o cheiro do lugar

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GESTÃO DE PESSOAS O CHEIRO DO LUGAR Nos últimos anos cada vez mais empresas no Brasil e no resto do mundo têm adotado programas de mudança cultural caros e ambiciosos, com o objetivo de modificar a mentalidade e a atitude de seu empregados. A idéia básica é que você não pode renovar um negócio sem mudar o comportamento das pessoas, que não se pode alcançar uma melhoria radical no desempenho de uma empresa sem revitalizar seus funcionários. Aí, entretanto, surge a pergunta: quais as chances de isso dar certo? Você pode realmente mudar a marcha de um cavalo velho? A resposta é conhecida: é muito pouco provável. É sabido que os adultos dificilmente mudam suas atitudes fundamentais. Ocasionalmente eles o fazem, mas somente em resposta a uma profunda tragédia pessoal, tal como a morte do cônjuge ou de um filho. Fora disso, os acontecimentos de sua vida profissional não são suficientes para mudar suas atitudes. Então, estamos diante de um problema. Renovar negócios implica revitalizar pessoas, ou seja, mudar sua mentalidade. Mas se você não pode ensinar nova marcha a cavalos velhos, o que fazer, então? Revitalizar pessoas não passa por mudar suas atitudes fundamentais. Consiste muito mais em mudar o contexto que os executivos criam em torno de seu pessoal. Em outras palavras, para revitalizar pessoas, é preciso que os altos executivos mudem sua visão sobre a gestão e suas ações no local de trabalho, influindo no comportamento de seus subordinados. A responsabilidade de criar o contexto comportamental é, assim, da alta direção da empresa. Que estou querendo dizer com o termo "contexto comportamental"? Vou tentar explicar estabelecendo uma relação com minha experiência pessoal. A cidade de Calcutá no verão Moro em Londres há alguns anos. Antes disso, lecionei no Insead e morei em Fontainebleau, na França. Mas minha cidade natal é Calcutá, que visito todo ano em julho, durante quase um mês. Por que em julho? Porque é o único período em que meus filhos têm férias suficientemente longas, já que o sentido da visita é manter seu contato com meus pais. Pense no centro de Calcutá em julho! A temperatura fica acima de 38 graus centígrados, com uma umidade relativa de 96%. Sinto-me muito cansado durante quase todo o período de férias e passo a maior parte do tempo dentro de casa, na cama. Eu morava em Fontainebleau. É uma pequena cidade, a 65 quilômetros ao sul de Paris. O que faz com que a cidade se destaque como um bom lugar para viver e trabalhar é a floresta que a circunda, uma das mais bonitas de toda a Europa. Você entra na floresta de Fontainebleau na primavera com o firme propósito de fazer uma caminhada apenas para relaxar. Mas há algo no refrescante aroma das árvores, no frescor do ar à sua volta que faz você ter vontade de correr, de saltar para pegar um galho, de arremessar uma pedra, fazer alguma coisa! Você se sente energizado demais para contentar-se em apenas fazer uma caminhada de relaxamento. Acredito que nisso está a essência da questão de revitalizar pessoas. A maioria das grandes empresas, na Índia, no Brasil e no resto do mundo, acaba criando dentro delas um centro da cidade de Calcutá no verão. É esse contexto enervante que acaba com a

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O Cheiro Do Lugar

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GESTÃO DE PESSOAS O CHEIRO DO LUGAR

Nos últimos anos cada vez mais empresas no Brasil e no resto do mundo têm adotado programas de mudança cultural caros e ambiciosos, com o objetivo de modificar a mentalidade e a atitude de seu empregados. A idéia básica é que você não pode renovar um negócio sem mudar o comportamento das pessoas, que não se pode alcançar uma melhoria radical no desempenho de uma empresa sem revitalizar seus funcionários. Aí, entretanto, surge a pergunta: quais as chances de isso dar certo? Você pode realmente mudar a marcha de um cavalo velho? A resposta é conhecida: é muito pouco provável. É sabido que os adultos dificilmente mudam suas atitudes fundamentais. Ocasionalmente eles o fazem, mas somente em resposta a uma profunda tragédia pessoal, tal como a morte do cônjuge ou de um filho. Fora disso, os acontecimentos de sua vida profissional não são suficientes para mudar suas atitudes. Então, estamos diante de um problema. Renovar negócios implica revitalizar pessoas, ou seja, mudar sua mentalidade. Mas se você não pode ensinar nova marcha a cavalos velhos, o que fazer, então? Revitalizar pessoas não passa por mudar suas atitudes fundamentais. Consiste muito mais em mudar o contexto que os executivos criam em torno de seu pessoal. Em outras palavras, para revitalizar pessoas, é preciso que os altos executivos mudem sua visão sobre a gestão e suas ações no local de trabalho, influindo no comportamento de seus subordinados. A responsabilidade de criar o contexto comportamental é, assim, da alta direção da empresa. Que estou querendo dizer com o termo "contexto comportamental"? Vou tentar explicar estabelecendo uma relação com minha experiência pessoal. A cidade de Calcutá no verão Moro em Londres há alguns anos. Antes disso, lecionei no Insead e morei em Fontainebleau, na França. Mas minha cidade natal é Calcutá, que visito todo ano em julho, durante quase um mês. Por que em julho? Porque é o único período em que meus filhos têm férias suficientemente longas, já que o sentido da visita é manter seu contato com meus pais. Pense no centro de Calcutá em julho! A temperatura fica acima de 38 graus centígrados, com uma umidade relativa de 96%. Sinto-me muito cansado durante quase todo o período de férias e passo a maior parte do tempo dentro de casa, na cama. Eu morava em Fontainebleau. É uma pequena cidade, a 65 quilômetros ao sul de Paris. O que faz com que a cidade se destaque como um bom lugar para viver e trabalhar é a floresta que a circunda, uma das mais bonitas de toda a Europa. Você entra na floresta de Fontainebleau na primavera com o firme propósito de fazer uma caminhada apenas para relaxar. Mas há algo no refrescante aroma das árvores, no frescor do ar à sua volta que faz você ter vontade de correr, de saltar para pegar um galho, de arremessar uma pedra, fazer alguma coisa! Você se sente energizado demais para contentar-se em apenas fazer uma caminhada de relaxamento. Acredito que nisso está a essência da questão de revitalizar pessoas. A maioria das grandes empresas, na Índia, no Brasil e no resto do mundo, acaba criando dentro delas um centro da cidade de Calcutá no verão. É esse contexto enervante que acaba com a

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energia e a criatividade de seus profissionais. O desafio para os executivos dessas empresas é transformar esse contexto comportamental em outro que seja tão revitalizante quanto a floresta de Fontainebleau na primavera. Pense no contexto comportamental como "o cheiro do lugar". Teorizamos muito em gestão. A realidade é que você entra num escritório de vendas, numa fábrica, num escritório central e nos primeiros 15 ou 20 minutos vai perceber o cheiro a que me refiro. Você vai perceber o cheiro da qualidade do ruído interior. Vai perceber o cheiro do olhar nos olhos das pessoas. Vai perceber o cheiro pelo modo como caminham. Qual é o cheiro do lugar nas unidades de linha de frente da maioria das empresas? Minha opinião é que, geralmente, seus contextos internos são afetados por quatro características enfraquecedoras. A primeira característica é a restrição. Executivos de alto nível criam grandes estratégias. Eles são muito sábios, têm muitas informações, têm bons funcionários. Assim, criam excelentes estratégias em função dos produtos, dos clientes, dos mercados. Eles também trabalham muito - de 16 a 18 horas por dia - e tomam todas as decisões para determinar exatamente o que precisa ser feito. Mas o que tudo isso significa para as pessoas que trabalham no escritório de vendas, ou na fábrica, oito níveis abaixo deles? O que todo aquele trabalho duro - todas aquelas decisões, todas aquelas estratégias - interessa às pessoas do chão da fábrica? Restrições. É assim que eles se sentem em relação a tudo o que vem do pessoal de cima - restrições sobre como podem usar sua própria iniciativa, criatividade e pensamento. Restrições nas escolhas que podem fazer. Restrições na alegria e entusiasmo por agir com suas próprias forças. A segunda característica é a submissão. Altos executivos criam todos os tipos de sistemas - de recursos humanos, de planejamento, de orçamento. Cada sistema se justifica por si mesmo e é, por si só, absolutamente inquestionável em seus critérios. Entretanto, que sentimentos eles despertam nos empregados da fábrica? Submissão. Todos aqueles sistemas são como uma nuvem negra sobre eles. Outro aspecto difuso do contexto da maioria das grandes empresas é o controle. Por que existe o chefe? Não apenas o chefe direto, mas também toda a infra-estrutura de gerenciamento? O máximo que os humildes funcionários que estão oito níveis abaixo do topo da empresa podem entender é que ela existe por uma e somente uma razão - para controlá-los. Para garantir que eles não façam as coisas erradamente. Finalmente, o contrato. Nós estamos utilizando cada vez mais essa palavra em qualquer aspecto do negócio. No ocidente, com certeza, mas ele está sendo introduzido cada vez mais em países como a Índia. O emprego é um contrato. O orçamento é um contrato pessoal. Relacionamentos entre colegas e departamentos e divisões são todos contratos. Esse é o ambiente interno, definido por restrição, submissão, controle e contrato. Esse é o cheiro do lugar na maioria das empresas da Índia, do Brasil ou de muitos outros países. E, afinal, que comportamentos as organizações querem das pessoas? Elas querem que os empregados tomem iniciativas. Querem que aprendam constantemente e tragam os benefícios do aprendizado para a empresa, para ajudar em seu sucesso. Mas como os executivos poderão obter esses comportamentos se criaram em volta de seu pessoal o odor do centro de Calcutá no verão?

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A floresta de Fontainebleau na primavera Quais são os atributos das organizações que criaram a floresta de Fontainebleau na primavera em seu interior? São atributos bem diferentes. Elas constroem seu contexto interno com base na força de quatro características. Primeiro, em oposição à restrição, há o esticamento. O que significa esticamento? Particularmente em grandes empresas, há uma doença penetrante chamada "subdesempenho satisfatório". Quando a empresa entra em crise, a mudança se torna fácil. O problema maior não é quando a empresa entra em crise. Ele se manifesta bem antes de a crise bater, quando a empresa está flutuando, navegando por esse modelo de subdesempenho satisfatório. Todo mundo na empresa sabe que, dados os seus recursos - marcas, qualidade, tecnologia, pessoal e aí por diante - ela não está se saindo tão bem quanto poderia. Mas, em contraste com essa realidade, as pessoas racionalizam, baixam o nível de aspirações para se satisfazer com aquele subdesempenho. Esticamento é a antítese de subdesempenho satisfatório. Significa que todo indivíduo, não importa o que esteja fazendo, está tentando fazer mais em vez de menos. Nesse processo, cada pessoa está constantemente se pressionando e, com isso, todos estão também pressionando todo mundo à sua volta, pressionando a gerência para fazer mais, para fazer melhor. Como uma empresa cria tal contexto, no qual as pessoas são "esticadas"? Isso requer uma grande mudança nas ações da alta administração. Em lugar de criar estratégias e tomar todas as decisões "lá em cima", o desafio da alta administração passa a ser criar um estimulante sentido de propósito - uma ambição empresarial geral que esteja claramente articulada e que seja estimulante para todas as pessoas, capaz de ser entendida e que possa servir de referência a elas. Então, a primeira mudança no contexto é passar de restrição para esticamento. A segunda mudança é ir de submissão para disciplina. A ausência da pesada carga de submissão não implica liberdade para o caos. Nem significa que uma empresa não possa ter sistemas. A 3M, uma das empresas que considero fascinantes, tem sistemas rigorosos, assim como a ABB e a Intel. A questão não é se uma empresa tem sistemas ou não, mas o que os gestores fazem com eles. Eles utilizam os sistemas para impor às pessoas um sentimento externo de submissão - algo com que se deve concordar - ou os utilizam para instituir autodisciplina no comportamento diário das pessoas? Autodisciplina é o gerenciamento por comprometimento. Quer dizer que todos fazem aquilo com que se comprometeram. Se alguém promete uma redução de 14% no estoque, dará a vida para cumprir a meta. Mas é mais do que apenas números. Autodisciplina significa que, se houver uma reunião às 9, todos estarão na sala às 9. Autodisciplina quer dizer que, mesmo que a direção tome uma decisão da qual você discordou, você se compromete com ela, uma vez tomada a decisão. A Intel tem uma norma chamada confrontação construtiva. As regras são claras: todo empregado, independentemente do cargo que ocupa, não só tem o direito de falar sobre qualquer tópico que o afeta, como também é obrigado a expressar suas opiniões e lutar por elas tanto quanto puder. Essa é a regra ampla da empresa, que leva a um debate vigoroso, de dar murros na mesa. Ao final da discussão, quando a decisão for tomada, as

