o consumo audiovisual e suas lógicas na rede

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    O consumo audiovisual e

    suas lgicas sociais na rede

    El consumo audiovisual y suslgicas sociales en la red

    Audiovisual consumption and

    its social logics on the web

    Rose Marie Santini1

    Juan C. Calvi2

    Resumo Este artigo analisa as lgicas sociais subjacentes ao consumo

    audiovisual nas redes digitais. Recuperamos alguns dados sobre o trfego

    global de arquivos audiovisuais na Internet desde o ano 2008 a fim de

    identificar os formatos, modos de difuso e consumo de contedos audiovisuais

    que tendem a prevalecer na Web. A pesquisa revela os tipos de prticas sociais

    dominantes entre os usurios e sua relao com o que designamos como

    cultura da Internet.

    Palavras-chave: Consumo audiovisual. Lgicas sociais. Usos sociais. Internet.

    Resumen Este artculo analiza las lgicas sociales subyacentes al consumo

    audiovisual en las redes digitales. Recolectamos algunos datos sobre el trfico

    global de archivos audiovisuales en Internet desde el ao 2008 con el propsitode identificar los formatos, modos de difusin y consumo de contenidos

    1 Professora da Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ). Ps-doutoradono Centre d'Estudis i de Recerca d'Humanitats i al Dept. deconomia de lempresa na Universitat Autnoma de Bar-celona. Doutora em Cincia da Informao pelo convnio UFF-IBICT. Autora do livro Admirvel chip novo: amsica na era da Internet (Rio de Janeiro: Epapers, 2006).2 Msico de Jazz, toca saxo tenor. Professor Titular de Sociologia da Msica da Universidad Rey Juan Carlos(URJC), Madri-Espanha. Ps-graduao, Doutorado e Ps-doutorado em diversas universidades europeias, eprofessor visitante em universidades argentinas. Autor do livro La cultura de la reproduccin audiovisual en In-

    ternet (Madrid: Ed. Dikynson, 2008) e Coeditor da coletnea Msica y Pensamiento Contemporneo (Ed.Corregidor, Buenos Aires, 2012).

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    o audiovisuales que tienden a prevalecer en la Web. La investigacin presenta los

    tipos de practicas sociales dominantes entre los usuarios y su relacion con lo que

    designamos como cultura de Internet.Palabras-clave: Consumo audiovisual. Lgicas sociales. Usos sociales. Internet.

    Abstract This article analyzes the social logics underlying audiovisual

    consumption on digital networks. We retrieved some data on the Internet global

    traffic of audiovisual files since 2008 to identify formats, modes of distribution

    and consumption of audiovisual contents that tend to prevail on the Web. This

    research shows the types of social practices which are dominant among users

    and its relation to what we designate as Internet culture.

    Keywords:Audiovisual consumption. Social logics. Social uses. Internet.

    Data de submisso: 07/05/2012Data de aceite: 23/08/2012

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    Introduo

    A crescente penetrao da Internet na vida cotidiana de milhes de pes-soas no mundo atravs de diferentes plataformas tem concentrado as es-peculaes e as disputas tericas sobre as lgicas sociais emergentes nocampo cultural, em especial no mercado do audiovisual. Com as mu-danas no cenrio tecnolgico, econmico, artstico e social, renasce apreocupao com os novos hbitos culturais que se desenvolvem no en-torno online e suas funes dentro do atual regime social. Consideran-do que as formas de pensar, sentir e agir passam necessariamente pelascriaes simblicas por sua produo, propagao, percepo, sentidoe uso o estudo da Internet e suas consequncias socioculturais temrevigorado alguns debates dentro das cincias sociais, e em especial nocampo da comunicao social.

    Entretanto, quando se analisam as lgicas sociais implicadas emum determinado campo comumente so privilegiadas as perspectivasmacrodeterministas, dentre as quais se incluem as diferentes correntes

    estruturalistas de pensamento sobre a ao social. As posies estrutura-listas consideram que as aes dos sujeitos esto determinadas por estru-turas sociais tais como a lngua, a classe social, a poltica, a economia, atecnologia, e/ou por instituies como o Estado e o mercado. Neste tipode abordagem terica parte-se do pressuposto de que um todo (a estrutu-ra) determina a ao das partes (os indivduos): ou seja, considera-se queforas sociais impessoais atuam sobre as pessoas determinando suas pr-ticas e aes cotidianas. Esta perspectiva sobre o social supe uma certa

    conformidade ou submisso dos indivduos inseridos em tais estruturaspara atuar de determinada maneira e no de outra.

    A limitao fundamental de qualquer tipo de posio determinis-ta no poder dar conta da multiplicidade inerente tanto s prticassociais existentes como s lgicas sociais estabelecidas, novas ou di-vergentes dentro das quais se produzem. O problema do argumentodeterminista seja este do tipo econmico, poltico ou de qualquer

    outra ordem no considerar a diversidade de fatores determinan-

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    o tes em jogo, seus entrecruzamentos, suas variaes e os aspectos im-previsveis do social.

