilidade da Diocese de Aveiro e

sabendo do que se ia passando, resolvi convocar duas reuniões com pessoas que julguei imprescindíveis

no processo. No meu “Diário”, não deixei de apontar as datas dos encontros: 29 de Dezembro de 1966 e

14 de Janeiro de 1967.

Seguidamente, tudo se foi amadurecendo nos habitantes das diversas povoações, graças à acção

daquelas pessoas: chegou-se a um ponto em que o retrocesso já não era hipótese que se punha. Por isso,

em 11 de Novembro de 1969, assinei o decreto pelo qual institui a “Reitoria de Santa Joana Princesa”.

As gentes lançaram-se então, com grande entusiasmo, na construção da sua igreja matriz; ela

seria não apenas um sinal visível de unidade, mas sobretudo o centro aglutinador da nova circunscrição

eclesiástica, que também serviria de importante suporte – jamais despiciendo – para a futura criação da

freguesia civil. Em 30 de Julho de 1972, tive a felicidade de benzer a primeira pedra do templo, no meio

de efusivas manifestações de alegria; precisamente nesse dia, lembrava-se o quingentésimo aniversário

da chegada de Santa Joana a Aveiro, vinda da Corte de Lisboa.

O projecto da nova igreja foi confiado ao arquitecto Luís Cunha, com nome já feito por outras

obras de arte realizadas em várias regiões do País. O arquitecto atendeu ao programa que havia sido

elaborado pela Comissão das Obras, presidida pelo Reitor, Padre Adérito Rodrigues. O programa

prescrevia o seguinte: – um espaço sagrado para os actos de culto; uma zona polivalente, daquela

separada por uma grande porta de correr, que tanto pudesse servir para ampliar o espaço da liturgia

como para funcionar de maneira autónoma para outras finalizades não desdizentes dos objectivos da

igreja; e, anexas a esta zona polivalente, salas para catequese e de convívio.

Assinei a criação da paróquia em 10 de Setembro de 1976. Passados breves dias, celebrei a

bênção do novo templo, que condiz com a comunidade que serve. Na altura, ouvi dizer que a sua ideia

ter-se-á inspirado nas antigas basílicas bizantinas, pela sua configuração interna e externa, e ainda pelo

movimento dos telhados em forma ogival, que se entrelaçam e combinam harmoniosamente uns com os

outros. As imagens da fachada, os vitrais em policromia e em rosácea, abertos na parede do fundo, o

178

TRINDADE, Manuel de Almeida – As minhas congratulações, p. 6 in 20 anos Junta de Freguesia

Santa Joana. Edição Junta de Freguesia Santa Joana, Aveiro, agosto de 2005

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189

polítiptico da Padroeira179

– tudo ajuda os crentes na oração e na reflexão e sugere-lhes os objectivos da

sua fé.

Passaram dezenas de anos. Já então era de prever o extraordinário aumento demográfico que,

naqueles lugares, iria acontecer… e sem parança. Além disso, a igreja matriz de Santa Joana tornou-se o

centro da freguesia civil, que não apenas da paróquia católica. Ao seu redor ou perto dela, afora o

espaçoso adro circundante – que também é uma área e lazer para crianças, jovens e adultos – foi

edificada a sede da Autarquia e encontram-se em construção alguns edifícios de interesse público, como

aquele que vai servir para os serviços da “Extensão de Saúde”.

179

Vd. anexo seguinte.

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190

Anexo XIII – A Igreja paroquial de Santa Joana

Embora quer o exterior quer o interior do templo tenha alusões iconográficas à Padroeira de

Aveiro (incluindo as suas armas, junto ao altar), parece-nos relevante a descrição do políptico existente no

seu interior, porquanto constitui uma visão contemporânea da figura quinhentista, e é também da lavra de

Luís Cunha.

No fundo pode ver-se uma imagem da Ria de Aveiro.

No século XV a Ria não tinha saída para o mar. As epidemias infestavam com relativa

frequência o país. Aveiro, pela sua posição à beira da laguna, não era terra saudável. A malária também

fazia a sua razia. Por cima da representação da Ria insalubre, desenhavam-se terrivelmente

ameaçadoras as garras aduncas da peste, como se fosse ave de rapina.

Nestas circunstâncias de doenças e de epidemias, o Mosteiro de Jesus, embora pobre e humilde,

era um refúgio onde doentes e estropiados (pode ver-se a representação de um destes no painel)

encontravam o doce conforto da caridade das irmãs.

O facto de entre elas viver uma filha de rei, roubava-lhes a liberdade de movimentos. Mais que

uma vez a Santa Princesa, por ordem do pai ou do irmão, teve de deixar Aveiro contra sua vontade e

procurar terras mais salutares onde o perigo da peste não fosse tão premente. A grande roda da carriola

“toda carrada e toldada de cima de panos e de baixo de coiros” – como diz a “Crónica” –, símbolo da

insegurança e do carácter peregrino da existência humana evoca a vida de vai-e-vem em que frequentes

vezes andou a Santa Princesa. Não é fácil ser filho de rei e irmã de outro rei.

A tábua por debaixo da imagem da Padroeira é uma alusão à sua principal devoção: a devoção

pela Paixão de Jesus. A Semana Santa, em que, todos os anos ela se comemora, era vivida em devoto

recolhimento e prática de caridade, “seguindo o mandado e o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo” –

como anota Margarida Pinheira.

Mas a lembrança dos padecimentos do Salvador acompanhava-a sempre ao longo da vida. A

leitura da Paixão do Senhor comovia-a intensamente “com grande amargura e dor de dentro, como se de

presente O visse chagado e padecer”. São palavras da “Crónica”.

Esta devoção à Paixão de Jesus exprimiu-a o pintor em duas mãos que seguram uma coroa de

espinhos. Luís Cunha poderia ter multiplicado os símbolos da Paixão; não lhe faltaria na tradição

iconográfica para isso. Lembremos a cruz, os cravos, a lança, os azorragues da flagelação, a esponja e o

vinagre… Mas o artista preferiu a sobriedade. A coroa de espinhos era suficiente para evocar todo o

drama da Paixão e lembrar os devotos e admiradores da Santa Princesa que foi em troca desta coroa de

espinhos que ela pôs de parte o seu diadema real. A discreta alusão não deixa de ter um profundo

significado.

O painel tem, por cima da figura de Santa Joana uma saliência em forma triangular. O

triângulo é, já de si, uma expressão iconográfica do mistério da Trindade. Toda a vida dos Santos tem

nela o seu princípio e o seu fim. […]

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191

Mas neste triângulo, já de si evocativo, surge de novo como no tímpano da igreja, embora

usando materiais plásticos diferentes, a Mão divina, que representa o Pai, e a Pomba, símbolo do

Espírito Santo. A segunda Pessoa, o Verbo encarnado, aparece aqui evocado por uma simples cruz –

uma cruz cujo braço esquerdo se alonga no espaço e no tempo, como que a abarcar toda a história

humana180

.

180

A Igreja Paroquial de Santa Joana Princesa – Aveiro. Notas explicativas. 1976, Gráfica do Vouga,

Aveiro. Pp. 16-17.

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192

Anexo XIV: A criação da Freguesia de Santa Joana

As raízes da paróquia de Santa Joana são, no entanto, mais fundas181

. O segundo bispo de

Aveiro, na revisão dos limites paroquiais da Vera-Cruz, da Glória e de Esgueira, em 16 de janeiro de

1959, congregou sob jurisdição desta o lugar da Quinta do Gato. Na verdade, D. Domingos da

Apresentação Fernandes, considerando o crescimento demográfico desta zona, vislumbrou como

oportuna a união de vários lugares na periferia de Aveiro sob uma mesma autonomia religiosa, tomando-

se Nossa Senhora de Fátima como orago da futura paróquia. Realidade congénere se verificou noutro

ponto do concelho de Aveiro que, em processo mais célere, viu criada em 13 de agosto de 1960 a

paróquia de Nossa Senhora de Fátima. Tal decisão causou, naturalmente, algum desânimo, e seria já D.

Manuel de Almeida Trindade a propor o Santa Joana Princesa como padroeira da circunscrição nascente.

