o conceito de deficiência para fins do benefício assistencial

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O conceito de deficiência para fins do benefício assistencial do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988 Michelle Dias Bublitz  |  Carla Evelise Justino Hendges  Publicado em 07/2011. Elaborado em 07/2011.  A antiga definição legal pecav a pela inadequação e v aguidade, especialmente por equiparar a deficiência à incapacidade para a vida independente, expressões que representam realidades diversas e inconfundíveis . RESUMO: Este texto trata do conceito de deficiência, enquanto requisito para concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada, o qual deve ser examinado à luz das novas concepções, que têm por base o critério da necessidade e da disparidade de condições de inclusão na sociedade. Entendendo que o trabalho é fundamental para o alcance da dignidade humana, a Constituição Federal de 1988, tendo em vista a incapacidade/defici ência total, parcial ou temporária desse grupo social, estabeleceu como um dos pilares de sustentação da ordem econômica nacional a valorização do indivíduo, visando amparar aqueles necessitados que não possuem condições de, por meios próprios ou familiares, prover seu sustento, objetivando propiciar existência digna e distribuir justiça social, através da redução das desigualdades sociais. PALAVRAS-CHAVE:  Benefício Assist encial de Prestação Continuada. Deficiência. Conceituação. Princípio da Dignidade Humana. ABSTRACT : This paper deals with the concept of disability, as a condition for granting of Continuous Continuous Support, which must be examined in the light of new concepts, which are based on the criterion of necessity and the disparity of conditions for inclusion in society. Understanding that work is fundamental to the achievement of human dignity, the Constitution of 1988, in view of the impairment / disability total, partial or temporary this social group, established as one of the pillars of the economic recov ery of

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O conceito de deficiência para finsdo benefício assistencial do artigo

203, inciso V, da ConstituiçãoFederal de 1988

Michelle Dias Bublitz | Carla Evelise Justino Hendges  

Publicado em 07/2011. Elaborado em 07/2011.

 A antiga definição legal pecava pela inadequação e vaguidade, especialmente

por equiparar a deficiência à incapacidade para a vida independente,

expressões que representam realidades diversas e inconfundíveis.

RESUMO: Este texto trata do conceito de deficiência,enquanto requisito para concessão do Benefício Assistencial dePrestação Continuada, o qual deve ser examinado à luz das novasconcepções, que têm por base o critério da necessidade e dadisparidade de condições de inclusão na sociedade. Entendendoque o trabalho é fundamental para o alcance da dignidade humana,a Constituição Federal de 1988, tendo em vista aincapacidade/deficiência total, parcial ou temporária desse grupo

social, estabeleceu como um dos pilares de sustentação da ordemeconômica nacional a valorização do indivíduo, visando ampararaqueles necessitados que não possuem condições de, por meiospróprios ou familiares, prover seu sustento, objetivando propiciarexistência digna e distribuir justiça social, através da redução dasdesigualdades sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Benefício Assistencial de PrestaçãoContinuada. Deficiência. Conceituação. Princípio da DignidadeHumana.

ABSTRACT: This paper deals with the concept of disability,as a condition for granting of Continuous Continuous Support, whichmust be examined in the light of new concepts, which are based onthe criterion of necessity and the disparity of conditions for inclusionin society. Understanding that work is fundamental to theachievement of human dignity, the Constitution of 1988, in view of

the impairment / disability total, partial or temporary this socialgroup, established as one of the pillars of the economic recovery of

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the individual national in order to bolster those in need who can notafford that, by themselves or relatives, provide their livelihood, inorder provide dignified and distribute social justice by reducingsocial inequalities.

KEY WORDS: Benefit assistance. Disabilities.Conceptualization. Dignity.

SUMÁRIO: Introdução. 1. O Beneficio de PrestaçãoContinuada. 1.1. O que é? 1.2. Enquadramento legal. 1.3.Beneficiários. 1.4. Requisitos para percepção. 2. Conceitos legaisde deficiência. 2.1. O conceito de deficiência apresentado pela

Organização Mundial da Saúde –

 OMS. 2.2. O conceito dedeficiência apresentado pela Organização Internacional do Trabalho- OIT. 2.3. O conceito de deficiência apresentado pela Declaraçãodos Direitos das Pessoas com Deficiência. 2.4. O conceito dedeficiência apresentado pela Convenção sobre os Direitos dasPessoas com Deficiência. 2.5. O conceito de deficiênciaapresentado pela Lei nº 7.853/89  – Lei da Pessoa Portadora deDeficiência. 3. O Benefício de Prestação Continuada como umdireito da pessoa portadora de deficiência viver com dignidade.Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

A assistência social, como uma das vertentes da seguridadesocial prevista na Constituição da República de 1988, constitui-se

em um conjunto integrado de planos e programas assistenciaispromovidos pelo Estado com o apoio da sociedade (artigo 194, daCF), visando amparar aqueles indivíduos necessitados que nãopossuem condições de, por meios próprios ou familiares, viver comdignidade.

