o corredor ecológico nº 2

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O CORREDOR ECOLÓGICO Informativo do Projeto Microcorredores e da ONG Curicaca - JANEIRO de 2008 - Número 002 - Ano 1 O Parque Estadual de Itapeva é uma Unidade de Conservação situada no município de Torres, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. No verão, amantes da natureza de todo país visitam o local, e muitos deles se instalam com suas barracas e motor-homes no camping existente ali. Para lidar com este aumento da demanda, o Departamento Estadual de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP) faz malabarismos, valendo- se de servidores de outras Unidades de Conservação (UC) no reforço da fiscalização na área. Na última temporada de veraneio, a equipe contratada em caráter temporário se mostrou insuficiente para zelar pelos 1.000 hectares do Parque. Ciente disso, a administração buscou apoio em guardas que trabalham em outras Unidades, como o Horto Florestal Litoral Norte e os Parques Estaduais do Espigão Alto, de Rondinha e de Itapuã, o que ainda não garantiu a fiscalização de atividades não permitidas em Itapeva, que é uma UC de proteção integral. “Enquanto os funcionários concentravam-se em atender à demanda de campistas e visitantes, não tinham tempo para ter o total controle dos impactos sobre o Parque, como construções nas dunas próximas ao Riacho Doce, pesca nas pedras de Itapeva, degradação das dunas por bugues e jeeps e caça predatória por cachorros de moradores da região”, relata Alexandre Krob, da Curicaca. Com o término do contrato da equipe provisória, em abril deste ano, o Parque ficou sem uma chefia no local. Dois dos guardas emprestados foram mantidos. “Nós não temos muita gente nas outras Unidades para dar apoio, então fazemos um rodízio para não deixar Itapeva abandonada”, explica a bióloga Roberta Dalsotto, chefe da Divisão de Unidades de Conservação do DEFAP. Outro problema constatado no verão passado foi com a infra-estrutura do camping. Na primeira semana de fevereiro de 2007, 150 representantes dos usuários protestaram pela imediata implantação do Parque e a melhoria da situação do local de acampamento. Frente a isso, as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente e de Turismo prometeram realizar um esforço para a efetivação do Plano de Manejo e para a adequação das condições do camping. No final de novembro passado, o DEFAP partiu para a manutenção da área de acampamento, após um levantamento que indicou quais itens precisavam de melhorias. “Avaliamos portas dos banheiros, sistema elétrico, enfim, itens de infra-estrutura”, afirma Roberta. Já o Plano de Manejo foi publicado em dezembro, o que possibilita que as autoridades passem a tomar decisões relacionadas aos objetivos de conservação da biodiversidade no Parque e também ao seu uso em ecoturismo. No quesito fiscalização das agressões ambientais dentro do Parque, porém, os torrenses e visitantes devem ver se repetir nesse verão as medidas aplicadas no ano passado, visto que a quantidade de guarda- parques deverá ser a mesma. Dessa vez, contudo, serão servidores concursados, formando um quadro permanente, o que já se traduz em estabilidade. No último dia 30 de novembro, o biólogo e ex-fiscal ambiental da Prefeitura de Torres Fabiano Minassi Silva tomou posse como gestor do Parque, juntamente com um agente administrativo e quatro guarda-parques, selecionados após o concurso público realizado em 2007. Mas a realocação de guardas de outras Unidades ainda se fará necessária, pois o número de funcionários lotados no Parque não é adequado para períodos de movimento intenso. Parque ainda não está totalmente implantado Criado em 2002, o Parque de Itapeva precisa atender a uma série de requisitos para que o seu funcionamento seja considerado satisfatório. Uma melhor organização, que inclui desde a indenização dos antigos proprietários até a instalação de lixeiras no local, é um importante aspecto do processo, como destaca Roberto de Oliveira Monteiro, da Tenda do Beto. Conhecedor da região e das pessoas que visitam Torres no verão, ele diz que um dos problemas é a falta de informações para orientar quem vai ao Parque. “Como ele não foi demarcado, o pessoal não sabe onde é, onde vai ser... e tem áreas com os proprietários ainda, porque eles não foram indenizados”, comenta. “Poderia ter um folder com dicas para os visitantes também”, sugere. A Prefeitura de Torres também reivindica melhoras na Unidade de Conservação, que, nas palavras do Prefeito João Alberto Machado, tem potencialidade. “A nossa expectativa é grande para que o Parque seja um bom ponto turístico”, afirma Machado, que considera que “o Plano de Manejo traz uma série de inovações, dentre elas o ecoturismo aliado à preservação”. A situação se repete no Parque Natural Municipal Tupancy, a meia hora de Itapeva. Um dos mais ricos patrimônios naturais de Arroio do Sal, a área de 21 hectares tem grande procura na alta temporada, mas não possui infra-estrutura nem fiscalização adequadas. “No verão entram umas 150 pessoas por dia”, estima Cláudio Silva de Souza, morador do município. Ele relata que todo esse movimento é controlado por apenas uma pessoa, que, em verdade, seria responsável somente pela área do Criadouro de Animais Silvestres que fica dentro do Tupancy. É o funcionário do Criadouro que vai exercer o papel de guarda do Parque durante o verão, conforme Marta Maria da Silva, que neste mês foi nomeada Diretora do Parque. Ela e uma estagiária recém contratada devem ficar no Tupancy diariamente neste verão, quando será inaugurado o Centro de Visitantes, previsto inicialmente para ficar pronto em agosto. “Vai ser meio precário, mas vai ter uma estrutura”, pondera. É verão nas Unidades de Conservação Itapeva e Tupancy Parques do Litoral Norte têm mais visitantes no veraneio, mas não estão preparados para isso Artesanato com palha de Butiá sofre entrave por falta de licenciamento Sem norma que permita o manejo da planta, artesãos de Torres ficam sem permissão para produzir chapéus e bolsas, conhecimento que herdaram de suas famílias CLÁUDIO FACHEL/CURICACA JOYCE WAINBERG/CURICACA Página 5 ACERVO CURICACA

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Lançado em setembro de 2007, "O Corredor Ecológico" é o jornal publicado pelo Instituto Curicaca, com distribuição gratuita dirigida nos municípios de Torres, Arroio do Sal, Dom Pedro de Alcântara, Mampituba, Morrinhos do Sul, Três Cachoeiras, Porto Alegre e Região Metropolitana. Nas suas páginas, encontram-se reportagens sobre Unidades de Conservação e desenvolvimento sustentável, sobre a atuação do Curicaca e de outras instituições em políticas públicas voltadas ao meio ambiente e sobre Educação Ambiental, as Trocas de Saberes e a Ação Cultural de Criação "Saberes e Fazeres da Mata Atlântica", entre outros.

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Page 1: O Corredor Ecológico nº 2

O CORREDOR ECOLÓGICOInformativo do Projeto Microcorredores e da ONG

Curicaca - JANEIRO de 2008 - Número 002 - Ano 1

O Parque Estadual de Itapeva é uma Unidade de Conservação situada no município de Torres, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. No verão, amantes da natureza de todo país visitam o local, e muitos deles se instalam com suas barracas e motor-homes no camping existente ali. Para lidar com este aumento da demanda, o Departamento Estadual de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP) faz malabarismos, valendo-se de servidores de outras Unidades de Conservação (UC) no reforço da fiscalização na área.

Na última temporada de veraneio, a equipe contratada em caráter temporário se mostrou insuficiente para zelar pelos 1.000 hectares do Parque. Ciente disso, a administração buscou apoio em guardas que trabalham em outras Unidades, como o Horto Florestal Litoral Norte e os Parques Estaduais do Espigão Alto, de Rondinha e de Itapuã, o que ainda não garantiu a fiscalização de atividades não permitidas em Itapeva, que é uma UC de proteção integral. “Enquanto os funcionários concentravam-se em atender à demanda de campistas e visitantes, não tinham tempo para ter o total controle dos impactos sobre o Parque, como construções nas dunas próximas ao Riacho Doce, pesca nas pedras de Itapeva, degradação das dunas por bugues e jeeps e caça predatória por cachorros de moradores da região”, relata Alexandre Krob, da Curicaca. Com o término do contrato da equipe provisória, em abril deste ano, o Parque ficou sem uma chefia no local. Dois dos guardas emprestados foram mantidos. “Nós não temos muita gente nas outras Unidades para dar apoio, então fazemos um rodízio para não deixar Itapeva abandonada”, explica a bióloga Roberta Dalsotto, chefe da Divisão de Unidades de Conservação do DEFAP.

