o conceito de imitação na pintura renascentista e impressionista

8
Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia> Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p. 43-50, 1998/1999 O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURA RENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA Maria Tereza Resende Raposo (COFIL-FUNREI) Orientador: Professor Alberto Tibaji (DELAC-FUNREI) Resumo: O trabalho pretende discutir o significado e o alcance da ruptura da pintura Impressionista do século XIX com a Renascentista do Quattrocento, em função de seus conceitos de imitação e expressão da realidade e do real; comparar os esquemas de composição, os sistemas de figuração, as expressões plásticas, as representações de espaço e as conquistas de novas técnicas e, finalmente, mostrar que a pintura não é uma representação do real, mas uma expressão da interação mundo-artista. Palavras-Chave: Mimese. Quattrocento. Impressionismo. Abstract: The work intends to discuss the meaning and the reach of the rupture of the painting Impressionist of the century XIX with Renascentist of Quattrocento, in function of its concepts of imitation and expression of the reality and of the real; to compare the composition outlines, the figuration systems, the plastic expressions, the space repre- sentations and the conquests of new techniques and finally to show that the painting is not a representation of the real, but an expression of the interaction world-artist. Key word: Mimese. Quattrocento. Impressionism. Introdução arte sempre foi um valioso recur- so cultural; promove a comunica- ção, a transmissão de conheci- mentos, a abordagem das relações ho- mem-natureza e a expressão e criação humanas. Um dos primeiros conceitos de arte, criado pelos gregos e que, por lon- gos séculos, constituiu a principal refe- rência artística foi o conceito de imita- ção, chamado de mimese. A mimese pode ser identificada, a partir sobretudo de Aristóteles, com a função de ligar o mundo sensível ao ideal-divino; ou com o sentido de cópia em conformidade e semelhança com o modelo real e natural; ou ainda interpretada como alegoria de exemplos éticos/morais/religiosos. Sa- bemos hoje que mimese significa mais que uma simples imitação. Para discu- tir este conceito vamos abordar a produ- ção pictórica em dois períodos e locais distintos: o Renascimento do séc. XV, denominado Quattrocento, na Itália, e o Impressionismo do séc. XIX, na França. O século XV, o Quattrocento da História das Artes, foi um importante estágio na expressão plástica sob o ponto de vista da imitação. Valendo-se do aperfeiçoa- mento e utilização da pintura a óleo, da aplicação de técnicas de perspectiva, das regras de redução das dimensões, do sistema das linhas de fuga, da esco- lha do ponto de fuga único, da redução para o ponto de vista monocular e sob a influência do espírito científico e filosófi- co racional da época, os artistas desen- volveram um sistema pictórico capaz de satisfazer as necessidades figurativas da época. Este sistema buscava o racional figurativo, o realismo pitoresco, e a fide- lidade da representação. Segundo Pierre Francastel, a tentativa de imitação do real no Renascimento não é definitiva e nem única. Conforme a mudança do ritmo da existência, confor- me a avaliação filosófica, social ou ide- ológica de grandezas, do eterno, do con- tingente, haverá a descoberta de outros sistemas para reprodução de aspectos que a percepção renascentista não ex- pressou. Novos propósitos de imitação do real serão procurados, por exemplo, pelos pintores do Impressionismo. No séc. XIX há um remanejamento da imagem em conseqüência de um enriquecimento do vocabulário plástico e da inauguração de novos conceitos e técnicas. A pintura dos impressionistas é, até certo ponto realista, figurativa, não muda os funda- A

Upload: paula-braga

Post on 18-Dec-2014

37 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Maria Tereza Resende Raposo

TRANSCRIPT

Page 1: O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURA RENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia>

Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p. 43-50, 1998/1999

O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURARENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA

Maria Tereza Resende Raposo (COFIL-FUNREI)Orientador: Professor Alberto Tibaji (DELAC-FUNREI)

Resumo: O trabalho pretende discutir o significado e o alcance da ruptura da pinturaImpressionista do século XIX com a Renascentista do Quattrocento, em função de seusconceitos de imitação e expressão da realidade e do real; comparar os esquemas decomposição, os sistemas de figuração, as expressões plásticas, as representações deespaço e as conquistas de novas técnicas e, finalmente, mostrar que a pintura não éuma representação do real, mas uma expressão da interação mundo-artista.

