o caminhos e desafigos da governança global

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OS CAMINHOS E DESAFIOS PARA GOVERNANÇA GLOBAL E A RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO FERRAMENTA À SUSTENTABILIDADE Natalia Karabolad

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OS CAMINHOS E DESAFIOS PARA GOVERNANÇA GLOBAL E A

RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO FERRAMENTA À

SUSTENTABILIDADE

Natalia Karabolad

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RESUMO:

O trabalho a seguir examina o processo de globalização e os desdobramentos que

levarão à consolidação de movimentos e projetos globais, visando caminhos para a

sustentabilidade socioambiental no cenário internacional.

Para isso, será analisada a emergência de movimentos, convenções e projetos globais,

como a proposta do Pacto Global, que tem como objetivo unir atores transnacionais num

fórum de aprendizado para práticas de responsabilidade socioambiental e assim, estabelecer

uma discussão sobre o potencial para resultados que tais propostas possuem.

Por fim, examinam-se mais profundamente o conceito de responsabilidade

socioambiental corporativa e os meios pelos quais o setor privado vem adequando-se às novas

tendências e práticas sustentáveis no cenário internacional.

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SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO 1

1 DA GLOBALIZAÇÃO À GOVERNANÇA

1.1 Contexto da globalização, suas implicações e variáveis 2 1.2 O reconhecimento de uma consciência cidadã e a emergência de novos 7 movimentos sociais globais 1.3 A construção da identidade global 9 1.4 O movimento ambiental 10 1.5 Caminhos e desafios para a governança global 12

2 ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS, ESTRUTURA E RESULTADOS DO PACTO GLOBAL

2.1 Revolução nos valores da sociedade: panorama da emergência dos novos temas 14 na agenda internacional até a criação do Pacto Global 2.2 A estrutura do Pacto Global e a formação de uma rede global de 17 relacionamentos, aprendizado e ação. 2.3 A posição das organizações não-governamentais frente ao Pacto Global 21

3 A RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO FERRAMENTA NO

CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

3.1 Responsabilidade socioambiental e a formação de uma sociedade de risco 24 3.2 Abordagem conceitual da responsabilidade socioambiental e formação de 25

padrões de gestão no setor privado

CONCLUSÃO 28 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 29

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INTRODUÇÃO O tema sobre governança global vem ganhando importância na atualidade, pois,

apresenta-se intimamente ligado aos desdobramentos provenientes do processo acelerado de globalização, suas variáveis e conseqüências no cenários tanto locais como internacional. A globalização apresenta perspectivas distintas, quanto a seu contexto histórico, econômico, social e cultural, dando margem para a emergência de correntes de pensamentos, visões e análise plurais e muitas vezes contraditórias, bem como abre margem para a ação de novos atores que influenciam e ganham responsabilidade no contexto global. O desenvolvimento acelerado de tal processo, gera complexas dialéticas entre aquilo que é de responsabilidade global e local, entre a sociedade e a própria natureza, em função das disparidades e impactos ambientais gerados por um crescimento desmedido e que até pouco tempo, não se consideravam os riscos e conseqüências para a sustentabilidade da sociedade global. Nesse contexto, o setor privado, agente de significativa influência nos desdobramentos referentes ao cenário internacional, emerge como uma importante ferramenta para resolução de problemas sociais e ambientais, em função de uma mudança na sua forma de gestão que passa a considerar os riscos de suas ações de forma responsável. Assim, o trabalho a seguir propõe-se analisar, de forma mais profunda, o processo de globalização, através dos seus mais variados contextos, pontos de vista e correntes de pensamento, abrindo uma discussão sobre a emergência de movimentos de caráter global, influenciando a consciência dos cidadãos e os temas dentro da agenda internacional no caminho para a governança global.

O desenvolvimento desses temas visa analisar o conceito de responsabilidade socioambiental, os projetos que emergem no cenário internacional como forma de incluir a responsabilidade do setor privado nos temas sobre o desenvolvimento sustentável, bem como descrever os cenários e movimentos da sociedade civil que levaram as empresas a mudar sua estratégia de ação, passando a considerar a sociedade, seus riscos ambientais e sociais como uma importante variável para sua gestão.

Tal discussão visa abordar a análise de autores com visões abrangentes sobre esse processo e perspectivas críticas no sentido de entender, de forma mais ampla e profunda, a pluralidade de processos e interesses que configuram o cenário internacional, bem como suas contradições e dialéticas.

Desse modo, o primeiro capítulo desse trabalho tem como objetivo analisar o panorama das variáveis presentes no sistema internacional que apresentam influência direta no processo de governança global.

Será analisado, no segundo capítulo, a proposta da ONU (Organizações das Nações Unidas) com relação à criação de uma rede integrada de relacionamentos para o desenvolvimento sustentável, num cenário internacional que vem percebendo, de maneira mais intensa, a fragilidade da globalização e a necessidade da realização do ajuste da sociedade, bem como de seus sistemas políticos às novas realidades que se apresentam.

Através da constatação da divergência de opiniões entre os integrantes do Pacto Global, sobre a estrutura mais adequada, para que o projeto gere resultados positivos para o cenário global, será inserida, no terceiro capítulo, a discussão sobre as visões distintas referentes ao conceito de responsabilidade socioambiental.

A partir de um maior entendimento sobre o conceito de responsabilidade corporativa serão ilustrados alguns cenários que levaram as empresas a mudar sua visão de gestão, adequando-se às pressões e novas exigências sociais com estratégias mais responsáveis ambiental e socialmente.

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1 DA GLOBALIZAÇÃO À GOVERNANÇA

O capítulo, a seguir, analisa o panorama das variáveis presentes no sistema internacional que apresentam influência direta no processo de governança global.

A partir de um maior entendimento do processo de globalização, seu contexto, antagonismos e conseqüências, será possível identificar quais as mudanças que vêm ocorrendo, como resposta às pressões provenientes de movimentos e correntes de pensamento, através de uma maior adequação na ação dos atores do sistema, à atual conjuntura internacional.

Dessa forma, será tangível a obtenção de ações mais eficazes e produtivas para o desenvolvimento e fortalecimento da sociedade global 1.1 Contexto da globalização, suas implicações e variáveis

As mudanças vêm ocorrendo rapidamente, em grande escala e com tamanha visibilidade global como nunca antes visto (COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL, 1996, p. 5).

O conceito de globalização indica um processo de reestruturação econômica, em que

as relações entre seus agentes adquirem um alcance planetário, produzindo mudanças significativas no sistema produtivo, nas interações tanto comerciais como políticas, ultrapassando as fronteiras nacionais.

Tal processo, entretanto, abrange transformações muito mais profundas e desafiadoras, gerando dilemas e abrindo novos horizontes no que tange a modos de vidas, correntes de pensamento e relações sociais. Apresenta-se, desse modo, um novo fenômeno social, denominado por Ianni (1999), como globalista.

Para Ianni, o globalismo representaria o produto e condição de múltiplos processos sociais, econômicos, políticos e culturais sintetizados no conceito da globalização, configurando assim, como resultado, um complexo jogo de forças atuando em diferentes níveis de realidade, sejam estes em âmbito local, nacional, regional ou mundial.

Na base do conceito de globalismo, encontra-se o capitalismo, sistema que se insere em um novo ciclo a partir da emergência das forças e movimentos de globalização, principalmente a partir do fim da Guerra Fria, em 1989.

O encerramento do sistema bipolar apresentou-se em moldes distintos do que configurou o final da Segunda Guerra Mundial, pois o cenário praticamente não apresentava mais países, vivendo fechados em si mesmos, o que intensificou formas de relações cada vez mais complexas.

A consolidação de movimentos em prol da democratização, bem como transformações econômicas, colocaram em pauta questões de objetivos comuns, através do multilateralismo, antes adormecidas, em função da divisão ideológica, entre comunismo e capitalismo, representada pela forças da URSS e dos EUA.

Com o rompimento de tal equilíbrio sutil, antigos conflitos foram alimentados por um sentimento de anomia, como destaca Ianni (1999), ganhando, assim, maior intensidade e visibilidade na conjuntura internacional.

Assim, entende-se esse novo período, não somente como um processo de continuidade histórica, mas como margem ao surgimento de novos pólos de poder que apresentam um desenho geopolítico transformado, na medida em que nascem alianças, blocos econômicos e, em contrapartida, acompanham-se as rupturas e desagregações entre Estados-nações.

No livro a Era do Globalismo, Ianni (1999) deixa explícitos os processos dialéticos contraditórios que a globalização produz, considerando imprescindível o olhar para as

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perspectivas de descontinuidade, geradas pela história, para que não se perca a perspectiva, voltada ao futuro, para aquilo que se mostra diferente, dinâmico, ou seja, tudo que remete ao sentimento da vivência de um novo período.

O novo ciclo do capitalismo, em um cenário globalizado, apresenta, como força propulsora, o modelo neoliberal, baseado em um conjunto de princípios que preconizam uma intervenção indireta do Estado na economia, tendo papel ativo, porém restrito, nas políticas de equilíbrio, combatendo, por exemplo, os excessos da livre concorrência e o controle dos mercados através dos grandes monopólios econômicos.

Milton Friedman1 (1985), considerado um dos maiores defensores do neoliberalismo, , explica tal modelo, como sendo o binômio entre o capitalismo e a liberdade, o objetivo das organizações sociais seria a liberdade do indivíduo, sendo que qualquer interferência no sistema de mercado estaria infringindo essas liberdades individuais.

De acordo com o modelo neoliberal, os Estados também vêm perdendo seu caráter assistencialista, enquanto a sociedade civil passa a apresentar importante responsabilidade na busca de soluções de problemas sociais, dando margem para uma maior consciência de poder de transformação do espaço no qual interagem.

Eduardo Viola (1996) explica que tal mudança ocorre em função do avanço de ideologias e regimes democráticos e individualistas em detrimento de regimes autoritários e socializantes. A discussão, sobre proteção aos direitos humanos, pluripartidarismo e competição eleitoral, por exemplo, passa a pertencer aos temas da vida política nacional e internacional, entretanto, ainda existe uma ampla distância entre o espaço de discussão que se forma e a realidade concreta de transformações.

Ao Estado caberia apenas a função de garantir o equilíbrio social, porém, abandonando o modelo de Welfare State e dando espaço ao chamado Estado Gestor, atuando através da cooperação voluntária dos indivíduos, ao invés da coerção exercida pelo aparato do Estado.

É nesse mesmo contexto que um novo ator ganha espaço de ação e influência no sistema, amparado pela revolução das capacidades individuais e mudando a concepção sobre a ordem social.

Tal ator é denominado como Terceiro Setor, sendo o exercício de uma nova forma de participação da sociedade, bem como na promoção do desenvolvimento de várias áreas sociais, contribuindo para a renovação de metodologias e para a abertura de novos canais de participação.

Segundo a visão de autores como Rubens César Fernandes (1996) e Ruth Cardoso (1996) esse novo cenário de ação configura um espaço de participação e experimentação de novos modos de pensar e agir sobre a realidade social, sendo um contraponto tanto às ações governamentais quanto às ações do mercado.

Em relação às ações governamentais, os bens e serviços públicos resultam não apenas da atuação do Estado, mas também de uma formidável multiplicação de iniciativas particulares. Quanto às ações do mercado, este estaria emprestando uma nova visibilidade para o entendimento da cidadania, enfatizando que o mercado não mais satisfaz a totalidade das necessidades e dos interesses dos cidadãos.

Sendo assim, o Terceiro Setor exerceria uma forma de pressão na própria cultura empresarial, no caminho de uma consciência de suas limitações, abrindo uma dimensão de atuação que, apesar de ainda configurar algo difuso, mostra-se decisivo no novo contexto social que se vem se delineando na atualidade.

1 Milton Friedman é considerado o principal representante do liberalismo no século XX. Economista americano defensor do livre mercado, pai do conceito monetarista que preconizava a quantidade de dinheiro na economia em circulação como fator determinante para os níveis de inflação. Foi ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1976 e autor do livro Capitalismo e Liberdade, em 1985.