Outro problema constatado no verão passado foi com a infra-estrutura do camping. Na primeira semana de fevereiro de 2007, 150 representantes dos usuários

protestaram pela imediata implantação do Parque e a melhoria da situação do local de acampamento. Frente a isso, as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente e de Turismo prometeram realizar um esforço para a efetivação do Plano de Manejo e para a adequação das condições do camping. No final de novembro passado, o DEFAP partiu para a manutenção da área de acampamento, após um levantamento que indicou quais itens precisavam de melhorias. “Avaliamos portas dos banheiros, sistema elétrico, enfim, itens de infra-estrutura”, afirma Roberta. Já o Plano de Manejo foi publicado em dezembro, o que possibilita que as autoridades passem a tomar decisões relacionadas aos objetivos de conservação da biodiversidade no Parque e também ao seu uso em ecoturismo.

No quesito fiscalização das agressões ambientais dentro do Parque, porém, os torrenses e visitantes devem ver se repetir nesse verão as medidas aplicadas no ano passado, visto que a quantidade de guarda-parques deverá ser a mesma. Dessa vez, contudo, serão servidores concursados, formando um quadro permanente, o que já se traduz em estabilidade. No último dia 30 de novembro, o biólogo e ex-fiscal ambiental da Prefeitura de Torres Fabiano Minassi Silva tomou posse como gestor do Parque, juntamente com um agente administrativo e quatro guarda-parques, selecionados após o concurso público realizado em 2007. Mas a realocação de guardas de outras Unidades ainda se fará necessária, pois o número de funcionários lotados no Parque não é adequado para períodos de movimento intenso.

Parque ainda não está totalmente implantadoCriado em 2002, o Parque de Itapeva precisa

atender a uma série de requisitos para que o seu funcionamento seja considerado satisfatório. Uma melhor organização, que inclui desde a indenização

dos antigos proprietários até a instalação de lixeiras no local, é um importante aspecto do processo, como destaca Roberto de Oliveira Monteiro, da Tenda do Beto. Conhecedor da região e das pessoas que visitam Torres no verão, ele diz que um dos problemas é a falta de informações para orientar quem vai ao Parque. “Como ele não foi demarcado, o pessoal não sabe onde é, onde vai ser... e tem áreas com os proprietários ainda, porque eles não foram indenizados”, comenta. “Poderia ter um folder com dicas para os visitantes também”, sugere.

A Prefeitura de Torres também reivindica melhoras na Unidade de Conservação, que, nas palavras do Prefeito João Alberto Machado, tem potencialidade. “A nossa expectativa é grande para que o Parque seja um bom ponto turístico”, afirma Machado, que considera que “o Plano de Manejo traz uma série de inovações, dentre elas o ecoturismo aliado à preservação”.

A situação se repete no Parque Natural Municipal Tupancy, a meia hora de Itapeva. Um dos mais ricos patrimônios naturais de Arroio do Sal, a área de 21 hectares tem grande procura na alta temporada, mas não possui infra-estrutura nem fiscalização adequadas. “No verão entram umas 150 pessoas por dia”, estima Cláudio Silva de Souza, morador do município. Ele relata que todo esse movimento é controlado por apenas uma pessoa, que, em verdade, seria responsável somente pela área do Criadouro de Animais Silvestres que fica dentro do Tupancy. É o funcionário do Criadouro que vai exercer o papel de guarda do Parque durante o verão, conforme Marta Maria da Silva, que neste mês foi nomeada Diretora do Parque. Ela e uma estagiária recém contratada devem ficar no Tupancy diariamente neste verão, quando será inaugurado o Centro de Visitantes, previsto inicialmente para ficar pronto em agosto. “Vai ser meio precário, mas vai ter uma estrutura”, pondera.

É verão nas Unidades de ConservaçãoItapeva e Tupancy Parques do Litoral Norte têm mais visitantes no veraneio, mas não estão preparados para isso

Artesanato com palha de Butiá sofre entrave por falta de licenciamento

Sem norma que permita o manejo da planta, artesãos de Torres ficam sem permissão para produzir chapéus e bolsas, conhecimento que herdaram de suas famílias

CLÁUDIO FACHEL/CURICACA JOYCE WAINBERG/CURICACA

Página 5

ACERVO CURICACA

Page 2: O Corredor Ecológico nº 2

Editor: Alexandre KrobJornalista Responsável: Romeu Finato - Mtb 12042Reportagem e diagramação: Joyce Copstein WainbergIlustrações: Patrícia BohrerColaborador desta edição: Mateus Arduvino Reck

Tiragem: 2.000 exemplares Público: Moradores, professores e técnicos de Torres, Arroio do Sal, Dom Pedro de Alcântara, Mampituba, Morrinhos do Sul e Três Cachoeiras; técnicos ambientais estaduais e federais; demais parceiros da ONG.

O Corredor Ecológico tem distribuição gratuita.

ONG Curicaca Coordenador geral: Mateus Arduvino ReckCoordenador técnico: Alexandre KrobCoordenadora de Educação Ambiental e Cultura: Patrícia Bohrer

Sede Administrativa: R. Dona Eugênia, 1065/303 CEP 90630-150Porto Alegre - RS Fone: (51) 33320489 http://www.curicaca.org.br [email protected]

expediente

EditorialPor Alexandre Krob

“O Corredor Ecológico” é apoiado pelo projeto Microcorredores Ecológicos de Itapeva.

O corredor ecológico - JANEIRo de 20082

Para quem está comprometido com a construção de um novo período ecológico das pessoas na Terra, há um desafio estratégico; provar que isso é possível para uma so-ciedade descrente, continuamente enganada por políticos corruptos e sem ética e que, a cada dia, define seus atos na direção oposta da sustentabilidade da espécie humana sob a convicção de que nada é mais importante do que os benefícios pessoais.

Já passamos do tempo em que os discursos ecológi-cos se apoiavam apenas em utopias e ideais. Há hoje ao dispor de crédulos e incrédulos um conjunto razoável de experiências bem sucedidas que podem servir de apoio à re-construção negociada de soluções alternativas aos con-flitos sociais, econômicos e ambientais de nossa sociedade. Ao mesmo tempo, há grande dificuldade em difundi-las e, assim, replicá-las e torná-las políticas públicas.

Nesse contexto, encontram-se as Unidades de Conser-vação da natureza e o impacto local gerado na sua criação. Não se trata apenas de adotar processos participativos na definição da localização, tipo e conformação dessas áreas protegidas. Antes disso, é preciso construir um outro tipo de percepção da sociedade a respeito de seus significados. De uma maneira geral, são recebidas como uma espécie de punição, de grande incômodo ou infortúnio.

Há inúmeros motivos para essa rejeição. Definir que uma área privada do território será utilizada para a pro-teção pública da riqueza biológica significa impedir seu uso para os interesses individuais e qualquer atividade que cause impacto à natureza. Mesmo assim, a quanti-dade de descontentes deveria ser bem menor que a de apoiadores da iniciativa, por ser esta uma forma de ga-rantir um meio ambiente saudável, o que é um interesse coletivo. O mesmo coletivo iludido ora por aqueles que criam as Unidades sem indenizar seus proprietários, sem implantá-las corretamente, sem garantir suas inúmeras funções complementares de âmbito social, educacional, econômico, cultural e científico; ora por aqueles que ven-dem aos moradores locais doces promessas de emprego e renda se no lugar de Parques e Reservas existissem negócios e negócios – agropecuários, imobiliários, extra-tivistas, sempre concentradores de renda e de grande exclusão social.

Unidades de Conservação são âncoras para o desen-volvi-mento regional sustentável. Assim têm sido, por exemplo, com os Parques Nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o Parque Estadual Ilha do Cardoso. Com a sua criação e funcionamento vão se criando e fortalecendo atividades econômicas integradas a conservação da natureza e a valo-rização da cultura local. Se o governo e a sociedade estão comprometidos e empenhados, as dificuldades usuais podem ser superadas e essa oportunidade pode ser bem aproveitada pelas comunidades locais.

Ambiente & Cultura

O que são os Corredores Ecológicos

Parques, Reservas, Refúgios, Estações Ecológicas. Essas e outras Unidades de Conservação da Natureza (UC) contribuem, cada uma a seu modo, para a sobrevivência de animais, plantas, fungos, microorganismos, pessoas – em outras palavras, os seres que dependem de um meio ambiente preservado. Apesar de fundamental para a conservação da biodiversidade, a proteção de um pedaço de ecossistema natural isolado não provê aos seres vivos tudo aquilo de que eles necessitam, como grandes áreas para se alimentar, encontrar um parceiro para se reproduzir ou buscar uma nova moradia.

