o conde ciano

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O CONDE CIANO SOMBRA DE MUSSOLINI GíOBO LIVROS

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A história deste livro transcorre noperíodo mais agitado do séculoxx, o das duas guerras mundiais.O personagem principal é o conde GaleazzoCiano, filho de um almirante, diplomataprofissional, casado com Edda, a filhapredileta de Benito Mussolini, o Duce, oguia, o ditador da Itália, e nomeado por eleministro das Relações Exteriores.A posição do Conde Ciano, seustalentos, as características do regime, adiferença de idade de vinte anos entre ele eo sogro, tudo fez com que ele passasse a serconsiderado o delfim em preparação paraum dia substituir o Duce.Mas as coisas da vida, as simpatias e asantipatias, a política interna italiana, osfatos internacionais e os rumos que tomoua Segunda Guerra Mundial atuaramsobre o que certamente lhes parecia serum futuro resolvido. As vidas de Cianoe Mussolini enredaram-se no conflito deuma proximidade forçada de parentesco,e suas circunstâncias mudaram cada vezmais para pior.

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  • O CONDE CIANOSOMBRA DE MUSSOLINI

    GOBO LIVROS

  • Nesta foto de 1938, Mussolini e Hitler vivem o auge da fora

    poltica em seus pases e da temvel evidncia na Europa.

    O Continente e o mundo ainda estavam em paz, porm

    se acumulavam as nuvens para a grande tormenta de 1939.

    Ao lado de Hitler est o personagem deste livro,

    o Conde Galeazzo Ciano, ministro do Exterior e genro do ditador fascista da Itlia. Ciano e Mussolini

    desempenhavam seus papis numa histria poltica e pessoal que acabaria como as grandes tragdias gregas: o ditador

    linchado por seus inimigos, o genro fuzilado pelos amigos do ditador. Mas o comeo foi brilhante e promissor:

    romance, poder, carreira, sucesso, futuro.

  • A histria deste livro transcorre no

    perodo mais agitado do sculo

    xx, o das duas guerras mundiais.O personagem principal o conde Galeazzo

    Ciano, filho de um almirante, diplomata

    profissional, casado com Edda, a filha

    predileta de Benito Mussolini, o Duce, o

    guia, o ditador da Itlia, e nomeado por ele

    ministro das Relaes Exteriores.A posio do Conde Ciano, seus

    talentos, as caractersticas do regime, a

    diferena de idade de vinte anos entre ele e

    o sogro, tudo fez com que ele passasse a ser

    considerado o delfim em preparao para

    um dia substituir o Duce.

    Mas as coisas da vida, as simpatias e as

    antipatias, a poltica interna italiana, os

    fatos internacionais e os rumos que tomou

    a Segunda Guerra Mundial atuaram

    sobre o que certamente lhes parecia ser

    um futuro resolvido. As vidas de Ciano

    e Mussolini enredaram-se no conflito de uma proximidade forada de parentesco,

    e suas circunstncias mudaram cada vez mais para pior.

    Ciano comeara genro admirador, mas

    a responsabilidade inerente s funes do

    cargo, suas opinies pessoais e o conceito geral que passou a fazer sobre os aliados alemes degeneraram num desacordo fundamental e sem soluo possvel.

  • Ciano virou, dentro do governo italiano,

    um inimigo dos alemes, que retriburam

    na mesma moeda, e as queixas de uns e

    outros se cruzavam numa correspondncia

    amarga entre dois pases aliados numa

    guerra que ia mal. Os acontecimentos

    culminaram logo aps o desembarque dos

    ingleses e americanos na Siclia, quando

    ganhou fora uma conspirao interna

    para derrubar o Duce.

    Mussolini, para surpresa do mundo,

    foi um ditador apeado do poder pela moo de um Conselho (o Gran

    Consiglio do fascismo) que aprovou

    uma recomendao dirigida a um chefe

    de Estado (o rei Vittorio Emanuele m

    da Itlia) para que demitisse e substitusse

    o primeiro-ministro (o que Mussolini era, constitucionalmente).

    O Gran Consiglio votou e aprovou

    aquela moo de desconfiana e, portanto,

    derrubou Mussolini - com o voto de seu

    membro Conde Ciano. Votou contra o

    Chefe, votou contra o sogro passou a ser a palavra de ordem dos seus inimigos, a includo Hitler. Em mais um ano e meio, teve fim a tragdia grega: o Chefe linchado por seus inimigos e o genro fuzilado pelos amigos do Chefe.

    Uma histria cheia de ensinamentos.

  • 3. Galeazzo e Edda Ciano ao sol.

    4. Edda Ciano com os filhos Fabrizio, Raimonda e Marzio, o beb, em 1938.

  • 5. Galeazzo Ciano em Londres, como delegado em uma conferncia monetria.

  • 6. Ciano em seu gabinete, quando era subsecretrio de Mussolini para imprensa e propaganda, 1934.

    7. Ciano com a expresso firme que gostava de assumir, imitando Mussolini, 1934.

  • 8. Ciano e Hitler se encontram em Obersalzberg, outubro de 1936. Da esquerda para a direita, o ministro do Exterior alemo, Von Neurath,

    e os embaixadores italiano e alemo, Attolico e Von Hassel.

    9. Assinatura do Pacto Anti-Comintern em Roma, 6 de novembro de 1937. Da esquerda para a direita, Von Hassell, Ribbentrop, Mussolini, o representante japons Hotta e Ciano.

  • 10. Ciano danando com a Gr-Duquesa Anna, da ustria, janeiro de 1938.

  • 11. Hitler e Mussolini assistindo ao desfile de tropas em Roma, maio de 1938. Ciano est entre Ribbentrop e Goebbels.

    12. Conferncia de M unique, 29 de setembro de 1938. Da esquerda para a direita, Chamberlain, Daladier, Hitler, Mussolini e Ciano.

  • 13. Ciano e Ribbentrop em carro aberto, outubro de 1938.

    14. Italianas fascistas sadam Ciano em Berlim, maio de 1939.

  • 15. Ciano visita seu gro-ducado, Albnia, 1941.

  • 18. Ciano e Hitler no balco da chancelaria do Reich, depois de assinarem o Pacto de Ao, 22 de maio de 1939. Ribbentrop esquerda e Gring direita.

    19. R ibbentrop, H itler e C iano em Obersalzberg, 12 de agosto de 1939, pouco antes de a Polnia ser invadida pelos nazis.

  • 20. Ciano visita Hitler na toca do lobo do Fhrer, em uma floresta polonesa, 25 de outubro de 1941.

  • 21. Edda Ciano e amiga em visita a Londres, frente da embaixada italiana, s vsperas da Segunda Guerra Mundial.

  • 23. Hildegard Beetz, secretria das SS que apoiou Ciano e ajudou Edda a fugir para a Sua.

    24. Ciano, de capote claro, volta o rosto para o peloto de fuzilamento, momentos antes de sua execuo em Verona, 11 de janeiro de 1944.

  • 25. Benito Mussolini e Clara Petacci pendurados pelos tornozelos frente de um posto de gasolina em 29 de abril de 1944, depois de serem fuzilados pelos partisans.

  • 26. Edda com a me Rachele, anos mais tarde.

  • O CONDE CIANO SOMBRA DE MUSSOLINI

  • Coleo Globo Livros Histria

    A Revoluo de 1989, Queda do Imprio Sovitico, Victor SebestyenA Histria Perdida de Eva Braun, Angela LambertO Expresso Berlim-Bagd, Sean McMeekinO Conde Ciano, Sombra de Mussolini, Ray MoseleyDeclnio e Queda do Imprio Otomano, Alan PalmerChurchill e Trs Americanos em Londres, Lynne OlsonNapoleo, a Fuga de Elba, Norman MackenzieDirio de Berlim Ocupada 1945-1948, Ruth Andreas-FriedrichGeorge Kennan, John Lewis GaddisLawrence da Arbia, o Heri, Michael Korda

  • R a y M o s e l e y

    O CONDE CIANOSOMBRA DE MUSSOLINI

    Seu genro e ministro do Exterior

    Traduo Gleuber Vieira

    G0DBOUVROS

  • Copyright 1999 by Ray Moseley Publicado sob acordo com Yale University Press, Londres, Reino Unido

    Copyright da traduo 2012 by Editora Globo

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edio pode ser utilizada ou reproduzida por qualquer meio ou forma, seja mecnico ou eletrnico, fotocpia, gravao etc. nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados sem a expressa autorizao da editora.

    Texto Rxado conforme as regras do novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa (Decreto Legislativo n 54, de 1995)

    Ttulo original: Mussolinis shadow: the double life ofCount Galeazzo Ciano

    Traduo: Gleuber Vieira Reviso: Mareia Moura

    Capa: Negrito Produo Editorial Foto da capa: Ia capa: Time & Life Pictures/Getty Images;

    4a capa: Central Press/Hilton Archive/Getty Images

    Ia edio, 2012

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (c i p ) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Moseley, RayO Conde Ciano: sombra de Mussolini: seu genro e

    ministro do Exterior / Ray Moseley ; traduo Gleuber Vieira. -- So Paulo : Globo, 2012.

    Ttulo original: Mussolini s shadow : the double life of Count Galeazzo Ciano

    Bibliografiai s b n 978-85-250-5138-7

    1. Ciano, Galeazzo, conde, 1903-1944 2. Estadistas - Itlia - Biografia 3. Fascistas - Itlia - Biografia 4 . Fascismo - Itlia - Histria 5. Itlia - Histria - 1922-1945 I. Ttulo.

    12-04876________________________________________________ c d d -945.091092

    ndice para catlogo sistemtico:1. Fascistas italianos : Biografia 945.091092

    Direitos de edio em lngua portuguesa adquiridos por Editora Globo s.a

    Av. Jaguar, 1485 - 05346-902 - So Paulo, s p www.globolivros.com.br

  • Sumrio

    Prlogo xm1. Galeazzo e Edda 12. De diplomata a piloto de bombardeiro 193. O ministro do Exterior mais moo da Europa 284. Ciano e os alemes 485. Guerra na Albnia 676. Um casamento aberto 767. O Pacto de Ao 858. A invaso da Polnia 969. Rompimento com Mussolini 11410. A Itlia entra na guerra 13711. A guerra particular de Ciano: o ataque Grcia 15012. O homem mais odiado da Itlia 17113. Trama contra o Duce 18714. Na jaula das feras 20615. O colapso do regime de Mussolini 22416. Fuga para a Alemanha 23417. Traio 260

  • VI O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    18. Fim da esperana 27019. Fuga para a liberdade 28120. Julgamento e execuo 29521. O caso do Dirio do Conde Ciano 315

    Eplogo 339Notas 351Bibliografia 363ndice 371

  • Ilustraes

    1. Edda Mussolini aos dezessete anos, com o pai Benito, 1927.2. Galeazzo e Edda Ciano aps o casamento, na entrada da igreja de San Giuseppe, em Roma, 24 de abril de 1930.3. Galeazzo e Edda Ciano ao sol.4. Edda Ciano com os filhos Fabrizio, Raimonda e Marzio, o beb, em 1938.5. Galeazzo Ciano em Londres, como delegado em uma conferncia monetria.6. Ciano em seu gabinete, quando era subsecretrio de Mussolini para

    imprensa e propaganda, 1934.7. Ciano com a expresso firme que gostava de assumir, imitando Mussolini, 1934.8. Ciano e Hitler se encontram em Obersalzberg, outubro de 1936. Da esquerda para a direita, o ministro do Exterior alemo, Von Neurath, e os embaixadores italiano e alemo, Attolico e Von Hassel.9. Assinatura do Pacto Anti-Comintem em Roma, 6 de novembro de1937. Da esquerda para a direita, von Hassell, Ribbentrop, Mussolini, o representante japons Hotta e Ciano.10. Ciano danando com a Gr-Duquesa Anna, da ustria, janeiro de

    1938.11. Hitler e Mussolini assistindo ao desfile de tropas em Roma, maio de 1938. Ciano est entre Ribbentrop e Goebbels.12. Conferncia de Munique, 29 de setembro de 1938. Da esquerda para a direita, Chamberlain, Daladier, Hitler, Mussolini e Ciano.

