o coração não nega

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1 O CORAÇÃO NÃO NEGA VITOR CORLEONE MOREIRA DA SILVA

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Poesias reunidas

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Page 1: O coração não nega

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O CORAÇÃO NÃO NEGA

VITOR CORLEONE MOREIRA DA SILVA

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O CORAÇÃO NÃO NEGA

“Vida passa, os dias se consomem...Devemos viver cada instante,

Como se fosse o único instante!O sabor da vida é maravilhoso,

Porém é preciso que se saiba saborear.”

Vitor Corleone Moreira da Silva

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Introdução

“O desejo de viver orienta as decisões e a conduta do homem, e nesse contexto a sociedade se torna o epicentro de uma disputa muitas vezes mais aguerrida e violenta que a própria guerra: o reconhecimento dos direitos e a luta por sua aceitação.

Cada indivíduo possui um coração, e os rumos que o indivíduo segue, a proporção das batidas do órgão, os mitos e as verdades, as crenças e sonhos, só ao próprio dono do coração pertencem. O juízo que o ser humano faz das coisas é subjetivo, intocável, personalíssimo. É um ambiente intocável pela ação das leis, código de conduta social ou ética. Nada atinge a subjetividade do coração humano.

A vida corre conforme um rio desgovernado na direção do oceano, que é a morte, sendo esta a sua direção única, e o ser humano possui a capacidade de criar as correntes que compõem tal rio, as curvas, a velocidade e ferocidade do movimento das águas.

O coração do homem irrecusavelmente dita as regras da aceitação ou reprovação de todos os esteios componentes da existência individual ou coletiva, e bate tal qual o compasso de um bumbo, retumbante e cadenciado no coração de uma bateria.

O mundo possui bilhões de bumbos, cadenciados ou não, fazendo barulho dentro do corpo de cada elemento, resultantes da explosão universal que a tudo criou. Poeira de estrelas, resultados mortais da maravilha da criação.

O coração é subjetivo, não regrado, informal, impreciso. Relaciona-se ao meio porém não o domina, e depende do seu dono se deixar dominar por ele. Pertence ao seu dono produzir os seus juízos de valor. É o guerreiro que manipula a vida, e não se dispõe a ser compreendido.

Quem o quiser julgar por seus atos ou batidas, conceitue a expressão “enleva” e esteja certo de que ao centro de um vulcão que desperta, o coração é como a chama ardente que se destaca e primeiramente pulsa em direção ao céu enaltecendo seu vigor, rebeldia ou coragem.”

Belo Horizonte, 20 de Dezembro de 2002

Vitor Corleone Moreira da Silva

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O coração não nega

O coração não negaQuando a dor da saudade incomoda e aperta meu peitoOu a felicidade transborda pelos olhosNos momentos mais difíceis, mais sofridosOnde falta o arroz e a cachaça na mesa dos brasileirosPara aliviar a fome e a sede orações ao altoO coração não nega

Quando as lástimas, perseguições sociaisAfugentam do bolso o dinheiro e dos olhos a coragemE sobra somente uma guimba de cigarro entre os lábiosO time enche os estádio e perde no final do jogoE os jornais só comentam morte e destruiçãoNa rotina imutável da cidade grandeO coração não nega

Quando vou descansar na roça, no meio da noite o cheiro de lenhaVendo as estrelas e tomando cerveja deitado na redeÀs vezes ele bate forte e às vezes para de baterBate forte o coração ao cantar a saudadeOu pela quietude do campo se assemelha às rochasO seu refúgio é a poesiaE o hino pátrio da minha vida

O coração não nega e eu acredito que tudo pode melhorarSou um feliz expressadorDas minhas idéias guardadas, mistificadas, obscuras, reprimidasPorque tenho uma poesia Para cada drible do GarrinchaAssim como o Garrincha tem um driblePara cada gol do Pelé

05/02/2002

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A perfeição das lágrimas

As lágrimas são perfeitas!Quando caem dos olhosLevam junto sonhos que são perfeitos.Sonhos jamais serão como a realidade.Nele devotamos as querências,Nele praticamos as carênciasDos olhos, da alma e do coração.

São lágrimas de mãeCoração sem limites.Lágrimas de namorados:Saudosas, com raiva ou angústia.Lágrimas de feridas na carne:No braço, na perna e na honra.Mas há lágrimas de alegria!

As lágrimas são perfeitasComo as pérolas nos moluscosOu como a lua, o sol ou o vento.As lágrimas são perfeitasDesde o seu nascimentoAté o momento de sua morte:Enxugando-se no rosto

27/11/2002

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A caneta

Eu passava dias inteiros escrevendo versosE tinha minha fiel companheira entre os dedosAté que um dia se acabou num último esforçoO seu líquido vital que proporcionava realizaçãoEntão eu disse pra minha canetaVocê já deu o que tinha que dar minha amigaE mesmo que não nos encontremos maisObrigado por tudo

18/11/2002

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Espera

Momentos de angústia e esperaCom o músculo quase sem fôlegoNo arfar esperançosoCom a coragem doada pelos amigosPelos familiares e médicosÀ espera de um coraçãoQue me dê a vida

A fila é interminávelSorteia-se quem irá viver com um númeroPessoas comuns, na mesma esperaOnde o maior tesouro da existênciaÉ um pedaço de carne saudávelQue a terra comeQuando não há solidariedade

Os vermes se fartam da boa carneE o despedaçam com seus dentes afiados, destrinchamEnquanto eu já não quero comerAnsiedadeAngústiaEsperaPor um coração querendo bater

Os dias se passamA quantidade de remédios aumentaA vida vai escoandoO silêncio é notável nesse quartoA dor sentida era pra ser gritada em desesperoMas não há como gritar, não há fôlegoNão há coração