    Assim sendo, argumentamos sobre a necessidade de se pensar as l-gicas sociais a partir de uma perspectiva atenta multiplicidade das pr-ticas individuais: ao invs de considerar o indivduo como produto dadeterminao social, prope-se refletir sobre o social como expressodo entrecruzamento da ao de milhes de indivduos singulares, talcomo propunha o filsofo e socilogo francs do final do sculo XIXGabriel Tarde (1843-1904). De acordo com Tarde ([1899] 2009) o socialconstitui-se como uma rede de relaes entre indivduos que atuam unssobre outros em base a distintas lgicas de interao. Neste sentido, osusos sociais se compem da infinita variedade de aes individuais queso irredutveis determinao de uma s causa, mas sim de mltiplascausalidades. Segundo Bruno Latour (2005) e em consonncia com Tar-de, o social entendido como um princpio de conexes e de interaesentre indivduos dentro de uma lgica de rede, estrutura prpria daquiloque denominamos sociedade.

    Definido o plano terico do qual se parte, o objetivo deste artigo discutir as lgicas sociais implicadas no consumo audiovisual que vemse configurando na Web. Partimos da definio de usos sociais pararefletir sobre como foi se constituindo a chamada cultura da Internet.O argumento apresentado pretende descartar posies deterministaspara tentar compreender os usos sociais a partir de uma perspectivaconceitual e microssociolgica. Em seguida estabelecemos categoriasprovisrias para os formatos e contedos, modos de difuso, de usos

    e consumo audiovisual a fim de examinar os dados disponveis sobreo trfego global de arquivos audiovisuais na Rede e suas tendncias.Por ltimo, baseando-nos em tais dados, analisamos a origem e o de-senvolvimento dos hbitos de consumo audiovisual gratuito na Internetcujo diagnstico aponta para algumas lgicas sociais dominantes e suasconjecturas no contexto digital.

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    o ao campo cultural, estas prticas socialmente estabilizadas podem pro-mover ou inibir a permanncia ou as mudanas de uma determinada

    regulao social. Ao mesmo tempo, os usos sociais podem estimular oudebilitar a dominao de uma corporao, de uma estratgia socioeco-nmica ou de uma lgica comercial sobre outra. Fundamentalmente,segundo Bourdieu ([1997] 2004), os usurios podem interromper ou mo-dificar a correspondncia entre produo e consumo cultural em termosde volume, natureza, forma e frequncia.

    Para Lacroix & Tremblay (1997, p. 71-87), em consonncia com aviso bourdiana, os usos sociais se definem como prticas estabilizadase generalizadas que participam tanto da reproduo cotidiana dos mo-dos recorrentes de comportamento, ou seja, dos hbitos que operamem longos perodos de tempo como na criao de novos usos (emfase de cristalizao) que comeam a tomar lugar na esfera das prticasde consumo. Segundo os autores, os usos sociais se referem aos hbitoscomuns de uma determinada coletividade em oposio ao conceito deutilizao, que remete a uma ao individual, pontual, circunstan-

    cial e cambiante.Neste sentido, os usos sociais esto presentes no dia a dia em dife-rentes formas, modalidades e momentos enquanto comportamentos,iniciativas e aes que se repetem e se reproduzem entre os indivdu-os no campo social. Portanto, quando tratamos dos usos sociais nosreferimos aos hbitos enquanto prticas recorrentes, cultivadas pelosindivduos ao longo do tempo, propagadas e reforadas dentro de umadeterminada coletividade.

    Seguindo esta linha de raciocnio sobre os usos sociais, consideramosque as prticas sociais de criao, circulao e usos do material audio-visual disponvel na Rede no esto completamente determinadas porforas externas tais como o poder poltico que regula o comportamentodos sujeitos, tampouco por empresas que orientam esses comportamen-tos em uma tentativa de ajuste entre oferta e demanda ou pelas tecnolo-gias que mediam essas prticas. No se trata de negar a influncia que

    tais estruturas e poderes podem exercer sobre os indivduos, e menos de

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    afirmar uma completa liberdade de ao dos usurios envolvidos, mastentar escapar de quaisquer argumentos explicativos que considerem a

    determinao por uma nica causa.Privilegiamos neste trabalho uma abordagem terica que considera

    a multiplicidade de foras sociais em jogo, entre as quais os valores, ascrenas e as influncias interpessoais possuem um papel fundamental(TARDE, [1899] 2009). Esta perspectiva prope pensar as lgicas sociaissubjacentes ao campo cultural a partir da anlise dos processos de con-tgio e transmisso de opinies, crenas e comportamentos no nvel mi-crossocial que fazem desencadear sries imitativas (BOURDIEU, 1988;DELEUZE & GUATTARI, 1988; LAZARSFELD & KATZ, [1955]2006; LAZARSFELD & MERTON, [1948] 2000; ROGERS, 2003;TARDE, [1899] 2009).

    Portanto, partimos de um princpio no qual o que os usurios fazemna Internet no est determinado pela tecnologia em si, seno por valo-res, crenas, inf luncias interindividuais e lgicas de imitao e repetiode comportamentos que do forma a uma cultura particular, dentro de

    determinadas condies econmicas, polticas, sociais e institucionais.A cultura da Internet e sua organizao tcnica e institucional, eco-nmica, poltica e a lgica social predominante na Rede se compe dasaes que desenvolveram e que desenvolvem seus desenhadores, cient-ficos e pesquisadores, ativistas, programadores profissionais e amadores,empreendedores e usurios em geral, no qual incorporam seus prpriosvalores, crenas e prticas de colaborao e compartilhamento de infor-mao aos usos da mesma (ABBATE, 1999; HAFNER & LEON, 1996).

