o crowdfunding e a produção cultural no rio de janeiro
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Faculdades Integradas Helio Alonso Departamento de Comunicação Social
Habilitação em Relações Públicas
O Crowdfunding e a Produção Cultural no Rio de Jane iro
Por:
Flavia de Almeida Valentim
Trabalho realizado para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social, habilitação em Relações Públicas, sob a orientação da Profª. Ms. Maria Helena Carmo dos Santos.
Rio de Janeiro 2011/2
2
Resumo: Esta monografia é uma reflexão sobre o crowdfunding,
destacando sua atuação no cenário cultural carioca.
Palavras-chaves : Crowdfunding – financiamento colaborativo – cultura digital no Rio de Janeiro
3
Agradecimento Schuabb, Ort, Rodrigo Maia,
Dona Jô, Andrea Dutra, Prima, Bruno Rodrigues, Suhett, Mayra e Ivana, por me ajudarem nas etapas do trabalho
para desenvolver meus devaneios.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 05
2 O SURGIMENTO ......................................................................................... 08 2.1 O conceito de crowdfunding .................................................................. 08 2.2 A plataforma americana Kickstarter ...................................................... 10
3 CROWDFUNDING NO CONCEITO DE REDE ............................................ 13
4 PANORAMA DAS PLATAFORMAS NO BRASIL ........................................ 16 4.1 Principais plataformas de crowdfunding................................................. 18 4.1.1 Vakinha.......................................................................................... 18 4.1.2 Catarse.......................................................................................... 19 4.1.3 Queremos...................................................................................... 20 4.1.4 Movere......................................................................................... . 20 4.1.5 Embolacha................................................................................... . 21 4.1.6 Benfeitoria...................................................................................... 21
5 RELACIONAMENTO E MARKETING NAS PLATAFORMAS ...................... 23 5.1 Aproximação dos nichos de mercado ....................................................... 23 5.2 Crowdfunding no posicionamento de marca ............................................. 24 5.2.1 Empresas apostam na visibilidade.................................................... 24 5.2.2 Porta de entrada para novas ações ...... ........................................... 25 5.2.3 Estilo como instrumento de atração .... ............................................. 26
6 CONVERGÊNCIA MOBILIZA AUTORES E APOIADORES......................... 28 6.1 Plataformas pela democratização das mídias ........................................ 28 6.2 Mobilização dos fãs ..................................................................................30
7 CROWDFUNDING NA CADEIA PRODUTIVA DA ECONOMIA ................. 32
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................36
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 37
5
INTRODUÇÃO
Toda vez que surge uma nova ferramenta de interação na Internet, faça as
apostas: Será moda passageira? Ou veio para ficar, até que outra mais aperfeiçoada
a substitua? O fascínio sobre o poder que a rede tem de unir pessoas e interesses
comuns, além território nacional, despertou usuários no final de década de 90. No
bate-papo do ICQ, a escolha randômica permite que aleatoriamente qualquer
usuário entre no seu perfil e converse com quem está conectado. Lembrava o
“amigo por correspondência” do Penpals dos anos 80, quando cartas eram trocadas
com pessoas de vários lugares do mundo.
A caixa do correio das residências, com suas cartas seladas, dava lugar aos
chats e aos fóruns de troca de conhecimento virtuais. O MSN e os blogs passaram a
substituir a dinâmica do ICQ e dos fóruns. A confiança na interatividade aumentou, e
passamos a oferecer objetos reais de desejo via Mercado Livre, através dos leilões,
já apontando a vocação mercadológica reservada aos nichos de usuários na rede. A
febre do “quem dá mais” e o produto entregue em casa com segurança pelo
vendedor-usuário foi uma das combinações que deram início à percepção de que na
Internet se pode confiar - e contar, principalmente, com a confiança das pessoas que
dividem o mesmo interesse que o seu.
Esses são alguns dos exemplos que fizeram pensar que a interatividade vale
a pena e que, como na vida real, confiança e mobilização não são construídos de
uma hora para outra. Com o tempo, as redes sociais como o Second Life, You Tube
e Orkut perceberam que também poderiam ser lucrativas. Vender espaços para
patrocínio em suas páginas ou ambiente ajuda a fomentar a brincadeira.
No livro The Crowdunfing Revolution: Social Networking Meets Venture
Financing (2010), os autores Kevin Lawton e Dan Marom destacam que somos dois
bilhões de usuários agrupados na rede no mundo inteiro. No Brasil, o acesso à
Internet atingiu 77,8 milhões de pessoas no segundo trimestre de 2011, segundo o
Ibope Nielsen Online. Estamos organizados via Twitter e Facebook, por exemplo,
onde cada comentário postado por um usuário é uma reafirmação de uma
identidade e consequentemente do nicho. Hoje, a escala da interatividade é maior:
os interesses dos usuários se organizam em multidões de nichos.
Destaque para uma nova forma de relação que tem chamado a atenção pelas
características de reunir um pouco de todas essas forças: o conceito das
6
plataformas de crowdfunding. O diferencial é que as ferramentas que abraçam a
causa dependem financeiramente dos seus próprios usuários. Com o crowdfunding,
não precisamos esperar que produtores do entretenimento adivinhem nossos
desejos. Basta o usuário (em geral um artista) divulgar seu projeto através de um
desses sites, e contar com amigos ou estranhos, que se identificam com os mesmos
objetivos, para arrecadar investimento suficiente para bancar o desejo.
Por isso não se pode ignorar os sites de crowdfunding, principalmente no
Brasil. Artistas com seus seguidores restritos de fãs estão conseguindo realizar seus
projetos com a “vaquinha online” (como o crowdfunding é entendido a grosso modo).
Eles têm a opção de não depender de gravadoras e nem de empresas para
patrocínio. Com isso, para o mercado cultural independente, há de certa forma uma
possibilidade de transformação. Apurando com as fontes, elas se mostram bastante
satisfeitas por auto-realizar um trabalho. Uma simples saída para um problema – a
falta de apoio.
No Brasil, onde o incentivo à cultura é escasso, essas plataformas também
funcionam como vitrine. No Rio de Janeiro, em especial, o crowdfunding está
concentrado – mais um fato curioso. Seria a descoberta de uma brecha para
reaquecer uma cidade desassistida culturalmente? Surgiram para suprir a carência
de um mercado independente carioca, principalmente desses artistas que nunca
tiveram apoio?
No crowdfunding há plataformas que, na realização de shows inéditos, na
produção de um novo CD, ou documentário, mobilizam um público cativo. É uma
possibilidade de comunicação dirigida que poderia compensar para as grandes
produtoras, mas elas nunca pensaram lucrativamente nesses públicos. São artistas
de samba do circuito da Lapa e bandas de garagem do rock alternativo, cujos
números de seguidores não atraíam até ontem o mercado e nem a grande mídia.
Esse é um momento onde essa pequena revolução no mercado carioca faz
repensar novos posicionamentos de marketing das empresas. Não é pela
quantidade que as plataformas de crowdfunding estão ganhando os holofotes, mas
sim pela qualidade do público, exigente e seguidor fiel de seus gostos, disposto a
contribuir financeiramente com quantias consideráveis para realizar desejos.
Para analisar essa tendência, a monografia está dividida nos capítulos: O
surgimento; Crowdfunding no conceito de rede; Panorama das plataformas no Brasil;
7
Relacionamento e marketing nas plataformas; Convergência mobiliza autores e
apoiadores, e Crowdfunding na cadeia produtiva da economia.
8
2 O SURGIMENTO
2.1 O conceito de crowdfunding
A motivação entre várias pessoas, a favor de uma causa comum, é uma das
principais características dos sites de crowdfunding. O usuário demonstra apoio a
um movimento social ou contribui financeiramente para a realização de um projeto, a
exemplo das tradicionais ‘vaquinhas’. No livro The Crowdunfing Revolution: Social
Networking Meets Venture Financing, o primeiro e único sobre o assunto, os autores
Lawton e Marom (2010) ressaltam que é difícil definir o termo, mas identificam seu
poder na sociedade:
O espaço do crowdfunding é bastante diversificado, composto de muitos nichos, e compartilha uma grande quantidade de energia das redes sociais. Seja para solicitar doações e criar uma base de fãs para uma aventura de vela ao redor do mundo, a pré-vender cópias de um livro, ou para financiar uma empresa iniciante para retorno de capital, de alguma forma o crowdfunding torna isso disponível. Quanto mais abrangente, ele conversa com seu grandioso potencial para o impacto econômico e social. Da mesma forma que as redes sociais mudaram a forma como alocamos tempo, crowdfunding vai mudar a forma como alocamos capital.1
O conceito deriva de crowdsourcing - desenvolvedores voluntários se
debruçam no estudo de códigos abertos, viabilizando, por exemplo, o software livre,
que apresenta vantagens:
Os principais efeitos da adoção generalizada de software aberto podem-se resumir num aspecto fundamental: o software aberto permite deslocar a criação de valor acrescentado para mais perto do utilizador final. Pelo contrário, o uso de software proprietário, normalmente de um fabricante estrangeiro, tende apenas a criar situações de distribuição e revenda, em que a maior parte do valor vai para o fabricante, e em que há uma grande dependência dos intervenientes locais em relação àquele2
De acordo com a comunidade BR-Linux.org, para uma licença ou software
ser considerado Código Aberto pela Open Source Initiative deve atender a critérios
que incluem itens como Livre Redistribuição, Permissão de Trabalhos Derivados e
Distribuição da Licença.