Palavras-Chave: Mimese. Quattrocento. Impressionismo.

Abstract: The work intends to discuss the meaning and the reach of the rupture of thepainting Impressionist of the century XIX with Renascentist of Quattrocento, in function ofits concepts of imitation and expression of the reality and of the real; to compare thecomposition outlines, the figuration systems, the plastic expressions, the space repre-sentations and the conquests of new techniques and finally to show that the painting isnot a representation of the real, but an expression of the interaction world-artist.

Key word: Mimese. Quattrocento. Impressionism.

Introdução

arte sempre foi um valioso recur-so cultural; promove a comunica-ção, a transmissão de conheci-

mentos, a abordagem das relações ho-mem-natureza e a expressão e criaçãohumanas. Um dos primeiros conceitos dearte, criado pelos gregos e que, por lon-gos séculos, constituiu a principal refe-rência artística foi o conceito de imita-ção, chamado de mimese. A mimesepode ser identificada, a partir sobretudode Aristóteles, com a função de ligar omundo sensível ao ideal-divino; ou como sentido de cópia em conformidade esemelhança com o modelo real e natural;ou ainda interpretada como alegoria deexemplos éticos/morais/religiosos. Sa-bemos hoje que mimese significa maisque uma simples imitação. Para discu-tir este conceito vamos abordar a produ-ção pictórica em dois períodos e locaisdistintos: o Renascimento do séc. XV,denominado Quattrocento, na Itália, e oImpressionismo do séc. XIX, na França.

O século XV, o Quattrocento da Históriadas Artes, foi um importante estágio naexpressão plástica sob o ponto de vistada imitação. Valendo-se do aperfeiçoa-mento e utilização da pintura a óleo, daaplicação de técnicas de perspectiva,das regras de redução das dimensões,

do sistema das linhas de fuga, da esco-lha do ponto de fuga único, da reduçãopara o ponto de vista monocular e sob ainfluência do espírito científico e filosófi-co racional da época, os artistas desen-volveram um sistema pictórico capaz desatisfazer as necessidades figurativas daépoca. Este sistema buscava o racionalfigurativo, o realismo pitoresco, e a fide-lidade da representação.

Segundo Pierre Francastel, a tentativade imitação do real no Renascimentonão é definitiva e nem única. Conforme amudança do ritmo da existência, confor-me a avaliação filosófica, social ou ide-ológica de grandezas, do eterno, do con-tingente, haverá a descoberta de outrossistemas para reprodução de aspectosque a percepção renascentista não ex-pressou.

Novos propósitos de imitação do realserão procurados, por exemplo, pelospintores do Impressionismo. No séc. XIXhá um remanejamento da imagem emconseqüência de um enriquecimento dovocabulário plástico e da inauguraçãode novos conceitos e técnicas. A pinturados impressionistas é, até certo pontorealista, figurativa, não muda os funda-

A

Page 2: O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURA RENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA

RAPOSO, Maria Tereza Resende. O Conceito de Imitação na pintura ...

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia>

Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p.43-50, 1998/1999

44

mentos da representação e da morfolo-gia da arte, mas renova o sistema decodificação. Seu esquema de composi-ção é análogo ao clássico, mas elaboranova linguagem plástica para reproduziro real. É que o real deixa de ser registromecânico de uma visão bruta e docu-mental. Há outras dimensões da realida-de, mais efêmeras talvez, mas que atin-gem estruturas mais íntimas, segredosda vida, sensações ligadas à emoção,ao sentimento, à experiência vivida. Aquia cor e a luz são fundamentais. A cortem significação espacial absoluta enovo espaço plástico vai se processan-do. Desaparece a linha e a forma é dadapela cor e pelos efeitos da luminosidadeatmosférica. Entretanto, como o real nãoé mais definitivo nem eterno, pelo con-trário, é efêmero, fugaz e inexaurível -surge a impossibilidade da imitação nosentido primordialmente atribuído à mi-mese.