Por conseguinte, em 9 de setembro de 1967 foi nomeado capelão da Quinta do Gato e da Presa o padre

Adérito Abrantes, o qual, em 11 de novembro de 1969, foi instituído reitor de Santa Joana, circunscrição

eclesiástica que congregava parcelas das paróquias da Glória, da Vera-Cruz e de Esgueira. Em 1972 seria

criada a paróquia e iniciou-se a edificação do templo que serviria de matriz. A população desejava ainda a

correspondência administrativa, uma vez que os paroquianos continuavam a ser fregueses das três Juntas

acima indicadas. Porém, só seis anos depois, pela lei da Assembleia da República n.º 63/84 de 30 de

Novembro de 1984, promulgada pelo Presidente da República Mário Soares e referendada pelo primeiro-

ministro Cavaco Silva, com entrada em vigor a 1 de janeiro do ano seguinte. A heráldica do brasão, da

bandeira e do selo branco foi aprovada em 1993 e alude às cores dominicanas e a elementos devocionais

de Santa Joana182

.

181

Vd. Gaspar, João Gonçalves Gaspar. Ob. Cit n.º XX P. 7 182

In https://www.jf-santajoana.com/index.php/pages/page/11: Criada em 1993, e publicada no Diário

da República III Série Nº 13 em 17/01/1994, a heráldica da freguesia de Santa Joana carrega toda uma

simbologia que, na sua quase totalidade, nos remete para a vida virtuosa da excelsa princesa que dá o

nome à comunidade que sob a sua égide se institui.

Apesar de se tratar de um símbolo identificativo e representativo desta freguesia em qualquer parte do

país ou do mundo, a preocupação primária assentou na criação de uma insígnia que, acima de qualquer

finalidade, espelhasse um sentir no qual o povo de Santa Joana se reconhecesse, perpetuando,

consequentemente, a história de um lutar coletivo.

A simplicidade resultante da conjugação harmoniosa dos elementos que dão corpo à heráldica

desta freguesia é a tónica predominante na mesma, sendo, por sua vez, a característica que melhor

retrata a vida daquela que inspirou a sua conceção. Nascida em berço de ouro, preferiu uma mão cheia

de nada a viver uma vida abastada, entre o luxo dos seus aposentos reais. Tudo pelo seu amor sublime a

Deus e aos outros. Este é o invulgar exemplo de abnegação, de renúncia às vaidades do mundo e de

profunda devoção à paixão de Cristo, registado na memória de cada habitante de Santa Joana e também

no brasão da freguesia.

A bandeira, esquartelada em branco e preto, alude, desde logo, à Ordem dominicana na qual

ingressou a ínclita princesa, aquando da sua chegada à então vila de Aveiro, retratando as cores

patentes na indumentária usada pelas irmãs conventuais do Mosteiro de Jesus. A coroa de espinhos, por

sua vez, “porque era o símbolo devocional da Princesa Santa Joana à paixão de Cristo, significa que

não apenas o nome da freguesia, mas ainda o seu pensamento vai para aquela que, deixando Lisboa e a

corte, veio viver para Aveiro, onde faleceu e foi tumulada”. As três coroas invocam a referência, segundo

narra a história, aos três casamentos reais preteridos pela princesa, designadamente com um príncipe

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193

Anexo XV – Receitas e despesas do culto entre 1985 e 1988

Encontra-se no arquivo do Museu de Aveiro uma relação das receitas e despesas

contraídas entre 1985 e 1988, portanto, anteriores ao período de instalação da Comissão

Administrativa da Irmandade. O documento está datado de 25 de julho de 1988 e,

embora não assinado, é a caligrafia da Diretora do Museu, Dr.ª Clementina Quaresma.

Receita

Ano Entidade Valor 1985 Junta de Freguesia da Glória 50.000$00

1986 Governo Civil de Aveiro 100.000$00

Funcionários do Museu 125.000$00

1987 Junta de Freguesia da Glória 50.000$00

Governo Civil de Aveiro 100.000$00

Funcionários do Museu 3.500$00

20.000$00

10.000$00

Total: 158.500$00

Total: 368.500$00

Despesa

Ano Despesa Valor 1985 Hábitos de Santa Joana e São Domingos 19.875$00

Toalhas verdes para os altares 6.865$00

Galões (para as toalhas e tamboretes) 1.440$00

Tecido para as almofadas da igreja de Jesus 13.720$00

2 tabuleiros de vime (para arrecadação das almofadas) 1.500$00

Total: 43.400$00

1986 Passadeira verde para a igreja de Jesus 28.750$00

3 joalheiras para a limpeza da igreja de Jesus 750$00

Jogo de paramentos (capa de asperges e estolão; casula e

estola; mitra) e Pálio; 2 coberturas para os andores e 12 estolas

244.400$00

Total: 273.900$00

1987 3 guarda-portas (reposteiros); 12 alvas; 7 toalhas de linho 121.000$00

português, espanhol e britânico, em prol da sua entrega a uma vida claustral, ao serviço de Deus. A cor

vermelha que pinta o fundo do escudo simboliza, inequivocamente, esse amor incondicional à vida

espiritual, aos pobres e oprimidos e às grandes causas.

A este conjunto de elementos junta-se um outro grupo que concretiza a autonomia

administrativa da freguesia de Santa Joana. Com efeito, se, no seio do escudo vermelho, nos deparamos

com os cinco escudetes da nossa bandeira nacional, os quais identificam, claramente, Santa Joana como

uma autarquia localizada em terreno lusitano, a coroa mural, que sustenta três imponentes torres de

castelo, reconhece, por sua vez, a categoria de freguesia.

Por último, a legendar todo o brasão encontra-se o listel que ostenta o nome da freguesia, assim

como a referência ao concelho a que pertence.

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194

1 cabide e dois tapetes 47.525$00

Total: 168.525$00

1988 Emblema bordado a ouro em linho para o Pálio 25.000$00

Transporte das opas para a procissão de Arouca para Aveiro 185$00

Total: 25.185$00

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195

Anexo XVI – Documento de doação da Estátua de Santa Joana183

Doação da Estátua de Santa Joana

No dia dez de Dezembro de mil novecentos e oitenta e nove, durante o período da celebração

festiva do quinto centenário da morte de Santa Joana Princesa, no Largo fronteiro à Catedral e ao

secular edifício que foi o Mosteiro de Jesus onde viveu a Princesa e onde se encontra o seu Túmulo, a

DIOCESE DE AVEIRO, representada pelo Bispo de Aveiro, D. António Baltasar Marcelino, e a

IRMANDADE DE SANTA JOANA PRINCESA, representada pela sua Comissão Administrativa, por este

instrumento doam à Câmara Municipal de Aveiro, representada pelo seu Vereador em Exercício

Permanente Sr. Prof. Celso Augusto Baptista dos Santos, a estátua em bronze de Santa Joana, Princesa

de Portugal e Padroeira de Aveiro, para ficar exposta numa praça pública da cidade de Aveiro, que é a

sede da Diocese.

A Câmara Municipal de Aveiro manifesta a sua gratidão às entidades religiosas doadoras e

aceita esta generosa doação para a cidade de Aveiro; além disso compromete-se a conservar a referida

estátua num ambiente condigno, na Praça do Milenário, junto ao Museu de Aveiro, por este ser o local

histórico onde a Princesa viveu e morreu. Se em qualquer tempo se puser a hipótese da mudança do

local, isto apenas se poderá fazer mediante acordo com o Bispo de Aveiro; de contrário, a estátua

reverterá à posse da Diocese de Aveiro.

As partes contraentes esperam que, a exemplo de Santa Joana, a sua estátua incentive os

Aveirenses a amar e a interessar-se pela sua Terra, segundo os valores verdadeiramente humanos e

cristãos.

Pela DIOCESE DE AVEIRO: António Baltasar Marcelino [assinatura]

Pela IRMANDADE DE SANTA JOANA PRINCESA: Manuel Bóia [assinatura]

Pela CÂMARA MUNICIPAL DE AVEIRO: Celso Santos [assinatura]

183

Arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa

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196

Anexo XVII – Programa comemorativo dos 500 anos do nascimento de D.ª Joana

184

Programa cultural

1 de Maio, às 21h30, no Salão Cultural da Câmara Municipal de Aveiro

- A Ordem Dominicana no Século XV, por Frei Rui Carlos Antunes e Almeida Lopes, O.P.

2 de Maio, às 21h30, no Salão Cultural da Câmara Municipal de Aveiro

- Aveiro Medieval, pela Dr.ª D. Maria João Violante Branco Marques da Silva, Bolseira do Instituto

Nacional de Investigação Científica.

