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O campo da saúde global I: principais conceitos Saúde Global 2018 Aula 1 – 9 de março

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O campo da saúde global I: principais conceitos

Saúde Global 2018Aula 1 – 9 de março

Léxico•  Saúde, Saúde Pública, Saúde

Internacional, Saúde Global, Diplomacia da Saúde, Governança Global da Saúde, Governança da Saúde Global, Política Externa de Saúde

Doença (Houaiss)Acepções■ substantivo feminino 1    Rubrica: patologia.      alteração biológica do estado de saúde de um ser (homem, animal etc.), manifestada por um conjunto de sintomas perceptíveis ou não; enfermidade, mal, moléstia Ex.: o câncer é uma d. de difícil cura 2    Derivação: por extensão de sentido.      alteração do estado de espírito ou do ânimo de um ser Ex.: sua tristeza era uma d. 3    Derivação: sentido figurado.      devoção excessiva; mania, obsessão, vício Ex.: para ele, o jogo era uma d. 4    Derivação: sentido figurado.      ofício laborioso 5    Regionalismo: Brasil, Minas Gerais.      m.q. parto ('ato de parir') 

Saúde (Houaiss)•  Acepções■ substantivo feminino 1    estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para a forma particular de vida (raça, gênero, espécie) e para a fase particular de seu ciclo vital Ex.: o check-up comprovou que tem s. perfeita 2    estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar Ex.: apesar da idade, apresenta ótima s. 3    (sXIII)      brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém 4    (sXIV)      força física; robustez, vigor, energia Ex.: trabalho pesado requer muita s. 5    Rubrica: entomologia. Regionalismo: Portugal.      m.q. esperança ('designação comum') ■ interjeição 6    voto que se faz a alguém que espirra 7    Regionalismo: Portugal.      deseja-se ao se despedir e tb. diz-se para demonstrar a alguém que está na hora de ele ir-se 

SaúdeFrancisco Bastos, “Saúde em questão”. São Paulo:

Claro Enigma/Rio: Fiocruz, 2011.

1) O mundo muito pequeno – átomos e moléculas – ex. oligoelementos, minerais presentes no organismo de forma ínfima mas imprescindível

2) O mundo pequeno – ex. doenças autoimunes3) Do meu e do seu tamanho – contágio/obesidade4) Maior do que eu – miséria/hipertensão ou

sindemia (Merril Singer) conjunto de problemas é maior do que a soma de seus elementos, ex.: drogas/violência/AIDS

5) Bem maior do que eu – mudanças climáticas

Francisco Bastos, “Saúde em questão”. São Paulo: Claro Enigma/Rio: Fiocruz, 2011.

•  Resultado de interações de eventos em diversos níveis

•  Fruto de uma harmonia de eventos incrivelmente dinâmica, já que nós e o mundo que nos cerca estamos em permanente mudança

•  Também é coragem, vontade de seguir em frente a despeito da morte, do envelhecimento e das doenças; fé na vida e em nós mesmos, e na complexa e contraditória humanidade, em forças que não conseguimos nem ao menos discernir

Sugestões (cont.)•  autoobservar-se•  observar o mundo à nossa volta•  no microscópio•  o céu•  a sociedade

Francisco Bastos, “Saúde em questão”. São Paulo: Claro Enigma/Rio: Fiocruz, 2011.

Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) – NY, 22/7/1946

Os Estados Membros desta Constituição declaram, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, que os seguintes princípios são basilares para a felicidade dos povos, para as suas relações harmoniosas e para a sua segurança;

A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.

Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano*, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social.

Foucault•  *do direito à vida ao direito à saúde – o

plano Beveridge, de 1942, foi modelo de saúde no pós-guerra – “no momento em que a guerra causava grandes destruições, uma sociedade [inglesa] assumia o encargo explícito de garantir aos seus membros não somente a vida, mas também a vida em boa saúde”

(Foucault, Crise de la médicine ou crise de l’antimédicine?, in Dits et écrits III, texte 170, conferência proferida no Rio de Janeiro, 1974)

voltando ao preâmbulo da Constituição da OMS

A saúde de todos os povos é essencial para conseguir a paz e a segurança e depende da mais estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados.

Os resultados conseguidos por cada Estado na promoção e proteção da saúde são de valor para todos.

O desigual desenvolvimento em diferentes países no que respeita à promoção de saúde e combate às doenças, especialmente contagiosas, constitui um perigo comum.

cont.O desenvolvimento saudável da criança é de importância basilar; a

aptidão para viver harmoniosamente num meio variável é essencial a tal desenvolvimento.

A extensão a todos os povos dos benefícios dos conhecimentos médicos, psicológicos e afins é essencial para atingir o mais elevado grau de saúde.

Uma opinião pública esclarecida e uma cooperação ativa da parte do público são de uma importância capital para o melhoramento da saúde dos povos.

Os Governos têm responsabilidade pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida pelo estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas.

Aceitando estes princípios com o fim de cooperar entre si e com os outros para promover e proteger a saúde de todos os povos, as partes contratantes concordam com a presente Constituição e estabelecem a Organização Mundial da Saúde como um organismo especializado, nos termos do artigo 57 da Carta das Nações Unidas.

