o conceito de elemento

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    QUMICA NOVA NA ESCOLA N 16, NOVEMBRO 2002

    A seo Conceitos cientficos em destaque tem por objetivo abordar, de maneira crtica e/ou inovadora, conceitoscientficos de interesse dos professores de Qumica.

    O conceito de elemento

    Uma das maneiras de utilizar ahistria da Cincia para melhoraro ensino consiste em realizaruma anlise histrica da gnese do co-nhecimento cientfico e da sua cons-truo.

    Entre as possveis estratgias paraalcanar esses objetivos, tem-se aidentificao dos chamados concei-tos estruturantes das cincias e umaanlise da sua evoluo histrica.Segundo Gagliardi (1988), os concei-tos estruturantes so aqueles quepermitiram e impulsionaram a transfor-mao de uma cincia, a elaboraode novas teorias, a utilizao de novosmtodos e novos instrumentos concei-tuais.

    O conceito de elemento qumico um dos mais importantes da Qumica,podendo ser considerado, de acordocom a proposta de Glagiardi, como umconceito estruturante que, ao lado detantos outros, como tomo, molcula,substncia, reao qumica, ligaoqumica etc., foram fundamentais parao desenvolvimento dessa cincia.

    Atravs do uso da histria e episte-

    mologia da Qumica, podemos conhe-cer a gnese desse conceito, as vriasconcepes que se sucederam nosseus diferentes contextos e as modifi-caes ocorridas ao longo do temporelacionadas a fatores socioculturais.Um estudo usando o referencial his-trico-epistemolgico tambm revelarrelaes importantes com outros con-ceitos, que certamente sero impor-tantes para o ensino de Qumica.

    Atualmente, o conceito de elementoqumico introduzido, de um modo ge-ral, nos primeiros captulos dos livrosde Qumica. Alguns dos conceitos queso apresentados podem ser vistos aseguir: Um elemento uma subs-tncia simples, fundamental e elemen-tar. Um elemento no pode ser sepa-rado ou decomposto em substnciasmais simples (Russel, 1994); Os ele-mentos so substncias que no po-dem ser decompostas em outras maissimples... Cada elemento constitudopor apenas uma espcie de tomo(Brown et al., 1999).

    Os trechos anteriormente citadosforam extrados de livros adotados no

    Brasil e traduzidos dos originais na ln-gua inglesa dos referidos autores.Nota-se que o conceito de elementoremete ao conceito de substncia,mais especificamente ao de substn-cia simples. A simbiose entre os doisconceitos gera confuso, que poderiaser evitada se os tradutores esclare-cessem aos leitores o duplo sentidoassociado ao emprego dessa palavrana lngua inglesa.

    Em artigo publicado na revista Qu-mica Nova sobre o ensino de conceitosem Qumica, Tunes et al. (1989) discu-tem os equvocos existentes no empre-go da expresso elemento qumicoem nosso pas, o que ocasionado pe-lo maior uso no nvel superior de livrostraduzidos da lngua inglesa, nos quaiso vocbulo utilizado element incluitanto o conceito de substncia simplesquanto o de elemento.

    Para Tunes et al. (1989), o elementoqumico constitui uma classe de to-mos formada pelos diferentes nucl-deos ou tipo de tomo caracterizadopor um nmero atmico especfico.Nesse artigo define-se nucldeo comotipo de um dado elemento qumico ca-racterizado por um nmero de massaespecfico.

    Maria da Conceio Marinho Oki

    Este artigo apresenta uma maneira de utilizao da histria e epistemologia da Cincia para melhorar oensino atravs da identificao e estudo de conceitos estruturantes das cincias. A evoluo histrica doconceito de elemento apresentada destacando-o como um conceito estruturante da Qumica. Soapresentadas concepes de elemento que se sucederam desde a antigidade grega at o sculo XX.

    histria e epistemologia, ensino de qumica, conceito de elemento

    Recebido em 18/06/01; aceito em 10/06/02

    CONCEITOS CIENTFICOS EM DESTAQUE

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    QUMICA NOVA NA ESCOLA N 16, NOVEMBRO 2002

    Elementos: os princpios constituintesda matria

    A origem do nome elemento encon-tra-se relacionada ao vocbulo gregostocheion, correspondente ao termolatino elementum, que rene trsletras consecutivas do centro doalfabeto latino: L, M e N (Lockemann,1960). Aristteles usou a palavrastocheion, que significava para eletanto elemento quanto princpio. Essapalavra foi posteriormente adotada nasvrias lnguas europias.