É aí que entram os Corredores Ecológ icos, caminhos que integram essas partes que restam do ambiente natural, dentro ou fora de Unidades de Conservação, prop ic iando aos an ima is a circulação, às flores a polinização, às sementes a dispersão e à água e aos nutrientes o ciclo completo. Com o atual estado de degradação e fragmentação da natureza, a distância entre um lugar e outro fica cada vez mais acentuada, dificultando a locomoção dos animais. As barreiras que se estabelecem pela forma como se ocupa o ambiente e a agressividade de algumas pessoas para com os seres da natureza acabam por provocar a morte de muitos insetos, pássaros e mamíferos – para citar alguns exemplos – e das plantas que dependem do deslocamento desses e de outros animais para se disseminarem, comprometendo a diversidade biológica.

A criação e a implantação de um corredor ecológico é, assim, um trabalho pela manutenção dos seres vivos e da continuidade dos ecossistemas nos quais eles se inserem. Diferentemente dos Parques e Reservas, sua função principal não é a proteção direta da biodiversidade, mas a criação de oportunidades para uma relação harmoniosa das pessoas com os seres da natureza e o ambiente que ocupam.

Ao se imaginar um Corredor Ecológico, é provável que o que venha à cabeça seja uma imagem de faixas contínuas de

florestas ligando, por exemplo, duas Unidades de Conservação. Essa seria a situação ideal, porém de difícil alcance, principalmente na Mata Atlântica. Por isso, há Corredores Ecológicos que incluem os lugares onde as pessoas moram e produzem, se isso é feito sem ameaçar os animais. A agricultura ecológica ilustra bem a proposta, pois respeita a natureza, ao contrário daquela que utiliza agrotóxico, e por isso favorece os corredores. Da mesma forma as agroflorestas, se comparadas às monoculturas de bananas.

Quando, ao invés de uma paisagem monótona, dominada por monoculturas, se tem um

conjunto de diferentes formas de uso do solo, formando uma colcha de retalhos – o mosaico de habitats – que inclui ambientes preservados, há uma boa oportunidade para o fluxo das espécies. Aí, os fragmentos de ecossistemas preservados e próximos entre si, mas não conectados fisicamente, são os chamados trampolins ecológicos. Eles permitem que alguns animais “pulem”, dependendo da distância, de fragmento em fragmento, possibilitando, assim, a sua a circulação.

Existem Cor- redores Ecológicos que são vastos, e abrangem diversas áreas ambientalmen-te importantes. É o caso do Corredor Centra l da Mata Atlântica, nos Estados da Bahia e Espírito Santo. Há também os microcorredores, que são pequenos – os desenhados pe l a Cur i caca e seus parceiros, por exemplo, têm 300 metros de largura – e formam uma malha de caminhos preferenciais para o fluxo das espécies. Essa opção deve-se à busca de uma maior eficácia na sua implantação.

A efetividade desses caminhos, porém, depende de

algumas iniciativas e do interesse dos agricultores e suas famílias, bem como do poder público e das instituições da sociedade, na sua implantação.

Assim, os agricultores podem planejar as suas propriedades com decisões que favoreçam o fluxo das espécies. O respeito às Áreas de Preservação Permanente (APP) – matas ciliares, encostas e topos de morro, banhados, dunas móveis e vegetadas – é muito importante, pois os corredores geralmente passam por elas. Outra contribuição é na localização da Reserva Legal (RL), que pode ser definida de modo a ficar em um local da propriedade que contribua para os corredores. Esses compromissos estão previstos na legislação ambiental brasileira (Código Florestal), mas não se tratam apenas de obrigação: eles trazem uma série de benefícios em qualidade de vida para as famílias de agricultores e para a sociedade em geral.

Também o poder público tem um papel fundamental em relação aos Corredores. Seu compromisso é orientar e dar apoio para que, no meio rural e no urbano, os moradores dos Corredores real izem ações em prol da implantação e do funcionamento correto dos mesmos. Se os sistemas agroflorestais são uma alternativa, espera-se do poder público que motive e apóie tecnicamente os agricultores na mudança do método de produção. Nas áreas urbanas, os planos municipais podem orientar para uma ocupação territorial mais harmônica, com áreas residenciais de terrenos maiores, espaços verdes, mata ciliar preservada, entre outros.

A atuação das instituições da sociedade pode se dar com educação ambiental, organização social, acompanhamento das ações públicas e inúmeras outras atividades. As Universidades também têm a contr ibu i r, a j udando na pesqu i s a , n a d i f u s ã o d o c o n h e c i m e n t o sobre a biodiversidade e no monitoramento dos Corredores.

Entenda melhor como funcionam os caminhos que conectam áreas protegidas, aprimorando a conservação da natureza e beneficiando quem vive no seu entorno

Graças aos Corredores, aves têm alimento e galhos para pousar

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Matas ciliares possibilitam a passagem dos animais de um fragmento para outro

Page 3: O Corredor Ecológico nº 2

Como fo i que te tornas te agroecologista?Após o meu período de atividade política, que foi dos 16, 17 anos até os 50, eu resolvi fazer uma mudança radical e apostar num projeto que não só fosse gratificante para mim e para a minha família, mas que também tivesse como objetivo a qualidade de vida. Optamos pela agricultura ecológica e familiar, na nossa propriedade em Dom Pedro de Alcântara, e desenvolvemos o projeto com o apoio da Rede Ecovida, no litoral norte do RS.

Como funciona esse projeto?Nós trabalhamos com uma área protegida, sistema mais conhecido por “estufa”. Primeiro, começamos a agricultura sem ela, mas, com o aprendizado que tivemos no curso de formação do Centro Ecológico, fomos verificando algumas precariedades da agricultura ecológica em termos de clima e montamos a área protegida. Já estamos há quatro anos nesse sistema, produzindo principalmente o nosso carro-chefe, que é o tomate ecológico da entressafra, suprindo essa deficiência no mercado ecológico durante o inverno. E no verão, para não ficar na monocultura, temos a alface, o melão tipo espanhol e outras culturas.

Quais são as vantagens da agricultura ecológica?Para mim, é um prazer produzir sem veneno, sem um produto químico que afeta a saúde de quem planta, de quem produz e de quem usa. A gente nota que lá na região da Campanha, por exemplo, os produtos que chegam do litoral têm um excelente aspecto. Isso só é possível colocando produto químico e em bastante quantidade, inclusive veneno. Então ter produtos que não causam problemas de saúde pública e desequilíbrio ambiental nos dá uma satisfação muito grande. Essa é a grande vantagem. Com pesquisa e planejamento, a gente faz uma boa produção e vai desmistificando a idéia de que o convencional é um produto de melhor qualidade que o ecológico. Com as condições

que temos hoje, nós fazemos uma produção ecológica muito superior à convencional, e com uma qualidade inafiançável: a qualidade de vida.

E para o ambiente, quais são as vantagens?Tu não agrides o ecossistema com um produto químico, que vai ficar na terra por muitos e muitos anos. É importante refletir sobre onde vai parar o planeta se não tivermos uma preocupação maior. E também fazer a nossa parte na agricultura, ou seja, produzir com qualidade sem que a terra, os mananciais e o ecossistema como um todo sejam atingidos por uma carga violenta de produtos químicos e de agrotóxicos, como acontece na agricultura convencional.

U m a p l a n t a ç ã o eco log icamente correta em um corredor ecológico permite o fluxo de espécies?Sim, tranqüilamente, porque os agr i -cultores ecologistas estão muito preo- c u p a d o s c o m a natureza. Vou dar um exemp lo : a nossa estufa é um viveiro de pássaros. Enquanto as hortas geralmente têm espantalhos para espantar os passarinhos, nós achamos ao contrário: o passarinho traz vida para o ambiente. Ele e qualquer outro animal. Nas nossas estufas é possível ver pomba-rola, canarinho, sabiá, joão-de-barro. A gente molha muito a terra, porque tem sistema de irrigação, e o joão-de-barro vai buscar o barro do canteiro para fazer a sua casinha. Uma parceria interessante dentro da estufa são as mangangavas e as abelhas, que polinizam as nossas produções, como o tomate e o melão. Então há um convívio muito organizado de relação com os animais no projeto ecológico. E a gente acha importante que essa consciência e essa preservação sejam mantidas, porque seria contraditório querer qualidade de vida para o ser humano e não pensar a mesma coisa para os animais.

Como é feita a comercialização dos produtos orgânicos?Nós apostamos prioritariamente em abastecer o mercado ecológico, ou seja, onde temos ponto de venda. Primeiro, atendemos à demanda da região, já que há sistemas organizados de comercialização,

sem custo de deslocamento. Mas também temos uma banca na Feira de Porto Alegre na entressafra de produtos.