2. O Renascimento

No Quattrocento algo importante acon-teceu na arte pictórica renascentista. Emespecial na Itália, em Florença, desen-volveu-se um sistema de figuração emperspectiva, uma representação plásticaque, pelos quatro séculos seguintes,satisfez as necessidades figurativas dacivilização ocidental.

Começou com Brunelleschi, na constru-ção da cúpula da catedral de Santa Ma-ria del Fiori. Ali ele materializou a espe-culação teórica sobre a luz e o espaço,explorou as relações dos planos, o ma-nejo pictórico e escultural e demonstrouque “a luz é manejável tanto quanto aforma”1. Através dos cálculos que re-sultaram na edificação de sua cúpula,mostrou ser possível levar em conta umelemento impalpável: a luz. E através daluz, fazer a ligação de objetos distancia-dos. Doravante as superfícies serão en-caradas como o ponto de encontro deplanos no espaço. A partir das contribui-ções de Filippo Brunelleschi e de LeonBattista Alberti, posteriormente elabora-das por Leonardo da Vinci, o infinito ga-nha uma representação espacial atravésda perspectiva cônica. Esta técnica pro-cura um realismo ótico com as imagens 1 Francastel, Pierre. Pintura e Sociedade. p.30.

diminuindo de tamanho à medida que seencontram mais afastadas e com aslinhas convergindo para um mesmoponto, o ponto de fuga. O ponto de en-contro das linhas é o lugar em que aação se perde na distância e por istorepresenta o infinito.

Na pintura Quattrocentista aplicou-sepela primeira vez as regras de reduçãodas dimensões pela distância. O sistemade linhas de fuga pôs fim ao sistemamedieval de compartimentação e abriucaminho para uma nova pintura, umnovo método de representação do espa-ço e da luz. Inicialmente isto se deu emmúltiplas experiências, sem fórmula de-finitiva. Apurou-se a técnica da pintura aóleo, que aliada à introdução da pers-pectiva, transformou a intenção da mi-mese em possibilidade.

O novo sistema aplicou as leis da pers-pectiva linear de Euclides, reduziu oponto de vista à visão monocular, àmesma escala, estabeleceu ponto con-cordância das coordenadas geométricas,escolheu um ponto de fuga único nofundo do quadro.

A pintura do Quattrocento é devedorados cenários e acessórios tradicionais doteatro antigo e medieval - rochedos,troncos, arcos, colunas, pavilhões - é poristo mais próxima dos cenários de teatrodo que da realidade das ruas de Floren-ça. Utilizaram-se temas clássicos, religi-osos e míticos porque ainda não se con-seguia romper com os parâmetros mo-rais convencionais mas, gradualmente,foram sendo substituídos os signos denotação das crenças religiosas medie-vais e os acessórios cênicos do teatro eda arquitetura clássica presentes emsuas propostas por um novo sistema derepresentação. Só gradualmente pôs-sefim à compartimentação e à representa-ção medievais conservadoras cujo obje-tivo era visualizar representações mo-rais.

Multiplicaram-se experiências na primei-ra metade do Quatttrocento, às vezescontraditórias ou hesitantes e sem fór-mula definitiva. Gradualmente foramsubstituindo o conservador pelo inova-dor. A renovação não foi invenção re-pentina como opção estético-social.Gradualmente o corte de silhuetas ou afiguração em relevo de grupos escultu-

Page 3: O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURA RENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA

RAPOSO, Maria Tereza Resende. O Conceito de Imitação na pintura ...

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia>

Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p.43-50, 1998/1999

45

rais foi sendo substituída pela fórmula“dos corpos tornados maciços unica-mente pelos efeitos da luz”2. Só bemtarde vem a organização unitária do es-paço e integração de planos distantes.Primeiro apareceu em forma de virtuali-dade, depois como sistema susceptívelde aplicação e enfim como método.

No Renascimento permaneceram signosconvencionais de crenças e valores, sóque dentro de novas técnicas pictóricas.Seu alcance foi precedido pelo giottismo,sucedido pela primeira geração doQuatttrocento (Masaccio, Masolino, An-gelico, Castagno), evoluiu na metade doQuattrocento (Ucello, Donatello), paraque a terceira geração quattrocentista jáencontrasse fixadas as leis de figuraçãoespacial.