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Apesar de este ator se apresentar como uma nova e importante ferramenta de transformação social, muitas vezes adotando para si e cobrando, nos âmbitos tanto domésticos como internacionais, a responsabilidade na resolução de problemas relativos à sociedade como um todo, seu conceito e abrangência ainda se mostram pouco consolidados.

O fenômeno de ascensão do Terceiro Setor no sistema mundial apresenta-se muitas vezes como algo perigoso e que deve ser analisado cuidadosamente, visto que ainda não se estabeleceram fronteiras entre o poder de ação do Estado e o mercado. O Estado seria aquele responsável pela solução das questões ligadas à sociedade e questiona-se, assim, até que ponto seria interessante perder o controle das questões que envolvem os cidadãos e suas políticas sociais.

Apesar da existência de uma vasta margem para questionamentos, é inegável a emergência, com maior representatividade, das organizações não associadas diretamente a governos, as Organizações não Governamentais, que apresentam propósitos específicos dentro do cenário internacional, exercendo influência em temas de preocupação comum, bem como atividades de manutenção das ações e condutas internacionais.

Segundo o livro O Poder da Identidade, autoria de Manuel Castells (1999), o controle do Estado, sobre o tempo e o espaço, vem sendo ultrapassado pelos fluxos globais de capital, produtos, serviços, tecnologia, comunicação e informação e enfrenta o desafio de reconstruir a identidade nacional, convergindo às múltiplas identidades, representadas por sujeitos autônomos da sociedade global, podendo citar, como exemplo, as próprias Organizações não-governamentais.

Assim, entende-se que o processo de globalização, no que tange ao modelo econômico, envolve um sistema capitalista neoliberal de caráter hegemônico. Entretanto, o fenômeno globalista gera o desenvolvimento de novas realidades sociais, de forma desigual e contraditória, porém global, compreendendo diversos segmentos ideológicos, sociais, econômicos, políticos e culturais, descrevendo e expressando-se em um palco de relações antagônicas e pluralistas.

Tal cenário apresenta a emergência atores transnacionais de caráter não-estatal, que vêm exercendo no sistema considerável relevância, tornando a rede global de relacionamentos mais complexa e segmentada por diversas correntes de pensamentos, idéias e interesses, interagindo entre si por meio de relações econômicas, comerciais, políticas e culturais.

Num contexto de relações entre atores transnacionais, que constituem uma gama diversificada de interesses e formas de influência, torna-se indiscutível a necessidade da criação e fortalecimento de um grupo de regras e instituições que transcendam soberanias, cidadanias nacionais e regionais, normatizando o espaço das relações internacionais e constituindo estruturas globais de poder.

Assim, seguindo a perspectiva de autores como Thomas Risse-Kappen (1995), entende-se que a capacidade de os atores inseridos no sistema internacional se comunicarem e cooperarem entre si mostra-se intimamente ligada à construção de instituições de caráter supranacional e com habilidade para criação de um conjunto de regras e regimes que viabilizem tais relações (SARFATI, 2005).

As instituições que atuam além das fronteiras e soberanias configuram variáveis importantes como intermediárias nas relações entre os agentes internacionais, expondo a natureza de seus vínculos, bem como o caráter de suas condutas e interesses individuais.

Configura-se, assim, um cenário influenciado diretamente por forças antagônicas, como pontua Ianni (1999).

A compreensão do mundo contemporâneo torna-se algo cada vez mais complexo e dependente de diversas variáveis e forças, pois não é mais possível limitar-se a uma só forma de representação do mundo ou corrente de pensamento, regendo as formas de relações no contexto internacional.

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Torna-se necessária a superação da noção de espaço e fronteiras provenientes do processo de globalização, questionando formas de análise do cenário das relações internacionais que se atenham somente à organização dos espaços geográficos.

Emerge, assim, como exposto por Ianni (1999), a produção de um novo espaço, baseando-se nos valores, interesses, temas e interação entre os atores preponderantes no sistema, na medida em que, debilitam-se as fronteiras reais e imaginárias que se haviam desenhado nas épocas do colonialismo e do imperialismo.

Castells (1999) discute um cenário, onde as relações entre os principais atores do cenário internacional contemporâneo se intensificam de forma dinâmica e, em maiores proporções, à medida que os avanços tecnológicos nas formas de comunicação, produção e interação tornam bens de domínio comum, pois influenciam diretamente a forma como as informações e fatos são disseminados e propiciando a desterritorialização de pessoas, idéias e relações.

Tais fatores configuram-se, de forma determinante, no contexto em que se insere o fenômeno do globalismo e, simultaneamente a estes processo de interdependência e acomodação desenvolvem-se as tensões e antagonismos, implicando tribos e nações, coletividades e nacionalidades, grupos e classes sociais, trabalho e capital, etnias e religiões, sociedade e natureza, como salienta Ianni (1999).

Dentre os fatores que implicam diretamente no cenário de globalização e no novo ciclo do capitalismo, percebem-se não somente as novas formas de organização e interação entre os atores do sistema internacional, mas também as novas formas de produção, divisão do trabalho, distribuição, troca e consumo que ganham caráter universal.

O acelerado processo de globalização traz em seu bojo uma revolução tecnológica, bem como no sistema de comunicação, possibilitando maior interação entre os mercados globais acompanhada pelas tendências de desregulamentação.

A partir de tal perspectiva, encontram-se duas tendências influindo diretamente nos agentes transformadores do espaço global.

De um lado, a revolução tecnológica e das comunicações causa impacto nas relações econômicas, comerciais e financeiras, trazendo maior dinamismo e transpondo fronteiras de tempo e espaço, viabilizando relações em rede e com maior amplitude.

Da mesma forma, o advento da tecnologia e das comunicações também possibilita o avanço de expressões sociais coletivas de maneira fortalecida e veloz, através dos meios de comunicação tais como a internet e através da própria mídia, que neste contexto adquire caráter onipresente (CASTELLS, 1999).

Assim, transcendem-se as correntes de pensamentos, idéias e posturas difundidas na sociedade de forma ampla e abrangente constituindo, assim, uma forte alavanca no resgate da cidadania, movimentos e grupos sociais diversos e segmentados através da informação e da maior visibilidade dos acontecimentos.

As disparidades tornam-se cada vez mais aparentes dentro das nações e regiões, de modo que as práticas antiéticas e injustas são mais facilmente reveladas, aumentando, assim, um sentimento de insegurança e até mesmo de certa inquietude constante.

O mercado global e suas tendências de liberalização, descentralização e desterritorialização, regidos por um modelo neoliberal, levam seus agentes a repensar suas estratégias de atuação, bem como o posicionamento frente ao mundo.

Nesse contexto, encontram-se as empresas transnacionais que passam a interagir nos mais variados mercados e nações de forma autônoma, exercendo significativo impacto na ordem tanto econômica, quanto social do mundo e, dando, aos fluxos de capital, conotação universal.

A influência das empresas transnacionais no cenário global apresenta significativa importância nos desdobramentos tanto econômicos, como sociais e políticos, de tal forma que,

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pode-se identificar na atualidade empresas apresentado uma lucratividade superior ao PIB (Produto Interno Bruto) de diversos países, citando como exemplo, a General Motors com uma lucratividade de U$ 176.558 milhões, enquanto Portugal apresenta um PIB de U$107.716 (apud GRAYSON e HODGES, 2002, p. 29).

Ianni (1999) discute tal tema destacando que o movimento e reprodução ampliada do capital, em escala global, torna-se uma determinação predominante no modo pelo qual se organizam a produção, distribuição, troca e consumo.

A diminuição de barreiras e o desaparecimento de fronteiras que diferenciam e segmentam políticas de atuação doméstica e internacional inseriram as empresas em um novo contexto de gestão, levando-as a um cenário de competitividade mais acirrado, na busca de novos e mais amplos mercados, bem como produtividade em escalas globais. Tal contexto apresenta variáveis e mudanças importantes, impulsionando a adequação dos atores no cenário internacional.

Desse modo, as empresas transnacionais ampliaram e intensificaram a industrialização de forma global, aumentando a interdependência econômica, porém, de forma desigual na distribuição de ganhos, aumentando na mesma medida a vulnerabilidade dos mais fracos (COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL, 1996).

Na discussão sobre a globalização e interdependência, através de uma perspectiva denominada como pessimista, os autores Strange e Cox, representantes desta corrente, apontam a divisão entre os blocos de ganhadores e perdedores, sendo que o bloco de perdedores vem aumentando significativamente a cada dia. Tal divisão ocorreria, apesar dos movimentos de interdependência, pois a globalização induziria, na mesma medida, movimentos de fragmentação, aumentando o número de países miseráveis, enquanto uma pequena elite econômica se beneficia do processo de abertura e queda de barreiras nas relações internacionais (SARFATI, 2005).

Segundo Ianni (1999), o modo pelo qual o capitalismo se globaliza, articulando e rearticulando suas formas de organização técnica de produção, influencia diretamente a esfera de trabalho, orientando e inserindo nesse modelo organizações sociais, familiares, de grupos, classes e coletividades em todas as nações e continentes, ilhas e arquipélagos. O modelo de globalização capitalista impulsiona, assim, um processo que vem transformando o mundo numa grande “fábrica global” (Idem, ibidem).

É essencial, todavia, destacar os impactos gerados nas formas de vida e organização dos indivíduos e grupos que se inserem nesse novo contexto global, interagindo e transformando as correntes de pensamentos nos mais variados segmentos do sistema econômico, político, cultural e social.

Ocorre que, até a década de 70, a teoria social moderna dominante, na descrição das relações entre atores internacionais, tratava seus temas a partir de análises macrosociais, considerando atores como o Estado, por exemplo, em seu contexto internacional, ou tratando as relações sociais em níveis de agregação infranacional (COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL, 1996).

Os níveis microsociais eram tratados, portanto, a partir de associações locais, contudo, o processo acelerado da globalização, presente no final do século XX e início do século XXI, leva as questões macrosociais para um nível planetário e os níveis micro sociais, apesar de residirem localmente, penetram nas ações de caráter macrosocial, tornando sua dinâmica algo igualmente global.

Segundo autores como Eduardo Viola (1997) e Rosenau (2000), os atores sociais, as arenas político-civilizatórias e as agendas político-econômicas encontram-se sempre transnacionalizadas nos mais diversos graus, fazendo com que os cidadãos deixem de exercer um papel de constante nas políticas globais e passando a exercer significativa influência nos desdobramentos do cenário internacional.

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A partir das inúmeras visões, interpretações e perspectivas apontadas, até então, pode-se concluir que o processo de globalização origina, além de um sistema capitalista neoliberal de caráter hegemônico, um espaço para múltiplas interpretações da realidade atual que, nem sempre, convergem para uma mesma resolução.

Leis (1996) descreve esse novo mundo, através de uma perspectiva não determinista, como uma comunidade global fragmentada e, nesse momento, tendo como a grande prioridade e oportunidade, no cenário internacional, a organização de um espaço público transacional, de modo que se viabilize a democratização nas relações entre seus atores, construindo bases sólidas para a governança global. Assim, são indispensáveis a análise das formas como os cidadãos vêm interagindo nesse novo contexto global e a discussão da necessidade, ou não, de novos conceitos que descrevam e posicionem esse novo cidadão, bem como seus direitos e deveres em relação ao espaço internacional. 1.2 O reconhecimento de uma consciência cidadã e a emergência de novos movimentos sociais globais

Admitindo-se a existência de um espaço global, que transcende os espaços soberanos e

fronteiras nacionais, bem como um conjunto de regras, exercendo influência de forma onipresente e diminuindo os limites entre espaços domésticos e externos, emerge um novo tema a ser discutido referente à responsabilidade internacional, bem como sobre quais seriam os limites de atuação de cada ator inserido dentro do cenário internacional.