Há espaço pra novos agricultores no mercado ecologista?Como esse mercado é novo, nós ainda temos uma carência de produção. No nosso projeto, são 3.200 metros quadrados de estufa, mas é quase nada em relação à necessidade de ter o produto da entressafra, por exemplo. Então nós estimulamos novos agricultores ecologistas da região a se juntarem ao nosso projeto, o que parece um contra-senso, porque estamos em teoria disputando mercado e ao mesmo tempo oferecendo o projeto para agricultores que tenham inclusive o mesmo produto. Mas não há

nenhuma competição aí: temos a questão da solidariedade e da fraternidade entre nós, o que dá tranqüilidade para fazer isso. Então, com mais agricultores p r o d u z i n d o com qua l i dade , p lanejamento e s o l i d e z , v a m o s atender com muito mais vigor à demanda do mercado.

É uma demanda grande?Recentemente, uma pesquisa no Datafolha mostrou que o mercado de produto orgânico é o que mais se expande no Brasil, principalmente nos grandes centros. Isso dá segurança de que, mesmo multiplicando o projeto, nós temos demanda para atender. Também temos um convite para entrar nas grandes redes de supermercado. Claro que nós respeitamos, e seria interessante termos uma produção em escala maior para atender a essa demanda, mas nos voltamos com preocupação a esse tipo de relação, porque é uma relação capitalista que não nos dá tranqüilidade. Ela é muito pautada na exigência de ter um produto para oferecer, e se há algum problema quem sai penalizado é o agricultor, a parte mais fraca, que vai ter que cumprir com o contrato. A gente quer fazer um produto com qualidade, mas também que as idéias de solidariedade, de respeito e de ética sejam respeitadas.

Como é a transição da agricultura convencional para a ecológica?É um processo, ou seja, não é num estalar de dedos que tu vais

te transformar de um produtor convencional em ecologista. A Rede Ecovida e o Centro Ecológico determinam uma transição de um ano e meio a dois anos, período em que a área tem que ser completamente limpa de produtos químicos e veneno. O agricultor também passa por uma formação, na qual aprende não só a usar insumos e defensivos que sejam ecológicos, mas também questões como a ética, o respeito à natureza e à vida, a solidariedade e a fraternidade. Evidente que no nosso sistema também há incompreensão e equívocos, porque é um projeto novo, e às vezes acontecem alguns desvios. Para isso há penalidade: se algum ecologista sai do processo considerado ecológico, ele tem penalidade de suspensão ou até de saída do sistema ecológico.

E como se dá essa fiscalização?Não é uma fiscalização de empresa ou de uma entidade só. As nossas certificações são solidárias, através da Rede Ecovida, que é reconhecida no Governo Federal, no Brasil todo. E a Rede depende de uma certificação que comece não de cima para baixo, mas da base para a própria entidade. Assim, nós não precisamos buscar um técnico que vai dizer se a área é orgânica ou não: os próprios produtores têm a missão de certificar e atestar que o produtor que está junto com eles pratica a ecologia.

Os agroecologistas recebem apoio do Governo?O Governo Federal já encaminhou uma lei para que esse sistema de certificação seja reconhecido, mas ainda é pouco. Nós temos que avançar a um patamar em que a agroecologia seja realmente respeitada e reconhecida como uma questão estratégica, não só para ter um alimento com qualidade, mas para a própria defesa do ecossistema. Nós defendemos que nós tenhamos os mesmos direitos e o mesmo apoio de infra-estrutura que o convencional tem do governo. Com um apoio efetivo, que vá além do reconhecimento no papel, com certeza teremos muito mais capacidade de produção e de atingir mais produtores que possam vir para o sistema ecológico. A partir daí, essa produção não vai só atender o mercado interno, mas também o internacional, que está preparado e já aceita muito mais o produto ecológico do que o convencional. E é possível. Tudo é possível quando a vontade política e a vontade pública se estabelecem.

O corredor ecológico - JANEIRO de 2008 3

Januário: “É uma satisfação produzir sem atingir o meio ambiente”

Januário Lima Filho decidiu tornar-se agricultor aos 50 anos, após longa atuação no meio político. Na busca pela qualidade de vida, a opção foi pela prática ecologista. Morador de Dom Pedro de Alcântara, ele falou ao Corredor Ecológico sobre a relação entre agroecologia e preservação da natureza.

“O agroecologista aprende não só a usar insumos

e defensivos ecológicos, mas

também a ética, o respeito à natureza e o respeito à vida”

Patrícia Bohrer foi uma das palestrantes no III Encontro de Educação Ambiental do Comando Ambiental da Brigada Militar (CABM), no dia 13 de novembro, em Porto Alegre. A Coordenadora de Educação e Cultura da Curicaca explicou o trabalho desenvolvido pela instituição e apresentou a metodologia da Ação Cultural

de Criação Saberes e Fazeres da Mata Atlântica, vinculada ao projeto Microcorredores Ecológicos. Na platéia, havia representantes dos 40 municípios onde o CABM está presente. O Major Martins agradeceu a participação da ONG e manifestou o seu desejo por uma maior difusão da educação ambiental: “No Comando Ambiental se trabalha bastante com a fiscalização, mas nós também investimos em educação. Esse encontro é uma boa oportunidade para que a gente possa trocar experiências, ver o que cada instituição está fazendo em termos de educação ambiental e aperfeiçoar o nosso trabalho”.

Ação Cultural de Criação é tema de palestra em encontro

sobre Educação Ambiental Por indicação da Curicaca, a Diretora de Meio Ambiente de Arroio do Sal e do Parque Tupancy, Marta Maria da Silva, participou do Curso de Gestão de Conselhos de Unidades de Conservação, que aconteceu de 20 a 30 de novembro na cidade de Florianópolis, em Santa Catarina. Voltado para conselheiros e gestores de Unidades de Conservação (UC), o curso abordou temas como a gestão pública, a crise ambiental, a Mata Atlântica, o licenciamento e a educação ambiental. Além de Marta, a associada da ONG Silvana de Oliveira, conselheira do Parque de Aparados da Serra, também assistiu ao curso.

Diretora do Parque Tupancy participa de Curso de Gestão de Conselhos de UC

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Para muitas pessoas, o período que vai do Natal até o Dia de Reis, em 6 de janeiro, é a época em que se tem um pinheirinho montado, enfeitando a sala. Para as pessoas que vivem em Dom Pedro de Alcântara, é mais: são dias de festa, arte e cantoria graças ao Terno de Reis, que passa pela vizinhança com brincadeiras e canções sobre o nascimento de Jesus e os três Reis Magos, sendo recebido pelos amigos com a mesa farta.

Conhecida como “Folia de Reis” em outras partes do Brasil, a manifestação folclórica chegou ao país pelos portugueses e foi rapidamente aceita pelos imigrantes alemães de Dom Pedro. Ela recebeu incentivos do Padre Jorge Anneken, que em 1927 entregou ao mestre Jovino Rodrigues um conjunto de versos que, segundo ele, contavam a verdadeira história do Terno de Reis. No início, os membros do Terno valiam-se apenas da sanfona de oito baixos para acompanhar a toada, como é chamada a música cantada na ocasião. Com o passar do tempo, outros instrumentos foram inseridos, e hoje homens como Celírio Schwanck, Pedro José Mengue e seus filhos, Castelo, Enendir e Pedro Mengue, fazem a visitação das casas munidos de pandeiro e violão, além da sanfona.

Seu Pítia, como Pedro José Mengue é mais conhecido

na região, explica que a idéia do Terno de Reis remonta a quando os reis magos Gaspar, Mélchior e Baltazar retornaram às suas terras, pedindo pousada e cantando as boas novas do nascimento de Jesus pelo caminho. Ao cantar sobre o tema, os componentes do Terno costumam levar seus vizinhos à emoção. “Além disso, as pessoas se envolvem, e acaba virando uma festa”, conta Patrícia Bohrer, Coordenadora de Educação e Cultura da Curicaca, que está trabalhando no levantamento do patrimônio cultural da região. “É algo muito interessante. Tem vezes que a cantoria é inventada ali, na hora mesmo”, salienta.

Apesar da popularidade que

a forma de expressão alcançou nas últimas décadas, as mudanças culturais a tornaram uma riqueza imaterial instável. Hoje, os membros do Terno notam com pesar que a nova geração não conhece ou não tem interesse na tradição. Nos últimos dois anos, o grupo de Pítia não saiu às ruas para cantar. “Os outros não querem fazer o Terno sem o Seu Pítia, que é o mestre”, explica Patrícia. Lauro Teixeira de Souza, que já foi mestre de um dos cinco grupos que existiam na região, também não fez a visitação de casas com seus colegas em 2006: “Os cabeças faleceram. Se tivesse alguém que puxasse, dava de novo. Antes tinha mais força, esperavam o 1º de

janeiro porque ia vir os Reis. O pessoal se encontrava: vamo lá escutá! ”, lembra.