De início houve a aplicação da fórmulade Alberti, denominada cubo de Alberti,formulada com rigidez como regra deouro na representação do espaço na telade duas dimensões. Na fórmula de Al-berti, as imagens se inscrevem no interi-or de um cubo aberto de um lado. Dentrodeste cubo um universo reduzido, obe-dece a leis da física e da ótica. Todas aspartes mensuráveis estão na mesmaescala, os lugares e objetos estão dentrodo ponto de concordância de coordena-das geométricas, ou seja, há conserva-ção das horizontais e verticais em qual-quer distância e a visão monocular écaptada de um ponto fixo. Desta maneiraele pretende que tudo o que for repre-sentado apareça como em relevo. Estaconcepção de espaço fechado, cúbico,de Alberti, suscitou o respeito e seduziumuitos artistas porque antes eles extraí-am efeitos de profundidade precaria-mente, só dos espaços cênicos. Aomesmo tempo a imposição de uma uni-dade e concentração iconográfica entraem conflito com a necessidade de re-presentar espaços abertos e extensos.Para resolver isto os artistas deram àsvastas extensões uma visão reduzida edistante, com tratamento arbitrário efragmentário que, “embora apresentenitidez é irreal quanto à perspectiva econtrário à lei dos campos ópticos”3.

2 Francastel, op. cit, p. 15.3 Id., ibid., p.37

Nas admiráveis paisagens de fundo dosquadros do Renascimento, temos deidentificar outra técnica aplicada paraconseguir os efeitos de profundidade eextensão do espaço. O recurso é deno-minado de “veduta” e consiste em re-cortar uma janela na parede do cubo queabre uma vista para a natureza. Estajanela pode ser fictícia e estar localizadaentre dois motivos ou dois membros deuma figura , por exemplo. O fato é queela permite acrescentar a extensão quefaltava ao espaço fechado e permitevisualizar representações objetivas oumorais.

3. O Impressionismo

A primeira grande ruptura linear se deucom o Impressionismo. A Europa do finaldo séc. XIX não aceitou imediatamenteo impressionismo porque ela era palcode propostas lineares e acadêmicas(Neo-classicismo, Romantismo e Rea-lismo). O trabalho clássico, perfeccio-nista, que chegava a corrigir imperfei-ções do modelo, dava grande valor àproporção e ao equilíbrio, era mais dese-nho que côr, mais impessoal que pesso-al, tinha temáticas relativas à nobreza, àmitologia. Ex: Caravaggio. O trabalhoromântico, também acadêmico, era car-regado de subjetivismo - transmitia an-gústia, cólera, alegria, dramaticidade.Era mais colorista que desenhista. Orealista era linear, acadêmico, retratavaa realidade nua e crua, como se via.Pintava como se tivesse vendo o mundoatravés de uma vidraça. Ex: Coubert.

Mas, um desejo de mudança torna-secomum entre intelectuais e artistas mar-ginais influenciados por Charles Baude-laire. Baudelaire desejava que os verda-deiros artistas fossem “pintores da vidamoderna e tivessem um olhar de infân-cia”4, isto é, que houvesse compromissodo pintor com o seu presente e que seuolhar fosse desprovido de preconceitos.O contexto político-social favorecia avinculação entre a arte não-acadêmica ea vanguarda engajada politicamente, detal maneira que o desejo de mudançaentre eles se traduzia em tentativas dereformulação pictórica. A partir das expe-riências das pinturas de paisagens ao ar 4 Coli, Jorge, “Manet: o enigma do olhar”, p.233.

Page 4: O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURA RENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA

RAPOSO, Maria Tereza Resende. O Conceito de Imitação na pintura ...

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia>

Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p.43-50, 1998/1999

46

livre da Escola de Barbizon (só possívelcom a industrialização da tinta a óleo emtubos metálicos facilmente transportá-veis); da introdução de novos elementostemáticos (o povo desfavorecido, o tra-balho, as cidades nascidas do industria-lismo) e da popularização da fotografiacomo recurso de reprodução da imagem,a pintura fica mais livre para trilhar novocaminho. Este novo caminho vai possi-bilitar a expressão da própria capacidadeplástica e técnica do artista que procurana natureza o material pictórico.

