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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus G. I. Williamson O propósito deste livreto é apresentar evidências no apoio da seguinte proposição: no culto a Deus, deve-se usar apenas o livro inspirado dos Salmos, excluindo-se as composições não inspiradas dos homens. Repare que não está em questão o uso de cânticos não inspirados em outras ocasiões e circunstâncias que não sejam o culto divino. De forma alguma queremos sugerir que seja sem nenhum valor ou fútil o uso de cânticos não inspirados. De fato cremos que há um lugar apropriado para os cânticos não inspirados em outras ocasiões da vida humana. Mas aqui estamos considerando uma atividade bem especial na qual o homem está engajado (e à qual não se compara nenhuma outra atividade), ou seja, o culto a Deus. É nossa esperança que, ao estabelecermos claramente o propósito deste artigo logo no início, o leitor não deixe de considerar as evidências antes de examiná-las. 1. O Princípio Regulador do Culto Qual deveria ser a maneira apropriada de cultuar a Deus? Essa é uma questão antiga, e historicamente tem havido duas respostas divergentes: 1ª) Uma é a resposta da Igreja Católica Romana (seguida em princípio pelos Gregos Ortodoxos, Luteranos e Igrejas Anglicanas): a forma própria de cultuar a Deus é qualquer coisa, desde que não haja nenhuma proibição direta nas Escrituras. 2ª) A outra resposta é a das Igrejas Reformadas: a única maneira apropriada de cultuar a Deus é a maneira que Ele quer, e isso significa somente da forma como Ele ordenou, instituiu ou prescreveu em Sua Palavra. O contraste é claro. O primeiro grupo diz: aquilo que não é proibido é permitido; o outro diz: aquilo que não é ordenado é proibido. É inegável que a última afirmação é a posição sustentada pelas Confissões Reformadas e seus Catecismos, como as citações seguintes irão mostrar. Vamos ouvir primeiro o testemunho da Confissão Belga: “Cremos que

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Page 1: O Cântico dos Salmos no Culto a Deus - iphr.org.br · O culto da vontade é o culto oferecido pela vontade dos homens em vez de ser conforme o mandamento de Deus. Mas, no que diz

O Cântico dos Salmos no Culto a Deus

G. I. Williamson

O propósito deste livreto é apresentar evidências no apoio da

seguinte proposição: no culto a Deus, deve-se usar apenas o livro inspirado dos

Salmos, excluindo-se as composições não inspiradas dos homens. Repare que

não está em questão o uso de cânticos não inspirados em outras ocasiões e

circunstâncias que não sejam o culto divino. De forma alguma queremos

sugerir que seja sem nenhum valor ou fútil o uso de cânticos não inspirados.

De fato cremos que há um lugar apropriado para os cânticos não inspirados em

outras ocasiões da vida humana. Mas aqui estamos considerando uma

atividade bem especial na qual o homem está engajado (e à qual não se

compara nenhuma outra atividade), ou seja, o culto a Deus. É nossa esperança

que, ao estabelecermos claramente o propósito deste artigo logo no início, o

leitor não deixe de considerar as evidências antes de examiná-las.

1. O Princípio Regulador do Culto

Qual deveria ser a maneira apropriada de cultuar a Deus? Essa é

uma questão antiga, e historicamente tem havido duas respostas divergentes:

1ª) Uma é a resposta da Igreja Católica Romana (seguida em princípio pelos

Gregos Ortodoxos, Luteranos e Igrejas Anglicanas): a forma própria de cultuar

a Deus é qualquer coisa, desde que não haja nenhuma proibição direta nas

Escrituras. 2ª) A outra resposta é a das Igrejas Reformadas: a única maneira

apropriada de cultuar a Deus é a maneira que Ele quer, e isso significa

somente da forma como Ele ordenou, instituiu ou prescreveu em Sua Palavra.

O contraste é claro. O primeiro grupo diz: aquilo que não é proibido é

permitido; o outro diz: aquilo que não é ordenado é proibido.

É inegável que a última afirmação é a posição sustentada pelas

Confissões Reformadas e seus Catecismos, como as citações seguintes irão

mostrar. Vamos ouvir primeiro o testemunho da Confissão Belga: “Cremos que

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 2

a Sagrada Escritura contém perfeitamente a vontade de Deus... Nela está

detalhado e escrito cabalmente o modo de adoração que Deus requer de nós...

Não nos é permitido considerar nenhum escrito de homens, por mais santos

que tenham sido, como de igual valor ao das Escrituras Divinas; nem devemos

considerar que costumes, maiorias, antiguidade, sucessão de tempos e de

pessoas, concílios, decretos ou estatutos tenham o mesmo valor da verdade de

Deus, porque a verdade está acima de tudo” (Art. VII). Outra vez, distinguindo

a Igreja verdadeira da falsa, essa Confissão diz: “numa Igreja verdadeira, todas

as coisas são feitas de acordo com a pura Palavra de Deus, em contraste com a

Igreja falsa, que ‘acrescenta e subtrai’, como lhe convém, coisas que “Cristo

ordenou em sua Palavra...” (Art. XXIX). E em outro artigo nós lemos que

“aqueles que governam a Igreja devem diligentemente cuidar para não se

desviarem daquelas coisas que Cristo, nosso único Mestre, nos ordenou... Por

isso, rejeitamos todas as invenções humanas que se queiram introduzir no

culto a Deus, mas que venham, de qualquer maneira, comprometer e

constranger a consciência” (Art. XXXII).

Com o mesmo objetivo, a Confissão de Fé de Westminster diz

precisamente: “... o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído

por ele mesmo, e está tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve

ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de

Satanás, nem sob nenhuma representação visível ou de qualquer outro modo

não prescrito nas Santas Escrituras” (Cap. XXI, 1). E outra vez lemos: "Só Deus

é senhor da consciência, e ele a deixou livre das doutrinas e mandamentos

humanos que em qualquer coisa sejam contrários à sua palavra ou que, em

matéria de fé ou de culto, estejam fora dela” (XX, 2).

Os Catecismos das Igrejas Presbiterianas e Reformadas ensinam esse

mesmo princípio. O Catecismo de Heidelberg diz: “Que não façamos a imagem

de Deus em hipótese alguma, nem O adoremos de nenhum outro modo

diferente do que nos ordenou em Sua Palavra” (Perg. 96). O ensino dos

Catecismos (Maior e Breve) de Westminster é o mesmo: “Os pecados proibidos

no segundo mandamento são: estabelecer, aconselhar, mandar, usar e aprovar

de qualquer maneira qualquer culto religioso não instituído por Deus “

(Catecismo Maior, 109). "O segundo mandamento proíbe adorar a Deus por

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meio de imagens, ou de qualquer outra maneira não prescrita na sua Palavra"

(Breve Catecismo, 51).

Zacarias Ursinus, um dos dois autores do Catecismo de Heidelberg, nos

dá uma clara indicação do que significa a Questão 96: “Aqueles que adoram a

Deus de maneira diversa da que Ele deseja ser adorado, imaginam outro deus,

um deus que é diferente daquilo que o verdadeiro Deus é; e dessa forma eles

não adoram a Deus, mas adoram o fruto da sua própria mente, com a qual eles

persuadem a si mesmos"; e outra vez diz: “imaginar um culto a Deus diferente

daquele que Ele mesmo prescreveu é imaginar uma outra vontade de Deus”.

Mas quando fazemos somente o que Deus tem ordenado, Ursinus diz: “A

obediência a esses mandamentos é e será chamada culto a Deus, porque não

são preceitos humanos mas divinos”. Como disse o grande reformador Calvino:

“As pessoas que introduzem novos métodos inventivos de cultuar a Deus

realmente cultuam e adoram a criatura, fruto da sua destemperada

imaginação, pois eles nunca teriam coragem de desprezar dessa maneira ao

próprio Deus, se eles não tivessem primeiro imaginado um deus que se

conforma às suas falsas e tolas noções” (Institutas, I, iv).

Dizem, algumas vezes, que essa é uma posição “extremada”. Alguns

opinam que nossos Pais Reformados tomaram essa decisão como uma forma

de reação exagerada contra as posições do Catolicismo Romano. Nosso

objetivo é mostrar que, ao tomarem essa posição, os nossos Pais Reformados

não estavam tendo uma reação exagerada contra os erros de Roma, mas

estavam agindo de forma apropriada ao ensino claro das Escrituras. Deixe que

as Escrituras falem por si mesmas!