    Dito de outra forma, o fato de que a Internet seja concebida desde seuincio como uma plataforma aberta, colaborativa e de livre circulaode informao gratuita entre seus primeiros usurios desencadeou umasrie de comportamentos imitativos que configuram os usos sociais queatualmente se podem observar como os mais comuns na Rede.

    Os sistemas e aplicaes mais utilizados na Internet, que vo desde ocorreio eletrnico, a World Wide Web (WWW), passando pelos sistemas

    P2P como Bittorrent, as aplicaes colaborativas como Wikipdia, as re-

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    o des sociais como Facebook at os portais de streaming de audiovisual co-mo YouTube, dentre outras, apresentam duas caractersticas principais.

    A primeira que estes sistemas possibilitam o intercmbio, a distribuioe a reproduo massiva de informao sob a forma de arquivos digitaisde udio, texto, imagem e vdeo que circulam atravs da Internet comorecursos livres e gratuitos ou seja, no necessrio pagar para obt-losou acess-los. A segunda caracterstica que estes sistemas e aplicaesconseguem desencadear rapidamente o que se denomina escalabilida-de de redes, em que o valor de uma rede aumenta exponencialmentecom o nmero de usurios que a ela se conecta, aumentando assim aquantidade de recursos disponveis, o que atrai mais usurios e assimsucessivamente. Ou seja, quanto mais pessoas incorporam-se a uma de-terminada rede, melhor seu funcionamento (CALVI, 2008).

    Na Internet, onde milhes de indivduos esto interconectados unsaos outros e exercendo uma influncia mtua, as prticas de circula-o e uso do audiovisual expressam duas importantes caractersticasque constituem a lgica social da Rede. Por um lado, a informao se

    propaga por imitao, repetio e reproduo de comportamentos, deforma instantnea e distribuda, em uma dinmica de contgio viral eatravs da colaborao direta ou indireta entre milhes de pessoas. Poroutro, os mecanismos desenvolvidos pelos usurios para difuso doscontedos tendem ao compartilhamento e ao consumo livre e gratuitodos mesmos fenmeno que se constitui como uma tendncia domi-nante na Internet.

    O audiovisual e a cultura da Internet

    Pode-se definir como audiovisual todas aquelas expresses simblicasconformadas por sons e imagens-movimento, sejam estas filmes, progra-mas de televiso, animaes, vdeo-arte, videoclipes, vdeos amadoresetc., incluindo todos os tipos de vdeos e contedos audiovisuais ainda

    no classificados ou classificveis em tipologias especficas. O uso geral

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    do termo udio / visual tende a suprimir o componente udio e a res-saltar o componente visual, levando em conta que o componente sonoro

    no se restringe como suporte da imagem-movimento (vdeo). O udioconstitui-se como o elemento que mais circula nos espaos sociais e nasredes digitais, tanto como produto independente (msica, obras sonorasetc.) ou como componente de outros produtos culturais tais como pro-gramas de rdio e televiso ou filmes etc. Esta pesquisa se centra somen-te nos produtos audiovisuais compostos de som e imagem-movimento eno na msica, que o produto cultural mais difundido e consumido3.

    Cabe ressaltar que a classificao dos tipos de contedos, formatos emodalidades de difuso e consumo online uma tarefa extremamentecomplexa, dada a impossibilidade de definir a partir de categorias fixasum territrio to dinmico como o da Internet. Entretanto, podem-seestabelecer duas principais modalidades de difuso e consumo audio-visual na Internet: o ato de assistir os contedos por streaming e fazerdownload dos mesmos.

    Propomos estabelecer uma categorizao provisria sobre os mais im-

    portantes formatos e contedos, modos de difuso, usos e consumo au-diovisual atravs de distintas plataformas e sistemas na Internet. Dentreos formatos e contedos audiovisuais se incluem os filmes, programasde TV, videogames, videoclipes (vdeos musicais), vdeo-arte (net-art),animaes (cartoon), vdeos amadores, adultos (net-porn), notcias, en-tretenimento, documentrios e vdeos educativos.

    Dentre as plataformas e sistemas de difuso e consumo, se incluem:1) contedos audiovisuais de televiso ou vdeo na web, gratuitos ou

    pagos, que se visualizam em um computador, tablet ou celular comconexo a Internet (Internet video to PC / mobile:streaming); 2) inter-cmbio nas Redes P2P e portais de enlaces (file sharing: download);3) contedos audiovisuais de TV ou vdeo na web, gratuitos ou pagos,que se visualizam em um aparelho de TV (Internet video to TV); 4)redes de usurios abertas ou fechadas, como no caso dos jogos onli-

    3 Inclusive a multiplicao das telas digitais no supe a substituio do som pela imagem, mas a multiplicao eampliao dos canais sonoros conjuntamente imagem-movimento.

