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O cérebro e seu funcionamento Reflexões sobre tratamento medicamentoso.
Sônia Nemi
O objetivo deste texto não é responder todas as perguntas que os interessados possam ter
sobre o tema; pretendo apenas iluminar aspectos, talvez desconhecidos ou por vezes
negligenciados para, além de despertar uma percepção mais apurada sobre o tema, também
instigar curiosidade e ainda mais questionamentos. Acima de tudo meu objetivo é estimular
familiares e pessoas com transtornos que exijam tratamento medicamentoso, para que, juntos,
possam compor, conscientemente, a rede de apoio que deve ser formada com psiquiatra,
terapeuta e outros profissionais, em benefício do resgate da saúde do sistema relacional que busca
ajuda.
Inconsciente coletivo sobre medicações:
Nos tempos atuais, a tecnologia cibernética possibilita a concepção de medicamentos cada
vez mais eficazes para as mais diversas doenças psiquiátricas. Ainda assim, as pessoas resistem ao
seu uso, aprisionadas que estão pela memória coletiva da época em que se chamava de louco todo
aquele que apresentava algum transtorno considerado mental e o efeito colateral das medicações
utilizadas na ocasião, que deixava o paciente “lerdo” e sem autonomia.
Tal entendimento arcaico nada mais é que uma crença. Mudar crenças implica enriquecer e
modificar o quadro de referências pessoal, com informações atualizadas. Naturalmente é muito
mais fácil para o cliente concordar que precisa buscar um psiquiatra e seguir suas instruções, se ele
e sua família tiverem pelo menos uma pequena noção de como o cérebro e as medicações atuais
funcionam. Afinal, como qualquer órgão do corpo humano, quando o cérebro adoece, ele também
precisa ser tratado.
O funcionamento do cérebro1:
A comunicação, no cérebro, ocorre continuamente, através de impulsos nervosos, ao longo
de milhares de neurônios. Esses impulsos são informações e, para que elas sejam transmitidas,
inúmeros fenômenos químicos acontecem na fenda sináptica que é onde os neurônios se
encontram. As informações são específicas e relacionadas a determinados estados de espírito e ou
1 Inspirado nos textos de Drª Sofia Bauer, Centro de Estudos de Hipnoterapia, BH, MG.
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comportamentos; elas variam de acordo com os estímulos que a pessoa recebe e as emoções que
sente na sua vida cotidiana.
O neurônio pré-sináptico, que está mandando a mensagem, produz o neurotransmissor
que se dirige para o neurônio pós-sináptico no receptor final. A molécula do neurotransmissor que
sai de dentro do neurônio, tem a forma de uma chave que só cabe numa determinada fechadura,
chamada local receptor, no neurônio pós-sináptico. Quando a chave escorrega para dentro da
fechadura, e a conexão se completa, a mensagem é recebida e o receptor é ativado.
Após essa ativação, uma vez que o trabalho foi completado, a molécula neurotransmissora
se solta novamente e retorna ao neurônio inicial.
Neurotransmissores são proteínas. Centenas deles são conhecidos até o momento e outras
tantas deverão ser descobertos no futuro. Nesse texto, o funcionamento do cérebro será entendido
a partir dos seguintes neurotransmissores: dopamina, serotonina e noradrenalina.
A dopamina é responsável pela atividade física, os movimentos, o ânimo, a memória, o
pensamento lógico, a inteligência e a fala. A baixa de dopamina ocasiona desânimo, apatia,
dificuldade para estudar, ler, concentrar e memorizar.
A serotonina é responsável pelo estado de tranquilidade, pensamento positivo, alegria,
prazer e relaxamento; ela influencia muitas funções fisiológicas como pressão arterial e a digestão.
A baixa de serotonina ocasiona tristeza, pensamento negativo, ansiedade, inquietude, sensibilidade
aumentada a dor (Fibromialgia), abuso de drogas e álcool, acentuado desejo de carboidratos, entre
outros.
A noradrenalina é responsável pelo estado de atenção e alerta de que algo não vai bem e,
em quantidade adequada, é útil quando a pessoa vai fazer um teste ou uma prova, em situações de
perigo, luta e fuga ou emergência. Em excesso, a noradrenalina deixa a pessoa de prontidão!
Quando o cérebro “adoece”:
A pessoa que está vivenciando situações de grande estresse pensa demais, e, dessa forma,
utiliza maior quantidade de serotonina, que, após cumprir seu papel, vai embora pela corrente
sanguínea. Como o cérebro não consegue produzir mais serotonina, se o estado estressante é
contínuo, a pessoa fica angustiada, tensa, irritada, chorosa, cansada e esgotada, porque não
consegue relaxar. Se, para compensar a falta de serotonina, a noradrenalina for liberada em
excesso, fica transmitindo alerta, encurta a respiração, deixando a pessoa ansiosa.