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pessoas podem concordar ou discordar, mas todos devem se comprometer com ela. Esse é o conceito de disciplina. Em terceiro lugar, o contexto comportamental das empresas de alto desempenho substitui controle pela norma de apoio. Você atinge a mudança genuína quando as pessoas realmente acreditam que seus chefes existem não para controlar e garantir que elas não façam as coisas erradamente, mas sim por uma única razão: ajudá-las a vencer. Ajudá-las a vencer com orientação pessoal, liderança, direção ou facilitando-lhes acesso aos recursos do restante da organização. Isso cria o contexto de apoio. Finalmente, há a mudança de contrato para confiança. Não apenas como a versão instrumental, contratual, de confiança, que diz: " Se chegamos a um acordo, eu confio que você cumprirá sua parte". É muito mais do que isso. Confiança que diz: "Sabe, somos parte de uma mesma organização e eu confio em você. Eu confio em você incondicionalmente, absolutamente". Confiança é isso. De contexto a comportamentos A verdadeira fonte de vantagem competitiva para as empresas hoje não se encontra na escala ou na tecnologia. Essas se tornaram pré-requisitos - e sem elas você não tem um lugar à mesa. A fonte real de vantagem competitiva está no comportamento das pessoas, na construção de uma organização na qual cada indivíduo toma a iniciativa, colabora, tem autoconfiança. Vantagem competitiva vem de pessoas que se comprometem consigo mesmas, com suas equipes, com suas unidades, com suas organizações. Considere o caso da 3M, uma empresa construída por acidentes. O acidente mais conhecido é o bloco de notas Post-it. A 3M é uma empresa que fabrica lixas e queria uma cola bem forte para sua lixa d’água. Infelizmente, a pesquisa não deu certo e foi assim que eles conseguiram uma cola bem fraca. Durante oito anos ela ficou na prateleira, até que Art Fry encontrou uma maneira de aplicá-la em papel para criar o bloco de notas Post-it - uma das inovações de maior sucesso da 3M. Essa história é amplamente conhecida, mas o mais interessante é que toda a história da 3M é cheia de acidentes desse tipo, e a maioria de suas inovações surge dessa maneira. Executivos da 3M admitem prontamente: "Sim, nós sempre tropeçamos nessas coisas". No entanto, eles ressalvam: "Para tropeçar você precisa estar em movimento". Sem disciplina, o esticamento cria sonhadores. Pessoas pairam nas alturas, sem qualquer âncora. Sem esticamento, a disciplina torna-se corrosiva ao longo do tempo. Mas combinar os dois com as tensões entre eles levará à magia da iniciativa individual e do espírito empreendedor por toda a organização. Toda empresa está tentando obter mais colaboração em todos os níveis. E a maioria delas está achando muito difícil consegui-la de forma espontânea e voluntária. Yashiro Maruta, diretor executivo da Kao Corporation, do Japão, descreve tal colaboração como autocontrole biológico: se você cortar o dedo, qualquer órgão de seu corpo que puder dar alguma ajuda a ele vai fazê-lo automática e imediatamente. É disso que uma organização precisa. Quando uma unidade ou um indivíduo enfrenta uma oportunidade ou um problema, qualquer pessoa na empresa que possa ajudar deve fazê-lo, sem que ninguém peça. Como você consegue esse tipo de colaboração numa organização grande e complexa? Acredito que seja a combinação de apoio, de um lado, e confiança, do outro.

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Se você deseja comportamentos individuais como iniciativa, colaboração, aprendizado e assim por diante, o desafio é criar um "aroma corporativo" baseado nas normas de esticamento, disciplina, confiança e apoio. Acredito que é possível, com certeza em médias e pequenas empresas, mas também em grandes organizações, criar o cheiro da floresta de Fontainebleau na primavera e protegê-lo durante um bom tempo. Também acredito que, mesmo para uma equipe de gestores que tenha herdado o ambiente do "centro de Calcutá no verão", é possível criar essa "floresta de Fontainebleau na primavera". E que é possível fazê-lo num tempo relativamente curto, como mostra o exemplo da divisão de semicondutores da Philips. A Philips tem uma presença significativa em muitos países, inclusive no Brasil. Como é amplamente conhecido, a empresa caiu em um precipício, no final dos anos 80, e esteve muito próxima da bancarrota. O negócio que tinha mais responsabilidade pela situação da Philips naquele momento era o de semicondutores. A área de semicondutores é uma atividade intensiva em capital e exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento equivalentes a no mínimo 15% das vendas. Ela se torna inviável se a empresa não possuir de 6% a 7% do mercado global na categoria. A Philips tinha 1%. E o que é pior: com produtos errados. O alto crescimento, os produtos de grande margem estavam nos segmentos de uso final, como computadores, telecomunicações e automotivo. Os produtos da Philips estavam todos na área madura de eletrônicos de baixa margem e baixo crescimento. Considere então o "cheiro do lugar". Havia dois grupos de produtos dentro da divisão de semicondutores e um não falava com o outro. A área de semicondutores da Philips em 1989 era como o "centro de Calcutá no verão"! Hoje, a Philips não está livre da crise, ainda se defronta com sérios problemas e luta contra enormes desafios à sua frente. Mas o fluxo vermelho parou. E o que tem mantido a empresa é o negócio de semicondutores. Embora certos fatores estratégicos, ambientais e organizacionais tenham contribuído para essa dramática mudança, ela foi determinada por um conjunto de ações por parte da nova equipe de dirigentes da divisão, que alterou o contexto comportamental dentro da organização. De fato, foi na Philips que eu ouvi pela primeira vez a expressão "o cheiro do lugar", da boca de um engenheiro de sua fábrica de semicondutores de energia na Escócia. "Todos sabíamos que aqui era um bom lugar para treinamento, mas ninguém achava que fosse um lugar para fazer carreira", disse ele. "Agora, as coisas estão diferentes e já penso em ficar. O cheiro do lugar mudou." Sumantra Ghoshal / Revista EXAME, 08/03/2000 - Edição 709

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Nos últimos anos cada vez mais empresas no Brasil e no resto do mundo têm adotado programas de mudança cultural caros e ambiciosos, com o objetivo de modificar a mentalidade e a atitude de seu empregados. A idéia básica é que você não pode renovar um negócio sem mudar o comportamento das pessoas, que não se pode alcançar uma melhoria radical no desempenho de uma empresa sem revitalizar seus funcionários. Aí, entretanto, surge a pergunta: quais as chances de isso dar certo? Você pode realmente mudar a marcha de um cavalo velho? A resposta é conhecida: é muito pouco provável. É sabido que os adultos dificilmente mudam suas atitudes fundamentais. Ocasionalmente eles o fazem, mas somente em resposta a uma profunda tragédia pessoal, tal como a morte do cônjuge ou de um filho. Fora disso, os acontecimentos de sua vida profissional não são suficientes para mudar suas atitudes. Então, estamos diante de um problema. Renovar negócios implica revitalizar pessoas, ou seja, mudar sua mentalidade. Mas se você não pode ensinar nova marcha a cavalos velhos, o que fazer, então? Revitalizar pessoas não passa por mudar suas atitudes fundamentais. Consiste muito mais em mudar o contexto que os executivos criam em torno de seu pessoal. Em outras palavras, para revitalizar pessoas, é preciso que os altos executivos mudem sua visão sobre a gestão e suas ações no local de trabalho, influindo no comportamento de seus subordinados. A responsabilidade de criar o contexto comportamental é, assim, da alta direção da empresa. Que estou querendo dizer com o termo "contexto comportamental"? Vou tentar explicar estabelecendo uma relação com minha experiência pessoal. A cidade de Calcutá no verão Moro em Londres há alguns anos. Antes disso, lecionei no Insead e morei em Fontainebleau, na França. Mas minha cidade natal é Calcutá, que visito todo ano em julho, durante quase um mês. Por que em julho? Porque é o único período em que meus filhos têm férias suficientemente longas, já que o sentido da visita é manter seu contato com meus pais. Pense no centro de Calcutá em julho! A temperatura fica acima de 38 graus centígrados, com uma umidade relativa de 96%. Sinto-me muito cansado durante quase todo o período de férias e passo a maior parte do tempo dentro de casa, na cama. Eu morava em Fontainebleau. É uma pequena cidade, a 65 quilômetros ao sul de Paris. O que faz com que a cidade se destaque como um bom lugar para viver e trabalhar é a floresta que a circunda, uma das mais bonitas de toda a Europa. Você entra na floresta de Fontainebleau na primavera com o firme propósito de fazer uma caminhada apenas para relaxar. Mas há algo no refrescante aroma das árvores, no frescor do ar à sua volta que faz você ter vontade de correr, de saltar para pegar um galho, de arremessar uma pedra, fazer alguma coisa! Você se sente energizado demais para contentar-se em apenas fazer uma caminhada de relaxamento. Acredito que nisso está a essência da questão de revitalizar pessoas. A maioria das grandes empresas, na Índia, no Brasil e no resto do mundo, acaba criando dentro delas um centro da cidade de Calcutá no verão. É esse contexto enervante que acaba com a

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energia e a criatividade de seus profissionais. O desafio para os executivos dessas empresas é transformar esse contexto comportamental em outro que seja tão revitalizante quanto a floresta de Fontainebleau na primavera. Pense no contexto comportamental como "o cheiro do lugar". Teorizamos muito em gestão. A realidade é que você entra num escritório de vendas, numa fábrica, num escritório central e nos primeiros 15 ou 20 minutos vai perceber o cheiro a que me refiro. Você vai perceber o cheiro da qualidade do ruído interior. Vai perceber o cheiro do olhar nos olhos das pessoas. Vai perceber o cheiro pelo modo como caminham. Qual é o cheiro do lugar nas unidades de linha de frente da maioria das empresas? Minha opinião é que, geralmente, seus contextos internos são afetados por quatro características enfraquecedoras. A primeira característica é a restrição. Executivos de alto nível criam grandes estratégias. Eles são muito sábios, têm muitas informações, têm bons funcionários. Assim, criam excelentes estratégias em função dos produtos, dos clientes, dos mercados. Eles também trabalham muito - de 16 a 18 horas por dia - e tomam todas as decisões para determinar exatamente o que precisa ser feito. Mas o que tudo isso significa para as pessoas que trabalham no escritório de vendas, ou na fábrica, oito níveis abaixo deles? O que todo aquele trabalho duro - todas aquelas decisões, todas aquelas estratégias - interessa às pessoas do chão da fábrica? Restrições. É assim que eles se sentem em relação a tudo o que vem do pessoal de cima - restrições sobre como podem usar sua própria iniciativa, criatividade e pensamento. Restrições nas escolhas que podem fazer. Restrições na alegria e entusiasmo por agir com suas próprias forças. A segunda característica é a submissão. Altos executivos criam todos os tipos de sistemas - de recursos humanos, de planejamento, de orçamento. Cada sistema se justifica por si mesmo e é, por si só, absolutamente inquestionável em seus critérios. Entretanto, que sentimentos eles despertam nos empregados da fábrica? Submissão. Todos aqueles sistemas são como uma nuvem negra sobre eles. Outro aspecto difuso do contexto da maioria das grandes empresas é o controle. Por que existe o chefe? Não apenas o chefe direto, mas também toda a infra-estrutura de gerenciamento? O máximo que os humildes funcionários que estão oito níveis abaixo do topo da empresa podem entender é que ela existe por uma e somente uma razão - para controlá-los. Para garantir que eles não façam as coisas erradamente. Finalmente, o contrato. Nós estamos utilizando cada vez mais essa palavra em qualquer aspecto do negócio. No ocidente, com certeza, mas ele está sendo introduzido cada vez mais em países como a Índia. O emprego é um contrato. O orçamento é um contrato pessoal. Relacionamentos entre colegas e departamentos e divisões são todos contratos. Esse é o ambiente interno, definido por restrição, submissão, controle e contrato. Esse é o cheiro do lugar na maioria das empresas da Índia, do Brasil ou de muitos outros países. E, afinal, que comportamentos as organizações querem das pessoas? Elas querem que os empregados tomem iniciativas. Querem que aprendam constantemente e tragam os benefícios do aprendizado para a empresa, para ajudar em seu sucesso. Mas como os executivos poderão obter esses comportamentos se criaram em volta de seu pessoal o odor do centro de Calcutá no verão?

