o brazilian jazz no rio de janeiro na década de 1980 deborah levy
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Monografia de conclusão de curso do MBA em Gestão Cultural na UCAM-RJ, 2010, por Deborah W. Levy.TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PROGRAMA DE ESTUDOS CULTURAIS E SOCIAIS
DEBORAH WEITERSCHAN LEVY
O BRAZILIAN JAZZ NO RIO DE JANEIRO, DÉCADA DE 1980:
A MUDANÇA DE DIREÇÃO DE UM MERCADO EM ASCENSÃO
Rio de Janeiro
2010
DEBORAH WEITERSCHAN LEVY
O BRAZILIAN JAZZ NO RIO DE JANEIRO, DÉCADA DE 1980:
A MUDANÇA DE DIREÇÃO DE UM MERCADO EM ASCENSÃO
Monografia apresentada ao Programa de Estudos Culturais e Sociais da Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-graduação lato-sensu MBA em: Gestão Cultural
Orientadora: Profa.Ms. Ana Carla Fonseca
Reis
Rio de Janeiro
2010
Dedico este trabalho à minha filha Clara
e a todos os estudiosos da música no
Brasil.
AGRADECIMENTOS
À professora Ana Carla Fonseca Reis.
Aos amigos Aguinaldo, Andréia e Gláucio, por suas valiosas colaborações.
À amiga Ana Maria Braga, por seu apoio incondicional.
À todos os músicos e amigos que colaboraram e se envolveram com a pesquisa.
Ao Marcos Ariel, por sua colaboração e envolvimento.
À minha família.
À Deus.
RESUMO
Essa pesquisa tem por objetivo investigar o ciclo completo do mercado do gênero
musical Brazilian jazz no Rio de Janeiro na década de 1980. É analisada sua
trajetória de desenvolvimento, suas relações de mercado e os fatores que o
impactaram a partir da virada da década de 1990, levando a uma desaceleração do
crescimento e a uma mudança na direção em que esse mercado vinha seguindo.
Essa investigação foi realizada através de entrevistas com profissionais atuantes à
época, totalizando doze entrevistas, além de pesquisa bibliográfica complementar.
Por fim, dentre outros fatores, conclui-se que a mudança de estratégia que as
gravadoras multinacionais passam a aplicar no mercado fonográfico brasileiro na
virada da década de 1990 é um dos fatores de impacto que levaram à
desaceleração desse mercado.
Palavras-chave: Brazilian jazz. Música instrumental. Indústria fonográfica.
ABSTRACT
This research aims to investigate the full cycle of the market for Brazilian jazz genre
in Rio de Janeiro in the 1980s. It analyzes its history of development of market
relations and the factors that impacted from the turn of the 1990s, leading to a
slowdown in growth and a change in the direction that the market had been following.
This research was conducted through interviews with professionals working at the
time, totaling twelve interviews, and bibliographic supplement. Finally, among other
factors, it follows that the change of strategy that multinational record companies start
to implement the Brazilian phonographic market at the turn of the 1990s is one of
impact factors that led to deceleration of the market.
Keywords: Brazilian jazz. Instrumental music. The music industry.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.......................................................................................... 6
1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 9
2 PROBLEMATIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO ..................... 16
2.1 Referencial teórico.......................................................................................16
2.2 O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica ..............................................18
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................................................ 32
3.1 Seleção dos sujeitos, amostra e coleta de dados ................................... 32
3.2 Análise do material produzido e aspectos éticos.................................... 34
4 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS
RESULTADOS: O MERCADO .................................................................... 36
4.1 O Cenário a partir de 1970 ......................................................................... 36
4.1.1 As tendências herdadas e consolidadas no mercado fonográfico ............... 36
4.1.2 A música instrumental................................................................................... 42
4.2 O Brazilian jazz e a década de 1980 .......................................................... 48
4.2.1 A nova geração, a criação de novos espaços e seus ciclos ......................... 48
4.2.2 A evolução do mercado fonográfico ...............................................................65
5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................... 71
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 76
GLOSSÁRIO ................................................................................................ 78
APÊNDICE A - Roteiros das entrevistas ...................................................... 79
ANEXO A - Termos de consentimento livre e esclarecido ........................... 91
6
APRESENTAÇÃO
Fazer música é uma atividade natural do ser humano, desde o início dos
tempos. Segundo Hermeto Paschoal, nossa fala é nosso canto, e reflete a vibração
sonora da alma de cada um. Dessa forma, ela nasce com a humanidade, e com ela
evolui. É realizada em todos os cantos do planeta, e em cada lugar, em cada
circunstância, reflete o coração de uma população, sua cultura, seu sofrimento, seus
sonhos. Pode ser religiosa ou profana; para ouvir ou dançar; ilustrar um filme ou
contar uma história; fazer dormir ou acordar. É universal e precisa de gente: para
criar e para ouvir.
Em 1887, um alemão chamado Emil Berliner inventou uma máquina que
poderia reproduzir música: o gramofone. Uma grande revolução então começou: a
música já podia ser guardada, registrada e ouvida para sempre.
A partir daí, a música ocidental tem traçado sua trajetória, e, junto a esta,
impressionantes evoluções tecnológicas e mercadológicas se desenrolam, sempre
associadas. Desde a invenção de Berliner até os atuais arquivos digitais trocados
virtualmente pela Internet, várias têm sido as “ferramentas” que levam o mercado da
música até o seu ouvinte.
Lado a lado ao motor do gigantesco trator mercadológico da música,
impulsionado há pouco mais de um século, existe a evolução tecnológica, sempre
criando e recriando novos suportes para o consumo da música. Ambos impulsionam
o coração daquela que vorazmente se alimenta de constantes novidades artísticas,
e que hoje passa por uma radical transformação a nível global: a indústria
fonográfica, que outrora foi chamada de “A indústria da felicidade humana” (MIDANI,
2008, p.216).
O mercado da música na década de 1950 no Brasil marca a entrada das
primeiras gravadoras, a procura de talentos. A direção dessas novas multinacionais
buscava o controle do mercado através de lançamentos que apresentassem
carreiras promissoras e consistentes. Essa busca por novos talentos foi a força
motriz que alavancou três décadas de crescimento e brilhantismo da produção
nacional de música, representada por nomes como João Gilberto, Tom Jobim,
Dorival Caymmi, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Milton
Nascimento, entre centenas de outros nomes “de peso”.
7
Na leva desse crescimento vieram também os grandes instrumentistas
brasileiros, musicalmente formados pelo flerte da bossa nova com o jazz norte-
americano, pelos ensinamentos de Koellreuter, pela influência de Villa-Lobos, pela
pesquisa da música brasileira de raiz e, principalmente pela adoção da
improvisação. Esses instrumentistas chegaram brilhantes ao raiar da década de
1980 na trilha da consolidar um mercado que começava a entender e a consumir
seus talentos e genialidades. Nesse momento, se fortalece um segmento do
mercado musical brasileiro, o Brazilian jazz, cujo gênero mistura diversos elementos
da música brasileira com o jazz norte-americano, que traz intrinsecamente
agregrado em sua linguagem, o caráter improvisativo. Esse movimento encontrou
seu auge no eixo Rio-São Paulo na década de 1980.
Deborah W. Levy, autora do presente trabalho, é musicista com experiência
profissional no campo da música há mais de 20 anos. É pianista, tecladista,
compositora e Bacharel em MPB pela UNIRIO. Chegou ao Rio de Janeiro em 1989,
aos 18 anos de idade, dando continuidade a seus estudos musicais iniciados na
cidade de Belo Horizonte, na década de 1980. De formação clássica e jazzística
(mais jazzística do que clássica), foi aluna de Linda Bustani, Sônia Goulart, Dário
Galante, Délia Fischer, Ian Guest, Sérgio Benevenutto e Roberto Gnatalli. Soma boa
experiência profissional no campo da música popular, tendo acompanhado artistas,
atuado em musicais e gravado um CD com o Quinteto Linha 176, composto de
composições próprias e releituras, o qual recebeu boa crítica de José Domingos
Rafaelli, crítico do Jornal do Brasil na ocasião. Foi também integrante do projeto de
digitalização do acervo de música da Biblioteca Nacional, além de paralelamente
desenvolver um trabalho como tecladista junto à Banda Celebrare, há 15 anos, com
sete CD´s e dois DVD´s lançados no mercado fonográfico.
Há, portanto, uma relação pessoal da autora com o assunto em questão,
que reside no fato dela ter sido testemunha da efervescência desse mercado ao
chegar ao Rio de Janeiro, em 1989: no início de sua carreira, ela ouvia essa música
que se fazia nas casas de shows e espetáculos da zona sul, onde se tocava o
Brazilian jazz, fervilhando de músicos criativos e virtuosos. Frequentava os shows do
Free Jazz Festival no Hotel Nacional, e as “canjas” do Jazzmania; os shows em
bares como o People, o Mistura Fina, o Parque da Catacumba, o Gula Bar, etc; os
lançamentos dos discos dos artistas representativos da época. Ouvia as músicas
tocar na Globo FM, e os especiais de TV sobre o jazz. As bases de sua formação
8
haviam sido lançadas nos dez anos anteriores, em Belo Horizonte, aonde chegavam
ecos desse mercado, através das figuras de artistas como Egberto Gismonti,
Hermeto Paschoal, Flora Purim e Airto Moreira, César Camargo Mariano, entre
outros. Deborah Levy veio para o Rio de Janeiro, portanto, em busca dessa música,
na qual foi formada na década de 1980, em Belo Horizonte, e da qual
estranhamente viu se distanciar no decorrer da década de 1990.
9
1 INTRODUÇÃO
Era 1985. E desde 1970, o espetacular crescimento do mercado mundial da indústria fonográfica havia chamado atenção dos grandes conglomerados da comunicação, que compraram todas as companhias independentes de discos que existiam no mundo [...]. Essa entropia atingiu em cheio a política das gravadoras, que, até então, contratavam artistas com base na personalidade, no carisma e na capacidade poética. Pouco a pouco, esses valores passaram a ser démodé [...]. A partir daquele momento, de repente ficou distante o sonho dos fundadores dessa indústria a que chamavam de “A indústria da felicidade humana”. Ficou longe a época em que as gravadoras eram dirigidas por quem gostava de música, sendo, ao mesmo tempo, bom administrador. Longe também da era da competição amigável e ética entre as companhias. De súbito, os conglomerados disseram “Fora com os líderes criativos e dentro com os tecnocratas”, sob o pretexto de que os contratos artísticos estavam se tornando demasiadamente complexos e custosos para deixar a direção dos negócios nas mãos de gente com paixão pela música. 1
Se essas palavras não tivessem vindo dos lábios daquele que foi um dos
maiores personagens da música brasileira - o empresário André Midani - talvez o
leitor até pudesse comentar um possível exagero, um excesso de sentimentalismo
que este desabafo poderia aparentemente carregar. Mas vindo de quem veio o
empresário que lançou João Gilberto e toda a constelação da Bossa Nova e da
Tropicália (tendo passado pelo seu casting praticamente toda a “nata” da música
brasileira), é realmente uma declaração de quem, duas décadas depois de passar
por dentro do “olho do furacão” da ditadura, viu o fim de uma era regida mais por
padrões artísticos ser substituída por uma nova ordem, ou um novo juízo de valores,
que veio a mudar definitivamente a direção que a música brasileira vinha seguindo.
A explosão do crescimento fonográfico que se deu na década de 1970 (a
indústria do disco crescia a uma taxa média de 15% ao ano nessa década2), a
expansão de um mercado consumidor de música no Brasil para além das classes
dominantes, o surgimento de inúmeros novos artistas da MPB e a consolidação de
um mercado fonográfico que elevou o país ao quinto lugar3 no ranking mundial em
1 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 215. 2 MORELLI, Rita C.L. Indústria fonográfica: um estudo antropológico. Campinas: UNICAMP, 2009. 3 BALLESTÉ, Adriana. Independente...de tudo?. In: ANTOLOGIA Prêmio Torquato Neto. Rio de Janeiro: RioArte, 1984.
10
1981, fizeram brotar, na cidade do Rio de Janeiro na década de 1980, um ambiente
bastante favorável para o surgimento e difusão do mercado de Brazilian jazz.
Através de lançamentos de gravadoras, espaços nas casas noturnas,
participação na programação das rádios, críticas e resenhas jornalísticas, festivais
de jazz etc., esse mercado foi impulsionado ao longo desta década em um amplo
crescimento, encontrando seu apogeu em seus anos finais, e abrindo as portas para
o lançamento de grandes artistas/músicos no mercado internacional do jazz. A partir
do início da década de 1990, passa a haver uma considerável desaceleração no
crescimento desse mercado, que culminou num significativo declínio de seu impacto
e subsequente perda de posição, através da exclusão dessa produção fonográfica
na grade de programação das rádios, dos sucessivos fechamentos das casas
noturnas que exibiam esses shows e da redução de espaços de forma geral.
Esse trabalho visa investigar as razões desse fenômeno mercadológico. A
hipótese é a de que a estratégia mercadológica que as gravadoras multinacionais
passaram a aplicar no mercado fonográfico brasileiro a partir da segunda metade da
década de 1980 teria enfraquecido o mercado do Brazilian Jazz em ascensão. Essa
hipótese, apoiada solidamente na afirmação de André Midani - uma vez reconhecido
o peso de seu autor no cenário do mercado fonográfico e a autenticidade de sua
vivência – é o ponto de partida dessa investigação.
Realizada através de entrevistas – posto que não há material bibliográfico
que sustente uma pesquisa aprofundada nesse assunto – essa investigação tem
como desafio inicial o de encontrar as origens da influência do jazz na música
popular brasileira, para que se possa então compreender o cenário do Brazilian jazz
no Rio de Janeiro na década de 1980. Para isso, é feita uma revisão da entrada do
jazz no Brasil, no subcapítulo “O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica”, que vai
desde a década de 1920 cobrindo 60 anos da trajetória do jazz no Brasil. Essa
revisão está inserida no Capítulo 2, “Problematização e caracterização do objeto” e
tem seu foco mais na participação dos músicos na história da música popular do que
dos artistas e das gravadoras propriamente. Para essa parte da contextualização, foi
possível recorrer, até a década de 1970, a fontes bibliográficas e à internet.
A finalidade desse capítulo é contextualizar o leitor para a compreensão do
fenômeno estudado, o mercado de Brazilian jazz que começa a se movimentar nos
anos finais da década de 1970. Nesse capítulo está inserido também o referencial
teórico, que norteou essa porção da pesquisa, e que possibilitou a traçar o fio da
11
trajetória dos 60 anos da música popular. De 1980 em diante, esse cenário foi
remontado por meio das informações coletadas nas entrevistas e investigações dos
dados, bem como acrescido de referências bibliográficas pertinentes e está inserido
no capítulo 4, “Análise das entrevistas e contextualização dos resultados: o
mercado”.
No capítulo 3, ”Aspectos metodológicos”, é feito um relato minucioso de
todas as fases da pesquisa: o processo de escolha dos entrevistados, as entrevistas,
a extração das informações do material coletado e sua análise.
A análise dos resultados e a discussão do assunto se encontram no capítulo
seguinte, ”Análise das entrevistas e contextualização dos resultados: o mercado”,
dividido em dois subcapítulos: “O cenário a partir de 1970” e “O Brazilian jazz na
década de 1980”.
No primeiro subcapítulo, dividido em dois sub-itens: “As tendências
herdadas e consolidadas no mercado fonográfico” e “A música instrumental”, é feita
uma contextualização das tendências da indústria fonográfica herdadas, e as que
irão se consolidar, legadas à década de 1970. Paralelamente, é traçado o panorama
do mercado da música instrumental nessa década. No subcapítulo seguinte, “O
Brazilian jazz na década de 1980” é apresentado e discutido o conteúdo do material
coletado, por sua vez, em outras duas subdivisões: “A nova geração, a criação de
novos espaços e seus ciclos”, onde é traçada a trajetória do Brazilian jazz no Rio de
Janeiro a partir do início da década de 1980, é delineado o ciclo de sobrevivência
desses espaços, e é traçado um panorama geral: as casas noturnas, as rádios, as
ações da prefeitura, os festivais de jazz, etc, tendo comentados e analisados certos
aspectos. No subcapítulo seguinte, “A evolução do mercado fonográfico”, são
analisadas e discutidas a atuação da indústria fonográfica a partir da década de
1980 até a de 1990, ápice de sua expansão, com a formação dos grandes
conglomerados.
Nesse ponto, é preciso abrir um parêntese para refletir um pouco a respeito
das nomenclaturas e da distinção entre Brazilian jazz, “Jazz brasileiro” e “Música
instrumental”.
“Música instrumental” é, sem dúvida, um rótulo prontamente reconhecido
tanto pelos músicos quanto pelos apreciadores e críticos. Esse termo caracteriza,
hoje em dia no Brasil, um segmento de música executada apenas por instrumentos,
sem a figura do cantor (a) como solista, podendo aceitar no máximo um vocalese - a
12
voz usada como instrumento. Essa caracterização consolidada se comprova
inclusive na categorização de áreas e segmentos da Lei Rouanet, a qual se refere
tanto à música clássica quanto à música instrumental como segmentos da área
música, e se encaixam no artigo 18, como projetos especiais. Porém, essa
designação se refere apenas à questão da formação, e não carrega em si uma
moldura de tempo e espaço que chegue a designar um gênero – como, por
exemplo, “música clássica” designa - podendo comportar, na verdade vários
gêneros. Para caracterizar a produção musical objeto-estudo desse trabalho, a
designação “música instrumental”, por sua natureza, excluiria importantes produções
de músicos representativos como Egberto Gismonti ou Hermeto Paschoal, que se
utilizaram da voz em inúmeras gravações.
Outro ponto importante é a distinção que se deve fazer entre a designação
Brazilian Jazz – ou Jazz brasileiro – e o jazz norte-americano.
O gênero Brazilian Jazz, diz-se entre músicos e apreciadores, que é um
estilo musical resultante de experimentações que fundem elementos do jazz norte-
americano com elementos da música brasileira. Aqui é preciso chamar a atenção
para o cuidado de não se deixar levar pela tradução da palavra ao “pé da letra”. O
termo Brazilian Jazz, versão em inglês para “Jazz brasileiro” pode sugerir que este
seria uma adaptação nacional do jazz norte-americano, o que é absolutamente
desprovido de verdade. Segundo Zuza Homem de Mello, em entrevista concedida
para esta pesquisa, “o fato de você ter nominado Brazilian jazz é muito apropriado,
porque na verdade, ao contrário da maioria dos países do mundo, o jazz brasileiro é
música brasileira”.