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Tratamento medicamentoso:
Os antidepressivos agem conectando-se ao neurotransmissor que transporta serotonina,
impedindo-a de voltar para o neurônio que a segregou, aumentando a sua concentração na fenda
sináptica, o que impede a descarga excessiva da noradrenalina, evitando assim a ansiedade.
Para os casos de depressão que apresentem ansiedade, o psiquiatra pode prescrever um
ansiolítico associado ao antidepressivo, na primeira etapa do tratamento, que é em geral retirado,
de forma gradativa, quando o quadro de ansiedade apresenta mudanças. O ansiolítico funciona
como uma fita isolante porque faz a recaptação dos neurotransmissores que produzem
noradrenalina impedindo-os de passarem mensagens de alerta com seus sinais elétricos.
Para fazer o diagnóstico:
Antes de indicar o uso de antidepressivos e ou ansiolíticos, para se certificar se existe e qual
a desordem que acomete a pessoa, é preciso pesquisar:
(1) através de uma avaliação clínica, se existe uma das seguintes questões misturada com a
depressão (comorbidade): hipotireoidismo, câncer, insuficiência cardíaca congestiva, hepatite
infecto-contagiosa, esclerose múltipla, artrite rematóide, tumor, anemia, carência de vitaminas,
peri-menopausa ou menopausa, entre outras.
(2) se a depressão é efeito colateral proveniente do uso de determinadas drogas, tais como
os beta-bloqueadores, anticonvulsivantes, algumas drogas usadas na quimioterapia, álcool, etc.
(3) se existem estímulos depressivos atuais na vida do cliente, tais como: relações
destrutivas e dolorosas, perda de pessoas amadas (por morte ou separação), dificuldades
financeiras, traições ou dissabores diversos, etc.
(4) se na história de infância existiram episódios de depressão, abuso sexual, perda de pais
na infância, abuso de álcool, da própria pessoa e ou dos seus familiares.
MUITO IMPORTANTE:
Os cuidados a seguir se aplicam a qualquer que seja o distúrbio, ainda que o quadro
depressivo seja utilizado como referência.
O paciente precisa ser bem orientado para compreender que é muito importante tomar a
medicação na dose adequada e na hora certa, abstendo-se de álcool e drogas. Uma analogia
didática é entender que, da mesma forma que outras partes do corpo adoecem, assim também
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acontece com o cérebro. A depender da psicopatologia pode também ser necessário manter a
medicação por toda a vida, da mesma forma que o hipertenso, por exemplo, faz. Quando não é o
caso, a interrupção da medicação precisa ser feita por desmame, com orientação do psiquiatra.
Quando feita de forma inadequada, ou abruptamente, o agravante é que a recidiva pode ser mais
intensa e trazer dificuldade para melhorar ao retomar o tratamento.
Em qualquer dos casos, é imprescindível que, ao sair da consulta, o paciente deixe um novo
horário marcado, em um prazo adequado, para que, antes de a medicação terminar, ele volte ao
psiquiatra e, após avaliação e de posse de uma nova receita, ele adquira seu medicamento; ou seja,
é importante evitar qualquer interrupção, por mínima que seja do seu tratamento. Quando o
paciente não está em condições de tomar essas providências, ele precisa ser acompanhado e
apoiado por uma familiar até que ele possa assumir os cuidados por si mesmo. Tanto quem o
acompanha como ele mesmo tem que ter clareza da importância e imprescindibilidade de tais
cuidados.
Outro aspecto que o paciente precisa ser orientado em relação ao tratamento
medicamentoso, para contribuir com seu processo, é que ele deve ter paciência para atravessar a
fase inicial de adaptação e aguardar que a medicação comece a fazer efeito; em geral, a pessoa
começa a mostrar melhora depois de 15 dias a um mês e meio; durante esse período alguns efeitos
considerados colaterais podem ser desagradáveis, porém transitórios, pois se apresentam
enquanto o organismo está se adequando à nova droga.
Apenas em casos de verdadeira necessidade a pessoa deve verificar com seu psiquiatra se a
medicação precisa ser substituída ainda nessa etapa. Não existe um exame de laboratório que
possa identificar qual a melhor medicação para cada pessoa e para cada questão; portanto, o
psiquiatra tem que ser informado de tudo que possa contribuir para um diagnóstico acertado e,
dessa forma, escolher a medicação apropriada. Nem sempre essa escolha assertiva é feita de
primeira, o que não significa que o profissional seja incompetente. Muitas vezes é o como se o
organismo da pessoa também “precise” escolher.