09/06/2002

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O bom palhaço

Lá vem o bom palhaçoCansado, carente, sozinhoProporciona sorrisoMas por dentro a alma choraChora a alma do palhaçoQue faz as crianças contentesQue serve aos outros

Queria o bom palhaçoNão se sentir tão sozinhoEncontrar um cão de ruaPra ser sua companhiaNessa noite escuraNo silêncio da ruaPor onde vem o palhaço

As pessoas não querem sorrirNinguém nota o artistaQue se cansa de ensaiarNa beirada de sua camaUma palhaçada engraçadaUma idioticePra mostrar aos outros

Fica triste o bom palhaçoSem ter alegria pra siE que tenta fazer sorrirNuma atitude nobreProcurando felicidadeEm cada rosto calejadoNesses dias de incertezaE desespero

Carente querendo um amigoDoente de ser tão sozinhoCaminhando pela ruaEscura, calada e desertaCom o coração na mãoNa outra uma língua-de-sograLá vem o bom palhaço

10/10/2002

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Recordação

Quando o cheiro de alguém fica no quartoOu no espelho a marca de uma digitalNos perguntamos porquê acabouPor que a chama foi se apagarSó restando o batom manchando o lençolNo quarto perfumado que nunca mais perde o cheiro

Um fio de cabelo já grisalho pela ação do tempoQue tanta história ressuscita no coraçãoCanta as notas da saudade no som tristeSom do adeusViver na solidão é inevitávelA ansiedade não é defeito nem fraquezaRuim é não se emocionar

E a voz? Brisa do mar – lembrançasSaudade dos gemidos e sussurros Voz do coração pede a voltaSensatez se vê perdida na sentimentalidadeCada hora que se passa leva Um pedaço da esperança desse Que ainda resiste somente por pirraça

E toda noite procura lá no meio das estrelasNo meio das luzes a imagem daquelaA alma cobrindo-se com a luz da luaO corpo pedindo pra que voltem os abraçosA saudade acreditando que a pessoa ouve as súplicasMas é só o cheiro que ficou no quartoNão há mais o amor

16/05/2002

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Mistura

Momentos de volúpiaO desejo que se manifesta e se torna opçãoQue contraria o desprezoE constrói o amor e a realizaçãoO homem e o homemA mulher e a mulherO coração bate pra onde vão os ventos

O amor escolhe os rumos e se manifestaPor dentro é o mesmo sangue humano que correOs ideais de vitória e felicidade, solidão e vontade de viverO universo que se modifica e se misturaOs direitos e as direçõesOs espaço reprimido na sociedadeA vontade de vencer

Desejos pequenos, vaidosos, sedososDelicados, perfeitos na simplicidadeMas a vontade aguerridaQue minoritária eleva o tom de vozO amor e o medoCoragem em tons coloridosSorrisos e lágrimas manchando a maquiagem

Viver e estar para a vidaComo a semente está para a existênciaMomentos que se misturamFissuras, prazeres, delíciasOpções naturais não compreendidasRegência das escolhas Do homem e do homem

11/10/2002

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O choro da alma

Vida, o que possuo se o meu sentimento é triste?A angústia sufoca os risos que guardei pra hojeOs mistérios da insegurança me tiram a vontade de sonharO que será do amanhã se o hoje é sombrio?O vazio provoca ecos em um coração que era preenchidoA alma em suas lamentações jorra lágrimas ao mundoUm oceano de dor afoga minhas lembranças

O horizonte é gelado e cinzentoA pele já não tem vida e se murcha, convalescenteOs olhos ainda brilham por uma tola esperançaResistir com honra é o único consolo de quem amaPorém toda honra seria em vão se ela voltasseA razão escoaria pelos poros da pele mais rápido que o suorE o choro daria lugar à inevitável reconciliação

Desejos, resquícios de um amor que não morreuA razão sabe que ela nem se preocupa e não entendeQue um coração não bate em vão por ela – é por amarNão faz idéia da dor que estou passando, do vazio, da angústiaDas lágrimas derramadas por uma pobre almaQue aprendeu a construir a sua felicidadeUnicamente pela existência dela

As horas se passam e o tempo me diz que acabouMas a alma não se cansa de esperar por momentos de amor Que não irão mais preencher o livro da existênciaSeduções enamoradas que não provocarão de novo Sorrisos em um homem que foi felizSó existem agora as lágrimas e nada maisNão possuo mais nada

03/08/2009

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Pensando na vida

Estou pensando na vidaNão que eu seja um ociosoTenho muito que fazerMas gosto de pensar na vidaEm tudo. Sobre tudo. Em todos.O que cada um fazOu deixa de fazer

Não quero a imortalidadeA qual é objeto de desejo impossívelNão quero viver pra ver meus queridos morreremNão quero me despedir dos amigosEu ficaria ultrapassadoFortuna também é tão impossível que não queroBeleza? Não. Me deixa feio mesmo

Pra quê tudo se depois de viver e gozarVisitar o mundo inteiro cidade por cidadeGastar rios de dinheiro e seduzir com a belezaQuê mais eu teria pra fazerCom vitalidade à flor da peleE genialidade pra sonharSenão ficar pensando na vida?