Preocupada com a valorização do patrimônio imaterial nas proximidades de Unidades de Conservação e dos Corredores Ecológicos, a Curicaca organizou uma Troca de Saberes e Fazeres sobre o tema, durante o V Simpósio sobre imigração alemã no Litoral Norte/RS, em 19 de outubro do último ano. Os instrumentistas e cantores do Garganta de Ouro, como é chamado o grupo de Pítia, falaram para cerca de 50 pessoas sobre os significados e valores que a tradição tem para a comunidade de Dom Pedro, lembrando algumas das suas

histórias. A iniciativa contou com o apoio do Secretário Municipal de Educação e Cultura, Ademir Model, que lembrou com emoção dos seus tempos de criança, quando o Terno chegava de surpresa na sua casa e homenageava a família. Ele contou que costumava estar dormindo quando ouvia a cantoria lá fora: era hora de se levantar para escutar o Terno e ver a turma fantasiada e a dança do boizinho. Ao final do evento no Simpósio, Pítia, Celírio, Luiz Justo, Castelo e Enendir presentearam a platéia com um pouco da música do Terno. Com isso, o grupo se reanimou a manter a tradição e não deixar de cantar nas portas de Dom Pedro de Alcântara nos próximos finais de ano.

O corredor ecológico - JANEIRO de 20084

Uma festa para o Terno de Reis

Como é composto o Terno

M e s t r e – é q u e m comanda a banda.Tiradores de versos – são os que puxam os versos, às vezes de improviso.Coro – repete o que foi cantado pelos tiradores.Tipe – é quem finaliza a estrofe, cantando as últimas palavras acima de todos.Palhaços – de máscaras e roupas rasgadas para não serem reconhecidos, fazem brincadeiras e pedem comida ao dono da casa.

Dom Pedro de Alcântara Forma de expressão popular faz parte do patrimônio cultural do município

Evento promovido pela Curicaca estimulou grupo a fazer a próxima edição do Terno

O que artefatos cerâmicos, O que artefatos cerâmicos, machados, pontas de flecha, sambaquis (concheiros), quebra-coquinhos e inscrições rupestres indicam sobre um local? Como é feita a pesquisa e o estudo com este material? Que outras populações já habitaram a região de Itapeva? O que são os sítios arqueológicos?

Essas foram as questões propostas para a Troca de Saberes e Fazeres da Mata Atlântica com a professora e arqueóloga Gislene Monticelli e o agricultor e comerciante Roberto de Oliveira Monteiro, da Tenda do Beto, no último dia 25 de novembro. Mas, na interação com o público, outros assuntos surgiram para enriquecer o momento.

Na atividade, Gislene explicou alguns conceitos e falou da importância da arqueologia na região de Itapeva, seguida por Beto, que compartilhou a sua experiência com todos. Com isso, surgiu a preocupação a respeito de um acervo que reúna as descobertas arqueológicas. “O ideal é que [elas] fiquem em um museu local, para que os estudantes possam conhecer as ocupações passadas”, afirmou Gislene.

Atualmente, a maior parte do material coletado na região pelos arqueólogos é destinado ao Museu de Ciência e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica (MCT – PUC), em Porto Alegre, e para o Museu Arqueológico, em Taquara. Há situações em que, por desconhecimento da legislação segundo a qual o material arqueológico é patrimônio da União e precisa ser estudado e salvaguardado, os moradores locais que os encontram acabam levando os artefatos para casa, prejudicando o conhecimento de nossa cultura.

Duas moradoras do interior de Torres que estavam entre o público disseram já ter encontrado cerâmica no Morro dos Macacos. Outro dos presentes referiu-se aos acúmulos de conchas que algumas vezes são encontrados nas dunas próximas à praia ou da Lagoa de Itapeva. Como ficou explícito na conversa, esses e outros vestígios de culturas passadas são bastante freqüentes na região, mas são poucas as pessoas que entendem o seu significado e reconhecem a sua importância. “O sítio arqueológico de Itapeva é um dos mais importantes do

Arqueologia de Itapeva é tema de encontro

Atividade da Curicaca falou sobre objetos freqüentemente encontrados nos sítios arqueológicos da região

Rio Grande do Sul. Não tem município aqui que não tenha patrimônio”, comentou Gislene, que disponibilizou fotografias de alguns itens para os presentes. A Troca de Saberes e Fazeres foi organizada pela Curicaca e ocorreu durante a 3ª Festa Regional do Marreco de Pequim, em Pirataba (Torres).

Informações sobre possíveis sítios arqueológicos devem ser comunicadas ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado – IPHAE/RS –, pelo telefone (51) 3225-3176.

Os participantes da Troca de Saberes. No

detalhe: Beto (E) e Gislene (D).

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Artesanato com fibra de Butiá: uma prática ameaçada

Evento da Curicaca reúne artesãs

No litoral norte do Rio Grande do Sul, o Butia capitata é uma palmeira de ocorrência concentrada em Torres. Da sua palha, é possível fazer cestos, tapetes, bolsas, carteiras e chapéus, além da clina, um enchimento para colchões e estofados largamente utilizado na metade do século passado. Conhecimento tradicional que vem passando de geração em geração, o artesanato com a planta enfrenta hoje um obstáculo devido à possibilidade de extinção da espécie e à inexistência de uma norma que permita o seu manejo.

O desmatamento para a plantação de fumo, a conversão de espaços rurais em sítios de lazer e atividade pecuária em áreas de ocupação restrita do butiazal reduziram bruscamente a quantidade de palmeiras, ameaçando a sua continuidade. Na década de 1990, o Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP) estabeleceu o licenciamento de atividades potencialmente impactantes sobre ecossistemas florestais, exigindo um estudo prévio, conforme explica Aldo Berni, técnico de licenciamento da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Litoral Norte: “O DEFAP precisa de parâmetros para liberar o licenciamento. A regra geral para o cidadão comum é que ele pode fazer tudo que não é proibido, mas nesse caso só se pode fazer o que é permitido”. No caso do Butia capitata, não existe estudo nem norma específica autorizando o seu manejo.

As artesãs de Torres garantem que aplicam técnicas favoráveis à planta quando retiram as suas folhas. “O Butiá provavelmente se comporta como o Jerivá: o pessoal corta as folhas e ele sobrevive”, diz Berni. Elas confirmam: “Tem gente que acha que, se tirar a palha, estraga o Butiazeiro. Isso não é verdade”, diz uma delas. “Se não tirar, ele morre”, concordam as demais. “Não precisa deixar o Butiá pelado: sempre ficam umas três folhas”, afirma Judith da Rosa Santos. “E não dá para tirar o broto, se não ele cai”.

Torres Ausência de regulamentação para o manejo sustentável da palmeira impossibilita o trabalho de artesãos locais e ameaça a continuidade do conhecimento tradicional, que vem passando de geração em geração

“Não será problema liberar o corte da folha do Butiá a partir do momento em que se comprovar a sustentabilidade da prática, isto é, que não vai haver prejuízo para a planta”, afirma o engenheiro agrônomo Marcos Braga, diretor da Divisão de Licenciamentos do DEFAP. “Há o agravante de ser uma espécie ameaçada, mas é claro que ninguém vai querer exterminar uma espécie que lhe favorece”, pondera. Recentemente, um estudo da ONG Ação Nascente Maquiné (ANAMA) permitiu o manejo da Samambaia-Preta, que enfrentava dificuldades semelhantes às do Butiá para o licenciamento, sendo utilizada em arranjos florais.

“Seria interessante uma mobilização da comunidade para que um estudo com a palmeira fosse feito, já que existem populações trabalhando com ela”, afirma Berni. “É uma atividade econômica que garante o sustento familiar, e o DEFAP não pode fechar os olhos para isso”, acrescenta. De fato, várias famílias da região têm obtido seu sustento do Butiá ao longo dos anos, primeiro com os engenhos de clina e depois com a venda de chapéus. Apesar do valor financeiro dos seus produtos não ser grande frente a trabalhos semelhantes, que são encontrados em lojas de decoração por até 150 reais, as artesãs de Torres estão ansiosas por retomar a atividade: “Ah, é uma coisa muito boa... se estamos em casa, ficamos trançando, conversando. Eu amo trançar!”, alegra-se uma delas.