    Elementos, princpios e to-mos acompanhar-nos-o em to-da a histria da Qumica, masno assinalam uma unidade,uma continuidade conceitual qual a histria da Qumica estejasubmetida (Bensaude-Vincent eStengers, 1992).

    O uso desses termos nos diferentescontextos denota as divergncias exis-tentes nas explicaes das qualidadesda matria manifestadas na sua apa-rncia e nas suas transformaes sus-tentadas em diferentes bases interpre-tativas.

    O conceito de elemento comeoua se estruturar a partir da necessidadede explicao das mudanas obser-vadas na natureza; os filsofos pr-socrticos foram os primeiros a tentarjustificar o que aparentemente mudavae o que permanecia sem alterao,estando esse conceito vinculado s es-peculaes desses filsofos sobre osprincpios constituintes da matria, ouseja, a sua causa primria, a suaessncia.

    Tales de Mileto (624-544 a.C.) consi-derou a gua o nico e primordial prin-cpio responsvel pela multiplicidadedos seres. Anaximandro (610-546 a.C.), discpulo de Tales, foi o primeiro ausar o termo arch, que significa prin-cpio; no entanto, discordava de Talesem relao explicao da existnciade um nico princpio, o que conside-rava uma limitao. Segundo ele, oprincpio de tudo seria o aperon, umasubstncia primria, indeterminada eimaterial.

    Empdocles (490-430 a.C.) usouem suas explicaes a idia de quatroprincpios ou elementos primordiais:

    terra, gua, ar e fogo. O amor e o dioeram as foras antagnicas que pro-moviam a unio ou dissociao dosquatro elementos e explicavam as mu-danas observadas no mundo. Essefilsofo no utilizou em seus textos apalavra elemento,substituindo-a porrazes, mas manten-do o mesmo signifi-cado. O termo ele-mento parece ter sidoutilizado pela primeiravez por Plato (Maar, 1999).

    Os quatro elementos-princpiosde Empdocles foram adotados peloimportante filsofo grego Aristteles(384-322 a.C.), que lhes atribuiu quali-dades. Um estudo das obras de Arist-teles revela que a sua viso sofreu al-gumas modificaes ao longo do tem-po (Mierzecki, 1991). No seu trabalhoFsica, no qual examina conceitosgerais relativos ao mundo fsico, Arist-teles declarou a existncia de somentetrs elementos; na sua obra Sobre agerao e a corrupo, considerou aexistncia de quatro elementos e, emSobre o cu, onde apresenta estudossobre o mundo sideral e sublunar,acrescentou o quinto elemento: o ter,a matria constituinte dos corpos ce-lestes. Posteriormente, esse ltimo ele-mento foi chamado de quinta essncia,caracterizando-se como o princpioformador de todos os corpos existen-tes no mundo supralunar, ou seja, aparte do Universo que se inicia com aLua (Chassot, 1995).

    Aristteles considerava que tudoera formado por uma matria de ba-se ou substrato hyl; a este se jun-tavam as qualidades responsveispela sua aparncia e forma. Essasqualidades elementares eram: quen-te, seco, frio e mido. Todas as subs-tncias existentes seriam formadaspelos quatro elementos e cada ele-mento era caracterizado por um parde qualidades.

    O conceito de elemento-princpiooriundo da filosofia grega revela umacincia baseada nas qualidades apa-rentes dos corpos e que so perce-bidas pelos sentidos e o importante pa-pel conferido observao e contem-plao. Essa uma cincia que con-cebe a realidade natural como um

    mundo hierarquizado com lugares pr-determinados para todas as coisas.

    A concepo de que a mudana naproporo quantitativa dos elementosconstituintes podia levar mudananas propriedades e aparncia dos

    corpos foi a base te-rica para a crena natransmutao demetais menos nobresnaquele cuja combina-o de qualidades se-ria a mais perfeita pos-

    svel: o ouro. Essas tentativas foramempreendidas por alquimistas rabese europeus durante o perodo medievalusando-se vrios procedimentos eoperaes.

    Nesse perodo, os quatro elemen-tos de Empdocles e, posteriormente,de Aristteles, eram consideradoscomo existentes em todas as substn-cias; os metais, por exemplo, no eramconsiderados como corpos simples.