Em Deuteronômio 12.32, lemos: “Tudo o que eu te ordeno,

observarás para fazer; nada lhe acrescentarás nem diminuirás”. A história da

Bíblia confirma o fato que — no que concerne a Deus — esse é o princípio

regulador de todo culto verdadeiro. Quando Caim trouxe uma oferta ao Senhor

que não era “as primícias do rebanho e da gordura deste”, Deus não o aceitou:

“Mas para Caim e para a sua oferta não atentou” (Gn 4.5). Caim decidiu adorar

a Deus segundo a sua própria vontade, e não segundo a vontade de Deus. Mas

Deus não será adorado exceto como Ele ordenou. De novo, em Levítico 10.1,2,

lemos: “E os filhos de Arão, Nadabe e Abiú, tomaram cada um o seu incensário

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e puseram neles fogo, e colocaram incenso sobre ele, e ofereceram fogo

estranho perante o SENHOR, o que não lhes ordenara”. As palavras “que não

lhes ordenara” significam que Deus não lhes havia ordenado fazer o que

fizeram. Eles deviam adorar como Deus lhes ordenara, e não como eles

mesmos quisessem. Por esse critério, Deus rejeitou o culto deles.

Quando o Senhor condena o culto corrupto e desviado de Israel, Ele

pergunta (através de Isaías): “Quando vindes para comparecer perante mim,

quem vos requereu isto de vossas mãos?” (Is 1.12). Eles cultuavam como lhes

agradava, e não como Deus requeria. Como poderia Deus aceitar o culto

oferecido? “Mas não deram ouvidos, nem atenderam, porém andaram nos seus

próprios conselhos e na dureza do seu coração maligno; andaram para trás e

não para diante” (Jr 7.24). Por essa razão, o Senhor declarou (por Jeremias):

“Este povo maligno, que se recusa a ouvir as minhas palavras, que caminha

segundo a dureza do seu coração e anda após outros deuses para os servir e

adorar, será tal como este cinto, que para nada presta” (Jr 13.10). E outra vez,

a razão para essa forte condenação é que eles adulteraram o culto, “... e

edificaram os altos de Baal, para queimarem seus filhos no fogo em

holocaustos a Baal, o que nunca lhes ordenei, nem falei, nem me passou pela

mente” (Jr 19.5). A apostasia de Israel do culto verdadeiro pode ser resumido

nestas palavras: “que não lhes ordenara”. Eles não estavam satisfeitos em

fazer o que Deus ordenara, e somente aquilo que Deus ordenara, por isso

foram condenados.

Argumenta-se, algumas vezes, que as Igrejas do Novo Testamento

não estavam debaixo desse mesmo princípio rígido. Admite-se que

anteriormente Deus requereu esse culto estritamente como ordenou, mas

agora, dizem, não é mais o caso. Deus não é mais tão rígido como costumava

ser, dizem eles. Uma breve pesquisa sobre o ensino do Novo Testamento

mostra que essa é uma visão totalmente errada.

Jesus disse: “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações,

batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a

guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.19,20). Não é esta

uma solene exigência para que a Igreja ensine todas as coisas que Cristo

ordenou, ao mesmo tempo que é uma proibição solene contra ensinar algo que

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Ele não ordenou? Jesus disse que os fariseus cultuavam a Deus “em vão” (Mc

7.7). E por que foi o culto deles rejeitado por Deus? Porque, “deixando de lado

o mandamento de Deus”, preferiram “suas próprias tradições” (Mc 7.7,8). Eles

cultuavam em vão porque adoravam a Deus da forma como eles queriam, em

vez de adorá-lo como Ele requer. Da mesma maneira, o apóstolo Paulo exortou

os crentes de Colossos: “Ninguém se faça árbitro contra vós outros,

pretextando humildade e culto voluntário…”1 (Cl 2.18). Ao dizer “culto

voluntário”, o apóstolo simplesmente se refere ao culto oferecido pela vontade

(isto é, como o homem quer oferecer) em lugar de um culto como Deus

ordenou (Cl 2.22,23). Essas “coisas têm, na verdade, alguma aparência de

sabedoria, em devoção voluntária, humildade…", mas ele diz: "elas não têm

valor algum”. O culto da vontade é o culto oferecido pela vontade dos homens

em vez de ser conforme o mandamento de Deus. Mas, no que diz respeito a

Deus, eles preferem não adorar a Deus, mas à sua própria vontade.

Sem dúvida alguma, Jesus foi rude ― para os padrões modernos ―

quando disse à mulher do poço: “vós adorais o que não sabeis, nós adoramos o

que sabemos, pois a salvação vem dos judeus” (Jo 4.22). Mas Jesus estava

apenas sendo verdadeiro. “Pois Deus é espírito”, Ele disse, “e aqueles que o

adoram devem adorá-lo em espírito e em verdade” (verso 24). O culto dos

samaritanos era inadmissível porque eles adoravam a Deus da forma como O

concebiam. Eles deveriam cultuar a Deus como Ele mesmo ordenou, ou não

seriam aceitos. “Pois o Pai procura tais adoradores", disse Jesus (verso 23). “Os

verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade”. Mas quando

os homens insistem em adorar a Deus como eles querem, e não como Ele

quer, eles não são “verdadeiros adoradores”.

Em Rm 1.21-25, o apóstolo Paulo condena todo tipo de falso culto

que tem sido inventado pelos homens. Ele também revela a fonte de tais

cultos. Ele diz que os homens se tornaram “nulos em seus próprios

raciocínios”. Inventaram aquilo que imaginavam ser “uma boa maneira” de

cultuar. Adoraram como quiseram, e não como Deus ordenou. Mas ao fazerem

isso, na realidade, estavam “adorando a criatura em lugar do Criador”, e por

essa razão, “são indesculpáveis”. São indesculpáveis porque não há desculpa

1 Versão King James

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para a regra que diz: “não podemos cultuar a Deus de nenhuma outra maneira

que Ele não tenha ordenado em Sua Palavra”.

No Antigo Testamento, nós temos o assunto apresentado de uma

forma inesquecível. "Se me levantares um altar de pedras, não o farás de

pedras lavradas; pois, se sobre ele manejares a tua ferramenta, profaná-lo-ás"

(Êx 20.25). Se um israelita pensasse que poderia melhorar o culto ordenado,

esculpindo um altar mais bonito, ele deveria saber que, ainda que fosse uma

pequenina marca feita pela mão humana, acrescentando algo àquilo que havia

sido ordenado por Deus, seria completamente condenado pelo próprio Deus.

Quando os homens tentam melhorar o culto a Deus conforme Ele ordenou

(mesmo sendo o menor acréscimo), eles arruínam o culto, em lugar de

melhorá-lo. Quando nossos pais Reformadores recusaram-se a “adorar a Deus

de qualquer outra forma que Ele não houvesse ordenado em Sua Palavra”, eles

estavam apenas fazendo o que as Escrituras claramente lhes haviam ensinado

fazer.

Como tem sido verdadeiramente afirmado: “Deus, que é um

Espírito puríssimo e absolutamente soberano, é o único objeto de culto. Nada

que não venha dele mesmo como fonte é apropriado para dar a Ele em

retorno. A razão humana autônoma, sua vontade, sensações, emoções e

imaginação não são competentes para originar os atos e formas de culto.

Deus, como o supremo doador da Lei, reivindica para Si mesmo a prerrogativa

de apontar as ordenanças para o Seu culto. Oferecer como culto outra coisa

que não seja aquilo que Deus mesmo prescreveu nessa questão absoluta e

soberana não é outra coisa senão presunção! É contrário às Escrituras pensar

que Deus permite um culto que Ele próprio não tenha prescrito” (Orthodox

Presbyterian Minutes 13, pág. 106).

É por causa dessa convicção, de que o princípio do verdadeiro culto é

somente aquilo que foi ordenado por Deus, que as Igrejas Presbiterianas e

Reformadas usaram originalmente os Salmos como hinário para o culto divino.

A Assembleia de Westminster declarou “o cântico dos Salmos” como uma das

“partes do culto normal a Deus” (West. Conf. XXI, 5) e supervisionou a

preparação de uma versão do saltério para esse propósito. O Sínodo de Dort

havia também excluído do culto divino as composições não inspiradas de

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homens. E essa era não somente a prática das Igrejas Reformadas e

Presbiterianas, mas como diz o Dr. George W. Robinson: “o cântico dos Salmos

continuou a ser a prática geral das Igrejas Reformadas até o século dezoito,

quando os hinos começaram a ser introduzidos e, com o tempo, praticamente

os superaram na maioria dessas Igrejas” (Os Salmos no Culto, pág. 511).

A questão, então, é a seguinte: Estava correta essa posição original

das Igrejas Presbiterianas e Reformadas? Ou a prática dos nossos dias é

melhor, mais bíblica do que a prática dos tempos passados? Tem sido

reconhecido que “a Confissão de Fé de Westminster não oferece nenhum outro

material além dos Salmos para cantar no culto a Deus” (O. P. Minutes 13, pág.

105). Será que as Escrituras requerem uma revisão da nossa histórica

Confissão de Fé nesse ponto?