16/09/2002

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Decadência da boemia

Acabou a bebidaAcabou a comidaO refresco acabouO pagode parouLamparina apagouA laranja perdeuO feijão azedou

Prato sujo de canjaPia cheia se esbanjaAcabou o manjarSaideira não háA dispensa vaziaÁgua suja de larvaA moleza acabou

Que destino cruelAcabou o doce melTrabalhar trabalharVida mansa e manjarOutra vez sacrifícioTrabalhar trabalharPra viver, pra viver

16/09/2002

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Definição de “nós”

ÉNós somos culpadosE ontem estivemos rebeldesFomos nós que erramos hojeNão deveria ter sido dessa formaHá cinco dias atrásTudo se imputa a nós mesmosNós não temos observado

ÉNós somos ruinsNão justificamos nossos errosNós achamos engraçadoSe transformar em decadênciaO que deveria ser perfeitoDisplicentes somos

ÉSomos egoístasPensamos somente em nósAo passo de deixar de fazerPor preguiça ou por não saberNossa índole é reprovávelNós ofendemos demais

ÉNossa imagem em veste amassadaNosso cabelo, Semelhante guedelhaNosso modo de serNossa forma reprovável de estarSomos tão imperfeitosE tão imprudentes

A ponto de não nos corrigirmosExteriorizamos condutasDesobedientes e antiéticasÉReiterados opressores do “ser” E particularmente inconseqüentes

Faltamos sim a todo instanteCom a presença Ou com a perfeiçãoNos recusamos a sermos perfeitosE acatamos nossa humanidadeNosso modo próprio de agir

Agravamos todo um sistemaPela incompetência naturalE achamos natural errarÉ Não importa o que falamosNada justificaSermos humanos

ÉMas estamos aqui semprePara anular a afirmaçãoDe que não tentamosNós somos “nós”É isso que somosApenas “nós”

13/10/2006

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Determinação

Não se pode vencer alguém determinadoA não ser que se tenha mais determinação Do que essa pessoaDeterminação que não se compra nem se roubaA qual somente diminuiQuando o seu dono a deixa de ladoE pensa no fracasso ou no talvez

18/11/2002

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Soneto do casamento

Se você promete não me abandonarSe você promete não se arrependerSe cuidar de mim se um dia adoecerDe rolar dos olhos lágrimas de dor

Se você promete que vai respeitarSe você promete que será fielSe você promete me levar ao céuNão deixar faltar os beijos de amor

Se em algum momento um de nós partirQue o outro saiba entenderQue a carne morre, não tem outro jeito

Mas a cada dia viver com amorSe você promete compreender, que sejaEu aceito

17/09/2002

Page 18: O coração não nega

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Lágrimas de amor

Quem sabe se as minhas lágrimasAlimentassem as sementes da terraE crescessem as rosas mais lindasPra eu te oferecer (um dia)

Quem sabe se as minhas lágrimasAo rolar dos meus olhosFormassem um rio pra eu jogarUma garrafa com um bilhete – um sonho

Quem sabe se as minhas lágrimasDe amor, do qual dependoTrouxessem você pra mim (um dia)

Se essas lágrimasFormassem uma cachoeira do meu quarto ao seuE viesse nadando feito sereia

06/12/2002

Page 19: O coração não nega

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Bah!

Não consigo pensarNuma frase bonita que seja.Bah! Me proibiram de pensar mesmo.Minha mulher está grávidaE estou desempregado...Bah! Quem se importa comigo?Bah! Bah! Bah!

Bah! Pros políticos...Bah! Pros psicólogos...Quero tomar uma cerveja gelada,E ouvir um bom pagodinhoNum rádio toca-fita.Ninguém quer me ajudar...Bah! Bah! Bah!

Eh, canseira danada!Bah!Vamos ver no que vai dar?Bah! Pros meus adversários...Atirei o pau no gatoE o gato morreu.Ahá!

Bah!Ninguém se importa comigo.Minhas contas chegaramE não vou pagar.Ahá...Minha filha quer casar.Bah!

24/09/2002

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Não tem festa

Pergunto onde estão todosDia de festa e eu aqui sozinhoTalvez porque não tem festaNem conversa, nem nadaTroco o abraço pela jóiaTroco a pinga pelo cantoAmizade pelo orgulho

Vou embora daquiPorque hoje não tem festaDia de meninoQue eu deixei de ser Os balões pela piadaA música por um aperto de mãoO bolo por um beijo

“Répi bardei” pra alguémParabéns não sei pra quemPorque não tem festaRoupa nova por um trapoO manjar pelo bagaço

O champanhe pelo sucoFalsidade por verdade

Pompa e meia noite, cadêHoje não tem festa, por queSem palavras pra dizerVou embora daquiPra onde alguém entendePergunta por exclamaçãoAdormecer

Salto-alto por chineloTerno branco por bermuda“Répi bardei” pra alguémParabéns não sei pra quemSe todos foramE se não tem festa hojeNão tem nada

27/09/2002

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Sozinho sem você

Sozinho sem vocêDifícil de viverSaudade em seu lugarConvida pra sofrerSaudade de sonharDe abraço, beijo e amarSaudade de você

E quando às vezes choroLembrando que te adoroCarente esperandoQue vá embora a solidãoRecordo o doce beijoTanto tempo não te vejoTriste dia, coração

A chuva cái lá foraMinha solidão me adoraToca um samba no radinhoQue saudade vem me verPorque eu ainda existoPelo seu carinho insistoSozinho sem você

24/09/2002

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Malandro soneto

Mina quero ser seu doce amorQuero te fazer com o charme apaixonarQuero ser seu astro redentorQuero te fazer o meu luar

Dar umas voltas, sair por aíTomar um trago, depois dançarSou malandro, mas boêmio também amaEu nasci, olha eu nasci pra ser seu par

Na noite afora a boemiaLuzes, música, sorriso e prazerE nós dois numa viagem de sensações

Te amarei até raiar o novo diaTe mostrar que não existe sacanagemO amor de um bom malandro é sem miragem

14/05/2002

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Sem título

Vem chorar no meu ombroDesgastar meus conselhosFazer qualquer coisaMas vem

Estou desesperadoQuero a sua amizadeOuvir sua voz o tempo todoFalando, falando, falando