1Edição e-book de LAWTON,K.; MARROM, D., The Crowdunfing Revolution: Social Networking Meets Venture Financing, p.1. Os trechos do livro são de livre tradução. 2CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo (Orgs.). A Sociedade em Rede: do conhecimento à ação política; Conferência. Belém(Por): Imprensa Nacional, 2005. Livro organizado a partir de Conferência promovida pelo então Presidente da República de Portugal, Jorge Sampaio, em 4 e 5 de mar. 2005, no Centro Cultural de Belém. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/sociedade-em-rede-do-conhecimento-%C3%A0-ac%C3%A7%C3%A3o-pol%C3%ADtica>
9
O crowdsourcing não só é uma alternativa diante de licenças de custo alto,
como também uma forma de personalizar serviços, de acordo com Anderson (2006)
porque
(...) Apenas a produção colaborativa é capaz de ir tão longe na Cauda Longa. E, no caso de autosserviço, o trabalho está sendo feito pelos indivíduos mais interessados em seus resultados, e que conhecem melhor as próprias necessidades.3
A comunidade Crowdfunding Wiki registra que a palavra crowdfunding foi
cunhada em 2006 pelo empresário Michael Sullivan, um dos editores da
comunidade. O empresário identifica uma variedade de propósitos para o
crowdfunding: “desde amenizar desastres com apoio de mutirões, até o jornalismo
colaborativo cidadão, passando por artistas em busca de apoio de seus fãs.”
Lawton e Marom (2010) sinalizam a transformação do conceito de
crowdfunding ao longo dos anos, desde a criação de Sullivan: “Crowdfunding está
crescendo rápido e, em algumas áreas, integrando e mesclando com métodos
convencionais de financiamento.” Tanto no Brasil, como nos Estados Unidos,
organizações privadas e públicas começam a apostar na viabilização de parcerias
com as plataformas.
Os investimentos nas plataformas geram produtos e mobilizam clientes e, por
isso, chamam a atenção do mercado. Lawton e Marom (2010) observam que “dada
a dimensão das mudanças sócio-econômicas que já encontrou a partir de novas
formas de conectividade, um conjunto de mudanças profundas está por vir. Esta é a
revolução crowdfunding”.
No V Simpósio Nacional ABCiber, em artigo científico, os autores Cocate e
Pernissa afirmam que o sistema de mobilizar multidões já é um fenômeno que tem
ocorrido há uma década:
Vale ressaltar que o sistema abordado neste texto não se trata de uma novidade, segundo o autor Jeff Howe, autor do livro “O poder das multidões: por que a força da coletividade está remodelando o futuro dos negócios”. A arrecadação de financiamentos para campanhas políticas via web começou a partir de 2000. Mas foi em 2008 que a corrida presidencial de Barack Obama ganhou força com o apoio de cerca de $ 272 milhões oriundos de mais de dois milhões de doadores por meio de pequenas quantias. “Assim, a internet acelera e simplifica o processo de encontrar grandes grupos de financiadores potenciais que podem usar o crowdfunding para ingressar nas
3 ANDERSON, C., A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho, p.217.
10
atividades mais inesperadas de nossa cultura, como a música e o cinema” (HOWE, 2009, p. 222).4
2.2 A plataforma americana Kickstarter
O site americano Kickstarter é o que tem mais repercussão no crowdfunding.
Em seu blog corporativo, a organização apresentou seus números no post publicado
em 28 de abril de 2011: em dois anos de existência, a plataforma lançou, no total,
20.371 projetos (43% deles atingiram a meta). Foram U$40 milhões coletados por
projetos de sucesso financiados.5 O gráfico abaixo exibe as categorias dos projetos
ofertados aos financiadores:
O curioso é que os Estados Unidos passam por uma recessão não
presenciada há décadas, e o Kickstarter ainda é o site de referência mundial no
assunto. O sucesso pode estar atrelado à crise, já que o mecanismo é a contribuição
coletiva com cotas que variam de $10 a $500 em grande parte. No crowdfunding, é
possível investir pouco para que um negócio dê certo, aguçando a consciência
individual. 4 “Estudo sobre crowdfunding: fenômeno virtual em que o apoio de uns se torna a força de muitos”. V Simpósio ABCiber 2011. Disponível em:< http://simposio2011.abciber.org/anais/Trabalhos/artigos/Eixo%206/17.E6/226-353-1-RV.pdf>. Acesso em 20 jan. 2012. 5 Informações extraídas do blog, com livre tradução. Disponível em: <http://www.kickstarter.com/blog/happy-birthday-kickstarter>. Acesso em 10 out. 2011.
11
O público, então, forma mutirões nas causas de mobilização social a favor da
cidadania, ou com laços e interesses mais estreitos, ligados à natureza particular de
cada projeto. Os fundos arrecadados são para projetos culturais, de entretenimento
e startups (incubadoras de empreendedorismo) – setores que mais encontram
dificuldades no mercado tradicional quando os investimentos tradicionais começam
a se restringir.
Paralelamente, a noção de comunidade na Internet faz parte da cultura
americana por décadas, de acordo com a descrição do início das comunidades on-
line:
As comunidades on-line tiveram origens muito semelhantes às dos movimentos contraculturais e dos modos de vida alternativos que despontaram na esteira da década de 1960. A área da Baía de São Francisco abrigou na década de 1970 o desenvolvimento de várias comunidades on-line que faziam experimentos com comunicação por computadores, (...). Entre os primeiros administradores, hospedeiros e patrocinadores do WELL estavam pessoas que haviam tentado a vida em comunidades rurais, hackers de computadores pessoais, e um grande contingente de deadheads, fãs da banda de rock Grateful Dead.6
No modelo de negócio do Kickstarter, o autor do projeto estipula a quantia
necessária e o prazo para arrecadá-la, em média dois meses. Os doadores só são
cobrados no cartão de crédito no prazo final, caso o projeto alcance a meta
estipulada. A colaboração financeira diferencia o crowdfunding do restante dos
outros sites de contribuição, como cita a reportagem abaixo:
(...) A ideia de pedir a colaboração dos outros não é nova na internet. A Wikipédia é feita assim. O YouTube e o Flickr, também. Mas o Kickstarter leva a ideia um pouco mais longe: as contribuições são feitas em dinheiro. O site, lançado pelos nova-iorquinos Perry Chen, Yancey Strickler e Charles Adler, é uma espécie de vaquinha virtual ou um mercado de mecenas digitais. Quem tem um projeto criativo na cabeça e uma cifra necessária para colocá-lo de pé pode submeter a ideia ao Kickstarter. Se ela passar pelo crivo do trio - todos os descritos no começo desta reportagem foram aprovados -, pronto: é só esperar as doações dos estranhos7
O americano IndieGoGo foi primeiro site de crowdfunding. Os números de
projetos lançados também são significativos, segundo artigo da Universia
Knowledge, da Wharton School, da Universidade de Pensilvânia:
Em 2008, Slava Rubin fundou a IndieGoGo em parceria com Danae Ringelmann e Eric Schnell depois de constatar que não havia um meio
6 CASTELLS, M., A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade, p.48. 7 TEIXEIRA, Jr. Me dá um dinheiro aí. EXAME.COM, 03 nov. 2010. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0979/noticias/me-da-um-dinheiro-ai?page=2&slug_name=me-da-um-dinheiro-ai>. Acesso em: 20 set. 2011.
12
eficiente de levantar fundos para a pesquisa de câncer da medula óssea que vitimara seu pai. Em dois anos, o IndieGoGo, com sede em São Francisco, lançou 12.500 campanhas para o financiamento de filmes, obras sociais, empresas e gravações. Levantou também milhões de dólares para vários projetos em 139 países. "No mundo todo, tem gente apaixonada por uma porção de coisas diferentes", diz Rubin. "Nós ajudamos essas pessoas a financiar seu projeto."8
Pelo pioneirismo, ou pela repercussão pelo mundo, as plataformas
americanas lançam a nova tendência de financiamento. Mesmo que no Brasil, ou em
outros países, o resultado das plataformas não cause tanto impacto na economia, o
crowdfunding gera uma nova interpretação sobre o mercado, principalmente quando
este se relaciona com produção cultural e startups.