Ao longo do desenvolvimento deste trabalho, foram percebidos distintos
conceitos acerca da abrangência do termo Brazilian Jazz. A adoção do termo é
controversa nas diversas fontes de consulta, dada a abrangência, e não há, nem na
comunidade musical, nem na comunidade científica, um consenso a respeito de seu
significado. Ressaltam-se cinco diferentes colocações como exemplo da carência de
delimitação do termo Brazilian Jazz4. A saber:
1) Bossa Nova;
4 Essas colocações são trazidas pelo site na pesquisa do termo Brazilian jazz. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Brazilian_Jazz. Acesso em: 13 jul. 2010.
13
2) Samba-jazz, como o Zimbo Trio e outro grupos de samba e bossa nova
influenciados pelo jazz;
3) Formas brasileiras influenciadas de Jazz fusion;
4) A vanguarda do jazz brasileiro das décadas de 1970 e 1980, como
Hermeto Paschoal e grupo e Egberto Gismonti e grupo;
5) Jazz no Brasil e esse último abre para duas subcategorias:
a) Álbuns do jazz brasileiro – João Gilberto, Tom Jobim, Joyce, Sérgio
Mendes, Flora Purim, Elis Regina etc;
b) Músicos do Brazilian jazz:
• Músicos da Bossa nova;
• Músicos do Brazilian jazz relacionados por instrumento.
Extraídas da Internet (Wikipédia), essas definições sugerem uma
interessante análise do assunto, mesmo que superficialmente. Nas cinco definições
acima, podemos encontrar dois pontos tangentes: a primeira, é que todas se
referem, em primeira instância, à música brasileira; a segunda, é que em algumas
delas iremos encontrar, em sua execução, um elemento que é a linha limítrofe entre
o que diferencia o jazz de outros estilos musicais: a improvisação. Esse elemento
encerra qualquer discussão sobre o assunto: jazz necessariamente é um estilo
musical onde a improvisação é a estrela, o elemento principal, onde o instrumentista
afirma suas habilidades e se firma como artista. Zuza Homem de Mello relata na
entrevista: “No Brasil você pode fazer um concerto de jazz com músicas do Tom
Jobim, do Hermeto Paschoal e é um concerto de jazz. Por quê? Porque eles estão
improvisando! É aí que se define a diferença. Isso significa que a diferença entre o
jazz e as demais propostas musicais, como na Europa, pop, música clássica, etc, é o
improviso. É nisso que o jazz se diferencia.”
O Brazilian jazz tem suas raízes fincadas em matrizes musicais brasileiras,
e o jazz norte-americano é, portanto, um elemento de influência, ou ainda, de
fricção5 (PIEDADE, 2005), contradizendo a idéia de fusão, onde os elementos
envolvidos se dissolvem, não conservando mais seu núcleo. Na teoria de Piedade,
os elementos envolvidos se tocam, trocam partículas, se friccionam, mas o seu
núcleo duro se mantém. Um exemplo dessa fricção de elementos no Brazilian jazz é
5 PIEDADE, A.T. de Camargo. Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades. In: CONGRESSO DA ANPPOM, 15., 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2005.
14
justamente a improvisação, característica nata da linguagem bebop norte-americana.
Ao longo desse estudo, veremos como o jazz adentrou o país e como os músicos de
música popular passaram a utilizar a improvisação em estilos de música brasileira.
Dessa forma, o termo Brazilian jazz se refere à produção de música
brasileira que inclui a improvisação em sua execução. No capítulo dedicado à
trajetória do jazz no Brasil poderão ser identificadas as fases da música brasileira
que irão se relacionar com algumas das definições da Wikipédia acima, como os
trios de Bossa Nova, o reconhecimento da Bossa Nova no exterior e o nascimento
do Samba-jazz. Este último, cujo nascimento é identificado através do lançamento
do álbum “Braziliance”, do violonista Laurindo de Almeida e do saxofonista Bud
Shank em 1953, traz em si o ponto histórico diferencial do embrião do Brazilian jazz:
este álbum é identificado pelo renomado crítico José Domingos Rafaelli6 como
sendo o marco do nascimento do samba-jazz, a primeira vez que foi utilizada a
improvisação sobre temas brasileiros. Segundo Rafaelli, a partir desse momento
passa-se a adotar gradativamente a improvisação na música brasileira, tanto
instrumental como vocal, e se inicia, portanto, no início da década de 1950. Essa
prática incorporada irá atravessar a Bossa Nova no final dessa década e ao longo da
seguinte, passando pela música instrumental contemporânea da década de 1970,
pelo Brazilian jazz da década de 1980, chegando até os dias de hoje. Na entrevista
de Zuza, ele confirma essa análise: “Isso se dá exatamente a partir da Bossa Nova,
que se desenvolve, e cria-se então uma linguagem instrumental que é
absolutamente identificada com o jazz americano, porque é improvisada”.
A definição “vanguarda do jazz brasileiro das décadas de 1970 e 1980,
como Hermeto Paschoal e grupo e Egberto Gismonti e grupo” pode, à primeira vista,
ser adequada, porém é conduz facilmente a uma grande contradição: se afirmo que
na década de 1990 o mercado de Brazilian jazz decresce, como posso dizer que em
1980 ainda se encontra a vanguarda do jazz brasileiro? Aonde estaria de fato, então,
o Brazilian jazz? Assumo, portanto, nessa pesquisa, que a produção musical
instrumental da década de 1970 é a vanguarda do Brazilian jazz, e adoto a
designação que foi adotada na mesma época: música instrumental brasileira
contemporânea. Essa designação me parece bastante adequada pelo seu próprio
caráter musical: é nessa década que a música instrumental se moderniza e se
6 RAFAELLI, José Domingos. Disponível em: http://ensaios.musicodobrasil.com.br/jose domingosraffaelli-ahistoriadosambajazz.htm. Acesso em: 12 ago. 2010.
15
diferencia das correntes anteriores. O termo Brazilian jazz irá, portanto, nessa
pesquisa, ser adotado para identificar um gênero musical e seu mercado na década
de 1980 na cidade do Rio de Janeiro.
Muitos estudos sobre a trajetória artística da música popular brasileira foram
realizados, a partir da década de 1980, porém, o enfoque tem sido, em maciças
proporções, sobre a produção de música cantada. À música instrumental brasileira
tem cabido um ínfimo espaço, cujos personagens são apenas citados ora aqui, ora
ali pelos autores, e que, apesar de compartilharem trajetórias que se tangem,
frequentemente não são objetos-foco do estudo.
Dessa forma, o estudo da trajetória da música instrumental brasileira tendo
como foco o Brazilian Jazz é um dos pontos onde reside o ineditismo e a relevância
desse trabalho, uma vez que, comparado a outros estilos de música instrumental,
dentro do mercado de música popular, como o choro ou o samba, por exemplo,
ainda se encontra órfão.
Com o objetivo de identificar os possíveis fatores que desencadearam a
desaceleração do mercado de Brazilian Jazz, no início da década de 1990, no Rio
de Janeiro, esta pesquisa analisará também: as percepções dos profissionais
atuantes quanto às subsequentes perdas de espaços para o Brazilian jazz no
mercado da música; as percepções dos profissionais atuantes quanto ao impacto do
“Free Jazz Festival” no mercado do Brazilian jazz e investigará as causas que
conduziram ao “declínio” do mercado de Brazilian jazz na década de 1990.
16
2 PROBLEMATIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO
2.1 Referencial teórico
O objeto desse estudo é o mercado do Brazilian jazz, seu crescimento na
década de 1980, seu auge no final dessa década e a perda de espaços, a partir da
década de 1990. Esse tema trata tanto do aspecto estilístico, quanto do
mercadológico. Em relação ao aspecto estilístico, esse é um tema que possui uma
bibliografia rarefeita, tanto na esfera acadêmica, quanto na não acadêmica.
Da esfera não-acadêmica, três publicações, complementares entre si,
tangem o assunto em vários pontos, e serviram de embasamento teórico,
fornecendo dados sobre aspectos históricos e culturais sobre o tema, dentro do
contexto geral do quadro da música popular ao longo do último século:
1. O relato autobiográfico de Midani (2008)7, citado na introdução deste estudo, foi o
ponto de partida que suscitou o início dessa investigação e o primeiro referencial
teórico da investigação a respeito da mudança de direção da indústria fonográfica no
final dos anos 1980 e início de 1990. Nesse trabalho, o autor revela, através do
relato de sua própria vivência, aspectos relevantes relacionados tanto com a
trajetória de artistas e músicos da música popular brasileira, quanto da indústria
fonográfica.
2. O estudo de Calado (2007)8, que desfia uma a uma as matrizes de todas as
vertentes do jazz nos Estados Unidos e suas interrelações sócio-econômico-
culturais, para relacionar seus diferentes níveis de teatralidade. Ao tomar como
sendo a mesma a matriz racial dos dois países, o autor traça um paralelo com o
Brasil, onde encontra similaridades através dos antepassados comuns, e através
dessa análise etnomusicológica percorre toda a história da música negra no país,
onde reside também o jazz.
3. O ensaio do historiador Zuza Homem de Mello (2007)9 sobre a história das
orquestras de jazz e das big bands no Brasil. Além de conduzir o fio histórico da
influência do jazz no Brasil, esse trabalho resgata importantes nomes de
7 MIDANI, A. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 8 CALADO, C. O jazz como espetáculo. São Paulo: Perspectiva, 2007. 9 MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Editora 34, 2007.
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instrumentistas brasileiros desde a década de 1950 até meados de 1970, em um
trabalho inédito. Esses dois últimos trabalhos contribuíram com dados para a
formulação do capítulo, ”O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica”.
Dos trabalhos acadêmicos, tanto no campo da música quanto no campo da
economia da cultura, três trabalhos foram igualmente importantes na construção
dessa pesquisa:
1. A dissertação de mestrado em antropologia social da pesquisadora Morelli
(2009)10, um dos poucos estudos sobre a indústria fonográfica no Brasil. O
pesquisador Eduardo Vicente reconhece, na apresentação desse trabalho que: “num
país tão apaixonado por música e com tantos títulos dedicados às trajetórias de
artistas e segmentos musicais, são estranhamente raros os autores que se
debruçaram sobre o estudo da indústria que possibilitou a eternização de suas
obras.” Esse trabalho fornece um panorama seguro à respeito das transformações
ocorridas nessa indústria no país, ditando os caminhos do mercado da música.
2. O capítulo “Economia da cultura e desenvolvimento: estratégias nacionais e
panorama global”, de Ana Carla Fonseca Reis (2009)11 (Mestra - orientadora deste
trabalho). Esse artigo traz um resumo, um panorama sobre o conceito de economia
da cultura, de sua aplicação prática e de sua aplicação no país. Esse conceito foi
importante no embasamento da análise dos aspectos que envolveram a trajetória do
Brazilian jazz, das relações que propiciaram sua ascensão e sua dissolução.
3. O texto de Piedade (2005)12, “Fricção das musicalidades”, que, contrapondo-se à
idéia de fusão ou sincretismo, amplamente aceita entre músicos, críticos e
apreciadores do Brazilian jazz, apresenta a idéia de fricção, onde, no tenso diálogo
com o jazz norte-americano, os elementos de cada gênero dialogam, mas não se
misturam, fazendo assim uma distinção clara entre ambos. Piedade assume o termo
jazz brasileiro como um gênero distinto, “inscrito na designação ambígua de música
instrumental”.
10 MORELLI, Rita C. L. Indústria fonográfica: um estudo antropológico. 2.ed. Campinas: UNICAMP, 2009. 11 REIS, Ana Carla Fonseca; MARCO, Kátia de (Org.). Economia da cultura: idéias e vivências. Rio de Janeiro: e-Livre, 2009. Disponível em: http://www.gestaocultural.org.br/pdf/economia-da-cultura.pdf. Acesso em: 15 jul. 2010. 12 PIEDADE, A.T. de Camargo. Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades. In: CONGRESSO DA ANPPOM, 15., 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2005.
18
2.2 O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica
Os primeiros traços da penetração do jazz no Brasil datam do início do
século passado, vindos através da influência assimilada por músicos brasileiros em
excursões à França e aos Estados Unidos, em seu primeiro momento. Esse novo
gênero musical, que crescia como uma febre avassaladora e animava os salões de
dança no pós 1a. Guerra, na década de 1920, eram animados pelas Jazz bands,
formações instrumentais destinadas à dança. No Brasil, a primeira formação a
adotar o nome de Jazz band, foi a Jazz Band Brasil-América, liderada pelo
saxofonista João Batista Paraíso, em 1923, e era formada por: piano, violino,
saxofone, trombone, trompete, banjo e bateria. Encontrou aqui, entre seus primeiros
seguidores, músicos de corporações militares e orquestras de baile. Para Carlos
Calado13:
Não deixa de ser significativo que no ano de 1921 tanto já existia em São Paulo a Jazz Manon, banda que animava bailes sob a direção do violinista Dante Zanni, como no Rio de Janeiro, também nesse ano, a Jazz Band do Batalhão Naval registrava em disco sua versão “Home Agen Blues”. Justamente por disporem de instrumentos de sopro, esses músicos-militares figuram entre os primeiros a se interessarem pelo jazz. (CALADO, 2007, p. 235).
A “Era do Jazz”, febre do charleston, fox-trot, one-step e do shimmy, se
alastra pelo mundo. No Brasil, maxixes, tangos, sambas, choros orquestrados e fox-
trots eram executados por essas Jazz Bands em sintonia com esse novo frenesi da
dança e da música. “No Brasil não foi diferente. Jazz Bands proliferaram como
sinônimo e substituto das orquestras de baile, aventurando-se o mais rápido possível
no repertório dos novos gêneros e ritmos que surgiam.” (MELLO, 2007, p.72).
Essa influência foi trazida na bagagem de seu pioneiro e do grupo
instrumental brasileiro que mais sucesso alcançou no exterior nos anos 20, aquele
que seria, por uma transposição direta da figura, nosso primeiro grande jazzman
brasileiro: Alfredo da Rocha Vianna Júnior, o Pixinguinha. Em sua primeira turnê a
Paris, em janeiro de 1922, com seu conjunto “Os Batutas” (do qual Donga era
também integrante) teve, por seis meses, contato com o ragtime, o charleston e o
13 CALADO, Carlos. O jazz como espetáculo. São Paulo: Perspectiva, 2007.
19
shimmy, estilos da música popular norte-americana executados nos palcos
parisienses da época. Esse contato com as Jazz bands que por lá passaram
deixaram na carreira de Pixinguinha uma influência que nortearia em seguida toda
sua trajetória: a paixão pelo saxofone, que passaria alternar com a flauta em idade
mais avançada. No retorno do grupo ao país, Os Batutas passam a adotar então três
instrumentos tradicionais do jazz em sua formação: o saxofone, o banjo e a bateria,
e em 1923 passam a ser chamar Bi-Orquestra Os Batutas. No mesmo ano, já pode
ser encontrado em seu disco dois fox-trots de sua autoria: “Ipiranga” e “Dançando”.
Foram Inúmeras as Jazz Bands que surgiram no país, mais numerosamente
no eixo Rio-São Paulo, Porto Alegre e também no Nordeste. No Rio, a orquestra do
saxofonista Romeu Silva, representante da música dançante brasileira que
excursionou a Europa em 1925, já havia gravado, desde 1923, cerca de 137 discos
de 78 rpm pelo selo Odeon com sua orquestra Jazz Band Sul-Americana. Antes
disso, a orquestra carioca Andreozzi, liderada pelo violinista Eduardo Andreozzi já
havia gravado 21 discos também pela gravadora Odeon, entre 1919 e 1923. Ambas
orquestras passam a década de 1920 e 1930 entre a Europa, a Argentina e o Brasil,
excursionando, tocando em teatros e salões de dança.
Em São Paulo, a Jazz Band Manon dominou o cenário o cenário dançante
na década de 1920, chegando a multiplicar-se por vários grupos sob esse nome
(MELLO, 2007).
Em Campina Grande, o compositor, arranjador e pianista Capiba fundou,
em 1926, a Jazz Band Campinense Club. Mais tarde, quando se mudou para João
Pessoa fundou a Jazz Band Independência, que atuou de 1928 a 1930. Em 1931, o
mesmo Capiba, fundava em Recife aquela que seria conhecida com Jazz-Band
Acadêmica, formada exclusivamente por estudantes acadêmicos. Em Porto Alegre,
o flautista Albino Rosa fundou a Jazz Espia só.
Com o crack da bolsa de 1929 e a crise deflagrada nos Estados Unidos, a
Era do Jazz submergia para dar lugar a uma nova onda de dança que surgia em
proporções triplicadas, tanto no número de músicos nas orquestras, quanto em
número de salões de dança. Era a explosão do swing nos Estados Unidos e na
Europa. A Era do Swing inaugura também a era das Big bands, em lugar das antigas
Jazz bands. O jazz deixa então de ser uma expressão de predominância negra entre
seus frequentadores para se tornar também uma atividade de brancos, os novos
frequentadores dos salões de dança, que eram animados nos Estados Unidos por
20
lendárias Big bands como a Count Basie Orquestra, a orquestra de Duke Ellington,
Cab Calloway, Benny Goodman, entre outras.
Violinos, violas e violoncelos foram abolidos e os instrumentos de sopro foram aumentados, compondo seções que dialogavam entre si. Estabeleceu-se um naipe de três ou quatro trompetistas sentados na última fileira, e outro à sua frente, de dois ou três trombonistas, permitindo-se uma certa autonomia entre ambos. De outra parte o número de saxofones saltou para três, possibilitando a emissão de três notas diferentes, o que teoricamente é o mínimo necessário para formar um acorde. […] O naipe de saxes foi guindado á posição de destaque no palco, à frente dos demais.[…] A seção rítmica também foi alterada, fixando-se a guitarra no lugar do banjo e o contrabaixo acústico no da tuba.14
Esse fenômeno cultural fez com que os salões da dança se multiplicassem,
e o seu novo e crescente público superlotasse os bailes nos Estados Unidos. Essa
nova demanda impulsionou fortemente o crescimento da indústria fonográfica, da
radiodifusão, e do cinema, e a expansão do jazz na América e na Europa. Amilton
Godoy relata a sua história:
O rádio estava dando os primeiros passos. Ouvia a Rádio Nacional, e a primeira vez que ouvi o Oscar Peterson tocar jazz no piano foi na Voz da América, um programa que ia ao ar depois da meia-noite, com aquele chiado todo. “Me perguntava: como é que esse cara toca isso?”, porque estávamos mais acostumados com a música erudita. Mais tarde um pouco, ouvíamos também orquestras americanas; meu pai gostava muito de Tommy Dorsey, com aquele som maravilhoso que ele tirava do trombone. Ouvíamos também o Artie Shaw, Gleen Miller, que era um sucesso, Stan Kenton e, um pouco mais a frente, a orquestra de Count Basie com uma banda bem avançada de jazz. Os discos chegavam com muito atraso no interior do Brasil. Nasci em 1941 e a Guerra terminou em 1945; então, fui ouvir essas bandas e orquestras por volta de 1947, 1948. 15
No Brasil, as primeiras orquestras da década de 1930, que já não utilizavam
“jazz band” em seus nomes, foram montadas pela gravadora Columbia, que se
instalou no Largo da Misericórdia, em São Paulo, resultado da associação do
empreendedor paulista Alberto Byington com o americano Wallace Downey. Em São
14 MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Ed.34, 2007. p. 92. 15 GODOY, A. O nascimento da música instrumental brasileira. Revista Comunicação & entretenimento da USP, São Paulo, ano 12, n.3, p.92, set./dez. 2007.