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    o ne (Internet gaming); 5) difuso e visualizao de contedos nas redessociais (social networks); 6) difuso de vdeos atravs do correio eletr-

    nico (web / email); 7) vdeo-comunicaes, que incluem todas as apli-caes de chamadas telefnicas com vdeo, chats e webcams (Internetvideo communications);8)contedos audiovisuais ambientais (ambientvideo), que correspondem transmisso de vdeo atravs da web emespaos fechados ou abertos.

    Cabe considerar que a circulao de audiovisual na Internet se pro-duz principalmente em pases onde a porcentagem da populao co-nectada mais elevada (superior a 50%), e quase todas as mediesrelevantes se referem aos EUA e Europa, com uma presena cadavez mais importante dos pases asiticos como China, Coreia e Japo.Porm, a vantagem de analisar tais medies que estas podem apon-tar tendncias de consumo em outros pases como o Brasil. Apesar dopercentual de acesso Internet de uma dada populao ser calculadocom base em parmetros geogrficos, os usos sociais se produzem emum meio cujo alcance mundial. Entretanto, so evidentes as diferen-

    as sociodemogrficas, econmicas, polticas, tcnicas e, sobretudo, asdiferenas culturais que devem ser consideradas ao analisar o consumoaudiovisual em nvel global.

    Por um lado o mapeamento da multiplicidade de formas de uso econsumo audiovisual que se desenvolvem entre os usurios da Internet uma tarefa cujos resultados so improvveis. Em um entorno tocomplexo, no somente as metodologias para identificar e medir estesusos, como os conceitos habitualmente utilizados (como os de audi-

    ncia, espectadores, produtores, mediadores, consumidores etc.) estoem permanente reviso e questionamento. Por outro, vrios informese relatrios de pesquisa realizados pelas mais renomadas consultoriassobre Internet no mundo podem servir como indicadores dos usosemergentes do audiovisual e apontar tendncias de futuros desenvol-vimentos dos mesmos. Portanto, os dados disponveis atualmente so-bre o trfego de audiovisual na Internet podem nos dar uma ideia do

    fenmeno que estamos analisando.

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    De acordo com o relatrio da CISCO (2009), o maior operador deredes troncais da Internet, os vdeos que circulam na Internet ex-

    cluindo aqueles compartilhados por redes P2P representaram umtero do total de arquivos que circularam na Rede em 2010, e 60% dotrfego online nos EUA (ANDERSON & WOLFF, 2010), e a proje-o para o ano de 2013 que estes ocupem 60% do trfego global daRede. No entanto, se levarmos em considerao todas as categorias decontedos audiovisuais que definimos anteriormente, incluindo o quecircula atravs das redes P2P, estes contedos alcanaro mais de 90%do trfego total da Internet em 2013. Ou seja, mais de 90% do volumede arquivos que circulam online sero audiovisuais, incluindo princi-palmente os contedos sonoros. A Tabela 1 a seguir, oriunda do relat-rio da CISCO, mostra as tendncias globais de crescimento do trfegode arquivos na Internet, discriminado por plataformas de difuso e porregies do mundo, no perodo de 2008-2013.

    De acordo com a CISCO (2009), as duas modalidades atualmentedominantes de consumo audiovisual na Internet (Internet video to PC /

    streaming e file sharing / download) seguiro sendo em 2013. As regiesque apresentam e tendero a apresentar um maior peso no consumo dearquivos na Internet sero sia, Europa e Amrica do Norte. A figuraa seguir, que pertence ao mesmo relatrio, mostra os nmeros sobreconsumo global da Internet, porm discriminados por plataforma esistema audiovisual.

    Como se poder ver, em 2008 o download de contedos nas redes P2P(file sharing/download) era superior visualizao de contedos audio-

    visuais na modalidade streaming (Internet video to PC). Entretanto, apartir de 2011 esta tendncia se reverte dando um passo maior ao consu-mo por streaming do que por download, o que demonstra que estas duasmodalidades de consumo audiovisual continuaro sendo dominantes emajoritrias em 2013.

    A principal caracterstica que se pode inferir que a lgica socialda Rede favorece as prticas de consumo gratuitas como o comparti-

    lhamento de arquivos; o download; o livre acesso e visualizao atravs

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    o de streaming de todo tipo de contedo audiovisual. A msica tem sidoe continua sendo o setor de vanguarda no qual estas prticas vm se

    desenvolvendo com maior amplitude e o audiovisual parece seguir amesma tendncia.

    Consumer Internet Traffic, 2008-2013

    2008 2009 2010 2011 2012 2013CAGR

    2008-2013

    By Sub-Segment (PB per month)

    Web/Email 1,239 1,595 2,040 2,610 3,377 3,965 26%File Sharing 3,345 4,083 5,022 6,248 7,722 9,629 24%

    Internet Gaming 47 87 135 166 217 239 39%

    Internet Voice 103 129 152 174 183 190 13%

    Internet VideoCommunications

    36 57 94 160 239 354 58%

    Internet Video to PC 1,112 2,431 4,268 6,906 9,630 12,442 62%

    Internet Video to TV 29 149 381 1,004 1,711 2,594 146%

    Ambient Video 110 224 634 1,332 2,089 2,715 90%

    By Geography (PB per month)

    North America 1,279 1,881 2,807 4,357 5,839 7,213 41%

    Western Europe 1,662 2,177 2,989 4,333 5,841 7,450 36%

    Asian Pacific 2,487 3,707 5,382 7,570 10,306 13,311 40%

    Japan 268 421 614 905 1,172 1,415 39%

    Latin America 165 270 437 655 921 1,243 50%

    Central EasternEurope

    163 242 397 619 843 1,153 48%

    Middle Eastand Africa 37 57 100 162 246 343 56%

    Total (PB per month)

    ConsumerInternet Traffic

    6,020 8,755 12,726 18,601 25,168 32,129 40%

    Tabela 1. Trfego Global do Consumo de Arquivos na Internet Tendncia 2008-20134

    Fonte: Cisco, 2009.