2. O Mandamento de Deus

Se o culto verdadeiro é o culto ordenado por Deus (como nossas

Confissões e Catecismos afirmam), o ponto crucial da questão se torna o

seguinte: Será que no Novo Testamento existe alguma ordem para que, junto

com os Salmos inspirados, a Igreja use salmos, ou hinos ou cânticos não

inspirados no culto a Deus? Será que o Novo Testamento nos dá provas claras

e concretas de ordens e requerimentos divinos para a produção e o uso de

composições não inspiradas, da mesma forma que apresenta com provas

claras que Deus requer o uso dos Salmos inspirados?

Nós dizemos que Deus “certamente nos dá evidências a respeito do

uso dos Salmos inspirados no culto divino”, pois tanto quanto sabemos isso

não é negado pelas Igrejas Presbiterianas Ortodoxas. Até essas Igrejas, quando

introduziram os hinos não inspirados, reconheciam essa exigência. A Igreja

Cristã Reformada, por exemplo, quando pela primeira vez apresentou vários

hinos não inspirados, admitiu que durante os “77 anos passados da existência

desta Igreja, não cantamos outra coisa senão os Salmos no culto público”

(Psalter-Hymnal, 1934, pág. iii). E, revisando o Artigo 69 da ordem da Igreja,

para permitir essa nova introdução de hinos não inspirados, ainda reconhecem

que “é requerido o cântico dos Salmos no culto divino”. Semelhantemente, a

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Igreja Presbiteriana Ortodoxa, ao adotar a recomendação da Comissão, de usar

hinos não inspirados, ainda admite que “os Salmos são divinamente inspirados

e totalmente apropriados para o propósito do louvor” (O. P. Minutes 14, pág.

58). Parece, então, não haver dúvida de que, quando o apóstolo Tiago diz:

“cante salmos” (5.13), ele se refere aos Salmos da Bíblia. Por “salmos” Tiago

entende o que a Bíblia mesma indica por esse termo. Isso é muito claro. Mas

quando consideramos textos nos quais “hinos” e “cânticos” são mencionados

(isto é, Cl 3.16 e Ef 5.19), começa a dificuldade, pois existem aqueles que

argumentam que esses textos não somente requerem o uso de salmos

inspirados, mas também permitem a criação e o uso, no culto divino, de

cânticos e hinos não inspirados. A esse assunto vamos agora voltar toda nossa

atenção.

Quando o apóstolo Paulo foi pregar o evangelho aos gentios, ele

não encontrou o caminho despreparado. Pela providência de Deus, havia

sinagogas em todo lugar. Nelas as Escrituras eram lidas e expostas a cada

sábado. E era costume de Paulo, onde quer que fosse, procurar primeiramente

essas sinagogas. “Paulo, segundo o seu costume, foi procurá-los e, por três

sábados, arrazoou com eles acerca das Escrituras” (At 17.2, 13.14 etc.). A

tradução do Velho Testamento que Paulo encontrou pronta para o seu uso

nessas sinagogas foi a “Septuaginta” (cuja abreviação é LXX). Essa versão

grega vinha circulando já havia quase trezentos anos (quase o mesmo tempo

que a versão King James é conhecida pelo mundo de língua inglesa). Foi essa

Bíblia grega que os judeus bereanos examinaram todos os dias com toda

prontidão de mente enquanto testavam o ensino de Paulo (At 17.11). E nós

podemos ter certeza que o ensino de Paulo estava de acordo com essa versão

do Antigo Testamento, pois ele diz: “Porém confesso-te que, segundo o

Caminho, a que chamam seita, assim eu sirvo ao Deus de nossos pais,

acreditando em todas as coisas que estejam de acordo com a lei e nos escritos

dos profetas” (At 24.14). Mas isso indica algo muito importante, como disse o

Dr. B. B. Warfield: “Os escritores do Novo Testamento… todos tinham em mãos

a versão da Septuaginta do Antigo Testamento, e… dela derivaram sua

terminologia religiosa grega” (The Person and Work of Christ, pág. 443). Paulo

usou palavras da versão grega da Bíblia, palavras que os seus ouvintes

conheciam. Ele usou a linguagem da Escritura que lhes era familiar, com o

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significado determinado por essa Escritura. Portanto o ponto preciso de nossa

investigação vem disto: O que o apóstolo quis dizer quando instruiu a Igreja a

cantar “salmos, hinos e cânticos espirituais” no culto a Deus? O que esses

termos significam na linguagem da própria Escritura?

Os textos em questão são os seguintes:

"E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas

enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos, entoando e

louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais" (Ef

5.18,19); “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos

e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus,

com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso

coração” (Cl 3.16).

A interpretação própria dos termos da Escritura requer que

descubramos não o que esses termos significam nos nossos dias, mas o que o

autor inspirado quis dizer na época em que os empregou. E é uma coisa

esquisita, na interpretação bíblica, que essa regra seja comumente observada

com referência ao termo “salmos”, mas não com referência aos termos “hinos”

e “cânticos”. Mas o fato é que todos os três termos são usados na Bíblia para

designar várias seleções contidas no próprio Saltério do Antigo Testamento. Na

versão grega do Velho Testamento, familiar aos efésios e aos colossenses, o

saltério inteiro é chamado de “Salmos”. Em sessenta e sete títulos do livro dos

Salmos usa-se a palavra “salmo”. No entanto, em sessenta títulos usa-se a

palavra “hino” em vez de “salmo”, e em trinta e cinco aparece a palavra

“cântico”. E ainda mais importante, doze títulos usam os dois termos, “salmo”

e “cântico”, e dois usam as palavras “salmo” e “hino”. O Salmo 76 é designado

pelos três termos: “salmo, hino e cântico”. E no final dos primeiros setenta e

dois salmos lemos: “findam-se os hinos de Davi, filho de Jessé” (Sl 72.20). Em

outras palavras, não há motivo para pensar que o apóstolo referiu-se mais aos

salmos quando usou a palavra “salmos” do que quando disse “hinos” e

“cânticos”, pela simples razão de que, no livro dos Salmos, todos os três

termos eram termos bíblicos usados para designar os salmos. Nós estamos

acostumados a usar os termos “hinos” e “cânticos” para aquelas composições

que não são salmos. Mas Paulo e os cristãos de Éfeso e Colossos usaram esses

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termos como a Bíblia mesma os usava, isto é, como títulos para vários Salmos

no Saltério do Antigo Testamento. Para nós pode soar estranho, ou mesmo

desnecessário, que o Espírito Santo tenha usado essa variedade de títulos para

designar Suas composições inspiradas. Mas o fato é que Ele fez assim. Da

mesma forma como o Espírito Santo fala de Seus “mandamentos e seus

estatutos e juízos” (Dt 30.16 etc.) e de “milagres e maravilhas e sinais..." (At

2.22), assim Ele fala dos Seus “salmos, hinos e cânticos”. Como mandamentos,

estatutos e juízos são leis divinas na linguagem das Escrituras, e milagres,

maravilhas e sinais, são todos obras sobrenaturais de Deus na linguagem das

Escrituras, assim salmos, hinos e cânticos são as composições inspiradas do

Saltério na linguagem das Escrituras. As evidências do Novo Testamento

sustentam essa conclusão. Na noite da última Ceia, Jesus e Seus discípulos

cantaram um “hino” (Mt 26.30). Os expositores bíblicos afirmam que esse hino

era “a segunda parte dos Salmos Hallel (Salmos 115 a 118) que era sempre

cantada na Páscoa (New Bible Commentary, pág. 835). Mateus chama esse

Salmo de “hino” porque, na terminologia da Bíblia, um Salmo é um hino. Nesse

mesmo sentido, é feita a citação do Antigo Testamento no livro de Hebreus

2.12, em que a palavra grega “hino” é citada do Salmo 22.22. Nessa citação de

um Salmo do Antigo Testamento, a palavra “hino” é usada para indicar o

cântico de Salmos, porque o Antigo Testamento não faz distinção entre os dois.

Mas se a própria Escritura diz que Salmos são hinos e hinos são Salmos, por

que deveríamos fazer distinção entre eles? Assim como é ponto pacífico que o

apóstolo usou linguagem bíblica com sentido bíblico, assim também é ponto

pacífico que ele não estava falando de hinos não inspirados nesses textos (ou

seja, Cl 3.16 e Ef 5.19). Ele não falou de salmos não inspirados, já que nas

Escrituras os hinos são Salmos inspirados.

Mas consideremos também o contexto em que essas palavras

aparecem.

(1) Nos dois textos é ordenado que sejamos “cheios do Espírito”, e

que “habite a Palavra de Cristo” em nós, “ricamente, em toda a sabedoria”.

Uma afirmação evidentemente interpreta a outra. Ser cheio do Espírito Santo

requer a habitação da Palavra de Cristo. Ninguém pode ser cheio do Espírito

sem que esteja cheio da Palavra. Se as palavras com as quais nós somos

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cheios não são as mesmas do Espírito, como podemos ser cheios do Espírito? E

como o Espírito pode nos encher com outra coisa senão com as Suas palavras?