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A floresta de Fontainebleau na primavera Quais são os atributos das organizações que criaram a floresta de Fontainebleau na primavera em seu interior? São atributos bem diferentes. Elas constroem seu contexto interno com base na força de quatro características. Primeiro, em oposição à restrição, há o esticamento. O que significa esticamento? Particularmente em grandes empresas, há uma doença penetrante chamada "subdesempenho satisfatório". Quando a empresa entra em crise, a mudança se torna fácil. O problema maior não é quando a empresa entra em crise. Ele se manifesta bem antes de a crise bater, quando a empresa está flutuando, navegando por esse modelo de subdesempenho satisfatório. Todo mundo na empresa sabe que, dados os seus recursos - marcas, qualidade, tecnologia, pessoal e aí por diante - ela não está se saindo tão bem quanto poderia. Mas, em contraste com essa realidade, as pessoas racionalizam, baixam o nível de aspirações para se satisfazer com aquele subdesempenho. Esticamento é a antítese de subdesempenho satisfatório. Significa que todo indivíduo, não importa o que esteja fazendo, está tentando fazer mais em vez de menos. Nesse processo, cada pessoa está constantemente se pressionando e, com isso, todos estão também pressionando todo mundo à sua volta, pressionando a gerência para fazer mais, para fazer melhor. Como uma empresa cria tal contexto, no qual as pessoas são "esticadas"? Isso requer uma grande mudança nas ações da alta administração. Em lugar de criar estratégias e tomar todas as decisões "lá em cima", o desafio da alta administração passa a ser criar um estimulante sentido de propósito - uma ambição empresarial geral que esteja claramente articulada e que seja estimulante para todas as pessoas, capaz de ser entendida e que possa servir de referência a elas. Então, a primeira mudança no contexto é passar de restrição para esticamento. A segunda mudança é ir de submissão para disciplina. A ausência da pesada carga de submissão não implica liberdade para o caos. Nem significa que uma empresa não possa ter sistemas. A 3M, uma das empresas que considero fascinantes, tem sistemas rigorosos, assim como a ABB e a Intel. A questão não é se uma empresa tem sistemas ou não, mas o que os gestores fazem com eles. Eles utilizam os sistemas para impor às pessoas um sentimento externo de submissão - algo com que se deve concordar - ou os utilizam para instituir autodisciplina no comportamento diário das pessoas? Autodisciplina é o gerenciamento por comprometimento. Quer dizer que todos fazem aquilo com que se comprometeram. Se alguém promete uma redução de 14% no estoque, dará a vida para cumprir a meta. Mas é mais do que apenas números. Autodisciplina significa que, se houver uma reunião às 9, todos estarão na sala às 9. Autodisciplina quer dizer que, mesmo que a direção tome uma decisão da qual você discordou, você se compromete com ela, uma vez tomada a decisão. A Intel tem uma norma chamada confrontação construtiva. As regras são claras: todo empregado, independentemente do cargo que ocupa, não só tem o direito de falar sobre qualquer tópico que o afeta, como também é obrigado a expressar suas opiniões e lutar por elas tanto quanto puder. Essa é a regra ampla da empresa, que leva a um debate vigoroso, de dar murros na mesa. Ao final da discussão, quando a decisão for tomada, as

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pessoas podem concordar ou discordar, mas todos devem se comprometer com ela. Esse é o conceito de disciplina. Em terceiro lugar, o contexto comportamental das empresas de alto desempenho substitui controle pela norma de apoio. Você atinge a mudança genuína quando as pessoas realmente acreditam que seus chefes existem não para controlar e garantir que elas não façam as coisas erradamente, mas sim por uma única razão: ajudá-las a vencer. Ajudá-las a vencer com orientação pessoal, liderança, direção ou facilitando-lhes acesso aos recursos do restante da organização. Isso cria o contexto de apoio. Finalmente, há a mudança de contrato para confiança. Não apenas como a versão instrumental, contratual, de confiança, que diz: " Se chegamos a um acordo, eu confio que você cumprirá sua parte". É muito mais do que isso. Confiança que diz: "Sabe, somos parte de uma mesma organização e eu confio em você. Eu confio em você incondicionalmente, absolutamente". Confiança é isso. De contexto a comportamentos A verdadeira fonte de vantagem competitiva para as empresas hoje não se encontra na escala ou na tecnologia. Essas se tornaram pré-requisitos - e sem elas você não tem um lugar à mesa. A fonte real de vantagem competitiva está no comportamento das pessoas, na construção de uma organização na qual cada indivíduo toma a iniciativa, colabora, tem autoconfiança. Vantagem competitiva vem de pessoas que se comprometem consigo mesmas, com suas equipes, com suas unidades, com suas organizações. Considere o caso da 3M, uma empresa construída por acidentes. O acidente mais conhecido é o bloco de notas Post-it. A 3M é uma empresa que fabrica lixas e queria uma cola bem forte para sua lixa d’água. Infelizmente, a pesquisa não deu certo e foi assim que eles conseguiram uma cola bem fraca. Durante oito anos ela ficou na prateleira, até que Art Fry encontrou uma maneira de aplicá-la em papel para criar o bloco de notas Post-it - uma das inovações de maior sucesso da 3M. Essa história é amplamente conhecida, mas o mais interessante é que toda a história da 3M é cheia de acidentes desse tipo, e a maioria de suas inovações surge dessa maneira. Executivos da 3M admitem prontamente: "Sim, nós sempre tropeçamos nessas coisas". No entanto, eles ressalvam: "Para tropeçar você precisa estar em movimento". Sem disciplina, o esticamento cria sonhadores. Pessoas pairam nas alturas, sem qualquer âncora. Sem esticamento, a disciplina torna-se corrosiva ao longo do tempo. Mas combinar os dois com as tensões entre eles levará à magia da iniciativa individual e do espírito empreendedor por toda a organização. Toda empresa está tentando obter mais colaboração em todos os níveis. E a maioria delas está achando muito difícil consegui-la de forma espontânea e voluntária. Yashiro Maruta, diretor executivo da Kao Corporation, do Japão, descreve tal colaboração como autocontrole biológico: se você cortar o dedo, qualquer órgão de seu corpo que puder dar alguma ajuda a ele vai fazê-lo automática e imediatamente. É disso que uma organização precisa. Quando uma unidade ou um indivíduo enfrenta uma oportunidade ou um problema, qualquer pessoa na empresa que possa ajudar deve fazê-lo, sem que ninguém peça. Como você consegue esse tipo de colaboração numa organização grande e complexa? Acredito que seja a combinação de apoio, de um lado, e confiança, do outro.

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Se você deseja comportamentos individuais como iniciativa, colaboração, aprendizado e assim por diante, o desafio é criar um "aroma corporativo" baseado nas normas de esticamento, disciplina, confiança e apoio. Acredito que é possível, com certeza em médias e pequenas empresas, mas também em grandes organizações, criar o cheiro da floresta de Fontainebleau na primavera e protegê-lo durante um bom tempo. Também acredito que, mesmo para uma equipe de gestores que tenha herdado o ambiente do "centro de Calcutá no verão", é possível criar essa "floresta de Fontainebleau na primavera". E que é possível fazê-lo num tempo relativamente curto, como mostra o exemplo da divisão de semicondutores da Philips. A Philips tem uma presença significativa em muitos países, inclusive no Brasil. Como é amplamente conhecido, a empresa caiu em um precipício, no final dos anos 80, e esteve muito próxima da bancarrota. O negócio que tinha mais responsabilidade pela situação da Philips naquele momento era o de semicondutores. A área de semicondutores é uma atividade intensiva em capital e exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento equivalentes a no mínimo 15% das vendas. Ela se torna inviável se a empresa não possuir de 6% a 7% do mercado global na categoria. A Philips tinha 1%. E o que é pior: com produtos errados. O alto crescimento, os produtos de grande margem estavam nos segmentos de uso final, como computadores, telecomunicações e automotivo. Os produtos da Philips estavam todos na área madura de eletrônicos de baixa margem e baixo crescimento. Considere então o "cheiro do lugar". Havia dois grupos de produtos dentro da divisão de semicondutores e um não falava com o outro. A área de semicondutores da Philips em 1989 era como o "centro de Calcutá no verão"! Hoje, a Philips não está livre da crise, ainda se defronta com sérios problemas e luta contra enormes desafios à sua frente. Mas o fluxo vermelho parou. E o que tem mantido a empresa é o negócio de semicondutores. Embora certos fatores estratégicos, ambientais e organizacionais tenham contribuído para essa dramática mudança, ela foi determinada por um conjunto de ações por parte da nova equipe de dirigentes da divisão, que alterou o contexto comportamental dentro da organização. De fato, foi na Philips que eu ouvi pela primeira vez a expressão "o cheiro do lugar", da boca de um engenheiro de sua fábrica de semicondutores de energia na Escócia. "Todos sabíamos que aqui era um bom lugar para treinamento, mas ninguém achava que fosse um lugar para fazer carreira", disse ele. "Agora, as coisas estão diferentes e já penso em ficar. O cheiro do lugar mudou." Sumantra Ghoshal / Revista EXAME, 08/03/2000 - Edição 709

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Nos últimos anos cada vez mais empresas no Brasil e no resto do mundo têm adotado programas de mudança cultural caros e ambiciosos, com o objetivo de modificar a mentalidade e a atitude de seu empregados. A idéia básica é que você não pode renovar um negócio sem mudar o comportamento das pessoas, que não se pode alcançar uma melhoria radical no desempenho de uma empresa sem revitalizar seus funcionários. Aí, entretanto, surge a pergunta: quais as chances de isso dar certo? Você pode realmente mudar a marcha de um cavalo velho? A resposta é conhecida: é muito pouco provável. É sabido que os adultos dificilmente mudam suas atitudes fundamentais. Ocasionalmente eles o fazem, mas somente em resposta a uma profunda tragédia pessoal, tal como a morte do cônjuge ou de um filho. Fora disso, os acontecimentos de sua vida profissional não são suficientes para mudar suas atitudes. Então, estamos diante de um problema. Renovar negócios implica revitalizar pessoas, ou seja, mudar sua mentalidade. Mas se você não pode ensinar nova marcha a cavalos velhos, o que fazer, então? Revitalizar pessoas não passa por mudar suas atitudes fundamentais. Consiste muito mais em mudar o contexto que os executivos criam em torno de seu pessoal. Em outras palavras, para revitalizar pessoas, é preciso que os altos executivos mudem sua visão sobre a gestão e suas ações no local de trabalho, influindo no comportamento de seus subordinados. A responsabilidade de criar o contexto comportamental é, assim, da alta direção da empresa. Que estou querendo dizer com o termo "contexto comportamental"? Vou tentar explicar estabelecendo uma relação com minha experiência pessoal. A cidade de Calcutá no verão Moro em Londres há alguns anos. Antes disso, lecionei no Insead e morei em Fontainebleau, na França. Mas minha cidade natal é Calcutá, que visito todo ano em julho, durante quase um mês. Por que em julho? Porque é o único período em que meus filhos têm férias suficientemente longas, já que o sentido da visita é manter seu contato com meus pais. Pense no centro de Calcutá em julho! A temperatura fica acima de 38 graus centígrados, com uma umidade relativa de 96%. Sinto-me muito cansado durante quase todo o período de férias e passo a maior parte do tempo dentro de casa, na cama. Eu morava em Fontainebleau. É uma pequena cidade, a 65 quilômetros ao sul de Paris. O que faz com que a cidade se destaque como um bom lugar para viver e trabalhar é a floresta que a circunda, uma das mais bonitas de toda a Europa. Você entra na floresta de Fontainebleau na primavera com o firme propósito de fazer uma caminhada apenas para relaxar. Mas há algo no refrescante aroma das árvores, no frescor do ar à sua volta que faz você ter vontade de correr, de saltar para pegar um galho, de arremessar uma pedra, fazer alguma coisa! Você se sente energizado demais para contentar-se em apenas fazer uma caminhada de relaxamento. Acredito que nisso está a essência da questão de revitalizar pessoas. A maioria das grandes empresas, na Índia, no Brasil e no resto do mundo, acaba criando dentro delas um centro da cidade de Calcutá no verão. É esse contexto enervante que acaba com a