8 Você gostaria de contribuir? Sites de crowdfunding transformam fã em patrono das artes. UNIVERSIAKNOWLEDGE@WHARTON, 12 jan. 2011. Disponível em: < http://www.wharton.universia.net/index.cfm?fa=viewArticle&id=1996&language=portuguese>. Acesso em: 05 jan. 2012.
13
3 CROWDFUNDING NO CONCEITO DE REDE O crowdfunding transforma o estado da ação: da realidade virtual para a
concretização de um projeto. O que estava no campo das ideias ganha a adesão de
usuários, que juntos, contribuem com quantias em dinheiro em forma de mutirão -
eles são os investidores, os que promovem o financiamento coletivo.
Muitas vezes, o desejo de querer vivenciar a realidade só acontece depois de
se experimentar sensações virtualmente. Essa é uma das hipóteses que pode
sustentar a existência de diversos ambientes de interação na Internet. Na Era da
Informação, é principalmente através da virtualidade que processamos a criação de
significado,
Nesse sentido, vivemos de fato no tipo de cultura que, em meus escritos anteriores, chamei “a cultura da virtualidade real” (Castells, 1996-2000). Ela é virtual porque construída basicamente através de processos de comunicação virtuais, eletronicamente baseados. É real (e não imaginária) porque é nossa realidade fundamental, a base material sobre a qual vivemos nossa existência, construímos nossos sistemas de representação, exercemos nosso trabalho, vinculamo-nos a outras pessoas, obtemos informação, formamos nossas opiniões, atuamos na política e acalentamos nossos sonhos. Essa virtualidade é nossa realidade. É isso que caracteriza a cultura na Era da Informação: é principalmente através da virtualidade que processamos nossa criação de significado. 9
Entender o crowdfunding é primeiramente analisar a estrutura do negócio e
seus desdobramentos. A comunicação, em rede, entre os usuários é o que divulga o
crowdfunding, em sua grande parte. Via redes sociais, os usuários simpatizantes do
projeto iniciam a campanha para comunicar que há uma proposta oferecida pelos
autores do projeto na plataforma de crowdfunding. A partir daí, outros usuários
apoiam a iniciativa e compartilham a informação com seus diversos laços e grupos
de interatividade em rede, ampliando a comunicação.
No crowdfunding, o usuário não apenas reforça ideologias e conceitos do
grupo, como atua como um dos atores sociais no processo em rede:
(...) As redes são montadas pelas escolhas e estratégias de atores sociais, sejam indivíduos, famílias ou grupos sociais. Dessa forma, a grande transformação da sociabilidade em sociedades complexas ocorreu com a substituição de comunidades espaciais por redes como formas fundamentais de sociabilidade. 10
9 CASTELLS, M., A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade, p.167. 10 Ibid, p.106
14
O crowdfunding no Brasil oferece oportunidades, em sua maioria, a projetos
criativos que estão, de algum modo, conectados à rede de relacionamento de
pessoas que se inserem na cultura da classe média jovem brasileira. Essa camada
da sociedade é responsável pela vanguarda na Internet, onde, segundo Lévy (1999)
“a emergência do ciberespaço11 é fruto de um verdadeiro movimento social, com seu
grupo líder (a juventude metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem
(interconexão, criação de comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas
aspirações coerentes”.
A contribuição financeira é também uma aposta de pessoas que não faziam
parte anteriormente da rede de relacionamento dos autores do projeto. Cada
indivíduo que compõe o mutirão, arrecadando o montante para o projeto, pretende
experimentar a sensação de recriar, coletivamente, um novo modo, e próprio, de
operar a realidade:
Um grupo humano qualquer só se interessa em constituir-se como comunidade virtual para aproximar-se do ideal do coletivo inteligente, mais imaginativo, mais rápido, mais capaz de aprender e de inventar do que um coletivo inteligentemente gerenciado. O ciberespaço talvez não seja mais do que o indispensável desvio técnico para atingir a inteligência coletiva.12 13
Ao mesmo tempo, o indivíduo imagina ganhar o reconhecimento de sua
comunidade como participante pela concretização dos desejos. Hunt (2010) explica
que “as pessoas estão em redes sociais para se conectar e construir
relacionamentos. Relacionamentos e conexões, com o tempo levam à confiança,
que é a chave para a formação de capital14 ”.
Outra forma de se relacionar com o crowdfunding é financiar projetos que
estão relacionados a assuntos explorados pela mídia, os que remetem a causas
sociais em sua maioria, atraindo perfil de um público engajado, ou que quer se
engajar. Os laços, então, se tornam fortalecidos, gerando cooperação, e confiança
nas transações do crowdfunding. Assim, o indivíduo se relaciona inserido na
cibercultura, entusiasmado com as tendências na rede,
11 Pierre Lévy define o ciberespaço como o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores. 12 LÉVY, P., Cibercultura, p.130. 13 Em sua obra A Inteligência Coletiva. Por uma antropologia do ciberespaço, o autor define o termo Inteligência Coletiva como “uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências.” Ele ressalta que “a coordenação das inteligências em tempo real provoca a intervenção de agenciamentos de comunicação que, além de certo limiar quantitativo, só podem basear-se nas tecnologias digitais da informação”. 14 O autor se refere ao capital social, ou seja, a reputação no virtual.
15
A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração. O apetite para as comunidades virtuais encontra um ideal de relação humana desterritorializada, transversal, livre. As comunidades virtuais são os motores, os atores, a vida diversa e surpreendente do universal por contato.15
Organizado na rede, o poder de decisão se intensifica. Até chegar à
finalidade, que é a de cumprir a meta para que o projeto se torne viável, o
mecanismo do crowdfunding permite que o público defina o que vale ou não ser
apoiado financeiramente. No crowdfunding, se o projeto ainda não organizou seu
público na Internet, é uma oportunidade também de atrair seus nichos.
15 LÉVY, P., Cibercultura, p.130.
16
4 PANORAMA DAS PLATAFORMAS NO BRASIL
A maioria dos sites brasileiros de crowdfunding se inspira no Kickstarter. As
plataformas viabilizam projetos culturais, de entretenimento, exclusivamente em
música, estritamente para a realização de shows, para causas sociais, para startups,
ou para interesses particulares.
Os autores de cada projeto apresentam a proposta ao grupo de cada
plataforma. Quando o projeto é aprovado, os próprios autores produzem um vídeo
ao público-alvo, argumentando a importância da ideia. Os usuários assistem ao
vídeo na página criada especificamente sobre a oferta na plataforma e, logo abaixo,
há um texto sobre o projeto.
No canto inferior da página, há links para redes sociais para difundir a ação
atraindo adeptos. O usuário pode aderir ao perfil do projeto nas redes sociais (via
Facebook, Twitter, ou vídeo do You Tube, por exemplo). Para se tornar um
financiador, o usuário se cadastra na plataforma, criando seu próprio perfil, com
opção de inserir foto e outros dados pessoais, visíveis publicamente, se preferir.
Se o usuário se interessar pelo projeto, escolhe como investir, de acordo com
as cotas estipuladas de participação, que variam de R$10,00 a R$5mil, em média,
em troca de recompensas. São oferecidos produtos ou mix de produtos para cada
valor: CD autografado, camiseta, ingresso para show ou os músicos na sua casa.
Dependendo do site, o dinheiro é debitado antes, ou depois, do projeto concluído.
Caso o projeto não atinja a meta (e o dinheiro foi debitado anteriormente), o usuário
é reembolsado.
Cada plataforma determina um prazo - de dois meses, em média - para o
projeto arrecadar a quantia mínima necessária. Ao atingir a meta, os
administradores das plataformas cobram uma comissão de 5% a 15%. Essa
porcentagem varia por plataformas e cobrem as taxas administrativas. Há sites que
repassam o dinheiro aos autores, debitando do financiador, mesmo quando o projeto
não atinge a meta mínima.
Michel Nicolau Netto, mestre e doutorando em Sociologia pela Universidade
Estadual de Campinhas (Unicamp), no artigo “Crowdfunding e a agência da
multidão”, propõe três agentes principais na ordenação do crowdfunding: o promotor
da plataforma, o proponente do projeto e o financiador. De acordo com ele, a
17
multidão a que se refere o crowdfunding tipicamente é o terceiro agente, ou seja, o
financiador.16
Netto argumenta que crowdfunding é uma estratégia de produção. Para ele,
lançar um projeto inicialmente no crowdfunding pode não gerar lucro, mas também
não acarreta em prejuízo, como nas tradicionais produções: na Inglaterra, por
exemplo, mais da metade dos shows não gera o retorno investido17.