Saúde Pública 1923

“é a ciência e a arte de prevenir as doenças, de prolongar a vida e de melhorar a saúde e a vitalidade mental e física dos indivíduos,

por meio de uma ação coletiva concertada

visando a tornar saudável o ambiente; lutar contra as doenças;

ensinar as regras de higiene pessoal; organizar os serviços médicos e de enfermagem na perspectiva do diagnóstico precoce e do tratamento preventivo das doenças; implementar medidas sociais aptas a assegurar a cada membro da coletividade um nível de vida compatível com a preservação da saúde”

Charles-Edward Amory Winslow (fundador da Yale School of Public Health) The evolution and significance of the modern public health campaign, New Haven: Yale University Press,192

Hoje•  Saúde pública é um

conceito social e político que visa ao melhoramento da saúde, a maior longevidade e o crescimento da qualidade de vida de todas as populações, por meio da promoção da saúde, da prevenção de doenças e outras intervenções relativas à saúde

OMS

3 dimensões da saúde pública (Didier Tabuteau e Aquilino Morelle, La santé publique, Paris: PUF, 2010)

1)  Objetivo político: preservar e melhorar o estado de saúde de uma dada população que vive sobre determinado território. Ela representa a finalidade última para o Estado, o que a Roma antiga proclamava como salus populi suprema lex.

A saúde pública é um fim.

2) Política pública: aplicação de um conjunto coerente e articulado de medidas, legislação e regulamentação, implementada por um dispositivo institucional, sobretudo administrativo, mas também associativo e liberal.

A saúde pública é um meio.

3) Compreensão intelectual, marcada pela multidisciplinaridade, mas onde a epidemiologia tem um lugar fundador e central. A saúde pública é um modo de pensar.

https://iiif.lib.harvard.edu/manifests/view/drs:7309389$1i

Dominique Kerouedan - Paradoxo constitutivo I Conferência sanitária internacional, de 1851

https://saudeglobal.org/2013/08/17/como-a-saude-se-tornou-um-desafio-geopolitico-de-dominique-kerouedan/

Kerouedan (2013)•  A conferência não visava, porém, a saúde

das populações: o verdadeiro objeto da reunião era a necessidade de reduzir a duração das medidas de quarentena, consideradas desmedidas e nocivas para o comércio

•  Por conseguinte, a tensão entre saúde e comércio, entre interesses humanos e econômicos, entre a ciência e o lucro, é “constitutiva do paradoxo da saúde internacional”

Géopolitique de la santé mondiale. Leçons inaugurales du Collège de France. Paris: Collège de France/Fayard, 2013.

Evolução histórica da cooperação sanitária internacionalEx.: Treaties dealing with infectious diseases, 1892–1951 (Fidler, D.)

The globalization of public health: the first 100 years of international health diplomacy. Bulletin WHO; 79(9): 842-9, 2001. http://www.who.int/bulletin/archives/79(9)842.pdf

1851-1951: Regime clássico (Fidler, D.)

• Atingiu número reduzido de doenças transmissíveis, chamadas de quarentenárias, que podiam afetar comércio e viagens

• Estabeleceu um sistema de vigilância internacional para algumas doenças específicas e buscou harmonizar as políticas de quarentenas nacionais e regulamentos

"From International Sanitary Conventions to Global Health Security: The New IHR”, Chinese Journal of International Law (Oxford), 2005 http://www.repository.law.indiana.edu/facpub/397

David Fidler, The globalization of public health: the first 100 years of international health diplomacy, Bulletin of the WHO,

2001, 79 (9), p.846

Nos primeiros 100 anos da chamada diplomacia sanitária internacional, começada em 1851, um “imenso corpo de direito internacional sobre saúde pública, hoje largamente esquecido, foi criado”, cujas características básicas são:

•  a tendência de internacionalizar a saúde em função do comércio;

•  a necessidade de cooperação que os riscos de contaminação impunham aos Estados;

•  o envolvimento de corporações multinacionais e de atores não governamentais em numerosas iniciativas;

•  e a grande diversidade entre os resultados dos diferentes regimes jurídicos adotados

http://www.who.int/bulletin/archives/79(9)842.pdf

Primeira aparição do conceito de Saúde Global: Institute of Medicine-USA, 1997

•  “As nações do mundo têm muito em comum para que a saúde seja considerada como uma questão nacional.