3 de Maio, às 21h30, no Salão Cultural da Câmara Municipal de Aveiro

- A decisão da Princesa, por Monsenhor João Gonçalves Gaspar

- O humanista Cataldo Sículo e a Infanta D. Joana, pelo Professor Doutor Américo da Costa Ramalho,

Catedrático da Universidade de Coimbra

Programa religioso

Tríduo preparatório

9 e 10 de Maio, às 21h30, na Igreja de Jesus.

11 de de Maio, às 21h30, na Catedral de Aveiro.

– Sob a presidência do senhor Bispo de Aveiro .

Dia comemorativo da Morte de Santa Joana:

12 de Maio – Feriado Municipal

11.00 horas, na Catedral:

– Eucaristia, presidida pelo Senhor Bispo de Aveiro, D. António Marcelino, e concelebrada por

outros senhores Bispos185

e Sacerdotes

– No final, junto do Túmulo, oração e evocação a Santa Joana.

14.30 horas, no Bairro de Santiago (Aveiro)

– Bênção e lançamento da 1ª pedra para o novo edifício do Lar Universitário de Santa Joana,

das Irmãs Dominicanas.

184

Panfleto amplamente distribuído (Arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa). 185

Concelebraram o Núncio Apostólico em Portugal D. Luciano Angeloni, D. Eurico Dias Nogueira,

Arcebispo de Braga, D. Manuel de Almeida Trindade, Bispo emérito de Aveiro, D. António dos Santos,

Bispo da Guarda, D. João Alves, Bispo de Coimbra, D. Júlio Tavares Rebimbas, arcebispo-Bispo do

Porto, D. José dos Santos Garcia, Bispo emérito de Porto Amélia e D. Jorge Ortiga, Bispo auxiliar de

Braga.

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197

16.00 horas, saindo da Catedral e da Igreja de Jesus:

– Procissão, presidida pelo Senhor Bispo de Aveiro, com a participação de Sacerdotes e de

Diáconos, da Ordem Terceira de S. Francisco, das Irmandades do Santíssimo Sacramento da Glória e da

Vera-Cruz, da Irmandade da Misericórdia, da Irmandade de Santa Joana, de Delegações das Paróquias

da Diocese, da Região de Aveiro do Corpo Nacional de Escutas, das Irmãs Dominicanas, dos Bombeiros

Voluntários de Aveiro, das Colectividades locais, das Autoridades Civis, Judiciais, Académicas e

Militares e de Bandas de Música.

Ao fim da tarde, nas Paróquias:

– Celebração da Padroeira da Diocese, nas liturgias dominicais.

20 de Maio – Peregrinação das Fraternidades leigas ao Túmulo da Princesa Santa Joana

– 12.00 horas, na Catedral: Eucaristia

– 14.00 horas, junto ao Túmulo, evocação e oração

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198

Anexo XVIII – Data de 12 de maio de 2015 o documento da Diocese de Aveiro186

em que se

elenca um vasto conjunto de objetos/relíquias da Infanta D.ª Joana da qual é possuidora. Assim se

inscreve na declaração:

Declaro que a “Diocese de Aveiro” é proprietária de várias relíquias que se referem à Princesa

Santa Joana e que à frente são enumeradas; tais relíquias foram conservadas e guardadas, ao longo dos

séculos, primeiro pela Comunidade das Monjas da Ordem de S. Domingos, residente no Mosteiro de

Jesus de Aveiro desde 1491 – o que sempre assim se tem afirmado até hoje.

Declaro que são estas as mencionadas relíquias:

- alguns fragmentos de ossos das fundadoras do Mosteiro de Jesus, cujos cadáveres foram sepultados na

sala do capítulo;

- alguns fragmentos das luvas de Santa Joana;

- travesseira ou almofada, feita com tecido do séc. XV, na qual Santa Joana, já moribunda e

imediatamente antes de falecer, reclinou a cabeça (12 de Maio de 1490);

- toalha com que foram limpas as gotas de suor e de sangue de Santa Joana, na altura da sua morte187

;

- pequeníssimos fragmentos do hábito e dos ossos de Santa Joana;

- toalha com que o bispo de Coimbra embrulhou os restos mortais de Santa Joana em 1640, no decorrer

do primeiro processo para a beatificação, ficando em uso até 1711;

- toalha que limpou os ossos de Santa Joana, antes de serem depositados no Túmulo em 1711;

- fragmento do pano que limpou o suor do rosto da imagem de Santa Joana em 24 de Março de 1784 –

prodígio que foi testemunhado por diversas pessoas;

- toalha com que os frades dominicanos limparam o suor da imagem de Santa Joana, quando as tropas

“Constitucionais” entraram no Porto (Julho de 1832) – prodígio que também foi atestado por muitas

pessoas;

- e a chave da urna que contém os restos mortais de Santa Joana, no interior do Túmulo marmóreo

(princípios do séc. XVIII); esta chave foi oferecida, em Julho de 1909, pela Madre Maria Inês

Champalimaud Duff, superiora da Comunidade Dominicana e do Colégio de Santa Joana a D. João

Evangelista de Lima Vidal, quando este aveirense foi ordenado Bispo (1909).

Declaro que, após a extinção do dito Mosteiro em 4 de Setembro de 1882, por força das leis

estatais decretadas pelo Governo Liberal de então, as referidas relíquias continuaram a ser

cuidadosamente guardadas pelas religiosas da Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina

de Sena, que habitaram no referido edifício, onde dirigiram o “Colégio de Santa Joana” até à sua

extinção em Outubro de 1910 pelo Governo da República Portuguesa, então proclamada. As religiosas

186

Arquivado na Cúria Diocesana de Aveiro 187

Destes fragmentos foram realizados dois relicários, sendo um deles oferecido à paróquia de Salselas,

na Diocese de Bragança-Miranda, em 11 de Setembro de 2016, e que se conserva na Capela dedicada a

Santa Joana naquele lugar.

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199

foram expulsas do velho Mosteiro de Jesus, que foi destinado a Museu, aí se conservando tudo o que nele

se encontrava;

Declaro que, ao abandonarem forçadamente o Mosteiro de Jesus, as irmãs dominicanas

conseguiram levar consigo alguns objetos, que continuaram a guardar cuidadosamente. Contudo, com

receio de que, no futuro, houvesse qualquer extravio, em 11 de Fevereiro de 2009 a Irmã Rita Maria

Nicolau, Madre Geral das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena, por intermédio de Mons. João

Gonçalves Gaspar confiou à guarda da “Diocese de Aveiro” as ditas relíquias, referentes à memória da

Princesa Santa Joana, excetuando a chave, já guardada na casa episcopal desde 1938.

O documento é assinado pelo Bispo de Aveiro, D. António Moiteiro Ramos.

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200

Anexo XIX – Tábua informativa das Festividades entre 1890 e 2005

Ano Celebrações religiosas Presidência Observações Fonte

1890 D. Manuel Correia de Bastos Pina

– missa e procissão

400 anos da morte de

Santa Joana

Cartaz da Irmandade

1902 Missa com panegírico: Cón.

João Evangelista de Lima Vidal.

Procissão

D. Manuel Correia de Bastos Pina

– missa e procissão

Grave desacato na

procissão

Campeão das

Províncias

1903 Missa com sermão do pe. José

Maria de Carvalho Franco

Campeão das

Províncias

1904

1905 Missa e sermão pelo Pe. Dr.

Motta Macedo; procissão

Prior da Vera-Cruz e arcipreste de

Aveiro

Especiais lusimentos

das ruas da cidade

Campeão das

Províncias

1917 Missa e procissão Retoma das

festividades após

vários anos sem

realização

Campeão das

Províncias

1931 Missa na igreja de Jesus com

sermão do mons. Mendes do

Carmo; procissão

Correio do Vouga

1932 Missa na igreja de Jesus com

sermão do Pe. Dr. José Pedro

Ferreira; procissão

Correio do Vouga

1933 Missa na igreja de Jesus com

sermão do Pe. Luiz Castelo

Branco; beijar das relíquias

Correio do Vouga

1934

1935 Missa na igreja de Jesus com

sermão do Pe. Marcelino da

Conceição e exposição do

Santíssimo

Correio do Vouga

1936 Missa solene e procissão, no

Domingo seguinte

Correio do Vouga

1937 Missas com sermão do Pe. Cruz

Gomes

Correio do Vouga

1938 Missa solene e sermão;

exposição do Santíssimo e

ladainha: no Domingo seguinte

Correio do Vouga

1939 Procissão; terço, prática e

bênção do Santíssimo

D. João Evangelista – missa e

procissão

Conferências Correio do Vouga

1940 Missa na Avenida das Tílias;

missa segundo rito joanino na

Igreja de Jesus e procissão

D. Manuel Gonçalves Cerejeira –

procissão

Correio do Vouga

1941 Novena; Missa com pregação

do Pe. Manuel dos Santos

Rocha

D. João Evangelista – missa Correio do Vouga

1942 Preparação a partir de dia 7;

festa de 12 a 24; pontifical

D. João Evangelista – missa Apelida-se Santa

Joana Padroeira da

Cidade e Diocese;

Bênção da primeira

pedra do Seminário;

Por se tratar dos 25

anos das Aparições

Correio do Vouga

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201

de Fátima, realizou-

se, a 12 de Maio, uma

procissão de velas.