Mil coisas, coisas importantesQualquer coisaVem logo

Você não faz idéiaO quanto importa pra mimVocê

03/12/2002

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Blá, blá, blá

Chego num blá, blá, blá, bláMeio assim blá, blá, blá, bláDigo uma parada qualquerCarro, futebol, gole, mulherTudo assim blá, blá, bláTudo certo, to dentroBlá, blá, blá

Papo maneiro! Reunião de eliteBlá, blá, blá, blá, bláCaso velho, caso novo, casoUmas coisinhas maneirasBlá, blá, políticaBlá, blá, blá gandaiaBlá, blá, blá, blá, blá

Crise, pagode, cervejaPassa uma mulher todo mundo mexePassa um conhecido a gente chamaBlá, blá, blá, Blá, blá, blá, blá, blá papo muito bomÉ...papo de rodaBlá, blá, blá, blá, blá

Chega minha dez e meiaDigo um blá, blá, blá adeusNosso blá, blá, blá morreuAcabou. Cada um na suaBlá, blá, blá tchau amigosTo indo viajar pra luaBlá, blá, blá...fui

27/09/2002

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Labirinto

Toda vida é um labirintoCheio de passagensCaminhos longos e escurosOu a gente vive Pra encontrar as portasOu a gente morreEm estradas sem saída

18/11/2002

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Troca de olhares

Quem é vocêAcima de qualquer suspeitaQue toda vez me vê passarPela ruaE tenta esconder o que senteNo fundoDo seu coração

E despista os olhosSeu sorriso é criminosoSeus cabelos escondemO rubor do seu rosto maliciosoQuem é você que esconde as batidas do coraçãoQue tenta esconder a paixão e o desejoOu o quer que seja de mim

Até que meu vulto desapareçaLá no fim da ruaNão tenho provasMas seiQue esse olhar curioso e apaixonadoIgual ao meu e sem coragemNão se cansa de olhar

14/05/2002

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Os meus problemas

Tenho problemasCadê soluçãoQue barco é esseQue não afundaDe vezE nem definePra onde vai seguir

Preciso dissoNão quero aquilo e tenhoEu me procuroEu não me encontroE chega a noiteE vem o diaAqui estou

Do mesmo jeitoCom os meus problemasNo mesmo barcoQue não afundaNem navegaPorque não tem remosNem velas, nem ventos

A hora passaCadê o prestígioOlá sufocoCadê respostaCadê propostaPra resolverOs meus problemas

19/09/2002

Page 28: O coração não nega

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O relógio

O relógio tic-tacLá na sala tic-tacTrabalhando tic-tacSem pararMarca as horas tic-tacPassa o tempo tic-tacSem parar

Oh! Quem parou o relógioO que fez o ponteiro ficar imóvel(Silêncio) Pra onde foi o barulho (silêncio)Do relógio lá da salaDou mais corda e tic-tacMarca as horas tic-tacTic-tac sem parar

12/10/2002

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Saudade

Deixo de contar as horas num momentoEm que afloram sensações já mortasJá chorei, já sofri...saudadeQuem vem brincar de roda no meu pensamento

Um suspiro, viajo ao passadoBruscamente com asas forasteiras da lembrançaPor antigas primaverasQue foram normais, só agora são importantes

E sinto saudade. Dou um sorrisoPreso às lembranças perco parte da liberdadeE sem importar permaneço prisioneiro

Nostálgico, melódico, devoto alegriasRecordo antigos sonhos...realizei algunsSaudade, mesmo triste, fui feliz

15/05/2002

Page 30: O coração não nega

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Sem título

A chuva caindo do céuForma uma correnteza na ladeiraÉ música ao tocar no chãoEm cada gota que se manifesta

Ventania, relâmpagos, trovõesQue cortam o céu dividindo as nuvensCada luz é como o homemNasce, faz e acontece, e depois morre

Morrem as gotas no chão cheio de lamaQue é certamente o paraíso delasOnde encontram-se com todas as outras

Morrem, mas depois ressuscitamSecadas pelo sol formam novas nuvensQue voltam a chover tudo de novo

14/12/2002

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Fica comigo

Fica comigoVamos brincar de ser felizFazer o que eu sempre quisSem regras e com liberdadeVivenciar o desejo sem medoRevelar nossos segredosViver a paixão de verdade

Sob a luaNosso amor contagianteUm brinquedo emocionanteVem ficar comigoNas carícias dos seus braçosEncontrando os meus braçosSem medo, receio ou perigo

Sob o solDespertar ao seu ladoUm eterno apaixonadoQuerendo o que você quiserSó nós dois, acasaladosUm casal de namoradosSe beijando, se amando – que vida

A vidaA viver com a tal felicidadeMas se me quiser apenas pela amizadeTudo bem! Espero! Não ligoUm dia ainda vai gostar de mimNo dia que quiser enfimFicar comigo

15/05/2002

Page 32: O coração não nega

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Solitária intimidade

Quantas vezesMe senti sozinhoProcurando um amigoProcurando um amorPra me completarCom quem conversassePra não me perder

Às vezes de noitePegava um banquinhoSentava na varandaOlhava estrelasE hoje nem issoPois os dias são nubladosSem estrela e sem lua

Pego um livro e passo as folhasDou vida a personagensQue conversam comigoMas a história acabaVolto a ficar em silêncioE sentir o vazioSozinho outra vez

Quantas vezes debruceiNa janela do meu quarto

Pra ver o horizonteCom as luzes da cidadeOs carros sobre o asfaltoQuantas vezes eu mentiDizendo não ter problemas

Tantas vezesMe senti sozinhoSem ter alguém pra me falarSem ninguém pra me escutarTão triste tantas vezesNão agoraPois você está comigo

Quando você for emboraEu vou ficar fechadoComo faço de costumeEm minha varandaTocaria algo se soubesseCantaria algo se pudesseMas sou feito de papel