(2) Notem a instrução de como devemos encher-nos do Espírito e

da Palavra de Cristo. Devemos fazer isso “falando” a nós mesmos, ou

“ensinando e admoestando-nos uns aos outros”. É importante observar que

isso é algo muito diferente de autoexpressão. Quando nós mesmos criamos

composições, expressamos nossos próprios sentimentos e convicções. Mas

aqui nos é dito para ensinar e admoestar uns aos outros falando a Palavra de

Cristo. ”Autoexpressão” é bem diferente de “autoinstrução”. Expressar o que

está em nós é exatamente o oposto de ser instruído e admoestado.

(3) E observe, finalmente, a instrumentalidade pela qual devemos

fazer isso: por meio de “salmos, hinos e cânticos espirituais”. Devemos ensinar

e admoestar uns aos outros com “salmos, hinos e cânticos espirituais” para

podermos ser cheios do Espírito de Cristo e da Palavra. Isso nos leva à

conclusão de que necessariamente são os Salmos e cânticos da Bíblia, pois

nada além deles pode ser chamado adequadamente de espiritual, ou dizer que

são a Palavra inspirada de Cristo. Somente palavras inspiradas são apropriadas

para ensinar e admoestar a Igreja de Deus. Receber instrução ou admoestação

de palavras não inspiradas é errado. “Devemos obedecer antes a Deus que aos

homens” (At 5.29). Às vezes é dito que não cantamos para ensinar ou

admoestar, mas para expressar nossos sentimentos em resposta à Palavra de

Deus. Mas Deus não nos ordena que expressemos nossos próprios sentimentos

em resposta à Sua Palavra, antes Ele nos ordena a instruir-nos e admoestar-

nos pela Sua Palavra. Dessa forma, tanto o contexto como os próprios termos

usados (ou seja, salmos, hinos e cânticos) nos levam à conclusão de que

somente as palavras inspiradas dos Salmos bíblicos correspondem às

exigências, e são autorizadas para o canto de louvor a Deus no culto divino.

Que não se diga que estamos exagerando neste caso. Até mesmo

os que advogam o uso de cânticos não inspirados no culto admitem nosso

argumento básico. Por exemplo, a Igreja Presbiteriana Ortodoxa — ainda que

tenha decidido usar hinos não inspirados — reconhece o fato que, nas

Escrituras, “salmos”, “hinos” e “cânticos” são termos sinônimos. “É possível

que cada um desses termos possa referir-se a tais Salmos, uma vez que são

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 12

usados na LXX (Septuaginta) como títulos dos Salmos” (O. P. Minutes, 1947,

pág. 54). E também: “na linguagem da Escritura a palavra ‘salmo’ e ‘hino’ pode

ser usada de forma sinônima” (Ibid.). Em outras palavras, mesmo aqueles que

advogam o uso de hinos não inspirados não conseguem provar que Deus tenha

ordenado isso em algum lugar de Sua Palavra. Eles não são capazes de provar

que Colossenses 3.16 e Efésios 5.19 sancionam outra coisa mais que os

“salmos, hinos e cânticos” inspirados pelo Espírito Santo, e que estão contidos

no livro dos Salmos.

Mesmo se considerarmos a interpretação descuidada usual desses

títulos que as Escrituras dão aos Salmos, a conclusão é, na prática, a mesma.

Até mesmo se arbitrariamente dissermos que os “salmos” se referem às

seleções do Saltério, mas os outros termos se referem a outra coisa, ainda

assim nos é ordenado cantar somente cânticos inspirados das Escrituras. O

apóstolo cuidadosamente afirma que devemos cantar somente “cânticos

espirituais”. E não há dúvida de que o termo “espiritual” significa “inspirado”.

Como disse o Dr. B. B. Warfield, de Princeton (The Presbyterian Review, de

julho de 1880): “Das vinte e cinco ocasiões em que a palavra (espiritual) ocorre

no Novo Testamento, em nenhum caso ela desce tão baixo para ser

considerada como espírito humano; e vinte e quatro delas são derivadas de

‘espírito’ (pneuma), o Espírito Santo. No sentido de pertencer ao Espírito Santo,

ou ser determinado por Ele, o uso no Novo Testamento é uniforme”. A tradução

apropriada para o termo, em cada caso, é “dado pelo Espírito” ou “guiado pelo

Espírito” ou “determinado pelo Espírito”.

Não há dúvida de que essa expressão, aparecendo dessa forma

com tripla designação no Saltério, qualifica todos os três termos como sendo

“salmos, hinos e cânticos inspirados”. Mas mesmo se passarmos por cima

disso, nós ainda temos que reconhecer que os cânticos entoados no culto

cristão devem ser divinamente inspirados. E se os salmos têm de ser

inspirados (como exige essa qualificação do termo), seria necessário assumir

que os hinos também devem ser inspirados. Não teria sentido o apóstolo fazer

distinção entre os salmos inspirados e os hinos e cânticos não inspirados. E

seria absurdo também pensar que Paulo poderia afirmar que salmos e cânticos

seriam inspirados, e os hinos não o seriam. É possível conceber uma distinção

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 13

entre salmos inspirados e outro tipo de composição não inspirada. Mas não se

pode conceber uma discriminação que exija que salmos e cânticos sejam

inspirados e hinos não o sejam. Para Paulo e para os cristãos de Colossos e de

Éfeso a palavra “hinos” necessariamente deve ter tido o significado qualitativo

igual ao significado das palavras “salmos e cânticos inspirados”, com as quais

está classificada. A palavra “hino”, assim como a palavra “salmo”, deve ser

reconhecida sem ressalva, designando o mesmo tipo de composição inspirada

que as outras palavras com as quais é mencionada.

Vamos resumir o firme ensino desses versículos:

1º) Devemos nos encher com a Palavra e com o Espírito de Cristo.

2º) Realizamos isso através da instrução e admoestação mútua

pelo cântico.

3º) A regra para essa instrução e admoestação é o Saltério, porque

contém os salmos, hinos e cânticos inspirados.

Ou colocando o assunto de forma negativa:

1º) Não recebemos ordem para compormos nossos próprios

cânticos, nem para encher-nos com palavras do espírito humano.

2º) Não recebemos ordem para expressarmos nossos próprios

pensamentos e sentimentos, nem para sermos instruídos ou admoestados por

pensamentos e sentimentos originados de outros.

3º) Não recebemos ordem para recebermos ensino e instrução por

nenhuma outra regra ou instrumentalidade senão aquela provida pelo Espírito

Santo no livro dos Salmos, hinos e cânticos inspirados chamado Saltério.

3. O Testemunho da História

A Escritura é a única regra de fé e prática. Como diz a Confissão de

Westminster:

“Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas

necessárias para a glória dEle e para a salvação, fé e vida do homem,

ou encontra-se expressamente declarado na Escritura ou pode ser

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 14

lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará

em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por

tradições dos homens” (I, 6).

O testemunho da história antiga e da tradição não podem ser fonte

de doutrina ou prática na Igreja, pois doutrina e prática devem ser

determinadas pela Escritura somente. Contudo, o testemunho da história não

deixa de ter valor. E isso é especialmente verdade com respeito à história da

Igreja primitiva. Pois o fato é que o testemunho da história confirma a

compreensão de que Deus ordenou somente os Salmos para serem cantados

no culto divino. As evidências são as seguintes:

1ª) Primeiro, é digno de nota o fato que não há nenhum salmo, hino

e cântico (além daqueles da Bíblia) preservados desde o tempo dos apóstolos e

do período pós-apostólico da história da Igreja. Também não há nenhuma

evidência daquilo que era usado naquele tempo. Como diz o Professor Shaff:

“Não temos nenhum cântico que tenha permanecido desde o

período da perseguição (i.e., os primeiros três séculos) exceto o

cântico religioso de Clemente de Alexandria ao divino Logos, o qual,

no entanto, não pode ser chamado de hino e, provavelmente, nunca

foi destinado ao uso público” (The Psalms in Worship, pág. 111).

Mais recentemente, o Professor K. S. Latourette admite que “desde

a mais antiga data, talvez desde o começo, os cristãos empregavam em seus

cultos os Salmos encontrados nas Escrituras judaicas, do Velho Testamento

cristão. Desde o início, o cristianismo era predominantemente de fala grega e

esses Salmos estavam na tradução grega” (A History of Christianity, pág. 206).