1943 Novena; missa e beijar das

relíquias; pregação Fr. Gil

Alferes

D. João Evangelista – missa Correio do Vouga

1944 Novena; missa e procissão D. João Evangelista – missa e

procissão

Correio do Vouga

1945 Novena; missa a dia 12 e

procissão no Domingo seguinte

D. João Evangelista – missa e

procissão (Santo lenho – Vig.-

geral)

Correio do Vouga

1946 Novena; missa com pregação de

Fr. Gil Alferes e procissão

D. João Evangelista – missa e

procissão

Correio do Vouga

1947 D. João Evangelista – missa e

procissão

Correio do Vouga

1948 D. João Evangelista – missa e

procissão

Correio do Vouga

1949 D. João Evangelista – missa e

procissão

Correio do Vouga

1950 D. João Evangelista – missa e

procissão

Correio do Vouga

1951 Missa com pregação do Pe.

Manoel Caetano Fidalgo

D. João Evangelista – missa e Instituição do feriado

municipal a 12 de

Maio

Correio do Vouga

1952 D. João Evangelista – missa e

procissão solene

500 anos do

nascimento de Santa

Joana

Programa da

Irmandade

1953 Missa com sermão do Pe.

António Martins Belém;

exposição e bênção do

Santíssimo; beijar das relíquias

D. João Evangelista – missa Correio do Vouga

1954 Pontifical na sé com pregação

do Pe. Dr. António Freire

Correio do Vouga

1955 Missa com sermão do Pe. Júlio

Vaz; exposição do Santíssimo;

Missa a dia 12 pelo pe. Manuel

Caetano Fidalgo; beijar das

relíquias

D. João Evangelista – missa Correio do Vouga

1956 Missa com sermão do Pe. Dr.

Urbano Duarte, cónego de

Coimbra; assistiu sr. arcebispo

D. Domingos da Apresentação

Fernandes – procissão

Correio do Vouga

1957 Não houve celebrações.

Romagem particular ao Túmulo

Obras na Igreja de

Jesus

Correio do Vouga

1958 Missa solene com sermão do Pe.

José Bacelar de Oliveira;

devoção, prática, bênção do

Santíssimo e beijar das relíquias

D. Domingos da Apresentação

Fernandes – missa

Correio do Vouga

1959 Procissão nocturna na véspera;

canto de tércia, pontifical com

sermão do bispo auxiliar de

Braga, D. Francisco Maria da

Silva e procissão com “Pajens”

D. Domingos da Apresentação

Fernandes – missa e procissão

Festas do Milenário;

presença dos

arcebispos de Círico,

de Mitilene, bispos de

Viseu, do Algarve,

auxiliares do Porto e

de Braga

Correio do Vouga

Page 202: O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro memórias e ...Anexo IV – Convocatória da Irmandade para as comemorações do IV Centenário do falecimento de Santa Joana-----177-178 Anexo

202

1960 Missa presidida por mons. Júlio

Tavares Rebimbas e sermão

pelo Pe. Dr. António Castro

Mendes; procissão

D. Domingos da Apresentação

Fernandes – missa e procissão

Correio do Vouga

1961 D. Domingos da Apresentação

Fernandes – missa e procissão

Correio do Vouga

1962 D. Domingos da Apresentação

Fernandes – missa solene e

procissão

Correio do Vouga

1963 Missa solene; procissão D. Domingos da Apresentação

Fernandes – missa e procissão

Decisão da

Irmandade em

organizar a procissão

todos os anos

Correio do Vouga

1964 Missa rezada; Canto de Tércia;

Pontifical e procissão – D.

Manuel de Almeida Trindade.

Te Deum de acção de graças

Alocução no Pontifical de Pe.

Dr. Maurício Gomes dos

Santos; procissão

D. Manuel de Almeida Trindade

Presença dos bispos

de Coimbra, Viseu e

Porto

Correio do Vouga

1965 Canto de Tércia; pontifical com

sermão do pe. Eugénio Martins,

de Coimbra, e procissão

D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Intervenção na

Assembleia Nacional

do deputado Belchior

da Costa, por Aveiro,

a propósito do feriado

municipal

Programa da

Irmandade

1966 Missa rezada; canto de tércia

(Igreja de Jesus); pontifical na

sé com a locução de mons.

Aníbal Ramos e procissão

D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1967 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1968 Canto de Tércia; pontifical,

procissão e beijar das relíquias

D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1969 Pontifical na sé, alocução do Pe.

António Augusto da Silva

Diogo, arcipreste de Albergaria-

a-Velha

D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1970 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1971 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1972 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa na Igreja de Jesus. Homilia

de mons. Raul Mira e procissão

500 anos da chegada

de Santa Joana a

Aveiro

Correio do Vouga

1973 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1974 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1975 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1976 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1977 D. Manuel de Almeida Trindade – I centenário da Correio do Vouga

Page 203: O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro memórias e ...Anexo IV – Convocatória da Irmandade para as comemorações do IV Centenário do falecimento de Santa Joana-----177-178 Anexo

203

missa na Igreja de Jesus e

procissão

Irmandade de Santa

Joana Princesa;

Utilização das armas

estilizadas

1978 D. António dos Santos – missa e

procissão nocturna

Correio do Vouga

1979 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa na Igreja de Jesus e

procissão

Correio do Vouga

1980 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1981 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1982 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1983 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1984 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa e procissão

Correio do Vouga

1985 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa na Sé e procissão

Correio do Vouga

1986 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa na Sé e procissão

Correio do Vouga

1987 D. Manuel de Almeida Trindade –

missa na Sé e procissão

Correio do Vouga

1988 D. António Marcelino – missa na

Sé e procissão

Correio do Vouga

1989 D. António Marcelino – missa na

Sé e procissão

Correio do Vouga

1990 D. António Marcelino – tríduo,

missa e procissão

500 anos da morte de

Santa Joana

Programa da

Irmandade

1991 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa

Mons. João Gaspar - procissão

Correio do Vouga

1992 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

Correio do Vouga

1993 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

300 anos da

beatificação de Santa

Joana

Correio do Vouga

1994 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

Correio do Vouga

1995 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

Correio do Vouga

1996 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

Correio do Vouga

1997 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

Correio do Vouga

1998 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

Correio do Vouga

Page 204: O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro memórias e ...Anexo IV – Convocatória da Irmandade para as comemorações do IV Centenário do falecimento de Santa Joana-----177-178 Anexo

204

procissão

1999 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

Correio do Vouga

2000 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa:

Mons. João Gonçalves Gaspar –

procissão

Correio do Vouga

2001 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa

Correio do Vouga

2002 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

Correio do Vouga

2003 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

Correio do Vouga

2004 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

Correio do Vouga

2005 Pe. João Gonçalves – tríduo

D. António Marcelino – missa e

procissão

Correio do Vouga

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205

Anexo XX – Os artigos dos Estatutos de 1877

O capítulo I destina-se à organização e fins da Irmandade, sendo que a mesma se designaria Real

– para cujo fim se pediria, das estações competentes o diploma (artigo 2.º § único), e estaria ereta na Real

Igreja de Jesus (artigo 2.º). Refira-se que a procissão fora já considerada de real188

, por provisão régia. O

terceiro e último artigo deste capítulo atentam para o fim cultual, devido ao qual a Irmandade se

constituía.