Os programas de assistência social constituem direitosprestacionais sociais de índole positiva. Como direitos sociais, estãoinseridos no rol dos direitos fundamentais. Não se olvide que adignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República

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(artigo 1º, inciso III, da CF). De outro lado, dentre os objetivosfundamentais, se encontram a construção de uma sociedade livre,

 justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização,bem como a redução das desigualdades sociais e regionais e a

promoção do bem de todos, sem qualquer distinção (artigo 3º, daCF).

Uma das modalidades de prestação assistencial, a qualmereceu previsão constitucional expressa, é o BenefícioAssistencial de Prestação Continuada, que se caracteriza, nosexatos termos do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de1988, pela "garantia de um salário mínimo de benefício mensal à

 pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meio de prover a própria manutenção ou de tê-la provida

 por sua família, conforme dispuser a lei ".

A disciplina normativa infraconstitucional da assistênciasocial somente veio à luz em dezembro de 1993, mais de cincoanos depois da promulgação da Constituição Federal, porintermédio da Lei nº 8.742. Até esse termo, perdurou o benefício derenda mensal vitalícia, de valor equivalente a meio salário mínimo,disciplinado pela Lei 6.179/74, que exigia a ocorrência devinculação à previdência social.

Além disso, a regulamentação legal quanto aos requisitospara gozo do Benefício de Prestação Continuada deu-se de formaambígua e genérica, sem considerar os elementos circunstanciais,pessoais, sociais, ambientais, que configuram as diferentesrelações sociais. Bem por isso, ainda nos dias de hoje, passados

quase vinte anos da edição da lei regulamentadora, os temasrelativos à definição da renda familiar, à composição do grupofamiliar e à caracterização da deficiência suscitam agudasdiscussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Especificamente no que toca à questão da caracterização dadeficiência, a definição legal distanciou-se do texto constitucional, epecou pela vaguidade e inadequação, especialmente ao equiparar adeficiência à incapacidade para a vida independente, expressõesque representam realidades diversas e inconfundíveis.

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Em constituindo as prestações assistenciais, como jáaduzido, um direito social fundamental, a conceituação legal dedeficiência deve ser examinada à luz dos princípios inseridos notexto constitucional, adotando-se a hermenêutica que melhor

promova a concretização dos ditames da Carta Federal de 1988.

O presente estudo busca contribuir para a análise do temada caracterização da deficiência, como um dos requisitos para aconcessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada. Aquestão será examinada a partir das novas concepções dedeficiência, tomando por base os critérios da necessidade e dadisparidade de condições de inclusão na sociedade. O estudo terá

como norte a garantia constitucional do benefício assistencial,destinado a assegurar adequada proteção social ao deficiente,ensejando-lhes condições de vida digna, inclusão social e resgateda cidadania.

1. O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA 

1.1. O que é?

O Benefício de Prestação Continuada constitui-se nagarantia de uma renda mensal correspondente a um salário mínimoaos idosos e pessoas portadoras de deficiência que não tenhamcondições de promover de forma digna a própria subsistência, nemde tê-la provida por sua família. O benefício é devido em prestaçõesmensais sucessivas, em número de doze anuais (sem direito aabono anual), de valor equivalente a um salário mínimo. Ofundamento constitucional é o transcrito pelo artigo 203, inciso V, daConstituição Federal de 1988.

Em se tratando de prestação de natureza assistencial, fazem jus ao benefício às pessoas necessitadas que se enquadrem nascondições legais, independentemente de filiação a regimeprevidenciário ou de recolhimento de qualquer contribuição. Assim,verifica-se que este benefício coaduna-se ao princípio da

universalidade da cobertura e do atendimento na seguridade social(artigo 194, inciso I, da CF).

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É uma prestação supletiva e residual, no sentido de que aproteção somente vai alcançar aquelas pessoas necessitadas quenão estejam sob o abrigo de regimes previdenciários e cujasfamílias não tenham condições mínimas de prover-lhe vida digna.

Nos termos do parágrafo 4º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, aprestação não pode ser acumulada com quaisquer outrosbenefícios no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvoas prestações de assistência médica.

Na forma do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto doIdoso, obenefício assistencial de valor mínimo já concedido a

qualquer membro da família não é computado para os fins docálculo da renda familiar per capita. [01] A constitucionalidade de talexclusão já recebeu o beneplácito de decisões do Supremo TribunalFederal (dentre outros, citem-se o RE 558.221, Rel. Min. CézarPeluso, julg. 15.04.2008, 2ª Turma, DJE 16.05.2008; e o AI 688242-Agr, Rel Min. Joaquim Barbosa, julg. 20.04.2010, 2ª Turma, DJE04.06.2010). [02] 

Não obstante se trate de benefício de natureza assistencial,

o requerimento de benefício deve ser dirigido pelo interessado, ouseus representantes, à autarquia previdenciária, a quem cabe oexame dos requisitos legais para a concessão do benefício. Paratanto, deverá o requerente ser submetido a exame médico pericial elaudo, realizados pelos serviços de perícia médica do InstitutoNacional do Seguro Social  – INSS (artigo 20, parágrafo 6º, da Lei nº8.742/93).