Em Paris, entre 15 de abril e 15 de maiode 1874, no atelier do fotógrafo Nadar,aconteceu a primeira exposição dos ar-tistas excluídos e rejeitados pela eliteacadêmica. Foram chamados de “im-pressionistas” pelo crítico de arte L. Le-roy, no jornal Le Charivari, que os asso-ciou pejorativa e hostilmente com o títuloda obra “Impressões do Sol Nascente”,de Claude Monet.

No Impressionismo há luz, sol, cor, mo-vimento que passa, desaparece a linha,o artista sai do ambiente fechado de seuatelier e pinta à luz do dia. A arte liberta-se da escravidão linear e a forma é dadapela cor, com amplas pinceladas. Oartista abandona a luz única de seu ate-liê, trabalha sob luz difusa e descobreque a luz do sol produz diferentes tonali-dades nos elementos da natureza. Oartista pinta a árvore do meio-dia comum tom avermelhado e da tardinha comum tom azulado. A pintura passa a serconstruída rapidamente para não perdero momento em que passa e por isso opintor não entra em detalhes.

Em resumo, são características da pintu-ra Impressionista:

• Trabalho fora do atelier, direto nanatureza.

• Pintura sobre o motivo, sem idéiaspreconcebidas.

• Concepção da pintura como estudopreciso das aparências.

• Submissão da teoria à experiência.• A forma é resultante da cor.• Percepção instantânea, dispersa,

dissolvida, leve, atmosférica.• Uso das 7 cores do prisma.• Eliminação dos terras, ocres e ne-

gros.• Justaposição de cores.• A luz e reflexos cobrem os objetos.

• Objetos são envolvidos em muitaluminosidade, sombras claras.

• Construção rápida.• Pinceladas curtas, vírgulas, manchas

descontínuas e multicores.• Abolição do contorno que precisa

forma e sugere volume.• Ausência de contraste violento entre

claro-escuro.• Sombras nuançadas, coloridas com

reflexos.

Impressionismo não é ainda arte moder-na, mas é ruptura linear com as técnicasanteriores, é ruptura com o clássico, énova técnica a partir da qual surgirá aArte Moderna. Não se pode exagerar aruptura do impressionismo com os mo-vimentos anteriores. De início há amplia-ção e não rejeição pois o século XIXconserva enquadramento, planos seleci-onados, esquemas de composição. Co-meça a haver uma distância entre cor edesenho. Enquanto a crítica censura ostemas e as técnicas, os impressionistasavançam em sua pintura “realista” e po-ética, num estilo próximo do real, inde-pendente do tema e com renovado sis-tema de codificação do espaço imaginá-rio. Há uma crise de expressão sem mu-dar a morfologia da arte e os fundamen-tos da representação.

Uma geração de pintores transformou asrelações entre pintor-natureza, entrepintor-espectador, com invenções técni-cas revolucionárias. Avançaram peno-samente, eles hesitaram, foram maisprecursores que realizadores. O Impres-sionismo não é receita descoberta re-pentinamente e suas obras não são pro-dutos só de teorias e de ideologias. De-terminado número de obras dos impres-sionistas possibilitou evolução da lingua-gem visual, transformou figuração doespaço, libertou artistas de convençõesseculares, introduziu pesquisa.

O alcance desta transformação é seme-lhante à do Quattrocento porque é umaelaboração simultânea e coerente designos e representação imaginária, élinguagem nova para o seu tempo. Talcomo o Renascimento, o Impressionismotenta elaboração de nova linguagemplástica, tende a substituir sistemas figu-rativos do espaço por outros mais adap-tados às preocupações técnicas e senti-mentais. O que o Impressionismo faz éromper com a história das imagens e se

Page 5: O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURA RENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA

RAPOSO, Maria Tereza Resende. O Conceito de Imitação na pintura ...

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia>

Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p.43-50, 1998/1999

47

preocupar com fenômenos óticos: refle-xos, transparências, saturação da at-mosfera, variação de tons, mudanças deluminosidade.