  • O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    13. Ciano e Ribbentrop em carro aberto, outubro de 1938.14. Italianas fascistas sadam Ciano em Berlim, maio de 1939.15. Ciano visita seu gro-ducado, Albnia, 1941.16. Ciano com o filho Fabrizio, Roma, outubro de 1938.17. FilippoAnfuso, chefe de gabinete de Ciano no Ministrio do Exterior.18. Ciano e Hitler no balco da chancelaria do Reich, depois de assinarem o Pacto de Ao, 22 de maio de 1939. Ribbentrop esquerda e Gring direita.19. Ribbentrop, Hitler e Ciano em Obersalzberg, 12 de agosto de 1939, pouco antes de a Polnia ser invadida pelos nazis.20. Ciano visita Hitler na toca do lobo do Fhrer, em uma floresta polonesa, 25 de outubro de 1941.21. Edda Ciano e amiga em visita a Londres, frente da embaixada italiana, s vsperas da Segunda Guerra Mundial.22. Emilio Pucci, amante de Edda e famoso estilista de moda, 1968.23. Hildegard Beetz, secretria das SS que apoiou Ciano e ajudou Edda a fugir para a Sua.24. Ciano, de capote claro, volta o rosto para o peloto de fuzilamento, momentos antes de sua execuo em Verona, 11 de janeiro de 1944.25. Benito Mussolini e Clara Petacci pendurados pelos tornozelos frente de um posto de gasolina em 29 de abril de 1944, depois de serem fuzilados pelos partisans.26. Edda com a me Rachele, anos mais tarde.

    i

    Crditos das fotosAKG, Berlim: 9, 11, 12, 15, 18, 25.Associated Press: 14.Coleo do autor: 23, 24, 26.Hulton Getty: 4, 5, 7, 13.Ullstein, Berlim: 1, 2, 3, 6, 8, 10, 16, 17, 19, 20, 21, 22.

  • Agradecimentos

    Robert Baldock, da editora da Yale University, deu-me slido apoio para a elaborao deste livro, e sua ajuda, tanto quanto a de sua colega Candida Brazil, foi inestimvel para que o aprimorasse. Minha amiga Catherine Henry merece um agradecimento especial por ter me encaminhado para a editora da Yale University.

    Don Larrimore, grande amigo desde os tempos em que convivemos em Roma, faz mais de trinta anos, contribuiu imensamente no incentivo inicial para que me dedicasse a este livro, forneceu-me a maior parte do material resultante de pesquisas em fontes americanas, corrigiu erros no texto e foi extremamente til em diversos outros aspectos. Minha filha Ann tambm me ajudou na busca de subsdios em importantes fontes americanas. Bill e Beverly Landrey, Jim e Mel Barden e John McLaren leram o texto e ofereceram inmeras sugestes para que eu pudesse aperfeioar esta obra.

    Devo agradecer em especial aos amigos e conhecidos da famlia Ciano em Roma, gentis e encantadores, que foram generosos ao me concederem seu tempo e compartilharem comigo suas lembranas. Embora alguns possam no ter gostado de minhas concluses sobre Ciano, nenhum imps condies para sua colaborao e por isso lhes sou realmente grato. Tenho um dbito em particular com a Princesa Cyprienne Charles-Roux dei Drago, que generosamente ps minha disposio as memrias no publicadas de seu falecido marido, o Prncipe Marcello dei Drago. Tambm desejo citar Romano Mussolini, a Condessa Marozia Borromeo dAdda, Fey von Hassell, Embaixador Mario Mondello, Embaixador Bruno Borrai, o Conde Bartolomeo Attolico e a Signora Maria Carmella Hambledon. Giordano Bruno Guerri, excelente bigrafo de Ciano, deu-me teis sugestes, e Leonora Dodsworth me auxiliou em contatos e pesquisas com fontes italianas. Miguel Sarfatti, da

  • X O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    Fundao Centro de Documentao Hebraica Contempornea, de Milo, forneceu informaes sobre as relaes entre Ciano e os judeus. Tambm desejo agradecer s contribuies inestimveis de pessoas da Itlia que preferiram no ser identificadas.

    Outros de cujo auxlio em variados aspectos lembro agradecido so Jon Randall, o professor Dermot Keogh, do University Colle- ge, Cork, John Cooney, Chris Ogden, Bill Tuohy, Janet Stobard, Thom Shanker, Jay Shanker, John Tagliabue, Paula Butturini, Elan Steinberg, do Congresso Judeu Mundial; John McCarthy Jr., Bill Fowler, John Taylor e Kenneth Schlessinger, dos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos; Owen Chadwick, Harold Tittman III e Ray Zwick, bibliotecrio do Cincinnati Enquirer.

    Por fim, mas sempre a maior em meu apreo, minha mulher, Jennifer, que enfrentou com extraordinria pacincia e bom humor as horas que lhe roubei em favor de minha dedicao a Ciano, retribuindo meu alheamento com seu constante incentivo. A ela dedico carinhosamente este livro.

    Finalmente, uma palavra sobre o William Shirer, historiador do III Reich e correspondente do Chicago Tribune muito antes de mim. Sua obra Ascenso e Queda do III Reich fez com que, trinta anos atrs, eu tomasse conhecimento de Ciano, despertando minha vontade de escrever a respeito do personagem, o que acabei fazendo um tanto tardiamente. Sem ele, certamente este livro no teria sido escrito.

  • Prlogo

    Em 8 de janeiro de 1944, sbado, uma camponesa e dois senhores registram-se no pequeno Hotel Madonnina, em Viggiu, Itlia, uma cidadezinha situada entre o Lago de Como, o Lago de Lugano e o sop dos Alpes. A mulher, que parece em adiantado estado de gravidez, se apresenta com o nome falso de Emilie Santos, informando residir em Roma. Os homens tambm se apresentam sob nomes falsos: uma guerra est em curso, e eles so pessoas procuradas, no podem correr o menor risco. Mas a mulher no consegue esconder a aparncia desfigurada, a fadiga e a preocupao. Em colapso nervoso, mal consegue andar.

    Mais ao sul, a guerra sobe gradualmente pela bota da pennsula italiana, enquanto as foras alems e fascistas lutam desesperadamente para conter o firme avano dos aliados. Os combates ainda se prolongaro por mais de um ano, mas a ditadura de Mussolini, que durara 21 anos, est liquidada. O Duce, deposto seis meses antes, apega-se iluso do poder abrigado numa pequena villa margem do Lago de Garda, mas agora no passa de marionete nas mos dos alemes, um homem triste e alquebrado.

    Agentes da Gestapo vasculham todo o Norte da Itlia em busca da mulher de Viggiu, com ordem para impedir a qualquer custo que ela cruze a fronteira e se refugie na Sua. Adolf Hitler est particularmente interessado em sua captura e Mussolini tambm est preocupado, ansioso por saber que ela no conseguiu fugir. A mulher e os dois acompanhantes jantam no restaurante do hotel e se recolhem logo em seguida.

    Na manh do domingo, as montanhas cobertas de neve se refletem

  • XII O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    nas guas dos lagos prximos. Viggiu vive clima de tranqilidade e seus habitantes, embrulhados em sobretudos, saem para a missa, como de hbito. Cerca de lh30 da tarde, a camponesa e um dos homens, alto, esguio e aparentando ser militar, deixam o hotel depois de um breve almoo e saem caminhando. A mulher esconde no bolso do casaco um revlver a ser usado, caso necessrio, contra guardas nazis ou fascistas afim de garantir a fuga, ou contra si mesma, se for presa. Dirigindo-se fronteira prxima, os movimentos do casal so propositalmente casuais. Cerca de 5h30 da tarde, quando a escurido comea a baixar sobre a cidadezinha, o homem regressa sozinho ao hotel. Logo em seguida, ele e seu companheiro vo embora, cansados mas exultantes. A mulher est em segurana na Sua.

    No mesmo dia, em Verona, a cidade de Romeu e Julieta, um homem defende sua vida ante um tribunal fascista. acusado de traio. Cinco outros homens esto sua retaguarda no banco dos rus, em uma velha fortaleza transformada em tribunal, hoje lotado de fascistas.

    A fugitiva a condessa Edda Mussolini Ciano, filha favorita do Duce. Sob o volumoso vestido desenhado para ela por seu amante, o marqus Emlio Pucci, que a acompanhou at a fronteira, ela levou um mao de documentos que os nazis e os fascistas esto determinados a impedir que caiam nas mos dos aliados. Os papis esto amarrados na cintura de Edda, envoltos num casaco de pijama para simular gravidez.

    O homem que est sendo julgado em Verona o Conde Galeazzo Ciano, marido de Edda e ex-ministro do Exterior de Mussolini. Ele o autor dos documentos que ela carrega e que constituem a derradeira possibilidade de salvar-lhe a vida. Redigidos em cinco cadernos de notas da Cruz Vermelha, so os dirios que ele escreveu durante seus ltimos quatro anos no cargo. So documantos potencialmente explosivos. Se publicados, revelaro ao mundo o odioso e desprezvel modo com que os nazis trataram seu aliado italiano, alm da fraqueza de Mussolini e seu desdm pelo povo italiano. Revelar tambm a perfdia de Hitler, Ribbentrop e outros chefes

  • Prlogo X III

    nazis. Mussolini receber um ultimato de Edda: que liberte Ciano ou ela entregar os dirios aos aliados.

    Na Sua, embora ainda no saiba, ela ter um encontro com o mais famoso espio americano, Allen W. Dulles, que, aps a guerra, chefiar a CIA, Agncia Central de Inteligncia. Logo ele estar buscando os documentos que ela tem consigo ao cruzar cambaleante a fronteira e se entregar aos guardas suos que a recebem e a quem revela sua verdadeira identidade.

  • G aleazzo e E d d a

    O d r a m a q u e c u l m i n o u com a fuga de Edda Mussolini Ciano para a Sua, em 1944, comeou quatorze anos antes, em circunstncias mais normais. Edda tinha dezenove anos, e o Conde Galeazzo Ciano, diplomata italiano que recentemente chegara de uma temporada de servio na China, era oito anos mais velho. Encontraram-se numa festa e, depois de apenas dezessete dias, se apaixonaram. Na tarde de 13 de fevereiro de 1930, na penumbra de um cinema romano, Ciano se inclinou para ela e sussurrou: Edda, voc sabe que estou apaixonado por voc. Quer casar comigo? Edda hesitou apenas por um breve momento. Por que no? respondeu com peculiar indiferena.

    Quando o filme terminou, ela correu para casa a fim de dar a notcia ao pai, enquanto ele se vestia para uma recepo. Papai, esta noite fiquei noiva de Galeazzo Ciano, o filho de Costanzo, exclamou. Por um momento, Mussolini ficou esttico, incrdulo, mas em seguida saiu pela casa clamando pela esposa, Rachele, Rachele, a Edda est noiva! Desta vez verdade! Claro que aprovo o moo com quem noivou!1 Em carta a um primo, Edda descreveu o que sentia por Galeazzo como um verdadeiro relmpago e afirmou: Meu destino agora est definido e no poderia ser melhor.2 Foi o comeo de um romance, um casamento e uma carreira que em poucos anos entraria para a histria da Europa. Tambm foi o princpio de uma tragdia familiar de propores picas. Naquele momento, Ciano servia como diplomata subalterno na embaixada da Itlia no Vaticano. Quando deu a notcia a seus colegas, um deles comentou: Voc ganhou uma aplice de seguro para toda a vida.3

    No se podia duvidar desta afirmao. O regime instaurado por Mussolini em 1922 j tinha sangue nas mos, mas ainda era

  • O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    admirado por toda parte na Europa e nos Estados Unidos, e o casamento de Edda parecia assegurar um futuro brilhante para Ciano.