21
Paulo, vários conjuntos sob a direção do maestro Odmar Amaral Gurgel foram
montados para servir à gravadora, mas a mais proeminente foi a Orquestra Colbaz,
dirigida pelo maestro que se tornou conhecido como Gaó. No Rio de Janeiro, a
orquestra Pan American, de Simon Bountmann, era usada desde 1927 para as
produções da gravadora e mantinha uma agenda repleta de bailes e gravações. Mas
foi só em 1937 que o Maestro Gaó monta sua orquestra totalmente moldada nas Big
bands americanas, desde a instrumentação até os figurinos: a Nova Orquestra
Columbia, executando arranjos do maesto para Ary Barroso, Noel Rosa, Sinhô,
tangos e fox-trots nos bailes dançantes, tiradas de ouvido pelo maestro dos discos
de Benny Goodman, Tommy Dorsey, Duke Ellington e Glenn Miller. Gaó atuou com
essa orquestra até 1940, quando foi levado para atuar no Cassino da Urca. Com a
mudança de Gaó para o Rio de Janeiro, Totó e sua Orquestra ocupou o espaço
vago deixado nesse mercado.
No Rio de Janeiro, a mais destacada orquestra surgiu no ano de 1938, do
saxofonista alagoano Otaviano Romeiro Monteiro, o Fon-Fon, com sua Orquestra
Fon-Fon. Outras importantes orquestras montadas por músicos virtuosos nessa
época são: a orquestra do clarinetista e compositor K-Ximbinho (Sebastião Barros) e
a orquestra Zacharias, do saxofonista e clarinetista Aristides Zacharias.
O período mais auspicioso das orquestras brasileiras, que durou quase um quarto de século, teve início por volta de 1936. No Rio, pelo menos oito emissoras mantinham orquestras regulares em seu cast, a saber: a Rádio Nacional, a Rádio Tupi, Rádio Mayrink Veiga, Rádio Transmissora, Rádio Cruzeiro, Rádio Club do Brasil e Rádio Ipanema, depois, Rádio Mauá. 16
Além das rádios e dos bailes, havia também, na década de 1940 no Brasil,
os cassinos, que somavam uma enorme demanda de orquestras e bons músicos.
Radamés Gnatalli, compositor, maestro, pianista e arranjador, um dos maiores
nomes da música brasileira, tanto no gênero erudito quanto popular, já atuava
fazendo arranjos para diversas orquestras da época, como a Fon-Fon, a Pan
American, e outras, além da atuação nas rádios, e seu trabalho como compositor.
Essa década foi marcada por grandes orquestras e grandes cantores com
suas vozes poderosas. Além disso, o mundo ocidental já havia descoberto o Brasil,
após os sucessos internacionais de Ary Barroso e Zequinha de Abreu, e se curvava
16 MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Ed.34, 2007. p.103.
22
aos pés de Carmem Miranda. Ademais dos bailes e das atuações em cassinos, vale
lembrar que essas orquestras também gravavam acompanhando cantores famosos
da época, como a própria Carmem Miranda, Francisco Alves, Mário Reis, Vicente
Celestino, entre outros.
O fechamento dos cassinos produziu, na época, um monumental estrago
na classe dos músicos profissionais no Brasil inteiro, mas apesar disso as orquestras
continuaram em franca atividade no final dos anos 1940 e por toda a década de 50,
atuando com assiduidade em bailes de formatura de colégios e universidades, em
emissoras de rádio, nas gafieiras e em táxi-dancings (MELLO, 2007). Os táxi-
dancings eram salões de dança frequentados por exímios dançarinos que iam em
busca das dançarinas de aluguel, que trabalhavam a noite inteira como fonte de
sustento, e se transformaram em local de propagação do jazz:
Enquanto brilhavam nas pistas os mais notáveis “pés-de-valsa”, nos seus palcos deitavam e rolavam grandes instrumentistas, que não tinham tido a chance merecida na restrita duração dos discos de então, os bolachões de menos de quatro minutos em cada lado. Como no jazz, seus solos eram aplaudidos por aqueles frequentadores mais antenados em música do que na tentativa de passar o final da noite com uma das bailarinas. 17
Outro local de atuação de grandes músicos foram as gafieiras, salões das
sociedades recreativas do Rio de Janeiro onde homens e mulheres em trajes de
passeio podiam entrar livremente. Frequentados em sua maioria por negros e
mestiços também foram palco de atuação de grandes orquestras, como a Elite
gafieira ou a famosa Estudantina. Nas gafieiras se dançava o samba, ou a música
de gafieira, dança oriunda do maxixe, como observou Tinhorão:
Para atender aos arabescos coreográficos desse estilo – que nas gafieiras nada mais representaria do que a evolução do empernamentos propiciados pela antiga dança do maxixe – os modernos músicos de orquestra tipo jazz bands, sucessores dos conjuntos de choro, acentuaram gradativamente as síncopas, imprimindo às músicas um ritmo tão saltitante,que em breve a dança de gafieira ficaria conhecida pelo seu puladinho. 18
Já segundo Zuza Homem de Mello, o choro de orquestra, por sua
proximidade com a dança carrega uma herança jazzística na sua execução. Um dos
músicos de maior virtuosismo e importância nesse metiér foi o trombonista Raul de
17MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Ed.34, 2007. p.103. 18 TINHORÃO (1976 apud CALADO, 2007. p.243).
23
Barros, compositor do choro “Na Glória”. Raul de Barros gravou seu primeiro disco
em 1948 e em menos de seis anos, havia gravado mais de 20 discos.
Para citar outras orquestras de grande atuação no eixo Rio-São Paulo, tais
como, Orquestra Clóvis e Elly, Orquestra de Silvio Mazzuca, Orquestra Oscar Milani,
Carioca e sua orquestra, Orquestra Edmundo Peruzzi, Orquestra Walter Guilherme,
Orquestra do Maestro Simonetti, a Orquestra de Carlos Piper, Cipó e sua orquestra,
entre outras. O nosso precioso clarinetista Paulo Moura, considerado em países da
Europa como “Embaixador da música instrumental brasileira”, relata um pouco da
influência jazzística na música brasileira em 1952, em sua própria experiência:
Ainda este ano participei da efervescência do jazz no Brasil, com o Maestro Cipó, Dick Farney e K- Ximbinho, sempre como primeiro saxofone nas grandes formações lideradas por eles, no Theatro Municipal e no Copacabana Palace. O Maestro Cipó fazia arranjos privilegiando os trompetes nos agudos, o que produzia um efeito brilhante, inspirado em Dizzy Gillespi e Stan Kenton, enquanto o K-Ximbinho escrevia os seus arranjos de uma maneira mais suave, usando instrumentos como violoncelo e oboé, meio cool jazz. Dick Farney, grande pianista, preferia o estilo de Dave Brubeck.19
Porém, existe uma orquestra, liderada pelo exímio clarinetista, compositor e
arranjador pernambucano Severino de Araújo que, desde o ano de 1938, conduz a
orquestra ainda em atividade mais antiga do mundo, a Orquestra Tabajara. Segundo
Zuza Homem de Mello, a Orquestra Tabajara é a maior responsável pela fixação do
gênero choro de orquestra como a música dançante genuinamente nacional,
legando composições de grande repercussão para a época e para a posteridade,
como “Um chorinho em aldeia” e “Espinha de bacalhau”. Por ela passaram grandes
músicos que fizeram parte da história do jazz brasileiro, como os saxofonistas Zé
Bodega, Paulo Moura, Juarez Araújo, Casé, entre muitos outros. Ainda citando Zuza,
os músicos das orquestras brasileiras, ao utilizarem o desenho harmônico das
composições para criarem suas próprias versões das melodias de outrem, estariam
fazendo jazz, por conta de seus vocábulos e atitudes.
As jazz bands brasileiras e as Orquestras foram, portanto, as primeiras
etapas do desenvolvimento do jazz no Brasil. Estabeleceram e cristalizaram padrões
musicais comuns e fixaram linguagens da música popular brasileira das décadas
19 MOURA, Paulo. Paulo Moura: biografia. Disponível em: http://www.paulomoura.com/sec_biografia.php. Acesso em: 05 ago. 2010.
24
seguintes. Na década de 1950 a influência do bebop, que encontrava seguidores
principalmente entre os músicos ávidos por se desenvolver, incentiva um estilo cada
vez mais virtuosístico de tocar. Esses mesmos músicos que se reuniam nessa época
para tocar jazz, também já começavam a ensaiar o que seriam os primeiros ventos
da bossa nova, tocando composições dos jovens Johnny Alf e Tom Jobim.
Nesta época eu ensaiava, nas tardes de sábado, em casa de minha família, na Rua Barão de Mesquita. O João Donato fazia as composições e eu ensaiava os sopros: entre eles, o Bebeto do Trio Tamba que ainda tocava saxofone. O baterista era o Everardo Magalhães Castro, Luiz Marinho no baixo acústico, João Luis no trombone. Johnnny Alf às vezes nos visitava para mostrar algumas composições, como "Rapaz de Bem". A Bossa Nova ainda não tinha estourado, mas já se anunciava no meio musical. Johnny Alf, que acabara de gravar seu primeiro disco solo, nos falava sobre um arranjador muito bom e desconhecido, o Tom Jobim. 20
Nesse mesmo ano, 1953, um trabalho inédito surgia em Los Angeles, a
semente daquilo que veio a ser conhecido como samba-jazz: o violonista Laurindo
de Almeida e o saxofonista Bud Shank gravaram o LP “Brazilliance”. Neste trabalho,
uma literal uma novidade revolucionária surgia: improvisações sobre o repertório
brasileiro em linguagem jazzística. Outro lançamento revolucionário precursor do
samba-jazz foi o LP “Turma da Gafieira”, com Altamiro Carrilho(flautas), Zé Bodega
e Maestro Cipó (saxes-tenor), Raul de Souza (trombone), Sivuca (acordeão), Baden
Powell (violão), José Marinho (baixo) e Edison Machado (bateria). 21
Nessa nova atmosfera, surgia um ambiente musical mais comprometido
com a busca de novas linguagens, que exprimissem um maior virtuosismo dos
músicos, e mesclassem novos elementos. Novas formações instrumentais surgiam
com o objetivo de tocar jazz e com elas, o samba-jazz se consolidava como um novo
estilo que mesclava o samba e a bossa nova com o jazz, cujo termo é adotado ainda
hoje. Segundo Godoy:
Os bons músicos sempre procuraram desenvolver novos e criativos caminhos para poder expor sua musicalidade. Desde antes da bossa nova, em 1958, alguns excelentes instrumentistas já se antecipavam na busca de uma linguagem jazzística brasileira. Tive a oportunidade de tocar durante dois anos no Quinteto de Jazz do Casé – apelido de José Ferreira Godinho Filho, considerado o melhor saxofonista daquela geração e grande
20MOURA, Paulo. Paulo Moura: biografia. Disponível em: htto://www.paulomoura.com/séc_biografia.php Acesso em: 05 ago. 2010. 21 RAFAELLI, José Domingos. A história do samba jazz. Disponível em: http://ensaios.musicodobrasil.com.br /josedomingosraffaelli-ahistoriadosambajazz.htm. Acesso em: 12 ago. 2010.
25
precursor desse caminho musical, que acabou sendo denominado de samba-jazz. O estilo pressupunha composições com suingue (balanço) brasileiro, muitas improvisações com temas sustentados por sofisticadas harmonias e com grande variedade rítmica totalmente inspirada em nossas raízes e em nosso folclore. Conseqüentemente, o músico precisava ter vasto conhecimento musical e total domínio do seu instrumento para poder participar dessa proposta . 22
A interação dos músicos que já haviam assimilado as inovações musicais
da bossa nova e do jazz acontecia na noite do Rio de Janeiro e de São Paulo, e
resultava na busca de novas linguagens, mixando elementos musicais e
experimentando novas formações instrumentais. Ronaldo Bôscoli (apud CALLADO,
2007, p. 245), em depoimento dado a José Eduardo Homem de Mello, elucida muito
bem sobre a questão da influência do jazz:
Acho que a formação de quase todo mundo da bossa nova é de jazz. Aliás, formação benéfica, pois é a maior expressão popular de todos os tempos. Detesto esta distinção de autêntico. Autêntico, como diz o Tom, é o jequitibá. Ninguém é autêntico. Todas as correntes se interligam, se comunicam. Se buscarmos as raízes reais da coisa, teremos que fazer música de índio: bateria não é brasileira, pandeiro não é brasileiro. Menescal e Lyra, todos tiveram grande contato com o jazz.
A partir do ano de 1958, uma mudança começa a ocorrer, com a batida do
violão de João Gilberto ecoando pelo mundo e o boom da bossa nova: as novas
casas noturnas frequentadas pelos consumidores da música ao vivo, nas boates e
nos bares (por exemplo, o Beco das Garrafas ou o Cantinho da Fofoca), estão mais
em sintonia com o ambiente intimista que surgia. Foi nessa época que muitos
músicos, que posteriormente seriam representativos da vanguarda do Brazilian Jazz
da década de 1970, iniciaram suas carreiras. Nesse novo momento da música
popular brasileira uma característica fundamental a distingue da fase anterior: a
bossa nova não é mais para dançar, e sim para ouvir. Todo o excesso que outrora
caracterizava a escola de canto da música popular brasileira fora substituído por
uma atitude mais introspectiva, contida, econômica.
A interação de músicos americanos com a bossa nova nesse período
também foi fundamental: segundo Rafaelli, em março de 1962, o saxofonista Stan
22 GODOY, A. O nascimento da música instrumental brasileira. Revista Comunicação & entretenimento da USP, São Paulo, ano 12, n.3, p.92, set./dez.2007.
26
Getz, com o LP "Jazz Samba" com o quarteto do guitarrista Charlie Byrd alcançou a
marca de venda de um milhão e 600 mil cópias na primeira semana. 23
Os trios de Bossa nova se tornaram então uma febre no Rio e em São
Paulo. O Zimbo Trio, formado em 1964 pelo pianista Amilton Godoy, o baixista Luiz
Alves e o baterista Rubens Barsotti, alcançou estrondoso sucesso desde seu
primeiro disco lançado, intitulado Zimbo Trio, alcançando o primeiro lugar em vendas
de discos no Brasil, ficando por seis meses nas paradas de sucessos, e alcançando
cotação máxima na maior revista americana especializada em jazz, a Downbeat.
Participou da primeira edição do Free Jazz Festival, festival internacional que
aconteceu de 1985 a 2001 no eixo Rio-São Paulo e Porto Alegre-Curitiba. Marcos
Ariel, em entrevista para o presente trabalho, afirma a respeito da bossa nova:
Porque uma das grandes forças da bossa nova era o lado instrumental, o Tom Jobim mesmo compunha a maioria das músicas: ele fazia os temas, depois vinha alguém e botava letra, e tinha a força dos trios da bossa nova, era muito forte [...] aqueles grupos da bossa nova.
Na trilha do Zimbo Trio, vieram outros trios formados por músicos não
menos competentes, como Jongo Trio (Cido Bianchi- piano, Sabá – baixo e Toninho
– bateria), Tamba Trio (Luiz Eça – piano, vocal e arranjos, Bebeto Castilho – baixo,
flauta e vocais e Hélcio Milito – bateria, percussão e vocais), Sambalanço Trio
(César Camargo Mariano – piano, Humberto Cláiber – baixo e Airto Moreira –
bateria), o Bossa Três do pianista Luiz Carlos Vinhas, entre outros. Esses trios
ajudaram a sedimentar o Samba-jazz, e aquilo que mais tarde seria chamado de
Brazilian Jazz.
A partir de 1965, quase todos os maiores compositores da bossa nova já
haviam se mudado para os Estados Unidos, e a Jovem Guarda, a música do iê-iê-iê,
era a febre que assolava o país.
[...] muitos da Bossa Nova – Tom, Bonfá, João Gilberto, Eumir Deodato, Oscar Castro Neves, Sérgio Mendes, Walter Wanderley – preferiram mudar-se para os Estados Unidos, alguns por longas temporadas, outros para ficar, Pela primeira vez, uma geração inteira de músicos brasileiros era confrontada com o dilema de Dick Farney.24
23 RAFAELLI, José Domingos. A história do samba jazz. Disponível em: http://ensaios.musicodobrasil.com.br/ josedomingosraffaelli-ahistoriadosambajazz.htm. Acesso em: 12 ago. 2010. 24 CASTRO, Ruy. Chega de saudade. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 391.
27
É certo que a emigração de expoentes brasileiros no final da década de
1960 para os Estados Unidos pode ter causado um desfalque no casting musical
brasileiro, mas causou também uma importante interação entre a música brasileira –
diga-se de passagem, objeto de muita admiração nesse país - e os músicos
americanos interessados em assimilar essa nova bossa.
A seguir, traço a trajetória de alguns artistas que, no final da década de
1960 levaram a música brasileira, instrumental e vocal, para estrear em Festivais de
jazz europeus e gravações nos Estados Unidos, exportando a vanguarda do
Brazilian jazz. Durante a década de 1970, a música popular brasileira
contemporânea, como foi também chamada nesse período, se enriquece de
experimentalismos, tangendo diferentes linguagens, se diferenciando de correntes
anteriores como a bossa nova e o bebop, se aproximando de elementos
nacionalistas, e buscando uma nova autenticidade.