O crowdfunding, então, é uma alternativa segura para o autor de um projeto
descobrir se este pode ou não se tornar viável. Ele constata se haverá garantia, ou
insucesso da viabilização de acordo com a porcentagem arrecadada de sua meta
financeira. Os projetos que não contaram com patrocinadores pelas vias de
patrocínio tradicionais puderam, então, ser realizados ao se lançarem nas
ferramentas. A reportagem publica o levantamento sobre as áreas de projetos
realizados no país:
(...) Em levantamento feito pelo GLOBO nos nove principais sites de crowdfunding do Brasil, 67,77% do total investido foi para projetos artísticos, como a produção de filmes e de livros. Os projetos de empreendedorismo, seja para criação de empresas ou de produtos inovadores, ficaram com fatia de 28,83%. Iniciativas de cunho social levaram 3,40% dos recursos.(...) 18
O crowdfunding mudou o mercado de shows de bandas alternativas no Brasil.
“Abriu-se um canal excelente de ajuda entre bandas e fãs, mas por outro lado, é
preciso calibrar as expectativas dos artistas, já que nem sempre o financiamento do
público vai viabilizar grandes projetos”, segundo Rodrigo Ortega, editor de música do
blog Pípula Pop19, criado há sete anos. Com 2.600 seguidores no Twitter e
Facebook, ele reafirma a força do mercado alternativo.
Através do Queremos, Ortega foi um dos financiadores por duas vezes,
recebendo retorno integral nos shows do Belle and Sebastian e do Two Door
Cinema Club. Para ele, o Queremos não só mostrou que o público carioca está
interessado nesses shows que o mercado tradicional não considerava, como provou
que o crowdfunding é uma alternativa viável e mais justa do que a organização de
shows convencional.
16 Disponível em:<http://www.overmundo.com.br/banco/crowdfunding-e-a-agencia-da-multidao>.Acesso em 03 nov.2011. 17 Entrevista concedida por e-mail para mim, em 11/11/2011. 18 SETTI, R.; CRUZ, M.. Modelo de financiamento pela web, 'crowdfunding' avança no Brasil. Mas há barreiras. O GLOBO DIGITAL E MÍDIA, 08 mai. 2011. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/modelo-de-financiamento-pela-web-crowdfunding-avanca-no-brasil-mas-ha-barreiras-2773332>. Acesso em: 13 set. 2011 19 Pípula Pop. < http://www.pilulapop.com.br/>. Acessado em 30 jan.2012.
18
Para o público dirigido, o crowdfunding atende às expectativas, mas as
plataformas encontram resistência entre os conservadores, talvez por ser uma ideia
nova e por demandar uma dedicação maior de navegação para se entender o
modelo de negócio. Gabriel Thomaz, vocalista da banda Autoramas observa que
nem todos possuem o mesmo tempo para assimilar novidades com tanta agilidade.
Alguns fãs da banda disseram não concordar com arrecadação de “esmola
eletrônica”. Outros não entenderam bem a proposta ao confundir a plataforma de
crowdfunding com site de votação da melhor banda. “Há internautas que se
comportam como se tivessem ligado a TV para zapear e acabam não prestando
atenção em nenhum programa”, argumenta.
Pensando na relação com os usuários, cada plataforma brasileira apresenta
particularidades em suas propostas, ao adaptarem o crowdfunding à realidade da
Internet no país. A maioria dos sites foi lançada por amigos, que viam no
crowdfunding a solução para desenvolver um mercado mais criativo.
4.1 Principais plataformas de crowdfunding
No Brasil, seis plataformas de crowdfunding se destacam por atingirem, com
mais sucesso, suas metas e por se distinguirem pelo perfil dos projetos e pelo tipo
de oferta aos incentivadores: Vakinha, Catarse, Queremos, Movere, Embolacha,
Benfeitoria.
4.1.1 Vakinha
O primeiro site de crowdfunding brasileiro é o Vakinha, lançado em 2009. A
proposta se distingue das outras plataformas: as vaquinhas, em sua maioria, são
desejos que atendam interesses particulares. Os objetivos vão desde realizar
casamento, tratamento médico para cachorro de estimação, incrementar um
pequeno negócio a reformar a casa. O criador do pedido cadastrado na Vakinha
recebe todo o dinheiro arrecadado pelos usuários que contribuem via boleto,
transferência ou cartão de crédito. Desde o seu lançamento, foram 50mil vaquinhas
realizadas, de acordo com informações em seu perfil no Facebook.
19
4.1.2 Catarse
O Catarse foi a segunda plataforma brasileira de crowdfunding (lançada em
janeiro de 2011) e a primeira de financiamento colaborativo para projetos criativos,
baseada nos moldes do Kickstarter, como hoje se apresenta a maioria dos sites no
Brasil. No modelo de incentivo, os sócios do Catarse selecionam os projetos que
entram no ar. A intenção é divulgar os trabalhos que estejam prontos para ir ao
público:
A gente está de braços abertos para projetos artísticos – Artes Plásticas, Circo, Dança, Filmes, Fotografia, Música, Teatro, etc. – e também para projetos criativos que surjam em campos como Alimentação, Design, Moda, Tecnologia, Jogos, Quadrinhos, Jornalismo, entre vários outros. Não aceitamos projetos de caridade.20
O dinheiro é devolvido para os financiadores, caso o projeto não arrecade a
quantia mínima desejada. Segundo Rodrigo Maia, sócio do Catarse, a plataforma é
uma adaptação do Kickstarter com “jeitinho brasileiro”: única no mundo de código
aberto (pelo menos sete plataformas, no Brasil e no exterior, se utilizam do código),
além de aceitar boleto (que representa boa parcela das arrecadações), transferência
direta e cartão de débito. Em sua opinião, o brasileiro tem receio dos métodos de
pagamento online, e o boleto traz segurança.
Até novembro de 2011 o Catarse reuniu 12mil apoios, levantou 130 projetos
bem sucedidos, arrecadando 1 milhão de reais. A plataforma recentemente bateu
uma série de recordes em crowdfunding brasileiro com a arrecadação para o projeto
"Belo Monte - Anúncio de uma Guerra". O documentário, com entrevistas e imagens
sobre a relação da obra de Belo Monte com a sociedade, passou de 232 para 3mil
apoiadores em apenas um dia, além de 55mil compartilhamentos no Facebook.
O trecho abaixo da reportagem online destaca a plataforma Catarse como o
quarto na lista dos “dez projetos mais legais da Internet do ano”:
O Catarse é a primeira plataforma brasileira de crowdfunding para projetos criativos. Funciona assim: você propõe um projeto e o resto do mundo pode te ajudar com dinheiro. É como se fosse uma compra coletiva ao contrário. Se, ao final do prazo, a arrecadação não atingir a quantia mínima, o dinheiro é devolvido para os doadores.21
20 Em: < http://catarse.me/pt/faq>. Acesso em: 02 set.2011 21 COHEN, O. Destaques de 2011 da SUPER: Os 10 projetos mais legais da internet do ano. SUPER, 14 dez. 2011. Disponível em: <http://super.abril.com.br/blogs/superlistas/destaques-de-2011-da-super-os-10-projetos-digitais-mais-legais-do-ano/ >. Acesso em: 15 dez. 2011.
20
4.1.3 Queremos
Uma turma de amigos fundou o grupo “cariocas empolgados” ao perceber que
muitos shows de bandas, a maioria internacionais, não incluíam o Rio de Janeiro na
turnê. Com a plataforma Queremos, eles viram a solução. Dividem por uma fatia do
público o valor necessário para produção de um evento, garantindo assim a sua
realização - podendo reembolsar integralmente essas pessoas com a arrecadação
da bilheteria, como explicam no site aos usuários.
Com o valor mínimo necessário assegurado, o evento é confirmado e inicia-se
a venda de ingressos normais para o público. Todos que compraram o ingresso-
reembolsável têm direito a um reembolso proporcional à venda de ingressos
regulares, podendo ir de zero até ao valor integral, conforme descrito no site.
O Queremos apresenta, na sua página inicial, o balanço de 15 meses, tempo
de existência do site: “4.374 colaboradores viabilizaram apresentações de 22
bandas, pagando, em média, R$32 por ingresso. Os colaboradores conseguiram
100% de reembolso em 12 shows, indo de graça a esses eventos.”22
A originalidade do projeto transformou o Queremos no projeto de maior
sucesso de crowdfunding no Brasil. O grupo, formado por cinco integrantes, participa
de encontros internacionais conceituados, visto que o negócio é inédito no país e no
exterior, conforme afirma Felipe Constantino, um dos fundadores do Queremos.
Em novembro de 2011, o Queremos se apresentou no evento Futures of
Entertainment, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), na mesa Creating
with the Crowd: Crowdsourcing for Funding, Producing and Circulating Media
Content. Em fevereiro de 2011, eles levaram sua experiência para o evento TED X
Rio.
4.1.4 Movere A plataforma foi lançada no início de 2011. O Movere incentiva, além de
projetos culturais, trabalhos de outras áreas como gastronomia, design, moda, jogos,
saúde, esporte, educação, dentre outras. As pessoas recebem em troca
recompensas únicas e especiais, de acordo com o site. Se a meta não for atingida, o
dinheiro volta para quem incentivou.