E “até o fim do quarto século, nos cultos da Igreja Católica, somente os Salmos

do Antigo Testamento e os hinos ou cânticos do Novo Testamento eram

cantados; os outros hinos eram para uso pessoal, familiar ou privado” (Ibid.,

pág. 207). Se Paulo tivesse ordenado ou autorizado o uso de hinos e cânticos

não inspirados, parece estranho que eles não tenham sido usados no culto da

Igreja primitiva. É digno de nota que ainda que a Igreja tenha começado — em

algum lugar nesses primeiros quatro séculos — a cantar certas passagens do

Novo Testamento, juntamente com os Salmos do Antigo Testamento, contudo

nem de longe se supõe que usassem algum material fora da Bíblia. Por outro

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 15

lado, se a ordem do apóstolo foi que somente os salmos, hinos e cânticos

inspirados fossem cantados no culto a Deus, então isso é exatamente o que

deveríamos esperar. Foi somente muito gradualmente que a Igreja se afastou

de fazer o que Deus ordenou, para começar a fazer o que agradava aos

homens.

2ª) O segundo fato digno de nota é que quando os hinos não

inspirados apareceram pela primeira vez, isso não foi entre as Igrejas

ortodoxas, mas sim entre os grupos heréticos. O Professor Latourette diz: “Os

bardesanitas (seguidores de Bardesanes), suspeitos de heresia desde o

segundo século, tinham uma coleção de cento e cinquenta hinos” deles

próprios (Ibid., pág. 207). Foi Ário, o maior herético dos tempos antigos, que

disse: “Deixa-me fazer uma canção popular, e não me importarei com quem

faz as leis”. Ário espalhou sua doutrina nociva escrevendo hinos que apelavam

ao povo dos seus dias. E esse parece ter sido o padrão da prática entre os

movimentos heréticos. Agostinho, já no ano de 430 d.C., testifica o seguinte:

“Os donatistas consideram como algo reprovável que nós, na Igreja, cantamos

com sobriedade os cânticos divinos... enquanto eles inflamam e intoxicam a

mente cantando salmos de composição humana” (Confissões, IX, 4). Se a

Igreja desde o princípio tivesse recebido autorização do apóstolo para fazer uso

de hinos não inspirados, era natural que ela fizesse assim, mas não foi isso que

ela fez. Ao contrário, foram os que se desviaram da fé aqueles que

primeiramente o fizeram. A Igreja que permaneceu na fé também permaneceu

no cântico dos Salmos da Bíblia. Certamente não devemos crer que isso tenha

sido algo acidental.

3ª) Em terceiro lugar, é um fato que, no passado, mesmo quando

os hinos não inspirados dos homens começaram a ter aceitação entre as

Igrejas cristãs, houve uma forte e persistente oposição à introdução deles no

culto divino. O Sínodo de Laodiceia (343 d.C.) proibiu “o cântico de hinos não

inspirados na Igreja”, como também foi proibida “a leitura de livros não

canônicos da Escritura” (Canon 59). Mais tarde, no Concílio de Calcedônia (451

d.C.), reafirmou-se essa oposição à introdução de hinos não inspirados. Se o

apóstolo tivesse encorajado a composição e o uso de hinos não inspirados

desde o início, seria difícil explicar como esses Sínodos se opuseram de tal

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 16

forma a essa nova e perigosa inovação. Mas se o apóstolo autorizou e ordenou

somente o uso do cântico dos Salmos inspirados, não há mistério em todos

esses eventos.

Para resumir:

(i) Não há evidência que cânticos, hinos e salmos não inspirados

tenham sido usados no culto da Igreja Apostólica e pós-apostólica. Até mesmo

historiadores não simpáticos ao cântico exclusivo dos Salmos admitem que

isso é verídico.

(ii) Eles também admitem que os primeiros hinos não inspirados

foram introduzidos pelos heréticos com o propósito de conduzir o povo de Deus

ao erro (por causa do apelo popular de suas composições, eles frequentemente

obtinham grande sucesso).

(iii) A despeito do gradual enfraquecimento contra essa inovação,

houve persistente oposição na Igreja ortodoxa à introdução de salmos, hinos e

cânticos não inspirados no culto divino.

Agora perguntamos: Como é possível explicar esses fatos sem

concluir que, originalmente, a Igreja Apostólica usou apenas Salmos no culto

divino? Por que a Igreja Apostólica não compôs hinos não inspirados que

fossem preservados para nós? (De fato, por que eles não criaram outros hinos

inspirados, se os Salmos do Velho Testamento não eram suficientes?) Por que

os hereges abriram o caminho para a composição e o uso de cânticos não

inspirados? E por que a Igreja resistiu tanto tempo em imitar os heréticos

produzindo ela mesma cânticos não inspirados? Como se explica tudo isso? Há

uma só maneira: “não foi assim desde o princípio”. A única explanação

razoável é que Paulo havia ordenado que se cantassem apenas salmos, hinos e

cânticos inspirados, e que Deus por um longo tempo deu à Sua Igreja força

para resistir à tentação de cultuá-lO “de qualquer outra forma que não tivesse

sido ordenada na Sua Palavra”.

4. Objeções aos Salmos

Não é de pouca monta o fato de que o uso de cânticos não

inspirados no culto nunca tenha sido demonstrado através de prova textual.

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 17

Ninguém jamais encontrou um único texto bíblico provando que Deus tenha

ordenado que Sua Igreja deve cantar no culto outra coisa que não sejam os

Salmos da Bíblia. E isso não é por falta de busca diligente! Alguns anos atrás,

uma Comissão da Igreja Presbiteriana Ortodoxa fez essa tentativa. Mesmo

após alguns exaustivos anos de busca, não foi possível encontrar a tal prova. O

relator da Comissão admitiu que é “impossível provar que cânticos não

inspirados tenham sido autorizados nas Escrituras”. Ele ainda disse: “desejar

tal prova para em sã consciência entoar cânticos não inspirados é desejar o

impossível” (The Presbyterian Guardian, Vol. 17, pág. 73). Admitir isso é algo

gravíssimo. Mas não é admitir mais do que aquilo que os fatos evidenciam. A

realidade nua e crua é que ninguém jamais encontrou um único texto que

ordene os cânticos não inspirados no culto divino. E lembre-se: não podemos

cultuar a Deus “de nenhuma maneira além daquela que foi ordenada em Sua

Palavra”.

Essa é a razão por que os argumentos para cantar hinos não

inspirados no culto realmente têm sido apenas argumentos contra o canto dos

Salmos. Esse fato importante é constantemente desconsiderado. Mas é bom

que tenhamos isso em conta, quando vamos examinar alguns argumentos

apresentados por aqueles que advogam o uso de cânticos não inspirados no

culto divino.

(1) Um dos argumentos mais comuns apresentados por aqueles

que são a favor do uso de cânticos não inspirados no culto é que “sob o Novo

Testamento nós temos uma medida maior de liberdade com relação ao

conteúdo do culto, do que quando estávamos sob o regime do Antigo

Testamento”. Tal afirmação parece coerente, mas seria ela de fato

verdadeira? Não seria o caso que no Novo Testamento, assim como no Antigo,

Deus não deve ser adorado “de nenhum outro modo que não tenha sido

prescrito nas Santas Escrituras”? A Confissão de Fé, na verdade, diz que “a

liberdade dos cristãos foi ampliada” no Novo Testamento, além da que tinham

os crentes no Antigo Testamento, “achando-se eles livres do jugo da lei

cerimonial a que estava sujeita a Igreja Judaica, e tendo maior confiança no

acesso ao trono da graça e mais abundantes comunicações do Espírito de

Deus, do que aquelas que os crentes debaixo da lei normalmente alcançavam”

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 18

(XX, 1). Mas isso não quer dizer uma liberdade maior ao ponto de permitir que

os crentes do Novo Testamento cultuem a Deus como bem lhes agrade. No

entanto, essa é a verdadeira intenção de todo esse argumento. A Igreja não

pode decidir por si mesma o que irá cantar no culto a Deus!

Pode parecer estranho dizer isso, mas longe de ser liberdade isso parece

mais tirania. E tirania da pior espécie. Verdadeira liberdade, como a Confissão

diz, é confessar que “Só Deus é senhor da consciência” e Ele “a deixou livre

das doutrinas e mandamentos humanos que, em qualquer coisa, sejam

contrários à Sua Palavra, ou que, em matéria de fé ou de culto estejam fora

dela” (XX, 2). Quem é que decide quais hinos não inspirados serão cantados na

Igreja? São os homens que decidem! Geralmente é uma pequena comissão de

homens, em nome de um Sínodo ou de uma Assembleia. Tendo esses homens

feito sua escolha, o Sínodo ou a Assembleia impõe essa escolha à Igreja. Dessa

forma, os crentes se sujeitam à autoridade de uma decisão puramente humana

quanto àquilo que vai ser cantado no culto a Deus. E nem sequer existe

unanimidade entre eles. Os hinos não inspirados impostos ao povo de Deus por

um Sínodo via de regra não são aceitos por outro Sínodo. Um hinário de uma

Igreja Reformada difere do outro. Aquele que é aprovado em um tempo e em

algum lugar, é rejeitado e até condenado por outro noutro tempo e noutro

lugar. As contínuas mudanças de conteúdo dos hinários simplesmente provam

de forma clara que os Sínodos podem errar e frequentemente erram! E tudo

isso é tido como a pretensa “liberdade dada por Deus”! Como se Ele

concedesse à Sua Igreja liberdade para escolher por meio de tentativa e erro,

mudando de um hinário para outro numa sucessão interminável.