Por fim, o Beneficio de Prestação Continuada é umaprestação personalíssima, que não se transfere nem gera direito depensionamento após o óbito do titular.

1.2. ENQUADRAMENTO LEGAL

A disciplina legal do Benefício Assistencial de PrestaçãoContinuada encontra-se regulamentada pela Lei nº 8.742/93, cuja

redação foi alterada pela Lei nº 9.720/98, assim estabelecendo:

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Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um)

salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70

(setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria

manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§ 1º. Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o

conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991,

desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 9.720, de

30.11.1998) 

§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de

deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§ 3º. Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora

de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼

(um quarto) do salário mínimo.

§ 4º. O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo

 beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro

regime, salvo o da assistência médica.

§ 5º. A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do

 portador de deficiência ao benefício.

§ 6º. A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e

laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do

Seguro Social –  INSS. (Redação dada pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998) 

§ 7º. Na hipótese de não existirem serviços no município de residência

do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu

encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal

estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998) 

§ 8º. A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada

 pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais

 procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído

 pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998) 

Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2

(dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

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§ 1º. O pagamento do benefício cessa no momento em que forem

superadas as condições referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.

§ 2º. O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na

sua concessão ou utilização.

Como se verifica da leitura dos dispositivos legais, no quetoca ao aspecto que interessa nesse trabalho, qual seja, aconceituação da deficiência, a redação da lei considerou adeficiência quase que exclusivamente no aspecto da limitaçãopessoal do portador, ao estabelecer como elemento definidor aincapacidade para a vida independente, em aparente descompassocom a redação do texto constitucional.

1.3. BENEFICIÁRIOS

Nos termos do artigo 203, inciso V, da Constituição Federalde 1988, o benefício assistencial se destina à pessoa portadora dedeficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de provera própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

Na redação original do caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93,eram considerados idosos, para fins de benefício assistencial, aspessoas de 70 (setenta) anos ou mais.

Contudo, posteriormente, com o advento do Estatuto doIdoso, o parágrafo único do artigo 34, alterou o requisito etário,reduzindo a idade para 65 (sessenta e cinco) anos: " Aos idosos, a

 partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para

 prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é

assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos

termos da Lei Orgânica da Assistência Social  – LOAS".

Quanto à pessoa portadora de deficiência, o parágrafo 2º doartigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabeleceu que seria aquelaincapacitada para a vida independente e para o trabalho. A questãoda deficiência é tema que será analisado de forma mais adequadana segunda parte desse trabalho.

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Importante mencionar que, não há impedimento legal àconcessão do benefício para crianças e adolescentes portadores dedeficiência.

Por fim, em qualquer caso, conforme estabelece o parágrafo5º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, a situação de internado nãoprejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência aobenefício. Ou seja, ainda que o idoso ou deficiente esteja instaladoem instituição hospitalar ou de repouso, faz jus ao benefício.

1.4. REQUISITOS PARA PERCEPÇÃO

Dois são os requisitos principais a serem considerados paraa percepção e concessão do Benefício de Prestação Continuada:(a) comprovação da condição de necessidade do requerente e desua família; e (b) requisito etário (idade igual ou acima de 65 anos)ou condição de pessoa portadora de deficiência.

O primeiro requisito para concessão do benefício de amparoassistencial diz com a comprovação da situação de necessidade. Asupletividade dos programas de assistência social demanda acomprovação prévia de que o interessado não tenha condições deprover o próprio sustento, e, igualmente, de que sua família nãopossa provê-lo com dignidade. Também não deve estar amparadopor regimes previdenciários.

O critério legal de miserabilidade foi fixado pelo artigo 20,parágrafo 3º, da Lei nº 8.742/93, por sopesamento da renda per

capita do núcleo familiar do interessado, a qual deve ser igual ou

inferior a um quarto (1/4) do salário mínimo vigente.