O baterista e percussionista Airto Moreira, depois de atuar na noite de São
Paulo desde os dezesseis anos, integrando o Sambalanço Trio com Cesar Camargo
Mariano e o Quarteto Novo com Hermeto Paschoal, foi se juntar a sua futura mulher,
a cantora Flora Purim, em 1967, nos Estados Unidos. A partir de Nova York,
construiu uma das carreiras mais coroadas de êxito da história de músicos
brasileiros, tendo tocado e gravado com os maiores ícones do jazz, como: Miles
Davis, Wayne Shorter, Dave Holland, Jack de Johnette, Chick Corea, entre muitos
outros, e ainda, tendo trabalhado como produtor e bandleader com Quincy Jones,
Herbie Hancock, George Duke e Paul Simon. Ficou conhecido nos anos 1970 e
1980 como um dos percussionistas mais populares do mundo. Seu trabalho como
percussionista influenciou dezenas de músicos no Brasil e no mundo, e ao lado de
Flora Purim, é um dos grandes representantes do gênero Brazilian Jazz.
A cantora Flora Purim, que se mudou para os Estados Unidos em 1967, já
havia gravado um disco solo no Brasil em 1964, pela RCA Victor, e frequentado o
efervescente Beco das Garrafas. Trabalhou ao lado de Stan Getz e Gil Evans, e no
início da década de 1970 integrou o conjunto Return to forever, excursionando pelos
Estados Unidos. Em 1973 partiu para a carreira solo tendo lançado nove discos ao
longo dessa década, ao lado de Chick Corea, Hermeto Paschoal, Carlos Santana e
muitos outros. Foi eleita a melhor cantora de jazz dos Estados Unidos por quatro
anos consecutivos, de 1974 a 1977. Nos anos 1980, a maior parte da sua
discografia foi ao lado de seu marido, Airto Moreira, e convidados. Em setembro de
28
1990 voltam ao Brasil para, no Rio e São Paulo, integrando a United Nations
Orchestra, liderada por Dizzy Gillespie, participando do Free Jazz Festival.
Hermeto Paschoal é, sem dúvida, um dos nomes mais importantes a serem
mencionados na trajetória da música brasileira e do Brazilian Jazz. Tendo chegado
no Rio de Janeiro em 1958, tocou sanfona no Regional de Pernambuco do Pandeiro
(na Rádio Mauá), piano no conjunto e na boate do violinista Fafá Lemos e, em
seguida, no conjunto do Maestro Copinha (flautista e saxofonista), no Hotel
Excelsior. Em 1961 mudou-se para São Paulo atraído pelo mercado de trabalho e
atuou em diversas casas noturnas. Formou nessa década um trio com o baterista
Airto Moreira e Cleiber no baixo, o Sambrasa Trio, aonde já tocava flauta também.
Mas foi com o “Quarteto Novo” que Hermeto chamou a atenção do país para sua
linguagem inovadora, tocando piano e flauta ao lado de Heraldo do Monte na viola e
guitarra, Airto Moreira na bateria e percussão e Théo de Barros no baixo e violão.
Venceram um Festival com “Ponteio”, de Edu Lobo, e Hermeto ganhou diversos
prêmios como arranjador. Em 1969 viajou para os EUA e gravou com eles dois LPs
a convite de Flora Purim e Airto Moreira, atuando como compositor, arranjador e
instrumentista. De volta ao Brasil, gravou o LP "A música livre de Hermeto Pascoal",
com seu primeiro grupo, em 1973. Em 1976 retorna para os Estados Unidos para
gravar o álbum “Slave Mass”, um álbum referencial da música brasileria, e mais
alguns trabalhos com Flora e Airto.
A partir daí, Hermeto se torna figura indispensável em festivais de jazz do
mundo todo, e sua genialidade e excentricidade são reconhecidas na Europa e nas
Américas. A década de 1980 foi extremamente frutífera em sua carreira, tendo
lançado seis álbuns, com o grupo que o acompanharia por toda essa década, e
adentrando a de 1990, sendo: Itiberê Swarg no baixo, Jovino Santos no piano,
Carlos Malta nos sax e flauta, Márcio Bahia na bateria e percussão e Pernambuco
na percussão. Em 1987, se apresenta com seu grupo no Free Jazz, no Rio e em
São Paulo. Em 1992, viaja à Europa para o lançamento do LP “Festa dos Deuses”.
De 1996 a 1997, registra uma composição por dia para seu “Calendário do Som”,
lançando em 1999. Continuou produzindo ao longo da década de 2000, e a partir de
2002, quando conhece a cantora Aline Morena, com passa a residir, monta com ela
um trabalho de duo, lançando um CD e DVD intitulados, “Chimarrão com rapadura”.
Sua música, de linguagem livre e inovadora, é fonte de influência e inspiração para
músicos do mundo inteiro.
29
Egberto Gismonti, outro músico representativo do Brazilian jazz, conhecido
por seu virtuosismo e perfeccionismo, também iniciou sua carreira sobre a influência
da bossa nova, lançando seu primeiro disco, em 1969, Egberto Gismonti. Nos anos
1970, Egberto se volta para a música instrumental, realizando experimentações no
campo música atonal, o que dificultou sua relação com o mercado brasileiro,
levando-o a realizar diversos lançamentos por selos europeus. Sua música mescla
raízes da música folclórica brasileira com o erudito, o choro e a música eletrônica,
divididas em diversas fases. Violonista, compositor e arranjador de primeira linha,
Egberto se manteve na Europa, vindo ao Brasil somente para realizar shows e
participar de festivais, e possui, em sua discografia, mais de 60 discos lançados em
três décadas. Egberto, na década de 1980, recomprou os direitos de suas
composições, tornou-se um dos únicos compositores do país dono de seu próprio
acervo, e relançou uma parte de sua discografia pelo seu próprio selo, Carmo.25
Em 1976 é um dos principais artistas do Projeto Trindade, da diretora Tânia
Quaresma e do músico Luiz Keller.
O sucesso da carreira de Sérgio Mendes, desde o lançamento de Sérgio
Mendes & Bossa Rio, disco considerado básico no instrumental da bossa nova em
1964, até o sucesso alcançado no Brasil e no exterior com “Brazil´66” e
posteriormente “Brazil´77”, também podem ser considerados elementos formadores
do contexto musical brasileiro da década de 1970, mesmo que esse sucesso tenha
acontecido praticamente no exterior. Sérgio Mendes lançou, apenas na década na
década de 1970, a marca de 14 LPs! Sua música influenciou a geração de 1970 e
abriu caminho para a música brasileira contemporânea, resultado de uma fusão de
elementos da bossa nova, do samba e do jazz.
O maestro, arranjador, clarinetista e saxofonista Paulo Moura é sem dúvida,
um dos maiores ícones da música brasileira por seu virtuosismo e versatilidade, e
esteve presente em todas as fases música instrumental brasileira desde a década de
1950, tanto na esfera erudita, quanto popular. Ainda em 1959 entra como primeiro
clarinetista para a orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde se mantém
até o ano de 1978. Em 1969 inicia uma estreita amizade com o maestro e pianista
Wagner Tiso, e, ao lado também do baterista Paschoal Meireles e do baixista Luiz
Alves, lança o LP “Paulo Moura e Quarteto”, pela gravadora Equipe, aproveitando
25 Egberto Gismonti. Disponível e: http://pt.wikipedia.org/wiki/Egberto_Gismonti. Acesso em: 23 jul. 2010.
30
um momento da retomada do jazz agora para um público mais amante e sofisticado.
Em seguida integram o grupo o saxofonista Oberdan Magalhães, o trombonista
Constâncio e o trompetista Darcy da Cruz (depois substituído por Márcio
Montarroyos) formando o Hepteto Paulo Moura, que lança no mercado mais três
LPs: “Mensagem”, “Pilantocracia” e “Fibra”. Nesses trabalhos já se pode perceber
nitidamente o espírito dos músicos da década de 1970, que já se queriam se
desprender das sonoridades da década anterior e buscavam uma mistura que já
seria a vanguarda do Brazilian jazz. O próprio Paulo Moura relata: “Estes trabalhos
tinham intenção de dar seqüência a um som instrumental da bossa nova, inspirado
na sonoridade dos Jazz Messengers e Horace Silver.”26 Em 1976, Paulo Moura
lança o LP “Confusão urbana suburbana e rural”, pela RCA Victor, que é
considerado um marco na música instrumental brasileira contemporânea, pela
mistura da percussão afro-suburbana a instrumentistas de sopros de Big bands e
aos chorões. Apesar do sucesso deste LP, a RCA-Victor revogou o contrato com
Paulo Moura, em 1977, por razões desconhecidas. Em 1981, porém, grava pela
Gravadora Kuarup (gravadora que atuava no segmento da música instrumental
nessa época), o LP “Consertão”, ao lado de Heraldo do Monte no violão, Arthur
Moreira Lima ao piano e o cantor Elomar Figueira de Mello. Na década de 1980,
Paulo estreita sua relação com a gafieira, e se torna o referencial da vertente
contemporânea do gênero até o final de sua vida. Em 1984:
"Mistura e Manda”, gravado pela Kuarup, torna-se uma referência nacional e internacional, tal como anteriormente "Confusão Urbana Suburbana e Rural", ao reunir um repertório dançante de Gafieira, com uma mescla de instrumentistas e gêneros musicais: Zé da Velha (trombone), Mané do Cavaco (cavaquinho), Jorginho do Pandeiro, Maurício Carillho (violão), Raphael Rabello (sete cordas), Cesar Farias (violão) e Joel do Nascimento (bandolim). A esta formação tradicional de choro, Paulo Moura acrescenta mais dois cavaquinhos (Carlinhos do Cavaco e Jonas Pereira) e dois percussionistas (Neoci de Bonsucesso e Jovi Joviniano), registrando assim sua concepção de choro afro-brasileiro, choro negro.27
Em 1986, lança outro LP pela Kuarup, Gafieira etc. e tal, com o grupo que
se apresentava nas gafieiras do Parque Lage, e se apresenta na segunda edição do
Free Jazz Festival. Em 1988 lança o LP, também pela gravadora Kuarup, “Quarteto
26 Paulo Moura. Disponível em: http://www.paulomoura.com/sec_biografia. Acesso em: 06 ago. 2010. 27 Ibid.
31
negro”, com Jorge Degas (baixo), Djalma Corrêa (percussão) e Zezé Motta (atriz e
cantora). Paulo Moura segue a década de 1990 trabalhando com a mesma
versatilidade das décadas anteriores. Em 1996 o selo Tom Brasil lança “Paulo Moura
e Wagner Tiso”, uma compilação de interpretações ao vivo de ambos durante as
excursões da Série “Brasil Instrumental CCBB". Paulo Moura teve uma carreira
extremamente produtiva ao longo de sua vida, e nem todas as suas gravações e
realizações foram citadas aqui, mas aquelas mais representativas do período
estudado.
32
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
3.1 Seleção dos sujeitos, amostra e coleta de dados
O capítulo que se segue relata a trajetória desta pesquisa e da metodologia
aplicada, que se iniciou com a leitura do livro de André Midani, no mês de junho de
2010, no Rio de Janeiro. Já era do conhecimento da pesquisadora na ocasião a
ausência de bibliografia sobre o Brazilian jazz, e que a pesquisa, de caráter pioneiro,
teria que ser realizada então por meio de uma investigação de campo, o que
pareceu o instrumento mais eficaz.
Em seguida à leitura do livro de André Midani, outros livros que foram
fundamentais para instrumentalizar melhor a respeito da trajetória da música
brasileira e seus gêneros, e da indústria fonográfica: além dos que já foram
relacionadas no capítulo Referencial teórico deste trabalho, inclui-se Ouvindo
estrelas, do megaprodutor Marcos Mazzola, e Chega de saudade, de Ruy Castro.
Uma vez definida que a metodologia adotada seria o trabalho de campo
realizado através de entrevistas semi-estruturadas em profundidade, percebeu-se
que a coleta de dados teria que se dar in loco e ser heterogênea: os sujeitos
deveriam possuir similaridade por serem provenientes do mesmo meio, mas serem
distintos quanto às suas profissões, para que se pudesse buscar a comprovação da
hipótese através de diferentes vivências e ângulos de visão. Essa seleção foi feita
na busca de uma maior abrangência de opiniões a respeito do impacto das
multinacionais como fator modificador do mercado percebida por diferentes
profissionais de uma mesma área e atuantes na mesma época.
O primeiro passo então foi elaborar uma primeira lista de nomes a serem
entrevistados, dentre os próprios contatos pessoais da autora e outros que seriam
importantes. O objetivo era o de realizar uma investigação empírica realizada por
meio de entrevistas com profissionais do meio musical em geral, que tivessem sido
agentes participantes desse mercado a partir da década de 1970 na cidade do Rio
de Janeiro, para descobrir quais foram os fatores que desencadearam a
desaceleração do mercado de Brazilian Jazz no início da década de 1990.
33
Para cada entrevistado foi elaborado um roteiro contendo entre nove e
onze perguntas, a partir de um estudo prévio de seu currículo, contribuições e
trajetória. O roteiro pautou a entrevista, que foi conduzida de forma parcialmente
estruturada, composta de perguntas abertas e fechadas. As questões fechadas
tiveram o propósito de dar objetividade à pesquisa, enquanto as abertas buscaram
valorizar o discurso do entrevistado. A questão central sob a qual se apóia a
hipótese, ou seja, a idéia de que a nova estratégia que as gravadoras multinacionais
passaram a aplicar no mercado brasileiro a partir da década de 1990 tendo
impactado profundamente o mercado do Brazilian jazz, foi a única questão comum a
todas as entrevistas. As entrevistas foram gravadas em uma handycam digital, com
prévia autorização do entrevistado, e serão, após a análise, arquivadas. Os roteiros
de cada entrevista se encontram em anexo.
Para a seleção dos sujeitos foi realizada uma mesclagem de duas fontes:
a primeira, a seleção feita dentre os próprios contatos da autora e a segunda, o
escopo “bola-de-neve”, ou seja, a indicação de importantes contatos que foram
sendo feitas pelos entrevistados, ao longo das entrevistas. Foram realizadas no total
doze entrevistas. Não foi definido para essa pesquisa um número exato de
entrevistas para seu encerramento, dado que o escopo das entrevistas em
profundidade era de caráter qualitativo. Essa segunda parte talvez tenha sido a mais
importante do trabalho, uma vez que, sem ela, não teria havido possibilidade de
acesso a alguns personagens de notável importância como o crítico e historiador
Zuza Homem de Mello, ou o empresário Manolo Camero, ex-presidente das
gravadoras Tapecar, RCA e BMG-Ariola e ex-presidente da ABPD (Associação
Brasileira de Produtores de Discos). A distinção acerca das fontes foi pensada com o
objetivo de fornecer vivências, percepções e ângulos de visão distintos acerca do
mesmo objeto: foram ouvidos músicos, produtores, empresários e historiadores
atuantes no cenário da música brasileira nas décadas de 1980 e 1990.
A primeira entrevista realizada foi com a pianista/cantora/arranjadora
/compositora Délia Fischer. Délia foi atuante nesse mercado com o trabalho que
veiculava na época intitulado Duo Fênix, ao lado do pianista Cláudio Dauelsberg,
com três discos lançados nesse mercado pela gravadora RCA. Délia Fischer indicou
o nome de André Gardenberg, ex-produtor do Festival Free Jazz, em todas as suas
15 edições, com quem apesar de não ter concedido uma entrevista formal – travou-
se conversas informais sobre o assunto, além da indicação gentilmente do nome de
34
Zuza Homem de Mello, Em seguida, sucedeu-se a entrevista do pianista/compositor
Marcos Ariel, nome representativo do gênero Brazilian jazz na década de 1980 com
vários discos lançados no mercado à época, criador e diretor musical da casa de
shows Jazzmania. Essa casa foi um importante espaço localizado em cima do
restaurante Barril 1800, no Arpoador na década de 1980, dedicado a atrações
nacionais e internacionais do gênero, tendo sido ponto de encontro de grandes
músicos entre 1982 e 1996. Marcos Ariel gentilmente cedeu os matérias de jornal
que ilustram este trabalho.
A partir de então, vieram os músicos Wilson Meirelles, Mike Ryan, Jurim
Moreira e Cláudio Dauelsberg, A entrevista do Sr.Manolo Camero proporcionou a
análise da trajetória de um trabalho artístico da época, o Duo Fênix, numa visão
bilateral: de um lado, a visão dos músicos desse trabalho, também entrevistados,
Délia Fischer e Cláudio Dauelsberg; de outro, a visão do empresário da gravadora.
Sua contribuição foi valiosa no ponto de vista dos empresários das gravadoras,
fornecendo um ângulo distinto na visão do aspecto mercadológico da questão.
Nesse meio tempo, foi realizada também a entrevista da experiente produtora
Valéria Colela, que atua desde a década de 1970, com produções tanto na área de
MPB como na área instrumental, e, atualmente, é produtora da casa de shows
Canecão. Em seguida o pianista e arranjador Gilson Peranzzetta me recebeu para
uma entrevista em sua casa, da qual participou também gentilmente a produtora
Eliana Fonseca, experiente produtora na área de Brazilian jazz desde a década de
1970, produtora dos shows no antigo Parque da Catacumba, tradicional por seus
shows de música instrumental. Em seguida, o entrevistado foi o já citado Sr. Manolo
Camero. A entrevista seguinte foi realizada na cidade de São Paulo, no apartamento
do jornalista/critico/historiador de música, Zuza Homem de Mello, tendo produzido
resultados bastante enriquecedores para uma visão geral do assunto.
3.2 Análise do material produzido e aspectos éticos
Metodologia de análise do material
A análise do material produzido se deu em três etapas: a decupagem, a
categorização e a construção do texto final. A primeira etapa consistiu em assistir
35
aos vídeos da entrevistas, decupando os assuntos, marcando os tempos e anotando
citações mais relevantes para a resposta as questões suscitadas ao longo da
construção da análise dos resultados. Em seguida, foi feita uma revisão das citações
anotadas, transcrevendo-as nas categorias determinadas: espaços destinados ao
Brazilian jazz nessa época, atuação da indústria fonográfica, perda dos espaços,
percepção dos entrevistados acerca do Free Jazz e da atuação dos próprios artistas,
e outras que se mostraram especialmente importantes. E a última etapa, a
construção da discussão tendo como base os assuntos abordados nas diversas
entrevistas, e as citações transcritas, sem abusar ao mesmo tempo de sua utilização
no texto.
Aspectos éticos
Alguns cuidados éticos foram tomados ao longo desse trabalho:
• Não comentar falas ou opiniões de um entrevistado para outro.
• Não colocar a opinião da entrevistadora ao entrevistado.
• Respeitar qualquer desejo de apagar ou retirar determinada fala da câmera,
durante a entrevista ou mesmo posteriormente a ela (felizmente, isso não
aconteceu em nenhum momento).