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energia e a criatividade de seus profissionais. O desafio para os executivos dessas empresas é transformar esse contexto comportamental em outro que seja tão revitalizante quanto a floresta de Fontainebleau na primavera. Pense no contexto comportamental como "o cheiro do lugar". Teorizamos muito em gestão. A realidade é que você entra num escritório de vendas, numa fábrica, num escritório central e nos primeiros 15 ou 20 minutos vai perceber o cheiro a que me refiro. Você vai perceber o cheiro da qualidade do ruído interior. Vai perceber o cheiro do olhar nos olhos das pessoas. Vai perceber o cheiro pelo modo como caminham. Qual é o cheiro do lugar nas unidades de linha de frente da maioria das empresas? Minha opinião é que, geralmente, seus contextos internos são afetados por quatro características enfraquecedoras. A primeira característica é a restrição. Executivos de alto nível criam grandes estratégias. Eles são muito sábios, têm muitas informações, têm bons funcionários. Assim, criam excelentes estratégias em função dos produtos, dos clientes, dos mercados. Eles também trabalham muito - de 16 a 18 horas por dia - e tomam todas as decisões para determinar exatamente o que precisa ser feito. Mas o que tudo isso significa para as pessoas que trabalham no escritório de vendas, ou na fábrica, oito níveis abaixo deles? O que todo aquele trabalho duro - todas aquelas decisões, todas aquelas estratégias - interessa às pessoas do chão da fábrica? Restrições. É assim que eles se sentem em relação a tudo o que vem do pessoal de cima - restrições sobre como podem usar sua própria iniciativa, criatividade e pensamento. Restrições nas escolhas que podem fazer. Restrições na alegria e entusiasmo por agir com suas próprias forças. A segunda característica é a submissão. Altos executivos criam todos os tipos de sistemas - de recursos humanos, de planejamento, de orçamento. Cada sistema se justifica por si mesmo e é, por si só, absolutamente inquestionável em seus critérios. Entretanto, que sentimentos eles despertam nos empregados da fábrica? Submissão. Todos aqueles sistemas são como uma nuvem negra sobre eles. Outro aspecto difuso do contexto da maioria das grandes empresas é o controle. Por que existe o chefe? Não apenas o chefe direto, mas também toda a infra-estrutura de gerenciamento? O máximo que os humildes funcionários que estão oito níveis abaixo do topo da empresa podem entender é que ela existe por uma e somente uma razão - para controlá-los. Para garantir que eles não façam as coisas erradamente. Finalmente, o contrato. Nós estamos utilizando cada vez mais essa palavra em qualquer aspecto do negócio. No ocidente, com certeza, mas ele está sendo introduzido cada vez mais em países como a Índia. O emprego é um contrato. O orçamento é um contrato pessoal. Relacionamentos entre colegas e departamentos e divisões são todos contratos. Esse é o ambiente interno, definido por restrição, submissão, controle e contrato. Esse é o cheiro do lugar na maioria das empresas da Índia, do Brasil ou de muitos outros países. E, afinal, que comportamentos as organizações querem das pessoas? Elas querem que os empregados tomem iniciativas. Querem que aprendam constantemente e tragam os benefícios do aprendizado para a empresa, para ajudar em seu sucesso. Mas como os executivos poderão obter esses comportamentos se criaram em volta de seu pessoal o odor do centro de Calcutá no verão?

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A floresta de Fontainebleau na primavera Quais são os atributos das organizações que criaram a floresta de Fontainebleau na primavera em seu interior? São atributos bem diferentes. Elas constroem seu contexto interno com base na força de quatro características. Primeiro, em oposição à restrição, há o esticamento. O que significa esticamento? Particularmente em grandes empresas, há uma doença penetrante chamada "subdesempenho satisfatório". Quando a empresa entra em crise, a mudança se torna fácil. O problema maior não é quando a empresa entra em crise. Ele se manifesta bem antes de a crise bater, quando a empresa está flutuando, navegando por esse modelo de subdesempenho satisfatório. Todo mundo na empresa sabe que, dados os seus recursos - marcas, qualidade, tecnologia, pessoal e aí por diante - ela não está se saindo tão bem quanto poderia. Mas, em contraste com essa realidade, as pessoas racionalizam, baixam o nível de aspirações para se satisfazer com aquele subdesempenho. Esticamento é a antítese de subdesempenho satisfatório. Significa que todo indivíduo, não importa o que esteja fazendo, está tentando fazer mais em vez de menos. Nesse processo, cada pessoa está constantemente se pressionando e, com isso, todos estão também pressionando todo mundo à sua volta, pressionando a gerência para fazer mais, para fazer melhor. Como uma empresa cria tal contexto, no qual as pessoas são "esticadas"? Isso requer uma grande mudança nas ações da alta administração. Em lugar de criar estratégias e tomar todas as decisões "lá em cima", o desafio da alta administração passa a ser criar um estimulante sentido de propósito - uma ambição empresarial geral que esteja claramente articulada e que seja estimulante para todas as pessoas, capaz de ser entendida e que possa servir de referência a elas. Então, a primeira mudança no contexto é passar de restrição para esticamento. A segunda mudança é ir de submissão para disciplina. A ausência da pesada carga de submissão não implica liberdade para o caos. Nem significa que uma empresa não possa ter sistemas. A 3M, uma das empresas que considero fascinantes, tem sistemas rigorosos, assim como a ABB e a Intel. A questão não é se uma empresa tem sistemas ou não, mas o que os gestores fazem com eles. Eles utilizam os sistemas para impor às pessoas um sentimento externo de submissão - algo com que se deve concordar - ou os utilizam para instituir autodisciplina no comportamento diário das pessoas? Autodisciplina é o gerenciamento por comprometimento. Quer dizer que todos fazem aquilo com que se comprometeram. Se alguém promete uma redução de 14% no estoque, dará a vida para cumprir a meta. Mas é mais do que apenas números. Autodisciplina significa que, se houver uma reunião às 9, todos estarão na sala às 9. Autodisciplina quer dizer que, mesmo que a direção tome uma decisão da qual você discordou, você se compromete com ela, uma vez tomada a decisão. A Intel tem uma norma chamada confrontação construtiva. As regras são claras: todo empregado, independentemente do cargo que ocupa, não só tem o direito de falar sobre qualquer tópico que o afeta, como também é obrigado a expressar suas opiniões e lutar por elas tanto quanto puder. Essa é a regra ampla da empresa, que leva a um debate vigoroso, de dar murros na mesa. Ao final da discussão, quando a decisão for tomada, as

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pessoas podem concordar ou discordar, mas todos devem se comprometer com ela. Esse é o conceito de disciplina. Em terceiro lugar, o contexto comportamental das empresas de alto desempenho substitui controle pela norma de apoio. Você atinge a mudança genuína quando as pessoas realmente acreditam que seus chefes existem não para controlar e garantir que elas não façam as coisas erradamente, mas sim por uma única razão: ajudá-las a vencer. Ajudá-las a vencer com orientação pessoal, liderança, direção ou facilitando-lhes acesso aos recursos do restante da organização. Isso cria o contexto de apoio. Finalmente, há a mudança de contrato para confiança. Não apenas como a versão instrumental, contratual, de confiança, que diz: " Se chegamos a um acordo, eu confio que você cumprirá sua parte". É muito mais do que isso. Confiança que diz: "Sabe, somos parte de uma mesma organização e eu confio em você. Eu confio em você incondicionalmente, absolutamente". Confiança é isso. De contexto a comportamentos A verdadeira fonte de vantagem competitiva para as empresas hoje não se encontra na escala ou na tecnologia. Essas se tornaram pré-requisitos - e sem elas você não tem um lugar à mesa. A fonte real de vantagem competitiva está no comportamento das pessoas, na construção de uma organização na qual cada indivíduo toma a iniciativa, colabora, tem autoconfiança. Vantagem competitiva vem de pessoas que se comprometem consigo mesmas, com suas equipes, com suas unidades, com suas organizações. Considere o caso da 3M, uma empresa construída por acidentes. O acidente mais conhecido é o bloco de notas Post-it. A 3M é uma empresa que fabrica lixas e queria uma cola bem forte para sua lixa d’água. Infelizmente, a pesquisa não deu certo e foi assim que eles conseguiram uma cola bem fraca. Durante oito anos ela ficou na prateleira, até que Art Fry encontrou uma maneira de aplicá-la em papel para criar o bloco de notas Post-it - uma das inovações de maior sucesso da 3M. Essa história é amplamente conhecida, mas o mais interessante é que toda a história da 3M é cheia de acidentes desse tipo, e a maioria de suas inovações surge dessa maneira. Executivos da 3M admitem prontamente: "Sim, nós sempre tropeçamos nessas coisas". No entanto, eles ressalvam: "Para tropeçar você precisa estar em movimento". Sem disciplina, o esticamento cria sonhadores. Pessoas pairam nas alturas, sem qualquer âncora. Sem esticamento, a disciplina torna-se corrosiva ao longo do tempo. Mas combinar os dois com as tensões entre eles levará à magia da iniciativa individual e do espírito empreendedor por toda a organização. Toda empresa está tentando obter mais colaboração em todos os níveis. E a maioria delas está achando muito difícil consegui-la de forma espontânea e voluntária. Yashiro Maruta, diretor executivo da Kao Corporation, do Japão, descreve tal colaboração como autocontrole biológico: se você cortar o dedo, qualquer órgão de seu corpo que puder dar alguma ajuda a ele vai fazê-lo automática e imediatamente. É disso que uma organização precisa. Quando uma unidade ou um indivíduo enfrenta uma oportunidade ou um problema, qualquer pessoa na empresa que possa ajudar deve fazê-lo, sem que ninguém peça. Como você consegue esse tipo de colaboração numa organização grande e complexa? Acredito que seja a combinação de apoio, de um lado, e confiança, do outro.