    Vivendo um perodo em que a Amrica sofria com a depresso, muita gente percebia e elogiava o crescimento da economia italiana. Mussolini implantara ambiciosos projetos pblicos, adotara um sistema previdencirio, drenara os pntanos do Pontine, preservara monumentos da Roma antiga e conseguira que os trens andassem no horrio. Impunha ordem e disciplina Itlia, obrigando seus compatriotas a abandonarem o lnguido modo de vida latino e a se integrarem Europa moderna.

    Poucos jornalistas, como o americano John Gunther, questionavam o desrespeito dos direitos humanos por parte de Mussolini, mas muita gente o apoiava, considerando que os atrasados italianos precisavam ser disciplinados por um regime ditatorial. O pas, depois de longos anos de pobreza e decadncia, finalmente tinha um governante de vontade frrea, com a conscincia da misso de recuperar a glria que conhecera no tempo dos Csares. As ambies de Mussolini coincidiram com o progressivo desmantelamento da ordem europeia estabelecida aps a Primeira Guerra Mundial e, em meio ao descontentamento das massas, logo Hitler, Franco e Salazar ascenderiam ao poder.

    Winston Churchill elogiou a luta de Mussolini contra o socialismo europeu e o chamou de o maior governante vivo, declarando que, se fosse italiano, vestiria a camisa negra fascista. David Lloyd George e George Bemard Shaw tambm se alinhavam entre seus admiradores. O presidente Roosevelt e membros de seu ministrio juntaram-se louvao. O cardeal 0 Connell, de Boston, disse que Mussolini era um gnio que Deus concedera Itlia. O New York Times o intitulou defensor da paz, e uma universidade na Hungria quis indic-lo para o Prmio Nobel da Paz.4 Inmeras vezes foi comparado a Csar, Napoleo e Cromwell. No de admirar que o jovem e impressionvel Galeazzo Ciano logo ficasse fascinado pelo sogro e o visse como um heri de histrias juvenis.

    A adulao a Mussolini refletia os dias de ingenuidade por que passavam os negcios mundiais e que logo desapareceriam para

  • 1. Galeazzo e Edda 3

    sempre. As percepes externas a respeito da Itlia mudariam drasticamente depois que o pas invadiu a Etipia em 1935 com as decorrentes crueldades, inclusive o emprego de gs venenoso. A agresso levou a Liga das Naes a impor sanes econmicas Itlia, o que deixou Mussolini isolado e ofendido, levando-o fatal parceria com a Alemanha de Hitler.

    Logo viria a interveno italiana ao lado dos fascistas na Guerra Civil Espanhola, aprofundando a mgoa de Mussolini em relao s democracias europeias. Seguiram-se os desastres militares italianos na Grcia, na frica setentrional e oriental, e na Unio Sovitica. Muitos que se impressionavam com a pose de Mussolini, pernas abertas, mos nos quadris, queixo erguido quando se dirigia multido do balco do Palazzo Venezia, agora viam seus gestos como algo cmico. A admirao deu lugar percepo do ridculo e ao desprezo.

    Seis anos aps o casamento com Edda, Ciano se tornou ministro do Exterior da Itlia. Como tal, emergiu como o mais importante cmplice dos delitos cometidos por Mussolini, o delfim do regime, o principal emissrio do Duce junto a Hitler e a seu ministro do Exterior, Joachim von Ribbentrop, e um dos mais destacados atores do drama central da histria do sculo XX. Ao longo dos quase sete anos de Ciano como ministro do Exterior, a Itlia entrou em guerra com a Etipia, integrou o fatdico Eixo com os nazis, ocupou a Albnia, aliou-se Alemanha como potncia agressora na Segunda Guerra Mundial e lanou-se numa desastrosa guerra com a Grcia. Mais tarde, a Itlia se viu forada humilhante rendio aos aliados, enquanto as tropas alems ocupavam o pas.

    Depois do prprio Mussolini, ningum teve papel mais importante na histria do fascismo e da aliana com a Alemanha nazi do que Ciano. Ele assinou o Pacto de Ao e o Pacto Anti- -Comintern, que consolidaram o Eixo com os alemes. Alm disso, representando o regime nas discusses com Hitler e Ribbentrop, esteve presente a quase todos os encontros de Mussolini com o Fhrer. Mas acabaria se afastando do bando de rufies, psicopatas e farsantes com o qual se associara, pois romperia com o homem

  • 4 O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    que venerara, se esforaria para tirar a Itlia da guerra e poup-la das conseqncias catastrficas que ajudara a causar. Claro que fracassou na tentativa de pr um fim guerra e, neste aspecto, sua influncia foi desprezvel. Em outros, porm, ajudou a traar o curso da histria. As aventuras na Albnia e na Grcia foram, em grande parte, fruto de instigao de Ciano, e o fracasso da interveno neste ltimo pas o transformou, com toda justia, no homem mais odiado da Itlia.

    Na condio de cronista da histria de que participou, Ciano teve considervel importncia. Durante sua permanncia como ministro do Exterior, escreveu um dirio que se tornou um dos mais valiosos documentos da Segunda Guerra Mundial. Trata-se de um documento cheio de observaes muitas vezes surpreendentes e sem paralelo sobre o regime por dentro, de fascinantes ilustraes sobre Hitler e seus camaradas, de contos sobre as hesitaes e atitudes conflitantes de Mussolini em relao Alemanha e de observaes sobre o insensvel tratamento dispensado pelos alemes a sua aliada. O dirio foi uma verdadeira mina de ouro para historiadores do fascismo. Jogou por terra a concepo de que os ditadores nazi e fascista marchavam em perfeita harmonia rumo a seus miserveis objetivos, movidos por unidade de propsitos. Revelou o imenso universo de desconfiana que os separava por trs de uma fachada de frrea determinao e unidade e, talvez causando surpresa ainda maior, deixa bem evidente como, muitas vezes, decises que afetavam a vida de milhes eram adotadas em meio a ciumeiras mesquinhas, vaidades pessoais e desejos de marcar posio. Pode ser que isso sempre tenha ocorrido na vida de estadistas, mas, nas relaes entre os chefes nazi e fascista, surge um componente de natureza pueril que s vezes chega a ser inacreditvel, e ningum descreveu esse fenmeno melhor do que Ciano.

    No auge da fama, ele e Edda eram o assunto da Europa, e a imagem deles se estampava na capa das principais revistas americanas. Ciano, com os cabelos negros penteados para trs e um sorriso amistoso na face, surgia elegante com o uniforme militar que inicialmente preferia. Todavia, a impresso geral a seu respeito

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    era prejudicada pela voz fanhosa e aguda, pelo andar meio cmico, desengonado de pato, com os ps chapados, e pela tentativa de imitar a postura de Mussolini, erguendo o queixo e projetando o peito para a frente. Edda, extremamente inteligente, mas ingnua em matria poltica, era uma mulher magra e agitada, com feies bem definidas e personalidade muitas vezes cida.

    Porm, apesar das aparncias nada cativantes, Ciano e Edda conservaram uma aura de estuante encanto e poder nos primeiros anos do casamento, e o fascnio aumentou medida que se afastaram um do outro e passaram a manter abertamente casos fora do matrimnio, fazendo lembrar a licenciosidade da corte dos Brgias. Apesar de todas as suas imperfeies, Ciano possua virtudes admirveis. Demonstrava mais inteligncia do que lhe era creditado em certas ocasies e era caloroso e generoso com seus amigos, sempre disposto a lhes conceder favores. Embora s vezes exageradamente severo e muitas vezes ausente, era um pai devotado aos trs filhos.

    Exibia simpatia e senso de humor que no s encantavam as mulheres que o admiravam, mas tambm os diplomatas aliados com quem tratava, umas tantas vezes pelas costas de Mussolini. Americanos, de Sumner Welles, subsecretrio de Estado do presidente Roosevelt, a William Shirer e Clare Booth Luce, simpatizavam com ele, mas Joseph Kennedy, pai do presidente Kennedy, o considerava um idiota pretensioso. Tinha a audcia temerria dos moos e, no drama crucial de sua vida, que acabou o reaproximando de Edda, ambos se portaram com exemplar coragem, o que, em parte, redimiu-lhes o passado.

    Ciano, porm, vaidoso em demasia, arrogante e frvolo, possua um lado sombrio. Mais de uma vez conspirou para a execuo de assassinatos e pode, ele mesmo, ter sido o autor em pelo menos uma oportunidade. Seu senso em questes internacionais falhou frequentemente e de forma espetacular no caso grego. Sem dvida foi corrompido pelo fcil sucesso em idade ainda precoce e pela m sorte de ter nascido na Itlia fascista. Entretanto, como observou o escritor ingls Malcolm Muggeridge, certamente teria sido um democrata convicto numa democracia. Na essncia, era apoltico

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    e carreirista, homem sem crenas definitivas ou dogmas morais, convencido to somente do prprio destino e, afinal, destrudo por esse convencimento. Seja l o que se diga sobre seu desempenho no cargo, perante a histria continua condenado como participante e arquiconspirador em iniciativas criminosas da mais grave natureza, em crimes contra a humanidade.

    Para os italianos, a fascinao exercida por Ciano nas imaginaes, ao longo de meio sculo, de natureza menos poltica do que familiar. Como literatura, sua histria mereceria um Esquilo ou um Shakespeare. uma saga de intriga, traio e morte em uma famlia poderosa, de personalidades e vontades conflitantes, poder-se-ia dizer, uma verdadeira tragdia grega moderna. Ciano foi uma criao de seu sogro, e foi Mussolini quem o destruiu no processo que levou ao rompimento dos laos que uniam o Duce e sua adorada filha. Foi um conflito familiar vivido no na intimidade, mas em uma pgina da histria. Porm, Ciano venceu o homem que manipulou de forma to desastrada seu destino, pois, no fim, emergiu nele um componente de herosmo, singular atributo que faltou runa humana em que Mussolini se transformara. Ambos se abateram, mas um conservou uma centelha de decncia humana, enquanto o outro, na iminncia de a cortina baixar, encerrou uma vida ignbil com uma postura vergonhosa e covarde. Tragdia requer um heri, e o herosmo final de Ciano mostrou o tipo de homem que poderia ter sido se no se envolvesse com uma famlia e um regime que o corromperam.

    Aps a guerra, a Itlia compreendeu a herana maldita dos anos de Mussolini, mas permanece ambivalente quanto famlia. Dessa forma, a neta do Duce conseguiu se eleger para o parlamento unicamente pela fora de seu nome. Claro que difcil admitir que uma neta de Hitler, se existisse, pudesse conseguir o mesmo na Alemanha. No preciso dizer que Hitler foi infinitamente mais detestvel do que Mussolini, mas ambos so responsveis por um dos mais srdidos captulos da histria da humanidade, e muitos italianos ainda no aceitaram totalmente esse fato. De modo geral, o papel desempenhado por Ciano teve maus e bons

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    momentos, com o falso brilho de algumas condutas exemplares, mas ficou marcado principalmente pelo grande drama em que se transformou a complexa teia que enredou sua vida e a de Edda. Foram os personagens principais de uma palpitante trama poltica que aconteceu na realidade.

    O romance entre Galeazzo e Edda florescido em 1930 no chegou a surpreender Mussolini, pois, de certa forma, foi ele quem estimulou o casamento. Edda, independente e teimosa, conhecida na famlia como la cavallina matta, a potranca selvagem, por bom tempo fora uma preocupao para os pais. Seus namorados tendiam para o latin lover tipo gigol, e seus pais sempre temeram que desaguasse num casamento desastroso e possivelmente escandaloso. A polcia, que vigiava seus movimentos a mando de Mussolini, informou que em 1929 ela escapara furtivamente para Bolonha a fim de se encontrar com o filho de um rico industrial, viciado em cocana e que sofria de sfilis. Outro namorado, segundo a polcia, era um efeminado que frequentemente se apresentava como marqus e andava em ms companhias.5

    Edvige, tia de Edda, tentou arrumar um namoro com Pier Fran- cesco Orsi Mangelji, o filho de 27 anos de uma famlia nobre de Forli. Edda no se impressionou com o rapaz quando se encontraram e preferiu outro namorado, um jovem judeu filho de um coronel do exrcito. Quando escreveu para o pai informando que desejava se casar com este rapaz, Mussolini ficou horrorizado. Pressionou Edvige para advertir Edda que um casamento da filha do Duce com um judeu daria muito que falar mundo afora.6 Mussolini enviou seu irmo Arnaldo para procurar os pais do jovem a fim de inform- -los que no permitiria tal casamento. Os pais, judeus convictos, ficaram indignados e disseram a Arnaldo que jamais permitiriam que seu filho casasse com Edda.