    4 Na Tabela 1, a sigla PB significa a unidade de armazenamento de dados PetaByte, enquanto a sigla CAGR(Compound Annual Growth Rate) se refere porcentagem de crescimento anual de cada categoria analisada.

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    Configurao dos hbitos de consumo audiovisual gratuito

    A diversidade de usos, hbitos, prticas de consumo e preferncias que osusurios desenvolvem na Internet configura uma conjectura na qual osnmeros apresentados corroboram. No entanto, esta heterogeneidade de

    prticas e usos no se deve a uma s causa seno a diversas motivaes,modos e contextos especficos de usos sociais do audiovisual que se fo-ram constituindo ao longo do tempo.

    Com o surgimento e a penetrao dos meios de comunicao demassas na vida cotidiana das pessoas, especialmente os meios audiovi-suais, se produzem duas transformaes essenciais relacionadas com ascondies de consumo audiovisual em ambientes domsticos e com a

    gratuidade dos contedos.

    Figura 1. Trfego Global do Consumo de Arquivos na Internet Tendncia 2008-2013Fonte: Cisco, 2009.

    Exabytes per month

    34

    17

    02008

    Ambient Video

    Internet Video to TV

    Internet Gaming

    VoIP

    Internet Video to PC

    File Sharing

    Web/Email

    Internet VideoCommunications

    2009 2010 2011 2012 2013

    40% CAGR 2008-2013

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    o A primeira transformao, relacionada com o consumo cultural gra-tuito na esfera privada, foi estimulada pela entrada do rdio e da televiso

    nos lares, o que difundiu amplamente e reforou determinados gostosculturais pelas prticas de diverso e entretenimento popular. Assim, aonipresena de produtos miditicos no ambiente domstico contribuiupara modificar pouco a pouco os comportamentos de consumo baseadosem normas culturais dominantes com seus critrios de coerncia e legiti-midade cultural (LAHIRE, 2006).

    De maneira general, a oposio entre pblico e privado determina arelao com os prprios usos, hbitos e gostos culturais. A esfera de con-sumo privada propicia a instaurao de mercados livres (situaes queno so regidas por normas sociais) em oposio aos mercados oficiais(espaos de troca onde os preceitos normativos se aplicam). De acordocom Bernard Lahire (2006, p. 538), esta contradio entre os diferentesmercados condiciona os comportamentos culturais e impe-se em todosos ambientes sociais.

    Por outra parte, Pierre Bourdieu (1988), ao estudar as lgicas do

    consumo cultural, argumenta que em general as prticas culturais re-alizadas em mbitos privados so construdas com base em critriosque no levam em considerao os mecanismos de distino, de pro-duo de valor e de coerncia identitria. Devido s condies de me-nor controle do olhar dos outros, e de total ausncia de oficialidadee formalidade na situao de consumo, a esfera privada propcia aorelaxamento do controle das emoes e ao desenvolvimento de com-portamentos mais hedonistas, promovendo formas de consumo mais

    extrovertidas e contraditrias. Neste ponto, necessrio destacar queatualmente a maior parte do consumo audiovisual ocorre no mbitoprivado e de forma individualizada.

    Os dados estatsticos apresentados neste artigo demonstram que aheterogeneidade dos usos, hbitos e gostos audiovisuais uma constan-te entre os usurios de sistemas, aplicaes e plataformas de consumocultural na Internet. Significa dizer que as lgicas sociais reguladoras

    das formas do consumo audiovisual na Rede no podem estabelecer-se

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    como leis gerais e universais, iguais para todos os usurios. As atitu-des e interesses culturais so dissonantes, contraditrios e mltiplos em

    uma mesma pessoa, e, neste sentido, no se pode falar de um gostocultural coerente, considerando que as preferncias tendem a definir--se em funo da situao de uso considerada. Entretanto, os gostospessoais tendem a entrar em ressonncia com os produtos culturaismais difundidos pelas indstrias culturais, de tal modo que o ambientecultural no qual se desenvolvem tais prticas culturais define sua pr-pria condio de possibilidade.

    A segunda transformao derivada do uso dos meios de comunicaode massas refere-se ao consumo gratuito dos contedos. A liberdade deacessar e escutar msica pelo rdio ou de assistir programas de televisopor curiosidade e sem custos econmicos configurou fundamental-mente a relao entre a oferta e a demanda cultural em geral, e a cultu-ra de uso de contedos audiovisuais em particular. Neste ponto, faz-senecessrio considerar a genealogia e o desenvolvimento dos consumosculturais populares, que ao longo do tempo tm demonstrado capacida-

    de para transpassar delimitaes de tipo polticas, econmicas, sociais ouculturais. A msica apresenta-se como caso emblemtico neste aspecto:sua mobilidade transcultural (territorial e temporal) demonstra que ascriaes simblicas so suscetveis apropriao e difuso livre e gratui-ta, para alm das demarcaes prefixadas dos mercados culturais.