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Se você deseja comportamentos individuais como iniciativa, colaboração, aprendizado e assim por diante, o desafio é criar um "aroma corporativo" baseado nas normas de esticamento, disciplina, confiança e apoio. Acredito que é possível, com certeza em médias e pequenas empresas, mas também em grandes organizações, criar o cheiro da floresta de Fontainebleau na primavera e protegê-lo durante um bom tempo. Também acredito que, mesmo para uma equipe de gestores que tenha herdado o ambiente do "centro de Calcutá no verão", é possível criar essa "floresta de Fontainebleau na primavera". E que é possível fazê-lo num tempo relativamente curto, como mostra o exemplo da divisão de semicondutores da Philips. A Philips tem uma presença significativa em muitos países, inclusive no Brasil. Como é amplamente conhecido, a empresa caiu em um precipício, no final dos anos 80, e esteve muito próxima da bancarrota. O negócio que tinha mais responsabilidade pela situação da Philips naquele momento era o de semicondutores. A área de semicondutores é uma atividade intensiva em capital e exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento equivalentes a no mínimo 15% das vendas. Ela se torna inviável se a empresa não possuir de 6% a 7% do mercado global na categoria. A Philips tinha 1%. E o que é pior: com produtos errados. O alto crescimento, os produtos de grande margem estavam nos segmentos de uso final, como computadores, telecomunicações e automotivo. Os produtos da Philips estavam todos na área madura de eletrônicos de baixa margem e baixo crescimento. Considere então o "cheiro do lugar". Havia dois grupos de produtos dentro da divisão de semicondutores e um não falava com o outro. A área de semicondutores da Philips em 1989 era como o "centro de Calcutá no verão"! Hoje, a Philips não está livre da crise, ainda se defronta com sérios problemas e luta contra enormes desafios à sua frente. Mas o fluxo vermelho parou. E o que tem mantido a empresa é o negócio de semicondutores. Embora certos fatores estratégicos, ambientais e organizacionais tenham contribuído para essa dramática mudança, ela foi determinada por um conjunto de ações por parte da nova equipe de dirigentes da divisão, que alterou o contexto comportamental dentro da organização. De fato, foi na Philips que eu ouvi pela primeira vez a expressão "o cheiro do lugar", da boca de um engenheiro de sua fábrica de semicondutores de energia na Escócia. "Todos sabíamos que aqui era um bom lugar para treinamento, mas ninguém achava que fosse um lugar para fazer carreira", disse ele. "Agora, as coisas estão diferentes e já penso em ficar. O cheiro do lugar mudou." Sumantra Ghoshal / Revista EXAME, 08/03/2000 - Edição 709

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Nos últimos anos cada vez mais empresas no Brasil e no resto do mundo têm adotado programas de mudança cultural caros e ambiciosos, com o objetivo de modificar a mentalidade e a atitude de seu empregados. A idéia básica é que você não pode renovar um negócio sem mudar o comportamento das pessoas, que não se pode alcançar uma melhoria radical no desempenho de uma empresa sem revitalizar seus funcionários. Aí, entretanto, surge a pergunta: quais as chances de isso dar certo? Você pode realmente mudar a marcha de um cavalo velho? A resposta é conhecida: é muito pouco provável. É sabido que os adultos dificilmente mudam suas atitudes fundamentais. Ocasionalmente eles o fazem, mas somente em resposta a uma profunda tragédia pessoal, tal como a morte do cônjuge ou de um filho. Fora disso, os acontecimentos de sua vida profissional não são suficientes para mudar suas atitudes. Então, estamos diante de um problema. Renovar negócios implica revitalizar pessoas, ou seja, mudar sua mentalidade. Mas se você não pode ensinar nova marcha a cavalos velhos, o que fazer, então? Revitalizar pessoas não passa por mudar suas atitudes fundamentais. Consiste muito mais em mudar o contexto que os executivos criam em torno de seu pessoal. Em outras palavras, para revitalizar pessoas, é preciso que os altos executivos mudem sua visão sobre a gestão e suas ações no local de trabalho, influindo no comportamento de seus subordinados. A responsabilidade de criar o contexto comportamental é, assim, da alta direção da empresa. Que estou querendo dizer com o termo "contexto comportamental"? Vou tentar explicar estabelecendo uma relação com minha experiência pessoal. A cidade de Calcutá no verão Moro em Londres há alguns anos. Antes disso, lecionei no Insead e morei em Fontainebleau, na França. Mas minha cidade natal é Calcutá, que visito todo ano em julho, durante quase um mês. Por que em julho? Porque é o único período em que meus filhos têm férias suficientemente longas, já que o sentido da visita é manter seu contato com meus pais. Pense no centro de Calcutá em julho! A temperatura fica acima de 38 graus centígrados, com uma umidade relativa de 96%. Sinto-me muito cansado durante quase todo o período de férias e passo a maior parte do tempo dentro de casa, na cama. Eu morava em Fontainebleau. É uma pequena cidade, a 65 quilômetros ao sul de Paris. O que faz com que a cidade se destaque como um bom lugar para viver e trabalhar é a floresta que a circunda, uma das mais bonitas de toda a Europa. Você entra na floresta de Fontainebleau na primavera com o firme propósito de fazer uma caminhada apenas para relaxar. Mas há algo no refrescante aroma das árvores, no frescor do ar à sua volta que faz você ter vontade de correr, de saltar para pegar um galho, de arremessar uma pedra, fazer alguma coisa! Você se sente energizado demais para contentar-se em apenas fazer uma caminhada de relaxamento. Acredito que nisso está a essência da questão de revitalizar pessoas. A maioria das grandes empresas, na Índia, no Brasil e no resto do mundo, acaba criando dentro delas um centro da cidade de Calcutá no verão. É esse contexto enervante que acaba com a

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energia e a criatividade de seus profissionais. O desafio para os executivos dessas empresas é transformar esse contexto comportamental em outro que seja tão revitalizante quanto a floresta de Fontainebleau na primavera. Pense no contexto comportamental como "o cheiro do lugar". Teorizamos muito em gestão. A realidade é que você entra num escritório de vendas, numa fábrica, num escritório central e nos primeiros 15 ou 20 minutos vai perceber o cheiro a que me refiro. Você vai perceber o cheiro da qualidade do ruído interior. Vai perceber o cheiro do olhar nos olhos das pessoas. Vai perceber o cheiro pelo modo como caminham. Qual é o cheiro do lugar nas unidades de linha de frente da maioria das empresas? Minha opinião é que, geralmente, seus contextos internos são afetados por quatro características enfraquecedoras. A primeira característica é a restrição. Executivos de alto nível criam grandes estratégias. Eles são muito sábios, têm muitas informações, têm bons funcionários. Assim, criam excelentes estratégias em função dos produtos, dos clientes, dos mercados. Eles também trabalham muito - de 16 a 18 horas por dia - e tomam todas as decisões para determinar exatamente o que precisa ser feito. Mas o que tudo isso significa para as pessoas que trabalham no escritório de vendas, ou na fábrica, oito níveis abaixo deles? O que todo aquele trabalho duro - todas aquelas decisões, todas aquelas estratégias - interessa às pessoas do chão da fábrica? Restrições. É assim que eles se sentem em relação a tudo o que vem do pessoal de cima - restrições sobre como podem usar sua própria iniciativa, criatividade e pensamento. Restrições nas escolhas que podem fazer. Restrições na alegria e entusiasmo por agir com suas próprias forças. A segunda característica é a submissão. Altos executivos criam todos os tipos de sistemas - de recursos humanos, de planejamento, de orçamento. Cada sistema se justifica por si mesmo e é, por si só, absolutamente inquestionável em seus critérios. Entretanto, que sentimentos eles despertam nos empregados da fábrica? Submissão. Todos aqueles sistemas são como uma nuvem negra sobre eles. Outro aspecto difuso do contexto da maioria das grandes empresas é o controle. Por que existe o chefe? Não apenas o chefe direto, mas também toda a infra-estrutura de gerenciamento? O máximo que os humildes funcionários que estão oito níveis abaixo do topo da empresa podem entender é que ela existe por uma e somente uma razão - para controlá-los. Para garantir que eles não façam as coisas erradamente. Finalmente, o contrato. Nós estamos utilizando cada vez mais essa palavra em qualquer aspecto do negócio. No ocidente, com certeza, mas ele está sendo introduzido cada vez mais em países como a Índia. O emprego é um contrato. O orçamento é um contrato pessoal. Relacionamentos entre colegas e departamentos e divisões são todos contratos. Esse é o ambiente interno, definido por restrição, submissão, controle e contrato. Esse é o cheiro do lugar na maioria das empresas da Índia, do Brasil ou de muitos outros países. E, afinal, que comportamentos as organizações querem das pessoas? Elas querem que os empregados tomem iniciativas. Querem que aprendam constantemente e tragam os benefícios do aprendizado para a empresa, para ajudar em seu sucesso. Mas como os executivos poderão obter esses comportamentos se criaram em volta de seu pessoal o odor do centro de Calcutá no verão?

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A floresta de Fontainebleau na primavera Quais são os atributos das organizações que criaram a floresta de Fontainebleau na primavera em seu interior? São atributos bem diferentes. Elas constroem seu contexto interno com base na força de quatro características. Primeiro, em oposição à restrição, há o esticamento. O que significa esticamento? Particularmente em grandes empresas, há uma doença penetrante chamada "subdesempenho satisfatório". Quando a empresa entra em crise, a mudança se torna fácil. O problema maior não é quando a empresa entra em crise. Ele se manifesta bem antes de a crise bater, quando a empresa está flutuando, navegando por esse modelo de subdesempenho satisfatório. Todo mundo na empresa sabe que, dados os seus recursos - marcas, qualidade, tecnologia, pessoal e aí por diante - ela não está se saindo tão bem quanto poderia. Mas, em contraste com essa realidade, as pessoas racionalizam, baixam o nível de aspirações para se satisfazer com aquele subdesempenho. Esticamento é a antítese de subdesempenho satisfatório. Significa que todo indivíduo, não importa o que esteja fazendo, está tentando fazer mais em vez de menos. Nesse processo, cada pessoa está constantemente se pressionando e, com isso, todos estão também pressionando todo mundo à sua volta, pressionando a gerência para fazer mais, para fazer melhor. Como uma empresa cria tal contexto, no qual as pessoas são "esticadas"? Isso requer uma grande mudança nas ações da alta administração. Em lugar de criar estratégias e tomar todas as decisões "lá em cima", o desafio da alta administração passa a ser criar um estimulante sentido de propósito - uma ambição empresarial geral que esteja claramente articulada e que seja estimulante para todas as pessoas, capaz de ser entendida e que possa servir de referência a elas. Então, a primeira mudança no contexto é passar de restrição para esticamento. A segunda mudança é ir de submissão para disciplina. A ausência da pesada carga de submissão não implica liberdade para o caos. Nem significa que uma empresa não possa ter sistemas. A 3M, uma das empresas que considero fascinantes, tem sistemas rigorosos, assim como a ABB e a Intel. A questão não é se uma empresa tem sistemas ou não, mas o que os gestores fazem com eles. Eles utilizam os sistemas para impor às pessoas um sentimento externo de submissão - algo com que se deve concordar - ou os utilizam para instituir autodisciplina no comportamento diário das pessoas? Autodisciplina é o gerenciamento por comprometimento. Quer dizer que todos fazem aquilo com que se comprometeram. Se alguém promete uma redução de 14% no estoque, dará a vida para cumprir a meta. Mas é mais do que apenas números. Autodisciplina significa que, se houver uma reunião às 9, todos estarão na sala às 9. Autodisciplina quer dizer que, mesmo que a direção tome uma decisão da qual você discordou, você se compromete com ela, uma vez tomada a decisão. A Intel tem uma norma chamada confrontação construtiva. As regras são claras: todo empregado, independentemente do cargo que ocupa, não só tem o direito de falar sobre qualquer tópico que o afeta, como também é obrigado a expressar suas opiniões e lutar por elas tanto quanto puder. Essa é a regra ampla da empresa, que leva a um debate vigoroso, de dar murros na mesa. Ao final da discussão, quando a decisão for tomada, as