•  Um novo conceito de saúde global é necessário para tratar os problemas de saúde que transcendem fronteiras, que podem ser influenciados por circunstâncias ou eventos ocorridos em outros países, para os quais melhores soluções podem ser encontradas pela via da cooperação”

IOM (Institute of Medicine) America's vital interest in global health: Protecting our people, enhancing our economy, and advancing our international interests. Washington, DC: National Academy Press; 1997. https://www.nap.edu/catalog/5717/americas-vital-interest-in-global-health-protecting-our-people-enhancing

Kerouedan (2013)Problemas comuns

•  Epidemias emergentes (SARS, H5N1, H1N1)

•  AIDS, malária, tuberculose •  Fatores de risco: tabaco, álcool,

obesidade, sedentarismo•  Escassez de recursos humanos•  Urbanização e saúde•  Repercussão sanitária de políticas

comerciais e agrícolas•  Repercussão das mudanças

climáticas e formas de desenvolvimento

•  10 milhões de prisioneiros no mundo

Soluções comuns

•  RSI•  Towards universal access (HIV/Aids) •  OMS, UNICEF, ONUSIDA •  Convenção antitabaco; anti álcool? •  Código de conduta OMS para

pessoal de saúde•  Acesso medicamentos•  Cobertura universal e proteção

social•  Financiamentos inovadores•  P & D•  Formações e saberes•  Equidade e justiça em saúde global

Géopolitique de la santé mondiale. Leçons inaugurales du Collège de France. Paris: Collège de France/Fayard, 2013. http://www.college-de-france.fr/site/dominique-kerouedan/inaugural-lecture-2013-02-14-18h00.htm

Noção comum, formação acadêmica e prática (Koplan et al, 2009)

•  A saúde global é uma área para estudo, pesquisa e prática que prioriza a melhoria da saúde e da equidade em saúde para todas as pessoas no mundo

•  A saúde global enfatiza problemas de saúde transnacionais, determinantes e soluções;

envolve muitas disciplinas dentro e fora das ciências da saúde e promove a colaboração interdisciplinar;

e compreende tanto a prevenção (nível populacional) como os cuidados clínicos (nível individual)

http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(09)60332-9/fulltext

João Biehl

•  Anarquia de códigos abertos•  com interesses e profundidades

absolutamente desiguais•  embora aparentem ter os mesmos

objetivos•  em geral, significa agenda de

cooperação ao desenvolvimento + agenda das OIs + transnacionais e sociedade civil

Fonte: entre outros, http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v23n2/0104-1290-sausoc-23-2-0376.pdf

•  aparece com mais frequência a partir da década de 2000, para referir-se às negociações internacionais relativas à saúde global

•  atores são variados e não se restringem aos diplomatas

•  coincide com a maior presença da saúde nas agendas de política externa

•  definições imprecisas, pouca reflexão crítica sobre o que, de fato, significa uma maior integração de questões de saúde nas agendas de política externa

Desarrollos conceptuales en salud global y diplomacia de la salud, Taller Salud Global y diplomacia de la salud, ISAGS – UNASUR, 8/5/2012.

Diplomacia da saúde global (Kickbusch, 2010)

•  visa a interpretar processos de negociações com níveis e atores múltiplos que moldam e dirigem o ambiente da política global da saúde

•  Busca 3 resultados essenciais: i)  Melhorar a segurança em saúde e nos efeitos sobre a saúde da

população de todos os países envolvidos (desta maneira atendendo aos interesses nacionais e globais);

ii)  melhorar relações entre países e fortalecer o compromisso de uma ampla faixa de atores no trabalho de melhorar a saúde;

iii)  compreender a saúde como resultado de um esforço comum para assegurar que ela seja um direito humano e um bem público global, com metas de resultados que sejam considerados justos ‘para todos’ (isto é redução da pobreza, aumento da igualdade)

https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/693/1338

Diplomacia da saúde global (Kickbusch, cont.)

•  A diplomacia da saúde global une as disciplinas de saúde pública, RI, gestão, legislação e economia

•  e se firma em negociações que modelam e administram o ambiente da política global para a saúde

•  As áreas que abriga são, entre outras: (i) negociação para a saúde pública entre fronteiras nos

foros da saúde e de outras áreas afins, (ii) governança da saúde global, (iii) política externa e saúde e (iv) desenvolvimento de estratégias de saúde nacionais

e globais

Governança da saúde global•  Grosso modo, dois usos da expressão

governança em saúde1.  Solução de problemas em busca de

maior eficiência; teorias de gestão e econômicas

2.  Capacidade de resposta diante de novos riscos e oportunidades; desafios da globalização

Dodgson et al. (2002) Global Health Governancehttp://apps.who.int/iris/bitstream/10665/68934/1/a85727_eng.pdf

Ibid.

Política externa (d)e saúde•  O aumento do interesse na saúde como dimensão

relevante da política exterior e das preocupações diplomáticas levanta questões sobre o papel da saúde nas relações entre os países,

•  assim como sobre a contribuição da política externa no alcance de melhor proteção e promoção da saúde globalmente

•  no nível do discurso as intenções são louváveis, mas na prática o esforço é complexo, pleno de ambiguidades e incertezas

ALMEIDA, C. Saúde, política externa e cooperação sul-sul em saúde: elementos para a reflexão sobre o caso do Brasil. In A saúde no Brasil em 2030 – prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: desenvolvimento, Estado e políticas de saúde [online]. Rio de Janeiro: Fiocruz/Ipea/Ministério da Saúde/Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 2013. Vol. 1. pp. 233-327 http://books.scielo.org/id/895sg/pdf/noronha-9788581100159-08.pdf