• Requisitar, no momento da entrevista, a assinatura do TCLE (Termo de
Compromisso Livre e Esclarecido). Todos os termos se encontram assinados
em anexo ao presente trabalho.
• Confirmar a autorização do entrevistado em citar seu nome no ato do contato
junto a outro entrevistado por ele recomendado.
• Arquivar o material produzido, mantendo-o confidencial e não cedendo-o para
terceiros nem fazendo qualquer outra utilização que não fosse para essa
pesquisa sem prévia autorização por escrito do entrevistado.
36
4 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS RESULTADOS:
O MERCADO
4.1 O Cenário a partir de 1970
4.1.1 As tendências herdadas e consolidadas na indústria fonográfica
A década de 1970 foi muito profícua para a indústria fonográfica no Brasil.
Nesta década, as gravadoras cresciam a uma taxa média anual de 15% (MORELLI,
2009, p.61), e o mercado tomava algumas diferentes direções com relação a década
anterior, em função das transformações políticas e econômicas que se
desencadearam a partir de 1968.
O contexto da repressão política em que o país se encontrava,
desencadeado a partir da implantação do AI-5, em 1968, foi para o mercado da
música no Brasil, um vetor que propiciou uma mudança de direção decisiva, direção
essa que vinha sendo impulsionada pelos ventos do desejo de transformações
político-sócio-culturais que algumas das tendências da música popular brasileira
vinham apresentando, com Geraldo Vandré, Chico Buarque e outros artistas da
MPB, na linha das canções de protesto. E com a Tropicália, no conceito de que a
linguagem estética já é ela própria um instrumento social revolucionário. Esse
cenário do final da década de 1960 iria logo se dividir e apontar as tendências
consolidadas na década de seguinte:
Depois do festival da Record, com o lançamento dos Lps de Gil e Caetano, com suas entrevistas desafiadoras, suas apresentações anárquicas na TV, não havia mais nenhuma dúvida que alguma coisa forte estava acontecendo, em sintonia com Glauber e Zé Celso e em rota de colisão com a música de Edu, Chico, Dory, Francis, Vandré e Milton.28
A rota de colisão a que se refere Nelson Motta é a MPB versus Tropicália.
Porém, essa divergência estilística não irá fazer muita diferença um pouco mais
28 MOTTA, Nelson. Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.168.
37
adiante, tanto de um lado como de outro. O que de fato passou a comandar foi a
censura, e o que se definiu no cenário da MPB a partir da implantação do AI-5 não
podia fazer frente ao sistema vigente até meados de 1970. Os anos da ditadura
vieram a sufocar toda uma produção de música popular brasileira que oferecesse
alguma forma de oposição ao regime militar, exilando artistas, censurando obras, e
desmantelando qualquer organização que pudesse apresentar algum tipo de voz
contra o sistema então estabelecido. Ora, a MPB que apareceu nos festivais dos
anos finais da década de 1960 estava inserida num ambiente de debates, trocas e
encontros, e é dessa forma que ela surgiu coesa no país. Com seu
desmantelamento pela máquina da ditadura, a indústria fonográfica se vê também
obrigada a procurar soluções para seus mercados. Por essa razão, a indústria
fonográfica adentra a década de 1970 na busca por novas tendências, que não se
utilizassem letras de protesto e que não estivessem articuladas, possíveis de se
veicular em um mercado dominado pela repressão política.
Uma dessas tendências foi a Jovem Guarda, o iê-iê-iê de Roberto e
Erasmo, que na década de 1960 ganha espaço e força na virada dos 1970, pelo seu
esvaziamento de comprometimento político-social.
No vácuo da ditadura outra tendência se estabelece: Wilson Simonal
explode pelo país, alcançando estrondoso sucesso no mercado com sua música
cheia de groove, influenciada pelo funk e soul music norte-americanos. Porém, o
lugar de grande embaixador da soul music no Brasil a partir dessa década estaria
reservado para Tim Maia, que explode à nível nacional, um pouco mais tarde, seu
primeiro mega sucesso “Descobridor dos sete mares”, hit nas paradas de sucesso
até os dias de hoje.
As gravadoras viram no Brasil um promissor mercado nesse segmento e, ao
final da década de 1960, razões econômicas definem essa tendência que se
estabeleceu: era muito mais fácil para as grandes gravadoras lançarem no Brasil
produtos que já haviam sido gravados no exterior, importando apenas a master, que
entravam no país como “amostras sem valor comercial”, do que arcar com as
despesas de gravação de um disco aqui. Apesar dessa prática ser ilegal no país, ela
foi tolerada pelas autoridades competentes da época (MORELLI, 2009).
Além disso, seu custo mais baixo de produção produzia também um produto
com um custo inferior ao LP, acessível ao consumidor jovem das classes mais
humildes, de menor poder aquisitivo. Para essa nova faixa de público, que não tinha
38
dinheiro para comprar LPs, o produto mais consumido passa a ser o Compact Disc,
que vinha com apenas uma música de cada lado.
É muito importante nesse ponto verificarmos essa característica de
consumo: o consumidor que ouvia seu sucesso preferido na sua rádio habitual
encontrava nesse produto uma possibilidade real de consumo, pois o produto
oferecia exatamente a música que ele desejava, por um custo que ele podia pagar.
Nessa relação, a efemeridade do sucesso do hit deve ser proporcional à capacidade
da indústria de lançar novos produtos, que por sua vez deve ser proporcional à
velocidade do público em consumi-los. Essa espiral só tende a se acelerar cada vez
mais, e a engordar com cada vez mais investimentos. Prova disso é o volume
crescente de participação desse segmento durante a década de 1970: no primeiro
semestre de 1972, quatro dos cinco primeiros lugares dos Compact Discs mais
vendidos no país são de música estrangeira, e, entre 1972 e 1975, o total de
lançamentos de música estrangeira atinge a média de 47% dos lançamentos totais.
A música estrangeira está presente no país desde o início da instalação das
indústrias fonográficas no Brasil, porém, é na década de 1970 que seu crescimento
de vendas assume proporções galopantes. No mês de abril de 1978, ultrapassa a
marca de 53% dos lançamentos (ABPD apud MORELLI, 2009). Nesse mesmo ano
encontra seu auge (ano do encerramento do AI-5), e estoura com a febre da
discoteca, lançada pelo filme de John Travolta, “Os embalos de sábado à noite”, e
“reproduzidas em versão brasileira pela gravadora WEA, com as Frenéticas, e pela
Rede Globo de Televisão com “Dancin Days”. (MORELLI, 2009, p.69).
É importante lembrar também que esse produto era extremamente
conveniente ao ambiente político-social da ditadura, e representava para as
gravadoras um investimento seguro nesse terreno. A escolha pela música americana
também não foi aleatória: essa era a origem da maioria das multinacionais instaladas
no país à época, e a consolidação desse mercado também será, na segunda
metade dessa década, razão da instalação de novas multinacionais.
Portanto, no início da década de 1970, no auge dos anos da ditadura, a
indústria fonográfica americana, ao dar continuidade a seu processo de expansão de
mercado para além de suas fronteiras, encontra no brasileiro um consumidor em
potencial para seus produtos, não só importando as masters, como também
fabricando artistas aqui, que mesmo sendo brasileiros se fazem passar por
39
americanos, ajudando a ampliar significativamente o público consumidor de discos
no país, e alavancar o crescimento da indústria fonográfica nessa década.
A consolidação da música americana no mercado brasileiro é irreversível e
sua considerável participação no mercado fonográfico prossegue até os dias de
hoje, a despeito do fim da indústria fonográfica nos moldes anteriores. As razões
para esse processo de hibridização cultural fogem, entretanto, aos objetivos dessa
pesquisa.
Paralelamente, o segmento de Música Popular Brasileira também estava
em crescimento no início da década de 1970. Apesar do cenário sombrio que a
ditadura impôs, causando nas gravadoras uma incerteza quanto aos riscos de se
investir em artistas engajados politicamente, e os festivais tivessem encerrado o
melhor capítulo de sua história em 1972 - com exceção da Phono73, festival sem
caráter competitivo produzido pela gravadora Phillips com seu cast de estrelas da
MPB em ocasião da inauguração do Complexo do Anhembi, em São Paulo, numa
ação ousada contra a ditadura. De acordo com o jornalista Tom Cardoso: “o festival
reuniu uma constelação de talentos da MPB e foi um verdadeiro soco no estômago
da ditadura.”29
Um dos fatores primordiais que propiciaram esse crescimento é relatado
na entrevista do Sr. Manolo Camero, ex-presidente das gravadoras RCA e BMG-
Ariola e da Associação Brasileira de Produtores de Discos: “na ocasião da ditadura
militar, na segunda metade da década de 1960, a mudança da legislação permitindo
o uso do ICMS em favor de artistas, compositores e músicos brasileiros, tanto nas
rádios quanto nas vendas de produtos musicais, foi o incentivo fiscal que fez, em dez
anos, um mercado dominado predominantemente pela música estrangeira
(americana, primeiramente) vir a ter a música brasileira acima da música
internacional, em termos de vendagem e circulação”.
Essa mudança da legislação em meados de 1960 vai acelerar o mercado
de música brasileira na década seguinte. Nesse período, porém, nos anos finais da
década de 1960, o empresário André Midani, gerente-geral da Phillips-Phonogram
na ocasião, afirmou que, entre 1968 e 1969, artistas de seu cast de celebridades
nacionais, como Elis, Gil, Caetano, Gal e Os Mutantes, ainda vendiam apenas entre
cinco e dez mil cópias de cada um de seus lançamentos.30 Segundo Midani, nesse
29 CARDOSO, Tom. Valor Econômico, São Paulo, 27 jun. 2003 apud Midani (2008, p.157). 30 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p.116.
40
momento, a gravadora administrava a “política quase deficitária” de sua divisão de
prestígio, a Phillips, com os lucros que a Polydor, sua marca popular, gerava. Essa
política interna da companhia nesse período deve ser analisada como a estratégia
que Midani adotou para levantar uma gravadora que, até um ano antes disso, em
1967, quando foi convidado para assumir sua direção, acumulava doze anos de
déficit e um cast de 155 artistas (MIDANI, 2008).31 Apesar disso, a Phillips já era
considerada, no final dessa década, como “uma grande companhia que vendia
qualidade com grande sucesso”.32
No entanto, os artistas mais visados durante a ditadura, entre eles Nara
Leão, Caetano Veloso e Gilberto Gil estavam já exilados, e Midani temia pelo futuro
de seus outros artistas, pelo futuro da gravadora, e pelo seu. Foi então, que ele se
perguntou: -“e se exilarem também a Elis?”33 A solução para contornar esse
problema veio de uma manobra espetacular de Midani, ao conseguir das matrizes da
companhia na Holanda e em Hamburgo, o dinheiro necessário para financiar as
gravações dos artistas exilados em Londres e na Itália. E, assim, continuou a lançar
no mercado as novas produções de Gilberto Gil, Caetano Veloso, e depois, a
contratação e gravação de Chico Buarque, mesmo no exílio. A ousadia de Midani foi
um ato de inestimável importância para a sobrevivência de grandes nomes da
Música Popular Brasileira, frente à política vigente das gravadoras afetadas pela
ditadura:
Contando assim, tão simplesmente, pode parecer fácil viajar de cá para lá, gravar aqui, gravar lá; porém, colocando-se na perspectiva do Brasil em 1970, quando as distâncias entre os continentes pareciam maiores, quando as comunicações telefônicas internacionais eram incipientes, num momento em que o país estagnava intelectual e mentalmente, isolado pelo regime militar, a gravação desses discos foi um ato moderno e um fato novo no comportamento da indústria fonográfica brasileira. O lançamento teve um efeito fulminante, ainda mais pelo excesso de timidez das outras gravadoras nas relações com Brasília.34
A Phillips teve Midani à sua frente até 1975 como responsável pelos
principais lançamentos de artistas brasileiros e pela difícil manutenção de seu cast
num clima de muita dificuldade que a Phonogram brasileira encontrava para aprovar
31 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 108. 32 Ibid., p.118. 33 Ibid. 34 Ibid., p.120.
41
as letras de suas canções, driblar a censura, suportar as pressões dos militares da
ditadura e se manter no mercado nesse período. “De 12% de participação de
mercado em 1968, a Phonogram rapidamente chegou aos 21%. Já em 1973, era a
primeira do mercado. E de 8 a 10% de perdas, subimos para 18% de lucro ao
ano.”35
Em 1976, André Midani é convidado para lançar a WEA no Brasil, e marca
uma fase da de muitos investimentos em carreiras de artistas brasileiros. A WEA
(sigla que com as iniciais dos selos Warner, Elektra e Atlantic), se lança no mercado
brasileiro à procura de novos artistas de talento para formar seu cast. A razão disso
está na visão de André Midani sobre a companhia: “a multinacional do disco tinha
que ser importante localmente para ser forte internacionalmente”. 36 Midani levou
para a Warner o produtor Mazzola, com quem já havia trabalhado na Phillips e lhe
ofereceu o cargo de diretor artístico. Como produtores estavam Nelson Motta,
Liminha, Guti de Carvalho e Sérgio Cabral. O setor de promoção era o encarregado
por Leonardo Neto, pelo atual empresário de Marisa Monte e Adriana Calcanhoto.
Foi com essa equipe que a Warner entrou no mercado brasileiro, lançando um cast
renovado de artistas brasileiros que irão consolidar suas carreiras ao longo da
década de 1980, como Baby Consuelo (atualmente Baby do Brasil), Pepeu Gomes,
Marina, Raul Seixas, Banda Black Rio, A cor do som, lançando também álbuns de
artistas já consagrados, como Paulinho da Viola, Elis Regina e João Gilberto. O
prosseguimento do trabalho com a Elis Regina, nesse momento na Warner, legou
memoráveis momentos a música brasileira, como a noite de Elis Regina, Cesar
Camargo Mariano e Hermeto Paschoal no Festival de Montreux em 1979. A “noite
brasileira” instituída no Festival de Montreux por intermédio de André Midani, foi uma
importante porta de divulgação da música brasileira fora do país, e se tornou uma
instituição permanente na carreira de artistas brasileiros até os dias de hoje. 37
Essas duas vertentes, a música americana e a MPB, são as principais
responsáveis pelo grande crescimento que a indústria fonográfica começa a dar
nessa década no Brasil. A década de 1970, porém, é apenas o começo do
crescimento dessa indústria.
35 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p.146. 36
Ibid., p.177. 37 Ibid., p.184.
42
4.1.2 A música instrumental
Paralelamente ao crescimento da MPB, a música instrumental vinha
ganhando força no cenário brasileiro. Essa tendência não fazia frente à ditadura –
uma vez que era instrumental – apesar dos ventos da distenção política estarem
começando a soprar na segunda metade dessa década. O sucesso da carreira de
Sérgio Mendes, Paulo Moura, Egberto Gismonti e Hermeto Paschoal, entre outros
instrumentistas, é notável no Brasil e no exterior, e chama a atenção de algumas
gravadoras que começam a abrir espaço a esse segmento.
Em junho de 1976, André Midani inaugura a entrada da WEA no Brasil com
os discos Slave Mass, de Hermeto Paschoal, e Urubú de Tom Jobim, ambos
gravados em Los Angeles. Outros dois grupos, que foram notáveis nesse período e
que também foram gravados pela WEA, foram “A cor do Som”, que resgatava
elementos do choro, e Azymuth, todos também gravados em Los Angeles.
Um mérito especial deve ser atribuído ao Grupo Azymuth: o primeiro grupo
brasileiro a se apresentar no Festival de Montreux, numa noite dedicada ao jazz
fusion, em 1977. Isso aconteceu através do contato de André Midani enquanto
gerente-geral da Warner, com Claude Nobs, criador desse festival, e este show foi o
ponto de partida para que esse festival passasse a ter todos os anos, uma noite
dedicada à música brasileira, inaugurando uma tradição anual que se mantém até os
dias de hoje.
Em seguida, outra produção instrumental da WEA foi a Banda Black Rio,
que desenvolveu a soul music instrumental brasileira, pioneira na fusão do samba
com a soul music, que já havia consolidado seu mercado na zona norte do Rio de
Janeiro nessa época, através de lançamentos da Motown e da disco music. As
razões pela qual a WEA assumia uma produção da Banda Black Rio parecem
claras: a recém-instalada gravadora no Brasil procurava estar a par de todo
movimento que envolvesse um público consumidor jovem. Além disso, esses fatores
se aliam ao objetivo de André Midani de que a gravadora deveria possuir também
um cast de artistas nacionais, além de seu catálogo de música norte-americana. A
música negra norte-americana já havia dominado esse mercado jovem consumidor
de menor poder aquisitivo do país, que trazia implícita em sua música a bandeira do
orgulho negro norte-americano, que encontra ressonância de identidade no Brasil.
43
Dessa forma, parece natural que a população passe a se apropriar de elementos
desse estilo, realizando um processo de hibridização cultural:
A popularização da música soul no Brasil aconteceria a partir daquilo que ficaria conhecido como os “bailes da pesada”, no início da década de 1970. Tais bailes reuniam centenas e muitas vezes milhares de jovens (em sua maioria negros e mestiços) e eram realizados em diversos pontos do subúrbio do Rio de Janeiro. O crescimento do fenômeno apontou para o surgimento de um novo movimento cultural, que seria batizado pela imprensa carioca de “Black Rio” (FRIAS, 1976, p.1), tendo o mesmo um papel relevante no reencontro com a identidade negra brasileira. 38
A banda, então, gravou três discos com a produção de Mazzola: o
instrumental “Maria Fumaça” (1976), que se tornou um álbum referencial da música
brasileira instrumental, “Gafieira Universal” (1978) e “Saci Pererê” (1980) além de ter
sido convidada a participar de outros discos como o de Luiz Melodia e Caetano
Veloso, este último gravado ao vivo chamado “Bicho Baile Show”. A banda
continuou fazendo shows no início da década de 1980, inclusive nas pistas de dança
inglesas. Teve, porém, uma repentina interrupção devido à morte de seu criador, o
saxofonista Oberdan Magalhães, em um acidente de carro, em 1984. Devido a esta
interrupção, a banda ficou fora de atividade e só voltou depois de 15 anos através do
filho de Oberdan, William Magalhães, pianista, tecladista, arranjador e produtor.
Esses elementos da soul music norte-americana que a Banda Black Rio introduziu
na música instrumental brasileira ainda na década de 1970 também influenciaram a
formação do músico da década de 1980.