A fixação legal do patamar de renda vinha sendo objeto degrande discussão doutrinária e jurisprudencial. O Superior TribunalFederal decidiu pela constitucionalidade da estipulação legal:

Constitucional. Impugna dispositivo de lei federal que estabelece o

critério para receber o benefício do inciso V do art. 203 da CF. Inexiste a

restrição alegada em face do próprio dispositivo constitucional que reporta à lei

 para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo à pessoa

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 portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de

 prestação assistencial do estado. Ação julgada improcedente. (ADI 1.232, Rel

 para o acórdão Min. Nelson Jobim, julgamento em 27.08.1998, Plenário, DJ

01.06.2001) [03] 

Esse posicionamento vem sendo um tanto mitigado, paraadmitir-se, por exemplo, a exclusão, no cômputo da renda mensalper capita, de benefícios assistenciais percebidos por outros idososintegrantes do grupo familiar, com fundamento no já referido artigo34 do Estatuto do Idoso.

Quanto ao requisito relativo à condição pessoal dorequerente, deve comprovar, na data do pedido, ter idade igual ou

superior a 65 anos, ou ser pessoa portadora de deficiência. Emqualquer hipótese, o preenchimento dos requisitos é revisto a cadadois anos, para avaliação da permanência fática das condições queensejaram a concessão do benefício (artigo 21, da Lei nº 8.742/93).

2. CONCEITOS LEGAIS DE DEFICIÊNCIA

Ao longo do tempo, com o reconhecimento dos direitoshumanos pautados essencialmente nos princípios da igualdade eda dignidade da pessoa humana, delinearam o conceito de"deficiência" em vários instrumentos internacionais e também nalegislação nacional.

2.1. O CONCEITO DE DEFICIÊNCIA APRESENTADO

PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE

Em 1980, a Organização Mundial da Saúde  – OMS definiu osconceitos de deficiência, incapacidade e desvantagem, ressaltandoque embora os três conceitos estejam presentes nas pessoas comdeficiência, tais restrições não lhes retiram o valor, o poder dedecidir sobre suas vidas e de tomarem decisões [04]:

Deficiência: perda ou anormalidade de estrutura ou função

psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente.

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Incluem-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perdade um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo,inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de umestado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma

perturbação no órgão.

Incapacidade: restrição, resultante de uma deficiência, dahabilidade para desempenhar uma atividade considerada normalpara o ser humano. Surge como conseqüência direta ou é respostado indivíduo a uma deficiência psicológica, física, sensorial ou outra.Representa a objetivação da deficiência e reflete os distúrbios daprópria pessoa, nas atividades e comportamentos essenciais à vida

diária.

Desvantagem: prejuízo para o indivíduo, resultante de umadeficiência ou uma incapacidade, que limita ou impede odesempenho de papéis de acordo com a idade, sexo, fatoressociais e culturais Caracteriza-se por uma discordância entre acapacidade individual de realização e as expectativas do indivíduoou do seu grupo social. Representa a socialização da deficiência erelaciona-se às dificuldades nas habilidades de sobrevivência. [05] 

A Organização Mundial da Saúde - OMS, quase dez anosdepois  – em 1997, reapresentou essa Classificação Internacionalcom um novo título e novas conceituações. Agora denominadaClassificação Internacional das Deficiências, Atividades eParticipação: um manual da dimensão das incapacidades e dasaúde  – CIDDM-2, o documento fixa princípios que enfatizam oapoio, os contextos ambientais e as potencialidades, em vez da

valorização das incapacidades e das limitações. [06] 

O CIDDM-2 concebe a deficiência como uma perda ouanormalidade de uma parte do corpo (estrutura) ou função corporal(fisiológica), incluindo as funções mentais. Já a atividade estárelacionada com o que as pessoas fazem ou executam em qualquernível de complexidade, desde aquelas simples até as habilidades econdutas complexas. A limitação da atividade, antes conceituadacomo incapacidade, é agora entendida como uma dificuldade nodesempenho pessoal. A raiz da incapacidade é a limitação no

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desempenho da atividade que deriva totalmente da pessoa. Noentanto, o termo incapacidade não é mais utilizado porque pode sertomado como uma desqualificação social. Ampliando o conceito,essa Classificação Internacional inclui a participação, definida como

a interação que se estabelece entre a pessoa portadora dedeficiência, a limitação da atividade e os fatores do contextosocioambiental. [07] 

A expressão "pessoa portadora de deficiência", portanto,pode ser aplicada referindo-se a qualquer pessoa que possua umadeficiência. Contudo, há que se observar que em contextos legaisela é utilizada de uma forma mais restrita e refere-se a pessoas que

estão sob o amparo de uma determinada legislação.

2.2. O CONCEITO DE DEFICIÊNCIA APRESENTADOPELA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

No âmbito da Organização Internacional do Trabalho  – OIT,o primeiro documento que tratou da conceituação de deficiência foia Recomendação nº 99, de 25 de junho de 1955, tendo o conceito

se repetido na Recomendação nº 168, de 20 de junho de 1983, eaprimorado na Convenção nº 159, de 20 de junho de 1983,também.