    Relutantemente, ela desistiu desse namorado e foi para a Espanha com Mangelli, acompanhados pelos pais deste pretendente. A finalidade da viagem era permitir que se conhecessem melhor, mas Edda fez todo o possvel para deixar o jovem e seus pais contra si. Bebeu, fumou, disse palavres e afirmou que jamais teria filhos

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    porque fazia questo de preservar sua silhueta. Nada disso amainou o ardor de Mangelli e, pressionada pela famlia, ela finalmente aceitou o pedido de casamento. Porm, ele cometeu o engano de perguntar a Mussolini qual o dote de Edda ao se casar. O Duce, furioso, mandou a filha terminar o noivado.7 Edda ficou exultante, embora visse Mangelli com simpatia. Pobre coitado, exclamou para Edvige. No devemos culp-lo. Seu pai o obrigou a cometer aquela gafe.8 Dez dias mais tarde conheceu Ciano, filho do almirante Costanzo Ciano, destacado fascista e heri da Primeira Guerra Mundial, que Mussolini certa vez mencionara como seu sucessor.

    Gian Galeazzo Ciano nasceu em 18 de maro de 1903, em Livomo, cidade costeira da Toseana. Sua irm Maria, nico outro rebento do casal, nasceu trs anos depois. Costanzo seguira a carreira do pai na marinha e logo foi comandar uma escola para radiotelegrafistas e sinaleiros em La Spezia, onde se tomou amigo ntimo de Guglielmo Marconi, inventor do rdio. Era ambicioso, corajoso, severo com os filhos e, finalmente, corrupto. Galeazzo nutria profunda admirao pelo pai e sofria com suas constantes ausncias prprias da carreira naval. Quando o via partir (...) seus olhos se enchiam de lgrimas e s vezes se jogava no cho, chorando desesperadamente, disse sua me Carolina.9 Mais tarde, Edda descreveu o sogro como disciplinador rigoroso e afirmou que ele acreditava mais no poder persuasivo de uma boa surra do que na virtude de uma lio de moral.10 Obrigava o filho a vestir uma roupa de marinheiro recortada de um de seus uniformes e uma boina de marinheiro em vez do chapu de palhinha usado pelos colegas da escola. Quando um dos amigos de Galeazzo perguntava a razo, Costanzo respondia: Porque eu quero que ele ache impossvel ir com vocs e os outros ao bordel.11 O jovem Galeazzo nunca bebeu ou fumou e tinha forte averso ao jogo. Esses valores lhe foram incutidos pelo pai, e ele os conservou por toda a vida. No entanto, Orio Vergani, seu amigo de infncia que se tomou jornalista famoso, disse que o pai de Ciano tambm o incentivou a caminhar na trilha da virilidade fascista, que Costanzo lhe transmitiu atitudes

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    em relao s mulheres que podem ser a razo de seus numerosos casos na vida, anos mais tarde.12

    Costanzo foi agraciado com quatro medalhas de prata por bravura em audaciosas aes contra a marinha austraca durante a Primeira Guerra Mundial e, posteriormente, Mussolini lhe concedeu a medalha de ouro. Em 1925, o rei Vittorio Emanuele III o fez Conde de Cortellazzo, em reconhecimento a seus atos de bravura em combate. Muitos outros militares foram homenageados na mesma oportunidade, pois Mussolini persuadira o rei que era necessrio criar uma nova aristocracia baseada em valores fascistas. Logo aps a guerra, Costanzo foi nomeado por Giovanni Agnelli, av do ltimo presidente de mesmo nome da Fiat, para dirigir a companhia de navegao II Mare, e a famlia mudou-se para Gnova. Em 1919, no teve sucesso como candidato direitista da Unio Democrtica, porm mais tarde aliou-se ao fascismo e, na primavera de 1921, estava entre os 33 fascistas que conquistaram uma cadeira no parlamento. Renunciou presidncia da II Mare e mudou-se com a famlia para Roma, passando a se dedicar exclusivamente poltica.

    Ao assumir o poder em 1922, Mussolini nomeou Costanzo subsecretrio da Marinha e chefe do Departamento de Marinha Mercante e, no ano seguinte, o elevou a membro do Gran Conselho Fascista, o rgo poltico mais poderoso do pas. Foi nomeado ministro dos Correios e Telgrafos em 1924 e, dois meses depois, ministro das Comunicaes. Neste cargo exercia controle sobre ferrovias, marinha mercante, indstria automobilstica e bondes. Costanzo e seu irmo Arturo, que trabalhava para ele no Ministrio das Comunicaes, ficaram ricos. Os fascistas que os criticavam afirmavam que Costanzo recebia grandes pagamentos anuais da Prowida, cooperativa de consumo dos funcionrios pblicos administrada por seu ministrio. Em 1925-26, Arturo Ciano e um grupo de amigos ganharam um contrato para distribuio de centenas de milhares de toneladas de carvo enviadas pela Alemanha para a Itlia como reparao da Primeira Guerra Mundial, e parte do lucro era encaminhada para o ministro. Tambm se dizia

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    que a nacionalizao da telefonia e das indstrias de radiodifuso tinha proporcionado grandes lucros. Em 1930, Augusto Turati, secretrio do Partido Fascista, acusou abertamente Costanzo de conceder favores a industriais e financistas mediante pagamento. Aps a queda do fascismo em 1943, uma comisso governamental descobriu que Arturo Ciano era dono de 1.025 acres de terra cultivada na Toseana, alm de inmeros apartamentos e manses na costa do Tirreno, inclusive uma grande propriedade, com parque e estbulos, em Ponte a Moriano, perto de Lucca. Costanzo se beneficiou politicamente da crise gerada pelo assassinato de Gia- como Matteotti, um dos mais capacitados oponentes de Mussolini, pelos squansti fascistas em 1924. O alvoroo conseqente abalou o regime e alguns fascistas abandonaram Mussolini, mas Costanzo o continuou apoiando decididamente. Foi recompensado em 1926 quando Mussolini, em documento ao qual no foi dada publicidade, o designou seu sucessor em caso de sua morte sbita.

    Galeazzo, tmido e estudioso, foi um aluno destacado, terminando em segundo lugar entre todos os concludentes do ginsio na Itlia, no exame final de estudos clssicos. Seu amigo Tito Torelli disse que Galeazzo algumas vezes foi punido por copiar o trabalho de colegas, quando na verdade ele quem permitia que copiassem seu trabalho, pois era melhor que todos ns, em todas as matrias.13 Torelli afirmou tambm que Galeazzo perdia as estribeiras com frequncia e certa vez foi expulso por ter jogado um tinteiro num professor que o enfurecera. Quando Galeazzo j era mais velho, Costanzo proibiu seus amigos de lev-lo s reunies de uma clula fascista porque no queria v-lo envolvido em poltica.

    No ginsio, Galeazzo teve um amor platnico por uma garota judia, mas os pais da moa se opuseram amizade por razes religiosas. Depois, ele entrou para a faculdade de direito na Universidade de Roma, mas seu interesse estava voltado em outra direo. Integrava uma rapaziada conhecida como os chacais, que iam ao teatro para se divertir vaiando os atores. Fabrizio Sarazani, seu amigo, lembrava de Ciano principalmente pela voz spera, p chato e grande desejo de ser levado a srio intelectualmente.

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    Disse que Ciano gostava de pegar garotas fceis que encontrava no Gallinaccio Caf, no Largo dei Tritone, em Roma. No Ciano daqueles dias, escreveu, no se via ou imaginava o homem em que se transformou. (...) Ciano, moo de boa famlia, que ainda no contrara a doena do esnobismo romano.14

    Maria, a irm de Galeazzo, qual ele era muito dedicado, era anorxica. Tinha horror a comida e, quando o pai a estimulava a comer algo mais substancial do que sua dieta habitual de po e azeitonas, ela esperava que o pai se distrasse para cuspir a comida em um guardanapo. Casou-se com o diplomata italiano Conde Massimo Magistrati em novembro de 1930, mas na vspera do casamento entrou em pnico ao pensar no matrimnio, a ponto de ter febre. Um ano mais tarde, Magistrati procurou Costanzo para se queixar que o casamento no fora consumado. Maria morreu tuberculosa aos 33 anos, pesando menos de 38 quilos.

    Vrios livros de referncia atuais afirmam que Ciano participou da Marcha sobre Roma dos fascistas, mas isso no passa de fabricao de mito pessoal. Como estudante universitrio, no se interessava pelo fascismo. Dez anos mais tarde, vendo seu destino modificado, alterou a data de sua inscrio no Partido Fascista, antecipando-a para maio de 1921, um ano antes de seu pai se alistar no partido. Ademais, se colocou como membro da squadra florentina Disperata, que teria participado da marcha.

    Ainda universitrio, comeou a fazer trabalhos junto ao parlamento para o jornal romano II Paese. Em seguida, sem aparente preocupao com sua linha poltica, foi trabalhar para o esquerdista II Mondo. Quando os fascistas chegaram ao poder, passou a auxiliar o crtico teatral do Nuavo Paese, um jornal pr-fascismo, depois se mudando para o fascista e extremista LImpero. Como jornalista, era menos que medocre, afirmou Sarazani.15

    Tentou a fico e escreveu seis contos que foram publicados no Nuovo Paese e no Llmpero entre 1923 e 1925. O tema de todos era a morte. Mais que tudo, queria ser escritor teatral e conseguiu que duas de suas peas fossem produzidas em Roma, mas ambas

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    resultaram em estrondoso fracasso, e Ciano desistiu. Sua amiga, a Princesa Cyprienne Charles-Roux dei Drago, declarou que, anos mais tarde, Ciano lhe disse: Graas a Deus entrei para a poltica. Sei escrever um telegrama curto, mas no daria certo como autor teatral ou colunista.16

    Depois da formatura de Ciano na universidade, em 1925, seu pai o convenceu a tentar a carreira diplomtica. O Ministrio do Exterior estava oferecendo 35 vagas, e Ciano estava entre os seiscentos candidatos. Entre eles tambm estava Filippo Anfuso, poeta e correspondente de guerra siciliano que mais tarde passou a ser o principal assistente de Ciano e, posteriormente, foi o ltimo embaixador de Mussolini na Alemanha nazi. Anfuso foi o primeiro no concurso, e Ciano, o vigsimo stimo. Outro que ingressou na carreira diplomtica pelo mesmo concurso foi Massimo Magistrati, futuro cunhado de Ciano.

