o conselho do fundeb no municÍpio de itaboraÍ: controle pÚblico ou legitimaÇÃo do privado na...
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Pesquisa desenvolvida por Marcos Lamarão sobre a situação do Conselho do FUNDEB em Itaboraí.TRANSCRIPT
V ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO MARXISMO, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO HUMANA
11, 12, 13 E 14 de abril de 2011 – UFSC – Florianópolis – SC - Brasil
O CONSELHO DO FUNDEB NO MUNICÍPIO DE ITABORAÍ: CONTROLE
PÚBLICO OU LEGITIMAÇÃO DO PRIVADO NA EDUCAÇÃO?
Marco Vinícius Moreira Lamarão1
PPGE/UFRJ
Resumo:
Esta pesquisa tem como objetivo estudar a relação entre o público e o privado na
educação brasileira, através da análise do Conselho de acompanhamento do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação (FUNDEB). Este trabalho analisou as leis que regulamentam a criação dos
conselhos municipais e, através de um estudo de caso, pesquisou as atas das reuniões do
conselho do FUNDEB-Itaboraí com o objetivo de identificar a sua composição e a
participação dos setores da sociedade civil. Através de entrevista com os conselheiros
foi possível apreender as motivações políticas de sua atuação. O conselho municipal é
entendido neste trabalho como parte de um processo histórico de formação do espaço
público brasileiro e também de disputa entre interesses públicos e privados. Assim,
pretende-se responder a seguinte questão: quais são as principais limitações e quais são
as principais possibilidades no exercício do controle social e acompanhamento dos
gastos públicos pelo conselho do FUNDEB- Itaboraí Ao acúmulo da analise é possível
perceber a manifestação de diversas formas de privatização do espaço público, seja esta
declarada, seja de forma tácita.
Palavras – chave: público e privado; controle social; estado e sociedade civil.
1 Mestrando do Programa de Pós‐graduação em Educação da UFRJ (PPGE/ UFRJ), participante do grupo de estudo do LIES sob orientação do professor Roberto Leher, professor da rede particular, pública estadual (RJ), pública municipal (Itaboraí‐RJ) e diretor do Sindicato estadual dos profissionais da educação – núcleo Itaboraí (SEPE‐ ita).
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1. Introdução:
Este artigo se propõe analisar o Conselho de acompanhamento e controle social
do FUNDEB (CONFUNDEB); em nível Municipal, tendo como estudo de caso
específico o município de Itaboraí- RJ. Busca-se, nestas páginas, aproximar alguns
referenciais metodológicos e conceituais do objeto estudado e analisar a legislação
atinente ao conselho, tanto em nível federal quanto em nível municipal, atentando para
as modificações ocorridas na legislação municipal e, em especial, no que diz respeito à
relação paridade estado/sociedade deste conselho. Além das leis, também foram
analisados materiais de “orientação” e outros documentos oficiais produzidos sobre o
FUNDEB/CONFUNDEB.
A lei no 11.494, de 20 de junho de 2007, que criou o FUNDEB (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e valorização dos Profissionais da
Educação), e o Decreto no 6253, de 13 de novembro de 2007 que regulamenta a lei
supracitada, dispõem sobre a criação de um Conselho, cujo objetivo seria a fiscalização
e o controle social da distribuição e aplicação das verbas atreladas a este fundo. Em
cada estado ou município, o conselho que fiscaliza a aplicação do fundo público para a
educação possui uma legislação própria. Em Itaboraí, as leis que regulamentam o
CONFUNDEB- ita são as 2005/07, 2034/07 e 2080/08.
Este presente texto, portanto, divide-se em duas partes principais: primeiro,
conforme já dito, pretende aproximar um quadro teórico ao objeto estudado, tratando de
conceitos que nos serão importante na consecução desta investigação. São eles: estado e
sociedade civil, hegemonia, controle social e relação do público e do privado na
educação. Conseguinte, faz-se uma análise de leis relacionadas ao CONFUNDEB, nos
dois níveis que aqui nos interessam - federal e municipal (Itaboraí) - pois estas
legislações determinam juridicamente o espaço estudado, sempre tendo em foco o
conflito entre possibilidades e empecilhos, bem como a inserção deste conselho numa
realidade específica, no nosso caso: Itaboraí- RJ.