12/10/2002

Page 33: O coração não nega

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A noite é nossa

Hoje a noite é nossaVamos fazer festaA cidade é a florestaPra pular de galho em galhoA ordem é ser felizAbaixo o baixo astralHoje a noite é nossa

O amor está no arNo rugido da leoaNós nascemos pra sonharE ouvir o canto dessas avesSem medo, sem preconceitoO sangue é o mesmo no peitoSó a cor da plumagem é colorida

E começa o clima da paqueraA noite é nossaViciei nos olhos da panteraA noite é nossaO instinto não é defeito algumPorque a floresta está a nosso disporE hoje a noite é nossa

Hoje a noite é nossaPara possuirmos cada espaçoO pavão se abre e dança sambaSeguimos felizes cantandoAbaixo às tristezas da vidaHoje a noite é nossa

15/05/2002

Page 34: O coração não nega

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Amor

Os corpos molhados se prendemE não soltam, não soltamSob a brancura dos lençóisO amor

Um som gutural ofeganteOs dedos que navegamOs lábios que sussurramOs sentidos que viram estrelas

Numa explosão de sensaçõesQuando os lábios se ajuntamE os corpos se enlaçam

Na erupção de um momentoEntão tudo se acalmaO amor é eterno

20/11/2002

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Rotina

AcordarSempre ver o novo diaNova magiaCheiro de café fresquinhoViverDesejar o bem aos outrosSonhar

Final do final de semanaDomingo à tardeO sol se pondoEscreverMais uma página Das nossas vidasAdormecer

SonharMenino que voaMenina modeloUm carro, casa, uma viagemUma paixãoChega o novo diaAcordar de novo

16/10/2002

Page 36: O coração não nega

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Noite nublada

Noite nublada. O céu é um presenteEmbrulhado. Uma surpresaEscondendo um mimoAcima das nuvensPara cada olhar apaixonado que se revelaPara cada mero observadorPra cada um

Noite nublada. O céu é um presenteEmbrulhado...uma surpresaEscondendo a maravilhaAcima das nuvensO presente está sendo abertoÓtimo, hoje não vai choverA noite é uma criança – lá vou eu

14/11/2002

Page 37: O coração não nega

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Sem título

Nenhum homem vale mais que outro homemPorque a terra não escolhe a carneQuando a ela é oferecido o corpoDo que por motivo alheio morre

A liberdade pertence a todosNa proporção escrita no direitoSomos humanos, e os direitos são humanosA lei não diz que só os nobres podem ser

A minha crença! A sua crença! A crença deles!A minha casa! A sua casa! A casa deles!Assim como a intimidade: invioláveis

Tudo consta, mas só é garantidoNo dia que o sujeito vai à forraE resolve lutar pelo que é seu

13/12/2002

Page 38: O coração não nega

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Derrota

Hoje acordei chateadoLábios fechados, cabisbaixoHoje eu estou por baixoMe sentindo derrotado

Sim, por ter perdidoFiquei inconsoladoMe sentindo culpadoPelos resultados

Busquei a vitóriaUm maldito instante de glóriaQue a sorte ou competência roubou

Eu queria ter vencidoMas fiquei tristePorque acabei derrotado

20/05/2002

Page 39: O coração não nega

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Dia do azar

Vi um gato preto na ruaPor isso não saí de casaHoje é o dia do azarA bruxa está solta, solta

Viajando de vassouraPelos ares, loucaPeguei o espelho e guardeiA escada também, escondida

Pego um trevo protetorE a ferradura da sorteComo fiz nas outras vezes

Parece que estou ficando loucoMas todo cuidado é poucoHoje é sexta-feira treze

13/12/2002

Page 40: O coração não nega

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Perguntas

Espalhem as perguntasSobre todas as coisasSobre a vida, sobre o universoSobre a terra, sobre o marNão maltrate a dúvidaNão precisamos entenderNem precisamos das respostas

Deixem a interrogação viverPorque se alguém respondeTudo vai ficar sem graçaPra tudo há uma respostaMas por não sabermos tudo Vivemos uma vida emocionanteDesfrutemos das perguntas

24/09/2002

Page 41: O coração não nega

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Os meus versos

Queria que os meus versosDevolvessem a paz ao mundoQueria que os meus versosExtinguissem as tristezas

Enxugassem todo o prantoRevelassem todo o encantoQueria que os meus versosAcabassem com o desmatamento

Então eu poderia ficar em pazQueria que os meus versosColocassem fim aos conflitos

Nós somos iguais e euQueria que os meus versosFizessem os homens reconhecerem

07/12/2002

Page 42: O coração não nega

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Sem título

Por tantas vezes espereiPor sua carta, seu telefonemaPor sua presençaEstou cansado de tanto esperarJá não suporto mais ficar sozinhoAquiEsperando que você venha me ver

Sou uma ótima pessoa – ou quaseTenho víciosNão posso esperar o seu orgulho sumirEstou jogando a toalhaSem ressentimentosVou atrás de um amor

Vou porque não agüento maisFicar sozinhoVou porque você só me faz sofrerMinha esperança já virou teimosiaVocê nunca foi o que deveriaPor tantas vezes espereiPor você

Sou uma pessoa quase perfeita – talvez exagereiE você só viu os vícios e defeitosNão tentou perceber mais coisasMas compreendoOu a gente fica com alguémQue a gente não amaOu sofre com quem não ama a gente

20/05/2002

Page 43: O coração não nega

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Tristeza

Tristeza é dor que vai e voltaÉ a nuvem que chove nos olhosÉ a estrela perdendo seu brilhoA fogueira perdendo o calorTristeza é o solo rachadoÉ a guerra perdida no amorOs anos perdidos de paz

Tristeza é o sonho em pedaçosÉ um terço de vida roubadoÉ a chama sob a tempestadeÉ o amigo perdendo a amizadeTristeza é como flor murchandoSem folhas, sem cor nem perfumeDebaixo dos nossos olhos

Uma vida desabandoUm casebre incendiadoUma carta sem destinoE um laço se rompendoTristeza é dor que vai e voltaQue dói sem que a gente percebaQuem vem só por causa do amor

20/05/2002

Page 44: O coração não nega

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Esperança

Eu tenho esperançaDe que a vida seja boaE que nenhuma pessoaChore lágrimas da fome

Que as criançasPossam ter felicidadeQue o amor e honestidadePrevaleçam entre os homens

Que os meus desejosSejam todos realizadosPaz! Amor! Sorriso! Amigos!