Da mesma forma que as relações, técnicas produtivas, formas de trabalho e ferramentas financeiras, econômicas e comerciais globalizam-se, temas de preocupação e responsabilidade universais também ganham relevância no cenário contemporâneo, transbordando dos âmbitos locais e nacionais para o espaço de responsabilidade mundial.

Ianni (1999) discute a dualidade das percepções sobre o processo de globalização, suas tendências e implicações: se por um lado, a idéia do globalismo remete a um movimento de homogeneização, dissolvendo diversidades e identidades e incorporando à sociedade conotações universais, por outro, também gera sentimentos contrários aos seus efeitos, no que se refere ao aumento das disparidades sociais e desencadeando situações de desemprego estrutural, etnocentrismo, racismo, fundamentalismo, configurando manifestações de intolerância e preconceito.

O desenvolvimento acelerado da globalização, em acordo com o novo ciclo do capitalismo, implica uma série de situações que antes não eram questionadas, pois, não se apresentavam de forma tão aparente para a sociedade, impulsionando, dessa forma, um processo de contabilização na sociedade global dos problemas desencadeados neste modelo regente. Argumenta-se como a difusão global das políticas econômicas vem esgotando a riqueza ecológica do planeta mais rapidamente do que pode ser reposta, colocando em perigo os recursos naturais dos quais dependem o crescimento da população mundial. ( Ianni, 1999) Na mesma medida, Viola (1996) destaca o fabuloso crescimento da produtividade econômica mundial, decorrente do desenvolvimento tecnológico e gerencial, desencadeando um cenário de desemprego estrutural em todo o mundo.

Estabelece-se assim, um processo de neo-dualização na sociedade entre excluídos e incluídos, crescimento e desigualdade, sociedade e natureza.

Para contextualizar o tema da exclusão, bem como das contradições resultantes dos desdobramentos do modelo de globalização hegemônico, pode-se utilizar a abordagem de Boaventura de Sousa Santos (2003), referente às condições de produção e á forma como o

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capitalismo trata tudo como sendo mercadoria, apesar de não ter sido produzido, por exemplo a natureza, destacando a forma de apropriação autodestrutiva das forças de trabalho, do espaço e do meio ambiente.

Os processos dialéticos, gerados pela globalização, despertem a consciência de que as ações dos agentes sociais interferem e transformam o meio em que habitam e que os recursos que o meio ambiente oferece para suas necessidades são moldados e condicionados a partir da forma como este meio ambiente é utilizado e conservado.

Ocorre a construção da cidadania em escala mundial, através da compreensão da existência de problemas similares, apesar das condições de vidas aparentemente distintas.

Contudo, é importante destacar que a possibilidade da construção e da consolidação de uma “cidadania em escala global”2 não exclui a ação cidadã no âmbito local, bem como a diversidade de percepções, mobilizações e formas de pensamentos específicos de cada nação, cultura e formação histórica. Pelo contrário, as decisões em níveis globais são fundamentadas e diretamente influenciadas pelas decisões em nível local, nacional e regional, como salienta a Comissão sobre Governança Global (1996).

A consolidação de uma cidadania participativa constitui uma importante variável da própria democracia e segundo Bresser Pereira (1999) mostra-se como uma forma de a sociedade civil se posicionar, perante os governos, e exigir a prestação de contas de suas ações, não somente através do voto direto, adquirido através da chamada democracia representativa, mas também, através de um maior engajamento, referente às instituições públicas, à cidadania, como sujeito político direto, transcendendo espaços nacionais e atingindo o cenário internacional.

Questões, como as necessidades da população, consumo, tecnologia, desenvolvimento e meio ambiente, ganham importância para a sociedade, bem como para a formação de valores globais, pois, possuem conexões complexas entre si e refletem diretamente na criação de espaço de formação do bem estar da comunidade global, como um todo, independente da diversidade, assimetrias e contradições intrínsecas às formações sociais.

Assim, o planeta deixa de ser um ente meramente astronômico, mas palco da dialética entre sociedade e natureza, território da humanidade, pois, à medida que a globalização avança, mundializando mercados e formas de vida, o globo terrestre passa a representar um nicho ecológico e os recursos naturais passam a ser considerados um bem comum a todos, como destaca Ianni (1999).

As gerações atuais vêem-se obrigadas a refletir sobre as condições que irão moldar o futuro pois, problemas referentes à sustentabilidade do meio ambiente, as assimetrias existentes no sistema internacional, entre seus atores, classes sociais abandonando as áreas das indagações para se tornarem parte da realidade.

Dentro deste novo contexto, grupos de lutas sociais, que antes se restringiam apenas aos seus respectivos locais de origem, passam a interagir tornando-se grupos de pressão global impulsionando também, de forma mais intensa, a pluralidade de idéias e formas de descrever o cenário global, sendo que tais correntes de pensamento se mostram, muitas vezes, contraditórias e divergentes.

Torna-se relevante a discussão sobre a formação de uma identidade social global e, para isso, é necessário analisar como as diversas construções históricas, ideológicas, culturais e sociais dialogam entre si, mobilizam-se e formam movimentos, transbordando os âmbitos locais e influenciando, de forma ativa, os temas e atores inseridos do cenário internacional

2 O conceito de cidadania apresenta-se intimamente ligado aos conceitos de Estado e soberania. Portanto, não caberia contextualizá-lo em âmbito global, porém, posteriormente será apontada a necessidade de novas abordagens conceituais para descrição das formas de ação social global, inserindo-se, assim, o tema da governança.

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1.3 A construção da identidade global

Segundo Castells (1999), o momento histórico atual, no qual ocorrem a globalização intensiva das atividades econômicas e a revolução na tecnologia e nos meios de comunicação, gera na sociedade um nova forma de organização em redes, desencadeando nos cidadãos, através da difusão de idéias, correntes e posturas, uma nova consciência de sua posição no mundo. Em vista do sentimento da emergência de um novo mundo, transformando dinamicamente culturas, modos de vida, de divisão do trabalho, colocando, em lentes de aumento, as disparidades entre riqueza e pobreza, incluídos e excluídos, nascem formas poderosas de expressão da identidade coletiva, sendo que, muitas vezes, passam a contrapor os caminhos do processo de globalização. Da mesma forma que ascendem, no sistema internacional, movimentos de resistência à globalização, em defesa da religião, da nacionalidade e de etnias, assiste-se à formação de coletividades que visam a transformação ativa das relações propriamente humanas, como o feminismo e o ambientalismo. Naomi Klein (2004) relata, principalmente a partir da segunda metade da década de 90, a incidência de uma rede de militantes ambientalistas, trabalhistas e defensores dos direitos humanos, determinados a expor, para a comunidade global, os danos gerados pela globalização e pelos seus agentes, como por exemplo, as grandes corporações, existentes por trás de sua “superfície brilhante”.

Pode-se citar a Batalha de Seatle, em 1999, como um marco dessa reação contrária aos efeitos gerados pelo processo de globalização, bem como da emergência de um amplo segmento do público internacional, posicionando-se perante as ações de corporações e organismos internacionais, através da coalização de grupos díspares fazendo campanhas com plataformas de diversos temas de proteção ambiental a direitos humanos (GRAYSON e HODGES, 2003, p. 36). Castells (1999) entende que a identidade se caracteriza pela fonte de significado e experiência agregada por um povo ao longo da história de sua formação cultural em um contexto marcado pelas relações de poder.

Os elementos formadores da identidade mostram-se específicos de cada contexto e com suas respectivas particularidades, tornando mais complexa a análise da formação de uma sociedade global, e, assim, desenrolam-se, neste cenário internacional, as dialéticas entre o local e o global.

Castells (1999), entretanto, argumenta que é dentro dessa dialética que se formam os grupos e os projetos que levarão à transformação social.

Se por um lado, antigamente os sujeitos sociais eram construídos a partir da sociedade civil e de suas instituições, como os sindicatos ou organizações hoje, a construção de papéis sociais que levam a projetos de transformação, desenrolam-se no cerne dos grupos de resistência que atuam, exigindo mudanças. Na sociedade globalizante e constituída por redes, essa resistência pode tornar-se forma de pressões não somente locais, mas transpõem barreiras para o âmbito mundial.

O entendimento de um movimento global deve ser amparado por uma análise da identidade do movimento, ou seja, que bandeiras e projetos são defendidos e que obstáculos serão enfrentados para alcançar os objetivos e, por fim, qual é sua meta societária para o futuro, para que, assim se enxerguem de maneira clara as transformações almejadas.

Segue abaixo uma análise sobre tais características, referentes ao movimento ambientalista, que alcança, ao longo de sua história, significativa influência e amplitude no cenário internacional, pois agrega especificidades distintas dos demais movimentos sociais, apresentando ações pró-ativas, ao invés de reativas em relação à ordem global regente.

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1.4 O movimento ambiental

O movimento ambientalista vem conquistando, principalmente a partir do último quarto do século XX, uma posição de destaque no cenário internacional. Emergiu com maior consistência na década de 60, inicialmente nos EUA e no norte da Europa, induzindo as sociedades globais e seus atores mais influentes à uma revisão sobre as formas de relação entre economia, sociedade e natureza, impulsionando o desenvolvimento de uma nova cultura, voltada para os valores ambientais e sustentáveis da civilização em geral. Na década de 70, a preocupação com os desdobramentos da globalização e dos impactos ao meio ambiente expande-se de forma significativa para outras localidades do globo, como o Canadá, Japão, Nova Zelândia, Austrália e, posteriormente, na década de 80, atinge a América Latina, Europa Oriental e Ásia. Contudo, é na década de 90 que se percebe uma substancial expansão do movimento, até mesmo, nos países considerados retardatários na preocupação com temas ambientais, como a China, alguns países africanos e árabes.

Esse movimento crescente de conscientização gera a quebra de um paradigma, evidenciando a problemática ambiental para opinião pública e incentivando tal discussão de forma abrangente nos campos universitários e de pesquisa. Entretanto, como pontua Viola (1996), o movimento ambiental não configura um movimento integrado e homogêneo.

Apresenta caráter multifacetado, em função da pluralidade de visões, valores e objetivos que o incorporam na formação de um movimento global, contudo em função da sua pluralidade, acaba gerando a sensação de um projeto social não acabado e incompleto, que exige ainda perspectivas de construção, sendo obrigado a constantemente repensar as relações entre o homem contemporâneo e a natureza e, ao mesmo tempo, a relação entre os vários movimentos que descreve este movimento na vida em sociedade (FERREIRA, 1996).