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pessoas podem concordar ou discordar, mas todos devem se comprometer com ela. Esse é o conceito de disciplina. Em terceiro lugar, o contexto comportamental das empresas de alto desempenho substitui controle pela norma de apoio. Você atinge a mudança genuína quando as pessoas realmente acreditam que seus chefes existem não para controlar e garantir que elas não façam as coisas erradamente, mas sim por uma única razão: ajudá-las a vencer. Ajudá-las a vencer com orientação pessoal, liderança, direção ou facilitando-lhes acesso aos recursos do restante da organização. Isso cria o contexto de apoio. Finalmente, há a mudança de contrato para confiança. Não apenas como a versão instrumental, contratual, de confiança, que diz: " Se chegamos a um acordo, eu confio que você cumprirá sua parte". É muito mais do que isso. Confiança que diz: "Sabe, somos parte de uma mesma organização e eu confio em você. Eu confio em você incondicionalmente, absolutamente". Confiança é isso. De contexto a comportamentos A verdadeira fonte de vantagem competitiva para as empresas hoje não se encontra na escala ou na tecnologia. Essas se tornaram pré-requisitos - e sem elas você não tem um lugar à mesa. A fonte real de vantagem competitiva está no comportamento das pessoas, na construção de uma organização na qual cada indivíduo toma a iniciativa, colabora, tem autoconfiança. Vantagem competitiva vem de pessoas que se comprometem consigo mesmas, com suas equipes, com suas unidades, com suas organizações. Considere o caso da 3M, uma empresa construída por acidentes. O acidente mais conhecido é o bloco de notas Post-it. A 3M é uma empresa que fabrica lixas e queria uma cola bem forte para sua lixa d’água. Infelizmente, a pesquisa não deu certo e foi assim que eles conseguiram uma cola bem fraca. Durante oito anos ela ficou na prateleira, até que Art Fry encontrou uma maneira de aplicá-la em papel para criar o bloco de notas Post-it - uma das inovações de maior sucesso da 3M. Essa história é amplamente conhecida, mas o mais interessante é que toda a história da 3M é cheia de acidentes desse tipo, e a maioria de suas inovações surge dessa maneira. Executivos da 3M admitem prontamente: "Sim, nós sempre tropeçamos nessas coisas". No entanto, eles ressalvam: "Para tropeçar você precisa estar em movimento". Sem disciplina, o esticamento cria sonhadores. Pessoas pairam nas alturas, sem qualquer âncora. Sem esticamento, a disciplina torna-se corrosiva ao longo do tempo. Mas combinar os dois com as tensões entre eles levará à magia da iniciativa individual e do espírito empreendedor por toda a organização. Toda empresa está tentando obter mais colaboração em todos os níveis. E a maioria delas está achando muito difícil consegui-la de forma espontânea e voluntária. Yashiro Maruta, diretor executivo da Kao Corporation, do Japão, descreve tal colaboração como autocontrole biológico: se você cortar o dedo, qualquer órgão de seu corpo que puder dar alguma ajuda a ele vai fazê-lo automática e imediatamente. É disso que uma organização precisa. Quando uma unidade ou um indivíduo enfrenta uma oportunidade ou um problema, qualquer pessoa na empresa que possa ajudar deve fazê-lo, sem que ninguém peça. Como você consegue esse tipo de colaboração numa organização grande e complexa? Acredito que seja a combinação de apoio, de um lado, e confiança, do outro.

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Se você deseja comportamentos individuais como iniciativa, colaboração, aprendizado e assim por diante, o desafio é criar um "aroma corporativo" baseado nas normas de esticamento, disciplina, confiança e apoio. Acredito que é possível, com certeza em médias e pequenas empresas, mas também em grandes organizações, criar o cheiro da floresta de Fontainebleau na primavera e protegê-lo durante um bom tempo. Também acredito que, mesmo para uma equipe de gestores que tenha herdado o ambiente do "centro de Calcutá no verão", é possível criar essa "floresta de Fontainebleau na primavera". E que é possível fazê-lo num tempo relativamente curto, como mostra o exemplo da divisão de semicondutores da Philips. A Philips tem uma presença significativa em muitos países, inclusive no Brasil. Como é amplamente conhecido, a empresa caiu em um precipício, no final dos anos 80, e esteve muito próxima da bancarrota. O negócio que tinha mais responsabilidade pela situação da Philips naquele momento era o de semicondutores. A área de semicondutores é uma atividade intensiva em capital e exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento equivalentes a no mínimo 15% das vendas. Ela se torna inviável se a empresa não possuir de 6% a 7% do mercado global na categoria. A Philips tinha 1%. E o que é pior: com produtos errados. O alto crescimento, os produtos de grande margem estavam nos segmentos de uso final, como computadores, telecomunicações e automotivo. Os produtos da Philips estavam todos na área madura de eletrônicos de baixa margem e baixo crescimento. Considere então o "cheiro do lugar". Havia dois grupos de produtos dentro da divisão de semicondutores e um não falava com o outro. A área de semicondutores da Philips em 1989 era como o "centro de Calcutá no verão"! Hoje, a Philips não está livre da crise, ainda se defronta com sérios problemas e luta contra enormes desafios à sua frente. Mas o fluxo vermelho parou. E o que tem mantido a empresa é o negócio de semicondutores. Embora certos fatores estratégicos, ambientais e organizacionais tenham contribuído para essa dramática mudança, ela foi determinada por um conjunto de ações por parte da nova equipe de dirigentes da divisão, que alterou o contexto comportamental dentro da organização. De fato, foi na Philips que eu ouvi pela primeira vez a expressão "o cheiro do lugar", da boca de um engenheiro de sua fábrica de semicondutores de energia na Escócia. "Todos sabíamos que aqui era um bom lugar para treinamento, mas ninguém achava que fosse um lugar para fazer carreira", disse ele. "Agora, as coisas estão diferentes e já penso em ficar. O cheiro do lugar mudou." Sumantra Ghoshal / Revista EXAME, 08/03/2000 - Edição 709

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Nos últimos anos cada vez mais empresas no Brasil e no resto do mundo têm adotado programas de mudança cultural caros e ambiciosos, com o objetivo de modificar a mentalidade e a atitude de seu empregados. A idéia básica é que você não pode renovar um negócio sem mudar o comportamento das pessoas, que não se pode alcançar uma melhoria radical no desempenho de uma empresa sem revitalizar seus funcionários. Aí, entretanto, surge a pergunta: quais as chances de isso dar certo? Você pode realmente mudar a marcha de um cavalo velho? A resposta é conhecida: é muito pouco provável. É sabido que os adultos dificilmente mudam suas atitudes fundamentais. Ocasionalmente eles o fazem, mas somente em resposta a uma profunda tragédia pessoal, tal como a morte do cônjuge ou de um filho. Fora disso, os acontecimentos de sua vida profissional não são suficientes para mudar suas atitudes. Então, estamos diante de um problema. Renovar negócios implica revitalizar pessoas, ou seja, mudar sua mentalidade. Mas se você não pode ensinar nova marcha a cavalos velhos, o que fazer, então? Revitalizar pessoas não passa por mudar suas atitudes fundamentais. Consiste muito mais em mudar o contexto que os executivos criam em torno de seu pessoal. Em outras palavras, para revitalizar pessoas, é preciso que os altos executivos mudem sua visão sobre a gestão e suas ações no local de trabalho, influindo no comportamento de seus subordinados. A responsabilidade de criar o contexto comportamental é, assim, da alta direção da empresa. Que estou querendo dizer com o termo "contexto comportamental"? Vou tentar explicar estabelecendo uma relação com minha experiência pessoal. A cidade de Calcutá no verão Moro em Londres há alguns anos. Antes disso, lecionei no Insead e morei em Fontainebleau, na França. Mas minha cidade natal é Calcutá, que visito todo ano em julho, durante quase um mês. Por que em julho? Porque é o único período em que meus filhos têm férias suficientemente longas, já que o sentido da visita é manter seu contato com meus pais. Pense no centro de Calcutá em julho! A temperatura fica acima de 38 graus centígrados, com uma umidade relativa de 96%. Sinto-me muito cansado durante quase todo o período de férias e passo a maior parte do tempo dentro de casa, na cama. Eu morava em Fontainebleau. É uma pequena cidade, a 65 quilômetros ao sul de Paris. O que faz com que a cidade se destaque como um bom lugar para viver e trabalhar é a floresta que a circunda, uma das mais bonitas de toda a Europa. Você entra na floresta de Fontainebleau na primavera com o firme propósito de fazer uma caminhada apenas para relaxar. Mas há algo no refrescante aroma das árvores, no frescor do ar à sua volta que faz você ter vontade de correr, de saltar para pegar um galho, de arremessar uma pedra, fazer alguma coisa! Você se sente energizado demais para contentar-se em apenas fazer uma caminhada de relaxamento. Acredito que nisso está a essência da questão de revitalizar pessoas. A maioria das grandes empresas, na Índia, no Brasil e no resto do mundo, acaba criando dentro delas um centro da cidade de Calcutá no verão. É esse contexto enervante que acaba com a

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energia e a criatividade de seus profissionais. O desafio para os executivos dessas empresas é transformar esse contexto comportamental em outro que seja tão revitalizante quanto a floresta de Fontainebleau na primavera. Pense no contexto comportamental como "o cheiro do lugar". Teorizamos muito em gestão. A realidade é que você entra num escritório de vendas, numa fábrica, num escritório central e nos primeiros 15 ou 20 minutos vai perceber o cheiro a que me refiro. Você vai perceber o cheiro da qualidade do ruído interior. Vai perceber o cheiro do olhar nos olhos das pessoas. Vai perceber o cheiro pelo modo como caminham. Qual é o cheiro do lugar nas unidades de linha de frente da maioria das empresas? Minha opinião é que, geralmente, seus contextos internos são afetados por quatro características enfraquecedoras. A primeira característica é a restrição. Executivos de alto nível criam grandes estratégias. Eles são muito sábios, têm muitas informações, têm bons funcionários. Assim, criam excelentes estratégias em função dos produtos, dos clientes, dos mercados. Eles também trabalham muito - de 16 a 18 horas por dia - e tomam todas as decisões para determinar exatamente o que precisa ser feito. Mas o que tudo isso significa para as pessoas que trabalham no escritório de vendas, ou na fábrica, oito níveis abaixo deles? O que todo aquele trabalho duro - todas aquelas decisões, todas aquelas estratégias - interessa às pessoas do chão da fábrica? Restrições. É assim que eles se sentem em relação a tudo o que vem do pessoal de cima - restrições sobre como podem usar sua própria iniciativa, criatividade e pensamento. Restrições nas escolhas que podem fazer. Restrições na alegria e entusiasmo por agir com suas próprias forças. A segunda característica é a submissão. Altos executivos criam todos os tipos de sistemas - de recursos humanos, de planejamento, de orçamento. Cada sistema se justifica por si mesmo e é, por si só, absolutamente inquestionável em seus critérios. Entretanto, que sentimentos eles despertam nos empregados da fábrica? Submissão. Todos aqueles sistemas são como uma nuvem negra sobre eles. Outro aspecto difuso do contexto da maioria das grandes empresas é o controle. Por que existe o chefe? Não apenas o chefe direto, mas também toda a infra-estrutura de gerenciamento? O máximo que os humildes funcionários que estão oito níveis abaixo do topo da empresa podem entender é que ela existe por uma e somente uma razão - para controlá-los. Para garantir que eles não façam as coisas erradamente. Finalmente, o contrato. Nós estamos utilizando cada vez mais essa palavra em qualquer aspecto do negócio. No ocidente, com certeza, mas ele está sendo introduzido cada vez mais em países como a Índia. O emprego é um contrato. O orçamento é um contrato pessoal. Relacionamentos entre colegas e departamentos e divisões são todos contratos. Esse é o ambiente interno, definido por restrição, submissão, controle e contrato. Esse é o cheiro do lugar na maioria das empresas da Índia, do Brasil ou de muitos outros países. E, afinal, que comportamentos as organizações querem das pessoas? Elas querem que os empregados tomem iniciativas. Querem que aprendam constantemente e tragam os benefícios do aprendizado para a empresa, para ajudar em seu sucesso. Mas como os executivos poderão obter esses comportamentos se criaram em volta de seu pessoal o odor do centro de Calcutá no verão?