O capítulo II aborda o tema dos Irmãos e obrigações da Irmandade. Nos artigos 4.º a 14.º

estabelece-se que podem integrar a instituição pessoas de ambos os sexos (menores com consentimento

dos pais ou tutores e mulheres com autorização dos maridos), pelos seus bons costumes e religiosidade,

tendo sido propostos em Meza por alguns dos seus vogaes, forem aprovados, assim determinava o

primeiro artigo deste grupo. Identificam-se as condições de admissão e os valores da incorporação e

manutenção dos Irmãos (art.º 4 §3.º a 8.º), bem assim a obrigatoriedade em servir a instituição, se fossem

eleitos para cargos (art.º 9) e as condições para o seu exercício: saber ler e escrever, não ser devedor ou

fiador à Irmandade, ser de maior de idade e não ter feito parte da Mesa dissolvida antecedente (art.º 10).

Estabeleceu-se depois qual a insígnia da Irmandade, logo que for legalmente erecta e tiver obtido a regia

approvação de Real, uma opa branca com cabeção preto, e n’ este lado esquerdo as armas da Princeza

Sancta Joanna, abertas a retroz de côres e fio de ouro (art.º 15). Refira-se que o bordado confecionado

nestas obras não está de acordo com as regras da heráldica nem com a própria realidade dos símbolos

utilizados em vida pela Infanta189

. Historicamente sabe-se que a Infanta D.ª Joana confirmava os seus

188

Chancelaria de D. João VI, Livro XI, fls. 9-v.; Maurício dos Santos, ob. cit., I/3, pg. 356 e II/3, pg.

608. 189

Sobre este assunto se debruçou LOPES, Carlos da Silva – Em volta da heráldica atribuída à Infanta

Santa Joana in Catálogo da mostra filatélica do V centenário da morte de Santa Joana Princesa Padroeira

de Aveiro, Aveiro, 1990. Também nós, num razoado que constituiu trabalho apresentado à disciplina de

Genealogia e Heráldica (2014-2015), nos debruçámos sobre a heráldica de Santa Joana. Com o tema

Heráldica dos Bispos e da Diocese de Aveiro, tivemos ocasião de concluir primeiramente que em teoria,

tendo morrido em criança o Príncipe D. João e nascendo em 6 de Fevereiro de 1452 a princesa D.ª Joana,

foi esta jurada herdeira do trono de Portugal. Pela lei sálica, assim se manteve, até ao nascimento do seu

irmão. A herdeira tinha, por isso, como brasão o costumado escudo de Portugal com o respetivo lambel.

Em 1471, durante uma expedição a África de D. Afonso V e do Príncipe D. João, ficou a Infanta regente

do Reino (fora-o ipso facto, embora não seja tal regência considerada unívoca entre os historiadores), pelo

que o seu brasão se afigurou com escudo à francesa, em que as armas do Reino assentam sobre a Cruz de

Avis e na bordadura, aos cantos, quatro castelos de ouro. Tem o escudo ainda uma coroa. Não consta,

porém, documento algum com tal composição. Segundo Carlos da Silva Lopes, Uma vez que teve casa

constituída, é natural que usasse, quanto mais não fosse, bordadas em qualquer pano, as armas reais

anteriores à reforma de D. João II. Cremos que a heráldica de Santa Joana terá começado a materializar-

se após a beatificação da Infanta, em 6 de Abril de 1693, quando executaram a primeira imagem

conhecida exposta ao culto e destinada à Igreja de Jesus do mesmo Mosteiro. Em tal apresentação iniciou-

se a representação do desprezo de D.ª Joana pelos três casamentos que a tradição lhe aponta ter recusado,

tendo depostas aos pés duas coroas reais e uma imperial, em contraste com o seu enlevo perante um

crucifixo, ícone místico da Paixão da Cristo – da qual a bem-aventurada era especial devota –, que terá

sido, segundo o Memorial que narra a sua vida, a última imagem que levou deste mundo. O executor da

Page 206: O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro memórias e ...Anexo IV – Convocatória da Irmandade para as comemorações do IV Centenário do falecimento de Santa Joana-----177-178 Anexo

206

documentos não com selo pessoal mas com o de sua mãe, a rainha D.ª Isabel190

. Não se conhece

documento algum em que surja o que hoje se considera o brasão da primeira filha de D. Afonso V.

Durante os dezoito anos da sua permanência como recolhida do Mosteiro do Santo Nome de Jesus de

Aveiro, das monjas dominicanas, a sua roupa era marcada com uma coroa de espinhos. Escreveu Frei

Luís de Sousa, Sempre foi costume dos Principes (…) declararem ao mundo seus pensamentos por meio

de divisas, que cada um toma (…). A Princesa não se quiz desobrigar d’ este uso comum; mas no

costume do mundo buscou empresa do Ceo, que foi uma coroa de espinhos.191

Os artigos 16.º a 19.º

determinaram as funções da Irmandade: encargos com a festa de Santa Joana (art.º 16),

o sufrágio obrigatório dos Irmãos falecidos (art.º 17 e 18) e também o subsídio de uma

escola de ensino primário do sexo feminino, tendo preferência as filhas dos Irmãos.

Esta determinação do artigo 19.º não encontrou orientação na estrutura do Código em

referência, crendo nós que se deveu à existência do Colégio de Santa Joana, instituição

com a qual a Irmandade partilhava o espaço do Mosteiro de Jesus.

O capítulo III refere-se à mesa e suas atribuições. Entre os artigos 20.º a 30.º se

determinou a existência de uma Mesa, eleita por um ano pela Assembleia geral dos

Irmãos (art.º 20 e 22) e seria composta por um Presidente, Tesoureiro, seis Vogais e um Secretário. O

escultura para veneração fez incrustar na sua base, perante uma corte de cabeças de anjos, o habitual

escudo em lisonja das princesas, tendo na partição sinistra as armas de Portugal e na da dextra, dado o

estado civil de solteira, propositadamente nada ali se esculpiu. Sobrepujando o escudo os habituais

coronéis.

Com a instituição do Colégio de Santa Joana, após a morte da última religiosa em 2 de Março de

1874, as armas da Princesa – incorretamente representadas com as partições em posições opostas –

apresentam em objetos diversos do estabelecimento a coroa de espinhos no lugar heraldicamente

destinado aos maridos, conforme designou o Conselho da nobreza. Talvez por influência da época, a

coroa real representada é muito posterior à época de Santa Joana, constituída por um aro, ornamentado

por pedras preciosas e rematado por oito florões de folha de carvalho, tendo no centro uma pérola, dos

quais florões cinco são visíveis, nascendo de cada um deles um arco de dupla curvatura, ornado de

pérolas, os arcos reunidos num mundo cruzetado (uma esfera rematada por uma cruz latina), tudo de ouro,

abrigando a coroa no seu interior, a partir de D. João V, um barrete adamascado vermelho ou púrpura.

Aquando da confeção das alfaias da Irmandade de Santa Joana Princesa, em 1877, o pálio, o

estandarte processional e no cabeção das opas dos Irmãos foram bordados com o escudo da Infanta,

também com a incorreção das partições invertidas, e coroa aberta de cinco florões iguais, pedrarias na sua

base, tendo a toda a volta do escudo em lisonja ramagens e bordaduras diversas. Iguais composições

foram cravadas sobre a prata de lavandas, turíbulos, navetas e galhetas para a Festa anual, a 12 de Maio.