Esta pesquisa estabeleceu a seguinte hipótese: os conselhos guardam dentro de si
os conflitos de classe e de interesses da sociedade que os forjam e que os conceberam.
Partindo de concepções distintas de conselhos (os conselhos na tradição operária, na
tradição autoritária e os conselhos na tradição liberal), buscou-se ultrapassar uma visão
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estritamente negativa do CONFUNDEB, entendendo que o conselho pode auxiliar os
educadores e trabalhadores na construção de uma educação pública, gratuita, de
qualidade e, sobremaneira, emancipadora.
2. Referências teórico-metodológicas: materialismo histórico e dialético,
estado ampliado e hegemonia.
Esta pesquisa, de forma resumida e esquemática, se alinha com a vertente da
pedagogia que busca analisar criticamente o capitalismo que, desde sua origem até os
dias atuais, mantém uma série de características fundamentais: como ser um sistema
contraditório e crítico (pois intermitentemente em crise) graças à sua necessidade
imperiosa do lucro e de, para isto, a burguesia (classe detentora dos meios de produção)
extrair parcela significativa da “mais-valia” (base do lucro) pela exploração do trabalho
de outra classe social (dos expropriados dos meios de produção, os trabalhadores
assalariados). Ademais, a burguesia, buscando potencializar a sua obtenção de lucros,
investe em avanços tecnológicos, aumentando a quantidade de mercadorias produzidas,
diminuindo o tempo de sua produção e dispensando mão- de- obra trabalhadora. Assim,
produz cada vez mais, sem que com isso signifique uma divisão equânime ou pelo
menos justa desta riqueza dentre estas classes sociais. Reivindicando o princípio da
propriedade privada, a classe expropriadora concentra em suas mãos parcelas
significativas do que é produzido, gerando uma concentração de rendas e bens na classe
dominante (MARX; 1966; 2001).
A exploração sobre o trabalho ou a expropriação de parcela da riqueza de uma
classe sobre outra não é uma característica peculiar do capitalismo. Mas o capitalismo
tem uma diferença substancial com relação a outras “formas pré-capitalistas” de
produção. Segundo Wood (2003), no capitalismo há total separação entre os
mecanismos de apropriação do trabalho alheio com as funções “extra econômicas”. Ou
seja, a luta de classes no capitalismo (a exploração classista sobre o trabalho) se
encontra, centralmente, na esfera da produção, pois é lá que se concentram os principais
instrumentos de expropriação. Emerge, neste cenário, a importância do estado, que
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concentraria então, diversas funções necessárias para a reprodução e o desenvolvimento
destas relações de produção “econômicas”. Neste sentido, diz a autora:
“Há no capitalismo uma separação completa entre a apropriação privada e os deveres públicos; isso implica o desenvolvimento de uma nova esfera de poder inteiramente dedicada aos fins privados, e não aos sociais. Sob este aspecto, o capitalismo difere das formas pré-capitalistas, nas quais a fusão dos poderes econômico e político significava não apenas que a extração da mais- valia era um transação “extra- econômica” separadas do processo de produção em si, mas também que o poder de apropriação da mais-valia – pertencesse ele ao estado ou a algum senhor privado- implicava o cumprimento de funções militares, jurídicas e administrativas”(Wood, 2003: 36).
Em tempos atrás o poder de apropriação era acompanhado de outros atributos
(jurídicos, militares, religiosos ou mesmo administrativos), isso já não se faz necessário
atualmente, a capacidade de expropriação está inscrita no que entendemos como
relações “econômicas”. Havendo esta separação nítida entre “econômico” e “político”,
coube ao estado, no capitalismo, um papel central e um “caráter público sem
precedentes”. Wood define o estado no capitalismo, em termos bastante amplos, “como
o complexo de instituições por meio das quais o poder da sociedade se organiza numa
base superior à familiar” e uma organização de poder que se compõe de “instrumentos
de coerção formal e especializados”. È também mecanismo de fortalecimento e
reprodução das relações sociais de expropriação servindo, no mais das vezes, para a
reprodução da lógica do capital. (WOOD, 2003: 37-43)
Contudo, continua a autora, a defesa do caráter público do estado, da sua função
social e, principalmente, da democracia são instrumentos importantes contra o
capitalismo. Pois a divisão de poderes entre classe e estado não significou a diminuição
do poder estatal, mas ao contrário, que este “corporificado no monopólio mais
especializado... é, em última análise, o ponto decisivo de concentração de todo o poder
na sociedade”( WOOD; op.cit.:49).