    Atribui-se a Jabir ibn Hayyan, umalquimista rabe sobre o qual no setem certeza sobre as suas origens, masque teria vivido entre os sculos VIII eIX, a introduo da teoria do enxofre-mercrio, baseada numa concepodualista. Segundo essa teoria, todosos corpos seriam formados em dife-rentes propores por dois princpios:o enxofre, portador da propriedadecombustibilidade, e o princpio merc-rio, carregador da metalicidade.

    A transmutao seria possvel pelamodificao da composio naturaldos corpos. O ouro era o metal queencerrava uma composio ideal dosconstituintes enxofre e mercrio e umamaior pureza.

    Esses elementos-princpios intro-duzidos no perodo da Alquimia fica-ram conhecidos como espagricos e aeles foi adicionado por Paracelso(1493-1541), no sculo XVI, o elementosal, causador da solubilidade doscorpos e cuja presena estava relacio-nada estabilidade.

    Devemos considerar que, no con-texto em que foram propostos, os ele-mentos enxofre e mercrio eram prin-cpios abstratos, numa concepometafsica de elemento, no devendoser confundidos com as substnciasreais que desde aquela poca e athoje tm o mesmo nome.

    O conceito de elemento

    O conceito de elementocomeou a se estruturar apartir da necessidade deexplicao das mudanasobservadas na natureza

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    QUMICA NOVA NA ESCOLA N 16, NOVEMBRO 2002

    Elementos: os limites extremos daanlise qumica

    Uma definio de elemento que j considerada por alguns historiadorescomo moderna foi formulada por umdos mais importantes qumicos do s-culo XVII, o ingls Robert Boyle (1627-1691). Segundo Partington (1961),Boyle apresentou uma definio quediscordava das concepes de ele-mentos como princpios. Maar (1999)considera que a proposta de Boyle foirealmente moderna, s deixando deservir Qumica com a descoberta dosistopos a partir do incio do sculo XX.No entanto, existem algumas divergn-cias quanto a essa abordagem.

    Alfonso-Goldfarb (1987) consideraque Boyle apresentou uma definioaparentemente moderna de elemento,uma vez que, ao final, questionava asua validade. A sua principal contribui-o foi a destruio do conceito exis-tente, abrindo caminho para uma novaelaborao. Para outros historiadores,Boyle no substituiu a definio tradi-cional por outra moderna, mas questio-nou a funo de elemento na prticado qumico, expressando as suas d-vidas quanto ao fato de que cada ele-mento estaria ou no presente na cons-tituio de todos os corpos (Bensaude-Vincent e Stengers, 1992).

    O conceito de elemento de Boyle,bem como suas dvidas, aparecemexplicitadas na sua importante obra Oqumico ctico (1661), como pode serobservado no trecho a seguir, extradodo apndice desse livro:

    Chamo agora elementos certoscorpos primitivos e simples,perfeitamente puros de qualquermistura, que no so constitudospor nenhum outro corpo, ou unspelos outros, que so os ingre-dientes a partir dos quais todosos corpos que chamamos mistu-ras perfeitas so compostos demodo imediato, e nos quais estesltimos podem ser finalmenteresolvidos. E o que me perguntoagora se existe um corpo destetipo que se encontre de modoconstante em todos, e em cadaum, daqueles que se dizemconstitudos por elementos (Ben-saude-Vincent e Stengers, 1992).

    Esse conceito difere em sua essn-cia das concepes aristotlicas e es-pagricas, que dominaram a Qumica ato perodo medieval, e passa a funda-mentar o principal programa da Qmicano sculo XVIII: a anlise dos corpos.

    Para Boyle, os elementos eram osconstituintes que resultavam da anlisequmica, ou seja, os verdadeiros limitesextremos da anlise qumica (Mason,1964). Boyle, no entanto, no cita emsuas obras exemplos de elementosexistentes na natureza.

    Embora nesse trabalho outros as-suntos tenham sido discutidos, como oproblema da combusto, uma das prin-cipais questes colocadas era o nmerode elementos existentes e a influnciada composio dos corpos nas proprie-dades.

    Boyle criticou o raciocnio usado pe-los alquimistas e props que todos oscorpos qumicosfossem produzi-dos por diferen-tes texturas,resultantes dacombinao dediferentes part-culas; as proprie-dades dos cor-pos mistos ousubstncias compostas deveria resultartambm de sua estrutura e no somentede sua composio. Tal conceporevela a influncia das idias perten-centes ao atomismo mecanicista, muitoinfluente na Qumica no sculo XVII.