A divisão entre as propostas inerentes ao movimento ambiental é algo complexo. Entretanto, autores, como Castells (1999) e Viola (1996), propõem-se a analisar essa diversidade de valores e visões, estruturando a tipologia dos movimentos ambientais no cenário internacional, bem como definir as principais clivagens na dinâmica da política internacional. Castells (1999) destaca a diversidade existente nas ações coletivas, políticas e nos discursos agrupados do movimento ambientalista como um fator que impossibilita a criação de uma unidade no movimento. Aponta, também, que tal dissonância, entre teorias e práticas inerentes ao movimento de caráter essencialmente descentralizado e multiforme, representa uma ferramenta eficaz de influência e penetração no cenário global. Para descrever tal contexto, o autor expõe alguns dos principais grupos globais de influência do movimento ambiental de acordo com sua tipologia:

O segmento do movimento ambientalista de preservação da natureza, tendo como representante mais influente o chamado Grupo dos Dez, fundado a partir de organizações como o Sierra Club, nos EUA, apresenta formas pragmáticas de ação voltada para a defesa da vida selvagem, dentro de parâmetros considerados razoáveis, sobre o que pode ser conquistado, mediante o atual sistema econômico e institucional. Atuam em nome e por meio de instituições, formando lobbies com significativa habilidade e força política, praticando movimentos de coalizões e não acordando com ideologias que se configurem demasiadamente radicais ou sensacionalistas, preferindo caminhar em compasso com a opinião pública internacional. Já o segmento que visa a mobilização das comunidades locais em defesa de seu espaço preocupa-se fundamentalmente com as questões mais imediatas sobre a degradação ambiental, como o lixo tóxico, por exemplo. Em função dessa abordagem, configura um dos

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segmentos do movimento ambiental de maior expressão e que obteve expansão mais rápida nos últimos anos. Apesar de representar movimentos de caráter local, não configura um movimento localista, prega a qualidade de vida, posicionando-se de forma contrária a interesses burocráticos ou corporativos, defendendo a democracia local, o planejamento urbano responsável e o senso de justiça em relação à distribuição do ônus gerado pelo desenvolvimento urbano e industrial. Os movimentos de contracultura, datados das décadas de 60 e 70, inspiraram-se no ambientalismo como tentativa de estabelecer um padrão de vida, segundo normas diversas e contrárias às normas instituídas pela sociedade. Seguem os princípios de obediência única e exclusiva às leis da natureza acima de qualquer instituição criada pelo homem. Tal perspectiva deu origem, na década de 70, ao Earth First! , organização fundada no Novo México por ecologistas de vertentes radicais e extremistas, que pregam a insubordinação civil e a chamada sabotagem ecológica contra as formas de agressão à natureza. Os movimentos de contracultura são considerados como uma das vertentes de maior militância, através de grupos e tribos de ação de caráter descentralizado, como por exemplo, organizações de proteção aos animais utilizados em pesquisas. O ecofeminismo caracteriza-se pelo princípio do respeito absoluto pela natureza, como fundamento para libertação tanto do patriarcalismo como do industrialismo, acreditando que as mulheres sofrem da mesma violência patriarcal infligida à natureza. Os movimentos descritos, até então, apresentam formas diversas de atuação, passando da guerrilha ao espiritualismo, da ecologia profunda ao ecofeminismo e aos ecologistas radicais, estabelecendo um elo de ligação entre ações ambientais, através da revolução cultural, criando, assim, um escopo abrangente de influência no cenário global. No que tange a movimentos de influência internacional, orientados para a salvação do planeta, o Geenpeace se apresenta como seu maior representante, tornando as questões ambientais populares, atingindo níveis globais por meio de ações diretas e difundidas pela poder da mídia. Apresenta um caráter fortemente pragmático; identifica as principais questões relativas à sustentabilidade do meio ambiente, através da investigação, informação e ferramentas técnicas, visando desenvolver um conjunto de metas palpáveis; age de maneira a chamar a atenção da mídia, disseminando seus valores para as grandes massas, de forma a exercer pressão em empresas, governos e instituições internacionais para tomarem medidas cabíveis; e evita publicidade negativa. Possui uma organização fortemente centralizada, entretanto corresponde a uma rede mundialmente descentralizada, presente em mais de 30 países, que se encarrega da coordenação de campanhas globais. Por fim, a política verde representa essencialmente uma estratégica específica no universo político em prol do ambientalismo, formando frentes partidárias em diversos países do mundo e, tendo a Alemanha como um país pioneiro na inserção das questões ambientais em seu sistema político. O movimento ambientalista apresenta-se, no cenário mundial, de forma altamente heterogênea, como foi pontuado acima, disseminando correntes de pensamento e projetos, muitas vezes antagônicos e, em função dessa diversidade de visões, consegue atingir os mais variados segmentos da sociedade.

Contudo, entre essa grande variedade de correntes de pensamento e de formas de ação, podem-se identificar movimentos e partidos inseridos no contexto global que defendem a instituição de caminhos voltados para a governança global, como forma de garantir que o crescimento econômico e o acelerado processo da globalização estejam de acordo com as formas socioambientais de sustentabilidade no cenário internacional.

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1.5 Caminhos e desafios para a Governança Global

A partir das perspectivas expostas até o momento, a grande pluralidade de atores, ações e interesses no cenário internacional exige a necessidade de um novo tema para discussão, referente à governança global.

O grande marco, para emergência de um pensamento e preocupação voltados para as formas de governança e cooperação internacional, foi a assinatura da Carta das Nações Unidas, em 1945, e vem ganhando força e influência, à medida que o desenvolvimento da globalização e interdependência se intensificam.

Governança configura um conceito de maior abrangência do que o conceito de governo e, segundo Rosenau (2000), remete a ações e responsabilidades que transcendem às ações de Estados no cenário mundial, envolvendo atores transnacionais como instituições internacionais, empresas, ONGs e a própria sociedade civil.

Consiste na totalidade de maneiras diversas, pelas quais os indivíduos e instituições formais e não formais administram seus problemas e responsabilidades comuns, bem como acomodam interesses conflitantes no intuito de realizar ações de cooperação.

A proposta da criação de uma Comissão sobre Governança Global, em 1996, apresentada em Estocolmo e endossada por líderes mundiais, apresenta-se como exemplo da preocupação com a consolidação de uma comunidade global que fomente a necessidade de assumir maior responsabilidade na área de segurança, não somente militar, mas também econômica e social, através de ações sustentáveis, promovendo a democracia participativa, a equidade, os direitos humanos e ações humanitárias.

De acordo com a Comissão sobre Governança Global (1996), da qual se originou o livro Nossa Comunidade Global, a visão de governança, integrando uma grande variedade de atores, provém do reconhecimento de que, na atual conjuntura amparada por um modelo neoliberal, os governos não são mais capazes de arcar isoladamente com ônus da governabilidade global, mesmo que se configurem como atores principais no sistema, para lidar de forma construtiva com questões que desrespeitem os povos e a comunidade global.

O grande desafio da governança global reside exatamente na pluralidade de agentes e ações que não necessariamente convergem para os mesmos fins no contexto de globalização, em que se inserem, sendo necessário o desenvolvimento de estratégias que aliem setores da sociedade nos seus mais variados níveis, atingindo assim, a complementariedade de forças como forma de alcançar a sustentabilidade sanando deficiências e desigualdade geradas pelo acelerado processo da globalização.

Bresser Pereira (1999) exemplifica, de forma objetiva, a necessidade dessa complementaridade de ações entre atores distintos no cenário de globalização, quando descreve a relação entre o mercado, Estado e o Terceiro Setor, fazendo uma alusão retórica a Adam Smith, defendendo uma economia de mercado participativa e um desenvolvimento integral do novo capitalismo pós-moderno, como mão invisível do mercado, para alocação eficiente de recursos; a mão solidária da sociedade para equidade e bem-estar social e, por fim, a mão promotora do Estado para o crescimento sustentado e emprego.

A partir desse raciocínio, entende-se se por um lado, a efetividade no processo de governança global permanece condicionada, em um primeiro momento, ao mercado e a seus instrumentos, capazes de promover a produção e crescimento econômico, tal processo depende, essencialmente, de esforços coordenados de organizações civis e entidades estatais, para, assim, conseguir atingir os mais variados níveis de atuação e influência.

O princípio da governança deve ser o atendimento às exigências específicas de diferentes áreas de ação, desse modo, torna-se essencial a formação de parcerias, redes de instituições e processos, possibilitando, aos atores globais, a somatização de informações,

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conhecimento e aptidões para o desenvolvimento de políticas e práticas conjuntas, visando o bem comum (COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL, 1996).

A ONU (Organização das Nações Unidas), como organização de caráter universal, apresenta papel central nesse processo, pois constitui uma ferramenta de governança, não necessariamente com ações originadas em governos estabelecidos que consegue aliar as mais variadas fontes de ação e agentes do cenário internacional.

Porém, seu sistema vem constantemente sendo criticado por atores que estão ganhando maior poder de influência no sistema, como por exemplo as ONGs, pela falta de ações efetivas que organizem, regulem e exerçam formas de manutenção relativas ao desenvolvimento sustentado, em resposta aos projetos e movimentos sociais de projeção global.

Em função da necessidade de reformulação e revitalização que acompanhe o contexto de um novo mundo emergente, assiste-se à formação de novos projetos na tentativa de estabelecer padrões, princípios e valores que integrem as ações dos diversos atores do cenário e alcance transformação social sustentável para a globalização.

O Pacto Global, que será analisado a seguir é um exemplo dessa tentativa.

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2 ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS, ESTRUTURA E RESULTADOS DO PACTO GLOBAL

Neste capítulo, analisa-se a proposta da ONU (Organizações da Nações Unidas) com

relação à criação de uma rede integrada de relacionamentos para o desenvolvimento sustentável, num cenário internacional que vem percebendo, de maneira mais intensa, a fragilidade da globalização e a necessidade da realização do ajuste da sociedade, bem como de seus sistemas políticos diante das novas realidades que se apresentam. A proposta do Pacto Global consiste numa forma de a ONU se adequar às novas exigências da comunidade global, perante os riscos ambientais, trabalhistas e relacionados aos direitos humanos, construindo, assim, práticas sustentáveis de ação frente aos desdobramentos da globalização. Tal rede de relacionamentos, aliada às ações governamentais, visa integrar as ONGs e instituições internacionais, às ações sustentáveis de atores com características transnacionais, como o setor privado. Desse modo, é essencial o maior entendimento do contexto da emergência dos novos temas que ganharam importância, principalmente a partir da década de 90, na agenda internacional até a implementação do Pacto Global. Em seguida, será analisada a estrutura do Pacto Global, destacando a formação da dinâmica da rede de relacionamento entre os signatários do projeto, bem como o posicionamento de tais agentes, frente ao desenvolvimento e aos resultados alcançados, até o momento, no caminhos da consolidação de uma maior sustentabilidade no sistema internacional. 2.1 Revolução nos valores da sociedade: panorama da emergência dos novos temas na agenda internacional até a criação do Pacto Global

No capítulo anterior, destacou-se a revolução ocorrida nas últimas três décadas do

século XX, em relação aos temas críticos à sustentabilidade do acelerado processo de globalização, bem como uma significativa tomada de consciência da comunidade global, desencadeando a formação de diversos movimentos sociais, que exercem pressões no sistema internacional, sobre as responsabilidades com o meio ambiente, desenvolvimento social, direitos trabalhistas e direitos humanos. Dando continuidade ao exemplo citado anteriormente, relacionado com o movimento ambientalista global, serão destacadas algumas mudanças no sistema de valores da sociedade global e nos temas da agenda internacional, em conseqüência da ascensão e maior visibilidade que tais movimentos atingiram no cenário mundial. Viola (1996) aponta, como produto destas três décadas de maior preocupação pública com a crescente exaustão dos recursos naturais e degradação do meio ambiente, alguns pontos de considerável desenvolvimento.

Entre esses pontos, pode-se destacar o significativo crescimento de organizações não-governamentais e de grupos comunitários que estão lutando pela proteção ambiental em escalas locais, regionais e internacionais. Tais ONGs emergem na nova ordem mundial como instituições que transmitem confiança à sociedade civil.

Grayson e Hodges (2003) exemplificam, no livro Compromisso Social e Gestão Empresarial, esse novo fenômeno social, através de uma pesquisa realizada em 2000, um ano após ao episódio da Batalha de Seatle, pela Edelman PR, sobre atitudes entre formadores de opinião na Austrália, França, Alemanha, Reino Unido e EUA. A pesquisa diagnosticou que, entre os entrevistados, cerca de dois terços acreditavam que as empresas se importavam

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apenas com o lucro, enquanto as ONGs representavam princípios semelhantes aos da sociedade em geral, realizando seu papel de maneira mais efetiva, em comparação aos governos, aos veículos de comunicação e às próprias empresas.

Outro importante ponto evidenciado na pesquisa relaciona-se à credibilidade conquistada por ONGs internacionais, como Anistia Internacional, Greenpeace, Sierra Club e World Wildfire Fund que se destacam mais perante a sociedade, do que a credibilidade de empresas consolidadas no mercado internacional, como Exxon, Ford, Microsoft, Monsanto e Nike.