Na imagem concebida em 1987 para a Sé, muito inspirada na primeira conceção em madeira da

bem-aventurada Joana de Portugal, a heráldica foi já respeitada e a habitual coroa de espinhos que

incorporava uma das partições foi transferida para a própria mão da infanta, que a sustém sobre o seu

peito. Por essa altura, durante a Comissão administrativa da Irmandade, Manuel Bóia, futuro provedor,

conceberia, em termos estilizados as armas de Santa Joana. Em 2015, na comemoração dos 50 anos da

Declaração da Infanta como Padroeira da Cidade e da Diocese de Aveiro, a comissão de gestão reviu a

conceção das armas, substituindo os castelos e os bisontes pela representação aprovada legalmente de tais

símbolos. 190

Idem n.º 1. P. 259. 191

SOUSA, Frei Luís de – História de São Domingos, P. 1024

Page 207: O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro memórias e ...Anexo IV – Convocatória da Irmandade para as comemorações do IV Centenário do falecimento de Santa Joana-----177-178 Anexo

207

Presidente e o Secretário exerceriam cumulativamente as suas funções na Assembleia geral (art.º 25). É

curioso, no caso do Tesoureiro que os Estatutos tracem o perfil do Irmão que ocuparia tal função (art.º

24.º): que seja proprietário ou dê as necessarias garantias de poder desempenhar cabalmente este

encargo. Na verdade, ainda no livro das atas dos anos 20 do século passado se encontram, à cabeça da

lista de subscrições para pagamento das despesas com a festa de Santa Joana, precisamente os Irmãos que

ocupavam funções diretivas. Naturalmente que competia à Mesa cumprir e fazer cumprir as disposições

dos Estatutos, bem assim à proposta de sanção para quem os não cumprisse (art.º 28), admitir Irmãos,

prover no necessário à realização das festividades da Princesa, em conformidade com a provisão real de

1807, e apresentar orçamento para o ano de gestão, bem como prover à boa administração e regime

económico em geral da Irmandade (art.º 29 e 30). No que se refere aos cargos a desempenhar (art.º 31 a

39), competia ao Presidente (art.º31) convocar a reunião geral de Irmãos, regular os seus trabalhos e

tomar em responsabilidade os negócios da Irmandade, a quem cabia a sua representação. A sua assinatura

deveria constar dos livros da instituição. Ao Secretário (art.º 32) se destinava o trabalho de expediente e

escrituração da Irmandade, confeção do relatório anual de contas, inscrição dos Irmãos no livro próprio e

articulação com o Tesoureiro no que se refere ao registo da liquidação das respetivas joias e quotas, bem

como à inventariação dos paramentos, alfaias e joias e demais objetos do culto, e moveis adquiridos pela

Irmandade. Os livros eram os de caixa (com registo da despesa e receita), assentamento alfabético dos

Irmãos, inventário, para atas das sessões da Mesa e outro para as reuniões gerais de Irmãos, assim

descreve o art.º 38. Ao Tesoureiro competia (art.º 33) a guarda e cuidado de tudo quanto consta de

inventário, receber os rendimentos da Irmandade, prover ao pagamento de todas as suas despesas, sendo

que fica proibido de emprestar qualquer objeto ou contrair negócio com propriedade da Irmandade sem

consentimento da Mesa. Os artigos 35.º a 37.º tratam da convocação, funcionamento e prerrogativas da

Mesa. O andador ou sacristão (art.º 39.º § único) tinha por função a limpeza e asseio do espaço de culto e

seus acessórios, correr a campainha pelas ruas principaes da Cidade para a reunião ordinaria ou

extraordinária da Meza e Assembleia de Irmãos. As suas funções eram remuneradas e cabia à Mesa

destinar o Irmão que as desempenharia. Refira-se que esta figura estatutária desapareceu nos posteriores

Estatutos da Irmandade.

O capítulo IV debruça-se sobre penas e multas a aplicar (art.º 40 e 41), particularmente as

determinações para a exclusão da Irmandade (quem a prejudicasse e/ou não pagasse as respetivas

contribuições), bem como as penalidades para quem não aceitasse os cargos para os quais fora eleito, e

ainda o valor de multa a aplicar ao Tesoureiro no caso de empréstimo ou venda sem consentimento de

bem da Irmandade.

O capítulo V destina-se às disposições gerais, sendo que no art.º 42.º se inscrevem as receitas da

Irmandade: importâncias provenientes de joias e prestações anuais dos Irmãos, esmolas e atos de

beneficência recebidos e também importâncias por aplicação de multas e as recebidas pelo Tesoureiro.

Ainda se estabeleceu, no art.º 44, logo que a receita o permitisse, a existência de um capelão para o

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208

serviço litúrgico da Irmandade. Os art.º 45 e 46 submetem os Irmãos aos presentes Estatutos e estes às

leis a ele aplicáveis do foro civil e canónico.

Finalmente, as disposições transitórias, que compõem o capítulo VI, onde se determina, no art.º

48.º que a conservação do Túmulo e a guarda das alfaias do culto, paramentos e joias continuariam a

cargo das senhoras recolhidas no antigo Convento – as quais deveriam prestar-se a mostrá-las aos Irmãos

ou visitantes (art.º 50) –, devendo contudo delas ter inventário a Irmandade e delas se ocupar o

Tesoureiro. A estas senhoras se reservava igualmente a faculdade de utilização da Igreja de Jesus para

culto sagrado (art.º 49), os quais deveriam ser prestados pelo capelão da Irmandade (art.º 51.º)

No que se refere ao reconhecimento da Irmandade, entenderam os Irmãos signatários que

primeiro se fizesse a conformidade legal das assinaturas por tabelião. Depois da identificação pública e

usando de faculdade do artigo 2.º do Decreto de 28 de Outubro de 1868, e após audição do conselho

distrital, o secretário-geral do Governo Civil de Aveiro aprovou os Estatutos apresentados. Refere o

respetivo despacho que os artigos estão assignados por mais do dobro dos Irmãos necessários para

constituir a Meza gerente. Entre a data em que o regulativo é dado e o seu reconhecimento civil

mediaram 22 dias. Só depois de tal ato civil, a Irmandade se dirigiu à autoridade eclesiástica, por meio do

Vigário-geral da Diocese de Aveiro, com território sufragâneo à mitra de Coimbra. Do respectivo paço

episcopal, o promotor – que averigua a conformidade canónica e nada encontra contrário á moral e bons

costumes, pelo que propõe, a 5 de Abril, ao prelado a sua aprovação. Assim sucede, atendendo a que elles

não contêm disposições contrarias ao direito canónico e á doutrina da Egreja. Pelo que D. Manuel

Baptista da Cunha, Bispo de Coimbra, rubricou a 7 de Abril os Estatutos da Real Irmandade de Santa

Joana Princesa192

. Foi este primeiro normativo da instituição duas vezes ao prelo: pela Imprensa da

Universidade de Coimbra e pela Tipografia Aveirense.

Ora, o que estabelecia o Código das Confrarias era a imediata submissão de Estatutos ao Bispo,

sob a forma de um formulário que resume a essência do normativo: quem assina e onde morava, a sede da

instituição que carecia da aprovação de tais artigos, respetivos deveres, insígnias e solicitando autorização

para se pedir esmola em determinado lugar. Entenderam os proto-Irmãos de Santa Joana dirigirem-se

primeiramente à autoridade civil e só depois à eclesiástica. Cremos que existem aqui razões de ordem

institucional e também religiosa. Quanto às primeiras, parece-nos que se tratando não só da aprovação

estatutária mas igualmente da fundação de uma Irmandade – para todos os efeitos uma associação

pública, no caso de fiéis –, que a salvaguarda da sua aprovação por parte da autoridade civil distrital

conferia mais legitimidade à respetiva instituição. Do ponto de vista religioso, não esqueçamos que a

Diocese de Aveiro era já apenas uma memória, sem Bispo reconhecido pela Santa Sé, tendo apenas

Vigário-geral designado pelo prelado de Coimbra193

. Apenas três anos volvidos e a bula de Leão XIII

Gravissimum Christi Ecclesiam regendi et gubernandi munus, de 30 de Setembro extinguiu a

192

No arquivo da Irmandade de Santa Joana Princesa encontra-se uma carta deste prelado, agradecendo e

aceitando, embora e só apenas a título honorífico, a função de Presidente honorário da Mesa. 193

Idem n.º 12. Pp. 245-259.

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209

circunscrição diocesana de Aveiro. Por isso, é de crer que a recém-instituída Irmandade tivesse garantida

civilmente, e em território local, toda a legalidade do seu articulado, e só depois a submeter à autoridade

eclesiástica.

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Anexo XXI – Os artigos dos Estatutos de 1925

No que concerne à Irmandade e os seus fins, os segundos Estatutos só referem de que consta a

sua insígnia, a opa branca e de capuz negro, com as armas da Princesa194

, no artigo 11.º. Em harmonia

com o artigo 38.º do Decreto de 20 de Abril de 1991, estabeleceu-se a aplicação no culto de uma quantia

que não excedesse a um terço dos seus rendimentos totais e dois terços do que tem gasto em média nos

últimos cinco anos. O art.º 2.º não estabeleceu qualquer parcela das verbas destinadas ao culto,

considerando que O fim da instituição da Irmandade é promover a assistência e beneficência entre os

seus Irmãos, o culto religioso de Santa Joana, e praticar todos os actos de piedade e beneficencia

compativeis com os seus rendimentos.

Mais adiante, no artigo 14.º determinou-se que Deverá também subsidiar uma escola de ensino

primário do sexo feminino, sempre que a sua receita o permita. É o modelo omisso quanto a este gesto

filantrópico, mas cremos que estava presente ainda no espírito dos Irmãos redatores o antigo Colégio de

Santa Joana.