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A floresta de Fontainebleau na primavera Quais são os atributos das organizações que criaram a floresta de Fontainebleau na primavera em seu interior? São atributos bem diferentes. Elas constroem seu contexto interno com base na força de quatro características. Primeiro, em oposição à restrição, há o esticamento. O que significa esticamento? Particularmente em grandes empresas, há uma doença penetrante chamada "subdesempenho satisfatório". Quando a empresa entra em crise, a mudança se torna fácil. O problema maior não é quando a empresa entra em crise. Ele se manifesta bem antes de a crise bater, quando a empresa está flutuando, navegando por esse modelo de subdesempenho satisfatório. Todo mundo na empresa sabe que, dados os seus recursos - marcas, qualidade, tecnologia, pessoal e aí por diante - ela não está se saindo tão bem quanto poderia. Mas, em contraste com essa realidade, as pessoas racionalizam, baixam o nível de aspirações para se satisfazer com aquele subdesempenho. Esticamento é a antítese de subdesempenho satisfatório. Significa que todo indivíduo, não importa o que esteja fazendo, está tentando fazer mais em vez de menos. Nesse processo, cada pessoa está constantemente se pressionando e, com isso, todos estão também pressionando todo mundo à sua volta, pressionando a gerência para fazer mais, para fazer melhor. Como uma empresa cria tal contexto, no qual as pessoas são "esticadas"? Isso requer uma grande mudança nas ações da alta administração. Em lugar de criar estratégias e tomar todas as decisões "lá em cima", o desafio da alta administração passa a ser criar um estimulante sentido de propósito - uma ambição empresarial geral que esteja claramente articulada e que seja estimulante para todas as pessoas, capaz de ser entendida e que possa servir de referência a elas. Então, a primeira mudança no contexto é passar de restrição para esticamento. A segunda mudança é ir de submissão para disciplina. A ausência da pesada carga de submissão não implica liberdade para o caos. Nem significa que uma empresa não possa ter sistemas. A 3M, uma das empresas que considero fascinantes, tem sistemas rigorosos, assim como a ABB e a Intel. A questão não é se uma empresa tem sistemas ou não, mas o que os gestores fazem com eles. Eles utilizam os sistemas para impor às pessoas um sentimento externo de submissão - algo com que se deve concordar - ou os utilizam para instituir autodisciplina no comportamento diário das pessoas? Autodisciplina é o gerenciamento por comprometimento. Quer dizer que todos fazem aquilo com que se comprometeram. Se alguém promete uma redução de 14% no estoque, dará a vida para cumprir a meta. Mas é mais do que apenas números. Autodisciplina significa que, se houver uma reunião às 9, todos estarão na sala às 9. Autodisciplina quer dizer que, mesmo que a direção tome uma decisão da qual você discordou, você se compromete com ela, uma vez tomada a decisão. A Intel tem uma norma chamada confrontação construtiva. As regras são claras: todo empregado, independentemente do cargo que ocupa, não só tem o direito de falar sobre qualquer tópico que o afeta, como também é obrigado a expressar suas opiniões e lutar por elas tanto quanto puder. Essa é a regra ampla da empresa, que leva a um debate vigoroso, de dar murros na mesa. Ao final da discussão, quando a decisão for tomada, as

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pessoas podem concordar ou discordar, mas todos devem se comprometer com ela. Esse é o conceito de disciplina. Em terceiro lugar, o contexto comportamental das empresas de alto desempenho substitui controle pela norma de apoio. Você atinge a mudança genuína quando as pessoas realmente acreditam que seus chefes existem não para controlar e garantir que elas não façam as coisas erradamente, mas sim por uma única razão: ajudá-las a vencer. Ajudá-las a vencer com orientação pessoal, liderança, direção ou facilitando-lhes acesso aos recursos do restante da organização. Isso cria o contexto de apoio. Finalmente, há a mudança de contrato para confiança. Não apenas como a versão instrumental, contratual, de confiança, que diz: " Se chegamos a um acordo, eu confio que você cumprirá sua parte". É muito mais do que isso. Confiança que diz: "Sabe, somos parte de uma mesma organização e eu confio em você. Eu confio em você incondicionalmente, absolutamente". Confiança é isso. De contexto a comportamentos A verdadeira fonte de vantagem competitiva para as empresas hoje não se encontra na escala ou na tecnologia. Essas se tornaram pré-requisitos - e sem elas você não tem um lugar à mesa. A fonte real de vantagem competitiva está no comportamento das pessoas, na construção de uma organização na qual cada indivíduo toma a iniciativa, colabora, tem autoconfiança. Vantagem competitiva vem de pessoas que se comprometem consigo mesmas, com suas equipes, com suas unidades, com suas organizações. Considere o caso da 3M, uma empresa construída por acidentes. O acidente mais conhecido é o bloco de notas Post-it. A 3M é uma empresa que fabrica lixas e queria uma cola bem forte para sua lixa d’água. Infelizmente, a pesquisa não deu certo e foi assim que eles conseguiram uma cola bem fraca. Durante oito anos ela ficou na prateleira, até que Art Fry encontrou uma maneira de aplicá-la em papel para criar o bloco de notas Post-it - uma das inovações de maior sucesso da 3M. Essa história é amplamente conhecida, mas o mais interessante é que toda a história da 3M é cheia de acidentes desse tipo, e a maioria de suas inovações surge dessa maneira. Executivos da 3M admitem prontamente: "Sim, nós sempre tropeçamos nessas coisas". No entanto, eles ressalvam: "Para tropeçar você precisa estar em movimento". Sem disciplina, o esticamento cria sonhadores. Pessoas pairam nas alturas, sem qualquer âncora. Sem esticamento, a disciplina torna-se corrosiva ao longo do tempo. Mas combinar os dois com as tensões entre eles levará à magia da iniciativa individual e do espírito empreendedor por toda a organização. Toda empresa está tentando obter mais colaboração em todos os níveis. E a maioria delas está achando muito difícil consegui-la de forma espontânea e voluntária. Yashiro Maruta, diretor executivo da Kao Corporation, do Japão, descreve tal colaboração como autocontrole biológico: se você cortar o dedo, qualquer órgão de seu corpo que puder dar alguma ajuda a ele vai fazê-lo automática e imediatamente. É disso que uma organização precisa. Quando uma unidade ou um indivíduo enfrenta uma oportunidade ou um problema, qualquer pessoa na empresa que possa ajudar deve fazê-lo, sem que ninguém peça. Como você consegue esse tipo de colaboração numa organização grande e complexa? Acredito que seja a combinação de apoio, de um lado, e confiança, do outro.

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Se você deseja comportamentos individuais como iniciativa, colaboração, aprendizado e assim por diante, o desafio é criar um "aroma corporativo" baseado nas normas de esticamento, disciplina, confiança e apoio. Acredito que é possível, com certeza em médias e pequenas empresas, mas também em grandes organizações, criar o cheiro da floresta de Fontainebleau na primavera e protegê-lo durante um bom tempo. Também acredito que, mesmo para uma equipe de gestores que tenha herdado o ambiente do "centro de Calcutá no verão", é possível criar essa "floresta de Fontainebleau na primavera". E que é possível fazê-lo num tempo relativamente curto, como mostra o exemplo da divisão de semicondutores da Philips. A Philips tem uma presença significativa em muitos países, inclusive no Brasil. Como é amplamente conhecido, a empresa caiu em um precipício, no final dos anos 80, e esteve muito próxima da bancarrota. O negócio que tinha mais responsabilidade pela situação da Philips naquele momento era o de semicondutores. A área de semicondutores é uma atividade intensiva em capital e exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento equivalentes a no mínimo 15% das vendas. Ela se torna inviável se a empresa não possuir de 6% a 7% do mercado global na categoria. A Philips tinha 1%. E o que é pior: com produtos errados. O alto crescimento, os produtos de grande margem estavam nos segmentos de uso final, como computadores, telecomunicações e automotivo. Os produtos da Philips estavam todos na área madura de eletrônicos de baixa margem e baixo crescimento. Considere então o "cheiro do lugar". Havia dois grupos de produtos dentro da divisão de semicondutores e um não falava com o outro. A área de semicondutores da Philips em 1989 era como o "centro de Calcutá no verão"! Hoje, a Philips não está livre da crise, ainda se defronta com sérios problemas e luta contra enormes desafios à sua frente. Mas o fluxo vermelho parou. E o que tem mantido a empresa é o negócio de semicondutores. Embora certos fatores estratégicos, ambientais e organizacionais tenham contribuído para essa dramática mudança, ela foi determinada por um conjunto de ações por parte da nova equipe de dirigentes da divisão, que alterou o contexto comportamental dentro da organização. De fato, foi na Philips que eu ouvi pela primeira vez a expressão "o cheiro do lugar", da boca de um engenheiro de sua fábrica de semicondutores de energia na Escócia. "Todos sabíamos que aqui era um bom lugar para treinamento, mas ninguém achava que fosse um lugar para fazer carreira", disse ele. "Agora, as coisas estão diferentes e já penso em ficar. O cheiro do lugar mudou." Sumantra Ghoshal / Revista EXAME, 08/03/2000 - Edição 709

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Nos últimos anos cada vez mais empresas no Brasil e no resto do mundo têm adotado programas de mudança cultural caros e ambiciosos, com o objetivo de modificar a mentalidade e a atitude de seu empregados. A idéia básica é que você não pode renovar um negócio sem mudar o comportamento das pessoas, que não se pode alcançar uma melhoria radical no desempenho de uma empresa sem revitalizar seus funcionários. Aí, entretanto, surge a pergunta: quais as chances de isso dar certo? Você pode realmente mudar a marcha de um cavalo velho? A resposta é conhecida: é muito pouco provável. É sabido que os adultos dificilmente mudam suas atitudes fundamentais. Ocasionalmente eles o fazem, mas somente em resposta a uma profunda tragédia pessoal, tal como a morte do cônjuge ou de um filho. Fora disso, os acontecimentos de sua vida profissional não são suficientes para mudar suas atitudes. Então, estamos diante de um problema. Renovar negócios implica revitalizar pessoas, ou seja, mudar sua mentalidade. Mas se você não pode ensinar nova marcha a cavalos velhos, o que fazer, então? Revitalizar pessoas não passa por mudar suas atitudes fundamentais. Consiste muito mais em mudar o contexto que os executivos criam em torno de seu pessoal. Em outras palavras, para revitalizar pessoas, é preciso que os altos executivos mudem sua visão sobre a gestão e suas ações no local de trabalho, influindo no comportamento de seus subordinados. A responsabilidade de criar o contexto comportamental é, assim, da alta direção da empresa. Que estou querendo dizer com o termo "contexto comportamental"? Vou tentar explicar estabelecendo uma relação com minha experiência pessoal. A cidade de Calcutá no verão Moro em Londres há alguns anos. Antes disso, lecionei no Insead e morei em Fontainebleau, na França. Mas minha cidade natal é Calcutá, que visito todo ano em julho, durante quase um mês. Por que em julho? Porque é o único período em que meus filhos têm férias suficientemente longas, já que o sentido da visita é manter seu contato com meus pais. Pense no centro de Calcutá em julho! A temperatura fica acima de 38 graus centígrados, com uma umidade relativa de 96%. Sinto-me muito cansado durante quase todo o período de férias e passo a maior parte do tempo dentro de casa, na cama. Eu morava em Fontainebleau. É uma pequena cidade, a 65 quilômetros ao sul de Paris. O que faz com que a cidade se destaque como um bom lugar para viver e trabalhar é a floresta que a circunda, uma das mais bonitas de toda a Europa. Você entra na floresta de Fontainebleau na primavera com o firme propósito de fazer uma caminhada apenas para relaxar. Mas há algo no refrescante aroma das árvores, no frescor do ar à sua volta que faz você ter vontade de correr, de saltar para pegar um galho, de arremessar uma pedra, fazer alguma coisa! Você se sente energizado demais para contentar-se em apenas fazer uma caminhada de relaxamento. Acredito que nisso está a essência da questão de revitalizar pessoas. A maioria das grandes empresas, na Índia, no Brasil e no resto do mundo, acaba criando dentro delas um centro da cidade de Calcutá no verão. É esse contexto enervante que acaba com a