As aves voando no céuA vida com sabor de melOs sonhos todos concluídos

13/12/2002

Page 45: O coração não nega

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Rosas

As rosas lembram tantoO perfume da mulher que é amadaDa boca rosa que oferta beijosO charme e o encanto

Do corpo macio e sedosoComo as pétalas que se abrem ao solInvadindo o território dos olhosQue se enchem com a perfeição natural

A mulher amada possui o seu cheiroOs cachos lembram as folhasSob a brisa garbosa da primavera

E a pele majestosa e delicadamente maciaLembra a maciez De uma pétala de rosa

13/05/2002

Page 46: O coração não nega

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As nuvens

Olha essa nuvem triste que passa no espaçoSozinha! Carente! Procurando amigoPequena! Descrente! Procurando abrigoNa imensidão do espaço que a faz sofrer

Veja a solidão da nuvem procurando abraçoPrestes a chorar as mágoas, descontentePrestes a chover as lágrimas somentePena que chorando deixa de viver

Olha a nuvem triste. Tão triste! Tão triste!Desacreditada que outra nuvem existeNesse céu tão grande pra te acompanhar

Olha a nuvem – olha – essa nuvem sou euE não vou chover, você está aquiVendo a nuvenzinha com o seu olhar

13/11/2002

Page 47: O coração não nega

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Entre tapas e beijos

Sinto-me carente sem os beijos seusNum penduricalho brilha a solidãoSempre brigamos e me diz adeusMas depois retorna e pede meu perdão

Quando vou embora sinto ciúmeSufoca a raiva do meu coraçãoE quando distante sinto seu perfumeRessuscita o fogo da nossa paixão

Quando brigamos...arrependimentoAlimenta imagens nos meus pensamentosE dorme roncando em minha cama

Sempre brigamos e bate a saudadeAs pessoas falam severas verdadesEntre tapas e beijos a gente se ama

23/05/2002

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Covardia

Quem é aquela pessoa que não tem coragemQue não tem vontade por medo que um diaPossa estar errada e perceber que a vidaNão é aventura e nem ventaniaNão é só o beijo e um abraço e um sorrisoMesmo que isso seja muito prazerosoQuem é aquela pessoa com medo de errar

De quem são esses olhos que não se revelamE sofrem sozinhosQue sabem que a felicidade existeMas não tem coragem para procurarQuem é aquela pessoa que não arriscaCom indiferença vê o sonho morrendoE depois no escuro do seu quarto chora

Quem é? Quem é aquela pessoaQue finge não sofrer? Que bela artistaEsconde o que chorou ontem à noiteÉ uma pessoa que acreditaQue pra sempre deve ser submissa às regrasUma que um dia possuiu a liberdadeMas preferiu ficar numa gaiola aprisionada

28/11/2002

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Sem título

Era o último dia de aulaEscrevi uma poesiaPara cada amigoPorque a distância nos separavaNaquele momentoUma despedida formal de quem agoraVai viver a vida

Todos ligados pelo desejoSer felizMeus amigos, minha escola, adeusQue um dia possamos nos reencontrarEm nossos filhosPor aí nessas ruasPelo mundo

Encerrava-se uma etapaEm cada vidaEm cada amigoChovia, era noite no velho “Padreco”E alguém chorava num cantoEnquanto liaMinha poesia

12/12/2002

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Sem título

Amor não pode ter planejamentoHora, dia, lugar, duraçãoVontade não tem regra nem momentoQuem manda nos sentidos é o coração

Amor não pode ser aprisionadoNo entanto, não existe sem vontadeAmor que se produz com falsidadeNão gera frutos de felicidade

Amor não gera mágoas e nem prantoÀs vezes briga – sempre perdãoAmor real precisa ser guardado

Sempre deve responder aos dois anseiosSaber que o bom mesmo não é o fazerBom mesmo é sentir-se amado

17/10/2002

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Adeus floresta

Nos galhos das árvoresAs aves que tristesSoltam os últimos cantosEnquanto um punhado de relvaEstá queimando na beira do asfaltoA fumaça afugenta os esquilosE os bem-te-vis vão embora

A cada minuto mais aumentaA fogueira da relva dançando no ventoE arrasa um ipêO pobre sagüi – moradorMorreu queimadoUirapuru sepulta o amigoCom seu canto fúnebre

Pelas águas do ribeirãoMuitos fogem

Os pardais que tem filhotesPra onde vão agoraDiz adeus o andorinhãoE vai emboraSeguindo a trilha dos cardeais

Em pouco tempo tudo arrasadoE sobre as cinzasCanta o uirapuru sem casaAdeus floresta diz o cantoAdeus meu filho diz a mãeUm clima tristeEsfria as horas seguintesOs carros passam na estradaE cai a tempestade sobre as cinzas

24/05/2002

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Soneto da inveja

Eu quero demais e não tenhoTudo aquilo que o olhar desejaSe vejo alguma coisa boa invejoE ambiciono o que é melhor

Tudo que vejo na vitrineO que acho bonito ou útilA mulher mais bonita do mundoA casa, o carro e o troféu

Mesmo que tenha tantos desejosE gasto meu tempo todo nissoNão tenho! Não tenho! Não tenho!

