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52 PASSO A PASSO JUNHO/JULHO 2014 EDUCAÇÃO São Roque de Minas é um pequeno municí- pio de aproximadamente sete mil habitantes, localizado na região Oeste de Minas Gerais, mas que chama a atenção por ter adotado um modelo de educação diferenciado, pautado em valores cooperativistas e empreendedores. Essa iniciativa foi motivada pela necessidade de conter a evasão de pessoas no município, já que, entre as décadas de 1960 e 1990, quase Com um modelo de ensino pautado no cooperativismo e no empreendedorismo, São Roque de Minas desponta como referência na educação de crianças e jovens Conhecimento inovador

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52 PASSO A PASSO JUNHO/JULHO 2014

EDUCAÇÃO

São Roque de Minas é um pequeno municí-pio de aproximadamente sete mil habitantes, localizado na região Oeste de Minas Gerais, mas que chama a atenção por ter adotado um modelo de educação diferenciado, pautado em valores cooperativistas e empreendedores. Essa iniciativa foi motivada pela necessidade de conter a evasão de pessoas no município, já que, entre as décadas de 1960 e 1990, quase

Com um modelo de ensino pautado no cooperativismo e no empreendedorismo, São Roque de Minas desponta como referência na educação de crianças e jovens

Conhecimento inovador

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a metade da população local, em especial os jovens, saiu dali em busca de emprego. Mas uma mudança aparentemente simples ajudou a reverter esse quadro, tornando São Roque de Minas referência em qualidade na educa-ção, do ensino infantil ao médio.

O principal exemplo deste modelo edu-cacional inovador é o Instituto Ellos de Educação, mantido pela Cooperativa Educa-cional e pela cooperativa de crédito Sicoob Saromcredi. A ideia surgiu pela iniciativa de 20 pais, que buscavam para os filhos um en-sino diferente do modelo tradicional, focado em valores como ética e solidariedade. Os associados à cooperativa viram ali uma opor-tunidade de crescimento, pois a formação de profissionais capacitados era imprescindível para a evolução econômica do município.

“Esta parceria surgiu para solucionar o pro-blema da qualidade da educação e evasão de jovens em busca de melhores empregos. A ideia era formar cidadãos que permaneces-sem aqui para alavancar seus próprios negó-cios”, explica João Carlos Leite, presidente do Sicoob Saromcredi.

Com 15 anos de atuação, o Instituto Ellos tem, atualmente, 130 alunos entre três e 17 anos, que representam 10% dos estudantes de São Roque de Minas. O nome Ellos foi inspirado nas iniciais dos principais valores do cooperativismo – ética, liderança, liber-dade, organização e solidariedade – e que são repassados aos estudantes e professores. Como explica Maria José de Faria Leite, di-retora da instituição, os alunos são filhos dos cooperados do Sicoob Saromcredi, que con-

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tribuem com uma mensalidade equivalen-te a 50% dos gastos da escola. O restante é mantido pela própria cooperativa de crédito, por meio do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (Fates). “A escola está aberta a todos os alunos de São Roque Minas e cidades vizinhas. Para estudar aqui, basta que os pais se associem à Cooperativa Edu-cacional e à de crédito”, acrescenta.

EM SALA DE AULA I O Instituto Ellos é forma-do por uma equipe de 38 colaboradores, dos quais 30 são educadores. Apesar de a meto-

dologia adotada ser pautada nos valores coo-perativistas, a grade curricular do instituto é praticamente a mesma seguida pelas escolas tradicionais – matemática, português, lite-ratura, geografia, química, física e história. A grande diferença está na forma como es-ses conteúdos são trabalhados, em paralelo aos princípios básicos do cooperativismo.