Trabalho assegurava roupas e estudo para as crianças

Até a instituição do Código Florestal Estadual, em 1992, algumas donas-de-casa de Torres tinham nos chapéus feitos com a fibra de Butiá um importante complemento de renda. O mercadinho oferece 13 reais em víveres por uma dúzia deles. “Com o artesanato, fome a gente não passa, né?”, comenta a aposentada Irma Pacheco da Silveira. “Eu poderia trocar os chapéus por comida, e o salário que eu recebo da aposentadoria eu usaria para as outras coisas”, calcula. Criada em meio ao engenho de clina, Dona Irma já teve na palha da palmeira a sua principal fonte de sustento. “A gente se vestia era com aquilo ali, estudava com aquilo ali. Tinha que trançar para comprar querosene e poder acender a luz”, lembra.

Para a irmã de D. Irma, Elita Pacheco Daitx, os ganhos com o artesanato fariam uma diferença ainda maior. “Quem é que vai sobreviver só com o salário?”, indaga Dona Elita, que tem quatro filhos e quatro netos morando com ela. Atualmente, os membros da família dependem dos serviços que um ou outro arranja pelos arredores. Com exceção do mais novo,

Por iniciativa da Curicaca, no último dia 30 de setembro algumas das artesãs que trabalham com a fibra do Butiá se reuniram em um encontro de Troca de Saberes e Fazeres da Mata Atlântica, na VII Feira do Livro de Torres. Ali, elas falaram sobre o seu trabalho, explicando a técnica e compartilhando as agruras que enfrentam com a ausência de licenciamento. O encontro sensibilizou a platéia, que se mostrou participativa, fazendo perguntas e sugestões. Na mediação, Alexandre Krob, coordenador técnico da ONG.

“A gente tem que cuidar da planta e das pessoas que trabalham com ela”, disse Krob na ocasião, no que foi amplamente apoiado pelos presentes. “A experiência dessas senhoras é muito rica”, reforçou. O trabalho das artesãs já faz parte daquilo que se chama patrimônio cultural imaterial da região. “Trata-se de um patrimônio não palpável, ao contrário das edificações e de objetos. Nele, estão englobados o conhecimento, a tradição, os mitos, enfim, boa parte daquilo que compõe a cultura de uma comunidade”, explica Krob.

A valorização dos patrimônios cultural e imaterial dos locais onde atua é um dos principais objetivos da ONG Curicaca, juntamente com a preservação ambiental. A iniciativa da Troca de Saberes é parte do projeto Microcorredores Ecológicos de Itapeva, que vem ocorrendo na região desde meados de 2006. Aspectos como a busca de soluções para o licenciamento do uso da planta, a organização das artesãs e a valorização da importância econômica e cultural da atividade estão sendo fortalecidos nesse projeto.

A Curicaca já iniciou os estudos em parceria com o Centro de Ecologia da UFRGS, mas a rapidez para a sua conclusão depende de apoio financeiro do Fundo Florestal, como aconteceu com a samambaia.

de seis anos, todos dominam a técnica do artesanato. “Se não tivesse a proibição, eles se sustentariam melhor, porque em dia de chuva todos trançariam”, argumenta D. Irma. “E outro trabalho não tem”, complementa D. Elita. Uma de suas filhas, Nadir Daitx, não esconde a insatisfação com a proibição: “Eu e meus irmãos nos criamos trançando! Estudei até a quarta série vendendo chapéu para comprar material escolar”.

Fundação do Trabalho ensinou a técnica nos anos 60

Devido a problemas de visão, Verônica Monteiro dos Santos deixou de produzir suas bolsas, mas confessa que tem vontade de voltar a trabalhar quando recebe pela venda de uma das que ainda estão no mercado. Ela aprendeu a técnica na década de 1960, em um curso promovido pela Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social. “Eu fui paga para aprender. Cada artesã que fez o curso com a Dona Claudina recebeu uma quantia da Fundação”, conta. Há pouco, restavam duas bolsas em sua posse. Uma ela cedeu para a rifa do Clube das Mães. A outra, pegou para usar quando sai de casa. “Eu fazia serão, trabalhava a noite inteira, mesmo doente. Meus filhos não gostavam: diziam que iam botar fogo na trança e na máquina de costura”, diverte-se. Na confecção das bolsas, Dona Verônica usava não só a folha do Butiá, mas também palha de Tiririca e tinta própria para o material. Nas lojas da região, os produtos dela custam entre oito e 15 reais. “A gente tem que vender barato, e depois quem ganha é quem revende”, reconhece a filha da artesã, Maria Monteiro dos Santos.

Outra que não está mais em atividade é a Vó Calmira, que chegou a ter um ponto comercial onde vendia seu artesanato. “Por mais de 60 anos, eu trabalhei inverno e verão. Agora, me entreguei. Tão bom aquele tempo que não volta mais...”, lamenta, nostálgica. Ela ensinou a técnica aos seus filhos, um dos quais tirava boa parte da sua renda da venda de balaios e dos objetos de decoração que trançava antes do licenciamento.

Chapéus de palha protegem agricultores do sol e já foram moda entre os veranistas

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Trabalhar pela educação ambiental é fundamental para a conservação do meio ambiente e a valorização da cultura local. Sabendo disso, professores do litoral norte do Estado saem de suas casas em um sábado de manhã e se dirigem a Arroio do Sal para vivenciar uma das etapas da Ação Cultural de Criação “Saberes e Fazeres da Mata Atlântica”, iniciativa aplicada pela Curicaca no entorno das Unidades de Conservação da região.

Dinâmica de descontraçãoOs membros da Rede Teia e a Rede de

Educadores Ambientais de Mampituba (REAM) chegam à Sociedade dos Amigos da Praia de Rondinha Velha (SAPROV) no início do dia 29 de setembro e logo se põem a confeccionar seus crachás, feitos com caixas de leite e barbante. Após, formam uma roda para as dinâmicas de apresentação e descontração: “Quando eu falar Zip, cada um diz o seu nome; quando eu disser Zap, o nome de quem estiver à direita; quando eu disser Zop, o nome da pessoa que está na esquerda. Se eu disser ‘Zip-zap-zop’, todos trocam de lugar”, orienta Patrícia Bohrer, coordenadora de Educação e Cultura da Curicaca.

Corredores EcológicosCom uma projeção de datashow, os

participantes são então apresentados ao trabalho que a ONG desenvolve, na maior parte do tempo com alunos das redes escolares municipal e estadual. Patrícia e o coordenador técnico da Curicaca, Alexandre Krob, falam sobre os Corredores Ecológicos,

que fazem parte das estratégias para favorecer o fluxo de espécies entre as Unidades de Conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável das comunidades locais. Também é salientado que as escolas com as quais a Curicaca trabalha nos municípios de Torres, Arroio do Sal, Dom Pedro de Alcântara, Mampituba e Morrinhos do Sul foram selecionadas devido à sua proximidade com os corredores, num grupo que já inclui cerca de 30 professores.

Pintura coletivaDepois da exposição, um papel

pardo é estendido sobre uma mesa e tintas são disponibilizadas. Duas filas se formam para construir uma pintura coletiva, com um detalhe: enquanto o primeiro da fila pinta, o último passa um estímulo físico para a pessoa à sua frente, que deve fazer o mesmo com a próxima, até que chegue em quem está pintando. Neste momento, essa pessoa tem a incumbência de expressar o estímulo na pintura, entregar o pincel ao próximo e ir para o final da fila. Após isso, o desenho é avaliado, e se discutem as diferenças de expressão, o respeito às individualidades e as capacidades colaborativas, entre outros aspectos fundamentais para o trabalho em redes.

Trilha e Áreas de Preservação Permanente

Feito o trabalho, os professores partem para o Parque Natural Municipal Tupancy, acompanhados por Patrícia e por Krob. Lá, passam pelas mesmas

atividades que são aplicadas com as crianças na Ação Cultural de Criação: a percepção de sons, o “encontre a árvore”, a trilha com espelhos, os monóculos e a representação corporal do cipozal. Os educadores também recebem uma explicação sobre as Áreas de Preservação Permanente (APP), tendo como base os painéis interativos da exposição itinerante da Curicaca, dispostos no Parque.

Reflexão antes do almoçoDe volta à SAPROV, o grupo se

reúne antes do almoço para pensar em quais são as principais dificuldades enfrentadas como educadores ambientais e na conscientização sobre

a riqueza biológica e o patrimônio cultural material e imaterial existentes na Mata Atlântica. Dotados de pedaços de cartolina e pincéis atômicos, os educadores colocam suas necessidades em fichas, agrupadas no chão por Krob para melhor visualização. Em um segundo momento, escrevem e priorizam suas sugestões de como superar estas dificuldades com ações que possam ser realizadas pelas Redes de educadores e instituições interessadas em fortalecer tais iniciativas. Os pontos focais das Secretarias Municipais de Educação de Morrinhos do Sul e Mampituba e da Curicaca ficam encarregados de promover os próximos passos com base nas sugestões do grupo.