A Convenção nº 159 da OIT, que trata da reabilitaçãoprofissional e emprego das pessoas com deficiência, ratificada peloBrasil por meio do Decreto Legislativo nº 51, de 28 de agosto de1989, e promulgada pelo Brasil através do Decreto nº 129, de 18 demaio de 1991, conceitua deficiência da seguinte forma:

Artigo 1. (...)

1. Para efeito desta Convenção, entende-se por "pessoa deficiente" todas

as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de

 progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência

de caráter físico ou mental devidamente comprovada. [08] 

O conceito em questão ressalta o caráter funcional das

deficiências físicas ou sensoriais, estabelecendo a Convenção odever dos países signatários de se engajarem em atividades de

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integração e de fornecerem instrumentos que viabilizem o exercíciodas atividades profissionais para as pessoas que delesnecessitem. [09] 

Destarte, conclui-se, a partir da leitura do preceito legalacima, que, a pessoa portadora de deficiência não énecessariamente incapaz para o trabalho. Na verdade, capacidadelaboral e deficiência são conceitos absolutamente distintos e nãodevem gerar qualquer confusão.

2.3. O CONCEITO DE DEFICIÊNCIA APRESENTADOPELA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOASCOM DEFICIÊNCIA

A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficienteselaborada pela Organização das Nações Unidas - ONU através daResolução 3.447, de 09 de dezembro de 1975, traz, em seu artigo1º, a definição de pessoa deficiente. Nesse sentido, conceitua-sepessoa deficiente como qualquer pessoa incapaz de assegurar porsi mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida

individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais.[10] 

No entendimento da ONU, deficiência é um conceito emevolução, resultado da interação entre a deficiência de uma pessoae os obstáculos que impedem sua participação na sociedade.Quanto mais obstáculos, como barreiras físicas e condutasatitudinais impeditivas de sua integração, mais deficiente é umapessoa. Não importa se a deficiência é física, mental, sensorial,múltipla ou resultante da vulnerabilidade etária. Mede-se adeficiência pelo grau da impossibilidade de interagir com o meio daforma mais autônoma possível.

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2.4. O CONCEITO DE DEFICIÊNCIA APRESENTADOPELA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DASPESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Em dezembro de 2006, a Organização das Nações Unidas -ONU aprovou o texto da Convenção Internacional sobre os Direitosdas Pessoas com Deficiências.

O Brasil participou intensamente dos debates, sendo que oque distingue essa Convenção das outras é que o conteúdo foi feitocom ajuda direta de ONGs de pessoas com deficiência, que tiveramvoz ativa na elaboração dos artigos. A Convenção sobre os Direitos

das Pessoas com Deficiência e seu respectivo Protocolo Facultativoforam ratificados pelo Congresso Nacional em 09 de julho de 2008pelo Decreto legislativo nº 186/2008 e todos os seus artigos são deaplicação imediata.

Além do mais, o próprio conceito de pessoa com deficiênciaincorporado pela Convenção, a partir da participação direta depessoas com deficiência levadas por Organizações NãoGovernamentais de todo o mundo, carrega forte relevância jurídica,

porque incorpora na tipificação das deficiências, além dos aspectosfísicos, sensoriais, intelectuais e mentais, a conjuntura social ecultural em que o cidadão com deficiência está inserido, vendonestas o principal fator de cerceamento dos direitos humanos quelhe são inerentes.

A Convenção, no seu artigo 1º, diz qual o seu propósito edefine o conceito de pessoa com deficiência:

"(...) Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de

natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas

 barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as

demais pessoas". [11] 

Esclarece-se que o conceito adotado pela ConvençãoInternacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foibaseado no item "e" do seu preâmbulo, que reconhece: "(...) que a

deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resultada interação entre pessoas com deficiência e as barreiras

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atitudinais e ambientais que impedem sua plena e efetiva

 participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as

demais pessoas".

O conceito de pessoa com deficiência proposto pelaConvenção, diferentemente dos demais textos legais, nãocaracteriza a deficiência a partir dos fatores clínicos inerentes aoindivíduo, mas da forma como a sociedade se apresenta a ele.[12] 

2.5. O CONCEITO DE DEFICIÊNCIA APRESENTADOPELA LEI Nº 7.853/89 – LEI DA PESSOA PORTADORADE DEFICIÊNCIA

A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispôs sobre oapoio às pessoas portadoras de deficiência, cria um órgão paracoordenação das ações do Estado de acompanhamento eimplementação de políticas públicas (Coordenadoria Nacional paraIntegração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE), mas nãodefine quem é o objeto/destinatário dessa política.

Posteriormente, a Lei nº 7.853/89 foi regulamentada peloDecreto nº 914, de 06 de setembro de 1993, atualmente revogado,aventando-se então a definição de pessoa portadora de deficiência:

Art. 3º Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que

apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou

função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o

desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser

humano.

Observa-se que, nesse diploma legal, o conceito dedeficiência é trazido de forma mais técnica.