Uma definição mais apurada de estado encontra-se no filósofo italiano Antônio
Gramsci e das formulações advindas, a posteriori, desta matriz. Partindo das
elaborações gramsciana de Estado, Buci-Glucksman (1980) atenta para a ideia de estado
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ampliado no pensamento do referido filósofo, entendido, assim, como relação dialética
permanente entre a sociedade civil e a sociedade política, onde a sociedade civil é
definida como o espaço de disputa entre agências privadas de hegemonia (esta,
entendida aqui como produção do consenso) e espaço privilegiado da luta de classes. Já
a sociedade política seria o aparato do estado, suas agências, órgãos e instituições.
Também espaço de conflitos - mas principalmente espaço de coerção – influenciando e
influenciado pela sociedade civil. O estado aqui (na concepção ampliada ou integral)
não é entendido como um corpo estranho à sociedade ou dicotomicamente oposto a ela,
mas reflexo das tensões e condensação das relações existentes nela. É, com outras
palavras, todo o aparato de coerção de uma classe sobre a outra, com todas as
instituições criadas para tanto (polícia, exército, burocracia, a justiça, etc.), mas é
também espaço de forjar o consenso através da cultura e da política, que compõem a
hegemonia ou a direção cultural e ideológica de uma classe sobre outra classe ou sobre
frações delas (COUTINHO, 2007; FONTES, 2006; GRAMSCI, 1984; LIGUORI, 2007;
LAMOSA, 2010).
Dentro da perspectiva que assume o artigo, o uso de Gramsci como referencial
teórico no estudo dos conselhos é adequado não só pela contribuição que este faz para a
discussão sobre “estado” e “sociedade”. Neste sentido, afirma Souza Júnior (2006), os
conselhos fazem parte de uma reforma educacional que tem como pressuposto “uma
reestruturação das relações entre estado e sociedade civil, bem como uma reestruturação
entre os diversos componentes do Estado”. Algebaile afirma:
A proposta dos conselhos tem uma matriz gramsciana, a
fim de construir foros nos quais as diferentes perspectivas
presentes nas relações sociais tenham um espaço instituído para
lutar por seus projetos e disputar os sentidos da ação pública.
(ALGEBAILE, 2004: 13)
3. Os conselhos, o controle social e a relação do público e do privado na
educação.
Visto sob esta tensão entre sociedade civil e sociedade política, os conselhos
teriam em Gramsci um formulador privilegiado. Tendo em vista a vasta elaboração
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teórica e prática que o italiano tem acerca do que denomina conselhos de fábrica, cujos
objetivos principais seriam elevar a condição do trabalhador em produtor e também
educar o trabalhador nas funções pertinentes ao estado. Estes conselhos, organizados
através da unidade produtiva, do local de trabalho (no caso histórico, a fábrica) seriam a
célula formadora de um novo estado. Eles seriam o correlato “ocidental” de um espaço
surgido antes do processo revolucionário russo de 1917, mas fundamental para este
acontecimento: os sovietes. Há, portanto, na tradição trabalhadora, formulações que
trazem como positiva a experiência dos conselhos, principalmente por estes buscarem
engendrar a ideia de “autogoverno”. (GRAMSCI:1984, BUCI-GLUKSMANN:1980;
LEHER:2004)
Mas as formulações acerca do conselho não estão reduzidas a esta vertente
política. Segundo Leher (2004), nas tradições autoritárias o conselho recebe importante
atenção. Nas experiências históricas dos governos autoritários europeus (Hitler,
Mussolini, Franco, Salazar) e nos regimes populistas da América Latina (Getúlio
Vargas, por exemplo):