    Da mesma forma pode-se perceber que o entorno de gratuidade decontedos na Internet modifica a relao entre os usurios e as infor-maes disponveis de acordo com a liberdade de uso e a ausncia de

    custos econmicos implicados no ato de consumo. Em relao aos bensculturais gratuitos, os usurios tendem a ser mais abertos e tolerantesculturalmente, porm quando preciso pagar por estes bens os usuriosse tornam mais exigentes, escolhem e selecionam o que consumir comcritrios mais restritos.

    Tanto a rdio como a televiso aberta so meios de comunicao ele-trnicos provedores permanentes de contedos gratuitos, que permitem

    estabelecer uma relao mais livre e f lexvel dos pblicos com os produ-

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    o tos audiovisuais que oferecem. Esta f lexibilidade evidente se compara-mos os graus de incerteza, aleatoriedade e risco tanto estticos como

    econmicos que implicam o pagamento pelo consumo de contedosaudiovisuais. O alto grau de incerteza por parte dos consumidores antesde comprar um produto caracterstico do mercado cultural sendomaior em relao a qualquer outro tipo de bem de consumo por exigiruma acumulao de conhecimento de alto custo em termos de tempo edinheiro por parte dos usurios (SANTINI, 2010).

    Entretanto, se comparada com a rdio e a televiso, a Internet am-plia ainda mais as possibilidades de consumo privado e acesso gratuito acontedos de todo tipo, com uma diferena fundamental: a variedade daoferta, as condies de escolha e os graus de liberdade de uso so infini-tamente maiores. Por um lado, o acesso online a contedos audiovisuaissugere uma intensificao das condies de privacidade mencionadas,na medida em que navegao na web torna-se cada vez mais individuale personalizada. Por outro, o entorno online vem se constituindo como oparaso dos contedos gratuitos possibilitando o acesso a uma varieda-

    de indita de contedos de todo tipo (msica, vdeos, filmes, programasde TV, fotos, textos etc.) para usufruto dos internautas sem, na maioriados casos, a necessidade de um pagamento prvio ou posterior. Portanto,a oferta e a demanda de contedos gratuitos na Rede resultam do quechamamos de cultura da Internet, que favorece o contnuo apareci-mento de novas aplicaes, sistemas e prticas entre os usurios que via-bilizam a acessibilidade livre e universal de seus recursos.

    Um dos fatores tecnolgicos que contribuem para a conformao des-

    te cenrio na Internet est relacionado com a natureza da informaodigital e com a estrutura tcnica da Rede: os custos de produo, repro-duo, cpia e distribuio so prximos a zero (custo marginal), o quetorna difcil excluir qualquer usurio de seu acesso e uso, ainda que oscustos de acesso prpria Internet atravs de operadoras de telefonia pri-vadas ainda sejam discriminatrios.

    Os usos sociais desenvolvidos pelos usurios no entorno digital tam-

    bm so definidos pelo acesso a uma oferta cultural abundante e alta-

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    mente diversificada. Alm disso, o desenvolvimento de interfaces maiscomplexas multiplica as possibilidades de escolha de contedos na

    Internet e facilita o surgimento de uma maior heterogeneidade no mbi-to das prticas e preferncias sociais, se comparadas com aquelas ofereci-das pelos meios de comunicao tradicionais.

    Significa dizer que os meios de comunicao de massas como a tele-viso contribuem menos para a variao dos gostos na medida em queimpem repertrios fixos a um pblico muito amplo. Atravs das emis-ses broadcast, sincronizadas e difundidas massivamente, os espectado-res veem obrigatoriamente os mesmos programas ao mesmo tempo.

    Ainda que os canais de televiso promovam um certo grau de misturade gneros audiovisuais no nvel da oferta (fator que impacta na confi-gurao da demanda), suas condies tcnicas, econmicas, a lgica deprogramao e modelo de negcio tendem a nivelar os hbitos culturaisem torno de um repertrio audiovisual restrito e repetitivo.

    As emisses televisivas suprimem em grande medida as possibilidadesde escolha dos contedos audiovisuais. Esta limitao do meio restringe

    as opes da audincia e contribui para a conformao de prticas deconsumo baseadas na convenincia, que muitas vezes implica em umgrau menor de ateno e comprometimento com o que se est assistindo.

    Entretanto, a digitalizao dos contedos e seu acesso online permi-te desenvolver diferentes modos de experimentao e de descoberta decontedos em torno de uma oferta audiovisual mais variada e na maio-ria das vezes gratuita atravs de interfaces que promovem usos maisativos. Por outra parte, o aumento das possibilidades de usos do audiovi-

    sual na Rede se comparada com os meios de comunicao eletrnicostradicionais apresenta diferentes causas e caractersticas.