22 Disponível na página principal da plataforma: http://www.queremos.com.br/. Acesso em 11 fev.2012.
21
Vanessa Oliveira, sócia da plataforma, ressalta valores como confiança e
trabalho em conjunto com as produções independentes e boa articulação com
parcerias com instituições de diversas naturezas para o crescimento da plataforma e
do crowdfunding no Brasil.
4.1.5 Embolacha A ferramenta de financiamento colaborativo é exclusiva para projetos de
música, e a quantia investida pelo financiador é debitada da conta se o projeto
atingir a meta de 100%. Foram realizados projetos de bandas alternativas, como
Móveis Coloniais de Acaju (DF), Letuce, Autoramas, Rabotnik e Mig Martins.
Paulo Monte, sócio da plataforma, acredita no poder democrático desse tipo de
ferramenta. Um dos objetivos do Embolacha, de acordo com ele, é continuar
trabalhando para fortalecer e consolidar o modelo de financiamento colaborativo
como uma opção inteligente e viável pra cadeia produtiva da musica brasileira:
(...) a Bolacha é um selo independente, que trabalha com artistas independentes, e por isso seus maiores empecilhos tinham uma causa: dinheiro. (..) A empresa inscreveu o projeto em um edital da Finep, do Ministério da Ciência e Tecnologia, aprovado no final de 2009. De lá para cá, ele cresceu e mudou. A ideia inicial – custear só a produção de discos – foi ampliada para qualquer criação artística. (...)23
A plataforma foi uma alternativa para a empresa Bolacha Discos, de
distribuição e produção de conteúdo musical. Para ser desenvolvido, o site contou
com o apoio financeiro da Finep e do Ministério da Ciência e Tecnologia com
recursos do FNDCT.
4.1.6 Benfeitoria A plataforma Benfeitoria é a única do mundo que não cobra comissão. As
colaborações e recompensas – definidas em uma das páginas do site como “sistema
envolvente de micro-patrocínios” – também são realizadas através de consultorias,
doação de materiais e voluntariado:
As transações na benfeitoria são consideradas doações (em caso de recompensa simbólica, como agradecimentos e créditos em um livro), pré-venda (em caso de recompensas não simbólicas para contribuições financeiras, como a entrega do livro a ser viabilizado) ou troca (em caso de recompensas não financeiras para pedidos não financeiros). Também não é
23 DIAS, T. Sonho Viável. ESTADÃO.COM.BR, 15 mai. 2011. Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/link/tag/letuce/ >. Acesso em: 11 nov. 2011.
22
permitido nenhuma recompensa que envolva sorte, como sorteios e rifas, pois eles teriam que ter a aprovação da Caixa Econômica Federal.24
A plataforma arrecadou R$300mil em 2011 em projetos de impacto positivo
(foi fundada em maio do mesmo ano), de acordo com dados de seu perfil no
Facebook. Os fundadores, um casal de jovens com experiência de 15 anos em
marketing e no mercado multinacional, resolveu sair da empresa para aplicar o
conhecimento em iniciativas que podem se transformar em ações. Na equipe,
contam com mais dois integrantes.
24 Em: <http://www.benfeitoria.com/index.php?t=pagina&a=visualiza&cd=10>. Acesso em: 02 set.2011.
23
5 RELACIONAMENTO E MARKETING NAS PLATAFORMAS 5.1 Aproximação dos nichos de mercado
O crowdfunding concentra nichos, pois a estrutura se adequa às
necessidades deles. A rede permite mapear o comportamento dos pequenos
segmentos, antes mesmo de um projeto ter sua página criada na plataforma. E
conhecer os nichos de antemão pode estreitar o relacionamento com o potencial
cliente: o autor do projeto sabe quem atingir, e o financiador investe para adquirir
seu produto customizado. Agradar um nicho requer descobrir seus gostos mais
particulares. O nicho é um dos níveis de decomposição de mercado, no marketing
de segmentos:
Um nicho é um grupo definido mais estritamente, um mercado pequeno cujas necessidades não estão sendo totalmente satisfeitas. Em geral, os profissionais de marketing identificam nichos subdividindo um segmento ou definindo um grupo que procura por um mix de benefícios distintos. Por exemplo, o segmento de fumantes inclui aqueles que estão tentando parar de fumar e aqueles que não se preocupam com isso.25
No crowdfunding, produtores independentes vivenciam um papel que antes
pertencia somente a uma parcela mínima de atores no mercado tradicional de
patrocínio e apoio. Eles atendem diretamente seu público, já identificados em nichos
na Internet:
Cada vez mais o mercado de massa se converte em massa de nichos. Essa massa de nichos sempre existiu, mas, com a queda do custo de acessá-la – para que consumidores encontrem produtos de nicho e produtos de nicho encontrem consumidores -, ela, de repente, se transformou em força cultural e econômica a ser considerada. O novo mercado de nichos não está substituindo o tradicional mercado de hits, apenas; pela primeira vez, os dois estão dividindo o palco.26
Na Teoria da Cauda Longa, de Anderson (2006), a sociedade está “se
afastando do foco em alguns hits relativamente pouco numerosos (produtos e
mercados da tendência dominante), no topo da curva da demanda, e avançando em
direção a uma grande quantidade de nichos na parte inferior ou na cauda da curva
da demanda”.
25 KOTLER, P., Administração de Marketing, p.279. 26 ANDERSON, C., A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho, p.6.
24
Os nichos ganham contornos cada vez mais definidos. Por não depender
exclusivamente da relação tradicional de mercado, vão disputando espaço na mídia.
Como resultado, têm a oportunidade de reforçar cada vez mais sua identidade via
crowdfunding.
5.2 Crowdfunding no posicionamento de marca
5.2.1 Empresas apostam na visibilidade
Empresas físicas tradicionais analisam as novas formas de interação e
identificam o comportamento de seu público-alvo na Internet. Consequentemente,
elas apostam na nova tendência - o crowdfunding - como mais um meio de
relacionamento e encantamento da marca.
A loja virtual da livraria Saraiva possui uma parceria com a plataforma
Vakinha. Quando o usuário acessa a página de um produto no site da Saraiva, ele
tem a opção de clicar no aplicativo que leva à plataforma e gerar a vaquinha do
produto.27
A loja de roupas Cantão contribuiu como apoiador de dois projetos nos sites
Embolacha e Queremos. Rick Yates, gerente de marca/branding revela que os
retornos são imateriais, de posicionamento de marca. No caso do Cantão, é um
reforço do DNA da marca:
O Cantão é uma marca comportamental e desde o seu nascimento, em 1968, se relaciona com projetos e profissionais da área cultural e artística. O crowdfunding tem sido uma ótima ferramenta para viabilizar projetos bacanas através da iniciativa privada e individual, o que nos aproxima do público-alvo.28
Castells (2003) observa que “a atividade empresarial, como dimensão
essencial da cultura da Internet, chega com uma nova distorção histórica: cria
dinheiro a partir de idéias, e mercadoria a partir de dinheiro, tornando tanto o capital
quanto a produção dependentes do poder da mente. ”Criamos meios de nos inserir,
às vezes involuntariamente, na nova tendência, a começar pela cultura do
entretenimento, como nota Jenkins (2010):
27 O vídeo publicitário explica o funcionamento da parceria: < http://vimeo.com/26776637>. Acesso em: 11 fev. 2012. 28 Entrevista concedida por e-mail para mim, através da assessoria de imprensa da Cantão, em 02/01/2012.
25
Neste momento estamos aprendendo a aplicar as novas habilidades de participação por meio de nossa relação com o entretenimento comercial – ou, mais precisamente, neste momento, alguns grupos de usuários pioneiros estão testando o terreno e delineando direções que muitos de nós tenderemos a seguir. Essas habilidades estão sendo aplicadas primeiro à cultura popular por várias razões: por um lado, porque os riscos são baixos; por outro, porque brincar com cultura popular é muito mais divertido do que brincar com questões sérias. 29
Não são somente as empresas que estão desbravando a nova possibilidade
de relacionamento com o público. Os autores dos projetos lançados nas plataformas
também viram a chance de desdobrar ações após visibilidade no crowdfunding.
5.2.2 Porta de entrada para novas ações
Vanessa Oliveira, sócia da plataforma Movere, cita a campanha do grupo de
samba carioca Sururu na Roda como exemplo de propaganda de marketing30. Após
arrecadar R$39mil para gravação de CD em homenagem ao centenário de Nelson
Cavaquinho, pelo Movere, o grupo musical manteve o relacionamento estreito com o
público, através do desdobramento de outras ações, estimuladas por terceiros. Uma
empresa de telefonia celular ofereceu aplicativo para iPhone do grupo. Uma pessoa
física investiu na recompensa de R$5mil para ter o show do Sururu na Roda, e
presenteou uma instituição. O grupo, assim, reafirma sua imagem no cenário
musical carioca.