O Decreto nº 914/93 foi, posteriormente, revogado pelo atualDecreto 3.298, 20 de dezembro de 1999, que instituiu a políticanacional para a integração da pessoa portadora de deficiência,sendo que, na sua aplicação e interpretação são considerados osvalores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da

 justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-

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estar, além de outros, indicados na Constituição ou justificadospelos princípios gerais de direito, em complementação ao conceitotécnico trazido pela Lei da Pessoa Portadora de Deficiência.

3. O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA COMOUM DIREITO DA PESSOA PORTADORA DEDEFICIÊNCIA VIVER COM DIGNIDADE

De tudo que se expôs no tópico anterior, verifica-se que, nãoobstante não haja univocidade legislativa acerca do conteúdoconceitual da deficiência, os conceitos mais modernos trazem aavaliação da deficiência considerada não só no aspecto

técnico/médico individual, mas inserida no contexto social. Trata-sede uma hermenêutica mais ampla que atende mais largamente ocumprimento do que estabelece a Constituição Federal comofundamento do Estado Democrático de Direito, ou seja, a cidadaniae a dignidade da pessoa humana, que representa o desejo de todapessoa portadora de deficiência: ser cidadão com dignidade.

A respeito do tema, não se olvide que, independemente da

nomenclatura que se utiliza a determinado grupo social, os direitosfundamentais devem ocupar papel basilar no ordenamento jurídicopátrio, se configurando como parâmetro dentro do qual devem serinterpretadas todas as normas legais. A Constituição Federal prevêgarantias, a exemplo de documentos internacionais e mesmo delegislação anterior à sua promulgação, no sentido de que os direitosfundamentais e a dignidade da pessoa humana devem preponderarsobre os demais enunciados normativos.

Assim, o conceito de deficiência previsto no parágrafo 2º doartigo 20 da Lei nº 8.742/93  – Lei Orgânica da Assistência Social  – LOAS equipara a deficiência à incapacidade para a vidaindependente e para o trabalho, in verbis:

§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de

deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

O critério adotado pelo legislador distancia-se da previsãoconstitucional acerca desse benefício, e encerra uma concepção de

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dependência que não está adequada nem ao espírito daConstituição, nem às modernas concepções de deficiência.

O sistema constitucional de proteção às pessoas portadoras

de deficiência começa pela inquestionável essencialidade do laborna vida do ser humano, não só por se tratar da forma como ohomem obtém o necessário à sua subsistência e assegura o direitoà dignidade da pessoa humana, mas por ser instrumento derealização pessoal do indivíduo, tornando-o respeitável perante asociedade e, principalmente, o incluindo no seio desta, comocidadão, possuidor de direitos e obrigações, em face do princípio daigualdade.

Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil, aqual se constitui em Estado Democrático de Direito, seusfundamentos são, entre outros: a dignidade da pessoa humana, osvalores sociais do trabalho e o pluralismo político, constantes doartigo 1º, incisos III, IV e V. Igualmente, a Constituição reconhececomo direitos sociais, previstos no artigo 6º, a educação, a saúde, otrabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a assistênciaaos desamparados. Ainda, proclama que a ordem econômica sefunda na valorização do trabalho humano e tem por fim assegurar atodos existência digna, conforme os ditames da justiça social,observados, entre outros princípios, o da redução dasdesigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego,conforme disposto no artigo 170, incisos VII e VIII. No que tange àordem social, a Carta Magna assevera que ela tem como base oprimado do trabalho e como objetivos o bem-estar e a justiça social(artigo 193), além de "promover o bem de todos", sem qualquer tipo

de preconceito ou quaisquer outras formas de discriminação (artigo3º, incisos I, III e IV). [13] 

Constata-se, com efeito, que a Constituição, ao lado devedar discriminações, vem a trazer diversas determinações com afinalidade de impedi-las e de reduzir as desvantagens vividas pelosdeficientes, buscando, mais e mais, integrá-los na vida social.Assim, a Constituição reconhece a existência de desvantagens e da

exclusão na experiência da deficiência, determinando,conscientemente, medidas que visam à integração do deficiente. [14] 

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Seguindo esse encadeamento de idéias, o textoconstitucional, no que tange à deficiência, longe de tratá-la comouma tragédia individual, procura não isolar o portador de deficiência;antes pelo contrário, procura integrá-lo nos mais diversos

aspectos. [15] Essa linha, meritoriamente adotada no textoconstitucional, infelizmente não foi seguida pelo legisladorinfraconstitucional.

Desta feita, na tentativa de evitar com que as pessoasportadoras de deficiência sejam marginalizadas e excluídas docontexto social, é necessário examinar o conceito legal à luz dosditames constitucionais, estabelecendo mecanismos que melhor

assegurem e garantam a dignidade da pessoa humana e aefetividade da igualdade.