Com o objetivo de ampliar sua atuação, em 2007 o Instituto Ellos iniciou uma par-ceria com o Sebrae Minas. O primeiro passo foi investir na capacitação dos professores com o projeto Jovens Empreendedores: Pri-meiros Passos. Um ano após a implementa-ção do modelo de educação empreendedora nas salas de aula, os educadores tiveram a ideia de criar as primeiras empresas da es-cola, administradas pelos estudantes, sob a supervisão dos docentes. Os alunos foram estimulados a montar o seu próprio negócio, fazer os produtos e comercializá-los. “A par-ticipação do Sebrae Minas foi muito impor-tante, pois, com as aulas de empreendedo-rismo, os alunos perceberam que não basta

“Esta parceria surgiu para solucionar o pro blema da qualidade da educação e evasão de jovens em busca de melhores empregos. A ideia era formar cidadãos que permaneces sem na cidade para alavancar seus próprios negó cios”João Carlos Leite, presidente do Sicoob Saromcredi

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abrir uma empresa, é preciso ir além”, afir-ma Maria José Leite. E o Instituto Ellos se-guiu esse propósito. Em 2009, os estudantes criaram oito cooperativas. Eles estudaram conceitos, formas de trabalho, produção, es-tatuto e normas e, divididos em grupos, cada um ficou responsável pela administração e produção de uma cooperativa.

A proposta deu tão certo, que, como um dos resultados, foi criada a Feira dos Jovens Empreendedores, abrindo espaço para a ven-da dos produtos feitos pelos estudantes. A iniciativa chamou a atenção da comunidade, e o evento foi transformado na Semana do Empreendedor, realizada anualmente, sem-pre no início do mês de outubro, atraindo empresários e toda a comunidade, que, além de conhecer e comprar os produtos, partici-pam de cursos de capacitação e oficinas so-bre empreendedorismo oferecidos pelo Se-brae Minas. “Trata-se de uma oportunidade para a comunidade vir à escola e conhecer o nosso trabalho. Isso ajudou muito a quebrar o preconceito de que adotamos este modelo

de ensino porque achamos que a educação pública não serve”, pontua Maria José Leite.

PEQUENOS EMPREENDEDORES I Atualmente, o Instituto Ellos mantém oito cooperativas que oferecem produtos variados, desde comidas tí-picas da região até peças de artesanato. Todas com missão, visão e valores definidos. O setor de serviços também tem espaço nos empreen-dimentos da escola. É o caso da Cooperativa Abracadabra, que monta espetáculos teatrais e circenses, apresentados durante a Semana do Empreendedor. E a Cooperativa de Comunica-ção, responsável pela divulgação dos eventos. Todo o lucro obtido é investido nas próprias co-operativas, e a sobra é depositada em uma pou-pança, criada e administrada pela escola, para a organização e o custeio da festa de formatura das turmas do terceiro ano do ensino médio.

Leandro Henrique Ferreira, 12 anos, é aluno do 6º ano e integra a cooperativa Elloarte, que tem o objetivo de resgatar a história, cultura e culinária de São Roque de Minas por meio da fabricação e comercialização de produtos artesa-

Para a diretora Maria José e o professor Luciano Cunha, a parceria entre o Instituto Ellos e o Sebrae Minas fortalece o empreendedorismo entre os alunos

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nais, como doces, bolos e broas. “Temos o dever de comparecer aos compromissos na cooperati-va, pois existem pessoas que dependem do nosso trabalho. Sei que, no futuro, na faculdade e até mesmo no ambiente de trabalho, vai ser assim também, por isso, é importante começar a ter responsabilidade profissional desde cedo”, diz.

O seu colega Samuel Lima, de 14 anos e aluno do 9º ano, participa da cooperativa de alimentos Água na Boca, que vende cachor-ro-quente. Para ele, o trabalho em equipe é o principal aprendizado. “Não sabemos fazer tudo, então, precisamos da ajuda um do ou-tro. Respeitar as opiniões é muito importan-te. Temos que entrar em um consenso para ficar bom para todo mundo e também para o trabalho não ser prejudicado”, opina.