Quanto aos dispositivos para Irmãos e obrigações na Irmandade – que o modelo optou por

Irmãos e sua admissão –, podiam integrar a instituição indivíduos de ambos os sexos, requerendo a sua

aprovação pela Mesa, sendo que o modelo, quanto aos menores e às mulheres reserva a sua admissão ao

consentimento dos seus pais e tutores (o modelo adotou o termo superiores), quanto a menores, e aos

maridos, tratando-se de mulheres casadas.

Preceituam os artigos 5.º a 7.º as normas para a sua eleição a servir a Mesa da Irmandade, sendo

estes do mesmo teor do modelo legal. O artigo seguinte é inovador, já que nesta matéria é omissa a

diretiva legal: inscrevem-se quatro condições para servir a Mesa da Irmandade. Assim, do artigo 8.º

determinam-se:

Para o Irmão ser elegível é necessário:

1.º Saber ler e escrever;

2.º Não ser devedor ou fiador à Irmandade;

3.º Ser maior de idade;

4.º Não ter feito parte da Mesa dissolvida pela respetiva autoridade na gerência anterior.

Os artigos 9.º e 10.º estabelecem o valor da joia e da anuidade, bem assim as penas para os

incumprimentos nas respetivas liquidações.

Os dois artigos seguintes fazem menção à realização da festa de Santa Joana (com procissão, se

dia santificado, ou no Domingo seguinte, precedida de novena e tríduo, quando possível), e também ao

sufrágio dos Irmãos falecidos, precisamente nos termos do modelo (cinco missas por alma e ofícios

fúnebres por Irmãos e benfeitores uma vez em cada ano). Era omisso o articulado quanto ao

acompanhamento do féretro do Irmão ao cemitério e sepultura, que o Modelo preceituava, crendo nós que

tal facto de deve à Irmandade de Santa Joana não ter por hábito esse costume.

194

Vd. o já referido sobre a heráldica da Infanta, n.º 21.

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211

Os artigos 15.º a 29.º e ainda um artigo único preceituavam o que à Mesa e à Assembleia geral

dizia respeito. Na generalidade, o articulado dos Estatutos era mais brando quanto às suas obrigações e

rigor na aplicação de infrações. Cremos que tal se deve à pluralidade de Irmandades na Cidade de Aveiro.

Diverge, porém, esta instituição na composição da Mesa, relativamente ao que determinava o modelo.

Assim, este constituía a Assembleia-geral com presidência e quatro Irmãos por ele propostos, sendo um

deles secretário, outro escrutinador e dois suplentes. Os Estatutos referem apenas a incumbência do

Presidente da Mesa convocar a Assembleia de Irmãos e de a presidir. A respetiva Mesa da Irmandade era

constituída pelo Presidente, Tesoureiro, seis Vogais e um Secretário. O Modelo instituía um Juiz (e não

Presidente), serventes, procuradores e deputados. Nenhuma destas três atribuições se verifica, embora,

grosso modo, o que a estes é destinado no modelo se distribuiu pelo Presidente, Secretário e Tesoureiro.

Os artigos 29.º e 30 estabeleciam as multas e receitas da Irmandade, de acordo com a lei em

vigor, como refere unicamente o artigo 31.º: A Irmandade adopta para seu regulamento todas as

disposições da lei de 20 de Abril, relativas a Confrarias, e também as disposições da lei canónica, que

àquela não se oponham.

Nas demais disposições, os Estatutos de 1925 são muito parcos, resumindo ao essencial o que o

modelo determina: a Irmandade não poderia repudiar heranças ou legados, devendo aceitá-los a

benefício do inventário (art.º 32), A desamortização de bens imobiliários será feita nos termos das

respectivas leis e regulamentos em vigor (art.º 33), a instituição só poderia adquirir por título oneroso os

bens mobiliários que forem indispensáveis ao desempenho dos seus deveres (art.º 34) e as escrituras de

mútuo devem ser registadas no enquadramento das hipotecas dentro do prazo legal, sob

responsabilidade solidária da Mesa que servir na época em que se realizar a operação (art.º 35). Refere-

se finalmente que a gerência seria por anos económicos, aos quais seriam referidos todos os orçamentos

e contas da Irmandade (art.º único).

Termina o articulado estatutário com a determinação, segundo a qual só poderão as suas normas

modificadas pela Assembleia Geral dos Irmãos, seguindo-se a aprovação pela autoridade eclesiástica e

pelo Governador Civil do Distrito. É omisso o Modelo relativamente a esta disposição, como nada diz

nos Estatutos a data em que começaria a vigorar.

O Código de Direito Canónico (CDC) de 1917 como atentava D. António Marcelino195

, era

extremamente pobre ao referir-se aos leigos e às suas formas associativas. Pobre era também a teologia

Reinante, nos seus conteúdos, no seu âmbito e até na possibilidade de a ela se aceder. E concluía o Bispo

de Aveiro, Os leigos, assim se dizia, eram simplesmente os que não eram clérigos nem religiosos. As

formas associativas a que podiam aspirar e em que se poderiam filiar eram as Ordens Terceiras,

Confrarias e Pias Uniões.

195

As Associações na Igreja in Lusitania Canonica, Instituto Superior de Direito Canónico –

Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2005- Pp. 305-321.

Page 212: O culto a Santa Joana Princesa em Aveiro memórias e ...Anexo IV – Convocatória da Irmandade para as comemorações do IV Centenário do falecimento de Santa Joana-----177-178 Anexo

212

De facto, analisando o CDC de 1917196

apenas aos cânones (c. .) 700 a 725 se referem às

associações de fiéis em particular e, dentro destas, as Irmandades estão inclusas nos c. 707 a 710 e nos c.

714 a 719. Assim, o primeiro grupo atenta para as Irmandades como erectas para exercer alguma obra de

piedade ou de caridade, denominando-se ‘pias uniões’ e no §2 se nota, as quais, se estão constituídas

para o incremento do culto público, recebem o nome particular de confrarias”. O c. seguinte explicitava:

As confrarias só podem constituir-se por um decreto formal de erecção; enquanto as pias uniões basta a

aprovação do Ordinário, as quais tomariam o nome dos atributos divinos, mistérios da religião cristã ou

então das festas do Senhor, da Santíssima Virgem ou dos Santos (c. 710). O c. 709 determinava a

proibição de tomar parte nas funções sagradas sem insígnias da Irmandade, as quais, de acordo com o c.

714 deveriam ser aprovadas pelo Bispo – e para este remetendo superiormente a fiscalização das ações da

instituição (c. 715) –, sendo que o §2 estabelece que as mulheres só poderiam ser inscritas nestas

instituições para lucrar as indulgências e graças espirituais concedidas aos Irmãos. Se superiormente

competia ao Bispo a subordinação da Irmandade na generalidade, na sua ação regular as Irmandades

poderiam exercê-la independentemente do pároco, não obstante se determine que as suas funções não

prejudiquem o ministério paroquial (c. 716). Os últimos c. adstritos a estas instituições referem-se às

capelas ou oratórios próprios em que poderiam exercer o seu múnus (c. 717), a obrigação de ostentarem

as suas insígnias publicamente em procissões ou outros eventos determinados pelo Bispo (c. 718) e

finalmente a disposição para o caso de a Irmandade se transferir para outro local, dependente da não

proibição pelo Direito ou por Estatutos que a Santa Sé aprovasse (c. 719).

Mas não só. Como vimos, os Estatutos deveriam estar conformes ao CDC, assim também ao que

a Diocese de Coimbra determinava no âmbito das Irmandades. Se, a este respeito, a legislação diocesana

de 1921197

era omissa, já o mesmo não era com o volume composto aquando da realização do Sínodo

diocesano198

. De facto, delas se ocuparam os números 878 a 942 e plasmam sensivelmente o que o novo

CDC determinava a este respeito, com algumas considerações que certamente os sinodais entenderam

oportunas para a realidade diocesana e os pontos que no CDC são omissos. No essencial, acrescentam-se

orientações quanto aos bens temporais das Irmandades (n.ºs 896-903) e da respetiva conformidade quanto

à sua adquisição, administração, proventos e venda que a Diocese entendeu determinar a esse respeito.