O critério adotado pelo legislador, ainda que tenha o méritode buscar a objetividade, é bastante discutível, posto que aincapacidade laborativa já faz nascer, implícita ou explicitamente, aincapacidade para a vida independente, como se observa doreferido por Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen:

O conceito de ‘pessoa portadora de deficiência’ contido no art. 203,

inciso V, da Constituição Federal, não pode ser o daquela que ostente

incapacidade para o trabalho e para a vida independente, enquanto

impossibilidade de exercício de qualquer ato da vida diária, como vestir-se,

alimentar-se e higienizar-se. A incapacidade demandada é a incapacidade

laborativa, pois daí também advém, subsidiariamente, a incapacidade para os atos

da vida independente: o só-fato de alguém não dispor de capacidade para o

trabalho já o afasta da possibilidade de viver só, uma vez que dependerá, para sua

sobrevivência, do auxílio de outras pessoas.

De fato, outra não é a teleologia do citado dispositivoconstitucional, que não a de garantir uma renda mínima às pessoasque, encontrando-se em situação de miserabilidade, nãoconseguem prover o próprio sustento, seja pela presunção deincapacidade para o trabalho, no caso do benefício assistencialdevido aos idosos, seja pela efetiva presença desta incapacidade,no caso do benefício assistencial devido aos deficientes. [16] 

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À legislação infraconstitucional não cabe restringirexcessivamente o público a ser favorecido pelo benefício, mas simdefini-lo de acordo com os limites estabelecidos pelo ditame maior.

Assim, apesar da determinação objetiva da lei, o critério dadeficiência deve ser examinado de forma mais ampla, sendoadequado, no mínimo, que se seja atrelado à incapacidadelaborativa, que, de per si, denota a insuficiência de meios para asubsistência do indivíduo.

Considere-se que o benefício assistencial constitui umapolítica pública de distribuição de renda, bem como uma garantia de

renda mínima para o público que pretende atingir, assumindogrande relevância em uma sociedade de profunda desigualdadesocial, como a brasileira, visto que tal distribuição funcionará comopressuposto para o alcance da dignidade da pessoa humana.

Assim, o benefício de prestação continuada deve serinterpretado como um instituto que procura, dentro de suaslimitações, a integração social do portador de deficiência permitindo,consequentemente, o acesso às condições mínimas de uma vida

digna.

De outra forma, o Estado estará se isentando indevidamentede uma responsabilidade assumida constitucionalmente, qual seja,a de resguardar os direitos de subsistência daqueles que,individualmente, não conseguem suprir suas necessidades. Esta éa mínima realização que se espera dos direitos sociais, com vistasao aprimoramento da democracia, da cidadania e da dignidade

humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No curso deste trabalho, procurou-se examinar acaracterização de deficiência como requisito para concessão dobenefício assistencial de prestação continuada, tendo-se comopressuposto que a abordagem do tema requer um enfoque jurídico

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que priorize a efetivação plena e assegure a força normativa doarcabouço de proteção dos direitos fundamentais inserido naConstituição Federal de 1988.

Dentre os direitos fundamentais, os direitos sociaisnecessitam de garantias que lhes assegurem eficácia e efetividade,de forma mais ampla. Considere-se a peculiaridade da realidadesocial brasileira, em que é marcada por profundas desigualdadessociais, agravadas pelo modelo econômico e pela inexistência deum padrão mínimo de qualidade de vida e cidadania. Nessecontexto, a construção de uma sociedade com garantia de padrõesaceitáveis de vida e existência digna perpassa necessariamente

pela instituição de um sistema amplo e abrangente de proteçãosocial, inclusive na vertente da assistência social.

No que toca à conceituação da pessoa portadora dedeficiência, como requisito do benefício assistencial de prestaçãocontinuada do art. 203, V, da Constituição, dentre as múltiplasconcepções de deficiência, devem ser selecionadas aquelaspropostas que impliquem em maior garantia do direito fundamentalà assistência social, promovendo a preservação da dignidade davida humana e a realização do bem comum.

Atualmente, a condição de pessoa portadora de deficiêncianão pode ser compreendida exclusivamente no aspecto da restriçãoclínico-biológica individual, mas sim ter sua apreciação valoradanuma abordagem mais ampla, sob o enfoque da dificuldade decondições de interação e de inclusão na sociedade, em decorrênciadas limitações físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais que

acometem a pessoa portadora de deficiência. Vale dizer, adeficiência deve ser ponderada em sua dimensão social, naprivação de capacidades e de oportunidades e na desigualdade decondições de inclusão social.

Assim, pessoa portadora de deficiência, para fins deconcessão do benefício de prestação continuada da Lei nº8.742/93, deve ser considerada aquela que por sua condiçãoindividual, tenha restringidas de forma significativa, as suas opçõesde acesso aos espaços, oportunidades e bens sociais.