Psicoterapia:
Além do tratamento medicamentoso, a pessoa precisa fazer terapia. O antidepressivo
trabalha na recaptação da serotonina, no entanto, a solução do problema está nos estímulos
internos e externos da vida cotidiana da pessoa. Os estímulos internos que baixam a serotonina
mais comuns são:
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• exigir de si mesmo (ser o primeiro, o melhor)
• dar conta de muitas obrigações
• negar raiva e tristeza (ser boazinha para ser aceita).
Ao mudar os estímulos, mudam-se as emoções e consequentemente altera-se a bioquímica
cerebral. Com a terapia, a pessoa começa a entender que “existe uma grande diferença entre o que
realmente nos acontece na vida e o significado que atribuímos aos fatos concretos”2. Terapia é re-
educação. De certa que forma, como a medicação, para que a terapia seja bem sucedida é
importante um tempo inicial, durante o qual o cliente possa fazer um vínculo com o terapeuta e, a
partir de então, se deixe cuidar por ele. Ficando o tempo necessário no seu processo ele pode
alcançar o que Deepak Chopra explica que faz quando as coisas não acontecem da forma que ele
planejou ou desejava: ele muda as próprias expectativas!
Porque o cliente deprimido tem dificuldade para lembrar o que lhe foi dito, ele precisa
ouvir seu terapeuta dizer as mesmas coisas inúmeras vezes para, dessa forma, internalizar os novos
conhecimentos. Além de ser um espaço onde a pessoa pode falar dos seus sentimentos, organizar
idéias e mudar sua atitude diante das situações da vida, na terapia a pessoa pode aprender:
• habilidades para lidar com riscos, superar frustrações ou traumas e vencer obstáculos.
• a ressignificar as situações que lhe incomodam, minimizando a paralisia frente às
dificuldades e se motivar a tomar novas atitudes (cada mudança precisa ser evidenciada
e valorizada, por menor que possa parecer).
• a ressignificar a ansiedade para ser capaz de utilizá-la de modo positivo; afinal, uma
dose adequada de ansiedade estimula a pessoa a planejar seu futuro e a estar
preparado para situações imprevisíveis da vida diária.
Muitas vezes é mais produtivo fazer terapia de família além do processo individual, uma vez
que, levando em conta a visão sistêmica, uma depressão pode ser sintoma de questões relacionais.
Nesse caso, a depressão pode estar querendo comunicar algo para a família ou até fazer algum
pedido.
A psicoterapia individual adequada como, por exemplo, a S.E. – Experiência Somática, pode
inclusive ajudar a restaurar o processo fisiológico, e eventualmente a pessoa pode deixar de usar
medicação. Quando a pessoa sai do quadro depressivo, ela pode incluir na sua vida atividades que
2 Michael D. Yapko.
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possam reativar a produção de serotonina tais como: ioga, meditação, natação, exercício físico,
atividades que promovam diversão contribuindo para a pessoa poder voltar a sonhar, possa
descansar e se sentir relaxada. Nos primeiros tempos, ouvir o que as pessoas costumam dizer:
“Você tem que sair, se divertir...” em vez de ajudar em geral incomodam. A pessoa precisa se sentir
entendida na sua dificuldade e estimulada a projetar essas coisas para o futuro, tipo, “Entendo que
você não possa agora fazer coisas agora, mas precisa estar atenta para assim que a medicação der
o primeiro sinal de estar agindo, você possa se forçar a sair e a fazer coisas que goste.”
Ainda utilizando a depressão como exemplo, muitas vezes, no ambiente familiar, a pessoa
portadora de depressão é considerada preguiçosa por quem não entende o que acontece com ela.
Para ajudar a criar empatia pode-se perguntar aos membros da família como eles tratariam aquela
pessoa se, em vez de depressão, ela tivesse câncer. Dificilmente um membro da família desistiria de
alguém com câncer, mas isso “facilmente” acontece com quem tem depressão, fobias ou
compulsão.
Conclusão:
Por tudo isso é recomendável que, a partir desse texto que apresenta apenas uma visão
geral de aspectos relacionados aos transtornos, o paciente e seus familiares possam se informar
para compreender a(s) sua(s) patologia(s) específica(s) e criar o ambiente favorável ao seu
tratamento.