Mais ainda, se atentam para as características a possuir pelos Irmãos (n.ºs 904-923), nomeadamente à sua

conduta moral, comunhão com a Igreja e reputação social, bem assim aos que estão impedidos de adquirir

o estatuto de Irmãos (ausentes, defuntos e quem não reunir as condições acima dispostas), e as obrigações

e prerrogativas adstritas aos que o adquirirem. Novidade é a introdução da figura do capelão (927-936),

196

Código de Derecho Canónico, MIGUELEZ, ALONSO & Cabreros. B.A.C Biblioteca de Autores

Cristianos, Madrid, 1945. Pp.279-286. 197

D. MANOEL, Bispo de Coimbra – Collecção authentica da legislação diocesana: Coimbra, Grafica

Conimbricense, limitada, 1912. Pp. 45-56. 198

SILVA, D. Manuel Luiz Coelho da – Synodo Diocesano de Coimbra celebrado nos dias 30 e 31 de

Julho de 1923 pelo Ex.mo e Rev.mo D. Manuel Luiz Coelho da Silva Bispo Conde: Coimbra, Typ. da

Grafica Conimbricense, limitada, 1923. Pp. 119-135.

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com nomeação pelo Bispo, e que deveria prover à sã conduta da Irmandade nos fins para as quais fora

ereta, conferindo-lhe os direitos de, em nome do prelado, presidir às celebrações da Irmandade. Não se

incluindo nos cargos diretivos, como é de antever, poderia e deveria acompanhar a atividade normal da

Irmandade, concorrendo para a sua missão e santificação. Finalmente, o Sínodo atentou para o processo a

ter em consideração, no caso de dissolução da Irmandade (939): casos em que ocorriam causas graves no

incumprimento dos seus Estatutos, inimisades com os Parochos, a adesão dos associados a sociedades

secretas, o escândalo grave e a ausência total ou mesmo o redusido numero dos associados. Aliás, a falta

de associados ou por não admissão de novos, por exemplo, num prazo de 20 anos é uma das causas

previstas (c. 941).

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Anexo XII – Os artigos dos Estatutos de 1991

Composto por 38 artigos, divididos por seis capítulos. Como se compreenderá, existindo um

modelo orientador facultado pela Diocese, o que ao culto a Santa Joana diz respeito, apenas introduz as

necessárias alterações no que à ação da Irmandade se aplica.

Assim, os artigos 1.º a 3.º dedicam-se à natureza e fins da instituição, em idêntica orientação com

os articulados normativos anteriores já conhecidos, mas sendo neste de destacar que a Irmandade,

continua – atentamos nós – com a sua sede na Igreja de Jesus, não obstante esta se situar em imóvel do

Estado, embora ainda, neste tempo, com culto regular aos Domingos, dias santos e celebrações do

Matrimónio.

O capítulo II, relativo aos Irmãos, é mais rigoroso quanto à sua vinculação à Igreja, no seu artigo

5.º, pelo que determina como condições para a admissão à Irmandade:

a) Ser católico e desejar progredir na santificação pessoal e no serviço do Reino de Deus;

b) Estar em comunhão com a Igreja;

c) Sendo casado, sê-lo pela Igreja;

d) Gozar de boa reputação moral e social;

e) Estar disposto a aceitar os princípios cristãos e as normais que regem a Irmandade e a

colaborar no seu cumprimento;

f) Pagar a joia de entrada e as quotas anuais.

No que concerne à participação dos Irmãos na atividade pastoral da Irmandade, segue-se a

mesma linha de direitos, deveres e motivos de exclusão dos Estatutos anteriores. A propósito dos motivos

para falta à procissão – que os anteriores regulativos omitem –, entendeu a Comissão administrativa

inscrever no art.º 10:

a) A doença;

b) O falecimento de pessoas de família, durante os dias de luto autorizados pelo uso;

c) A ausência, por motivo justificado;

d) O emprego em empresa pública e privada, quando o acto de culto se realizar dentro do

horário de trabalho e não haja dispensa por parte da entidade patronal;

e) Qualquer impedimento que torne impossível ou difícil a presença do Irmão.

Na primeira secção do capítulo seguinte dedica-se aos corpos gerentes. Grosso modo, o mandato

dos três órgãos gerentes: Assembleia-geral, Direcção e Conselho fiscal (art. 11.º), é de um triénio,

devendo proceder-se a eleições até ao dia 26 do último mês de Março de cada triénio (art. 12.º), tomando

estes posse em 12 de Maio, perante o Bispo da Diocese ou seu Delegado e assistente religioso da

Irmandade (art. 13.º). No caso de as eleições não terem sido convocadas, considera-se prorrogado o

mandato em curso até à posse de novos Corpos Gerentes (art.º 12, 3).

As secções seguintes são dedicadas às funções a desempenhar nos três órgãos de gestão pelos

Irmãos para eles eleitos. Assim, a Assembleia-geral (art.º 17) é constituída pela reunião dos Irmãos,

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podendo ser convocada ordinária ou extraordinariamente, sendo a primeira a pedido da Direcção e a

segunda por 20% dos Irmãos. A mesa da Assembleia-geral (art.º 18) emana da Direcção e é composta

pelo Provedor, que a ela preside, e por dois secretários que serão membros da Direcção. À Assembleia-

geral (art.ºs 19 e 20) se destina a definição das linhas-gerais de atuação da Irmandade, tomando em

consideração os Estatutos, bem como assuntos que careçam de deliberação e votação: eleição dos órgãos

gerentes, apreciação e votação dos orçamentos e contas de gerência, aquisição ou alienação de bens

imóveis ou outros, atos de administração extraordinária, e também sobre atos de administração

extraordinária, apreciação e votação a alterações estatutárias e definição do quantitativo da joia de entrada

e da quota anual. Ao funcionamento deste órgão se aplicam as determinações do CDC e Normais Gerais

para a Regulamentação das Associações de Fiéis. As funções da Direcção (art.ºs 22-26), onde exerce o

que lhe compete o Provedor e dois vogais, que desempenham as tarefas de Secretário e Tesoureiro, de

acordo, no essencial com o que em anteriores Estatutos se determina. O Conselho fiscal é composto por

três membros: Presidente, Relator e Vogal e também tem as competências a ele adstritas em regulativos

mais antigos.

Novidade nestes Estatutos é introduzida pelos artigos que concernem à figura do Assistente

Religioso, que nunca foi acolhida em articulados anteriores. Assim, no art. 30.º se determina, por a

freguesia de Nossa Senhora da Glória ser a paróquia onde a Irmandade tem a sua sede, o respectivo

pároco será normalmente o assistente religioso, a não ser que o Bispo Diocesano nomeie outro sacerdote

para exercer esse cargo, mas sempre de acordo e colaboração com o pároco.

O artigo seguinte explicita:

Ao assistente religioso, no seu múnus de pastor e delegado do Bispo Diocesano, compete:

a) assegurar a devida assistência espiritual aos membros da Irmandade, em estreita comunhão

com o pároco;

b) promover a formação cristã dos Irmãos;

c) velar pela integridade da fé e costumes;

d) evitar que se introduzam abusos na disciplina, designadamente na observância dos Estatutos;

e) promover a necessária coordenação e integração das actividades da Irmandade na pastoral

local e diocesana.

Finalmente, no art.º 32 se inscreve, O assistente religioso tem diReito a participar nas reuniões

da Irmandade (Assembleia Geral, Direcção ou Conselho Fiscal), embora sem direito de voto.

Os capítulos V e VI, com as disposições sobre bens da Irmandade e disposições diversas, em

nada de substancial diferem do que se referiram Estatutos anteriores.

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Nestas linhas, embora no compreensível espaço limitado e âmbito restrito quanto ao objetivo

a tomar em consideração – anotarmos o que de administrativo definiu, cristalizou e evoluiu no

culto a Santa Joana em Aveiro –, tentámos verificar os matizes canónicos e políticos da

dimensão regulativa desta mesma devoção.

ARQUIVOS

Irmandade de Santa Joana Princesa

Diocese de Aveiro

Museu de Aveiro

JORNAIS

Correio do Vouga

Campeão das Províncias

Litoral

Diário do Governo

Chancelaria de D. João VI

Ministério da Cultura, Portaria n.º 196/2010 de 9 de Abril;

Decreto-lei n.º 139/2009.

GASPAR, João Gonçalves – A princesa Santa Joana e a sua época, 1452-1490. 3ª ed.

revista. Aveiro: Câmara Municipal de Aveiro, 2012´