Um aspecto lírico foi apreendido de iní-cio, dando valor expressivo e original aouso das novas técnicas. É preciso sabero alcance e influência do registro dassensações luminosas no modo de repre-sentação do espaço. Há uma nova redede signos significativos (sombras verdese azuis). O sistema combina espaço equalidade da cor. Também antes o verdeindicava distanciamento, o azul repouso,o vermelho movimento. Mas enquantono renascimento o contorno era geomé-trico, no impressionismo os limites sãodados pelas manchas de cor, há umareelaboração da relação linha e cor,numa inversão técnica, e não da visão,que permite nova figuração do espaço,ainda fiel a concepções do imaginário ede acordo com nível mental e social.Portanto, ela integra novos elementos doespaço sensível, mas não subverte osistema figurativo. Modifica técnicas dafigura espacial, descobre novos proble-mas (tema, ar livre, notação diferencialdas reações da luz com as formas). Im-pressionismo é ponto de partida de pes-quisa que vai prosseguir na renovadaarte moderna. Ele faz especulações so-bre o espaço, faz exercícios de desarti-culação do cubo de Alberti, integra espa-ço imaginário a experiências íntimas. Aruptura não foi na recusa do cenário pito-resco, mas foi no aprofundamento dasestruturas íntimas, dos segredos da vida,do mistério da sensação. O impressio-nismo procura visão mais inquisitiva,numa atitude nova semelhante ao des-envolvimento da filosofia. Como o tempopossui apenas uma realidade, a do ins-tante, os atos de criação dos impressio-nistas são instantâneos. Segundo MottaPessanha, esta é a razão pela qual Mo-net fica numa “contínua tortura de tentarseguir a natureza sem poder alcançá-la.É o instante efêmero, súbita morada dopoético”5 o que Monet quer aprisionarcom suas tintas. Ele quer notar a rápidae fugitiva impressão, o triunfo da sensa-ção sobre a concepção racional. Paratanto, o desafio é multiplicar artimanhasda linguagem pictórica na tentativa dedeter na tela a passagem ininterrupta do 5 Pessanha, J. A. M. “Bachelard e Monet: oolho e a mão”, p. 160.

tempo revelado na itinerância daluz/sombra. Na marca que o instanteimprime no corpo da natureza, na pega-da do fluxo universal e infinito ele quer“Captar a alteridade do mesmo que ésempre outro quando visto sob outraluz”6, mas tudo isto com recursos exí-guos e finitos. Por isto as catedrais deRouen ora são aéreas, de matéria azul,ora são esponja de luz ao sol.

Depois de atingir o ponto máximo dereconhecimento, o Impressionismo tam-bém se transformou e sofreu variaçõescom o neo-impressionismo, ou pontilhis-mo, ou divisionismo. Algumas tendênciasindividuais são elaboradas criando novosmecanismos estéticos de percepçãoluminosa, cromática e temática precurso-ras da arte moderna. Os precursores daArte Moderna têm raízes no impressio-nismo:

• Van Gogh - evolui para expressio-nismo;

• Paul Gauguin - evolui para fovismoou fauvismo;

• Paul Cézanne - evolui para cubismo.

No Impressionismo há uma dificuldadequase paradoxal também para pintar ocotidiano, o efêmero, surpreendido peloolhar e perenizado na tela. As soluçõestentadas pelo Impressionismo são estra-tagemas múltiplos e conjugados parafixar o passageiro, perenizar o efêmero,resguardar a acidentalidade fugaz. Comoreferência mais usual citamos a série detelas das ninféias, onde Monet investigaa reflexão da natureza na superfície daságuas e acrescenta sua imaginação cria-dora para então nos privilegiar comexemplos de expressão da interaçãohomem-mundo.

4. A Arte não é mera cópia

Entretanto, pode-se afirmar junto comPierre Francastel que, no Renascimento,a ambientação-padrão, não real, já queera procedimento de ateliê - acaba im-pedindo a imitação da verdadeira reali-dade: “A realidade, embora imitada comnitidez, acaba sendo irreal”7

6 Id., ibid. p.1607 Francastel, op. cit, p. 38.

Page 6: O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURA RENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA

RAPOSO, Maria Tereza Resende. O Conceito de Imitação na pintura ...