Professores vivem atividades realizadas na Ação Cultural de Criação

Mampituba e Morrinhos do Sul Professores e educadores ambientais conhecem o trabalho da ONG no Tupancy

Um dia com a Curicaca

O corredor ecológico - JANEIRO de 20086

Atenção, professores: esse espaço é de vocês!Nesta edição do Jornal, estamos publicando alguns dos desenhos feitos pelos alunos que estão participando dos encontros da Ação Cultural de Criação. Eles mostram momentos vivenciados durante a trilha no Parque Tupancy e as atividades feitas com a equipe de Educação Ambiental da Curicaca e já expressam mudanças na percepção que as crianças têm do ambiente e da sua postura em relação a ele. Em abril, este espaço será ocupado pelos desdobramentos desses encontros. Professor, não deixe de mandar os trabalhos da sua turma!

O desenho de Ingrid, da Escola Professor Diestchi, mostra a Trilha com Espelhos, quando as crianças caminham enxergando não o que está à sua frente, mas o que está em cima, refletido nos espelhos que seguram abaixo do queixo.

Já Bianca, da Escola José Antônio Rolim, retratou a bromélia gigante que viu no Parque Tupancy, durante uma trilha do módulo APP. Esse tipo de bromélia é bastante comum no Parque, onde foram realizadas as atividades deste semestre.

O Jogo da Reserva Legal aparece no detalhe do trabalho de João, da Dieschi. Com ímãs e placas de metal, os alunos montam propriedades rurais e as inserem em uma paisagem, posicionando as Reservas Legais de modo a facilitar o fluxo das espécies.

Rodrigo, da Escola Luzia Rodrigues, desenhou um dos painéis utilizados pela para passar os conteúdos da Ação Cultural de Criação, com explicações são feitas em meio ao ambiente natural. Este aí é o painel das Áreas de Preservação Permanente.

JOYCE WAINBERG/CURICACA

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Em vez dos 10% de território a serem destinados a Unidades de Conservação, o Rio Grande do Sul possui apenas 1%. Se a perspectiva de atender à recomendação da World Conservation Union – ou União Mundial pela Conservação, em português – é pequena, ações em prol da biodiversidade devem ser realizadas também em áreas não protegidas, na região da Campanha Meridional, em Maquiné, em Cambará do Sul, em Itapeva e quaisquer áreas ocupadas pela Mata Atlântica e por espécies vegetais e animais. São iniciativas que aliam a pecuária à conservação das aves, o extrativismo à preservação da vegetação e a gestão biorregional à conservação da riqueza biológica no sentindo amplo, garantido a existência de todos os seres vivos.

Feita com as devidas técnicas, a criação de gado pode ser uma aliada na preservação do ambiente natural e de outras espécies que ali vivem. É em prol dessas técnicas que o projeto Alianzas del Pastizal atua, em uma região que abrange quatro países, Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil. “O objetivo é que os pecuaristas adotem medidas simples, de baixo impacto econômico, que agreguem valor à produção, gerando mais lucro”, define Glayson Bencke, do setor de ornitologia da Fundação Zôo-Botânica do Rio Grande do Sul (FZB). A conservação do campo nativo beneficia as aves que vivem no bioma, como a noivinha-de-rabo-preto e a veste-amarela, ambas ameaçadas de extinção.

Atualmente, o projeto está na fase de identificação das medidas favoráveis ao meio ambiente, que devem ser disseminadas entre os pecuaristas em um segundo momento. No Brasil, isso vem ocorrendo através de uma parceria da ONG Save Brasil, representante do projeto no país, com a Associação dos Produtores de Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional (APROPAMPA), que já tem uma visão conservacionista. Uma das idéias em prol da preservação dos campos sulinos é a certificação da carne através de um selo que a identifique como ecologicamente correta, valorizando o produto. “É a versão brasileira do Nature Friendly Beef, selo que já existe na África”, afirma o biólogo e professor Andreas Kindel. Atualmente, a APROPAMPA já emite o selo “Carne do Pampa Gaúcho”, que atesta a procedência do que é vendido, inclusive no exterior.

Outra modalidade de conservação em áreas não-protegidas é o extrativismo sustentável, praticado com vegetações localizadas dentro ou fora de Unidades de Uso Sustentável, modalidade de UC que permite compatibilizar a proteção do meio ambiente com o uso dos recursos naturais. É o que se está iniciando com a samambaia-preta, após a conclusão do processo de normatização do seu manejo. “A ANAMA [ONG Ação Nascente Maquiné] fez um estudo que identificou que a planta é um recurso importante para a população e que a sua extração pode ser feita de modo sustentável com base em conhecimentos da comunidade”, relata Kindel. Atualmente, a ONG Curicaca está trabalhando para que o mesmo ocorra em relação ao Butiá, que representa patrimônio cultural e sustento para famílias de Torres, conforme a reportagem na pág. 5 deste Informativo.

Ainda, a preocupação com a conservação da riqueza biológica, o seu uso e a repartição de benefícios deve ser central na gestão do território e das relações sócio-econômicas em biomas como a Mata Atlântica e o Pampa. “Esta tem sido a abordagem da Curicaca desde o início de sua atuação: o planejamento biorregional, que leva em consideração uma área com afinidades ecológicas”, conta Alexandre Krob, coordenador técnico da ONG. Ele cita como exemplo a gestão da Reserva da Biosfera da Mata Atântica no Rio Grande do Sul, que procura associar a conservação com o desenvolvimento sustentável. Nesse processo, o mesmo grau de importância é

conferido à natureza e aos seres humanos, com a agregação de diversas áreas do conhecimento. “É preciso olhar para a região de maneira complexa, de forma a entender as causas dos problemas ambientais e sociais e procurar soluções. Esse é um enorme desafio e uma grande deficiência do Estado, que tem dificuldade em integrar secretarias, órgãos e técnicos em uma ação conjunta”, enfatiza Krob.

Krob lembra também a experiência da Curicaca em Cambará do Sul, nos Parques Nacionais Aparados da Serra e Serra Geral. Ali, o significado dos Parques foi fortalecido, com um trabalho de educação ambiental e a promoção de economias sustentáveis como o ecoturismo, o artesanato tradicional e o manejo conservacionista do campo nativo. Também houve a valorização da cultura local, e se salvaguardou o patrimônio cultural e histórico relacionado à área. Atualmente, uma iniciativa semelhante está sendo realizada pela ONG no entorno do Parque de Itapeva, no litoral norte do Rio Grande do Sul. A estratégia adotada ali é a de microcorredores ecológicos com largura de 300 metros, que interligam Unidades de Conservação e outras áreas naturais importantes. “Pela avaliação estratégica da região, são estes os espaços prioritários para esforços conjuntos de promoção do desenvolvimento sustentável e da conservação da biodiversidade”, diz Krob.

Conservando a biodiversidade em áreas não protegidas Nos últimos meses, os Corredores

Ecológicos ganharam visibilidade graças aos esforços da Curicaca. Confira aqui o que andou acontecendo:

• Nos dias 8 e 9 de outubro, apresentamos um trabalho em La Paloma, província de Rocha, no Uruguai, em um workshop intitulado “Planificación y Manejo em Zonas Costeras” (“Planejamento e Manejo em Áreas Costeiras”). O coordenador técnico da ONG, Alexandre Krob, participou a convite da organização do evento, como representante do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CNBRMA), do qual a Curicaca faz parte. Krob abordou os Corredores Ecológicos como estratégia de gestão da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e falou sobre o Sistema de Áreas Protegidas. O Ministério do Meio Ambiente uruguaio se mostrou bastante interessado no trabalho da ONG e numa cooperação para qualificar a gestão participativa do espaço territorial do país.

• Em Dom Pedro de Alcântara, Krob apresentou o trabalho “Corredores Ecológicos – Caminhos que ligam a cultura e a natureza de Dom Pedro de Alcântara”, e Patrícia Bohrer, Coordenadora de Educação e Cultura da Curicaca, falou sobre “Microcorredores da Cultura em Dom Pedro de Alcântara: Memória e Vida do Patrimônio Cultural Imaterial”, no V Simpósio sobre Imigração Alemã no Litoral Norte/ RS, na manhã do dia 19 de outubro. Foi destacada a interdependência entre natureza e cultura e a necessidade de uma abordagem sistêmica para conseguir implantar os corredores.

• Já no dia 25 de outubro, a Curicaca falou sobre os Corredores no V Seminário Regional de Turismo Rural, em Arroio do Sal. A palestra foi proferida pelo coordenador geral da ONG, Mateus Reck, que tratou das iniciativas de turismo sustentável como estratégia para a implantação dos Corredores Ecológicos. Aos diversos participantes, foi apresentada a necessidade de as iniciativas em turismo incorporarem aspectos que garantam a conservação da biodiversidade, valorização da cultura local, geração de renda para a comunidade e manutenção da paisagem.