Com apenas 13 anos, Lilian Costa tam-bém revela aprender muito com a educação empreendedora, que ela define como uma possibilidade de conhecimento sobre o mer-cado de trabalho. “Estou aprendendo que inovação é importante para atrair mais clien-tes e, assim, ter um lucro maior. É também importante investir na qualidade dos produ-tos e na sustentabilidade do negócio”, acres-centa a aluna, que estuda no 8º ano e integra a cooperativa Sabor e Arte, especializada na produção de pizza e batata recheada.

MUITAS CONQUISTAS I Em 15 anos de atua-ção, os resultados positivos alcançados pelo Instituto Ellos são percebidos por toda a co-munidade. Mais do que melhorias nas notas escolares, os avanços estão presentes, princi-palmente, no comportamento dos alunos. De acordo com Luciano Alves Cunha, professor de empreendedorismo, as taxas de evasão e reprovação são baixas, e um número signifi-cativo de estudantes é aprovado no vestibu-lar de importantes universidades. “Porém, o mais importante é a evolução desses meninos e meninas em sua vida pessoal. Hoje, eles têm um grande senso de responsabilidade e de res-peito, além de uma visão crítica do mundo e um grande espírito de liderança. São jovens que sabem se posicionar e não têm problemas na resolução de conflitos”, avalia.

Como fruto desse modelo de educação, em 2013, o Instituto Ellos conquistou o pri-meiro lugar no Prêmio Cultura Empreen-dedora Sebrae Minas, na categoria Ensino Médio, com o projeto Educação Cooperati-vista e Empreendedora. O professor Luciano Cunha e mais duas educadoras mineiras ven-cedoras do Prêmio participaram, em abril deste ano, de uma missão técnica organizada pelo Sebrae Minas a Nova Iorque e Boston. Eles conheceram experiências de educação

Os alunos do Instituto Ellos aprendem a cooperar e ter responsabilidades e organização desde cedo

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empreendedora em instituições como Har-vard, Babson College, Microsociety e Massa-chusetts Institute of Technology (MIT).

Além desse reconhecimento, a metodo-logia de ensino adotada pelo Instituto Ellos também está servindo de modelo para outras instituições de ensino de São Roque Minas e também de municípios vizinhos. Por causa disso, o Sebrae Minas e o Sicoob Saromcredi, com o apoio da prefeitura, câmara municipal e de uma empresa do município, implemen-taram o projeto Cultura Empreendedora nas Instituições de Ensino em seis escolas públi-cas de São Roque de Minas e capacitaram 150 professores. Ainda este ano, serão atendidos os municípios de Vargem Bonita, Medeiros, Pratinha, Delfinópolis, Cássia e São João Ba-tista do Glória. “A ideia é mostrar às autorida-des públicas e aos professores que é possível crescer economicamente investindo em edu-cação. Esse modelo tem dado certo e beneficia toda a comunidade”, opina João Carlos Leite, presidente do Sicoob Saromcredi.

A confiança da comunidade local neste modelo de desenvolvimento foi reforçada em agosto de 2013, quando um grupo for-mado por diretores, professores, secretária de Educação de São Roque de Minas e mem-bros do Sicoob Saromcredi participou de uma visita à Sunchales, na Argentina, para conhecer como a educação cooperativista e empreendedora está presente e é trabalhada no país. “Fomentar a cultura empreendedora e cooperativista é de suma importância para o desenvolvimento local, pois ela cria um ambiente favorável para novos negócios e aumenta a competitividade dos já existentes. Nesse sentido, o Instituto Ellos possui gran-de relevância para o desenvolvimento de São Roque de Minas e região”, atesta Fabiana Ro-cha, analista do Sebrae Minas.

O modelo de educação adotado em São Roque de Minas já se tornou referência no estado e, para atender à demanda de coope-rativas de crédito interessadas em conhecer mais sobre a experiência no município, o Se-brae Minas e o Sicoob Saromcredi promove-

ram, nos dias 29 e 30 de maio deste ano, o 1º Seminário de Educação Empreendedora, Financeira e Cooperativista.