Oliveira também enfatiza outro caso: o projeto Fanzine Kapta - que consistiu
em disponibilizar a publicação em versão para iPad - não alcançou a meta, mas
ganhou projeção na mídia com a campanha. Como resultado, uma empresa
incentivou a iniciativa para desenvolver o projeto. Por isso Rodrigo Maia, sócio da
plataforma Catarse, explica que, para gerar uma série de conhecimentos na
sociedade, o que as plataformas precisam são de pequenos pontos, ou pequenos
núcleos que se formam, e não de 1 milhão de pessoas.31
O comportamento que o crowdfunding tem gerado nos nichos vai ao encontro
de Castells (2003), quando ressalta que “a Internet tende a aumentar a exposição a
outras fontes de informação”. O autor descreve que “Di Maggio, Hargittai, Neuman e
29 JENKINS, H., Cultura da Convergência, p.313. 30 Declaração feita durante palestra no evento “Observatório Criativo – Economia criativa: compartilhamento de ideias sobre cultura”, realizado em 13/12/2011, no Centro Cultural da Justiça Federal. 31 Idem.
26
Robinson (2001) relatam resultados de levantamentos de participação pública que
mostram que usuários da Internet (após o controle das demais variáveis)
freqüentavam mais eventos de arte, liam mais literatura, viam mais filmes, assistiam
mais esportes e praticavam mais esportes que não-usuários”.
Ao agradar o público-alvo, o crowdfunding e outros formatos virtuais de
aproximação de comunidades online de usuários segmentados - como blogs e redes
sociais – modificam então a visão de mercado.
5.2.3 Estilo como instrumento de atração
A criatividade é um dos pontos-chave para um projeto se tornar bem-sucedido
na Internet. Oliveira observa que um dos pontos do crowdfunding é se divertir
fazendo, criando as alternativas de recompensas de um projeto, por exemplo32. Ao
analisar seus elementos, o crowdfunding se apresenta como ferramenta que agrega
desejo ao entretenimento, através da linguagem: estilo de redação informal e
descontraído; imagens e vídeos do(s) autor (es) em seu cenário, vendendo seus
projetos como um sonho desejado, através de narrativa que remete à emoção;
recompensas materiais aos apoiadores com objetos que se relacionam ao tema,
reforçando laços. Proporciona ao financiador a sensação de pertencimento ao grupo
quando ele se cadastra na plataforma criando seu perfil, com opção de inserir foto e
outros dados pessoais, visíveis publicamente, se preferir.
Em 09/11/11, em sua página principal, o site Queremos divulgou o resultado
do projeto da época - um festival em parceria com uma loja de roupas para mulheres
jovens:
E (enfim!) ontem rolou o primeiro dia do nosso Festival com o Queremos no Circo. E foi bem além da música. Quem passou por lá conferiu uma mistura bacana de arte, moda, comportamento e festa! Logo na entrada do espaço “EU QUERO”, intervenções de grafite do amigo Airá – um beijo! ♥. Nossa kombi trouxe uma seleção especial de camisas FARM + Queremos – com os pôsteres dos shows que rolaram – da Lust For Life, Cds da LAB – com as melhores bandas de todos os festivais – a Lomography distribuindo filmes pra quem quisesse fotografar na hora!Numa parceria com o Mola, os artistas cariocas Denne, Felipe Bardy e Flávio Lazarino transformaram o palco externo numa grande instalação (re)utilizando caixotes, pôsteres e
32 Declaração feita durante palestra no evento “Observatório Criativo – Economia criativa: compartilhamento de ideias sobre cultura”, realizado em 13/12/2011, no Centro Cultural da Justiça Federal.
27
fios de algodão, representando cordas de instrumentos musicais e a matéria prima de nossa moda (morremos!).33
Segundo análise do webwriter Bruno Rodrigues, o sucesso de uma ação em
crowdfunding depende, antes de mais nada, da credibilidade do projeto proposto, e
isso não está ligado apenas ao projeto, por si só. O jornalista enfatiza que uma das
etapas primordiais é a comunicação, seja entre empreendedores e investidores, seja
entre empreendedores e players envolvidos na concretização do projeto:
Para o investidor, encontrar os detalhes sobre o projeto é fundamental e, neste processo, a arquitetura da informação do website é decisiva: informação não localizada é investidor a menos, não há dúvida. Todo formato de conteúdo disponível, seja texto, vídeo, gráfico ou áudio, deve ser bem pensado para que nenhuma das mensagens gere ruído, a 'chuva ácida' da comunicação. Além disso, a forma como a informação é disponibilizada e como onde ela é disposta não somente reforçam a credibilidade, como são elementos primordiais para persuadir o visitante a investir no projeto - o que se almeja, afinal de contas.34
A forma de abordagem nas páginas das redes sociais (criadas pelos autores
do projeto) também incentiva o engajamento de mais pessoas. Os especialistas em
crowdfunding também sugerem aos autores divulgar o projeto nas redes sociais e,
se necessário, por filipetas e e-mail, dependendo do público-alvo, antes até de a
campanha ser lançada no crowdfunding. São estratégias paralelas elaboradas de
acordo com perfil do público, ajudando a sustentar a fase de campanha.
33 A página foi acessada na data mencionada, em 09/11/2011. Para se ter uma ideia do festival, consulte a página disponível em: <http://queremos.com.br/show/22-Eu-Quero-Festival!> 34 Entrevista concedida por e-mail para mim, em 09/11/2011.
28
6 CONVERGÊNCIA MOBILIZA AUTORES E APOIADORES
6.1 Plataformas pela democratização das mídias
Com a convergência das mídias, qualquer internauta grava arquivos em vídeo
ou imagem, via celular, para inseri-los em alguma plataforma de interatividade
virtual. Pelo aparelho, inclusive, pode-se navegar em ferramentas de colaboração e
de compartilhamento, como You Tube, Vimeo, My Space e Facebook.
O download grátis de arquivos em MP3 e MP4 pelo usuário muda a relação
das produtoras diante do mercado, e transfere o poder para o internauta,
principalmente sobre o que ele quer ouvir. Como exemplo de uma das possibilidades
de compartilhamento, o usuário transfere suas músicas preferidas para seu aparelho
celular, via bluetooth, e desse modo pode divulgar o trabalho do artista em qualquer
lugar.
A presença desses novos instrumentos para se comunicar é um indício da
aceleração da economia do virtual. Lévy (1996) aponta que a “economia
contemporânea é uma economia da desterritorialização ou da virtualização, quando
o volume de negócios cresce no turismo e na indústria que fabricam veículos,
fazendo viajar signos e coisas”:
Os meios de comunicação eletrônicos e digitais não substituíram o transporte físico, muito pelo contrário: comunicação e transporte, como já sublinhamos, fazem parte da mesma onda de virtualização geral. Pois ao setor da desterritorialização física, cumpre evidentemente acrescentar as telecomunicações, a informática, os meios de comunicação, que são outros setores ascendentes da economia do virtual. O ensino e a formação, bem como as indústrias da diversão, trabalhando para a heterogênese dos espíritos, não produzem outra coisa senão o virtual. Quanto ao poderoso setor da saúde – medicina e farmácia -, como vimos num capítulo precedente, ele virtualiza os corpos. 35
A aplicabilidade tecnológica cada vez mais acelerada, mais desenvolvida e
mais acessível facilita a convergência das mídias. Diante disso, muito da
mobilização e adesão ao crowdfunding é resultado da economia da virtualização. A
plataforma apresenta, de modo geral, fácil usabilidade, desde a produção do vídeo
pelos autores do projeto, até o mecanismo da arrecadação de dinheiro pelo mutirão
de pessoas para que a realização do projeto seja viável. O consumidor, então, não
35 LÉVY, P., O que é o virtual?, p.51.
29
precisa mais esperar pelo lançamento de um produto por uma grande produtora
para que tudo aconteça.
O cantor tem a chance de ser seu próprio produtor, mostrando qualidade no
seu trabalho, sem depender de gravadoras. A oportunidade de conhecer de perto
seu público e de ouvir seus anseios permite adaptar o trabalho de acordo com a
opinião direta de fãs, porque os dispositivos estão ao alcance das mãos. Assim, se
transformam em instrumentos de grande poder de divulgação. A produção e a
distribuição da informação se inserem no tripé de forças, guiadas pela emoção e
pela democratização:
A propaganda boca a boca amplificada é a manifestação da terceira força da Cauda Longa: explorar o sentimento dos consumidores para ligar oferta e demanda. A primeira força, democratização de produção, povoa a cauda. A segunda força, democratização da distribuição, disponibiliza todas as ofertas. Mas isso não é suficiente. Só quando essa terceira força, que ajuda as pessoas a encontrar o que querem nessa nova superabundância de variedades, entra em ação é que o potencial do mercado da Cauda Longa é de fato liberado.36
Os amigos de Mariana Leporace, por serem os principais divulgadores de um
espetáculo inédito da cantora de MPB (a proposta do projeto foi apresentada via
crowdfunding), foram os responsáveis pela lotação da casa no dia do show.