    Como diplomata iniciante, Ciano contava apenas com o francs aprendido na escola, mas com o tempo aperfeioou seu francs, aprendeu excelente ingls e passou a falar espanhol razoavelmente bem. O Ministrio do Exterior o designou vice-cnsul no Rio de Janeiro, onde se envolveu com a filha de um milionrio talo- -americano. O pai da moa temia que Ciano fosse um caador de dotes e sondou o embaixador italiano, Giulio Cesare Montagna, que lhe disse: E filho de um squadrista e conde. No vai muito longe.17 Ciano caiu em desgraa em uma recepo no Rio, quando, sorrindo, disse para uma brasileira que erradamente achou que no entendia italiano: E boa sorte para voc, sua velha bajuladora! Foi transferido para Buenos Aires como segundo secretrio e detestou esse posto. Maria Rosa Oliver, escritora que viria a se tornar comunista e conquistou o Prmio Lnin na dcada de 1950, integrou o crculo de amizades de Ciano em Buenos Aires. Perguntou-lhe se queria ser outro Mussolini, ao que ele respondeu: Para que estabelecer limites? Ela tambm recorda que naquela poca Ciano no gostava dos alemes e certa vez ameaou agredir um secretrio da embaixada alem.18 Ficou satisfeito ao deixar Buenos Aires, em parte para se livrar de uma importuna senhora espanhola que

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    ameaava deixar o marido para ficar com ele. Em maio de 1927, o Ministrio do Exterior o mandou para Pequim como secretrio da misso diplomtica italiana, e Ciano foi morar em um apartamento antes ocupado por Magistrati.*

    Ciano j completara dois anos na China quando foi chamado de volta a Roma. Arnaldo, o irmo de Mussolini que procurava um marido adequado para a sobrinha, conversando com um poltico siciliano, ouviu dele que Galeazzo seria o candidato ideal. Arnaldo abordou essa possibilidade com Mussolini, e o Duce se encantou com a ideia. Deu ordem ao Ministrio do Exterior para trazer Ciano de volta. O jovem diplomata embarcou no SS President McKinley, que fez uma parada em Seattle, em 11 de agosto de 1929. Foi a nica vez em que pisou territrio dos Estados Unidos. Embora no fosse um diplomata importante, seu ttulo de nobreza foi suficiente para atrair a cobertura do Post-Intelligencer, de Seattle, que publicou: Nem todos os condes so pessoas com costeletas, monculo e propenso para trabalhos suaves. O Conde de Cortelazzo (sic) um sujeito barbeado e simptico, ainda na casa dos vinte. Ciano viajou para Nova York e l pegou outro navio para casa.

    Mussolini, o casamenteiro, fizera sua parte, mas Galeazzo e Edda, na verdade, se encontraram por acaso quando ela acompanhou Maria Ciano a uma recepo. Maria j mostrara uma fotografia do irmo a Edda, e esta o achara simptico. Quando se encontraram, Edda lhe disse: Dizem que voc muito inteligente. Galeazzo apenas sorriu. Ambos ficaram enamorados. Danaram juntos a noite toda e, ao se despedirem, prometeram-se um*Acreditam na Itlia, e o caso ressurge frequentemente em publicaes, que Ciano teve um caso com Wallis Warfield Spencer, mais tarde Wallis Simpson, pela qual o rei Edward VIII renunciou ao trono da Inglaterra. Vrios autores afirmam que Mrs Spencer, ento esposa infeliz de um oficial da marinha americana, beberro e tirano, em servio na China, ficou grvida de um filho de Ciano e fez um aborto que teve como conseqncia problemas ginecolgicos pelo resto de sua vida, deixando-a incapaz de ter filnos. Embora Ciano realmente a tivesse conhecido, e certa vez o casal Ciano e Edda tivesse recebido um presente de Wallis, esta histria nunca ficou devidamente explicada. Posteriormente Edda insistiu, junto a amigos, provavelmente com base na palavra do marido, que a histria no era verdadeira.

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    novo e prximo encontro.19 Eu tinha bom senso de humor e viva imaginao, mas era muito tmida, disse Edda mais tarde sobre si prpria. Galeazzo j experimentara muito os prazeres da vida e era um homem do mundo que comparecia a todos os eventos sociais da moda. Ela descobriu que ele era mais emotivo e amvel que os Mussolinis, inclusive ela, que se julgava um tanto fria.20 Comearam a se encontrar seguidamente, a ss ou na companhia de Maria. Vittorio, mais jovem que Edda, mas o mais velho de seus irmos, contou: Edda comeou a sair com mais frequncia. Em casa, parecia mais feliz, ouvindo discos horas a fio e, em poucas palavras, revelava todos os sintomas de uma moa enamorada.21 Edvige tambm notou a mudana em Edda. Seu comportamento habitual, talvez um pouco exibicionista, brincalho e despreocupado, deu lugar a franca afetividade, a um verdadeiro e puro impulso romntico, disse.22 Costanzo nada sabia da evoluo do romance e no ficou inteiramente satisfeito quando o chefe de polcia veio lhe dizer que a polcia teria que informar o Duce sobre os encontros do jovem casal. Costanzo interpelou Galeazzo e lhe exigiu explicao. Seu filho riu. Naquele mesmo dia ele e Edda ficaram noivos.

    Edda foi a primeira criana dos Mussolinis, e a que ele mais amava. Talvez houvesse boa dose de semelhana entre eles. Edda possua a mesma natureza obstinada do pai e conseguia intimidar e controlar os que a cercavam com o olhar penetrante e hipntico que dele herdou. Mussolini costumava chegar tarde da noite e tocar violino ao lado de seu bero, e Edda lembrava de, certa vez, ainda pequenina, ter esbofeteado duas vezes o pai, negando-se a tomar o remdio que devia. Nasceu em poca em que se esperava que as mulheres italianas simplesmente casassem e tivessem filhos, mas sempre questionou as restries impostas pela sociedade tradicional. Foi uma das primeiras mulheres na Itlia a dirigir automvel e usar cala comprida. Na praia, vestia mai, enquanto as outras moas usavam trajes de banho que lhes cobriam as pernas. Costumava usar palavreado rasteiro, jogar pquer e beber usque e gim, e deixava o pai chocado ao v-la fumando. Em certa ocasio, conta Edda, Papai, com todas suas atitudes antiburguesas,

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    em determinadas coisas era mais conservador do que um coronel reformado. Por exemplo, me proibia de usar batom (...) tambm no queria que eu fumasse. Um dia, numa recepo no Palazzo Venezia, eu o vi subitamente caminhando em minha direo apontando-me o dedo e olhando fixa e ameaadoramente para o cigarro que eu acabara de acender. Voc fuma! falou firme, incrivelmente espantado, como se no pudesse acreditar no que via. Sim/respondi calmamente, me deu vontade.23

    Tempos depois Rachele descreveu o relacionamento entre seu marido e a filha: Eles brigavam a toda hora, tinham temperamentos iguais e ambos eram combativos. Tanto que certa vez Benito me disse em tom de brincadeira, Consegui dominar a Itlia, mas nunca vou conseguir fazer o mesmo com Edda.Apesar disso, tinha verdadeira adorao por ela.24 Romano, irmo de Edda e famoso na Itlia como msico de jazz, lembrou com carinho em 1996: Minha irm era uma mulher muito refinada, afirmou. Era uma aristocrata nascida em famlia de camponeses. Edda possua a verdadeira nobreza que nenhum de ns tinha. Lia livros e revistas americanas e francesas. Comportava-se mesa com bons modos e falava ingls e francs, enquanto eu s falava romagnolo.* Tinha amigos na nobreza. Foi uma mulher corajosa. Sempre gostei muito dela.25

    Edda nasceu s trs horas da manh de Io de setembro de 1910 em Forli, onde seus pais, ainda no casados, moravam em terrvel pobreza. Seu pai a chamou filha da misria. Foi batizada como Edda Rosa Edvige. Rosa era o nome da me de Mussolini e Edvige, o de sua irm. Edda, nome incomum, foi inspirado pelo gosto de Mussolini pelo teatro. Certa vez, em Milo, assistira a uma apresentao de Hedda Gabler, de Ibsen, e ficou fascinado pela personagem principal, decidindo que, se um dia tivesse uma filha, lhe daria esse nome. Ao longo de toda a vida de Edda, muitos italianos, particularmente adversrios polticos de seu pai, especularam que, na realidade, ela no era filha de Rachele, mas de Anglica Balabanoff,*Dialeto da Emilia-Romagna, provncia de origem dos Mussolinis.

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    imigrante judia russa que Mussolini conhecera em Genebra e que mais tarde trabalhou com ele em seu jornal II Popolo d'Italia. Esta verso se deve ao fato de Mussolini, ao registrar seu nascimento, ter declarado ser o pai e que a me era desconhecida. Tomou esta iniciativa porque ento ele e Rachele no estavam casados e, na verdade, s quatro anos mais tarde casaram. Pela lei italiana, em tais circunstncias apenas o pai podia ser mencionado. Mussolini aumentou a confuso ao dizer para alguns amigos socialistas que a me de Edda era na verdade uma moa inglesa de nome Gibson, que conhecera na Sua. Afirmou que obrigara Rachele a aceitar a criana.26 A prpria Edda garantiu mais tarde que nem mesmo seu pai obrigaria sua me, camponesa de vontade frrea, a aceitar outra criana, passando por sua me.

    Depois que ascendeu ao poder em 1922, Mussolini matriculou Edda em uma das mais exclusivas escolas particulares da Itlia, o Collegio Poggio Imperiale, em Florena. As filhas de inmeras famlias coroadas da Europa, inclusive Maria Jos, da Blgica, futura esposa do prncipe herdeiro Umberto da Itlia, eram alunas desse colgio, o mesmo acontecendo com as filhas de ricos americanos e ingleses. L Edda fez muitas amigas e foi to difcil de ser controlada que certa vez Mussolini foi chamado para que a retirasse do estabelecimento. Entretanto, ela completou o ano e, pelo menos, adquiriu o refinamento que mais tarde levaria a comentarem sua conduta aristocrtica.

    Em 15 de fevereiro, Ciano foi residncia de Mussolini para pedir oficialmente Edda em casamento. Vestindo um temo cinza e portando luvas brancas, foi conduzido ao escritrio do Duce, encontrando-o mergulhado em documentos. Mussolini levantou os olhos fingindo estar surpreendido com a presena de Galeazzo. Os dois permaneceram trancados no escritrio por alguns minutos e, em seguida, Mussolini chamou Edda e a me para inform-las que concordara com o matrimnio. Galeazzo abriu uma pequena caixa de joia e dela retirou o anel que ps no dedo de Edda. Rachele abraou Galeazzo e, diante da filha horrorizada, lhe disse: Olhe, Edda no sabe fazer nada. No sabe costurar, no cozinha

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    nem um ovo e no sabe como dirigir a casa. Quanto a seu carter, nem vou falar. Mas sou sua me e queria alert-lo.27 Galeazzo e Edda trocaram o primeiro beijo como noivos na escada, antes de ele partir. Depois ela o presenteou com um anel enviado em um envelope que foi entregue por um membro do servio de segurana italiano. Galeazzo lhe escreveu: Sabia que podia esperar qualquer coisa de voc, mas sempre consegue me surpreender. Enviar-me um anel pelas mos de um policial no deixa de ser original.28

    Galeazzo no sofreu como Mangelli pelas mos de seu futuro sogro, mas passou por um mau momento quando Mussolini descobriu que ele levara sua filha a um clube noturno. Tratava-se de um dos mais respeitveis clubes de Roma, mas o Duce lhe passou uma severa descompostura. Edda comentou: Para ele, cabars, clubes noturnos e outros locais de diverso eram antecmaras de bordel.29

    Galeazzo e Edda casaram em 24 de abril de 1930 na igreja de San Giuseppe, perto da casa de Mussolini. Cyprienne Charles-Roux dei Drago disse a propsito de Edda: Nunca vi algum mais elegante. Sua figura era to extraordinria que qualquer coisa lhe caa bem. Pernas longas, ombros bem-feitos, no era muito alta e seus quadris eram bem estreitos. No seria considerada uma beleza na corte de Lus XV ou Lus XVI da Frana, mas seria uma beleza na Renascena, graas conformao do rosto, dos ombros, das mos e dos ps delicados. Qualquer coisa que fosse posta em Edda daria certo.30 Da igreja, o cortejo seguiu para a Baslica de So Pedro, em tradio observada por quase todos os recm-casados romanos: beijavam os ps da esttua de bronze de So Pedro, para assegurar um matrimnio feliz. Mussolini preferiu no participar. No incio da noite, dirigindo seu Alfa-Romeo, Edda, com Galeazzo ao lado, partiu para Npoles, onde o casal pretendia pegar um barco para chegar a Capri, onde passaria a lua de mel. Subitamente, Mussolini sentiu a falta da filha favorita, pulou em seu carro e, com Rachele ao lado, partiu em perseguio de Edda. Foi acompanhado por vrios carros da polcia. Cerca de vinte quilmetros fora de Roma, Edda viu seu carro em meio poeira e parou no acostamento da estrada.