    O novo conceito de elemento boylia-no influenciou a Qumica nos sculosseguintes, embora as concepes an-tigas tenham resistido at o sculo XVIII.

    Lavoisier (1743-1794) usou meiosempricos para contestar os conceitosantigos, herdados de Aristteles e dosalquimistas. Ele adotou o conceito intro-duzido por Boyle, dando-lhe uma exis-tncia concreta e precisa e definindo-oclaramente no trecho a seguir, extradodo seu importante livro Tratado Elemen-tar de Qumica (1789):

    Se [...] associarmos ao nomede elementos ou de princpiosdos corpos a idia do ltimotermo ao qual chega a anlise,todas as substncias que no po-demos decompor por meio al-

    gum so para ns elementos: noque possamos assegurar que es-tes corpos, que ns considera-mos como simples, no sejameles mesmos compostos de doisou mesmo de um maior nmerode princpios, mas como estesprincpios jamais se separam, ouantes, como no temos nenhummeio de os separar, eles com-portam-se para ns como os cor-pos simples, e no devemos su-p-los compostos seno no mo-mento em que a experincia e aobservao nos tenham fornecidoa prova (Bensaude-Vincent eStengers, 1992).

    A proposta de Lavoisier e colabo-radores (Louis Bernard Guyton de Mor-veau, Claude Louis Berthollet e AntoineFranois de Fourcroy) de introduzir

    uma nova nomenclaturapara as substncias qu-micas teve como princpiogeral que o nome da subs-tncia refletisse a sua com-posio; para tanto, a novadefinio de elemento foiessencial.

    Uma anlise da tabela desubstncias simples propos-

    ta por Lavoisier no seu Tratado Ele-mentar de Qumica demonstra que elej reconhecia os metais como subs-tncias simples, embora alguns doselementos considerados fossem, naverdade, substncias compostas. Dostrinta e trs elementos citados, cinco de-les so hoje reconhecidos como xidos,trs so radicais que ainda no haviamsido identificados e dois correspondem luz e ao calrico.

    Apesar dos mritos do importantetrabalho de Lavoisier e dos avanos in-troduzidos na Qumica Terica, algunsequvocos foram cometidos por ele,como a incluso do calrico e da luzcomo elementos imponderveis. Asconcepes apresentadas sobre o ca-lrico, assim como sobre o princpiooxignio, trazem ainda embutidos res-duos de uma Qumica qualitativa. Emseu livro, Lavoisier ainda se referia aoselementos qumicos usando diferentesnomenclaturas, como: princpio, ele-mento, substncia simples e corposimples (Tolentino et al., 1997).

    O conceito de elemento

    Segundo Boyle, elementosseriam certos corposprimitivos e simples,

    perfeitamente puros dequalquer mistura, que nofossem constitudos pornenhum outro corpo, ou

    uns pelos outros

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    QUMICA NOVA NA ESCOLA N 16, NOVEMBRO 2002

    Corpos simples, substncias simples ouelementos?

    A concepo de elemento como si-nnimo de corpo simples foi tambmexplicitada em um livro-texto do maisinfluente qumico da primeira metadedo sculo XIX, Jons Jacob Berzelius(1779-1848), Manual de Qumica(1825), como pode ser visto a seguir:

    Corpos que ocorrem na Terraso divididos em simples, nodecompostos e compostos:

    (1) Corpos simples so aque-les que podemos acreditar comcerteza que eles no so com-postos e que ocorrem comoconstituintes do restante da na-tureza.

    (2) Corpos no decompostos(indecomposed) so aquelesque ns podemos supor queno so simples, mas eles noforam decompostos em ele-mentos mais simples; se estescorpos so compostos no seconhece os seus constituintesabsolutamente.

    (3) Corpos compostos soaqueles que podem ser decom-postos por meios qumicos emoutros mais simples (Mierzecki,1991).

    Observa-se que nesse perodo con-fundia-se o conceito de elemento como de corpo simples; uma outra questoa ser observada que os vocbuloscorpo e substncia eram usados indis-tintamente, no se fazendo diferen-ciao entre ambos.