Leporace tem 20 anos de carreira e se apresenta nos circuitos culturais pelo Rio de
Janeiro. Ela promoveu o show de lançamento de seu nono CD através da plataforma
Catarse. Leporace vê no crowdfunding uma espécie de “libertação” do mercado – a
viabilização da criação, diretamente do "produtor" ao "consumidor" de maneira
simples:
O crowdfunding desamarra dos demais meios de captação que o mercado oferece, que são ainda muito complexos e muitas vezes inatingíveis para os artistas independentes. A sensação de fazer um show inteiramente bancado por aposta no meu trabalho foi indescritível. As pessoas se sentiram parte do processo e consegui ampliar meu público, porque os amigos que compraram a ideia se encarregaram de divulgar pra outros amigos. Penso que as gravadoras já há algum tempo começaram a perder a função. A internet é uma aliada muito poderosa dos artistas e pode ser considerada a ferramenta fundamental rumo a "independência.37
Via crowdfunding, a cantora criou diversas formas de recompensas para os
financiadores, variando produtos e preços – são alternativas customizadas que
agradam o consumidor. As cotas para patrocinar o projeto variavam de R$10 a
R$2.500, com recompensas acumuladas de acordo com o aumento do valor. Com 36 Ibid, p.115 37 Entrevista concedida por e-mail para mim, em 23/11/2011.
30
R$10, o apoiador recebia por e-mail o MP3 de uma música do CD "Interior" e um
agradecimento. Com R$30 ele ganhava o CD. Com R$40, levava o ingresso para o
show. Com R$70, ele ganhava o ingresso e o CD. Com R$100, levava dois
ingressos e o CD. Com R$500, foram quatro kits. Cada kit era composto por dois
ingressos, CD e a citação da marca (caso o financiador fosse uma empresa) ou do
nome no off do show. Com R$1.000 ganhava oito kits, além do logo incluído no
material de divulgação. Com R$2.500 o financiador levava dez kits e um pocket
show de voz e violão.
Paulo Monte, sócio do Embolacha, afirma que existe um objetivo comercial
por trás de cada campanha de crowdfunding. Porém, os sites são muito mais do que
simples ferramentas para captação de recursos: as plataformas são espaços para a
experimentação e expansão dos limites artísticos.
A convergência não envolve apenas materiais e serviços produzidos
comercialmente. Ela ocorre também quando as pessoas assumem o controle das
mídias. Jenkins (2008) acrescenta que “entretenimento não é única coisa que flui
pelos múltiplos suportes midiáticos. Nossas vidas, relacionamentos, memórias,
fantasias e desejos também fluem pelos canais de mídia”.
Os novos comportamentos que divulgam a cultura fogem ao controle e às
regras ditados pela tradicional indústria fonográfica. Os virais, por exemplo,
promovem artistas que estavam no anonimato a partir do momento em que fãs
compartilham a informação para outros usuários.
6.2 Mobilização dos fãs
Leonardo Rocha, fã do grupo de rock alternativo carioca Autoramas. Morando
em Contagem, em Minas Gerais, tem seu nome registrado na contracapa do CD da
banda como uma das recompensas oferecidas na campanha para a produção do
disco, via plataforma crowdfunding. Para ele, o mecanismo do crowdfunding é
interessante e inovador porque permitiu sua participação direta no trabalho do artista
preferido, além de o fato de ter seu nome nos agradecimentos.
Rocha ressalta que a realização do projeto também é conseqüência da
credibilidade e do respeito dos Autoramas no meio underground. Ele acompanha o
trabalho do vocalista desde a década de 90, assistindo aos videoclipes pela TV, e
31
afirma que o crowdfunding aumentou seu laço com os músicos. Por isso, pretende
contribuir para as boas idéias sempre que surgirem.
A cooperação dos fãs ganha uma nova forma de relação no processo da
produção, principalmente musical, uma tendência deste novo modo de pensar:
(...) Assim como o estudo da cultura dos fãs nos ajudou a compreender as inovações que ocorrem às margens da indústria midiática, podemos também interpretar as estruturas das comunidades de fãs como a indicação de um novo modo de pensar sobre a cidadania e a colaboração. Os efeitos políticos dessas comunidades de fãs surgem não apenas da produção e circulação de novas idéias (a leitura crítica de textos favoritos), mas também pelo acesso a novas estruturas sociais (inteligência coletiva) e novos modelos de produção cultural (cultura participativa).38
As plataformas talvez não sejam a melhor opção para artistas em início de
carreira, que ainda não construíram um público-base, na opinião de Monte. Segundo
ele, o crowdfunding “é poderoso para artistas independentes ou consagrados que já
tenham um relacionamento definido com seu público consumidor; é um espaço onde
artistas e público se unem para novas experiências e reinventar suas relações.”
As pessoas, quando já agrupadas por afinidades em comum, se comunicam
com mais eficiência ao explicitar seus objetivos, baseadas em referências de signos
e representações. Por isso, é mais fácil, por exemplo, um fã-clube mobilizar mais
pessoas com o mesmo interesse e assim concretizar a proposta de um projeto.
38 JENKINS, H., Cultura da Convergência, p.314.
32
7 CROWDFUNDING NA CADEIA PRODUTIVA DA ECONOMIA
A maioria das plataformas de crowdfunding foi lançada por grupos de amigos,
em sua grande parte, residentes no Rio de Janeiro, ou com algum integrante
carioca, reafirmando a vocação do Estado em fomentar projetos criativos. Três delas
– Movere, Benfeitoria e Embolacha (pela empresa Bolacha Discos) – estão entre os
21 empreendimentos escolhidos pelo Programa Rio Criativo e fazem parte da
Incubadoras de Empreendimentos da Economia Criativa do Estado do Rio de
Janeiro (Incubadoras Rio Criativo), da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de
Janeiro.
(...) A iniciativa tem como objetivo estimular a consolidação de empreendimentos criativos no Estado. Entre os serviços oferecidos aos empreendedores selecionados estão consultorias na elaboração de planos de negócios, planejamento estratégico, assessoria jurídica e de imprensa, entre outras. Além disso, os contemplados ganharão um espaço físico nas incubadoras para sediar seus empreendimentos por até 18 meses. (...) O projeto, realizado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro e executado pelo Instituto Gênesis da PUC-Rio, conta com parcerias de Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro – JUCERJA, SEBRAE RJ, Prefeitura do Rio, RioFilme e Prefeitura de São João de Meriti.39
O estudo do Sistema Firjan “A Cadeia da Indústria Criativa no Brasil” apresenta
dados dos 12 setores criativos da economia (Arquitetura, Artes Cênicas, Artes
Visuais, Design, Expressões Culturais, Filme & Vídeo, Mercado Editorial, Moda,
Música, Publicidade, Software & Computação e TV & Rádio) e indica o crescimento
da área no Estado:
Em termos nominais, o núcleo da indústria criativa movimentou R$ 93 bilhões na economia brasileira em 2010. No estado do Rio, a importância do núcleo criativo para a economia fluminense (3,5%) continuou maior que na média nacional (2,5%), equivalendo em 2010 a R$ 14,7 bilhões.40
A instituição adota a seguinte definição para o termo “indústria criativa”: os
ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam criatividade e
capital intelectual como insumos primários. No documento, o Sistema Firjan avalia
39 Disponível em: <http://www.riocriativo.rj.gov.br/pt/institucional.html>. Acesso em: 02 dez. 2011. 40 A Cadeia da Indústria Criativa no Brasil. SISTEMA FIRJAN, out. 2011, p.6. Disponível em: <http://www.firjan.org.br/data/pages/2C908CE9215B0DC40121793A0FCE1E51.htm>. Acesso em: 14 dez. 2011
33
que há interdependência entre a indústria e os setores de comércio e serviços na
cadeia da criativa, reconhecendo o poder multiplicador da indústria criativa.
Vanessa Oliveira, sócia da plataforma Movere, acredita que trocar
experiências com outros empreendimentos da incubadora será uma oportunidade de
desenvolver o espírito empreendedor entre empresas de várias áreas, crescendo
juntas.41 A aposta no crowdfunding dentro do Rio Criativo é um aval para o
reconhecimento do valor econômico que as plataformas podem significar ao Estado.
O crowdfunding é uma possibilidade de negócio bastante rentável a longo prazo,
quando as plataformas conseguirem atingir um volume maior de projetos, valores e
participantes, segundo Monte.