  • O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    O que voc est querendo, papai? perguntou. ridculo nos seguir desse jeito.

    S queria acompanh-la em parte do percurso, respondeu ele desconcertado. Ela retrucou que voltasse para casa e parasse de se preocupar.31

    No Hotel Quisisana, em Capri, Edda sofreu um ataque de nervos na sute de lua de mel. No consegui comer quase nada no jantar, to paralisada me sentia, mas continuei a pedir outros pratos, a fim de manter o maitre o maior tempo possvel prximo de ns, escreveu. Pela primeira vez na vida me vi sozinha em uma mesa na companhia de um homem.32 Depois do jantar correu para o banheiro, trancou a porta e ameaou se jogar no mar de uma enorme rocha do lado de fora da janela se Ciano se aproximasse dela.

    Sei que voc bem capaz de fazer o que est dizendo, gritou Galeazzo do outro lado da porta. Eu no ousaria qualquer coisa contra sua vontade, mas me explique s uma coisa: como vai subir na rocha para se jogar no mar? Edda saiu do banheiro, olhou para a rocha e depois para Galeazzo: Os dois explodiram em gargalhadas e o pnico desapareceu.33

  • 2D e D ip l o m a t a

    a P il o t o d e B o m b a r d e ir o

    Logo d e p o i s d a l u a d e m e l , o casal Ciano embarcou em um navio rumo China, onde Galeazzo assumiu novo cargo diplomtico, inicialmente como cnsul-geral em Shanghai e, mais tarde, encarregado de negcios. Em seguida, foi designado para Pequim, como enviado extraordinrio e ministro plenipotencirio. Presidiu uma comisso de investigao da Liga das Naes encarregada de resolver o conflito sino-japons, quando fez amizade com o lder chins Generalssimo Chiang Kai-shek, que, anos depois, dele se lembrava com entusiasmo.

    At sua partida para a China, Ciano no se destacara na embaixada junto Santa S. O embaixador, Cesare Maria De Vecchi, declarou, No princpio, Galeazzo causou excelente impresso em todos. Parecia-me que se livrara daquela casca de superficialidade que caracterizava sua personalidade. Contudo, logo constatei que tinha feito um julgamento um tanto precipitado, pois, depois de um comeo feliz, Galeazzo voltou a ser o que sempre fora, presunoso, intrigante, iconoclasta e, para ser franco, preguioso.1

    Na China, com tempo livre e longe das restries impostas pela famlia, Edda comeou a jogar. Certa vez, enviou um telegrama de Pei Tai-ho para Galeazzo, confessando que perdera 4 mil dlares mexicanos no pquer. Vou me matar, acrescentou. Ele telegrafou em resposta: Enviei 4 mil dlares para voc. Mocinhas no jogam pquer e, sobretudo, no se matam. No se fazem essas coisas.2 O diplomata Roberto Ducci disse que em Shanghai, naqueles dias, os europeus praticavam uma douceur de vivre sem paralelo na Europa ou na Amrica. Se o pio fosse a tentao da noite, uma

  • 20 O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    certa promiscuidade era tolerada e at facilitada,3 afirmou. Contou que naquela poca os Cianos viviam separados, mas parece que isto no era verdadeiro.

    O primeiro dos trs filhos do casal, Fabrizio, nasceu na China, em Io de outubro de 1931. Edda a ele se referia como o pequeno Chink, mas, no seio da famlia, o menino recebeu o apelido Ciccino. Edda adorava apelidos. Abreviou o nome do marido para Gallo, que vem a ser a palavra italiana para galo. Chamava a si mesma de Deda. A estada dos Cianos na China coincidiu com a nomeao de Hitler para chanceler da Alemanha. Quando esta notcia chegou, Edda exclamou, Formidvel! Ciano retrucou, Meu Deus, uma catstrofe. Tempos depois Edda escreveu: Eu achava normal que dois ditadores fossem aliados. Tanto assim que, desde que Hitler tomou o poder em 1933, passei a consider-lo um verdadeiro heri. Ela admitiu que admirava a forma como ele enfrentava as grandes potncias.4

    No comeo de 1933, os Cianos regressaram Itlia e Edda estava grvida da filha que se chamaria Raimonda, com o apelido Dindina. Inicialmente Edda manifestara o desejo de ter uma poro de filhos, mas depois do nascimento de Fabrizio decidiu que j no os queria mais. Tanto Raimonda quanto Marzio resultaram de gestaes acidentais. Por algum tempo os Cianos moraram em Roma com os pais de Galeazzo, mas Edda mal suportava a sogra Carolina, qual se referia em carter privado como a macaca (ber- tuccia). Em suas memrias, declarou que Mussolini e Costanzo se fizeram famosos pelo desejo de fugirem de suas mulheres. Costanzo, afirmou, preferia enfrentar canhes na guerra s custicas reprimendas e aos comentrios amargos da esposa.5

    Mais tarde, Galeazzo e Edda mudaram para residncia prpria no elegante distrito de Parioli, em Roma. Compraram apartamentos em dois andares. Os filhos, com uma governanta alem, ficavam no de baixo e o casal, no de cima. Em suas memrias, Edda declarou que o casal passou a ser alvo da crtica popular, e seus inimigos insinuavam que Galeazzo no era bem-educado, que sua inteligncia era apenas medocre e que nunca lia, enquanto, segundo

  • 2. De diplomata a piloto de bombardeiro 21

    se dizia, ela lia apenas publicaes americanas sobre escndalos. Em resumo, de acordo com esses crticos, formvamos um par perfeito, ele imbecil e eu, comum. Escreveu tambm que Ciano possua viva inteligncia, inigualvel senso de humor e, quando se conheceram, j falava francs, ingls, espanhol e portugus. Foi adiante, em suas memrias, louvando seu gosto em decorao, livros, pinturas e joias. Era um gourmet e extremamente elegante, afirmou, amplamente admirado na melhor sociedade romana e sempre o convidavam porque era Galeazzo Ciano, e no por ser marido da filha de Mussolini.6 Sua admirao pelos mritos sociais do marido eram compartilhados pela me. Certa vez, Rachele comentou a pobreza da mesa oferecida pelo rei Vittorio Emanuele e disse: Galeazzo, por exemplo, no se preocupa com as despesas. E um anfitrio perfeito: nunca faltam flores, as toalhas de mesa so maravilhosas e os vinhos, excelentes.7 Edda repeliu insinuaes de que seu marido era frvolo. Nunca conheci homem to organizado, metdico e minucioso em todos os aspectos, declarou. Para prov-lo, mencionou a arrumao de seu apartamento em Roma e a construo de sua casa pr-fabricada com trinta aposentos em Capri. Graas a seu impecvel bom gosto, maravilhoso viver em nossas casas, disse.8

    Galeazzo esperou meses em Roma por um novo cargo; cada vez mais inquieto, procurou Mussolini e pediu que lhe arranjasse alguma ocupao. O Duce o enviou para Londres em junho de 1933, na delegao a uma conferncia monetria internacional e, em seguida, o nomeou chefe de seu gabinete de imprensa. Em setembro de 1934 elevou esse rgo ao nvel de subsecretaria de imprensa e.propaganda e, nove meses mais tarde, a ministrio.

    Assim, aos 32 anos, Ciano se tomou o mais novo ministro europeu desde William Pitt, o Moo, que foi ministro da Fazenda da Inglaterra aos 23 anos. O cargo de Ciano, que permitia contato quase dirio com o sogro, exigia conseguir que os jornais italianos, rigidamente controlados, glorificassem Mussolini, tecessem loas ao regime, denegrissem governos estrangeiros hostis e evitassem notcias que repercutissem mal no pas. Tambm lhe cabia influenciar

  • 22 O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    correspondentes estrangeiros, para que avaliassem o regime pelo melhor ngulo possvel.

    A despeito de sua reao inicial nomeao de Hitler, agora Ciano era decididamente pr-germnico e abraou com total entusiasmo sua primeira misso importante como propagandista do regime, orientando a cobertura do primeiro encontro de Mussolini e Hitler em Veneza, em 14 de junho de 1934. Mussolini no compartilhava inteiramente seu entusiasmo. Desconfiava do ditador alemo, e essa preveno nunca o abandonou completamente. Mussolini via a Alemanha apenas como instrumento para contrabalanar suas relaes com a Frana e a Inglaterra. Tambm presumia que, sendo o estadista mais velho, j com doze anos de experincia no poder, naturalmente assumiria o papel de lder nas relaes com Hitler, e que a Itlia seria a nao dominante. Alm disso, suspeitava das intenes alems em relao ustria, e essa foi a principal finalidade da reunio em Veneza. Aps a Primeira Guerra Mundial, o Tirol do Sul fora cedido Itlia, recebendo o novo nome de Alto Adige. Na viso de Mussolini, projetos alemes para a ustria simplesmente despertariam sentimentos separatistas nos alemes do Alto Adige, que poderiam ser estimulados pela Alemanha.

    Hitler esperava que o encontro fosse tranqilo, uma discusso privada, e desembarcou usando uma gabardine muito mal-acabada. Mussolini o recebeu em reluzente uniforme militar, com refinado cerimonial de boas-vindas, diante de duzentos jornalistas de todo o mundo. Logo aconteceu um conflito de opinies sobre a questo da ustria, e Ciano tomou providncias para que os jornalistas presentes soubessem da reao da Itlia. Naquela noite, bebendo um suco de tomate no bar do Danieli Hotel, um cinco estrelas no Grand Canal, e na presena de grande nmero de jornalistas, Ciano desabafou com seu amigo Orio Vergani, em tom que certamente era para ser ouvido. Hitler, afirmou, era um louco. Diz que preciso surpreender a Europa agora que ela no est preparada para qualquer tipo de guerra, declarou Ciano. Como? Gostaria, por exemplo, de invadir a Frana. Tem certeza de que pode faz-lo

  • 2. De diplomata a piloto de bombardeiro

    em 24 horas se o apoiarmos. Basta que nos comprometamos com isso. Parece que tem no sei quantos milhares de homens em motocicletas com metralhadoras. Atravessando as pontes sobre o Reno de surpresa e sem declarao de guerra, chegariam a Paris e s principais cidades francesas em menos de oito horas, antes que Paris tivesse tempo de se mobilizar e de soar alarme nos quartis (...) o prprio Mussolini ficou espantado. Deu um murro na mesa e disse no. Hitler tem um nico objetivo, guerra e vingana. Para seu povo, ele uma espcie de Maom com planos de Genghis Khan.9 Tendo em vista o entusiasmo anteriormente demonstrado por Ciano pela Alemanha, tudo indica que sua manifestao foi induzida por Mussolini. A preocupao do Duce com os objetivos militares da Alemanha ficou novamente evidenciada em 1935, quando se reuniu com lderes ingleses e franceses em conferncia realizada em Stresa, na Itlia, e se buscou, sem sucesso, dar uma resposta ao anncio feito por Hitler de que rearmaria a Alemanha, a despeito das proibies impostas pelo Tratado de Versalhes.

    Como ministro de Imprensa e Propaganda, Ciano comeou pelo controle de jornais, tentando preparar o pblico para a invaso da Etipia, preocupao dominante de Mussolini naquele momento. Outrora, o Duce repelira aventuras coloniais por consider-las desperdcio dos recursos da nao, mas mudara de opinio em 1922 e comeara a planejar um protetorado na Etipia. Acreditava que um imprio italiano na frica resolveria os problemas econmicos do pas, mas a guerra devia ser conduzida antes que o crescimento do poderio alemo se transformasse em ameaa ustria e o forasse a concentrar tropas na fronteira austraca. Fazia-se de surdo ao argumento dos funcionrios que alegavam faltar Itlia capacidade econmica para desenvolver suas colnias. Em 1932, os preparativos para a guerra estavam em curso, embora Mussolini assegurasse s outras naes que a Itlia no alimentava intenes agressoras. Mais de meio milho de soldados e trabalhadores civis foram enviados para as colnias italianas da Somlia e da Eritria, a fim de se prepararem para o conflito.