Corredores em pauta

O corredor ecológico - JANEIRO de 2008 7

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Iniciativas locais garantem a

preservação do ambiente natural

A gestão biorregional de ocupação do solo para a promoção da riqueza biológica foi o tema da palestra de Alexandre Krob no Seminário sobre Conservação em Áreas não Protegidas, realizado pelo Centro de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no último dia 1º de novembro. Cerca de cem pessoas, entre graduandos, pós-graduandos, professores e técnicos da Biologia, além de estudantes de outros cursos, formaram a platéia do evento organizado por Andreas Kindel, que é associado da ONG. Além de Krob, Glayson Bencke e Rumi Kubo, da ANAMA, também falaram sobre as iniciativas com as quais trabalham. “A idéia era dar visibilidade a essas atividades, para que as pessoas possam entender que a conservação da natureza não se dá somente no 1% de Unidades de Conservação que temos no Estado: é necessário trabalhar também com os outros 99%”, comenta Kindel, que precisou trocar de auditório para comportar o público presente.

Nessa tarde, os palestrantes aproveitaram a rara oportunidade de troca de experiências para conversar sobre as opções de interface entre as iniciativas. “Houve pouco tempo e oportunidade para a discussão, mas foi possível enxergar uma mudança de direção nas abordagens”, destaca Kindel. Para Krob, compartilhar as experiências entre as instituições se faz muito importante para um avanço mais rápido das iniciativas. “Apenas nesse rápido encontro, conseguimos identificar coisas comuns, como o esforço feito pela Curicaca na conservação dos campos de altitude e a atual iniciativa do projeto Alianzas del Pastizal”, demonstra.

Curicaca faz palestra em Seminário na UFRGS

Valorização da pecuária nos campos é estratégia adotada na proteção ambiental

A Curicaca tem agora duas novas ferramentas de comunicação. Nos últimos meses, lançamos um informativo eletrônico chamado “O Vôo da Curicaca” e uma página na Internet, desenvolvida em parceria com a Companhia de Processamento de Dados do Município de Porto Alegre (Procempa). Com isso, associados, afiliados, parceiros e demais interessados estão recebendo mensalmente notícias relacionadas à ONG e tendo à sua disposição uma série de informações sobre nossa atuação, programas, serviços e meio ambiente. Para receber a newsletter, basta enviar um e-mail para [email protected] com o assunto “incluir”. O website pode ser acessado pelo endereço www.curicaca.org.br.

ONG na Internet

Page 8: O Corredor Ecológico nº 2

Você criou uma Reser va Par ticular do Patrimônio

Natural. Avance três casas.

Você nunca oferece alimento para os animais silvestres, evitando contaminá- los .

Avance uma casa.

Você aprecia a natureza, percorrendo as trilhas onde a visitação é permitida, sem entrar nos ambientes

exclusivos para proteger os animais. Avance duas casas.

Você precisa aterrar a sua propriedade e retira areia das dunas. Estacione a sua carroça ou caminhão e fique uma vez

sem jogar.

Você foi passear nas dunas comendo um pacote de bolachas e trouxe a embalagem

de volta. Avance uma casa.

Você está acampando no Parque e fez uma fogueira para se aquecer, pondo o mato em risco de incêndio. Volte duas

casas.

Você escuta suas músicas favoritas

muito alto, perturbando o

ambiente, os animais e seus vizinhos. Volte uma casa.

Você economiza energia, desligando as luzes e comprando

equipamentos econômicos. Ande uma casa.

Você precisa de madeira e foi cortar ár vores nat ivas sem consultar as

autoridades competentes. Volte uma casa.

Você se associou ao Curicaca, ajudando ainda mais a preservar

a natureza. Jogue outra vez.

Você foi passear no Parque e só levou para casa fotografias e boas lembranças, sem perturbar o ambiente, os animais e as

plantas. Avance duas casas.

Você economiza água, por exemplo, quando escova os dentes e lava os pratos.

Avance uma casa.Você foi acampar no Parque e deixou seu bichinho de estimação com alguém na cidade.

Pule para a casa 20.

Você capturou um sabiá na mata e o colocou na gaiola. Fique preso na gaiola, sem jogar uma

vez.

Vo c ê a n d a d e carro nas dunas, poluindo, pondo em risco os animais e

desequilibrando o ambiente. Volte para o início.

Você só pratica sand board nas áreas destinadas ao

esporte, protegendo as plantas e animais que vivem na areia.

Avance duas casas.

Agenda26 a 28 de Fevereiro: Reuniões com Diretores e professores das Escolas participantes da Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres da Mata Atlântica.

Março: Ação Educativa com os professores, preparatória para as atividades do ano.

Março/Abril: Retomada das atividades de Educação Ambiental com os alunos de escolas de Arroio do Sal, Dom Pedro de Alcântara, Mampituba, Morrinhos do Sul e Torres. A Ação Cultural de Criação entra no módulo Unidades de Conservação da Natureza.

O corredor ecológico - JANEIRo de 20088

Para uma conduta consciente nas Unidades de Conservação e fora delas, pegue um dado,

use feijões, milhos ou pedrinhas para marcar

sua posição no tabuleiro e siga as indicações dos

quadrinhos abaixo:

Ponto de Vista: Parceria como estratégia de Educação Ambiental

A questão ambientalvem sendo considerada cada vez mais urgente e importante para a sociedade, pois o futuro da humanidade e de todas as formas de vida depende da relação estabelecida entre a natureza e o uso, pelo homem, dos recursos naturais disponíveis.

Para os habitantes de Torres, considerada a mais bela Praia Gaúcha, que possui parte de sua economia voltada ao turismo, a necessidade da preservação e do uso sustentável do patrimônio ambiental é questão de sobrevivência, e o trabalho iniciado nas Escolas há três anos vem qualificando alunos e professores para uma vida social ambiental sustentável. Muitas iniciativas têm sido desenvolvidas em torno desta questão, de maneira que uma das principais proposições assumidas é a necessidade de m u d a n ç a d e m e n t a l i d a d e , consc ient izando os gr upos pedagogicamente envolvidos para

Por Almonita Cristina de Souza Gedeon, Secretária Municipal de Educação de TORRES, com Raquel de Freitas Porto de Matos, da

Escola Manoel Ferreira Porto

“ a adoção de novos pontos de vista e novas posturas diante dos dilemas e das constatações feitas.

A região de Torres, diante deste processo de conscientização, pode-se considerar privilegiada pelo fato de abrigar características de vários biomas como a Mata Atlântica, a Vegetação Costeira, os Banhados, todos harmonicamente interligados à Costa Marítima, nosso maior bem natural.

Esta particularidade propicia o reconhecimento da variedade biológica e da comunhão das espécies, bem como da degradação que estes elementos vêm sofrendo ao longo do processo de urbanização.

Por isto, iniciativas como as da ONG Curicaca, que percebe e busca a participação das instituições de ensino, dando base teórica aos projetos já iniciados com os alunos da E.M.F. Profº Manoel Ferreira Porto, têm papel fundamental neste processo, onde PARCERIA é a palavra chave. ”

Dois importantes passos foram tomados para a implantação do Parque Estadual de Itapeva. Em outubro, o Conselho Consultivo do Parque sofreu uma reformulação graças à portaria 36 da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), publicada no dia 3 daquele mês. O documento reduziu o número de conselheiros para 16, entre eles a ONG Curicaca. O Conselho foi reativado, com membros que efetivamente podem colaborar para a implantação do Parque.

Já em dezembro, o Plano de Manejo da Unidade de Conservação foi publicado, após uma espera de mais de um ano. Agora, as autoridades podem agir em busca das soluções que se fazem necessárias para a conservação da biodiversidade e para a promoção do ecoturismo em Itapeva.

Avança implantação do Parque de Itapeva

Curicaca é Parceiro 2007 de Arroio do SalOs trabalhos de educação ambiental, a valorização do turismo rural, a promoção

do Parque Tupancy e o apoio à qualificação de técnicos ambientais e professores em Arroio do Sal conferiram à ONG Curicaca o prêmio Certificado Parceiro 2007, entregue pela Prefeitura do município na noite de 14 de dezembro.

O interesse da Curicaca em atuar em Arroio do Sal está diretamente vinculado à implantação dos corredores ecológicos e ao Parque Tupancy, Unidade de Conservação da Natureza que oferece enorme potencial para a geração de renda associada ao ecoturismo e uma grande oportunidade de educação ambiental, além de ser um local importante para a conservação da Mata Atlântica da planície costeira.

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