A ideia era de que os conselhos seriam formas de articulação dos trabalhadores, dos empresários e do governo em favor da paz perpétua do capital. Implicava construir formas de entendimento e de negociações corporativas, dentro dos próprios conselhos, de modo a impedir que conflitos embates e lutas sociais se aflorassem. Tratava-se de diminuir a autonomia e, principalmente, a crítica dos movimentos sindicais de esquerda, muito intensa na primeira metade do século XX. Os conselhos sociais surgem como uma forma de cooptação e de consenso social (LEHER, 2004:30)
Não só o ideário autoritário como o liberalismo e neoliberalismo se apropriaram
da idéia de conselhos, dando-lhe sentidos e funções sociais distintas. Combinado a ideia
do estado mínimo, do corte de gastos, do ajuste fiscal, esteve a ideia de transferência de
responsabilidades sociais fundamentais à própria sociedade – todas essas premissas,
componentes do conjunto de ideias denominadas (neo)liberais, bastante influentes no
Brasil na década de 90 (época de criação de grande parte destes conselhos). Sob o
epíteto de “responsabilidade social” o estado transfere à sociedade (ONGs, associação
de moradores, partidos políticos, Igrejas etc., mas, sobretudo, à iniciativa privada)
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deveres que deveriam por ele ser garantido. (GOUVEA E SOUZA; 2006: 138; SOUZA
JÚNIOR; 2006: 178)
No Brasil, os conselhos de controle social e acompanhamento surgem em
decorrência da garantia constitucional da Constituição Federal de 1988 que prevê a
participação da sociedade em conselhos setoriais como meio de garantir o acesso da
sociedade nas decisões da esfera pública. Os conselhos podem combinar ou reunir três
principais atribuições: a formulação política, a execução e a fiscalização. Há certo
acordo de que esta é uma reivindicação e conquista dos movimentos sociais em um
período caracterizado pelos esforços de descentralização, sucedâneo do período
autoritário civil-militar, de 1964-1985. Contudo, mesmo isso não garante por si só um
funcionamento progressista do conselho. Sobre o conselho do FUNDEF/FUNDEB,
Davies (2001,2004,2007) afirma que não são poucas as estratégias de esvaziamento e
enfraquecimento dos conselhos pelas forças conservadoras. Leher, (2004, 32) afirma
que os conselhos nunca ultrapassaram, no Brasil, os limites estreitos do patrimonialismo
e do conservadorismo. Concordando, em parte, com isso, afirma Algebaile
“No entanto, o processo de institucionalização dos
conselhos vem ocorrendo com matizes da maior diversidade.
Coexistem formas democráticas, amplamente participativas,
com formas que preservam e atualizam a estrutura autoritária
tradicional na política social brasileira” (2004, 13).
Leher (op.cit.: 30-2), analisando historicamente os conselhos na educação
brasileira, afirma que para os liberais e neoliberais “os conselhos são instrumentos para
ampliar a privatização do estado (democracia como poder das classes possuidoras),
conforme a lógica do capital”. Estes conselhos sempre serviram para amortecer os
conflitos sociais e tornar a educação assunto, não de toda sociedade, mas de técnicos
especialistas, afastando trabalhadores, cidadãos e muitos professores leigos destes
espaços que passam a ser ocupados “pelos setores empresariais, dentre os quais se
destacam personalidades ligadas à igreja católica e, minoritariamente, por alguns
tecnocratas da educação que trabalhavam na esfera do estado”.
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Alocados nos principais postos de formulação dos conselhos de educação, estes
representantes de setores sociais interessados na educação detêm não tão somente suas
agências privadas de hegemonia, a fim de defender seus interesses específicos, mas
também, acesso direto a estrutura política e, assim, possibilidade de formular ou mesmo
destinar recursos na execução dos interesses do seu grupo social.