Tal mudança, na forma como a comunidade global recebe a imagem corporativa, bem como o efeito de suas ações no cenário social, abre margem para o nascimento de um novo setor administrativo, para a gestão de processos produtivos dentro das empresas, voltados para a eficiência no uso de recursos, na conservação de energias, na redução da poluição, no ecodesign e na maximização da qualidade, fazendo inclusive com que as empresas adotem normas de padronização, como os chamados “selos verdes” e as ISOS 14000 E 14001.

As ISOS 14000 e 14001, por exemplo, configuram normas, provenientes da Organização Internacional de Padronização (ISO), que agregam aos produtos a certificação de que foram desenvolvidos de acordo com práticas e políticas de gestão ambiental.

Os padrões ISOS já foram adotados por cerca de 610 mil organizações, em 160 países, como forma de agregar melhorias nas áreas de desenvolvimento, produção e suprimento de empresas, tornando os processos além de mais eficientes, mais seguros e sustentáveis. No Brasil, a ISO é representada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) (URSINI e SEKIGUCHI, 2005).

Segundo Grayson e Hodges (2003), a adoção de tais certificações dão margem ao aumento da consciência das empresas e de seus funcionários, fazendo com que as mesmas se estruturem perante a gestão de aspectos ambientais importantes, aumentando não somente a eficiência, mas também diminuindo os impactos sobre a natureza.

Desse modo, a adoção de certificações nesse sentido vem crescendo vertiginosamente, podendo citar a General Motors que exige de todos os seus fornecedores a obtenção da ISO 14001.

O crescimento desse modelo abrange uma nova demanda de consumidores, formando o denominado mercado consumidor verde e pode originar uma nova geração de ISOS, relativas à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável, sendo que a crescente expansão da certificação de empresas, apresentam significativos benefícios no cenário global, os quais são destacados por Ulsini e Sekigushi, em artigo publicado no livro Inovação, Legislação e Inserção Social, disponível no site da Ethos, em 2005.

Em primeiro lugar, a ISO representa uma organização normativa, inserida amplamente no cenário internacional, portanto, podendo configurar um ideal fórum de discussão de tais temas, além de possuir reconhecimento e credibilidade de organizações, como a OMC (Organização Mundial de Comércio), por exemplo, podendo, assim, inserir no sistema a temática ambiental e a responsabilidade social com maior legitimidade e eficácia.

Além da ascensão da credibilidade das ONGs no sistema, observa-se o aumento do número de agências estatais encarregadas da proteção ambiental. Viola (1996) destaca que, em 1970, existiam 12 agências ambientais nacionais, enquanto, em 1995, esse número subiu para mais de 180 agências, configurando, assim, uma maior orientação governamental para questões ambientais e de sustentabilidade.

Da mesma forma, observa-se a criação de instituições e grupos científicos que visam a pesquisa sobre questões ambientais, podendo-se destacar a importante posição adquirida pela Global Enviromental Change, nos EUA (VIOLA,1996).

A mudança significativa na percepção dos problemas gerados pelo crescimento desenfreado e pelos desdobramentos da globalização como um todo, e a diversidade de

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opiniões, condutas e normas que a sociedade vem agregando para si; como forma de sanar tais riscos à sustentabilidade do sistema, cria-se a necessidade do estabelecimento de acordos e tratados internacionais que viabilizem ações nesse sentido.

Viola (1996) aponta algumas das principais agências e Tratados Internacionais que despontaram no cenário, principalmente a partir do início da década de 90, como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, estabelecido em 1972; a Convenção de Viena-Montreal (1985), Protocolo de Montreal (1987), Emenda de Londres (1990), para proteção da camada de ozônio; o Global Environment Facility (1991), organização financeira independente para projetos de sustentanbilidade ambiental global; a Convenção de Basel (1989), sobre o comércio de lixo tóxico; o Acordo de Madri (1992), visando a proteção da Antártida frente as fortes ofensivas de empresas transnacionais para exploração; as Convenções do Rio (1992) e a Convenção de desenvolvimento sustentável da ONU (1993), sobre mudança climática e biodiversidade.

As Convenções realizadas no Rio de Janeiro, em 1992, bem como a Convenção sobre desenvolvimento sustentável da ONU, realizada em 1993, em particular, impulsionaram significativamente o conceito de desenvolvimento sustentável, agregando recursos e projetos que envolvem os diversos atores internacionais, através do multilateralismo de forma ativa e em função de tais fatores, serão descritas de forma mais aprofundada a seguir: - Convenção do Rio3: denominada Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), porém, popularmente conhecida através dos nomes ECO-92 e Cúpula da Terra, foi realizada entre os dias 3 e 14 de junho de 1992, no Rio de Janeiro, e tinha, como objetivo primordial, buscar meios e propostas que conciliassem a continuidade do desenvolvimento sócio-econômico e industrial com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra. O encontro tornou-se um marco sem precedentes, germinando uma semente de união e esperança para a comunidade internacional e para a ONU em particular, representando o início de sua atuação mais efetiva em conjunto com as Organizações-não-governamentais e com o setor privado no caminho para o desenvolvimento sustentável. Nestas datas, estavam reunidos não somente diplomatas da ONU, mas organizações governamentais e não-governamentais, dando início a uma série de conferências e negociações na busca de idéias e soluções para a proteção e desenvolvimento da Terra e seus habitantes. A partir da Carta da Terra, documento oficial do Rio-92, estabeleceram-se duas importantes convenções, uma referente à prevenção e atenuação da mudança climática e outra para garantia da proteção da biodiversidade, bem como uma declaração de princípios, denominada Agenda 21, para promoção e financiamento do desenvolvimento sustentável em escala planetária. - Comissão de desenvolvimento sustentável da ONU: instalada em 1993, a partir de sua criação pela Assembléia Geral, em 1992, contudo o seu sucesso apresenta-se atrelado à necessidade de a ONU realizar reformas estruturais, assumindo a passagem de um sistema internacional-intergovernamental para um sistema transnacional-transgovernamental (VIOLA, 1996).

As diversas Convenções, Fóruns, Tratados e agências que se formaram para discussão de temas não somente ambientais, mas relacionados à preocupação de buscar soluções que garantam o desenvolvimento social, também relacionados à ética e à transparência nas relações trabalhistas e aos princípios dos direitos humanos, de modo convergente sobre o crescimento econômico, sobre a dinâmica do mercado e ações das grandes corporações, representando a evolução da questão do desenvolvimento sustentável no cenário

3 As informações sobre a Eco-92 foram retiradas de fontes variadas, incluindo os sites oficiais das Convenções decorrentes do encontro, bem como de artigos de Organizações-não-governamentais, como a CorpWacht e estão devidamente apontados na bibliografia no final do trabalho.

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internacional, fazendo com que tais temas ganhem preeminência perante organizações e grupos da sociedade global e influenciem nas políticas internacionais. Entretanto, as visões sobre as práticas e responsabilidades sobre os temas são motivos de polêmicas e controvérsias, principalmente no que tange ao papel das corporações privadas, que perduram até hoje. A divergência de opiniões consiste no fato de que, a partir do encontro do Rio de Janeiro, os temas sobre desenvolvimento sustentável ganharam maior abrangência. O desenvolvimento sustentável foi definido com base na integração de três pilares fundamentais: o econômico, o social e o ambiental, contudo tais pilares não apresentam-se de forma estável, impulsionando, através das pressões sociais, ciclos e conflitos que se desenrolam no processo de globalização (MELO NETO e FROES, 2001).

É nesse contexto de mudanças e instabilidades, que o Pacto Global emerge como uma proposta para a continuidade do desenvolvimento de forma viável e compatível com a sustentabilidade social e ambiental, bem como com padrões éticos e de transparência, trazendo um caminho alternativo para enfrentar os desafios impostos pela globalização.

2.2 A estrutura do Pacto Global e a formação de uma rede global de relacionamentos, aprendizado e ação

Em janeiro de 1999, Kofi Annan, então secretário geral da ONU, chamava a atenção dos líderes do mercado global para a necessidade da adoção de valores universais nas áreas de direitos humanos, normas trabalhistas e práticas ambientais na gestão de suas corporações.

A adoção de tais valores ocorreria através de nove princípios, dando origem a uma rede de relacionamentos e práticas, nas quais consiste o Pacto Global.

O objetivo da inserção de tais valores nas práticas corporativas, reside no entendimento de que o mercado global apresenta significativa instabilidade, em conseqüência da despreocupação dos pilares sociais e ambientais, como forma de fornecer o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade global. A estrutura de governança global vem se mostrando eficaz no estabelecimento de regras e normas para os temas econômicos e comerciais, contudo, vem deixando de lado temas críticos como os direitos humanos e os impactos ao meio ambiente.

Desse modo, o comprometimento da comunidade empresarial internacional, com os valores e princípios pregados pela iniciativa do Pacto Global, visa a construção de um mercado global que gere oportunidades e crescimento de forma eqüitativa e inclusive dentro do processo de globalização. Através dessa perspectiva, a proposta de Kofi Anan foi imediatamente bem recebida e disseminada rapidamente pela opinião pública internacional, criando uma dinâmica que abrange corporações privadas, Organizações-não-governamentais, instituições internacionais e agências da ONU, envidando esforços para transformar esses nove princípios em parte integrante das práticas empresariais.

Para descrever como se estrutura a rede de relacionamentos do Pacto Global e de seus nove princípios, será utilizado como base o artigo The Global Compact Network: An Historic Experiment in Learning and Action, desenvolvido por Georg Kell e David Levin, em 2003.

Kell e Levin (2003) salientam primeiramente, nesse artigo, que o propósito do Pacto Global não consiste na resolução total de todas as deficiências inerentes ao modelo capitalista que rege o mercado global. Contudo, representa um importante alicerce para a promoção de esforços conjuntos, estabelecendo a cooperação e o aprendizado de práticas sustentáveis, através do poder de mobilização de recursos e significativo alcance do setor privado no cenário global. Tampouco, pretende substituir, de forma mais eficaz, a ação governamental,

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mas simplesmente desenvolver o aprendizado institucional e através de estruturas minimamente burocráticas. Assim, essa seria a forma mais relevante que a ONU encontrou para registrar seu poder de influência e autoridade, no sentido de produzir mudanças sociais positivas, seguindo o pensamento de Clausewitz4 do século XIX, que prega não a extensão de um plano de ação, mas a evolução de uma idéia central, que permanece através das constantes mudanças de circunstâncias. Os dez princípios do Pacto Global constituem uma base de ação para seus integrantes, nos temas relativos a promoção de práticas que apoiem e respeitem a proteção aos direitos humanos, assegurando que as empresas não atuem como cúmplices em qualquer tipo de abuso. Na área relativa ao trabalho visa assegurar que as empresas garantam a liberdade de associação e reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva, a eliminação de qualquer forma de trabalho forçado ou infantil, bem como da discriminação a respeito do emprego ou ocupação. Em relação ao meio ambiente, possui princípios que pregam o apoio empresarial na adoção de abordagens preventivas aos desafios ambientais, de modo que, as mesmas assumam iniciativas na promoção da responsabilidade ambiental, bem como no desenvolvimento e difusão de tecnologias sustentáveis. Apresenta ainda, como décimo princípio5 a formação de uma frente contra todas as formas de corrupção, incluindo extorsão e suborno. (Globalcompact, 2006). Os dez princípios do Pacto Global, em conjunto com os objetivos da ONU e com as Metas do Milênio, formam a frente de ação que visa a sustentabilidade e desenvolvimento do cenário internacional.

As Metas do Milênio, em particular, foram estabelecidas em 2000 e aprovadas por 191 países integrantes da ONU, em Nova Iorque, numa das maiores reuniões de dirigentes mundiais dos últimos anos. Na reunião, estavam presentes 124 Chefes de estado e de Governo e nela seus integrantes entraram em consenso, quanto ao comprometimento de que os oito objetivos propostos seriam concretizados até o ano de 2015 (UN MILLENNIUM PROJECT, 2005).