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia>

Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p.43-50, 1998/1999

48

É preciso que o espectador das obrasfaça um exercício ativo para integrar oselementos das imagens, estabelecendouma unidade entre elas a partir de seuespírito e não da coerência obra. Por-tanto, a obra renascentista oferece umailusão da realidade. Ela pretende serimitativa porque foi edificada num siste-ma de alto nível técnico e racional deespeculação teórica sobre a luz, o traço,o espaço, a relação dos planos, o manejopictórico e o uso de técnicas positivas.

A visão nunca será total nem exata por-que “o quadro não é duplo da realidade,não é registro, é signo”8. O que está natela não é o real nem o pensado, é umsigno, um sistema de linhas, manchas,dos quais o exercício ativo humano ex-trai elementos e os integra.

Na verdade, o Quattrocento se caracteri-za por ares de busca do mais complexoe mais humano. Os detalhes das obras,selecionados pelo interesse e pelo en-canto, são inseridos no trabalho dentrodo maior rigor técnico vigente nos ateliêse, ainda segundo Francastel, “mesmoquando representados com nitidez, aca-bam sendo irreais”9.

Este é um aparente contra-senso artísti-co: o Renascimento, nascido do espetá-culo da natureza e fielmente interpretadoacaba sendo arte de ateliê. Há uma apa-rente contradição, mas o fato é que aambientação-padrão impede a imitaçãoda realidade, e “esta realidade, emboraimitada com nitidez acaba sendo irre-al”10.

O Quattrocento foi feliz ao inaugurarnovo estilo plástico junto com nova atitu-de que aliava a técnica ao espírito. Atransformação dos espíritos foi maissignificativa que a descoberta do métodode quadriculação, que o sistema de pro-jeção geométrica, que a adoção de pontode vista único. A descoberta do novosistema foi um produto de atitude doespírito humano, uma renovação damatéria imaginativa, que, aliada a técni-cas positivas conquistaram um espaçofictício, um ambiente-padrão não real.Isto afinal ilustra a concepção de que o 8 Id. Ibid., p.389 Francastel, op.cit. p.3810 Id.Ibid.,p. 38

homem é um ator eficaz e não um repro-dutor da cena do mundo. A ambientaçãoproduzida no espaço pictórico é criação,projeção de necessidades e experiênciasdentro de sistemas simbólicos que vãoda matemática, da geometria, da estéticaaté a significação social. Na verdade, asnovas técnicas e a aplicação da geome-tria vieram “fornecer meios para o ar-ranjo de um novo material imaginário”11.

A pintura enquanto linguagem é umaalternativa de apresentar, representar,expressar, criar ou recriar o mundo - éuma resposta ao desafio da inserção doartista no mundo provocativo da imagi-nação.

Há uma inovadora concepção de imagi-nação de Bachelard a Merleau-Ponty. Aimaginação não é faculdade de reprodu-ção, fabricação ou manipulação de cópi-as ou duplos dos objetos reais. DesdeBachelard, que se rebelou contra a tradi-ção da pintura como metáfora, alegoria,mimetismo, trampolim entre sensível einteligível, imagem como passagem en-tre real e conceitual, em detrimento daimaginação. A imaginação não é facul-dade de formar imagens da realidade,mas “de formar imagens que ultrapas-sam a realidade, que cantam a realidadenuma sobre-humanidade”12.

Na verdade, não é em função do realmas em função do irreal que a mão dopintor escolhe, arbitra, cria, atinge objetomaterial que, às vezes, é resistente. Opintor tem a oportunidade de criar, imporà corporeidade do mundo os seus deva-neios e a sua vontade. Então, o papel, afibra, a pedra, a madeira, a tela, sãoprovocações para a mão sonhadora seautodeterminar e impor sua vontade aocorpo do mundo. Ao recuperar as raízesdos mitos, dos devaneios infantis, aorecuperar a experiência originária deinserção do corpo do homem no corpodo mundo, o pintor toca o mundo emsua concretude sem reduzi-lo a umpanorama de totalidade ou unidade de-finitivas.

Conclusão

11 Id.Ibid p. 42.12 Pessanha, op.cit, p.153

Page 7: O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURA RENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA

RAPOSO, Maria Tereza Resende. O Conceito de Imitação na pintura ...