Isso não é liberdade! Há liberdade somente quando a Igreja faz o

que Deus ordenou. Quando a Igreja impõe aos seus membros aquilo que Deus

não ordenou, mas o que ela mesma decide, ela se torna culpada de tirania.

Deixe-me ilustrar. Quando a Igreja canta somente salmos, hinos e cânticos da

Bíblia, como foi ordenado por Deus, nenhum membro da Igreja pode dizer que

a sua consciência foi ofendida. Mas quando a Igreja lhe diz que deve entoar

cânticos não inspirados, contra os quais alguns se opuseram, aí existe violação

de consciência. Ninguém deveria ser levado a adorar a Deus de uma maneira

que viole a sua consciência, a menos que se possa provar que Deus ordenou

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aquilo. Quando Deus dá uma ordem à consciência, nós temos liberdade.

Quando os homens impõem o que Deus não ordenou, o que temos é tirania.

(2) Outro argumento para entoar cânticos não inspirados no culto chama-

se “a analogia da oração”. Como se pode observar, esse argumento também é

negativo. Ele não oferece prova alguma de que Deus tenha ordenado cantar

hinos não inspirados, mas apenas procura provar que Deus não nos ordenou

como cantar porque também não nos ordenou como devemos orar. Em

resumo, o argumento é este: uma vez que Deus não ordenou que oremos

apenas as orações que estão na Bíblia, então não nos devemos sentir presos a

usar os cânticos da Bíblia como nossos cânticos.

Aparentemente, esse é um argumento de peso, contudo a verdade não é

assim. Pois a verdade não é “que Deus não ordenou” como devemos orar, mas

sim “que Deus nos manda orar as orações feitas com o auxílio direto do

Espírito Santo”. Não é verdade que Deus não nos tenha ordenado orar de

determinada forma particular e por isso não temos também de cantar de forma

determinada, pois Deus nos mandou orar de uma forma determinada:

“Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque

não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós

sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações

sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele

intercede pelos santos” (Rm 8.26,27). Deus nos proveu com um hinário de

Salmos e assim nós podemos cantar de acordo com a Sua vontade. Ele nos

proveu com a promessa da assistência do Espírito Santo para que possamos

orar de acordo com a Sua vontade. A provisão de Deus para a oração é

diferente da sua provisão para o cântico. Mas Ele proveu aquilo que nos

habilitaria a fazer ambas as coisas de acordo com a Sua vontade. Dessa forma,

existe lei e liberdade tanto em um elemento do culto como no outro. Em

ambos os elementos do culto Deus proveu aquilo que é necessário para

capacitar-nos a fazer a Sua vontade e não a nossa.

A chamada “analogia da oração” é um princípio falso, porque a

oração e os cânticos de louvor não são análogos. (A) Na oração pública uma

pessoa fala por todos, então não há necessidade de um livro de orações, uma

vez que o Espírito Santo é prometido para nos capacitar a orar de acordo com

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 20

a vontade de Deus. Mas no louvor público todos cantam juntos e nos foi dado

um livro inspirado de louvor para que possamos cantar juntos aquelas palavras

de Deus que estão de acordo com a Sua vontade. (B) Na oração nós falamos

das nossas várias necessidades. Mas no louvor nós exaltamos o Deus imutável.

Cada oração deve ser diferente, mas os cânticos de louvor apropriados são os

mesmos de século em século. Nossas necessidades mudam, mas o Deus que

deve ser louvado não muda. (C) Se a oração e o louvor realmente fossem

análogos, seria razoável admitir que somente as orações da Bíblia deveriam

ser usadas (porque temos ordem de cantar somente os Salmos da Bíblia) como

se argumenta no lado reverso do assunto. Mas o argumento da analogia não se

justifica. E para evitar tal confusão, Deus claramente ordenou o que é próprio

para cada elemento do culto. E para cada elemento do culto aplica-se o mesmo

princípio: Aquilo que Deus não ordenou é proibido.

(3) Um terceiro argumento para cantar hinos não inspirados é que

“não há realmente nenhuma diferença entre hinos não inspirados e as versões

dos Salmos que estão em uso”. Notem, outra vez, que o argumento é negativo.

Não se diz que Deus não ordenou o cântico dos Salmos e nenhuma prova se dá

para mostrar que Deus nos ordenou entoar cânticos não inspirados. É somente

um argumento de que na verdade não existem cânticos inspirados, mesmo que

Deus tivesse ordenado que tais cânticos fossem entoados. As versões dos

Salmos, dizem eles, não são realmente inspiradas.

É claro e verdadeiro que nada é inspirado por Deus, exceto os

originais dos textos das Escrituras em hebraico e grego. Como a Confissão de

Fé de Westminster afirma: “O Velho Testamento em hebraico (língua vulgar do

antigo povo de Deus) e o Novo Testamento em grego (a língua mais conhecida

entre as nações no tempo em que ele foi escrito), sendo inspirados

diretamente por Deus e pelo seu singular cuidado e providência conservados

puros em todos os séculos, são por isso autênticos e assim em todas as

controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como supremo

tribunal..." (I, 8). Mas a Confissão também diz: “não sendo essas línguas

conhecidas por todo o povo de Deus, que tem direito e interesse nas Escrituras

e que deve no temor de Deus lê-las e estudá-las, esses livros têm de ser

traduzidos nas línguas vulgares de todas as nações aonde chegarem, a fim de

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 21

que a Palavra de Deus, permanecendo nelas abundantemente, adorem a Deus

de modo aceitável e possuam a esperança pela paciência e conforto das

Escrituras” (I, 8). Em outras palavras, ainda que somente os textos originais

hebraico e grego sejam inspirados e infalíveis, Deus mesmo ordenou que todos

os homens em toda parte os leiam e lhes obedeçam; por isso é necessário que

sejam traduzidos. Isso é verdade, ainda que as traduções não sejam

diretamente inspiradas por Deus e nem absolutamente infalíveis em

comparação com os textos hebraico e grego. Mas as versões que não são

absolutamente infalíveis são absolutamente necessárias por causa da ordem

expressa contida no texto hebraico e grego, o qual é absolutamente infalível.

Alguém pode argumentar que, uma vez que nenhuma versão da

Bíblia é perfeita, então nenhuma versão é necessária. Também se poderia

dizer que, considerando que nenhuma versão da Bíblia é perfeita, então não há

diferença entre as traduções da Bíblia e os textos não inspirados escritos pelos

homens. Mas o argumento é falso pela seguinte razão: uma tradução da

Palavra de Deus é, num sentido real, a Palavra de Deus. É a Palavra de Deus

traduzida. Mesmo sendo traduzida, não deixa de ser a Palavra de Deus. O

mesmo pode ser dito das metrificações dos Salmos. Quando os Salmos são

poeticamente traduzidos do hebraico para o português, eles não deixam de ser

cânticos inspirados por Deus. Eles não se tornam cânticos não inspirados dos

homens, meramente porque foram traduzidos para uma versão em português.

Existe o que se pode chamar de tradução fiel dos Salmos e metrificação fiel

dos Salmos.

Essas pessoas se opõem a cantar Salmos porque dizem não ser

necessário cantar somente Salmos inspirados, já que não existe versão perfeita

desses Salmos. Mas isso é o mesmo que dizer que não necessitamos fazer o

que Deus ordenou porque não podemos fazê-lo de modo perfeito. Esse

argumento é falso. Os deveres não são determinados pela habilidade daquele

que deve cumpri-los. Deus nos ordena que sejamos perfeitos (Mt 5.48).

Sabemos que não podemos ser perfeitos nesta vida (1 Jo 1.8,10), mas isso não

anula, de forma alguma, o dever de sermos perfeitos. De fato, a marca do

verdadeiro discipulado é esforçar-se para ser perfeito, ou, em outras palavras,

tentar com todas as forças fazer aquilo que Deus requer. Dessa mesma forma,

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 22

Deus nos ordena que entoemos cânticos inspirados. Nós não podemos fazer

isso perfeitamente, mas isso não é desculpa para não tentar. Se alguém

dissesse que precisamos de versões melhores dos Salmos, com isso eu posso

concordar, mas se alguém disser que, uma vez que nossas versões dos Salmos

são imperfeitas, temos razão de usar o que não é inspirado, com isso não

podemos concordar. Nossas metrificações dos Salmos estão longe de serem

perfeitas. Mas o remédio não é adicionar ao pecado de fazer imperfeitamente o

que Deus ordena também aquilo que Deus não ordenou nunca. Devemos

procurar, renovadamente, fazer da maneira mais perfeita possível o que Deus

ordenou. E é preciso lembrar que as pessoas que estão cantando salmos, hinos

e cânticos de um Saltério imperfeito podem pelo menos dizer que estão

tentando fazer o que Deus ordenou.