Segundo o relatório do projeto para o Milênio, Investing in Development: A Practical Plan to Achieve the Millennium Development Goals , de 2005, o comprometimento dos países com as Metas do Milênio, visando uma parceria global na redução da pobreza, melhorar as condições de vida e saúde da população mundial, promoção da paz, direitos humanos e sustentabilidade ambiental, apresenta-se como um sustentáculo para o desenvolvimento da política internacional. Como forma de exemplificar sua consistência, o relatório cita conferências como a Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável de Johannesburgo, ocorrida em 2002, na África do Sul, no qual os países reafirmaram o comprometimento e a visão de que tais objetivos configuravam uma importante ferramenta de integração mundial no caminho para o desenvolvimento.

O Pacto Global e a proposta dos dez princípios para a sustentabilidade do mercado global, incluindo o setor privado, através de práticas corporativas positivas e visando o desenvolvimento eqüitativo, torna-se uma importante ferramenta da ONU para tornar realidade as metas do milênio.

4 Citação retirada do artigo “The return of von Clausewitz”, The Economist, Londres, 9 de março de 2002 apud KELL e LEVIN, “The Global Compact Network: An Historic Experiment in Learning and Action”, publicado pelo Business and Society Review, 2003. (tradução nossa). 5 É importante destacar que o princípio referente ao tema anti-corrupção foi adicionado entre os nove princípios originais, durante o primeiro encontro de líderes do Pacto Global, que foi estabelecido em junho de 2004.

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Dentro desse contexto, a ONU aponta a sociedade civil como um ator imprescindível, contribuindo ativamente no delineamento de políticas, na prestação de serviços para a sociedade e no monitoramento dos progressos dos projetos propostos.

Na mesma medida, o setor privado e as corporações transnacionais apresentam-se no cenário global, com a responsabilidade de promover iniciativas transparentes, aliando recursos através de parcerias entre os âmbitos públicos e privados.

Sem a colaboração ativa do setor privado na consolidação de uma economia sustentável não existe real viabilidade para se alcançarem as metas estabelecidas pela ONU e seus países signatários. A participação de empresas nos âmbitos domésticos, também é essencial para os investimentos que resultem no aumento da produtividade, através de padrões que induzam à qualidade de vida e a oportunidades no mercado de trabalho justo e eqüitativo (MILLENNIUM PROJECT, 2005).

Além dos dez princípios explicitados acima, o Pacto Global oferece uma estrutura, em que todos seus integrantes constituem uma extensa rede de relacionamentos com atores desempenhando papéis específicos (KELL e LEVIN, 2003). O escritório oficial do Pacto Global, em conjunto com as Agências das Nações Unidas, corresponde ao núcleo da rede de relacionamentos, tendo as instituições acadêmicas, empresas do setor privado, instituições trabalhistas e organizações da sociedade civil trabalhando de forma periférica. Os governos inserem-se nesse contexto com um papel auxiliar, dando suporte às ações, entretanto, não participam diretamente da rede de relacionamento. A formação de um Conselho Consultivo do Pacto Global apresenta significativa responsabilidade na manutenção da rede de relacionamentos, através da formação de estratégias viáveis, estabelecendo o diálogo constante com os participantes sobre as expectativas e posicionamentos, frente ao projeto e seus resultados, assegurando que a rede de relacionamentos se expanda por mais países e regiões de forma coordenada, bem como assegurando que a integridade da credibilidade do projeto, na medida em que surgem novos parceiros e companhias, integrando-se, de forma engajada, às atividades do Pacto Global (Idem, ibidem).

A rede de relacionamentos criada pelo Pacto Global nasce da crença de que, através da construção de meios que facilitem a transparência pelo diálogo, se disseminem práticas positivas para o desenvolvimento social. O projeto estará encorajando as corporações a agregarem padrões de responsabilidade socioambiental na gestão de seus negócios, desencadeando resultados efetivos para o cenário internacional, regional e nacional.

Assim, o proposta reside, essencialmente, em quatro áreas de atuação, constituindo a rede internacional de relacionamentos que iniciou suas atividades oficialmente em 2001.

Em primeiro lugar, o foco do projeto reside na concepção de um fórum de aprendizagem que analisa casos de estudo e exemplos de iniciativas sobre boas práticas corporativas, as quais são reportadas e compartilhadas pelas empresas como forma de demostrar comprometimento aos dez princípios em suas atividades. Seguindo a mesma dinâmica, realizam-se anualmente conferências, nos âmbitos nacionais e regionais, para discussão sobre a manutenção do projeto, bem como o desenvolvimento de novas práticas viáveis, no sentido de fortalecer o princípio de responsabilidade socioambiental no setor privado. O Pacto Global disponibiliza um portal na internet para servir de palco do fórum de aprendizagem (Idem, ibidem).

O diálogo de políticas apresenta, também, como um meio de ação essencial para a consolidação do Pacto. Esse diálogo reside na formação de conferências temáticas sobre os desafios a serem enfrentados no cenário de globalização, em crescimento acelerado na atualidade. A participação nessas atividades apresenta caráter voluntário, estando aberta para todos os integrantes do pacto, desde empresas do setor privado, instituições trabalhistas,

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organizações da sociedade civil, até instituições acadêmicas e comunidades que discutem políticas públicas. Segundo o site oficial do Pacto Global, no Brasil, já foram realizados discussões sobre temas como “O papel do Setor Privado em Zonas de Conflitos” e “Negócios e Desenvolvimento Sustentável”.

Salienta-se a importância do envolvimento dos stakeholders, ou seja, as partes interessadas e diretamente atingidas pela gestão de uma empresa, na implementação de projetos desenvolvidos pelos integrantes do Pacto Global (Idem, ibidem).

A colaboração de múltiplos stakeholders na construção de um relacionamento sólido exige a ocorrência de uma vontade genuína, abrindo um amplo canal de comunicação, a garantia de integridade nas mensagens passadas, a credibilidade na formação de parcerias e continuidade e coerência nos relacionamentos estabelecidos (GRAYSON e HODGES, 2003).

Como forma de consolidar as ações e objetivos do Pacto Global, a ONU encoraja a formação de redes e comitês locais do projeto, facilitados através do apoio do escritório do Pacto Global e do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

O secretário-geral, Kofi Annan, disponibilizou cinco agências das Nações Unidas para apoiar diretamente o projeto do Pacto Global: O escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos (OHCHR), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), lideradas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Assim, a partir desses focos de ação, cada integrante, comprometido com os dez princípios do Pacto Global, troca e compartilha visões e propostas para os desafios gerados pela globalização, no sentido de transformar cenários de desequilíbrios e injustiças, oferecendo oportunidades eqüitativas para os agentes do mercado e do sistema internacional. A partir da análise da estrutura e proposta do Pacto Global, John Gerard Ruggie (2001) apresenta um diagnóstico sobre os desafios e pontos críticos a serem enfrentados, a fim de que o projeto da ONU atinja real impacto e viabilidade no cenário global. Tal diagnóstico consta no artigo The Theory and Practice of Learning Networks: Corporate Social Responsibility and the Global Compact, publicado no Journal of Corpotate Citizenship, em 2001. No artigo, Ruggie afirma que a responsabilidade corporativa tornou-se um meio de ação que vai além do papel governamental e corresponde, assim, a uma forma efetiva na garantia da sustentabilidade global e dos próprios interesses corporativos na formação de estratégias eficientes e sustentáveis de gestão, contudo não possui o intuito de substituí-las, mas sim configurar um instrumento de complementaridade, trazendo assim, mais dinamismo nas iniciativas sustentáveis acompanhando a velocidade do processo de globalização e seus desdobramentos. O papel desempenhado pelo setor privado no caminho da responsabilidade socioambiental, entretanto, gera diversas contradições entre os agentes do cenário global, principalmente no que tange às organizações da sociedade civil. Assim, tanto Ruggie (2001) como Kell e Levin (2003) descrevem a estrutura do Pacto Global como rede de relacionamentos interorganizacional formada por organizações autônomas da sociedade que combinam recursos e esforços de maneira voluntária, pois não conseguem atingir resultados efetivos isoladamente. Através de ações cooperativas, os agentes dessa rede podem agregar um maior conjunto de informações que são manejadas no sentido de superar as dificuldades sociais e ambientais impostas pelo cenário de globalização, muitas vezes de maneira ambígua e extremamente complexa. Evidenciam o caráter experimental e inovador da proposta, sem aparatos burocráticos na sua manutenção, como forma de facilitar ao máximo a comunicação entre os diversos atores que a compõe, sem que,

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para isso, sejam necessárias ferramentas de controle ou instituições separadas do contexto da própria rede de relacionamentos. Por fim, salienta-se o desenho horizontal formado pela rede de relacionamentos do Pacto Global, sem estruturas hierárquicas, dando margem para que seus integrantes se sintam livres para discussão de temas que considerem relevantes e sejam responsáveis pela regularidade em que os fóruns são estabelecidos. Ruggie (2001) destaca que tais práticas despertam a desconfiança por parte das comunidades não-governamentais e principalmente dos ativistas anti-globalização, inseridos no sistema internacional e, consequentemente, gera o questionamento sobre os reais interesses que residem no setor corporativo privado em realmente desempenhar práticas que levem a resultados efetivos na sociedade ou simplesmente encontrar oportunidades legítimas para limpar a imagem de suas empresas através da bandeira da ONU. Através desta visão, pode-se constatar que, apesar de o Pacto Global configurar um legítimo meio de governança global, que apresenta grande potencial para alcançar resultados positivos, a longo prazo, é essencial que sejam analisadas, na mesma medida, suas vantagens e limitações. Assim, a grande limitação do projeto, destacada por analistas, como Ruggie (2001), reside no fato de não existirem regularidade na formação dos fóruns de aprendizagem e meios normativos de exigir, das corporações signatárias do Pacto, a prestação de contas de suas ações. De acordo com a perspectiva da ONU e dos responsáveis pela proposta do Pacto Global, o aprendizado e compartilhamento, através de experiências, gradualmente levariam a um processo que exigiria melhores resultados. Assim, as boas práticas seriam convertidas em práticas-modelo, partindo de líderes empresariais, como forma de proteção contra qualquer desvantagem competitiva que se apresente, e pressionando para que aqueles que não se inserirem dentro deste contexto, exponham suas dificuldades para se adequar ao novo modelo de ação que emerge no sistema internacional. Contudo, tal cenário só se apresenta viável, mediante uma profunda revisão dos princípios propostos inicialmente pelo Pacto, fazendo com que se transformem em um código de conduta com regras precisas, entretanto, Ruggie (2001), não acredita no estabelecimento de regras normativas como um possível caminho para resultados efetivos, primando pelos caminhos cooperativos e de negociação. 2.3 A posição das Organizações não-governamentais frente ao Pacto Global

O papel das Organizações não-governamentais no Pacto Global reside principalmente na sua participação nas discussões e nos temas críticos à sustentabilidade do cenário mundial. Grande parte das ONGs que se engajaram com a iniciativa da ONU, com os seus dez princípios e com os objetivos do Milênio a serem alcançados até 2015, apresentavam expectativas de obter um papel ativo nas propostas e no acompanhamento das ações corporativas no cenário internacional. Tais expectativas, entretanto, converteram-se num sentimento de frustração, motivado pelo pouco espaço e instrumentos de manutenção relativos às práticas corporativas, já que o Pacto não oferece regras específicas sobre prestação de contas das ações do setor empresarial.

No artigo Greenwash 10+: The UN´s Global Compact, Corporate Accountability and the Johannesburg Earth Summit, em 2002, a CorpWacht destaca as principais críticas ao modelo proposto pelo Pacto Global, apontando também as empresas internacionais que, apesar de se terem comprometido com os princípios do projeto, apresentam violações nas suas gestões corporativas.