    A confuso conceitual envolvendoos termos elemento e substncia sim-ples ainda hoje observada em algunslivros de Qumica, como visto anterior-mente. No entanto, ainda no sculoXIX, Mendeleiev j registrava esse fato,propondo uma diferenciao entre ele-mento e corpo simples no seu impor-tante artigo cientfico A lei peridicados elementos qumicos (1871).

    Tal como Laurent e Gerhardtempregaram as palavras mol-cula, tomo e equivalente indis-tintamente, tambm hoje em diase confundem freqentementeas expresses corpos simples eelemento. Contudo, cada uma

    delas tem um significado bemdistinto, que importa precisarpara evitar confuses nos termosda filosofia qumica. Um corposimples qualquer coisa dematerial, metal ou metalide, do-tada de propriedades fsicas equmicas. A expresso corposimples corresponde idia demolcula[...]. Pelo contrrio,deve-se reservar o nome deelemento para caracterizar aspartculas materiais que formamos corpos simples e compostose que determinam o modo comose comportam do ponto de vistafsico e qumico. A palavra ele-mento corresponde idia detomo (Bensaude-Vincent eStengers, 1992).

    O conceito de elemento passou a servinculado ao conceito de tomo; essarelao est claramente explicitada porMendeleiev nesse trecho de sua autoriae o peso atmico passou a se imporcomo critrio de classificao.

    Critrios modernos para umaconceituao de elemento qumico

    Embora os conceitos de elemento etomo tenham sido introduzidos pelosgregos, no coube a eles a associaodesses conceitos; este foi um mrito daQumica moderna e do processo intera-tivo teoria e prtica, idias e tcnicas quepermanentemente se modificam e seinfluenciam mutuamente.

    Os avanos na Qumica Terica dosculo XIX e a suaaproximao da Fsicapermitiram que outroscritrios passassem aser utilizados para sedistinguir um elementoqumico, tais como avalncia e o peso at-mico (atualmentemassa atmica rela-tiva). Tais critrios fo-ram fundamentais pa-ra a identificao de grande nmero deelementos qumicos e possibilitaram aorganizao dos mesmos em diversossistemas de classificao e o relaciona-mento das propriedades dos elemen-tos com os seus pesos atmicos.

    As primeiras determinaes de pe-

    sos atmicos foram realizadas por JohnDalton (1766-1844) e os resultadosobtidos para essas grandezas foramresponsveis pela aceitao da Qumicacomo uma cincia exata.

    A primeira metade do sculo XIXcaracterizou-se por disputas inclusive noplano ideolgico envolvendo a comu-nidade qumica. Os qumicos compro-metidos com o positivismo no aceita-vam os pesos atmicos e preferiam fazeruso dos pesos equivalentes, obtidosexclusivamente a partir das relaes decombinaes ponderais ou volum-tricas. Um outro grupo acreditava que opeso atmico era a caracterstica fun-damental de um elemento, definindo assuas propriedades.

    O fim dessa disputa teve incio coma importante contribuio do qumicoitaliano Stanislao Canizzaro (1826-1910),que teve distribudo ao fim do importanteCongresso de Karlsruhe (1860) umartigo cientfico de sua autoria, Suntodi um Corso di Filosofia Chimica, noqual deixava clara a diferena entre osconceitos de tomo e molcula, ba-seando-se na hiptese que havia sidoformulada em 1811 por seu conterrneoAmedeo Avogadro (1776-1856).

    Aps a superao das divergncias,estabeleceram-se definitivamente osconceitos de tomo e molcula, equiva-lente, atomicidade e valncia e as basesda Teoria Atmico-Molecular.

    Nesse perodo, os valores determi-nados para os pesos atmicos nemsempre eram concordantes, o que se

    atribua imprecisodos mtodos experi-mentais e aos diferen-tes referenciais queeram usados como ba-se para os clculos. Avariao nos valoresdeterminados foi du-rante um certo perodoum problema inexpli-cvel e no podia serresolvido apenas comum maior rigor nas me-

    dies efetuadas. Foi necessria umanova maneira de interpretao dosdados experimentais pautada numa mu-dana conceitual, que colocava emcheque o segundo postulado de Daltone passava a admitir a idia de quetomos de um mesmo elemento pudes-

    O conceito de elemento

    Em 1871, Mendeleievchamava ateno para a

    confuso conceitualenvolvendo os termos

    elemento e substnciasimples (no sculo XIX,corpo simples). Apesar

    disso, ainda hoje talconfuso observada emalguns livros de Qumica

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    QUMICA NOVA NA ESCOLA N 16, NOVEMBRO 2002

    sem ter pesos diferentes. Essa idia pas-sou a orientar pesquisas que pudessemfornecer evidncias da existncia dosistopos.