    Em 1935, Vittorio, filho de Mussolini, estava entre os voluntrios

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    para o servio militar, ao lado de Vito, filho de Arnaldo, irmo mais velho do Duce. Bruno, o filho de dezessete anos de Mussolini, foi retirado da escola e recebeu um curso rpido de pilotagem. Diante disso, Ciano sentiu-se compelido a se apresentar como voluntrio. No lhe faltava entusiasmo, pois seria a oportunidade de se igualar ao pai em herosmo em combate. Ingressou na fora area no posto de capito e embarcou para a frica. Em Asmara, assumiu o comando do 15o Esquadro de Bombardeiros, embora os instrutores de voo o considerassem um piloto medocre. Sua unidade era chamada La Disperata, em homenagem squara do fascismo florentino em que no passado se alistara.10

    As quatro da tarde de 2 de outubro de 1935, a ecloso da guerra foi anunciada Itlia com o toque de sinos das igrejas e de sirenes. Viria a ser um dos mais brutais ataques de um cruel sculo de guerras, em que os italianos bombardearam indiscriminadamente civis etopes, matando milhares com gs venenoso. Ciano, Vittorio e Bruno participaram todos do primeiro ataque areo sobre a cidade de Adowa. Enquanto seu avio sobrevoava a cidade, Ciano fez um sinal para seu amigo Alessandro, que fora Africa como correspondente pessoal de Ciano para o jornal Corriere Delia Sera, de Milo, e Alessandro soltou a primeira bomba sobre a Etipia. Mais tarde, Vittorio Mussolini escreveu que foi muito divertido ver as bombas caindo sobre grupos de etopes.11 No obstante os lentos bombardeiros italianos de trs motores oferecerem um bom alvo para o inimigo, Ciano gostava de fazer bombardeios a baixa altura e atacar com rajadas de metralhadoras. Em 14 de outubro, com apenas doze dias de guerra, um de seus motores foi atingido e ele teve dificuldade para regressar a Asmara. Quatro dias mais tarde, um de seus tanques de combustvel foi rompido pelo fogo inimigo, obrigando-o a uma aterrissagem forada num campo. Em nota para Pavolini, Ciano escreveu depois de um bombardeio: Fizemos um massacre.12 Num livro que escreveu sobre o esquadro, Pavolini registrou este fato em tom de aprovao.

    Apesar do evidente entusiasmo por sua misso, Ciano se desiludiu rapidamente com a guerra e com a evoluo das questes

  • 2. De diplomata a piloto de bombardeiro 25

    diplomticas na Europa. A agresso da Itlia levou os cinqenta membros da Liga das Naes, em Genebra, a condenar unanimemente a Itlia e a pedir a aplicao de sanes econmicas. Conversando com o subsecretrio das colnias Alessandro Lessona no fim de 1935, Ciano disse; Pode-se descartar a possibilidade de uma vitria militar, pois, neste terreno montanhoso, no h solues rpidas. Enquanto isso, seremos sufocados pelas sanes. Devemos ter uma negociao diplomtica com a Inglaterra, imediatamente. Vejo nuvens negras no horizonte.13

    No fim de 1935, teve de ir a Roma para uma cirurgia, em face de uma infeco nasal. Tivera dificuldades com o nariz e com problemas na garganta quando servia na China, e a situao agora piorava devido s condies de voo. Comeara a sofrer de asma na China, em 1932, afetando de tal forma sua audio que s vezes tinha que sentar com a boca bem aberta e respirar profundamente para dissipar a surdez temporria. Em certa ocasio Edda comeou a imit-lo, e Ciano, furioso, jogou sobre ela um cinzeiro que passou a poucos centmetros de sua cabea. Ciano repetiu para amigos em Roma que a vitria militar era impossvel. Perguntado por que no informou isto a Mussolini, respondeu: Voc no consegue conversar racionalmente com o Duce. Contei-lhe tudo. Sabe o que ele me disse? Fique calmo. Vai ver que, antes da Pscoa, Badoglio j ter vencido.14 Foi o primeiro desacordo srio entre o Duce e Ciano. Haveria muitos outros.

    Nessa poca, Mussolini comeou a receber cartas annimas denunciando a vida privada de Ciano. Um dos autores enviou uma srie de boletins intitulados Pensamentos do Povo. Um deles dizia: Chega a causar nuseas ter que aguentar um super- ministro (...) que, depois de ser contemplado com trs colunas de cobertura jornalstica, deixa a linha de frente para circular pelos sales de Roma e, pior que isso, aparece em pblico at as trs da manh aos abraos com Delia Di Bagno (...) E isso acontece enquanto seus camaradas esto na frente de combate arriscando suas vidas, morrendo e sendo decapitados.15 Outra carta annima advertiu Mussolini: Ponha um fim ao caso amoroso de seu genro

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    com Berlingieri Giovanelli. O que gasta com essa senhora chega a centenas de milhares de liras em joias, contas de costureiros e peles. Em Roma todos riem de sua infeliz filha.16

    Ciano voltou para a Abissnia em meados de fevereiro de 1936. Em 13 de abril, seu avio foi avariado e teve que fazer novo pouso forado. Apesar de suas sombrias previses, os italianos estavam na iminncia da vitria e, em 30 de abril, suas tropas chegaram a sessenta milhas de Addis Abeba, a capital. Ciano sobrevoou esta cidade para testar as defesas inimigas. Ainda no conseguira igualar a audcia do pai e agora era a sua oportunidade. Decidiu aterrissar no aeroporto de Addis Abeba, aprisionar algum aviador ou soldado para obter informaes sobre as defesas inimigas e, em seguida, escapar e voar de volta base. O plano era audacioso, mas, ao contrrio das faanhas militares do pai, extremamente imprudente. Seu avio realmente chegou a tocar na pista de grama, mas metralhadoras inimigas abriram fogo e a aeronave foi alvejada 25 vezes. Ciano levantou voo e sobrevoou a cidade por 45 minutos, mesmo com dois de seus tanques de gasolina atingidos, e acabou tendo problemas para retomar base. Antes de se afastar de Addis Abeba, lanou uma flmula do esquadro Disperata sobre a praa principal da capital. Recebeu uma medalha de prata por bravura, a segunda na guerra. A imprensa italiana alardeou seu herosmo. Mussolini telegrafou: Estou muito orgulhoso por seu voo sobre Addis Abeba.17 Como lembrana de sua aventura, Ciano levou para casa uma cadeira do avio crivada de balas. O adido de imprensa da embaixada inglesa em Roma, em relatrio para seu ministrio do Exterior que foi interceptado pelos italianos, informou, Os comentrios dos jornais rendem os mais repulsivos elogios participao do Conde Ciano na guerra.18 Galeazzo percebeu que a imprensa estava exagerando e recomendou a Dino Alfieri, que o substitura nas tarefas ligadas propaganda em Roma, para reduzir o nmero e o tom dos artigos a seu respeito.

    Addis Abeba foi ocupada em 5 de maio. Logo depois, Ciano reassumiu seu cargo no ministrio em Roma, e Mussolini de imediato o premiou com a nomeao para membro do Gran Conselho. Ciano

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    disse a seu amigo Vergam que, quando deixasse o cargo ligado propaganda, queria voltar diplomacia, desde que no fosse para Berlim. Prefiro os Estados Unidos, declarou. No preciso chegar Amrica com a mentalidade de inimigos da democracia (...) a Itlia deve fazer amigos no mundo. 19 Em 22 de maio, Ciano fez um pronunciamento para a Cmara de Deputados, ameaando destruir quem, sob pretexto artstico ou cientfico, violasse os valores do fascismo. Prometeu que as publicaes que transgredissem este alerta seriam eliminadas sem piedade.20 Mussolini juntou-se aos aplausos. Logo promoveria novamente o genro.

  • 3O M in ist r o d o E x t e r io r

    M a is M o o d a E u r o p a

    Em 9 d e j u n h o d e 1936, o Prncipe Marcello dei Drago, auxiliar do vice-ministro do Exterior Fulvio Suvich, soube que seu chefe estava na iminncia de perder o cargo e imediatamente se dirigiu para a praia em Castel Fusano, perto de Roma, para dar a importante notcia. L estava Ciano, recostado, no meio de um grupo de admiradoras, recordou dei Drago mais tarde. Puxei-o de lado e lhe disse Amanh voc ser o ministro do Exterior. Ficou muito emocionado e repetia, Ah, eu j sabia, mas no imaginava como, nem quando...'1

    Ciano, com o apoio de Edda, havia algum tempo se empenhava para chegar ao cargo. At ento, Mussolini era seu prprio ministro do Exterior, depois de afastar Dino Grandi para faz-lo embaixador na Inglaterra. Suvich conduzia as atividades do dia a dia do ministrio e entrara em choque com Ciano. Certa vez j dissera a Mussolini que a direo do Ministrio do Exterior devia ser substituda, pois no era fiel ao regime. A embaixada alem, em informao de 13 de fevereiro de 1936 para Berlim, comentou, Esta posio de Ciano cresce de importncia, tendo em vista que o atual ministro da Propaganda de forma alguma seria contra sua prpria nomeao para ministro do Exterior.2 Suvich era visto como contrrio a qualquer aliana com a Alemanha, e a designao de Ciano foi, de modo geral, interpretada em toda a Europa como manobra de Mussolini para reforar sua aproximao com Berlim.

    Ento com 33 anos, Ciano se tornou o mais moo ministro do Exterior da Europa. Sua designao no foi bem recebida pelos italianos comuns e surgiram referncias irnicas ao genrssimo

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    e ao arrivista cretino. Ciano tambm era impopular com a velha guarda fascista, a cujos membros indignava sua rpida ascenso, atribuindo-a to somente a seu matrimnio. Grandi assinalou que Ciano tinha cime da velha gerao de fascistas, e que Mussolini se aproveitava deste defeito e o encorajava. Por meio de Ciano, Mussolini pensava em se livrar, um aps outro, dos nomes do velho fascismo. O Duce estimulava este trao de sua personalidade, aproveitava-se de Ciano e usava-o como instrumento de sua poltica pessoal. Os alemes fizeram o restante. Conseguiram envolv-lo, transformando-o em fcil e flexvel instrumento de seu poder (...) Um mundo de prazeres o envolveu, completando o trabalho de corrupo iniciado por Mussolini e pelos germnicos.3 Mas talvez a opinio de Grandi seja excessivamente ctica, pois, no princpio, Mussolini admirava Ciano e fez dele seu principal confidente depois da morte do irmo Arnaldo em 1931. Era uma relao de pai e filho, entre homens no apenas de diferentes geraes, mas de origens distintas.

    Mussolini crescera em meio pobreza, filho de um ferreiro do interior. Embora mais tarde fosse professor e jornalista, em grande parte foi um autodidata que gostava de se gabar de suas origens camponesas. Ciano, ao contrrio, nasceu em famlia de posses, recebeu boa educao e transitava em crculos sociais mais seletos do que os freqentados por Mussolini em qualquer poca. Tendo vivido na Amrica do Sul e na China, possua naturalmente uma viso de mundo mais ampla que a de Mussolini. Concordavam apenas quanto posio da Itlia na cena internacional, mas, quando essa identidade de opinio deixou de existir, desapareceu a base de entendimento e eles marcharam inevitavelmente para uma coliso fatal.

    A semente do conflito l estava desde o comeo. Mussolini, com sua mente gil, mas no devidamente trabalhada, agia muitas vezes por instinto, emoo ou preconceito. Menosprezava o Vaticano e tudo que dissesse respeito Igreja catlica. Odiava a monarquia, a frouxa classe mdia italiana e a aristocracia. Ciano cultivava as ligaes com representantes do Vaticano e com o rei Vittorio

  • 30 O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    Emanuele III, identificava-se com a burguesia, e os integrantes de seu crculo de amigos e amantes provinham da aristocracia.