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A organização argumenta, primeiramente, que, desde 1992, período do encontro denominado como Eco-92, existia uma grande preocupação por parte das ONGs, com relação à influência exercida pelo mundo empresarial, em tais encontros, e que o poder corporativo exercido no cenário de discussão, sobre temas sociais e ambientais, levasse à “privatização da ONU”, a partir da concretização de um aliança corporativa com a organização das Nações Unidas. Ocorre que a aliança entre o setor privado internacional e a ONU se consolidou e dissipou rapidamente os ideais inspirados na Cúpula, realizada no Rio de Janeiro, porém ainda não conseguiu diminuir significativamente a grande tendência corporativa transnacional em evitar os desafios ambientais, humanos e trabalhistas gerados pelo processo de globalização.

Na realidade, a grande crítica ao Pacto Global não reside na iniciativa da ONU em aliar forças com o poder corporativo mas, essencialmente na estrutura no qual se baseia o seu modelo de cooperação desencadeando um conflito de opiniões sobre o conceito de responsabilidade corporativa entre as visões da ONU e as das organizações da sociedade civil. De um lado, existe a visão da ONU, que ampara a proposta do Pacto Global, acreditando que a responsabilidade corporativa deve ser construída através de práticas voluntárias, dando margem ao aprendizado e ao compartilhamento de experiências e boas práticas, como já foi exposto acima. De outro lado, contudo, existe a visão das ONGs, como a CorpWacht (2002), apontando que o caminho para a responsabilidade corporativa só se configura viável e com possibilidade de resultados efetivos, mediante regras e normas sociais que apresentem conseqüências e punições concretas para aqueles que não as respeitarem. Partindo da perspectiva de que os padrões legais e normativos devem ser estabelecidos como forma de exigir a prestação de contas das ações corporativas, a CorpWacht (2002) acredita que a abordagem atual do Pacto Global dá vazão para práticas contraditórias do setor privado, principalmente dos participantes do projeto da ONU, descritos como “bluewash” e “greenwash” A CorpWacht (2002) utiliza, para descrever os termos bluewash e greenwash, conceitos elaborados pela própria organização, bem como provenientes da décima edição do Dicionário de Inglês da Oxford e do jornal New York Times. Segundo tais descrições, bluewash consistiria na união de grandes corporações que utilizam a bandeira da ONU como forma para encobrir suas atividades violadoras, sem necessariamente praticar nenhum tipo de ação em prol do desenvolvimento sustentável.

Assim, tal ação configuraria na associação voluntária com a ONU, mais especificamente com o Pacto Global, entretanto sem que exista a exposição de qualquer prestação de contas, quanto às atividades realizadas. O conceito de greenwash refere-se ao mesmo tipo de prática, contudo não se apresenta diretamente relacionada à bandeira da ONU. Seria a prática de disseminação desinformativa por organizações, com intuito de melhorar sua imagem pública, através das questões ambientais, promovendo a expansão do marketing de seus mercados. Dentro de tais conceitos, é que reside a finalidade essencial da CorpWacht. Sua função é denunciar as empresas que realizam tais práticas, principalmente aquelas ligadas ao Pacto Global, de modo que não se beneficiem de uma bandeira da ONU, utilizando-a como mera ferramenta de Relações Públicas, sendo que continuam a violar seus princípios vitais. Apesar das fortes críticas ao modelo estrutural do Pacto Global, a ONU alega total confiança no projeto, enfatizando que a bandeira da organização é cuidadosamente resguardada e que não deve ser utilizada por seus participantes, sem a devida permissão do escritório legal das Nações Unidas. Enfatiza ainda que qualquer utilização de meios coercitivos na manutenção do projeto o descaracterizaria, pois constitui uma rede de aprendizagem, que preza a complementaridade entre o diálogo e ação.

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A ONGs, como a CorpWacht, destacam a importância dos recursos do poder corporativo como uma ferramenta para investimentos na área de desenvolvimento sustentável, contudo, as ações corporativas devem acompanhar a prestação de contas de suas atividades aos governos, cidadãos e consumidores, bem como às organizações inter-governamentais para que adquira legitimidade e possibilite reais resultados para o cenário global. Peter Engardio compartilha visão semelhante das ONGs, quando aponta, no artigo Global Compact, Little Impact, publicado na Business Week, em 2004, que apesar de o Pacto Global configurar na atualidade o maior grupo de responsabilidade socioambiental no mundo e que, consistindo numa louvável iniciativa, perde em credibilidade e não acompanha as expectativas de grande parte dos grupos que deram seus votos de confiança ao projeto. O autor argumenta que, até o momento, o projeto focou suas energias em expandir a rede de relacionamentos, ao invés de buscar caminhos que assegurem o comprometimento de seus participantes. Acrescenta, ainda, que é difícil contabilizar as reais mudanças que ocorreram no cenário de desenvolvimento sustentável, a partir das iniciativas do Pacto Global.

Destaca também, que a grande contradição inerente ao Pacto reside no fato de que as empresas que praticam boas práticas corporativas e se aliaram ao projeto da ONU, não foram incentivas a iniciarem projetos que fossem além das práticas que já haviam sido desenvolvidas, enquanto que outras empresas aliadas ao Pacto continuam a atuar de forma controversa no cenário, sem sofrer qualquer pressão por parte da Organização. Peter Utting, em artigo publicado na UN Source, em 2003, The Global Compact: Why All the Fuss?, salienta que o fórum de aprendizagem, foco central da atuação do Pacto Global, deve aprofundar-se nessas questões contraditórias no intuito de resolvê-las para que o projeto siga em frente de forma positiva. Assim, o fórum de aprendizagem deve deixar de ater-se apenas às questões formais e técnicas das possíveis formas de intervenção, mas orientar-se para as questões de caráter macro na sociedade global, pois são essas questões que realmente irão determinar as perspectivas para a sustentabilidade do desenvolvimento e da justiça social. Assim, pode-se concluir que são inegáveis os aspectos positivos do Pacto Global, proposto pela ONU, no que tange a seu alcance mundial, entre os grupos do setor privado e a instauração de um legítimo fórum de discussão que engaje as empresas transnacionais, grupos da sociedade civil, agências da ONU e governos, na discussão dos caminhos possíveis para sanar as deficiências instauradas no cenário mundial pelos desdobramentos da globalização. Entretanto, o projeto requer ainda acompanhamento e esforços para sua reestruturação, de modo a atingir melhores resultados. Para isso, é necessária a construção de uma visão comum, sobre aspectos relativos ao conceito de responsabilidade socioambiental, boas práticas corporativas, entre seus mais variados participantes, sanando as contradições internas vigentes, bem como uma maciça discussão sobre os possíveis meios de monitoramento e prestação de contas relacionadas às ações corporativas inseridas no projeto, para que este não perca sua credibilidade no cenário global, não só quanto às práticas corporativas, mas principalmente quanto à atuação da própria ONU. No sentido de aprofundar tal discussão, o terceiro capítulo propõe-se analisar, de forma crítica, o conceito de responsabilidade socioambiental, de acordo com as diversas abordagens acadêmicas, bem como, uma análise sobre a adequação das empresas no que tange a gestões social e ambientalmente sustentáveis.

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3 A RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO FERRAMENTA NO CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O capítulo, a seguir, analisa as diversas abordagens conceituais relativas à responsabilidade socioambiental no setor privado e as estratégias propostas para a adequação do mundo empresarial nesse novo modelo de gestão. 3.1 Responsabilidade socioambiental e a formação de uma sociedade de risco

Até meados da década de 80, o discurso empresarial dominante no cenário

internacional mostrava-se resistente a qualquer iniciativa que visasse minimizar impactos socioambientais decorrentes do acelerado processo de atividades produtivas.

Argumentava-se na época que os custos adicionais para as empresas, resultantes de gastos com o controle da poluição, por exemplo, comprometeriam diretamente a lucratividade e a posição competitiva, bem como as ofertas de empregos, assim, prejudicando as partes interessadas no negócio, ou seja, acionistas, trabalhadores e os consumidores finais (DEMAJOROVIC, 2003).

Ocorre que a partir do final da década de 80, tal discurso perdeu vertiginosamente credibilidade na sociedade, em decorrência da emergência de discussões sobre temas ambientais e de desenvolvimento sustentável do cenário global.

Assim, tal temática ganhou amplitude no cenário internacional, aumentando a regulação sobre temas, principalmente ambientais, discutidos nos capítulos anteriores, o que converteu a responsabilidade sobre os danos socioambientais em custos diretos para o setor privado.

A opinião pública, na mesma medida, passou a exercer significativa pressão sobre os setores industriais, em função da maior visibilidade dos danos ambientais decorrentes de escândalos, como o vazamento de material radioativo da Usina de Chernobyl, em 1986.

Seguindo tal perspectiva, Jacques Demajorovic aponta, no livro Sociedade de Risco e responsabilidade socioambiental, de 2003, o trabalho sobre a formação de sociedades de risco, de autoria de Ulrich Beck (1992).

O trabalho apresenta uma nova visão sobre a dimensão das catástrofes ambientais provenientes da modernidade.

Assim, para Ulrich Beck, a produção social da riqueza é indiscutivelmente acompanhada por uma produção social de riscos e, que tais riscos, relativos aos impactos ambientais, não se referem somente à população atual, mas irão impactar, de forma ainda mais dramática, as gerações futuras.

Em função desse novo conceito de contabilização de riscos sociais e ambientais, Demajorovic (2003) aponta a incidência cada vez maior de empresas que buscam contabilizar seus riscos para diminuir o grau de incertezas. Ocorre que tal contabilização não mais se limita aos riscos financeiros, mas transcende para o âmbito dos riscos sociais.

É importante destacar que, assim como destaca Ianni (1999), os riscos e impactos ambientais são de responsabilidade da sociedade global como um todo, principalmente pelo fato de que as práticas que devastam o meio ambiente não causam impactos meramente locais, mais adquirem proporções globais. Demajorovic (2003) salienta tal discussão, quando aborda que o processo de globalização não reduz apenas as fronteiras econômicas e comerciais, mas também ambientais que se tornaram mais próximas, como demonstra os casos de acidificação na Escandinávia e os das florestas no Canadá, decorrentes da poluição gerada em locais geograficamente distantes.

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Assim, a conjuntura atual coloca o setor privado em um novo cenário de gestão corporativa, necessitada de valores e abordagens baseadas na responsabilidade socioambiental. Para Demajorovic (2003), o desenvolvimento das práticas de responsabilidade socioambiental só poderá configurar algo efetivo e orientado a enfrentar desafios, quando as empresas perderem a visão dicotômica entre o meio ambiente e a competitividade. Entretanto o conceito de responsabilidade socioambiental ainda se apresenta na sociedade como algo novo e pouco explorado de forma crítica.

3.2 Abordagem conceitual da responsabilidade socioambiental e formação de padrões de gestão no setor privado

A ascensão do Terceiro Setor, discutida anteriormente no primeiro capítulo, apresenta

uma vertente de significativa importância no âmbito público não-estatal, como denomina Bresser Pereira (1999), principalmente a partir da década de 90, relativa à atuação de grandes multinacionais e corporações dentro da sociedade civil, adquirindo, assim, responsabilidade social nos mais diversos campos e mostrando-se um dos fenômenos mais crescentes no cenário global, que gera tanto questionamentos como controvérsias.

O movimento de globalização vem gerando grande velocidade de informação, transformando cenários e paisagens, num movimento quase constante, em que o grande desafio, para as novas gerações, se encontra na busca de novos caminhos, para que a sociedade consiga agregar valores éticos e sociais, no sentido de preservar o ambiente e o bem-estar do ser humano como um todo. Existe a preocupação com questões ambientais, culturais, políticas, econômicas, de direitos humanos, o que gera maior cobrança e fiscalização por parte dos atores que compõem o sistema internacional.

Desse modo, as empresas tiveram que se adaptar a essa nova realidade criando uma nova consciência de seu papel social. Assim, a empresa deixa de representar apenas um negócio que visa lucros, mas um sistema vivo, inserido num contexto que envolve diversos grupos de interesses, sendo capaz de mobilizar recursos para transformar e desenvolver o ambiente em que convive e atua..