    O termo istopo foi criado em 1913por Frederick Soddy (1877-1956) eincorporado linguagem cientfica nasprimeiras dcadas do sculo XX. Aconstruo do conceito de istopo de-monstra a necessidade do dilogo darazo com a experincia, pr-requisitohoje necessrio para o processo deconstruo racional do conhecimentoqumico, que mediado pela tcnica.

    Cabe destacar nesse episdio acontribuio de Francis William Aston(1877-1945) que, visualizando o princ-pio do espectrmetro de massa efazendo uso desse instrumento, estabe-leceu evidncias de que o conceito deistopo aplicava-se a todos os elemen-tos e no apenas aos radioativos.

    O conceito de elemento passou a serdefinido com base na estrutura atmicae molecular, acessvel por mtodosfsicos baseados principalmente eminteraes radiao-matria. A signifi-cao dos fenmenos eltricos dostomos dada pelo aparelho; cabe aoespectrmetro de massa essa funoquando separa, seleciona e registra amassa dos diferentes istopos. Aestreita relao entre a teoria e oinstrumento uma das caractersticasda Qumica moderna; o processo de

    aplicao experimental que confere ovalor de uma teoria, o instrumentocientfico uma teoria materializada(Bachelard, 1977).

    No sculo XX, a Qumica Terica pas-sou a se utilizar cada vez mais de co-nhecimentos produzidos no mbito daMecnica Quntica e da Fsica de Par-tculas. Os conhecimentos fsicos sobrea estrutura do tomo penetraram naQumica e introduziram mudanasradicais em conceitos bsicos, apoia-das em um mundo submicroscpico emque muitas das leis naturais no seaplicam.

    A identificao de um elemento qu-mico passou a ser feita pelo seu nme-ro atmico e a sua caracterizao con-sidera a configurao eletrnica e os el-trons responsveis pelas interaes qu-micas que chamamos de eltrons devalncia. Os conceitos de istopo e denucldeo tornaram-se fundamentais paraa elaborao de um novo conceito deelemento qumico. A identidade doelemento qumico foi modificada, j queesse passou a reagrupar um certonmero de istopos distintos.

    O elemento qumico deixou de ser ofim ltimo da anlise qumica, posioque passou a ser ocupada pelaspartculas subatmicas. Novas proprie-dades, hoje consideradas como ele-mentares, foram propostas visandosistematizar o grande nmero de par-

    Referncias bibliogrficasALFONSO-GOLDFARB, A.M. Da alqui-

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    tculas subatmicas descobertas. Aidentificao dessas partculas emnmero crescente tem sido possvelgraas aos avanos tecnolgicos, aexemplo do desenvolvimento de po-tentes aceleradores de partculas. Nomundo subnuclear, isto , nesse cam-po da Fsica Atmica, considera-se co-mo elementar qualquer coisa da qualno se veja a estrutura (Caruso e Oguri,1997).

    A evoluo do conceito de elemen-to qumico nos fornece um bom exemploda natureza multidisciplinar da Qumicaonde se contrape a atividade manualcom a intelectual, o microscpico como macroscpico, o pragmatismo empri-co com a especulao terica (Chagas,1989).

    importante no nos esquecermosda provisoriedade dos conceitos, de-corrente das modificaes da Cinciaresultantes dos avanos cientficos;queremos registrar a dificuldade ine-rente formulao desse conceito, queestabelece uma importante relao en-tre o que macroscopicamente obser-vado e o que se imagina microsco-picamente, ou seja, requer que faa-mos uso da nossa importante capa-cidade de abstrao.

    Maria da Conceio Marinho Oki ([email protected]),engenheira qumica, mestre em Qumica Inorgnica, professora do Departamento de Qumica Geral eInorgnica do Instituto de Qumica da UFBA.

    O conceito de elemento

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    Abstract: The Concept of Element: from Antiquity to Modern Times - This paper reports a way of using the history and epistemology of science for improving education through the identification and studyof structuring concepts in the sciences. The historic evolution of the concept of element is presented highlighting it as a structuring concept of chemistry. Succeeding conceptions of element from antiquityto the 20th century are presented.Keywords: history and epistemology, education in chemistry, concept of element