Invejo tudo pois desejoE mesmo sabendo que não tereiEu quero! Eu quero! Eu quero!

24/11/2002

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Soneto de amigo

Se te dou a mão não peço recompensaChore no meu ombro até desabafarNão me peça perdão pelas suas atitudesNão esconda nada. Não prenda. Não sofra

Não diga nadaDeixa o coração se revelar e sinta-se leveEstarei sempre aqui para te consolarApoiarei você em tudo que fizer

Se for pra entrar na briga entremos juntosE na hora da ressaca de cervejaOu até na hora de cambalear a caminho de casa

Sempre que precisar pode contar comigoNa angústia, na raiva...e na alegria se quiserMas que saiba que na hora da dor eu sofrerei contigo

17/09/2002

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Nós sempre seremos amigos

Perdidos pelo mundo aforaGuardando na lembrança a amizadeSeguimos a vida – saudadeSaudade dos dias vividosDas festas no tempo de escolaDas coisas que a gente sonhavaNós sempre seremos amigos

Nós sempre seremos amigosAmigos, parceiros, irmãosFrente a uma decepçãoOu no clima de felicidadeAmizade é pra se preservarE nós seremos amigosPela eternidade

A vida nos espalhouMas seremos amigosDe festa, na dor e perigosComo sempre fomosSe um dia eu te encontrar na ruaMe conte suas novidadesE me dê um abraço apertado

Amigos de farra e foliaE nas desilusões da vidaDe lágrimas na despedidaComo nos dias antigosA sorte nos separa masEm nome de tudo que somosNós sempre seremos amigos

24/05/2002

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Escola da vida

Devemos saber ouvirDe quem tem experiênciaAlguém que já foi alunoNa escola da vidaPorque um dia seremos mestresDe um aluno como nós mesmosQue um dia será mestre De outro aluno como ele

18/11/2002

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Sem título

O amor Nos faz sorrir diante de mil problemasDormir no meio do caosE sonhar com o paraísoO amor não tem cor nem idadeAmar é viver a alegriaQue pra nós foi reservada

É como os raios de solQue afugentam as sombras de manhãNos deixa leves a pondo de voarAmor é eterno enquanto duraAmar é estar sempre livrePara aprisionar-se Nos braços da pessoa amada

24/05/2002

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O Nordeste chora

Água encanadaCidade grandeTodos pensam que ela sai do cano por mágicaTodas as torneiras ligadas jorrando o que se pode pagarPor mágica? Não, pelo capitalismoE enquanto isso O Nordeste chora

Duas horas e ainda estão ligadasLava o beco. Lava rua e a calçadaE a água pra beber, lavar os pratosÉ só a décima parteSó um décimo se aproveitaE enquanto issoO Nordeste chora lágrimas secas

O carro já está brilhandoMas a torneira ainda está ligadaFormando um riacho até o esgotoÁgua jogada foraÁgua que traz a vidaQue faz com que o solo do NordesteRache ao sol do meio diaO Nordeste chora

Chora por querer beber águaChora por não poder contar com a chuvaQue por aqui deveria lavar a rua – e lavaMas também é lavada pela mangueira do jardimE quem dera que esse riacho que é formadoLeve água pro Nordeste ser felizE pare de escorrer pela boca-de-lobo

10/11/2002

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Sem título

Eu escrevo coisas quentesE o calor das coisas que escrevoÉ o retrato das pessoasSou um poeta do cotidianoGosto de observar os detalhesToda vida é uma festa de estímulosCheias de amor e de ódio dependendo do mundo

As paixões são fruto da inspiraçãoE da obrigação vital do homem em necessariamente se apaixonarO ódio é fator isoladoCom o qual o homem tenta esconder estímulos fracassados

A vida é curta e gosto de viver cada instanteNão quero que ela seja um eterno horário políticoCheia de promessas que nunca serão realizadasAo contrário, quero que a minha vida seja um puteiroOnde tudo é depravado Mas nada fica só no projetoTudo vai até as últimas conseqüências

Olho o mundo e percebo o mundoNo capitalismo não enxergo lucros, só danosComo é bom olhar em um formigueiro a pureza do socialismo(socialismo: uma formiga é igual a uma formiga)Eu escrevo a sabedoria e a toliceEu enxergo a pureza e a cafagestagemEu descrevo o meu povo e o meu povo

06/12/2002

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O primeiro amor

O primeiro amor é o mais inútilPorque depois que acabaO segundo amor não vem com tanta intensidadeA palavra amor priva-se na lembrança de uma mágoaFreia bruscamente e impede o riscoAcaba-se o segundo amorE o terceiro surge mais preso ainda por mágoas antigas

O primeiro amor é mais gostosoPorque junta a timidez ao assanhamentoO segundo amor é desquitadoO rosto já esconde uma cicatrizO terceiro amor é pior aindaPorque além das cicatrizes há a inevitável idéiaDe que jamais seremos felizes e que vale mais a penaSó curtir do que se entregar de novo

O primeiro amor dói na angústiaPois não sabíamos sofrerO segundo amor dói menos mas dóiE o terceiro em diante pouco dóiO primeiro foi a escola de todos os outrosE depois de tanto termos estudadoPercebemos que não sabemos nada ainda

15/11/2002

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Sem título

A liberdade não consiste em ser soltoE paz não é de fato estar sem guerraAmor não é estar com quem se gostaHá uma gota de mentira em cada idéia

Quem é livre obriga-se a ser erranteE o amante tem o vício incontrolávelQuem tem paz vive sempre na suspeitaVigiando quem só pensa em fazer guerra