A partir dessa conjuntura, Boaventura de Sousa Santos (2002) apresenta o conceito da responsabilidade social, através de uma perspectiva crítica, baseado no cenário brasileiro.

Num contexto de ações de caráter contra-hegemônico de modelo socioeconômico neoliberal, o autor, num primeiro momento, apresenta um projeto coletivo, capaz de gerar possibilidades, no sentido de refazer e refundar novos vínculos sociais e políticos que foram rompidos pelo processo de exclusão neoliberal.

A responsabilidade socioambiental apresenta-se intimamente ligada ao conceito de cidadania. E a partir da ligação entre cidadania, espaço de bem público e de bem comum, é que a responsabilidade socioambiental consegue distinguir-se entre o espaço de origem da ação empresarial e o espaço da política e sociabilidade que ele cria, ampliando a consciência entre direitos e deveres de cidadania para a sociedade (SANTOS, 2002).

A emergência de tais ações adapta-se, na mesma medida, aos objetivos de agregar vantagens que levem a lucros e, é nesse ponto que a responsabilidade socioambiental empresarial se aproxima invariavelmente do discurso neoliberal, preconizando iniciativas individuais.

É nesse contexto que se misturam os interesses, relativos à expansão da cidadania com interesses particulares das empresas, reformulando não somente as ações para com a sociedade, em geral, mas também a gestão interna das empresas e a prestação de contas a todos os interessados, desde funcionários, a acionistas e consumidores.

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Santos (2002) acrescenta em discussão tal vertente, destacando que ações sociais acabam tornando-se uma significativa ferramenta competitiva que agrega valor e diferencia o produto oferecido por uma determinada empresa. Assim, é inegável a conotação econômica, inserida no conceito de responsabilidade social, aliada aos interesses privados, afastando-se cada vez mais daquilo que configuraria um compromisso ético com a sociedade. Surge, desse modo, o questionamento de como diferenciar a ação de uma empresa responsável socialmente com seus interesses particulares, se ambos são tratados como instrumentos de marketing, muitas vezes favorecendo a inserção do negócio em novos nichos de mercados. É importante destacar, contudo, que o fato de a responsabilidade socioambiental corporativa se apresentar como uma potencial alavanca para o crescimento de mercados e vantagens competitivas para as empresas que a empregam no seu modelo de gestão, não corresponde em sua totalidade como algo maléfico, pois, apresenta para sociedade e para os seus interessados formas de administração mais transparentes e sustentáveis, como forma de aproximar-se do ambiente no qual interagem. O questionamento que deve ser feito em relação ao tema são os resultados que tais ações terão na sociedade, no longo prazo, bem como se tais padrões serão acolhidos de maneira universal e não simplesmente de forma superficial, ou seja, quais são as reais perspectivas de que a responsabilidade socioambiental corporativa irá transcender as ferramentas de marketing e tornar-se algo unido aos valores e estruturas que compõem o setor privado. O fenômeno da responsabilidade socioambiental evoluiu tanto no cenário global e na dinâmica dos países que levou à abertura de um novo mercado, antes voltado para instituições e universidades acadêmicas que abordavam temas específicos sobre gestão empresarial e administração, tanto para o Terceiro Setor, como para ações sociais empresariais.

Tal fenômeno estimula consequentemente o crescimento de bibliografias informativas sobre o tema e sobre as formas de inserir tais práticas na gestão de negócios do setor privado. É com base nessa extensa bibliografia que serão traçados alguns padrões de conduta referentes à responsabilidade socioambiental na gestão do setor privado na atualidade. Hoje, percebe-se a emergência de um novo contexto empresarial, que é marcado de forma substancial pela flexibilidade dos processos e mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. Assim, não são mais apenas os indicadores econômicos e financeiros que determinam o desempenho de um negócio, mas também se apresenta intimamente ligado à satisfação da sociedade e ao atendimento de seus requisitos sociais e ambientais, sendo que a relação de uma empresa com a sociedade em que atua, se torna algo essencial para seu sucesso. Kotler (2000) aborda o tema, destacando que no cenário de concorrência cada vez mais acirrada, qualquer diferencial interessante de um produto ou prestação de serviço tende a atrair rapidamente imitações. Desse modo, a conquista de uma base sólida de diferenciação mais sustentável entre os consumidores e a própria opinião pública, consiste na construção de uma imagem socialmente responsável, pois carrega consigo forte carga emocional, criando a fidelização do consumidor a longo prazo. Para se verificar os tópicos que são abrangidos pelo tema da responsabilidade corporativa, pode-se utilizar do esquema de 7 vetores, abordado no livro Ética e Responsabilidade Social nos Negócios, organizado por Patrícia Almeida Ashley (2004). O esquema de 7 vetores consiste numa abordagem empresarial que visa o apoio ao desenvolvimento da comunidade na qual atua, a preservação do meio ambiente, investimentos no bem estar de funcionários configurando um ambiente de trabalho agradável, formas de comunicação transparentes, retorno aos acionistas e por fim, o desenvolvimento da sinergia entre os parceiros envolvidos.

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Os processos pelos quais um empresa passa para adequar-se às práticas socioambientais apresentam-se de forma complexa e extensa, sendo necessário um acompanhamento próximo de diversos setores do negócio, bem como um árduo período de reestruturação na abordagem da empresa, tanto internamente quanto em relação à comunicação com as partes que estão diretamente envolvidas com as suas diretrizes.

Grayson e Hodges (2003) apresentam uma análise que aborda os essenciais caminhos pelos quais uma empresa deve passar para que consiga transformar sua gestão em práticas comuns de responsabilidade socioambiental.

Primeiramente é necessária a identificação dos gatilhos, ou seja, um evento que exija a ação e atenção dos setores gerenciais, podendo ser fatores externos, como uma mudança nas normas governamentais do país, onde atua, ou fatores desencadeados pela própria empresa, como alguma falha identificada no processo organizacional que gerou críticas, quanto à imagem passada à opinião pública.

Tais situações podem configurar uma oportunidade para concentrar as atenções de toda a equipe na possibilidade de mudanças dos temas de gestão e das expectativas dos stakeholders. A vantagem consiste na antecipação de futuros problemas e pressões para que se dominem as situações de risco de forma mais consistente

Os gatilhos para a promoção de mudanças na gestão de uma empresa podem ser encontrados nos mais variados âmbitos, como por exemplo, moções de acionistas, pressão de investidores internacionais, pressão das ONGs, exigências legais, pressões governamentais, uma recessão econômica, pressões promovidas pelos próprios funcionários, mudanças nas gestões de concorrentes, mudança nos hábitos dos consumidores ou, até mesmo, na inspiração de algum membro da empresa apresentando uma nova visão estratégica.

A partir da ocorrência de algum desses fatos como um gatilho inicial que exige novas perspectivas, sobre temas emergentes e necessidades da empresa, o passo subsequente consiste na formulação de argumentos sólidos e de estudos aprofundados, sobre os prós e contras de uma mudança na gestão, bem como a mensuração dos resultados decorrentes da formulação de uma nova linha de ação.

Pode-se citar, como exemplo de uma mudança de gestão bem sucedida, o Banco Real, que, em um artigo na Revista Época, de 16 de outubro de 2006, relatou sua estratégia de promover crédito para empresas ecologicamente sustentáveis e cortar o crédito de empresas que agridam o meio ambiente, através de uma equipe que contabiliza riscos socioambientais do banco. A equipe segue os padrões formulados pelos Princípios do Equador, estipulado pelo Banco Mundial em 2003 e, desde 2002, mais de 49 empresas tiveram seu crédito cortado por não atuarem de acordo com padrões socioambientais, dando ao banco um caráter mais transparente e digno de maior credibilidade no cenário tanto nacional como internacional.

Assim, chega-se ao terceiro passo a ser seguido, referente à avaliação sobre a abrangência das questões, através de um diálogo aberto com os investidores, acionistas, funcionários e clientes do negócio, mapeando possíveis cenários, riscos e oportunidades.

Para se investir no relacionamento ético e sustentável, é indispensável a realização de relatórios que demostrem as metas almejadas e os resultados conquistados, motivando todos os envolvidos no projeto e adquirindo novas parcerias para promoção de boas práticas corporativas.

É importante destacar que não basta uma mera restruturação interna da empresa, mas torna-se fundamental o acompanhamento de toda a cadeia de suprimentos da empresa, desde a ação dos fornecedores até os clientes finais, de modo que se conquistem práticas consolidadas e de longo prazo, criando assim, uma imagem sólida para a empresa, perante ações sustentáveis, éticas e transparentes, respeitando as necessidades da sociedade e do meio ambiente.

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CONCLUSÃO

Ao longo da elaboração deste trabalho, tornou-se evidente que os temas relativos ao

desenvolvimento sustentável no cenário global, apesar de terem sido extensivamente discutidos, principalmente nas últimas décadas, ainda se apresentam pouco consolidados.

A busca por soluções viáveis e unânimes entre os diversos atores do cenário internacional, contudo, não é algo fácil de se conquistar.

O entendimento de um processo acelerado de globalização, como algo que gera contínuas transformações, apresenta dilemas, contradições e antagonismos entre atores com interesses e ações, muitas vezes incompatíveis, e também abre possibilidades para uma nova forma de pensamento sobre a dinâmica social.

Nesse contexto, percebem-se atores transnacionais, de caráter não-estatal que vêm exercendo no cenário considerável relevância, tornando a rede global de relacionamentos mais complexa e segmentada. Tais atores colocam em evidência a discussão sobre a responsabilidade de cada agente internacional sobre os desdobramentos desse processo acelerado de globalização.

Essa maior consciência dos riscos e possibilidades inerentes à sociedade como um todo leva a discussão da governança global, que salientando a totalidade de maneiras, pelas quais os indivíduos e instituições formais e não formais administram seus problemas e responsabilidades comuns, bem como acomodam interesses conflitantes no intuito de realizar ações de cooperação.

É visando a construção de tal cenário que a ONU propõe o estabelecimento de uma rede de relacionamentos global, denominada como Pacto Global.

Através da análise dessa proposta, de seus princípios e valores, estrutura e objetivos, pode-se observar um significativo potencial de que, a longo prazo, se assista à emergência de frutos positivos no caminho do desenvolvimento sustentável e na integração entre os atores internacionais, tornando inegável a importância das práticas de responsabilidade socioambiental corporativa.

Observa-se, contudo que o conceito do que seriam práticas corporativas responsáveis apresenta-se diversificado entre os atores do setor privado, membros de ONGs e, principalmente, nos campos acadêmicos. Isso ocorre de maneira evidente, pois ainda não existem limites claros entre o que seria uma ferramenta para expansão de mercados, marketing e relações públicas do setor privado e aquilo que se demonstra como ações

genuinamente éticas, transparentes e responsáveis no cenário de desenvolvimento sustentável. Dentre as análises e discussões entre autores de correntes de pensamento distintas e

plurais, pode-se constatar que a sociedade vem passando por mudanças profundas e o cidadão não mais se apresenta na sociedade como uma mera constante. A tomada de consciência cidadã vem tomando proporções globais e é capaz de chamar, para o campo da responsabilidade, atores como o setor privado, sendo através da formação de movimentos globais ou da mudança das formas de decisão de consumo.

Assim, mesmo que os resultados dessa mudança não possam ainda ser percebidos de forma evidente pela sociedade e analistas do tema, o fato de tal discussão estar tomando proporções significativas, ao ponto de influenciar a gestão corporativa, e de criar a necessidade de as empresas se aproximarem da sociedade, de apresentar balanços sociais e formas mais transparentes, prestando contas de suas ações e práticas aos seus interessados, e da criação de propostas e novas normas que emergem dentro das relações internacionais, já configura um importante avanço no caminho de soluções viáveis para o desenvolvimento e sustentabilidade socioambiental do cenário internacional.

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