(4) Um quarto argumento para o uso de cânticos não inspirados no

culto divino pode ser chamado de “argumento dispensacionalista”. Deve-se

observar, novamente, que esse é um argumento negativo. Esse argumento

insiste em dizer que os Salmos do Velho Testamento são inadequados para a

Igreja do Novo Testamento. Argumenta-se que esses Salmos pertencem a uma

dispensação imperfeita, e que eles não refletem a luz da revelação completa.

Dizem que a revelação do Novo Testamento trouxe novas verdades que

deveriam ser expressas no louvor, e portanto são necessários novos cânticos

(embora não sejam inspirados). Mas não é oferecida nenhuma prova para

mostrar que Deus ordenou fazer uso de hinos não inspirados. Esse argumento

visa tão-somente condenar os Salmos inspirados que Deus ordenou que

cantemos. E a base dessa condenação é que os Salmos foram escritos antes de

Cristo vir ao mundo.

Esse argumento contém um pressuposto muito perigoso. É o

pressuposto de que o Velho Testamento é inferior ao Novo Testamento. Ele

presume que o mais antigo é inferior ao que veio depois, e que este é superior.

Mas a Bíblia não ensina tal doutrina. Ela ensina, ao contrário, que toda

Escritura é de igual valor. A revelação de Deus é progressiva, mas é um

progresso do parcial para o completo, e não do inferior para o superior. Como

disse Agostinho: “O Novo está escondido no Velho, e o Velho, revelado no

Novo”. É um erro a noção modernista de que a religião do Novo Testamento é

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 23

uma evolução de uma forma mais primitiva de religião contida no Antigo

Testamento. A religião que Deus começou a revelar no Gênesis é a mesma que

ele terminou revelando no Apocalipse. Portanto é parte desse falso

pressuposto imaginar que aquilo que foi escrito no Antigo Testamento foi

escrito primariamente para o tempo do Antigo Testamento. Isso é

categoricamente condenado por Pedro que, falando dos profetas do Velho

Testamento, declara: “... investigando, atentamente, qual a ocasião ou quais

as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles

estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a

Cristo e sobre as glórias que os seguiriam. A eles foi revelado que, não para si

mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas que, agora, vos foram

anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram

o evangelho, coisas essas que anjos anelam perscrutar” (1 Pe 1.11,12). O

Espírito que inspirou o Velho Testamento foi o Espírito de Cristo. E Ele não

testificou verdades inferiores, mas exatamente os sofrimentos de Cristo e Sua

glória que se seguiria. Os que argumentam dessa forma contra os Salmos

insistem que o Velho Testamento não revela plenamente os sofrimentos de

Cristo. Mas Pedro diz que eles testificaram dessas coisas — não para si

mesmos — nem para aqueles que estavam vivendo em seus dias — mas para

nós. Se os escritores do Velho Testamento escreveram sobre os sofrimentos de

Cristo e sobre as glórias que se seguiriam, e se eles escreveram essas coisas

expressamente para nós, então é evidente que não necessitamos de autores

de hinos não inspirados para fazer esse trabalho que já foi feito.

Às vezes se afirma que, quando se cantam apenas os Salmos,

nega-se o privilégio de cantar do Salvador que agora veio. Em outras palavras,

é o mesmo que alegar que os Salmos não contêm Cristo de forma suficiente.

Isso é uma coisa impressionante. Pois o próprio Cristo disse que o livro dos

Salmos foi escrito a Seu respeito (Lc 24.44). Suas últimas palavras foram

tiradas do Salmo 22. Sua última comunhão com os discípulos aconteceu

cantando o grande Hallel (Salmos 115 a 118) na última Ceia. E, então, pela

boca do seu servo Paulo, Ele ordenou às Igrejas que continuem a cantar os

Salmos. E por que não? Se Ele mesmo, pelo Espírito Santo, foi o autor deles! E

a verdade é que existe mais de Cristo em cada Salmo escrito por Ele antes da

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 24

Sua vinda ao mundo, do que em qualquer dos hinos escritos por meros homens

depois que Ele veio.

Esse argumento também diz que há na experiência do crente uma

necessidade de responder às revelações do Novo Testamento, o qual trouxe à

tona pensamentos e meditações que são expressos de modo inadequado nos

Salmos. Mas é interessante notar que grandes homens de Deus têm testificado

exatamente o contrário. Atanásio, o campeão da divindade de Cristo, no quarto

século, disse: “Eu creio que um homem não pode encontrar nada mais glorioso

do que esses Salmos; pois eles abrangem toda a vida do homem, as afeições

da sua mente e as emoções da sua alma. Para louvar e glorificar a Deus, ele

pode selecionar um Salmo próprio para cada ocasião, ao ponto de achar que

eles foram escritos especificamente para ele” (Tratado sobre os Salmos).

Basílio de Cesareia disse: “ O livro dos Salmos é um compêndio de toda a

divindade; um depósito de medicina para a alma, um manual universal de boa

doutrina, útil para todos em qualquer condição”. Agostinho perguntou: “O que

é que não pode ser aprendido no Saltério?” Ele o chamou de “um resumo de

toda a Escritura”. Lutero também chamou os Salmos de “minha pequena

Bíblia”. Enquanto João Calvino disse: “não é sem boas razões que eu costumo

chamar este livro de uma anatomia de todas as partes da alma, uma vez que

ninguém pode experimentar emoções a não ser que possa ver sua imagem no

espelho". Estariam enganados esses homens? Existe algo que falta nos

Salmos? Ou haveria, talvez, alguma coisa faltando mais em nós, do que nos

Salmos inspirados, que nos faça preferir os hinos não inspirados feitos pelos

homens?

(5) O quinto argumento em favor do cântico de hinos não

inspirados é o seguinte: “Deus ‘inspira’ homens, hoje, para escrever

composições adequadas para o uso do culto divino”. Observemos mais uma

vez: esse é um argumento negativo. Ele não oferece provas de que Deus nos

tenha ordenado entoar cânticos não inspirados. Ele meramente alega que os

Salmos da Bíblia não são os únicos cânticos inspirados pelo Espírito Santo.

Frequentemente se diz que Shakespeare era “inspirado” nesse mesmo

sentido. Mas se nós formos usar essa palavra “inspirado” para descrever o

enlevo poético natural do espírito humano, então teremos de encontrar outra

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 25

palavra para descrever a obra sobrenatural do Espírito Santo, pela qual Ele

capacitou certos homens a escrever as Escrituras. “... porque nunca jamais

qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos]

falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.21). A

inspiração pela qual Davi escreveu os Salmos era miraculosa. Assim como o

termo “milagre”, o termo “inspiração” significa alguma coisa sobrenatural

quando considerado no sentido bíblico. As pessoas mortas não mais

ressuscitam dos túmulos (e não o farão até o último dia), e nem mais se

transforma água em vinho, e nem se anda mais sobre as águas. Os milagres,

nesse sentido, cessaram. É assim também com relação à inspiração no sentido

bíblico. A revelação de Deus está, agora, completa. Deus não irá mais inspirar

homem algum para escrever palavras infalíveis. Na verdade, Deus declara que

será maldita qualquer pessoa que tente fazer isso (Ap 22.18). Mas se alguém

pudesse realmente ser “inspirado” no sentido bíblico original, o que escrevesse

poderia ser acrescentado à Bíblia. Foi exatamente isso que os apóstolos

inspirados fizeram, e nós podemos ter certeza que, se houvesse necessidade

de algum salmo, hino e cântico além desses que nos foram dados, Deus teria

inspirado Seus apóstolos para escrevê-los e os teria colocado na Bíblia. Não

podemos afirmar esse assunto com melhores palavras do que as da Confissão

de Fé de Westminster: “Todo o conselho de Deus concernente a todas as

coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou

é expressamente declarado na Escritura, ou pode ser lógica e claramente

deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por

novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens” (I, 6).

(6) Um sexto argumento para o uso de cânticos não inspirados no

culto divino é o argumento da inferência. O argumento afirma que “existem

algumas coisas que fazem parte do culto a Deus, que não podem ser provadas

diretamente nas Escrituras, mas são logicamente deduzidas delas”. Os

exemplos que frequentemente são citados são o batismo dos infantes, e a

admissão das mulheres à Ceia do Senhor. Os defensores desse argumento

dizem que nenhuma dessas coisas é ordenada no Novo Testamento, mas todas

são plenamente justificadas através de boas e inevitáveis inferências. Eles

dizem que, se essas coisas são aceitas no culto divino, então da mesma forma

a entoação dos hinos e cânticos não inspirados deve também ser aceita.