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia>

Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p.43-50, 1998/1999

49

A criação de novo estilo plástico noQuattrocento tem a ver com a mudançade posição do homem em relação aDeus e ao universo. O mundo medievalera uma representação do pensamentode Deus e a natureza era uma realidadeem si. No Quattrocento houve um esfor-ço gradativo e racional de distinção entreo material e o moral para no final valori-zar o homem. Há um crescimento apartir do séc. XV, no sentido do racionalfigurativo, do realismo pitoresco, do in-ventário dos usos, costumes, lugares,gestos da sociedade, que preparam asfuturas liberalidades do homem influen-ciado pela filosofia. O espaço do renas-cimento afinal não foi um sistema derepresentação fiel, antes foi um produtodo espírito, uma renovação da imagina-ção que, ao usar novas técnicas con-quistou um espaço fictício, aquele daambientação-padrão, não real.

Leonardo havia usado exaustivamenteas relações de grandeza que o olhoapreende e leis de projeção a partir defoco único. Isto foi visto como a chaveda representação e se banalizou aoponto de se acreditar, ainda hoje, queexiste representação objetiva e realistado mundo e que ela foi descoberta noQuattrocento. Algumas histórias da arte,equivocadamente, atribuíram ao renas-cimento a abordagem decisiva da repre-sentação “verdadeira” do mundo exterior.

Mas lembremos que quando o pintortranspõe um objeto para a tela, mesmosob regras intransigentes, ele nunca re-produz a imagem exata do que está ven-do. O ideal de representação fiel é umailusão. Não é somente o espírito quepinta, é o corpo que, operante, num en-trelaçado dos sentidos - em especial oda visão - e do movimento habilidosodas mãos e dos dedos, faz a transubs-tanciação e transforma o mundo empintura. Entre a imagem percebida e a

imagem criada está a imagem imaginadapela percepção, pela memória, que édiferente da imaginação reprodutora doreal e extensiva da ótica.

Na verdade, o universo não é um dadoque o homem apenas decifra ou um ob-jeto cujos segredos podem ser reveladose desvendados pela intuição, pela ciên-cia ou pela arte. O espaço não é realida-de em si, mas sim a experiência do ho-mem, e a perspectiva não é lei cons-tante do espírito humano. A forma comoo olho vê ou acredita ver não é a mesmaque as leis da perspectiva impõem ànossa razão. Pela educação convencio-nal somos levados a desenvolver a pers-pectiva euclidiana como evidência eilusão perfeita da realidade. Mas as pes-quisas modernas sobre a análise do espí-rito humano provam a possibilidade deconceber várias formas na linguagemplástica ou falada. Nas palavras de Fran-castel, “a idéia de um espaço naturalimutável, que as artes só fariam transporcom mais ou menos fidelidade, opõe-sea tudo o que sabemos das estruturas dapercepção e do pensamento13..

O espaço plástico deixa de satisfazeraos propósitos dos pintores quando no-vos tempos abrem novos horizontes esonhos e visões. Com a quebra do equi-líbrio entre ações e idéias tanto os artis-tas quanto a sociedade saem daqueleespaço plástico gradativamente e lançamnovas bases para a arte. Há outros mei-os, não para interpretar a natureza, maspara dobrá-la à vontade humana. Com amudança do ritmo da existência, com amudança de avaliação das grandezas,das distâncias, do eterno, do contingente,haverá a descoberta e posse de outrasverdades, de outras visões que criarãonovo espaço para novas escolas deapreciação e valor da arte.

13 Pintura e Sociedade, p. 42.

Referências Bibliográficas

COLI, Jorge. O que é arte ? São Paulo : Brasiliense, 1990.

__________. “Manet: o enigma do olhar”. In: NOVAES, Adauto e outros. O Olhar. São Paulo :Companhia das Letras, 1988.

FRANCASTEL, Pierre. Pintura e Sociedade. São Paulo : Martins Fontes, 1990.

Page 8: O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURA RENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA

RAPOSO, Maria Tereza Resende. O Conceito de Imitação na pintura ...

Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia>

Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p.43-50, 1998/1999

50

PESSANHA, José Américo Motta. “Bachelard e Monet: o olho e a mão.” In: NOVAES, Adauto eoutros. O Olhar. São Paulo : Companhia das Letras, 1988.

WOLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais da história da arte. São Paulo :Martins Fontes,1989.