    Ainda que tivesse motivo para duvidar que chegara aonde agora estava por mrito prprio e Ciano no alimentava essa dvida - sua repentina ascenso a posies de destaque poderia virar a cabea de quase todos os jovens. Ficou pretensioso, beirando o ridculo, mas sua subservincia ao chefe que venerava como a um heri no podia ser maior. Certa vez, Filippo Anfuso disse a um amigo que comentar a maneira como Ciano procurava imitar o sogro era assunto proibido. Pode conversar qualquer coisa com ele, menos isso, declarou. Pode lhe dizer que ele no tem cultura, que as mulheres no gostam dele, que vai ficar gordo como o pai, mas no pode mencionar que imita Mussolini. Ele no percebe o que est fazendo. Sabe que imitar Mussolini seria uma gafe imperdovel e, acima de tudo, grosseira falta de gosto por parte de algum que, como ele, acredita ser um diplomata perfeito.4 Esse cuidado poderia funcionar com seus colegas, mas a imprensa estrangeira comentava com tal frequncia a forma como imitava Mussolini, que dificilmente deixaria de perceber o que estava fazendo. Seu gestual era to espalhafatoso que chegava a incomodar Mussolini. Depois de assistir a um filme de Ciano discursando em Florena, o Duce disse, Galeazzo devia saber se comportar. Esses cem metros de filme de Florena so perigosos, porque a voz e os gestos realmente no o favorecem (...) Em Florena o pessoal tem bons olhos e lngua comprida (...) O ridculo terrvel, no desperta simpatia em ningum.5

    Logo aps assumir o cargo, Ciano comeou a escrever um dirio, normalmente fazendo anotaes no fim do dia, ao deixar o trabalho. Esse o documento que Edda contrabandeou para fora da Itlia em 1944 e que continua sendo a mais consistente contribuio de Ciano para a histria, uma fonte de consulta primordial para bigrafos de Mussolini e historiadores que escrevem sobre a era fascista. Creio que um dos mais valiosos documentos histricos de nossos tempos, escreveu Sumner Welles aps a guerra. Quem se dispuser a ler todo o dirio ter a oportunidade de vislumbrar com

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    mais clareza a maneira de ser da Alemanha de Hitler e da Itlia de Mussolini, alm de compreender em toda sua extenso a degradao dos povos submetidos ao hitlerismo e ao fascismo ao longo dos anos em que o mundo quase todo tremeu diante dos parceiros do Eixo. Encontraro no dirio uma viso at ento desconhecida das maquinaes germnicas durante aqueles dias fatdicos.6

    Malcolm Muggeridge assinalou: A grande virtude do dirio de Ciano (...) (...) registrar os processos mentais, os sbitos acessos de raiva, a luxria e o sentimentalismo, as inconcebveis asneiras, espertezas e rabugices do bufo que por um quarto de sculo se imps ao povo italiano e, em boa parte desse perodo, Europa, como se estadista notvel fosse. Nenhuma descrio de Mussolini at hoje disponvel chega perto deste documento, em termos de verossimilhana. (...) Quem, em qualquer momento, estiver interessado em Mussolini, no pode deixar de ler Ciano. L est o homem, em toda sua insensatez e humanidade.7

    Ciano guardava o dirio num pequeno cofre em seu escritrio. Vez por outra conversava com Mussolini sobre o documento, e s vezes o Duce o alertava para que no deixasse de anotar alguma coisa especfica ocorrida naquele dia. Em determinada oportunidade, Ciano leu algumas passagens para Welles e tambm o discutiu com diversos amigos e colegas. Os alemes evidentemente tomaram conhecimento do dirio por intermdio de algumas daquelas pessoas e sabiam que continha referncias crticas e comprometedoras sobre as negociaes entre Alemanha e Itlia. O dirio tambm contm excelente relato sobre o temperamento instvel de Ciano, seus excessos e, aqui e ali, seu senso de humor. Em 31 de dezembro de 1937, teve um encontro com o embaixador noruegus na Itlia e anotou: Ele fala arremessando saliva, e tive de encurtar a conversa. E um velho na casa dos setenta, que preserva traos de marcante burrice.8

    Certa vez, Ciano perguntou a Dino Alfieri, que fora presidente da Sociedade de Autores e Editores, quanto achava que poderia valer a publicao do dirio. Alfieri avaliou em milhes de dlares. Ciano ficou satisfeito, mas disse que no seria publicado antes de

  • 32 O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    sua morte. Em seguida, deu uma gargalhada e disse, Acho que seria uma bomba se eu publicasse o dirio agora! Meus filhos cuidaro disso. Deixo para eles esta tarefa, que, na verdade, constitui uma herana importante.9 Tambm conversou sobre o dirio com Vergani. Creio que os americanos ficariam muito felizes se o pudessem ler, aventou. Quanto acha que uma agncia americana pagaria por ele? (...) Os alemes acham que no tenho o dirio comigo. Pensam, sem dvida, que escondo todas as pginas na Sua, ou mesmo nos Estados Unidos. E mais ou menos como o conto da Purloined Letter de Poe (...)10 Vergani perguntou se Mussolini sabia do dirio. Sabe e no sabe, como faz com todos os assuntos, respondeu Ciano. Surpreendente no dirio a existncia de poucas referncias a Edda, e as poucas que aparecem no a agradariam muito.

    Em 27 de setembro de 1937, Ciano escreveu, Buffarini (...) confidenciou que ontem Edda no teve uma recepo calorosa em Lucca. Lamento. E uma moa tima, mas que no se porta como deve e no gosta de multides. No gostam dela. E uma pena, pois possui notveis e singulares virtudes.11 O dirio de Ciano oferece aos historiadores um rico repositrio de memorveis citaes de Mussolini, algumas pungentes, outras maliciosas e mais algumas egomanacas. Eis alguns exemplos:

    19 de dezembro de 1937 Este o epitfio que quero em meu tmulo. Aqui jaz um dos mais inteligentes animais que j surgiram na face da terra.

    31 de janeiro de 1938 [Mussolini reclama da reao do Rei, que mal passa de metro e meio de altura, introduo do passo de ganso nas tropas italianas.] No tenho culpa se o rei fisicamente um toquinho. Claro que no pode desfilar sem parecer ridculo. Odeia esse passo pela mesma razo por que detesta cavalos. Precisa de uma escada para montar. Mas isso no motivo para, como tem feito, prejudicar o exrcito de uma grande nao. Dizem que o passo de ganso coisa de prussianos. De forma alguma. O ganso um animal romano, se verdade que salvou o Capitlio. Merece um lugar ao lado da guia e da loba.

  • 3. O ministro do Exterior mais moo da Europa 33

    20 de maro de 1938 [Depois da indignao mundial pelos ataques areos italianos em Barcelona.] (Mussolini) disse estar muito satisfeito porque os italianos tiveram sucesso semeando terror graas a sua agressividade e no divertindo como tocadores de bandolim. Em sua opinio, isso far com que melhore nosso conceito entre os alemes, que so adeptos da guerra total e impiedosa.

    13 de maio de 1938 - O Duce est cada vez mais contra os franceses. Diz que so um povo arruinado pelo lcool, a sfilis e o jornalismo.12

    A bajulao de Ciano a Mussolini tambm est no dirio. Em anotao de 4 de julho de 1938, afirma que comecei a chorar como criana ao ouvir Mussolini falando pelo rdio. Descreveu Mussolini como possuidor de um instinto infalvel, uma intransigncia frrea, um esprito grandioso, sempre frente dos acontecimentos e dos homens. O Duce tem sempre razo, sua viso sempre clara. Como um fantoche que entra em xtase ao ser tocado na cabea, escreveu: O Duce me telefonou para transmitir sua alegria. Esse o maior prmio que posso receber. E novamente: O Duce me elogiou inmeras vezes - isso to maravilhoso que nem sei como agradecer. A verdade que tudo que se faz para content- -lo e ser bem sucedido nisso me d a maior satisfao. Em uma das primeiras entradas do dirio depois de ser nomeado ministro do Exterior, escreveu, Em ltima anlise, o Duce e eu temos a mesma responsabilidade, ou podemos dizer, o mesmo mrito. Um dia o povo ver o quanto deve a ns dois...13

    Giordano Bruno Guerri, em sua biografia de Ciano, assinala a tendncia de Galeazzo a no apenas imitar o gestual do Duce, mas tambm a usar frases mais tpicas do rude Mussolini que do prprio Ciano. Mostra alguns exemplos:

    Invejo dos franceses a Galeria dos Invlidos e invejo dos alemes o Museu Militar. Pintura nenhuma supera uma bandeira capturada ao inimigo. Essa passagem Mussolini puro. O Duce muitas vezes menosprezava os tesouros artsticos da Itlia.

  • 34 O Conde Ciano, sombra de Mussolini

    No confio em estrangeiros que conhecem Dante. Querem nos ferrar com poesias.

    Nossas fronteiras, inclusive no Brenner, so defendidas no por tratados, mas pelo peito de 45 milhes de italianos. Assim sendo, nada temos a temer.

    A revoluo tem de atingir certos hbitos dos italianos. Precisam aprender a ser menos simpticos e a se tomar mais duros, implacveis e odiados, em suma, a serem chefes.

    lista de Guerri pode-se acrescentar esta entrada do dirio feita durante visita Polnia: Pintores, escultores e arquitetos demais representaram a Itlia na Polnia, no passado (...) Adoram em ns a poesia da pena, no a fora do sabre, no qual ainda no acreditam inteiramente. Devemos trabalhar arduamente para corrigir a m impresso que h sculos tm de ns.14

    Pouco h que duvidar da autenticidade do dirio. Ribbentrop, durante seu julgamento por crimes de guerra, tentou alegar que o dirio foi alterado e falsificado, mas as anotaes do dirio correspondem, quase em sua totalidade, aos arquivos oficiais. No entanto, o prprio Ciano, Edda e o editor italiano tentaram remover algumas pginas que o mostravam sob ngulo desfavorvel. As principais mudanas foram feitas pelo prprio Ciano depois de fevereiro de 1943 e dizem respeito a seu vergonhoso papel na agresso italiana Grcia.

    Por exemplo, retirou a pgina que continha a anotao de 27 de outubro de 1940 em um lado e a de 28 de outubro no outro. Tentando esconder a remoo da pgina, Ciano corrigiu as datas das pginas de 26 e 29 para 27 e 28 de outubro e escreveu algumas linhas sem relevncia. O ataque italiano Grcia foi lanado em 28 de outubro. Nove pginas do ano 1938 tambm foram retiradas e cobriam diversos dias de janeiro, maro, junho, julho e dezembro. Isso constitui um enigma, pois nada de maior significao aconteceu nesses dias e cobriram perodo em que seu relacionamento com Mussolini era excelente.

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  • 3. O ministro do Exterior mais moo da Europa 35

    Especula-se que Ciano e Edda removeram pginas embaraosas para eles, que abordassem aspectos de vida pessoal ou negcios questionveis de Ciano. Vrias frases relacionadas com planos de Ciano para o assassinato do rei Zog, da Albnia, foram retiradas das pginas de 1938 na edio italiana, imediatamente antes da publicao pela editora Rizzoli em 1946. Houve outras passagens retiradas de um dia para outro, mas essas alteraes foram corrigidas quando, mais tarde, a Rizzoli publicou uma edio em volume nico. Possivelmente alguma matria julgada de menor interesse para leitores ingleses foi eliminada na edio inglesa do dirio. A edio mais completa e precisa foi a francesa.15

    Sumner Welles diz que Ciano era totalmente subserviente a Mussolini: O Conde Ciano era um homem a quem no faltava dignidade pessoal e coragem fsica, mas, mesmo assim, o vi submisso