Desta maneira, é necessário analisar a ocupação dos postos de gerenciamento e
fiscalização das políticas públicas pelos diversos setores que o compõem. Cunha
(2009), demonstra de que maneira os variados grupos que atuam na educação se
organizam para ocupar os cargos gestores das políticas públicas e como os setores
ligados a Igreja Católica e ao empresariado da educação constroem sua hegemonia neste
campo. Estes se esforçam para, ora avançar o espaço público na educação (mesmo que
com o fim de criar uma reserva de mercado), ora avançar o espaço privado, ou mesmo o
debate sobre o ensino laico ou religioso, tendo como norte a “sustentação dos lucros” e
a “compensação das perdas” do capital (CUNHA, 2009:323-77). Identificando os
agentes políticos, os grupos as quais estão atrelados, bem como seus interesses, é
possível levantar dados relevantes sobre a tensão entre os interesses públicos e os
interesses privados na educação, em âmbito municipal.
4. Município de Itaboraí e o Conselho do FUNDEB.
O município de Itaboraí é situado na área metropolitana do Rio de Janeiro tendo
uma extensão territorial de 429.3 Km² e uma população estimada de 211.000 habitantes.
Suas principais atividades econômicas são serviços e comércio, transporte, construção
civil, pecuária, apicultura, etc. Panorama econômico este que deve se modificar
radicalmente em breve, tendo em vista que Itaboraí será sede da mais importante obra
da indústria petroquímica no Brasil: o COMPERJ (Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro). Nas eleições municipais de 2008, teve como prefeito eleito o Sr. Sérgio Soares
e como vice o Sr. Rafael Vitorino, dono de uma rede de escolas particulares no
município. Estes substituíram o Sr. Cosme Salles. Por conta da sua mediana população,
sua câmara municipal conta com 13 representantes cuja maioria ampla compõe a base
governista.
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As marcas principais da política local em Itaboraí são o clientelismo e o
patrimonialismo. Na educação, isso não é diferente. A ausência de concursos públicos
para o provimento dos quadros técnicos administrativos no município gera uma
vacância desses quadros nos colégios, sendo estas vagas muitas vezes utilizadas como
“cabide de emprego” dos vereadores para seus “cabos eleitorais”. Através de uma
OSCIP (Organização da sociedade civil de interesse público) nominada “Instituto
Sorrindo para a Vida” há a ocupação destes cargos, sem deixar de haver inúmeras
denúncias acerca desta relação (uma delas seria a assinatura de contracheque em valor
superior ao realmente creditado ao trabalhador). O uso do espaço público de forma
privada em Itaboraí é uma prática bastante corriqueira, chegando a casos de claro
nepotismo, como o caso da esposa do Sr. Rafael Vitorino (vice - prefeito) que, mesmo
sem concurso público, é diretora de uma das maiores escolas da rede municipal (Escola
Municipal Auto Rodrigues). Não é incomum no município o relato da compra de votos
e, muitas das vezes, as obras públicas são entendidas como favores do vereador ou
representante do poder público local. Essas características da política local far-se-ão
presentes também no referido conselho estudado.
O Conselho do FUNDEB no município foi criado pela lei 2005/07 e,
posteriormente, modificada pelas leis 2034/07 e 2080/08. Seguem todas elas os
princípios da lei federal 11494/07 e do decreto lei 6253/07. Segundo estes documentos
oficiais (um manual de orientação do Fundo, para além das leis supracitadas) (BRASIL;
2008), este conselho teria como características: uma representação social variada e sua
atuação seria de forma autônoma, não subordinada ou com qualquer vínculo à
administração pública estadual ou municipal. Seriam atribuições deste Conselho: a
análise dos demonstrativos e relatórios relacionados ao uso dos recursos do FUNDEB; a
realização de visitas para verificar o andamento das obras e serviços realizados com
recurso do fundo; a regularidade e adequação do transporte escolar e a utilização de
bens adquiridos com recursos do fundo; bem como a aplicação de verbas do PNATE
(Programa Nacional de Transporte Escolar); do Programa de Apoio aos Sistemas de
Ensino para Atendimento da Educação de Jovens e Adultos; do Programa de
Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de
Deficiência (PAED); é sua atribuição a instrução de pareceres para os Tribunais de
Conta e, cabe-lhe também, a supervisão do censo escolar e da proposta orçamentária
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anual do respectivo estado ou município, entre outros. Nestes documentos deixa - se
claro as limitações acerca das funções deste conselho, que deveria tão somente fiscalizar
e acompanhar o uso dos recursos, respeitando as atribuições que lhes são imputadas,
bem como as atribuições de outros órgãos de fiscalização e controle públicos, como os
Tribunais de Conta e o Ministério Público. Embora traga no seu nome a expressão
“Controle social”, não é da competência deste conselho a gestão ou o planejamento
destes recursos.