Nesta década, a formação característica dos trios e conjuntos da Bossa
Nova ou das Big bands foi gradualmente substituída por outra formação, mais
alinhada com o que acontecia no momento: a formação básica de quarteto (piano,
baixo, bateria, e sax/flauta) é mantida, porém a guitarra, o trompete e a percussão
são acrescentados. A guitarra em função do rock (o que acontece também, no
mesmo período, na Tropicália) e do jazz fusion americano. O trompete em função do
cool jazz e das outras correntes jazzísticas posteriores, e a percussão é o elemento
de latinidade, de raiz, característico desse período da música brasileira.
Outro exemplo de aquecimento desse segmento de mercado foi a série
“Música Popular Brasileira contemporânea”, uma série de LP´s instrumentais de
38 GUIMARÃES, Celso. Banda black Rio: transformações do samba na década de 1970. In: CONGRESSO DA ANPPOM, 17., 2007, São Paulo. Anais... São Paulo, 2007.
44
artistas brasileiros lançada pela Phillips-Polygram entre 1978 e 1980 que ilustra bem
essa mudança de formação instrumental, apresentando características musicais
que, apesar de ainda pertencerem ao rótulo de música popular brasileira
contemporânea, já são a vanguarda do Brazilian jazz, pois muitos músicos que dela
participaram firmaram suas carreiras na década seguinte, como Nivaldo Ornellas,
Célia Vaz e Nelson Ayres.
O Projeto Trindade, da diretora Tânia Quaresma e do músico Luiz Keller,
realizado entre 1976 e 1979, foi um projeto pioneiro, ousado e comprometido com a
música instrumental brasileira do final da década de 1970. Foi concebido em duas
etapas: foram filmados 12 curtas, cada um tendo a trilha sonora composta por um
músico brasileiro de destaque, feita especialmente para o projeto. Através de
viagens realizadas nas cinco regiões brasileiras eram gravadas as imagens que
iriam compor a “trilha visual”. Na volta de cada etapa das viagens eram realizados
shows no Rio de Janeiro, com os instrumentistas, onde também eram projetadas as
imagens colhidas nas diferentes localidades. Ao final da realização dos curtas foi
montado o primeiro longa-metragem 35mm sem falas do Brasil (o áudio era apenas
musical), intitulado “Trindade curto, caminho longo”. Além disso, foi lançado um LP
duplo com faixas de todos os artistas envolvidos e um almanaque contando as
etapas do projeto. Foram realizados shows de lançamento do filme e do LP no Brasil
e no exterior. Dentre os patrocinadores do projeto estavam a Petrobras e o Banco do
Brasil.
Nessa mesma época, em 1977, estava havendo na cidade do Rio de
Janeiro uma retomada do choro e de ritmos brasileiros por uma nova geração de
jovens músicos que se reuniam em bares e botequins da cidade. Um desses pontos
foi o “Cantinho da fofoca”, em Botafogo, e outro surgiu no Bar e Restaurante Barril
1800, no Arpoador, ponto que ficou conhecido por abrigar no andar de cima, alguns
anos mais tarde, o lendário Jazzmania, em dezembro de 1983. No Barril 1800, em
1977, houve um projeto organizado pela dupla que alguns anos depois seria a
mesma que fundaria e administraria o Jazzmania, o pianista Marcos Ariel e Luis
Antônio Cunha, chamado “A música que os músicos querem fazer”, com
apresentações informais de jovens regionais de choro, como o “Pessoal do Cantinho
da Fofoca”, “Anjos da madrugada” e “Éramos felizes” e também músicos já
consagrados, como Paulo Moura e Márcio Montarroyos, às segundas-feiras. O
45
projeto aconteceu por três meses, ganhou matérias de jornal, e foi o embrião do que
seria, na década seguinte, o lugar mais tradicional do jazz no Rio de Janeiro.
Figura 1 - Matéria publicada no Jornal do Brasil em 03/01/1977.
O aquecimento desse segmento no mercado da música, somado ao
prestígio que a música brasileira já havia conquistado no exterior com a Bossa Nova
e vinha conquistando também ao longo da década de 1970 com a contemporânea
música instrumental brasileira, favoreceu o surgimento dos primeiros grandes
46
festivais de jazz realizados no país: o Festival de Jazz de São Paulo, no Anhembi,
realizado em 1978 e 1980 pela TV Cultura, que teve como um dos programadores o
crítico e historiador Zuza Homem de Mello.
O entrevistado Zuza Homem de Mello afirma que a importância desses
festivais reside principalmente no fato de eles terem sido transmitidos na íntegra pela
TV Cultura, sem edição das imagens. E relata: “esses dois primeiros tiveram uma
importância muito grande justamente porque eles abriram horizontes para músicos
que estavam começando e para músicos, digamos, que já estavam a caminho de
uma consagração.”39 Esses festivais, ainda segundo Zuza, contribuíram para
enriquecer o mercado de música instrumental na década de 1980.
No Rio de Janeiro, também no ano de 1980, foi realizado o Rio Jazz
Monterey Festival. Esses festivais injetaram ânimo nos jovens músicos da geração
que chegava à década de 1980 em busca de atuar num mercado que já se mostrava
existir e que dava sinais de consolidação.
39 Zuza Homem de Mello, em entrevista feita em 29/07/2010.
47
AÉCIO FLÁVIO & QUARTEZANATO - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1980)
Aécio Flávio
BAIAFRO - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1978)
Djalma Corrêa
LUIZ CLÁUDIO RAMOS - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1980)
Luiz Cláudio Ramos
MUTAÇÃO - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1981)
Célia Vaz
NELSON AYRES - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1978)
Nelson Ayres
NIVALDO ORNELAS - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1978)
Nivaldo Ornelas
OCTÁVIO BURNIER - DANÇA INFERNAL - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1979)
Octávio Burnier
ROBERTINHO SILVA - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1981)
Robertinho Silva
STENIO MENDES - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1980)
Stenio Mendes
TRILHOS - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1980)
Túlio Mourão
Figura 2 – Lista de LP´s lançados pela Phillips na série “Música popular brasileira contemporânea
48
4.2 O Brazilian jazz na década de 80
4.2.1 A nova geração, a criação de novos espaços e seus ciclos
Nesse momento da virada da década de 1980 coexistem duas gerações
de músicos: os que já haviam se formado e consolidado seu espaço na década
anterior, e os jovens músicos que iniciaram sua formação na década de 1970 e que
estavam em busca de espaço. O amadurecimento da música instrumental da
década anterior já conseguira legar aos jovens músicos um caminho de formação
mais sólido, mais estruturado na música popular, que não era mais somente a
tradicional escola clássica. Fosse através de alguns músicos que já possuíam o
domínio da estruturação harmônica jazzística e se tornaram verdadeiros professores
de outros músicos, como é o caso do pianista Luizinho Eça, ou através de cursos no
exterior, muito buscados pelos músicos da década de 1980 que queriam sistematizar
seu estudo de música popular: a Berklee College of Music, em Boston, Estados
Unidos.
Paralelamente, em termos de formação prática, a escola do choro se
manteve como o caminho de muitos músicos populares no Brasil, como no caso do
pianista Marcos Ariel, que no final da década de 1970 formou o regional de choro
“Anjos da madrugada”. Também a formação “de baile” era comum a alguns
instrumentistas de destaque nessas décadas: fosse em bandas como a Black Rio,
como foi o caso do baterista Wilson Meireles, ou ainda acompanhando artistas,
como foi o caso do baterista Jurim Moreira. Essa formação profissional é comum à
maioria dos músicos, como sempre havia sido na história de suas formações em
décadas anteriores, em outros momentos, juntos as orquestras de baile, Big bands
ou gafieiras. O diferencial dessa década passa a ser a saída de jovens
instrumentistas para estudar fora do país, como no caso da Berklee, em Boston.
Esse fato contribuiu para diferenciar a música que foi produzida nessa
época: muitos desses alunos adotaram conceitos e sonoridades estruturadas e
padronizadas desses cursos, o que, se por um lado ajudou a sistematizar o ensino
de música popular no país, também gerou críticas como, por exemplo, a do pianista
e arranjador Gilson Peranzzetta: “foram americanizando de uma forma, as frases, a
49
feitura, as composições, que começou a afastar, foi perdendo a raíz, e isso é uma
coisa que não se pode perder”.40
No aspecto musical, essa questão formação-identidade parece ser
dicotômica entre os músicos destas duas gerações, e o aprofundamento desse
estudo se daria no campo da música propriamente dita. O fato é que a influência
direta da formação desses músicos que foram para a Berklee se dá em suas
produções musicais nesse período. Isso na prática se traduz em uma fase em que
os músicos querem tocar o jazz, lado a lado com a música brasileira. E querem
improvisar. A improvisação é o elemento diferencial desse momento, pois assim
como está dito na introdução desse trabalho, esse é o elemento primordial do jazz.
Havia então essas duas formações: a formação prática e a acadêmica,
complementares entre si. Os jovens músicos dessa geração são essencialmente
brasileiros, e já aprenderam com a geração anterior a necessidade de buscar as
raízes de sua própria música, por isso tocam os ritmos brasileiros, complementando
com as seções de improviso. O resultado disso é um gênero de música chamado de
Brazilian jazz. Marcos Ariel, do grupo Usina, relata:
A nossa música é instrumental, mas não é jazz, é popular brasileira. É um som do próprio grupo Usina, com a forte temática do improviso – explica Marcos Ariel. Existe um tema, em cima dele um improviso, mas só que com convenções, referências para o encadeamento. Como ponto básico, uma preocupação rítmica brasileira (samba, baião, etc.). É a música que nós queremos fazer. 41
Existia uma atitude nova: a geração de músicos que adentrava a década de
1980 estava buscando se afirmar no mercado através de uma expressão própria. A
valorização do improviso, o caráter criativo e virtuosístico dessa música que estava
sendo feita, abria espaço para novos talentos, pois a música exigia que os músicos
estivessem “em dia” com seus instrumentos. O músico começa a criar então um
espaço onde pode mostrar o seu trabalho, e ser a estrela da noite. Ele começa a sair
de trás do palco, da função de acompanhante para frente do palco, na função de
artista. Em outros momentos da história isso aconteceu como no auge da Bossa
Nova. Nessa busca há um referencial para esses jovens músicos:
40 Gilson Peranzzetta, em entrevista feita em 21/07/2010. 41 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20/06/1979.
50
O Usina acredita que a música instrumental venha a ter a mesma importância da época da Bossa Nova, que foi relegada a segundo plano com a Tropicália, em que a figura do intérprete foi mais valorizada que a do músico, e afirma que ainda hoje são poucos os que não encaram os músicos como meros acompanhantes, Para exemplificar, falam de todos os grandes instrumentistas brasileiros daquela época, atualmente fora do país pela falta de mercado.42
No Rio de Janeiro, nessa virada da década de 1980, esses jovens músicos
começam a abrir novos espaços para tocar seus instrumentos. A força e a vontade
de tocar dessa nova geração deram nova energia à noite da zona sul do Rio de
Janeiro, fazendo com que os donos de casas noturnas reconhecessem neles a
capacidade de lhes dar retorno, abrindo-lhes espaço. O panorama da noite do Rio
de Janeiro foi se transformando num rico cenário de música instrumental, pontuado
em diversos locais da cidade, com bares lotados de pessoas que iam atrás da
música, do frisson desses jovens músicos que exibiam seus talentos em casas
noturnas, em teatros ou parques. Segundo Gilson Peranzzetta, “o trabalho do
músico é como uma guerrilha, um trabalho de guerrilha. Você tem que estar sempre,
sabe, lutando, falando, indo aqui, indo ali […]”43
Em entrevista, o pianista Marcos Ariel relata: “Em 1981, O Aleph era um
barzinho que tocava música instrumental na Lagoa, eu tocava lá com o meu grupo
Usina, a gente lotava a casa toda terça-feira, de ir parar polícia, joaninha e tudo na
porta. Nessa época tinham muitos lugares, o Tio Patinhas, em Copacabana onde o
Marcos Resende tocava, tinha também um lugar na Barra, que o Márcio
Montarroyos tocava, estavam surgindo muitos lugares de música instrumental”.
Uma matéria de página inteira do Jornal O Globo, intitulada “Jazz, um som
cada vez mais ouvido na noite do Rio”, traça a rota dos clubes de jazz na noite do
Rio de Janeiro, no final de 1983, e anuncia a inauguração das duas casas que
seriam nessa década as de maior circulação e projeção no gênero até os anos 1990:
O Jazzmania e o Mistura Fina:
A Rio Jazz Orchestra e a Rio Dixieland Jazz Band, dois grupos formados na década de 70, tocam hoje, às 21h, na Sala Cecília Meireles, um programa comentado sobre a História do Jazz. O momento não poderia ser mais oportuno. Afinal, parte da razão do sucesso de bares como o People, no Leblon e O Viro da Ipiranga, em Laranjeiras, justifica a abertura até o final de novembro de pelo menos mais duas casas noturnas na cidade, o Jazzmania,
42 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20/06/1979. 43 Gilson Peranzzetta, em entrevista feita em 21/07/2010.
51
no sobrado do Barril 1800, em Ipanema, e o Mistura Fina Estúdio, no mesmo bairro. O jazz está em via de se tornar o dono da noite carioca.44
Figura 3 - Matéria impressa no Jornal Correio da manhã, 1984.
O Jazzmania foi inaugurado em dezembro de 1983, como um resultado da
sociedade do empresário Luis Antônio Cunha e do pianista Marcos Ariel, que após
terem investido no choro no tradicional Barril 1800, restaurante localizado no andar
de baixo do sobrado, partem para um empreendimento muito mais ousado e com
bastante confiança nesse mercado. Luis Antônio também era um dos sócios do
restaurante, e mantinha outros empreendimentos na cidade. O Jazzmania, que
inaugurou ao som da Banda Usina de Marcos Ariel, passou a contar com uma
programação diária e abrigava shows dos maiores nomes do jazz nacional e
internacional que pelo Rio de Janeiro passaram, até o ano de seu fechamento, em
1996. A casa possuía tratamento acústico especializado, vista para o pôr-do-sol do
Arpoador, um bom restaurante com chef de cozinha especializado em comida
brasileira (cujos pratos levavam nomes de ritmos brasileiros), capacidade para 280
44 Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 19 ago. 1983.
52
pessoas, distribuídas em 70 mesas e um trio de piano se apresentando antes do
show da noite. Tornou-se um referencial de onde encontrar sempre um show de jazz
de qualidade no Rio de Janeiro, ao lado do restaurante Mistura Fina, durante toda a
década de 1980. Outra casa noturna de sucesso no gênero já vinha funcionando no
Leblon, o People, que atraía também grande público.
O Mistura Fina Stúdio, também conhecido pelo apelido carinhoso de
“Misturinha”, foi inaugurado nesse mesmo mês e ano do Jazzmania, e também era
localizado no bairro de Ipanema, um pouco mais na direção do Leblon, na Rua
Gárcia D’ávila, na quadra da praia. O restaurante já vinha funcionando na mesma
casa, no andar de baixo. O andar de cima fechado, ocioso, foi o local escolhido pelo
dono do empreendimento, o Sr. Pedro Paulo Machado para, em sociedade com o
trompetista Márcio Montarroyos, criar um novo Clube de Jazz. O espaço era
pequeno, com capacidade média de 80 pessoas e foi feito um tratamento acústico à
prova de vazamento de som. A casa funcionou primeiramente no segundo andar
desse endereço até 1992, e a sociedade com Márcio Montarroyos até 1984. Entre
meados de 1984 e 1988 o nome muda para Mistura Up, e após esse ano, o nome
definitivo, Mistura Fina. Em 1992 se muda para uma casa de dois andares na orla da
Lagoa Rodrigo de Freitas, onde permaneceu durante toda a década de 1990,
fechando suas portas no ano de 2002. Foi a última casa noturna do gênero a fechar
suas portas.
O fato de eu ter chamado o Márcio Montarroyos já foi uma opção pelo jazz e pelo instrumental. E o Márcio indiscutivelmente, dos músicos que faziam a chamada música instrumental, era assim, dos mais queridos e mais expoentes.[..] A opção pelo jazz e pela música instrumental foi uma coisa mais pessoal, uma questão de gosto, jazz eu sempre gostei. De maior identidade, que eu achava que tinha mais a ver com a noite de Ipanema, com a boemia, com a coisa até altas horas.[...]45
Ao que tudo indica, a casa agradou ao público prontamente. Segundo Pedro
Paulo, Márcio Montarroyos tocou diariamente com seu grupo nos três primeiros
meses de funcionamento da casa, com lotação máxima todos os dias. Esse
fenômeno, de lotar uma casa com o mesmo artista todos os dias é singular, se
deveu nesse momento principalmente ao sucesso que o trompetista já havia
conquistado na noite do Rio de Janeiro:
45 Pedro Paulo Machado, entrevista realizada em 09/08/2010.
53
Ele tinha tocado no Flags, ou num outro bar que era do Ricardo Amaral, jazz, era ele, Osmar Milito, Paschoal Meireles, era em Ipanema, no outro quarteirão, isso nos anos 70.46
Outras casas do gênero inauguraram no rastro do sucesso dessas duas: o
Rio Jazz Club, no Hotel Méridien, em Copacabana, o Gula Bar, no Hotel Marina, em
Ipanema, o Café-de-la-Paix, também no Hotel Méridien, entre outras menores. O
sucesso do jazz na noite da zona sul carioca estava consolidado, em meados dos
anos 1980, dando espaço de atuação para artistas consagrados, e, principalmente,
em fase de consagração.
No início dessa década, importantes projetos ligados à prefeitura do Rio de
Janeiro ampliavam o cenário da música instrumental para além dos Clubes de Jazz,
em áreas públicas, como foi o caso do projeto da RioArte Instrumental no Parque da
Catacumba, na Lagoa Rodrigo de Freitas, que a produtora Eliana Fonseca foi
convidada a realizar. O projeto realizava shows de música instrumental
quinzenalmente no parque, para que, se chovesse, pudesse a atração programada
ter sua apresentação prorrogada para o próximo final de semana. Era realizada com
entrada franca, no final da tarde, em horário da saída da praia.