Não choram só por tristeza ou saudadeHá uma réstia de absurdo em cada dramaHá um pedaço de emoção em cada fato

Dos boatos, muitos são enganadoresPorque só o interessante se comentaE só o magnífico se conserva

13/05/2002

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As aves

Ouvi o canto alegre das avesQue tentavam curar meus olhosCansados do ‘stress’ da cidadeVida regrada cheia de machucados

É pouco o que posso ver da árvorePor sorte é justamente onde cantamVermelhas, amarelas, brancas, azuisAs aves são tantas que nem posso contar

Me inspiram a sair mas como escaparDessa gaiola onde fui colocadoPra cantar o canto metódico e padronizado

Parecem cantar pelo meu triunfoQuebrar todas as regras desse sistema robotizadoAbrir a gaiola e sair cantando pela rua

18/11/2002

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Gênio da lâmpada

Certa vez encontrei uma lâmpadaCom um gênio de verdade dentroPedi pra não perder a esperançaPedi um milhão de conhecidos e alguns amigosAmar muitas pessoas e ser amado por poucasPedi pra não ser perfeitoPra não morrer de desgosto

Pedi a coragem para lutar pelo que eu queroForça para adquirir meu espaçoBondade para ajudar ao próximoSimplicidade, patriotismo e uma cadeira só minha no MineirãoO gênio aborreceu-se e foi emboraDizendo estar a séculos aprisionadoE quando sai, seu amo pede o que já tem

18/11/2002

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Sem título

As palavras são como lanternasÚteis num casebre sem luzInúteis quando a luz do dia apareceDelas podemos fazer remédioOu agravante dos machucadosCoisas interessantesOu bobagens ilimitadas

Lanterna sem pilha não funcionaPalavra mal colocada não se encaixaÉ como a luz da lanterna Sob a luz do novo diaAs palavras são como lanternasPois ambas possuem energia E são direcionáveis pela ação humana

06/12/2002

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Nós não temos preconceito

Tem alguma coisa diferenteNa maneira de serDe cada cidadãoNo ar ecoam vozesDescontentesQue não se contentam Com a desunião

Em toda cidade Ecoam rimasQue definem nova revoluçãoRoupas sujasCom as serpentinasResultado da comemoração

Estampado lá no prédio grandeUm cartaz bem coloridoQue desperta alucinados gritosPelo fim do que segregaPara todos só o bemExclusão do que divideCada qual com seu igualCom o diferente também

Amor é incondicionalE na cidade todos cantam juntosNós não temos preconceitoE abraçamos nossos irmãosNós temos grandes defeitosMas nós temos a uniãoEntre nós

22/09/2001

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Pensamentos

Pensamentos voamComo bolhas que os peixes soltamE que as águas carregam pra cimaExplodem onde não há mais águaRevelam-seOnde inicia-se o céuAo divino pescador

Que em vez de lançar a iscaJoga seus grãos no mar de ventoPra que alcancem aquele peixe-homemIrrequieto que não se conformaE que tenta por meio de tumultuados pensamentosConsertar graves errosMelhorar coisas tolas

E foge como peixe ariscoDeixando um rastro de pensamentosComo peixe irrequietoNunca duas vezes no mesmo coralProcurando soluçõesMas sendo pescado pela inquietação

16/05/2002

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Final de ano

Mais um ano se acabandoUma etapa se encerrandoCom os dias que fui vivendoCom os sonhos que fui sonhando

Projetos que andei buscandoBatalhas, perdidas...vencidasResta-me agradecerColher o que andei plantando

Me lembro dos dias de chuvaDos domingos no bar da favelaDa Mangueira e do carnaval

No vinho, no clássico das multidõesPoxa! Minha vida é uma novelaE aqui sou o ator principal

14/10/2002

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Sem título

Às vezes penso sobre o que é viverE qual a razão de nós lutarmos tantoOu a gente vive pra encontrar o encantoOu nos encantamos na procura e só

Nas canções tocadas que provocam espantoNós fazemos trilha de um amor eternoDa estação florida que sepulta o invernoRetiramos rosa pra adornar saudades

E viram pó, e revoam no vento, e viram ventoMas mesmo que na estrada não se ache a sorteO direcionamento da vida é sonharmos

É por isso que a felicidade existeMesmo que no fim da vida esteja a mortePorque nós nascemos pra nos realizarmos

18/05/2002

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Sem título

Ao pó no ombro dos homensDedicamos momentos de admiraçãoDo suor na labutaNa conquista do direito de comer o pãoNão me olhe como quem vê o mandanteSou feito também do suor e carrego esse póOfereça-me um aperto de mão

Nós construímos e demolimosNós carregamos e descarregamosNós fazemos o que tem que ser feitoE nossas emoções não são comedidasNós exteriorizamos sentimentosNós somos trabalhadores do sistemaE não máquinas do sistema

Quando chegar a hora do laurelOfereça-me um copo que também vou beberE no momento da angústia te oferecerei meu ombroEle estará sujo de póMas será confortável ao seu sofrimentoAos que mandam, a reverênciaE a mim a amizade

30/07/2009

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Porta fechada

A sociedade é perita em destruir talentosUma opinião errada apaga uma estrelaTodo mundo é antiquado perante o novo e não percebeNinguém dá valor ao que não é regrado no contextoSe não possuir as características da aceitaçãoPor isso jamais devemos desistir de baterDiante de portas fechadasSe sabemos que elas estão trancadasPara o que é novo e ainda incompreendidoMesmo assim não devemos desistir de baterElas podem se abrir

18/10/2002

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Cidade em chamas

Abro os olhos e te vejoCidade em chamasE os trajes cor de vinho das morenasE as ruas e as esmolas e as criançasRezo a Deus e então choroPra que minhas lágrimasApaguem o seu fogo

11/11/2002

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