O CONFUDEB- ita, de acordo com a lei municipal 2005/07, seria composto por:
um representante da secretaria municipal de educação e cultura; um representante dos
professores da educação básica pública; um representante dos diretores da educação
básica pública; um representante dos servidores técnicos administrativos da educação
básica pública; dois representantes dos estudantes da educação básica pública; dois
representantes dos pais de alunos da educação básica pública; um representante do
conselho municipal de educação; um representante do conselho tutelar; e dois
representantes do poder legislativo local. Perfaz-se assim um total de 12 conselheiros
onde, formalmente, apenas três teriam relação direta com o poder público local e o
restante seriam representantes de variados setores da sociedade civil. Contudo, este
aspecto é apenas formal. Identificando a ingerência que tem o poder público na escolha
dos diretores e dos funcionários técnicos administrativos (estes que, embora o sindicato
local seja dos trabalhadores da educação, não são por ele indicados) podemos dizer que
estes representantes dificilmente votarão em desacordo com a orientação do poder
público. Ademais, a ausência de entidades representativas de setores tais como os pais
de alunos ou o não reconhecimento do poder público a entidades - como no caso
estudantil (CEAI- Comunidade de Estudantes e Amigos de Itaboraí) - tornam obscuras a
eleição desses representantes e, consequentemente, as suas representatividades.
Esta já problemática relação foi agravada pela lei 2034/07 que aumenta a
participação do poder estatal em mais um representante do executivo. Totalizando 13
membros e aumentando para 4 o número de conselheiros diretamente ligados a
administração pública local. Nicholas Davies (2001;2004;2007) atenta para o caráter
mais estatal do que social do CONFUNDEB e embora, no caso municipal, houvesse
maior chance de haver o dito controle social, nada garante isso na prática.
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É só no âmbito municipal que podemos dizer que os
conselhos, pelo menos formalmente, poderiam ter caráter mais
social (ou melhor dizendo, não estatal) do que estatal, uma vez
que contariam com no mínimo 9 membros, sendo dois do
executivo municipal ... Teríamos assim, no âmbito municipal
um conselho aparentemente mais de caráter social do que
estatal.
Entretanto, tendo em vista a predominância do
clientelismo e do fisiologismo nas relações entre governantes e
entidades supostamente representativas da sociedade, nada
garante que os representantes de tais entidades não sejam
também escolhidos ou fortemente influenciados pelo prefeito ou
pelo secretário municipal de educação, dando apenas uma
fachada social para um conselho que tenderia a refletir os
interesses dos governantes. (Davies, 2007;48)
Fatores a mais auxiliam para a falta de representatividade social ou o
questionamento de eficácia do CONFUNDEB-ita. Em explícita oposição ao §6 do
art.24 da lei 11.494/07- onde se impede que a presidência do conselho seja ocupada
pelos representantes do poder público - preside as reuniões do CONFUNDEB-ita, um
representante do poder executivo.
As inconstâncias das reuniões também é outro impeditivo para a realização das
tarefas do conselho. Embora o art.8 da lei municipal 2005/07 estabeleça que a
periodicidade das reuniões ordinárias seja mensal (afora as extraordinárias, que podem
ser convocadas a qualquer momento, através de notificação escrita pelo prefeito,
secretário municipal ou presidente do conselho), em Itaboraí, o ano de 2010, contou
apenas com a realização de 9 reuniões do CONFUNDEB ( ITABORAÌ; 2010). Assoma-
se a isto a inexistência de um Regimento Interno a fim de organizar e disciplinar o
trabalho do conselho.