Isso foi uma coisa assim, sensacional, porque, eu me lembro que o primeiro show que teve no Parque da Catacumba foi com o Grupo Hum, que era um grupo de São Paulo, era o Zé Eduardo Nazário, Lelo Nazário, o Mauro Senise e o Zeca Assumpção. Era um grupo assim todo esquisito, uma música muito difícil, aí eles se apresentaram lá. A primeira vez que eu fui produzir foi nesse show do grupo Hum e chovia e tinha seis pessoas. Eu me lembro da Joyce e do Tutty de guarda-chuva sentados assistindo mais quatro pessoas. A coisa foi num crescendo, e a gente começou a fazer, começou a fazer, de quinze em quinze dias, porque não podia fazer toda semana porque se chovesse, a gente não tinha uma estrutura bacana, enfim [...] era o palco assim, se chovesse não tinha show, então a gente fazia de quinze em quinze dias prá por acaso chovesse num dia passasse pro outro, de uma semana passava prá outra. O negócio foi num crescendo que chegou a cinco mil pessoas. A gente não precisava mais fazer divulgação. Todo mundo sabia que ia ter um espetáculo de qualidade, inclusive até o Stanley Jordan a gente conseguiu levar prá fazer show lá. As pessoas disputavam a tapa, só instrumental, anos a fio!47
O projeto persistiu até o ano de 1989, quando aconteceu o desastre no
Parque da Catacumba em meio a um Festival de Jazz&Blues promovido por uma
46 Pedro Paulo Machado, entrevista realizada em 09/08/2010. 47 Eliana Fonseca, em entrevista feita em 21/07/2010.
54
empresa que estava sendo realizado no parque em dia de chuva. O parque ficava
localizado ao pé de uma encosta, e o público sentava num gramado na ladeira, de
frente para o palco, que por sua vez ficava de costas para a Lagoa. E era justamente
pelo risco de desabamento por falta de estrutura que o projeto RioArte Instrumental
não realizava shows em dias chuvosos no parque. Depois do desastre, a prefeitura
cancelou a autorização para serem realizados shows no parque e o projeto terminou
nesse local.
Eliana leva o projeto então para o Parque Garota de Ipanema, no Arpoador,
e faz uma versão um pouco menor. O projeto volta a obter sucesso, porém a Riotur
retira a música instrumental desse ponto, e em seguida passa a ser itinerante,
passando por vários pontos já na década de 1990: a Praça do Skate, em
Jacarepaguá, o “Cebolão da Barra”, onde havia um anfiteatro pequeno e uma
concha acústica, até a Praça N.S. da Paz, em Ipanema onde foi realizado o último
show, em homenagem ao aniversário de morte de Pixinguinha, com a Orquestra
Pixinguinha, em frente à Igreja onde ele teria falecido. Esse foi o último show do
projeto RioArte Instrumental, em 1994: “isso fechou um ciclo, nunca mais a gente
conseguiu voltar com o projeto”.48
Outro projeto da Prefeitura ligado à música instrumental de notoriedade
nessa época foi a Sala Funarte Sidney-Miller, dentro do prédio do Museu Nacional
de Belas Artes, que apresentava shows de quinta a domingo. Paralelamente, outro
projeto da Prefeitura que começava – e persiste ainda hoje, mesmo que com outro
perfil – é o Projeto Pixinguinha que itinerava por cidades do interior, ficando uma
semana em cada cidade e realizando shows de segunda a sexta-feira.
Em São Paulo também vinha acontecendo uma abertura de espaço para a
música instrumental: entre 1977 e 1988, era transmitido diariamente pela Rádio
Jovem Pan de São Paulo, o "Programa do Zuza" programa líder de audiência às 5
horas da tarde que recebeu diversos prêmios, apresentado pelo crítico, jornalista e
historiador Zuza Homem de Mello. O programa tocava uma programação eclética,
tanto vocal quanto instrumental, sem distinção de gênero. O próprio Zuza relata em
sua entrevista que não havia distinção na programação para a música instrumental:
ela fazia parte da programação diária normalmente, sem necessidade de destaque,
48 Eliana Fonseca, em entrevista feita em 21/07/2010.
55
um horário ou programa específico. “Não era um programa dedicado à música
instrumental, nem tampouco um programa dedicado à música vocal.”
Essa não-distinção foi um diferencial importante no sentido de dar
oportunidades iguais à música instrumental nas programações de rádios. Denota
também que nessa época havia espaço nas rádios para tocar uma programação
escolhida pelo gosto pessoal do programador, ainda que inserida num programa de
rádio específico.
Dentre as rádios que tocavam Brazilian jazz no Rio de Janeiro na década de
1980 estão a Rádio Globo FM, a Rádio Mundial e a Rádio Eldorado. Era comum
ouvir na programação diária da Rádio Globo FM, por exemplo, músicas do primeiro
trabalho-solo do pianista/flautista Marcos Ariel, o disco Bambú, de produção
independente. Sobre a relação com as rádios antes do período da instituição de
acordos entre os promotores e os radialistas, o produtor Mazzola relata:
Antigamente, os radialistas eram diferentes de hoje em dia, procuravam coisas novas e iam atrás das gravadoras para obter novidades. Ninguém impunha nada a eles. Se gostavam da música, começavam a tocar. Com isso, a nossa música ganhou muitos artistas novos, algo que não se vê mais atualmente, quando vivemos sob imposições de gravadoras e radialistas sem nenhum conhecimento do que acontece em nosso país. 49
E essa procura de lançamentos por parte dos radialistas também se
estendia à música instrumental e ao Brazilian jazz na década de 1980:
Eu acho que a gente tava numa época em que tava favorável, provavelmente espelhado em grandes figuras que tavam rolando lá fora do Brasil, né, Miles Davis, Pat Metheny, era um momento de muita [...] onde essa música não cantada, digamos assim, tava quase que no mesmo nível né? Eu me lembro disso, a gente fala disso né, que tinha uma rádio como a Globo FM. Isso é uma coisa que ajudou muito para que isso acontecesse. Uma rádio popular, eu me lembro da gente caminhando num shopping, era uma rádio que estava assim, meio que, presente, onipresente no shopping Rio Sul. Então, tinham apoiadores, eu me lembro que tinha assim… como é que é? Instrumental Richard´s. O cara apoiava o momento do instrumental da Globo FM, onde tocava Larry Carlton, Ricardo Silveira, Léo Gandelmann, Duo Fênix, né, tocava muito. 50
49 MAZZOLA, Marco. Ouvindo estrelas: a luta, a ousadia e a glória de um dos maiores produtores musicais do Brasil. São Paulo: Planeta Brasil, 2007. p.154. 50 Délia Fischer, em entrevista feita em 04/07/2010.
56
Mas para que o trabalho pudesse tocar nas rádios e conquistar seu
trabalho, era primeiro necessário que existisse um disco, e isso nessa época não era
uma coisa tão simples de fazer. As grandes gravadoras ocupadas com a disputa
pelo mercado de MPB e música estrangeira, dificilmente abriam espaços para
lançamentos de música instrumental ou Brazilian jazz. Ainda assim alguns músicos
conseguiam contratos com as majors, como foi o caso do Duo Fênix que lançou seu
primeiro álbum pela gravadora RCA.
Eu acho que os números do instrumental, prá eles, eram promissores. Eles não são bobos. Na época realmente tinha uma efervescência, eles sabiam que aqueles músicos acompanhavam os cantores, eles sabiam que tinha uma interação ali, que tinha uma rede, então aquilo interessava a eles sim. Eles não passaram à margem dessa realidade. 51
Manolo Camero, presidente da RCA nesse momento, relata um pouco da
relação das gravadoras com a música instrumental:
Tinha um investimento que não doía, que é o do ICMS. O produto estrangeiro vendia e te dava ICM prá isso! Você tá entendendo? Como é que faz uma gravadora? Eu gravo com o Chiquinho aqui, aí, faz o produto, melhor que pode-se fazer com o Chiquinho no momento. Aí você senta aqui e diz: bom, qual é a viabilidade A, B,C ou seja, a boa, a média e a ruim, da venda desse produto? Aí você chega a uma média e diz: bom, é isso que a gente acha que vai vender, então vamos gastar aquilo. Uma relação direta, aí você começa a gastar aquilo. Quando você sentiu que tá pegando, você dá uma acrescentada, se você sentir que não deu, não deu, você desiste. 52
Seria muito difícil para uma música que havia aparecido há pouco mais de
uma década ter uma fatia do mercado fonográfico consolidada. Até porque esse
mesmo mercado não havia investido nessa música para isso, porque na verdade
este produto não era vantajoso para essa indústria, se comparado aos outros
produtos de massa, como a música americana ou a MPB. A Música instrumental no
Brasil, assim como a música clássica, eram para a indústria fonográfica, segmentos
alternativos, culturais, que podiam conferir qualidade ou glamour à sua gravadora,
mas que vendiam pouco. Isso explica a cautela que as gravadoras pensavam ao
investir em um disco de música instrumental, especialmente as grandes majors. Na
51 Cláudio Dauelsbert em entrevista feita em 19/07/2010. 52 Manolo Camero, em entrevista feita em 27/07/2010.
57
fala acima, o Sr. Manolo Camero relata inclusive que esse investimento era como
um único tiro, “se você sentir que não deu, que não deu, você desiste”.
Dessa forma, quando essa nova de geração de músicos que vinha surgindo
na noite do Rio de Janeiro começa a se firmar nesse mercado, vai em busca de
viabilizar suas gravações, e não era muito fácil encontrar uma gravadora que se
interessasse em investir no primeiro disco de um músico. Esse era um investimento
com o qual, em inúmeros casos, o músico tinha que arcar como foi o de Marcos
Ariel, que fez seu primeiro disco seguindo o exemplo que o pianista Antônio Adolfo
havia dado em 1977 com seu “Feito em casa”: o disco independente.
Essa é uma realidade constante no mercado fonográfico da música
instrumental ainda hoje (será que só da instrumental?): o músico ter de arcar com as
despesas e a produção de seus próprios discos, com a diferença que hoje as
possibilidades tecnológicas de gravação facilitaram muito mais a produção de um
disco “feito em casa”.
Dessa forma, o mercado do jazz no eixo Rio-São Paulo foi crescendo ao
ponto de justificar a demanda, em 1985, de realizar um festival de jazz de
proporções internacionais no eixo dessas duas cidades. Foi assim que nasceu o
Free Jazz Festival, festival idealizado pelas produtoras Sylvia e Monique
Gardenberg, realizado durante 15 anos no Rio de Janeiro, no Hotel Nacional a
princípio e depois no MAM, e em São Paulo, no Anhembi, no Palace e depois no
Jockey Club, patrocinado pela empresa de cigarros Souza Cruz. Esse festival foi de
especial importância nesse período, pois colocava os artistas brasileiros lado a lado
com os grandes nomes internacionais do jazz, dando visibilidade a nível nacional a
esse movimento, incentivando a circulação da música instrumental brasileira no
mercado. A partir de 1985, o festival estava integrado com a noite do Rio de Janeiro,
todos os anos, e passou a ser tradicional as jam sessions que aconteciam no
Jazzmania, depois dos shows, com artistas nacionais e internacionais.
Então a gente teve acesso, o Free Jazz ele nos trouxe alimento! No sentido de ver o que se fazia, em todo o resto do mundo, né? E também mostrava gente daqui, também dava essa [...] eu vou tentar falar uma coisa, agora eu não sei, uma coisa prá se pensar, se a gente se colocava, se eles colocavam na programação uma coisa de igual para igual, brasileiro é tão bom quanto o gringo[...] porque mais ou menos assim, brasileiro abria para o gringo, mas enfim, existia uma programação brasileira, eu acho que isso é que importa, né? É claro que a gente acaba, as oportunidades de ver gente de fora, são mais raras, então é natural que[...] veio Herbie Hancock, veio Lyle Mays, enfim, veio todo mundo! Chick Corea, sei lá, o Chick Corea tinha a Eletrick
58
band, lembra? Bob Mc Ferry, veio tudo que tava rolando!Tudo o que acontecia em Montreaux, tudo o que acontecia em grandes festivais fora do Brasil veio pro Free Jazz! Muito, foi fundamental!53
Essa projeção que o Brazilian jazz ganha com o Free Jazz Festival
possibilita um maior interesse por parte das gravadoras em investir em artistas
envolvidos com o festival, e aquece esse segmento dentro do mercado. É a partir da
segunda metade da década de 1980, que coincide com a época do surgimento do
Free Jazz Festival no eixo Rio-São Paulo, que serão encontrados lançamentos de
artistas de Brazilian jazz em sua maioria maciça, tanto em gravadoras de grande
porte, como a Polygram, a WEA ou a Som Livre, como em gravadoras
independentes, como a Gravadora Kuarup e o selo Som da Gente, que existiu entre
1981 e meados de 1992, e era especializado em música instrumental.
Entre maio de 1981 e meados do ano de 1992 existiu o selo Som da Gente, uma gravadora pertencente ao casal de compositores Walter Santos e Tereza Souza, que atuou à partir de uma estrutura empresarial intermediária entre a produção independente de música e a produção em grandes gravadoras multinacionais, as majors. Durante este período foram produzidos no “Nossoestúdio” 51 discos, sendo que 46 deles contém apenas instrumentos em suas faixas, e os outros 5 trazem o elemento instrumental dominante na sua concepção estética. Esses discos registram a obra de artistas importantes para a música instrumental brasileira, tanto em relação ao desenvolvimento de um mercado consumidor para esta modalidade musical quanto para o seu desenvolvimento estético, como Hermeto Pascoal, Hélio Delmiro, Nelson Ayres, Roberto Sion, Grupo D’alma, Grupo Cama de Gato, Grupo Medusa, entre outros. 54
Uma alternativa comum que alguns músicos na década seguinte lançam
mão, é a de criar seu próprio selo para seus lançamentos, como foi o caso do selo
Marari, de Gilson Peranzzetta e Eliana Fonseca, o Humaitá music, de Marcos Ariel e
ainda a gravadora Carmo, de Egberto Gismonti.
Os anos finais da década de 1980 são os mais produtivos em termos de
gravação e circulação das obras. O Free Jazz Festival segue lotando todos os
shows e levava um público consumidor de jazz. Nesses anos, o mercado irá
encontrar seu auge, para, a partir da década seguinte, começar a se fragmentar.
53 Délia Fischer, em entrevista em 04/08/2010. 54 MULLER, Daniel Gustavo Mingotti. A experiência do selo Som da Gente. In: CONGRESSO INTERNO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNICAMP, 9., 2001, Campinas. Anais... Campinas: UNICAMP, 2001.
59
[…] existia um público que gostava, um público que queria ir, e o público que achava bacana ir [...] existia um pouco disso tudo, tinha também uma galera que ia pro Free Jazz prá ficar no lobby, no salão só prá fazer a social, porque era legal estar lá. Mas enfim, sempre tem essas pessoas, né? Tinha glamour, exatamente! Existia glamour nesse ambiente. Porque tava conectado ao 1º mundo! Eu acho que é por isso que tinha glamour. 55
O Free Jazz Festival seguiu até o ano de 2001, ininterruptamente, com
exceção de apenas um ano sem realização: o de 1990, ano marcado pela posse de
Fernando Collor na presidência. O Plano Collor, lançado no mês de março deste
ano, confiscou, da noite para o dia, 80% de todos os depósitos do overnight, das
contas correntes ou das cadernetas de poupança que excedessem a NCz$50mil
(cruzados novos) e foram congelados por 18 meses. Essa medida teve um impacto
muito grande na credibilidade geral, e nesse ano, a Souza Cruz, empresa
patrocinadora do Festival, suspendeu o patrocínio, impedindo sua realização. O
clima nesse ano era de investimentos a curto prazo, pois não havia confiança na
economia para se investir em nada que implicasse em risco, ou que não desse
retorno imediato. Isso afetou não só o Free Jazz Festival, mas todo o mercado do
Brazilian Jazz.
A credibilidade nossa para que as matrizes entendessem o investimento[…] você não podia pensar em nada de três anos porque isso era “fora!” Quando você tem que puxar a rédea você as vezes o faz em detrimento de algum produto qualitativo, mas que ainda não está te trazendo a volta para a continuidade dele para mais dois anos e aí por diante, você tá me entendendo? Aí, você freia projetos que certamente te dariam volta em dois ou três anos, principalmente a música boa!”56
Dessa forma, o Plano Collor impactou em todo o mercado, não só da
música, como do cinema (nesse mesmo ano Collor extingue a Embrafilme), e as
artes em geral (extingue também a Funarte). Esse impacto foi suficiente para a não-
realização do festival nesse ano, mas no ano seguinte, em 1991, o Festival torna a
acontecer e irá seguir por toda a década de 1990. Uma rápida análise da
programação do Festival ao longo desses anos poderá revelar de imediato que ele
foi diversificando sua programação e se desvinculando um pouco do caráter
eminentemente jazzístico inicial. Isso foi acontecendo gradativamente, ao longo da
55 Délia Fischer, em entrevista feita em 04/08/2010. 56 Manolo Camero, em entrevista feita em 27/07/2010.
60
década, mas é na segunda metade dessa década que isso se acentua: atrações
pop, mais voltadas para o público jovem começam a surgir na programação,
mescladas aos nomes do jazz e do Brazilian jazz. Perguntado sobre esse fato, Zuza
Homem de Mello, o consultor artístico de todos os anos do Free Jazz Festival,
explica:
Bem, isso foi uma tentativa de ampliar o horizonte do público e atingir uma faixa etária mais jovem, e para que essa faixa etária fosse atingida era necessário que fossem incluídos elementos de música que não eram efetivamente jazzísticos, embora a denominação persistisse. Nós sabemos perfeitamente que eles não eram, temos consciência disso, mas isso atendia a uma proposta principalmente dos patrocinadores. Os patrocinadores queriam atingir uma faixa etária mais baixa, em termos de idade.57
Figura 4 - Matéria do jornal O estado de São Paulo após a estréia da primeira edição do Free Jazz Festival, em 30/08/85. Em destaque, o grupo Pau-Brasil, de São Paulo, um dos grandes nomes representativos do Brazilian Jazz.
57 Zuza Homem de Mello, em entrevista feita em 29/07/2010.
61
O Festival acabou por realizar sua última edição no ano de 2001, um ano
antes da promulgação da lei que proibiu empresas de cigarro de patrocinar produtos
culturais.
Apesar do grande sucesso que esse mercado de Brazilian jazz encontrou
na década de 1980 no Rio de Janeiro, ele não irá se sustentar na década seguinte.