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energia e a criatividade de seus profissionais. O desafio para os executivos dessas empresas é transformar esse contexto comportamental em outro que seja tão revitalizante quanto a floresta de Fontainebleau na primavera. Pense no contexto comportamental como "o cheiro do lugar". Teorizamos muito em gestão. A realidade é que você entra num escritório de vendas, numa fábrica, num escritório central e nos primeiros 15 ou 20 minutos vai perceber o cheiro a que me refiro. Você vai perceber o cheiro da qualidade do ruído interior. Vai perceber o cheiro do olhar nos olhos das pessoas. Vai perceber o cheiro pelo modo como caminham. Qual é o cheiro do lugar nas unidades de linha de frente da maioria das empresas? Minha opinião é que, geralmente, seus contextos internos são afetados por quatro características enfraquecedoras. A primeira característica é a restrição. Executivos de alto nível criam grandes estratégias. Eles são muito sábios, têm muitas informações, têm bons funcionários. Assim, criam excelentes estratégias em função dos produtos, dos clientes, dos mercados. Eles também trabalham muito - de 16 a 18 horas por dia - e tomam todas as decisões para determinar exatamente o que precisa ser feito. Mas o que tudo isso significa para as pessoas que trabalham no escritório de vendas, ou na fábrica, oito níveis abaixo deles? O que todo aquele trabalho duro - todas aquelas decisões, todas aquelas estratégias - interessa às pessoas do chão da fábrica? Restrições. É assim que eles se sentem em relação a tudo o que vem do pessoal de cima - restrições sobre como podem usar sua própria iniciativa, criatividade e pensamento. Restrições nas escolhas que podem fazer. Restrições na alegria e entusiasmo por agir com suas próprias forças. A segunda característica é a submissão. Altos executivos criam todos os tipos de sistemas - de recursos humanos, de planejamento, de orçamento. Cada sistema se justifica por si mesmo e é, por si só, absolutamente inquestionável em seus critérios. Entretanto, que sentimentos eles despertam nos empregados da fábrica? Submissão. Todos aqueles sistemas são como uma nuvem negra sobre eles. Outro aspecto difuso do contexto da maioria das grandes empresas é o controle. Por que existe o chefe? Não apenas o chefe direto, mas também toda a infra-estrutura de gerenciamento? O máximo que os humildes funcionários que estão oito níveis abaixo do topo da empresa podem entender é que ela existe por uma e somente uma razão - para controlá-los. Para garantir que eles não façam as coisas erradamente. Finalmente, o contrato. Nós estamos utilizando cada vez mais essa palavra em qualquer aspecto do negócio. No ocidente, com certeza, mas ele está sendo introduzido cada vez mais em países como a Índia. O emprego é um contrato. O orçamento é um contrato pessoal. Relacionamentos entre colegas e departamentos e divisões são todos contratos. Esse é o ambiente interno, definido por restrição, submissão, controle e contrato. Esse é o cheiro do lugar na maioria das empresas da Índia, do Brasil ou de muitos outros países. E, afinal, que comportamentos as organizações querem das pessoas? Elas querem que os empregados tomem iniciativas. Querem que aprendam constantemente e tragam os benefícios do aprendizado para a empresa, para ajudar em seu sucesso. Mas como os executivos poderão obter esses comportamentos se criaram em volta de seu pessoal o odor do centro de Calcutá no verão?

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A floresta de Fontainebleau na primavera Quais são os atributos das organizações que criaram a floresta de Fontainebleau na primavera em seu interior? São atributos bem diferentes. Elas constroem seu contexto interno com base na força de quatro características. Primeiro, em oposição à restrição, há o esticamento. O que significa esticamento? Particularmente em grandes empresas, há uma doença penetrante chamada "subdesempenho satisfatório". Quando a empresa entra em crise, a mudança se torna fácil. O problema maior não é quando a empresa entra em crise. Ele se manifesta bem antes de a crise bater, quando a empresa está flutuando, navegando por esse modelo de subdesempenho satisfatório. Todo mundo na empresa sabe que, dados os seus recursos - marcas, qualidade, tecnologia, pessoal e aí por diante - ela não está se saindo tão bem quanto poderia. Mas, em contraste com essa realidade, as pessoas racionalizam, baixam o nível de aspirações para se satisfazer com aquele subdesempenho. Esticamento é a antítese de subdesempenho satisfatório. Significa que todo indivíduo, não importa o que esteja fazendo, está tentando fazer mais em vez de menos. Nesse processo, cada pessoa está constantemente se pressionando e, com isso, todos estão também pressionando todo mundo à sua volta, pressionando a gerência para fazer mais, para fazer melhor. Como uma empresa cria tal contexto, no qual as pessoas são "esticadas"? Isso requer uma grande mudança nas ações da alta administração. Em lugar de criar estratégias e tomar todas as decisões "lá em cima", o desafio da alta administração passa a ser criar um estimulante sentido de propósito - uma ambição empresarial geral que esteja claramente articulada e que seja estimulante para todas as pessoas, capaz de ser entendida e que possa servir de referência a elas. Então, a primeira mudança no contexto é passar de restrição para esticamento. A segunda mudança é ir de submissão para disciplina. A ausência da pesada carga de submissão não implica liberdade para o caos. Nem significa que uma empresa não possa ter sistemas. A 3M, uma das empresas que considero fascinantes, tem sistemas rigorosos, assim como a ABB e a Intel. A questão não é se uma empresa tem sistemas ou não, mas o que os gestores fazem com eles. Eles utilizam os sistemas para impor às pessoas um sentimento externo de submissão - algo com que se deve concordar - ou os utilizam para instituir autodisciplina no comportamento diário das pessoas? Autodisciplina é o gerenciamento por comprometimento. Quer dizer que todos fazem aquilo com que se comprometeram. Se alguém promete uma redução de 14% no estoque, dará a vida para cumprir a meta. Mas é mais do que apenas números. Autodisciplina significa que, se houver uma reunião às 9, todos estarão na sala às 9. Autodisciplina quer dizer que, mesmo que a direção tome uma decisão da qual você discordou, você se compromete com ela, uma vez tomada a decisão. A Intel tem uma norma chamada confrontação construtiva. As regras são claras: todo empregado, independentemente do cargo que ocupa, não só tem o direito de falar sobre qualquer tópico que o afeta, como também é obrigado a expressar suas opiniões e lutar por elas tanto quanto puder. Essa é a regra ampla da empresa, que leva a um debate vigoroso, de dar murros na mesa. Ao final da discussão, quando a decisão for tomada, as

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pessoas podem concordar ou discordar, mas todos devem se comprometer com ela. Esse é o conceito de disciplina. Em terceiro lugar, o contexto comportamental das empresas de alto desempenho substitui controle pela norma de apoio. Você atinge a mudança genuína quando as pessoas realmente acreditam que seus chefes existem não para controlar e garantir que elas não façam as coisas erradamente, mas sim por uma única razão: ajudá-las a vencer. Ajudá-las a vencer com orientação pessoal, liderança, direção ou facilitando-lhes acesso aos recursos do restante da organização. Isso cria o contexto de apoio. Finalmente, há a mudança de contrato para confiança. Não apenas como a versão instrumental, contratual, de confiança, que diz: " Se chegamos a um acordo, eu confio que você cumprirá sua parte". É muito mais do que isso. Confiança que diz: "Sabe, somos parte de uma mesma organização e eu confio em você. Eu confio em você incondicionalmente, absolutamente". Confiança é isso. De contexto a comportamentos A verdadeira fonte de vantagem competitiva para as empresas hoje não se encontra na escala ou na tecnologia. Essas se tornaram pré-requisitos - e sem elas você não tem um lugar à mesa. A fonte real de vantagem competitiva está no comportamento das pessoas, na construção de uma organização na qual cada indivíduo toma a iniciativa, colabora, tem autoconfiança. Vantagem competitiva vem de pessoas que se comprometem consigo mesmas, com suas equipes, com suas unidades, com suas organizações. Considere o caso da 3M, uma empresa construída por acidentes. O acidente mais conhecido é o bloco de notas Post-it. A 3M é uma empresa que fabrica lixas e queria uma cola bem forte para sua lixa d’água. Infelizmente, a pesquisa não deu certo e foi assim que eles conseguiram uma cola bem fraca. Durante oito anos ela ficou na prateleira, até que Art Fry encontrou uma maneira de aplicá-la em papel para criar o bloco de notas Post-it - uma das inovações de maior sucesso da 3M. Essa história é amplamente conhecida, mas o mais interessante é que toda a história da 3M é cheia de acidentes desse tipo, e a maioria de suas inovações surge dessa maneira. Executivos da 3M admitem prontamente: "Sim, nós sempre tropeçamos nessas coisas". No entanto, eles ressalvam: "Para tropeçar você precisa estar em movimento". Sem disciplina, o esticamento cria sonhadores. Pessoas pairam nas alturas, sem qualquer âncora. Sem esticamento, a disciplina torna-se corrosiva ao longo do tempo. Mas combinar os dois com as tensões entre eles levará à magia da iniciativa individual e do espírito empreendedor por toda a organização. Toda empresa está tentando obter mais colaboração em todos os níveis. E a maioria delas está achando muito difícil consegui-la de forma espontânea e voluntária. Yashiro Maruta, diretor executivo da Kao Corporation, do Japão, descreve tal colaboração como autocontrole biológico: se você cortar o dedo, qualquer órgão de seu corpo que puder dar alguma ajuda a ele vai fazê-lo automática e imediatamente. É disso que uma organização precisa. Quando uma unidade ou um indivíduo enfrenta uma oportunidade ou um problema, qualquer pessoa na empresa que possa ajudar deve fazê-lo, sem que ninguém peça. Como você consegue esse tipo de colaboração numa organização grande e complexa? Acredito que seja a combinação de apoio, de um lado, e confiança, do outro.

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Se você deseja comportamentos individuais como iniciativa, colaboração, aprendizado e assim por diante, o desafio é criar um "aroma corporativo" baseado nas normas de esticamento, disciplina, confiança e apoio. Acredito que é possível, com certeza em médias e pequenas empresas, mas também em grandes organizações, criar o cheiro da floresta de Fontainebleau na primavera e protegê-lo durante um bom tempo. Também acredito que, mesmo para uma equipe de gestores que tenha herdado o ambiente do "centro de Calcutá no verão", é possível criar essa "floresta de Fontainebleau na primavera". E que é possível fazê-lo num tempo relativamente curto, como mostra o exemplo da divisão de semicondutores da Philips. A Philips tem uma presença significativa em muitos países, inclusive no Brasil. Como é amplamente conhecido, a empresa caiu em um precipício, no final dos anos 80, e esteve muito próxima da bancarrota. O negócio que tinha mais responsabilidade pela situação da Philips naquele momento era o de semicondutores. A área de semicondutores é uma atividade intensiva em capital e exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento equivalentes a no mínimo 15% das vendas. Ela se torna inviável se a empresa não possuir de 6% a 7% do mercado global na categoria. A Philips tinha 1%. E o que é pior: com produtos errados. O alto crescimento, os produtos de grande margem estavam nos segmentos de uso final, como computadores, telecomunicações e automotivo. Os produtos da Philips estavam todos na área madura de eletrônicos de baixa margem e baixo crescimento. Considere então o "cheiro do lugar". Havia dois grupos de produtos dentro da divisão de semicondutores e um não falava com o outro. A área de semicondutores da Philips em 1989 era como o "centro de Calcutá no verão"! Hoje, a Philips não está livre da crise, ainda se defronta com sérios problemas e luta contra enormes desafios à sua frente. Mas o fluxo vermelho parou. E o que tem mantido a empresa é o negócio de semicondutores. Embora certos fatores estratégicos, ambientais e organizacionais tenham contribuído para essa dramática mudança, ela foi determinada por um conjunto de ações por parte da nova equipe de dirigentes da divisão, que alterou o contexto comportamental dentro da organização. De fato, foi na Philips que eu ouvi pela primeira vez a expressão "o cheiro do lugar", da boca de um engenheiro de sua fábrica de semicondutores de energia na Escócia. "Todos sabíamos que aqui era um bom lugar para treinamento, mas ninguém achava que fosse um lugar para fazer carreira", disse ele. "Agora, as coisas estão diferentes e já penso em ficar. O cheiro do lugar mudou." Sumantra Ghoshal / Revista EXAME, 08/03/2000 - Edição 709