A análise das planilhas de gastos faz surgir outra dimensão de impeditivos para
o exercício do acompanhamento e controle social. Analisando conselhos do FUNDEF
no Paraná, Gouveia e Souza afirmam que “uma dificuldade iminente era de os
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municípios fornecerem os dados contábeis ao Conselho e da dificuldade dos
conselheiros compreenderem tais dados devido à linguagem técnica da contabilidade
pública” (2006; pág.150). Concordando com isso, Davies (2007) alerta que a falta de
capacitação técnica dos conselheiros - tanto no CONFUNDEF quanto no
CONFUNDEB - é uma marca registrada destes conselhos, inviabilizando a real análise
contábil relativa à aplicação dos fundos. Desta forma, fica fácil fazer prevalecer a visão
dos técnicos dos conselhos (representantes do pode executivo) cuja formação em
contabilidade é melhor e, assim, é possível, como chamou a atenção Gouveia e Souza
(2006), os conselhos passam a ser espaços onde, de praxe, se acobertam desvios ou a
má aplicação destes recursos. A presença de rubricas e siglas desconhecidas do leigo em
contabilidade e a não formação destes conselheiros com fim de bem exercerem suas
funções são também observadas no CONFUNDEB- ita.
Outro problema é a dificuldade de se conseguir determinadas informações
contábeis. No mês de novembro de 2010 foram requeridas, pelo conselheiro
representante dos professores através de ofício protocolado, as planilhas de gastos do
ano corrente, bem como as diversas atas do conselho desde sua instauração. Até o
presente momento (fevereiro de 2011) não houve retorno do poder público, embora a lei
11494/07 afirme ser dever do poder executivo a disponibilização permanente dos dados
relativos ao FUNDEB para os conselheiros.
A ineficácia das reuniões do CONFUNDEB-ita fica patente também por outras
razões. A própria existência de um instituto que terceiriza grande parte da mão de obra
da escola, inclusive parte do magistério e dos diretores de escola, retendo, legal ou
ilegalmente, parcelas das verbas para a educação, num flagrante claro de privatização do
espaço público, é uma clara demonstração de que o conselho não vem cumprindo com
as suas atribuições. Este mesmo provimento de mão de obra terceirizada para as escolas
é utilizado pelos vereadores locais, como já descrito anteriormente, como objeto de
troca de favores, loteando o espaço público em troca de apoio político.
Outro ponto crítico dessa transferência de verbas do âmbito público para o
privado é o curso de formação “continuada” organizado pela SEMEC (Secretaria
Municipal de Educação e Cultura). Embora se utilizando da infraestrutura pública (uma
escola municipal) e tendo como “duração” somente dois dias, a SEMEC alegou ter
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gasto, em algumas dezenas de palestras em 2009, algo em torno de R$ 400.000
conforme lançamento efetuado em planilha de gastos do FUNDEB (ITABORAÌ; 2009).
Contudo, retomando a hipótese levantada na introdução, que percebe o caráter
contraditório do conselho, cabe analisar não só as limitações, mas também as
potencialidades destes. Mesmo havendo concordância que elas estejam muito aquém
das expectativas do ideário da tradição operária ou mesmo dos ideais republicanos e ou
democráticos. As análises críticas ao CONFUNDEB trazem uma visam estritamente
negativa deste conselho. Parece que, ao olhar destas perspectivas, o CONFUNDEB não
teria outra utilidade senão legitimar o discurso estatal ou mesmo garantir os interesses
privatistas que disputam a educação. Aqui, assume-se sim a perspectiva que, nesta
tensão, as forças conservadoras e arcaizantes têm no conselho mais um espaço de
referendo de suas demandas, mas também se percebe que há certas vitórias e conquistas
dos trabalhadores dados a partir da ocupação concreta destes espaços.
Como é o caso do PCCS (plano de cargos, carreiras e salários) que só foi
elaborado muito em conta da observação dos conselheiros desta obrigação do poder
executivo, conforme dispositivo presente na Emenda Constitucional 53 (BRASIL;
2006; Art.206, inciso V e VIII- parágrafo único).
Concordando com Gouveia e Souza entende-se que o conselho do FUNDEB
representa, destarte, uma possibilidade interessante, qual seja: “estes espaços podem
cumprir um papel de publicização das temáticas e dos conflitos, que é uma importante
dimensão da democracia” (2006; 146). A atuação dos conselheiros pode ser uma fonte
profícua de dados a fim de se potencializar as denúncias de privatização da educação e
de desvios de verbas do FUNDEB para fins outros que não a manutenção e
desenvolvimento do ensino (MDE).