Os projetos encontrados no crowdfunding possuem abrangência nacional,
mas é visível a adesão da cultura carioca. Como exemplo, dois blocos de Carnaval
de rua do Rio de Janeiro conseguiram bater a meta estipulada para o desfile, via
crowdfunding: Fogo e Paixão e Toca Rauuul. Na opinião de Monte, a cidade do Rio
de Janeiro sempre teve vocação natural para a cultura desde os tempos da Corte
Portuguesa, ditando moda para o Brasil e exterior, além de ser um pólo de produção
e consumo de bens culturais.42
O Estrombo é mais um projeto que pode afirmar a vocação carioca. Lançado
em dezembro de 2010, contribui para o desenvolvimento de novas negociações para
a música, com comercialização através do uso de novas tecnologias. Ele pretende
fomentar a economia criativa voltada para o Estado, para desenvolver
especificamente o mercado musical. “É uma parceria do Fundo Multilateral de
Investimentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (Fomin/BID), Sebrae,
Fundação Getulio Vargas (Centro de Tecnologia e Sociedade) e Facebook.”43
Heliana Marinho, diretora do Estrombo e gerente da área de Economia
Criativa do Sebrae/RJ, ressalta que a utopia se recoloca nas redes e resgata a
comunicabilidade e prazer de fazer as coisas, diferente do processo metódico
tradicional de se fazer cultura. Ela ressalta que alguns segmentos não percebem
que podem virar negócio.44 Muitos artistas não se relacionam com o mercado por
não dominar as leis de incentivo culturais e por terem dificuldades de escrever
41 Entrevista concedida por telefone, para mim, em 24/01/2012. 42 Entrevista concedida por e-mail para mim, em 09/01/2012. 43 Informações extraídas de: < http://estrombo.com.br/o-que-e-o-estrombo>. Acesso em: 31 jan.2012. 44 Declaração durante palestra no evento “Observatório Criativo – Economia criativa: compartilhamento de ideias sobre cultura”, realizado em 13/12/2011, no Centro Cultural da Justiça Federal.
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projetos. Por isso, um dos objetivos do Estrombo, como descreve o site do projeto, é
dar apoio à cadeia produtiva da música, desde artistas, produtores, casas de shows,
lan houses, DJs, fotógrafos, estúdios, escolas, webradios, jornalistas, artistas
gráficos, figurinistas, técnicos de som e luz, cenógrafos e game designers. Está
estruturado para ser desenvolvido em três vertentes: capacitação, realização de
estudos e participação mais ativa no mercado.45
Dentro da realidade do crowdfunding ao contexto brasileiro, os criadores do
crowdfunding fazem adaptações, como, por exemplo, no atendimento aos autores
dos projetos. Rodrigo Maia, sócio do Catarse, enfatiza que as plataformas dedicam
“extrema atenção aos proponentes, e também aos apoiadores. Prezamos o afeto, a
proximidade e/ou aproximação – somos mais parceiros dos realizadores do que
prestadores de serviços.”
Com recursos públicos e de instituições privadas, há uma possibilidade do
fortalecimento da microeconomia do Estado. “Toda e qualquer iniciativa que
incentive a produção de bens culturais e a inserção de novos agentes dentro da
cadeia produtiva da música ajuda a reaquecer a cidade e tornar o meio ambiente
mais favorável,” na opinião do produtor independente Alê Barreto.46 O crowdfunding
é mais um recurso para os artistas, reconhecido pelo Estrombo, ao citar o modelo da
plataforma Queremos:
(...) Já não é raro artistas distribuindo músicas gratuitamente, sabendo que isso desperta o interesse do público e cativa novos ouvintes, aumentando o público pagante em shows. Nesse cenário, surgem iniciativas que dialogam criativamente com as novas tecnologias digitais. (...) O crowdfunding é um recurso usado de muitas maneiras na realização de shows. No Rio de Janeiro, um dos projetos mais bem-sucedidos é o Queremos, que trouxe mais de 20 bandas internacionais para tocar na cidade.47
Maia ressalta que as plataformas de crowdfunding hoje no Brasil não são
sustentáveis. Os sócios do Catarse, ao longo de 2011, investiram recursos próprios,
sem retorno. Tudo que os projetos geraram em 2011 são o capital de giro atual. No
Catarse, ele elabora com os sócios uma série de modelos de receita adicionais que
entram em ação em 2012 para potencializar os projetos. Ele explica que, se
subissem as taxas de administração, ficaria muito pesado para os projetos, já que é
uma carga incluir o custo logístico de entrega de recompensas:
45 Trecho disponível em: <http://estrombo.com.br/video-estrombo-mapeamento-cultural-do-estado-do-rio-heliana-marinho-sebraerj>. Acesso em 01 fev. 2012 46 Entrevista concedida por e-mail, para mim, em 05/01/2012. Alê Barreto é administrador, produtor, autor do livro Aprenda a Organizar um Show e gestor do conteúdo do blog Produtor Cultural Independente. 47 Em: <http://estrombo.com.br/tag/queremos>. Acesso em: 30 jan. 2011.
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O Catarse não tem fins lucrativos. É uma empresa privada, mas seguimos preceitos de negócios sociais, o chamado setor 2 e meio, numa alusão a um intermédio entre o terceiro setor e empresas. Isso não quer dizer que não possamos ter bons salários, mas todo o nosso lucro (excedente) é devolvido pra re-alimentar a roda. Mas isto ainda não ocorre, e quando ocorrer, é porque cumprimos nossa missão. O Catarse será, neste momento, algo bem mais aberto do que é hoje.48
No apoio à prática do negócio, os Estados Unidos começam a se preocupar
com uma regulamentação de leis para o crowdfunding. Como uma das mudanças,
os EUA pretendem incentivar a participação de empresas no crowdfunding. Maia
avalia a questão como ponto favorável para o Brasil:
Seria como se, ao invés de um empreendedor procurar investidores de Venture Capital, ou Anjos investidores, pudesse mobilizar estes recursos através do crowdfunding. A diferença para o modelo que vemos hoje é que este apoiador passa a ter participação na empresa/empreendimento que ele apoia. Os EUA estão aprovando esta medida, e acreditamos que o Brasil siga no rastro. A importância disso é que teríamos um artifício para aquecer o mercado de micro-empreendimentos e fortalecer a cultura empreendedora no Brasil.49
Ao acompanharem de perto o mercado, alinhado às necessidades do Rio de
Janeiro, as plataformas de crowdfunding podem ser grandes aliadas para maior
afirmação da cultura carioca independente. Se contar com parcerias de empresas
físicas da indústria criativa é também trocar experiências em comum, isso pode
significar um caminho mais curto na identificação das urgências da sociedade.
Agora, se assiste a um fortalecimento da cultura no Estado, haja vista o
aumento do número de casas de shows, além do ressurgimento de movimentos
culturais. Nos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de
2016, os segmentos culturais começam a despertar o interesse de um público que
deseja conhecer os costumes da região, atraindo novos investidores.
48 Entrevista concedida por e-mail, para mim, em 11/01/2012. 49 Idem.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os adeptos do crowdfunding vêem nas plataformas uma inovação na forma
de relacionamento entre as pessoas, baseada em pilares como os da confiança e do
mutirão. As iniciativas dos projetos são inéditas e, por isso redobram o entusiasmo
dos envolvidos. Se combinadas com processos de negócio do mercado tradicional,
as atividades das plataformas podem se transformar em uma sólida estratégia para
novos empreendimentos.
Quando amarramos aos projetos um discurso carregado de identidade
emocional, com afinidades e objetividade, podemos, sim, concretizar propostas – o
crowdfunding tem comprovado isso. Mas hoje, os projetos concluídos em
plataformas brasileiras não chegam ao sucesso dos números que as plataformas
dos Estados Unidos apresentam. Este país já se preocupa com meios para facilitar
as transações no crowdfunding (a praticidade americana de adaptar a realidade ao
ciberespaço não é novidade para ninguém).
Se há a impressão de que o crowdfunding está apenas “engatinhando” no
nosso país, há de se analisar profundamente todo o processo de negócio das
plataformas para prosseguir com segurança, e os idealizadores começam a agir
nessa direção. Eles se relacionam com empreendedores de diversas esferas da
sociedade, estudando o impacto e várias possibilidades de inserção do
crowdfunding no mercado, além de aprimorarem fluxos para se tornarem eficazes na
relação com os atores, diretos e indiretos da cadeia produtiva na qual os
empreendimentos de crowdfunding se inserem.
A Internet reserva a sensação de que não há limites para se testar
experiências, e isso pode ser usado a favor ou contra, uma vez que, quem aposta no
crowdfunding sabe que todo cuidado é pouco na manutenção da preservação dos
ideais, ao se pensar em expansão.
A produção cultural Rio de Janeiro domina a prática do improviso e, por isso,
se identifica com o crowdfunding. Essa é uma chance de os produtores se
integrarem mais no mercado, carente pela falta de leis de incentivos. Os produtores
independentes cariocas saem na frente ao conquistarem apoio dos órgãos públicos
e privados em prol do desenvolvimento da economia, aproveitando o momento de
mostrar e desenvolver a riqueza cultural carioca, na busca pela valorização do
patrimônio imaterial.
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BIBLIOGRAFIA
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