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Nessa linha, a incapacidade de provimento do própriosustento pelo trabalho constitui elemento suficiente à caracterizaçãoda incapacidade para a vida independente, a autorizar a concessãodo benefício de prestação continuada da Lei nº 8.742/93.

Pelas mesmas razões, a deficiência traduzida naincapacidade de prover o próprio sustento pode estar fundamentadaem lesões não irreversíveis. A possibilidade de reversão dacondição de deficiência não impede a concessão do benefício deprestação continuada, dado que a definitividade não é elementotípico do conceito de deficiência. De outro modo, sequer se

 justificaria a previsão legal de revisão bianual das condições que

ensejaram a concessão do benefício (caput do artigo 21 da Lei nº8.742/93).

De tudo, verifica-se que somente com uma hermenêuticaconcretizadora se conseguirá progredir na implantação de umEstado Democrático de Direito que busque garantir o bem-estar, a

 justiça social e o respeito à dignidade da pessoa humana, de formaque se transporte à realidade social o horizonte de sentido posto naConstituição da República de 1988.

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NOTAS

1.  Ressalte-se que a jurisprudência vem ampliando o alcance desse dispositivo,

para excluir do cômputo da renda familiar não só os benefícios assistenciais,

mas também benefícios previdenciários de valor mínimo. Nesse sentido:

"Conquanto o art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03 se refiraespecificamente a outro benefício assistencial ao idoso para fins de exclusão

do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, não há como

restringi-lo a tal hipótese, deixando de se lhe aplicar analogicamente aos casos

em que verificada a existência de outros benefícios concedidos à pessoa idosa

ou deficiente, no valor de um salário mínimo, oriundos de benefício

previdenciário ou assistencial" (TRF4, APELREEX 0002175-28.2009.404.7202,

Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 14/06/2010); Na

mesma linha: "É devido o benefício assistencial a pessoa idosa, que mora comseu marido, também idoso, beneficiário de aposentadoria de um salário

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mínimo, e filho deficiente, beneficiário de amparo assistencial, já que estas

rendas devem ser excluídas do cálculo da renda familiar per capita por

aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741, de 2003"

(TRF4, AC 2008.72.99.001717-0, Quinta Turma, Relator Rômulo Pizzolatti,

D.E. 31/05/2010).

2.  Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201873, 

acesso em 18/10/2010.

3.  Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201873, 

acesso em 18/10/2010.

4.  AMIRALIAN, Maria LT et al . Conceituando deficiência. Rev. Saúde Pública

[online]. 2000, vol. 34, n. 1, pp. 97-103. ISSN 0034-8910. doi: 10.1590/S0034-

89102000000100017.

5.  World Health Organization. International classification of impairments,

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6.  BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política

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Secretaria de Atenção à Saúde  – Brasília: Editora do Ministério da Saúde,

2008. 72 p.  – (Série E. Legislação em Saúde) ISBN 978-85-334-1399-3

7.  BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. PolíticaNacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência / Ministério da Saúde,

Secretaria de Atenção à Saúde  – Brasília: Editora do Ministério da Saúde,

2008. 72 p.  – (Série E. Legislação em Saúde) ISBN 978-85-334-1399-3

8.  BRASIL. Decreto nº 129, de 18 de maio de 1991. Convenção 159 da OIT.

Disponível

em:http://www.mte.gov.br/fisca_trab/inclusao/legislacao_2_1.asp Acesso em:

19 out. 2010.

9.  GUGEL, Maria Aparecida. O trabalho do portador de deficiência:comentários ao decreto n. 3.298/99. Gênesis: revista de direito do trabalho,

v. 15, n. 88, p. 564-572, abr. 2000.

10. GOLDFARB, Cibelle Linero. Pessoas portadoras de deficiência e a relação

de emprego: o sistema de cotas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2009.

11. BRASIL. Decreto legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008. Aprova o texto da

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo

Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Artigo 1º.

Propósito. Disponívelem: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/99423 Acesso em: 18 out. 2010.

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12. FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A ONU e seu conceito

revolucionário de pessoa com deficiência. Revista LTr, vol. 72, nº. 03/263,

março de 2008.

13. ROMITA, Arion Sayão. Perspectivas do direito do trabalho no século XXI. In:

RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Direito do

trabalho: estudos em homenagem ao prof. Luiz de Pinho Pedreira da Silva.

Coordenadores: São Paulo: LTr, 1998.

14. SILVA, Marcelo Cardozo da. Aspectos do benefício de prestação

continuada. Revista AJUFERGS, Porto Alegre, n. 4, p. 187-222, 2007.

Disponível em: <http://www.ajufergs.org.br/revista_ajufergs_04.asp>. Acesso

em: 18 out. 2010

15. Idem.

16. FORTES, Simone Barbisan, e PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade

social. Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 277