A articulação de setores combativos da sociedade civil também pode se dar em
torno do FUNDEB e de outras temáticas da educação. Como foi o caso descrito por
Gouveia e Souza (2006), no estado do Paraná, com a criação do Fórum Permanente de
Controle e Fiscalização do FUNDEF, como tem sido a aproximação do sindicato dos
profissionais da educação (SEPE-ita) com a entidade estudantil de Itaboraí (CEAI) ou
mesmo como tem sido efetuado no Rio de Janeiro por setores das Universidades,
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movimentos sociais e organizações dos trabalhadores da educação com o Fórum
Estadual em Defesa da Educação Pública.
Neste aspecto, achamos errôneo atribuir ao estado a responsabilidade de
organizar estes espaços realmente democráticos e plurais de articulação e participação,
como defende Jacobi (2000). Ou mesmo, como afirma Barbosa (2006), que a
participação social nos Conselhos de acompanhamento e controle, ademais as
dificuldades, são, per si, um exercício e um aprendizado de participação social.
Percebendo a relação dialética entre sociedade política e sociedade civil, entende-se que
seja tarefa dos setores interessados da sociedade civil (e não da sociedade política),
através de suas agências e organizações, construir e ampliar o “espírito democrático”, a
participação popular efetiva, ou a radicalização desta democracia. Falando sobre a
importância e limite acompanhamento e controle social dos conselhos, Davies afirma,
É maior quando se considera que os órgãos responsáveis
pela fiscalização (basicamente os Tribunais de Contas) não são
plenamente confiáveis para essa tarefa, o que impõe o desafio do
controle social sobre o uso de verbas das verbas da educação,
algo que os Conselhos do FUNDEF não resolveram, sendo
muito pouco provável que os do FUNDEB sejam bem
sucedidos, a não ser que a sociedade e, em especial, os
profissionais da educação básica se organizem, mobilizem e
adquiram uma formação adequada para este controle social.
(grifo meu). (DAVIES; 2007: 56)
Aproximando-se desta perspectiva, Gouveia e Souza (2006) afirmam que se os
conselhos não cumpriram o seu papel técnico, ao menos serviram para centenas de
pessoas discutirem os seus limites, publicizarem estas denúncias e manterem vivo na
agenda política o debate sobre financiamento da educação.
Por fim, cabe ressaltar um ultimo aspecto positivo percebido na atuação dos
conselheiros no CONFUNDEB, mediante essa articulação entre representantes e
sociedade civil. A possibilidade de se sistematizar estas críticas e limitações e, assim,
propor-se alterações nas leis que instituem os conselhos. Isto já aconteceu na transição
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entre o FUNDEF e o FUNDEB, onde diversas críticas ao CONFUNDEF foram levadas
em conta quando na elaboração das leis do CONFUNDEB.
5. À guisa de conclusão
Buscando entender os aspectos contraditórios que forjam o CONFUNDEB bem
como aproximando um quadro teórico que permitisse relacioná-lo na relação entre
sociedade política e sociedade civil e, por fim, trazendo esta análise para a realidade
específica de Itaboraí, foi possível perceber claramente os limites que cerceiam a efetiva
atuação e acompanhamento dos recursos do FUNDEB. A forte presença estatal, o
clientelismo, a não representatividade de alguns conselheiros, as contrariedades à lei, a
incapacidade técnica dos conselheiros e as visíveis privatizações de determinados
espaços públicos dentre muitos outros indícios, são claras demonstrações das limitações
deste conselho.
Contudo, diante da experiência local, ainda incipiente, mas em contraste com
outras experiências mais consolidadas, é possível absorver aspectos do conselho na luta
pela valorização do profissional do magistério ou pelo cumprimento do mínimo
vinculado à educação das diversas esferas administrativas. Fornecendo elementos para a
denúncia, potencializando a organização das entidades combativas da sociedade civil,
articulando os setores interessados na formulação e proposição de novos espaços e leis,
e, assim, modificando a “sociedade política”, não é irreal dizer que o CONFUNDEB
pode sim representar uma ferramenta importante na luta por uma educação pública e de
qualidade.
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