    Primeiramente, conforme mencionado, todos os contedos audiovi-suais gratuitos na Internet podem ser utilizados de forma personalizadaem qualquer momento e lugar, liberando os usurios das determina-es da programao televisiva linear e massiva. Este fator aponta parauma segunda caracterstica: a Rede no tem limites de armazenamen-

    to de informao digital, portanto o volume de contedos disponveis

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    o tende a ser acumulativo, exceto quando se aplicam restries de usoa contedos com copyright. Em terceiro lugar, a manipulao, cpia,

    distribuio e/ou consumo no deteriora a qualidade do contedo epermite um uso repetido em uma infinidade de vezes por um mesmoindivduo ou entre diferentes pessoas.

    Apesar das facilidades proporcionadas pelo acesso aos contedos on-line, nem todos os usurios esto aptos a realizar buscas, descobertas eescolhas em um ambiente caracterizado por uma oferta cultural relati-vamente desorganizada e catica. Neste sentido, as prticas de sugestode contedos atravs de redes sociais e sistemas de recomendao estocriando um novo tipo de mediao cujas caractersticas facilitam a con-figurao de prticas e preferncias audiovisuais cada vez mais heterog-neas entre os usurios (SANTINI, 2010).

    Tais formas de consumo audiovisual com base na recomendaoentre pares contribuem para produzir novos consumidores para pro-dutos audiovisuais que a priori seriam reservados a perfis culturaisespecficos. Muitas criaes audiovisuais disponveis em distintas

    plataformas acabam por encontrar pblicos mais amplos que tmcuriosidade em consumi-los, ainda que em princpio no apresentas-sem inteno ou conhecimento suficiente para usufru-los em situa-es de pago. Portanto, o consumo audiovisual a partir destas novasmodalidades de difuso de contedos gratuitos na Internet permiteaos usurios apreciarem novos gneros e produtos que no so conhe-cidos ou desejados previamente ao ponto de compr-los, mas, coma oportunidade de experimentao prvia, alguns usurios podem

    tornar-se consumidores frequentes.Ainda que seja um tema complexo e controverso cujo tratamento re-

    quer um espao que ultrapassa as limitaes deste artigo, faz-se necess-rio considerar que as lgicas sociais de imitao e repetio inerentes aoconsumo cultural tendem, ao mesmo tempo, a reproduzir o que difun-dem as indstrias culturais. A disposio dos usurios para o consumocultural nas redes digitais vai ao encontro dos produtos culturais mais di-

    fundidos, e com maior visibilidade, nos mercados culturais tradicionais.

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    Significa dizer que, por um lado, em entornos como os dos sistemasde recomendao online, onde tambm operam tais lgicas sociais

    constitutivas da prpria dinmica das redes, as recomendaes tendema ser gregrias, ou seja, a refletir e reproduzir os gostos chamadosmaioritrios, constitudos por aqueles produtos com maior presen-a e circulao entre os usurios. Isto , as lgicas sociais do consu-mo cultural na Internet refletem o que j ocorre no mundo social.Por outro, as novas condies de privacidade e gratuidade para o con-sumo, de oferta variada e de recomendao personalizada de conte-dos esto ampliando as possibilidades dos usurios e contribuindo paraa reconfigurao de novos usos, hbitos e lgicas sociais de consumoaudiovisual na Internet.

    Consideraes finais

    A cultura da Internet favorece a livre circulao e acesso infor-

    mao, e os usurios tendem a desenvolver novas formas de criao,difuso e consumo de contedos audiovisuais com base nesta lgica.De acordo com a observao e anlise das modalidades de usos sociaisdo audiovisual pode-se inferir uma caracterstica comum a todas elas:a emisso dos contedos se propaga rapidamente atravs das redes deusurios a partir de processos de imitao, repetio e disseminaodas prticas de consumo.

    Significa dizer que na Internet opera uma lgica de intercmbio

    e replicao de contedos constitutiva de seu desenho tcnico, ondeos usurios esto interconectados uns aos outros e atravs dos quais oscontedos potencialmente se replicam de forma instantnea, distribu-da e em escala global. Os nmeros apresentados demonstram que estalgica tende a continuar sendo dominante na Internet: atualmente oportal YouTube emblemtico enquanto modalidade de emisso, di-fuso e consumo de contedos audiovisuais que se estabelece de forma

    dominante na Rede.

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    o Tal como demostrado, a maioria dos usurios consome contedosaudiovisuais gratuitos na Rede, recomenda o que assiste por email,

    chats, SMS e redes sociais, favorecendo, assim, as prticas de comparti-lhamento colaborativo e o contgio viral. Argumentamos que o hbitode consumir contedos audiovisuais gratuitos em mbitos privados sedesenvolveu como um uso social ao longo do tempo desde a penetra-o do rdio e da televiso na vida cotidiana, e tal prtica se potencia-liza atualmente devido s particularidades tecnolgicas, econmicas,sociais e cultura de uso das redes digitais.

    Uma das diferenas com relao aos meios de comunicao tradicio-nais que a Internet se caracteriza por uma oferta muito mais ampla ediversificada, permitindo o surgimento de novas prticas e prefernciasque articulam um maior grau de liberdade e possibilidades de escolha.Portanto, a lgica de acesso e consumo gratuito de contedos apresenta--se como uma forte tendncia na Internet em paralelo ao desenvolvi-mento de novos modelos de negcio por parte das empresas envolvidas einteressadas neste mercado.