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 26

Esse argumento também é negativo. O que ele realmente afirma é

que não podemos provar pelas Escrituras que as crianças devem ser batizadas

ou que as mulheres devem receber a Santa Ceia e que, portanto, não

precisamos provar que as composições não inspiradas podem ser cantadas no

culto divino. O que dizem é que, se o culto sem tais provas é aceitável numa

instância, então não pode ser condenado em outra.

Acontece que podemos provar, pelo claro testemunho das

Escrituras, que as crianças devem ser batizadas, e que as mulheres devem ser

recebidas à Mesa do Senhor. E a prova não é menos contundente pelo fato de

encontrar-se no Velho Testamento. Em Gênesis 17.10, Deus ordenou que as

crianças recebessem o sacramento da circuncisão. Esse mandamento nunca foi

revogado. Quando Paulo diz que somos circuncidados quando somos batizados

(Cl 2.11), ele simplesmente estende ao Novo Testamento a ordenança do Velho

Testamento. Não há necessidade de um novo mandamento para que as

crianças recebam o batismo, porque já existe um mandamento claro em vigor.

Pelo fato de ser da vontade de Deus alargar a ordenança do Velho Testamento

(i.e., aplicando esse sacramento às mulheres e meninas), o Senhor proveu a

necessária afirmação no exemplo claro de Lídia (At 16.25). Onde um

mandamento já existe, os apóstolos não fornecem nenhum outro, porque não é

necessário. Onde um mandado adicional é necessário, então é fornecido, e é

dado porque não podemos cultuar a Deus exceto da forma como Ele ordenou.

Da mesma maneira, não é necessário procurar no Novo Testamento um

mandamento admitindo as mulheres à Ceia. A razão é que o Velho Testamento

já diz: “Toda a congregação de Israel o fará” (Êx 12.47). Os apóstolos não

forneceram um mandamento para as mulheres participarem de “Cristo, nossa

Páscoa”(1 Co 5.7) porque no Velho Testamento já havia essa afirmação.

Esse argumento, tão apelativo à primeira vista, depois de ser

examinado mais de perto, na verdade, prova exatamente o oposto do que a

princípio parecia. Pois uma coisa é dizer que certas coisas não são ordenados

no Novo Testamento, mas são apropriadas para o culto porque já foram

ordenados no Velho Testamento. E outra bem diferente é dizer que certas

coisas não foram ordenadas nem no Velho nem no Novo Testamento e ainda

assim devem ser consideradas próprias para o culto. O batismo dos infantes e

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a admissão das mulheres à Ceia do Senhor não provam que os hinos não

inspirados possam ser cantados no culto, sem autorização divina, mas provam

que a clara afirmação do ensino no Velho Testamento é suficiente e não

necessita de repetição para o Novo Testamento. Mas isso é precisamente o

que nós não temos, não há nenhuma afirmação nem no Velho nem no Novo

Testamento para usarmos hinos não inspirados no culto. A única coisa que é

provado pelo batismo dos infantes e a admissão de mulheres à Santa Ceia é

que nada é próprio no culto de Deus sem uma afirmação clara das Escrituras.

Os infantes são batizados e as mulheres admitidas na Santa Ceia precisamente

porque é isso que Deus ordenou. Da mesma forma, requer-se que apenas os

Salmos sejam cantados no culto divino, porque, na verdade, somente isso foi

ordenado por Deus.

(7) Um sétimo e último argumento para o uso de cânticos não

inspirados no culto divino é o que se pode chamar de argumento do

“progresso”. Afirma-se que, através da história da redenção, novas situações,

novos desenvolvimentos e novas revelações trazem à tona novos materiais

para o culto. E isso é verdade. O elaborado culto do Tabernáculo incluía muitas

coisas que Abraão não conhecia. E o ainda mais elaborado culto do Templo de

Salomão, por sua vez, incluía muitas coisas não encontradas no Tabernáculo.

Assim, certamente o culto da Igreja do Novo Testamento marca um avanço

muito maior do que o do Templo de Salomão.

Mas há uma coisa que esse tipo de argumento desconsidera

completamente. Ele desconsidera o ensino claro da Escritura de que, para

cada um desses “avanços” na complexidade e forma do culto divino, cada

mínimo detalhe foi instituído pela expressa ordem de Deus. Assim, quando o

culto do Tabernáculo foi instituído, Deus disse a Moisés: “Vê, pois, que tudo

faças segundo o modelo que te foi mostrado no monte” (Êx 25.40). “Segundo

tudo o que eu te mostrar para modelo do tabernáculo e para modelo de todos

os seus móveis, assim mesmo o fareis” (Êx 25.9). Até mesmo os homens

empregados por Deus para fazer os instrumentos e as decorações foram

inspirados pelo Espírito Santo a fim de poderem fazer isso (Êx 28.3, 31.6 etc.).

Nada foi inventado por eles mesmos, mas unicamente pelo Espírito Santo (Êx

35.30-35). E, contrariamente à opinião comum, o mesmo é verdadeiro quanto

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 28

ao Templo de Salomão. “Deu Davi a Salomão, seu filho, a planta do pórtico

com as suas casas, as suas tesourarias, os seus cenáculos e as suas câmaras

interiores, como também da casa do propiciatório. Também a planta de tudo

quanto tinha em mente, com referência aos átrios da Casa do SENHOR, e a

todas as câmaras em redor, para os tesouros da Casa de Deus e para os

tesouros das coisas consagradas; Tudo isto, disse Davi, me foi dado por escrito

por mandado do SENHOR, a saber, todas as obras desta planta” (1 Cr

28.11,12,19). Nem uma única coisa proveio da cabeça de Davi. Tudo lhe foi

inteiramente revelado pelo Espírito Santo. Cada coisa nova que foi introduzida

foi pela expressa ordem de Deus.

Da mesma forma, o culto da Igreja do Novo Testamento foi

ordenado por Deus. Como Paulo diz: "Se alguém se considera profeta ou

espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo” (1 Co

14.37). Nada é feito na Igreja do Novo Testamento sem a ordem de Cristo. A

nova revelação que veio através da encarnação de Cristo trouxe muitas

mudanças. A lei cerimonial foi abolida por ordem divina (At 10.9-18). O culto

verdadeiro não se restringe mais ao Templo de Jerusalém (Jo 4.21). A

circuncisão e a Páscoa foram transformados em Batismo e Santa Ceia. Mas em

nenhum lugar Cristo forneceu novos cânticos inspirados, nem deu Ele algum

mandamento para que os homens fizessem uso de cânticos não inspirados no

culto. Ao contrário, Ele ordenou, por meio do apóstolo Paulo, que deveríamos

fazer uso dos salmos, hinos e cânticos inspirados que já haviam sido

providenciados.

Costuma-se dizer que novos cânticos são mencionado no Livro do

Apocalipse. E de fato o são (Ap 5.9, 14.3). Mas isso era de esperar. Quando

chegarmos ao céu, vamos precisar de novos cânticos, pois então teremos nova

revelação. Mas não nos esqueçamos que esses novos cânticos não serão

composições não inspiradas feitas por homens. Eles serão novos cânticos

inspirados pelo Espírito Santo, pois lemos: “Entoavam novo cântico diante do

trono, diante dos quatro seres viventes e dos anciãos. E ninguém pôde

aprender o cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram

comprados da terra” (Ap 14.3). Aprender um novo cântico ensinado pelo

Senhor é muito diferente de escrever cânticos por nós mesmos. Certamente

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O Cântico dos Salmos no Culto a Deus 29

devemos ansiar pelo dia no qual iremos aprender esses novos cânticos. Mas

enquanto isso, devemos estar contentes em entoar os cânticos que o mesmo

Espírito Santo escreveu para aprendermos na terra. E qualquer que seja a

maravilha desses cânticos que vamos aprender no céu, eles não serão mais

perfeitos do que aqueles que estão contidos no livro dos Salmos. Como o

salmista mesmo disse: “Quão grandes, SENHOR, são as tuas obras! Os teus

pensamentos, que profundos!” (Sl 92.5). “Quão doces são as tuas palavras ao

meu paladar! Mais que o mel à minha boca. A revelação das tuas palavras

esclarece e dá entendimento aos simples. As tuas palavras são em tudo

verdade desde o princípio, e cada um dos teus justos juízos dura para sempre”

(Sl 119.103,130,160).

“De que maneira o jovem poderá sempre guardar bem puro o seu

caminho, observando-o sob a Tua lei. A Ti busquei de coração inteiro,

peço que não me deixes desviar, nem me afastar dos Teus bons

mandamentos” (Sl 119.9,10 – metrificado pela Comissão Brasileira

dos Salmos - CBS).