O evento reuniu cerca de 350 participan-tes, entre secretários de Educação de 19 muni-cípios, educadores e lideranças do sistema de cooperativismo de crédito de Minas Gerais, principalmente da região do entorno da Serra da Canastra e do Noroeste do estado. Também teve a participação de profissionais do siste-ma financeiro nacional e de instituições de educação financeira, entre eles o diretor de Relacionamento Institucional e Cidadania do Banco Central do Brasil, Luiz Edson Feltrim, e a superintendente da Associação Brasileira de Educação Financeira, Silvia Morais.

Para o próximo ano, o Instituto Ellos pla-neja introduzir, em sua grade curricular, além da educação cooperativista e empreendedo-ra, aulas de gestão financeira, com o objetivo de complementar e ampliar as metodologias trabalhadas em sala de aula, possibilitando, assim, um modelo transversal de ensino.

Para os alunos Samuel Lima e Amanda Agnes, o trabalho em equipe é o maior aprendizado

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SISTEMA COOPERATIVISTA

A cooperativa de crédito foi fundada em 1991, quando a única agência bancária existente no município foi fechada. Em 1997, após a viagem de uma comitiva de cooperativas de crédito do estado de Minas Gerais à Europa, para conhecer como funcionava o sistema cooperativista nos países desenvolvidos, Rcou claro que investir na educação de crianças e jovens seria a melhor op-ção para garantir o desenvolvimento econômico e social de São Roque de Minas e região.

Atualmente, o Sicoob Saromcredi partici-pa do projeto do Sebrae Minas Disseminando Boas Práticas em Cooperativismo de Crédito, que tem o objetivo de promover o intercâm-bio técnico entre cooperativas de crédito que desenvolvem um trabalho focado em micro e pequenas empresas. Por causa dis-so, a entidade se tornou referência em toda a região, apresentando importantes resul-tados de crescimento. Até abril de 2014, era composta por 14.770 associados, e suas operações de crédito somavam R$ 104 mi-lhões. Desde sua implantação, a coopera-tiva registrou um crescimento de R$ 72 mi-lhões em empréstimos para capital de giro e, hoje, mantém um patrimônio líquido de R$ 25 milhões.

Empreendedorismo e educação

Inocêncio Magela de Oliveira, filósofo, pedagogo e consultor do Sebrae Minas, vê na adoção de um modelo de educação fi-nanceira e empreendedora nas instituições de ensino uma boa alternativa para a reso-lução de problemas contemporâneos, como o consumismo desenfreado e o alto nível de endividamento da população com menor poder aquisitivo. “A educação financeira, recentemente incluída na grade curricular das escolas por orientação do Ministério da Educação (MEC), primordialmente irá pre-parar gerações futuras para a administração do equilíbrio entre o que entra e o que sai. Mais conscientes, elas resistirão à pressão do consumismo e poderão conquistar paz de espírito e bem-estar”, explica.

Na visão do educador, não existe uma idade certa de iniciação a esse modelo de ensino, portanto, é possível que crianças e adolescentes tenham contato, desde cedo, com temas referentes à economia no am-biente da escola e familiar, por meio do exemplo dos pais. “A administração da me-sada, da oferta, do suprimento e da escas-sez, de forma equilibrada, possibilita a edu-cação do futuro consumidor e a gestão de suas próprias finanças”, argumenta.

No Brasil, segundo o filósofo, a educa-ção empreendedora e financeira ainda é tí-mida, pois as faculdades de Administração e Economia educam para a academia e para o emprego, enquanto os cursos de especia-lização, inversamente ao fim para o qual foram criados, investem insistentemente em uma abordagem acadêmica, pouco ex-perimental e prática. “O país necessita de empreendedores com perfil dinâmico, que não se apoiam em álibis exteriores, mas que acreditam em si mesmos e em sua capacida-de de solução.”