    Por um lado, os usurios continuam desenvolvendo formas alterna-tivas de acesso livre aos contedos tais como portais para downloadou streaming gratuitos e redes P2P de intercmbio de arquivos digitais enquanto as empresas tentam implementar novos modelos de dis-tribuio e comercializao de produtos culturais. Entretanto, diantedesta correlao de foras sociais, at o momento tem prevalecido algica do compartilhamento gratuito em detrimento da economia demercado. Ainda que os grandes grupos multimdia tentem implemen-

    tar plataformas para que se pague por seus contedos, estes no podemcompetir com as redes e portais de acesso livre que reproduzem a cul-tura constitutiva da Internet.

    Todavia difcil prever que tipo de produtos, tecnologias e mo-delos sero complementares ou substitutivos. O que se pode identi-ficar com clareza que a Internet est incorporando cada vez maisusurios que desenvolvem novas prticas de consumo audiovisual.

    Tais usurios vm modificando seus hbitos culturais em termos de

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    quantidade, variedade e/ou intensidade de consumo dadas as novascondies da oferta.

    Ou seja, os contedos audiovisuais disponveis nas distintas redese plataformas comeam a encontrar pblicos mais amplos do que nosmeios de comunicao tradicionais. Independentemente se as empresasenvolvidas conseguiro capitalizar comercialmente estes novos usos eusurios, v-se produzir um fenmeno de ampliao das audincias doaudiovisual em geral, e um aumento de seu potencial de consumo desdeuma perspectiva de mdio e longo prazo.

    Entretanto, desconsiderando as diferenas entre os formatos, con-tedos, plataformas e modelos comerciais emergentes, h uma lgicasocial em jogo no entorno online: os usurios que tm tempo e notm dinheiro tendem a seguir buscando formas de acesso livre e gra-tuito aos contedos audiovisuais margem de qualquer tentativa deimpedimento e/ou controle por parte das indstrias ou dos Estados.Em contrapartida, os usurios que tm dinheiro, mas no possuemdisponibilidade de tempo, tendem a preferir as garantias de direito e

    comodidade proporcionadas pelo consumo pago.Por um lado, os usurios mais jovens que consomem audiovisual gra-tuitamente no presente podem ser os consumidores mais rentveis dofuturo, e neste caso as polticas culturais e de comunicao na Internetdevem estimular a intensificao do consumo audiovisual atravs deleis permissivas que garantam a criao, a difuso, os investimentos eos retornos econmicos para os produtores no longo prazo. Por outro,a soluo de equilbrio entre a lgica da gratuidade de contedos na

    Rede e a economia de mercado provavelmente no viro da f lexibiliza-o das leis de copyright e sim de modelos de negcio que possam capi-talizar as novas prticas de uso e consumo dos contedos audiovisuais tais como os conhecidos modelos de financiamento por patrocnio,publicidade e recomendao.

    Para compreender a complexidade das lgicas sociais subjacentesao consumo audiovisual em geral e suas especificidades na Rede faz-

    -se necessrio considerar suas caractersticas inerentes, seus condi-

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    o cionantes sociais e suas mltiplas variveis. O consumo audiovisualclssico, igual a qualquer outro tipo de consumo cultural ou simb-

    lico, implica em um elevado grau de incerteza no nvel da demanda,dado que no possvel prever seu xito ou fracasso. A aceitao porparte do pblico em geral e de cada indivduo ou pequenos gruposem particular difcil de prever. No entorno da Internet, as estrat-gias para orientao dos gostos culturais dos usurios enfrentam novosdesafios, considerando que as prticas e preferncias se revelam maisheterogneas, eclticas e cambiantes.

    Mesmo que, em um primeiro momento, a lgica do consumo au-diovisual na Rede parea principalmente reproduzir o consumo massi-vo dos produtos audiovisuais mais populares das indstrias culturais, aobservao da realidade indica tambmuma significativa expanso doconsumo de produtos minoritrios e independentes na Internet. Perce-be-se uma ampliao do consumo de criaes audiovisuais amadorasdisponveis online, onde muitos aproveitam as novas possibilidades dedisseminao em rede e preferem difundir contedos de forma gratuita a

    fim de obter alguma visibilidade, do que simplesmente no difundi-los e alguns alcanam altssima popularidade entre os usurios. Entretanto,ainda que seja evidente a ampliao da quantidade e variedade da ofertaaudiovisual na Rede, isto no garante a qualidade, a inovao e a criati-vidade na produo audiovisual.

    Por ltimo, as lgicas de consumo audiovisual na Internet estodemostrando que no se trata de mais do mesmo seno que mais mais ou que mais pode ser diferente. Estas lgicas no mitigam a de-

    manda por contedos distintos e diversificados por parte dos usurios,mas sim esto estimulando o aprendizado e a fruio de novos bens eservios. Portanto, o cenrio descrito e analisado neste trabalho contra-diz o senso comum que anuncia a decadncia ou a morte do mercadoaudiovisual: ao contrrio, a realidade apresentada aponta uma longavida para o audiovisual, e sua histria mais promissora acaba de come-ar nas redes digitais.

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