A crise que o Plano Collor instaura, ainda que passageira, no ano de 1990, parece
ser um marco divisório onde, a partir daí, o mercado começa a decrescer. As casas
noturnas, que ao longo da década fizeram seus nomes ligados ao jazz, também
passam a diversificar suas programações a partir de 1990, na tentativa de
sobreviver:
Nesse período da música instrumental teve o boom, depois ela começou a cair, a decrescer. Por que, o que acontecia? Os artistas de menor porte, que não conseguiam com a casa grande, fazer um final de semana, sei lá, dois dias por semana, eles começaram a entrar nesse mercado de música instrumental. Quer dizer, isso, o gerente da casa era mais lucrativo, colocar um cantor com um certo nome, do que botar uma música instrumental. Entendeu? Isso começou por aí. Sabe, não vou citar nomes prá não ficar deselegante, mas aconteceu muito isso, aquele que não era…que não conseguia ir prá uma casa maior, ia prá essa casa e ocupava um espaço que era da música instrumental. E também essa casa não conseguia se manter só com a música instrumental. Foi um período em que ela começou a cair, então eles mudaram esse esquema. 58
As razões para esse fenômeno, do ano de 1990 em diante, estão ligadas a
um decréscimo de circulação dos agentes desse mercado, somando um conjunto de
fatores. Coincide nesse ano, a não-realização do Free jazz associado a um temor
financeiro generalizado, deixando uma lacuna no consumo do jazz no eixo Rio-São
Paulo, que será retomado no ano seguinte, mas que só terá fôlego até meados da
primeira metade da década de 1990, (lembrando que o Jazzmania fechou suas
portas em 1996). As razões do fechamento do Jazzmania são analisadas por seu
fundador, Marcos Ariel e coincidem com o relato anterior, do baterista Jurim Moreira:
O que aconteceu? Jazzmania passou por várias crises, foi plano cruzado, novo cruzado, Sarney, inflação de 80 por cento, e o que que aconteceu? A casa foi feita pros músicos, pra música instrumental, pro jazz, a casa tinha esse perfil. Mas, prá poder sustentar vários artistas que não conseguiam lotar o Canecão, devido a crises econômicas que tinham, começaram a buscar um espaço chique, em Ipanema, aí que apareceu lá o Ed Motta fazendo show, Marisa Monte, Paulinho Moska, artistas pop começaram a ir, Marina, vários cantores começaram a ir. Claro que o cantor tem um apelo mais popular,
58 Jurim Moreira, em entrevista feita em 20/07/2010.
62
claro que ajuda, você vê os festivais de jazz hoje em dia, não é jazz só, o jazz é uma marca, né, mas engloba tudo.59
A manutenção de uma casa noturna, seja ela segmentada ou não,
depende de uma série de fatores que estão mais ligados à gestão da própria casa,
fatores internos, em primeira instância. Não cabe aqui um estudo aprofundado a
esse respeito, mas, o que interessa é a investigação das razões do declínio do
mercado de Brazilian jazz e sua perda de espaços, e para isso, os relatos
apresentados, como do próprio idealizador da casa, nos basta para crer, que, em
determinado momento da primeira metade da década de 1990, ela não se
sustentava mais só com o jazz. E serve como ponto de reflexão a respeito das
outras casas noturnas relacionadas ao gênero: se uma das casas mais
representativas do gênero, ponto tradicional do jazz na cidade, fechava suas portas
em 1996, depois de não estar mais conseguindo sobreviver de uma programação
essencialmente jazzística, o que teria acontecido as outras casas do gênero? Ora, o
Jazzmania e o Mistura Fina eram as casas de maior tradição, prestígio e circulação,
além de maior lotação. Se o Jazzmania, que abrigava as jam sessions depois do
Free Jazz Festival, que era o ponto mais tradicional do jazz na cidade ao lado do
Mistura Fina, não se sustentava mais só com esse segmento, pode-se presumir que
as outras casas do mesmo gênero já haviam fechado suas portas, ou estavam
também fechando. Para confirmar essa hipótese, é importante fazer a seguinte
pergunta: por que somente o Mistura Fina sobrevive até os anos 2000? Bom,
primeiro observa-se como o Mistura Fina atravessa esse período do fechamento das
casas noturnas na segunda metade da década de 1980:
Teve um período em que começou a dar uma caída que foi em 90, que eu consegui ter um verão assim […]foi um momento em que as casas tavam meio, o Rio Jazz acho que tava fechando, o People também tava virando bar, eu diria em 90 […] E eu tinha muito, até 88, eu era muito jazz e instrumental, então eu comecei a abrir mais prá música brasileira […] Então eu comecei a abraçar outros segmentos como, músicos que faziam música brasileira e tal, então foi que eu fiz Paulo Moura e Rafael Rabello, e eu tive o Luizinho Eça durante dois anos, ele e o Luiz Alves, baixista, tocavam a noite inteira todas as noites. Era assim, tocavam enquanto tivesse gente [...] Com essa fase, esses dois anos e pouco do Luizinho, a gente teve coisas fantásticas!Poucos cantores, mas muito músico, então a gente cada semana, ou cada quinzena tinha a série “Luiz Eça convida”, teve até dois pianos, o Luizinho e o Marinho
59 Marcos Ariel, em entrevista feita em 07/10/2010.
63
Boffa, Francis Hime entrou nessa história. Aí eu já comecei a abrir para outros músicos. Foi de 86 até Adriana Calcanhoto. 60
Dessa forma, o Mistura Fina, já na segunda metade da década de 1980,
começa a diversificar sua programação do jazz para outras vertentes da música
instrumental brasileira, e em seguida, para a MPB e a música vocal. Nessa época, o
Mistura Fina passou a realizar temporadas de quatro, cinco dias por semana com o
mesmo artista, e nesse perfil de show case, é que a casa recebe as estréias de
cantores como Adriana Calcanhoto, Edson Cordeiro, Zélia Duncan, Cássia Eller, e
outros, lançando seus trabalhos no Rio de Janeiro. A partir disso, o Mistura Fina
segue com esse perfil no endereço de Ipanema até 1992, quando se muda para a
orla da Lagoa. Na casa da Lagoa, a partir de 1992, ele não só programa shows de
MPB e Brazilian jazz como passa a abrigar shows internacionais de jazz. Além disso,
o Mistura Fina não sobrevivia exclusivamente do lucro dos shows, ele tinha também
o restaurante. Dessa forma é que ele sobrevive até esse período, e Pedro Paulo
confirma:
Porque é muito difícil você manter uma casa de música no Brasil sem um patrocínio, quer dizer hoje, mas isso já tinha lá trás. O quê que patrocinava o que era o diferencial do Mistura não só em Ipanema, como aqui depois na Lagoa em 92, é que eu tinha a varanda e o restaurante. Quer dizer, a pessoa saía, a pessoa descia, subia, esperava mesa prá subir, então era um lugar que você ia as três horas da manhã e tinha gente.[…] Então esse mix funcionava muito bem, dentro dessas duas, uma coisa puxava a outra. […] Então eu acho que a crise das casas, eu acho que em 91 já tinha fechado o Rio Jazz club, o People virou uma casa de dança, e o Jazzmania fechou em 94, 96.[…] Eu acho que houve uma certa saturação do público […] Chegou uma hora que tinham seis casas de música instrumental, Mistura, People, Jazzmania, Rio Jazz Club […] enfim aí eu acho que ouve uma certa saturação do mercado e houve um fenòmeno eu acho que no final dos anos 90, que os músicos instrumentais começaram a tocar muito prá eles mesmos. Eu acho que foi essa coisa que saturou um pouco o mercado, porque o público que gosta de ver grandes improvisações é muito legal, eu sou um cara fanático […] mas ficou um negócio muito erudito, muito chato, porque ficavam solos intermináveis…61
A idéia de que o músico estava mais interessado em fazer música para si
mesmo nos shows, se demorando em longos improvisos pouco compreensíveis a
um público que começava a se formar nesse estilo, não buscando apresentar
60 Pedro Paulo Machado, em entrevista feita em 09/07/2010. 61 Pedro Paulo Machado, em entrevista feita em 09/07/2010.
64
performances mais dinâmicas, e mais palatáveis ao músico brasileiro foi ouvida ao
longo desse trabalho, e merece uma reflexão. No final dessa década, essa geração
de músicos que havia se formado na linguagem jazzística começa a aliar de fato a
improvisação ao seu próprio trabalho autoral, que passa a apresentar em seus
shows nessas casas noturnas. A linguagem instrumental não é uma linguagem tão
direta quanto a música vocal, que se expressa através de música e poesia. Ela é
mais sutil e necessita do público um mínimo de conhecimento acerca do assunto,
seja na questão do repertório, ou do arranjo, ainda mais, para um público que estava
em formação no país, o público de jazz. Então, ao apresentar um show constituído
praticamente de composições autorais inéditas do artista, desconhecidas do público,
entremeadas com longas seções de improvisos, talvez o artista estivesse se
esquecendo de que estaria tornando muito difícil a absorção e o interesse total
desse público. O caráter improvisativo tomou conta de tal forma, que, na maioria das
vezes, o tema era apresentado uma vez, e as seções seguintes eram compostas
todas de improvisações, algumas vezes de todos os músicos da banda. Esse
formato, se repetido em todos os números de um show, foi se tornando cansativo
para o público brasileiro, que de fato, ainda não era um público de jazz formado,
como nos Estados Unidos. É óbvio que isso não foi uma situação generalizada, mas
foi se tornando a prática comum na noite do Rio de Janeiro, no final da década de
1980, entre os músicos que ficaram no país, pois nesse mesmo período, uma
grande quantidade de músicos foi morar no exterior.
Esse é um fator que deve ser deixado de fora do conjunto de fatores que iria
impactar esse mercado nesse período, apresentado nas considerações finais desse
trabalho.
Esse momento coincide também com a época em que o Free Jazz Festival
passa a diversificar sua programação, se distanciando do jazz propriamente dito.
Além disso, coincide também com a época em que a maioria das gravadoras
independentes no Brasil foram compradas pelas grandes corporações ao preço de
15 anos do lucro estimado62, formando os grandes conglomerados, e adotando uma
estratégia de vendagem que os permitisse reaver mais rapidamente seus
investimentos e começar a lucrar. Consequentemente, as rádios, em função dos
62 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p.215.
65
acordos com as gravadoras, começam a excluir da programação toda a música que
não estava incluída nesses acordos. Essa equação será melhor analisada no
capítulo seguinte.
4.2.2 A evolução do mercado fonográfico no Brasil
A virada da década de 1980 traz muitas mudanças para o mercado. A
produtora Valéria Colela, ex-empresária de Alceu Valença, Moraes Moreira, Roupa
Nova e Marina nessa época, analisa, em entrevista:
Tinha uma mudança muito grande de postura dos empresários, muita mulher entrando no mercado prá cuidar das carreiras dos artistas, gravadoras mudando, se reciclando, entra aí, na época, a Barclay Ariola, que veio com uma mentalidade nova, ela mexeu muito com o mercado no Brasil, com a indústria fonográfica. E ela entrou assim contratando, era de lá: o Chico Buarque, o Milton Nascimento, o Ney Matogrosso, o Moraes, o Alceu, a Marina, entendeu? Ela veio renovando. 63
Nesse momento, Mazzola havia sido convidado para ser o produtor da
gravadora Ariola, que entrava no país com o objetivo de se tornar, o mais rápido
possível, conhecida como uma empresa moderna e com os melhores artistas da
música brasileira.64 Esse objetivo fez levar para a companhia grandes nomes da
MPB, tendo Adail Lessa intermediando as relações dos artistas com a empresa. A
Ariola consegue nesse início, então, dois nomes de peso para a gravadora: Chico
Buarque e Milton Nascimento, com o qual foram lançados 10 LPs, um a cada ano.
Mazzola consegue formar, no início da década de 1980, um cast de artistas
brasileiros de primeira linha: além dos já citados, Toquinho e Vinícius, Alceu
Valença, Moraes Moreira, Marina Lima, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Ney
Matogrosso, e outros. Apesar do sucesso da nova companhia e de seu crescimento,
problemas de administração levaram à compra da empresa pela holandesa
Polygram, no ano de 1981. A Ariola continuou a funcionar por mais dois anos, com
sede própria construída nos terrenos da Polygram, e, em 1982, passa a se chamar 63 Valéria Colela em entrevista realizada em14/07/2010. 64 MAZZOLA, Marco. Ouvindo estrelas: autobiografia. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007.
66
Ariola/Barclay. Ao fim desses dois anos, passa a operar com o nome de Polygram.
As contratações seguem e a empresa cresce ao longo desta década, nas mãos do
produtor Mazzola.
A expansão do mercado fonográfico brasileiro nessa época é marcada por
vendagens de discos que alcançam a casa dos milhões, e o lucro, astronômico. A
década de 1980 foi marcada pela figura do produtor musical, que sabia conduzir as
gravações na direção do sucesso, como Mazolla, Guto Graça Mello, Liminha e
outros. Esses produtores tinham nas mãos a fórmula do sucesso. Uma das
produções de Mazzola, por exemplo, “Caçador de mim”, de Milton Nascimento,
vendeu 1,1 milhão de exemplares, batendo recorde de vendagem, entre outros
vários casos de vendagem na casa dos milhões.
O mercado havia ampliado suas faixas de consumidores, apesar da crise
econômica que Midani relata atravessar com a Warner em 1980:
Surgia uma crise econômica mundial de grandes proporções, que pioraria, e muito, no Brasil, por causa do fracasso de mais um plano econômico que assolava o país ciclicamente. Duas crises simultâneas com efeito cumulativo foram fatais para a nossa economia. De repente, o mercado de discos, que vinha crescendo ao ritmo de 10% ao ano, caiu repentinamente em 30%. Na Warner, havíamos previsto um crescimento, naquele ano, de uns 20%. E ficamos 50% abaixo de nossas previsões. 65
Esse momento de crise será determinante para as novas tendências do
mercado fonográfico da década de 1980: é desse momento de crise que o mercado
descobre o rock brasileiro. Como saída para a crise da Warner, Midani vai encontrar
mais uma vez em um movimento jovem sua recuperação: parte em busca de novos
lançamentos, ao lado do então diretor artístico da gravadora Liminha (nesse
momento, Mazzola já havia se desligado da Warner e ido para a gravadora Ariola) e
de Pena Schmidt. O que encontram, no eixo Rio-São Paulo são: Kid Abelha & os
Abóboras Selvagens, Ultraje a Rigor, Titãs do Iê-Iê, Ira!, Camisa de Vênus, Kid Vinil,
Barão Vermelho e Lulu Santos. O momento era o de luta pelas “Diretas já”, em
1984, e, das mãos do próprio Ulisses Guimarães, a música “A gente somos inútil”,
da banda Ultraje a Rigor, toca no Congresso nacional, e dali, para o país inteiro.
65 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p.199.
67
Dali em diante, uma enxurrada de sucessos de rock brasileiro invadiu o
mercado e salvou a gravadora da derrocada: “os discos de outro choviam dentro da
Warner. O Rock in Rio veio coroar nossa volta ao top do mercado, em 1985.”66
Essa primeira metade da década de 1980 é marcada, portanto, pela procura
das gravadoras por seus espaços num mercado em constante expansão, lucrativo e
cheio de talentos. E assim como a Warner encontrou seu caminho no rock, outras
gravadoras também mantinham perfis segmentados: a Polygram e a CBS com a
MPB, a RCA com segmentos mais populares como o samba, e outras. Nessa
década, a maioria das grandes majors já possuía estúdios próprios no país: a Emi-
Odeon, a RCA, a Polygram.
Os investimentos nos artistas eram altos e não havia restrição de verbas
para as gravações: arranjadores, músicos, produtores, estúdios, restaurantes, tudo
estava á disposição por quanto tempo o produtor precisasse. A produtora Eliana
Peranzzetta, esposa do arranjador Gilson Peranzzetta que atuou assiduamente
nessa década fazendo arranjos para inúmeros sucessos da MPB, como Ivan Lins e
Simone, lembra: “os músicos recebiam por período, não por faixa. Recebiam por
cada pedal levado. O Gilson ficava com um talão de cheques prá levar os artistas
para o Antiquarius”. 67 E o próprio Gilson acrescenta:
Eu me lembro que quando eu comecei a tocar com o Ivan foi na RCA […] você sabe de uma coisa, o que a indústria gastava com um LP, era um negócio assim, impressionante, até se falava na Nossa Senhora dos períodos! 68
Foi nesse clima, com o estúdio à disposição 24 horas por dia, que a RCA
fabricou vários sucessos que a dupla de compositores Michael Sullivan e Paulo
Massadas compuseram na década de 1980.
A partir da segunda metade da década de 1980, com a compra das
companhias independentes que atuavam no país pelos grandes holdings, essa
indústria começa a mudar de perfil. Com a formação dos grandes conglomerados da
indústria fonográfica mundial, a operacionalidade dessa indústria começa a sofrer
mudanças radicais, uma vez que a mentalidade daqueles que estavam na direção
66 Ibid., p. 203. 67 Eliana Fonseca, em entrevista feita em 21/07/2010. 68 Gilson Peranzzetta, em entrevista feita em 21/07/2010.
68
desses holdings, que não tinham nenhuma ligação com música ou arte, era a do
lucro imediato, mentalidade essa alinhada com a realidade econômica do mercado
da década de 1980, o início da era do produto descartável. Midani interpreta bem
esse momento:
Os tecnocratas eram somente tecnocratas. Quanto melhor fossem no exercício dessa natureza, mais abismal sua distância com relação ao artista. Da mesma maneira, o artista olhava com estranheza aquele ser – o tecnocrata -, e não encontrava condições de diálogo. Entre a morosidade do processo de formação do artista e a incapacidade de comunicação entre ele e os tecnocratas, a equação da lucratividade estava definitivamente desarticulada [...] Os conglomerados queriam também recuperar os investimentos de imediato, e os lucros se tornaram o único elemento de importância. Surgiu, então, o que parecia ser a fórmula coringa redentora da cilada em que se encontrava a indústria: a canção passou a ser o astro principal, não mais o artista. Essa sim podia fazer sucesso imediatamente.69
E é nesse sentido que a indústria fonográfica passa a seguir a partir daí e
cada vez mais. A música também vai se tornando descartável. E isso gera um
problema que vai se refletir mais tarde, na década de 1990:
Começa o descartável. O que é que ficou da década de 1980?[...] Todo mundo cantava, todo mundo tocava, você botava ali, vamos embora, vende, mas não tinha uma sequência.[...] E aí em 90 eles começam a pagar a conta, né [...] Não tem catálogo, você vê que tudo é relançado quando vem a nova mídia, os cd´s começam a relançar tudo, os catálogos são de 30 anos atrás, 40 anos atrás, eles não tem catálogo da década de 80. 70
Essa era descartável, na medida em que abrevia os tempos das etapas de
produção, lançamento e consumo, não tolera mais o tempo em que se levava para
lançar um artista no mercado, e faz então, com que o trabalho da carreira do artista
seja substituído pela canção de trabalho. O ritmo dos lançamentos se torna cada vez
mais acelerado, as músicas são massificadas nas rádios, através de acordos com
promotores das gravadoras e nos programas de TV. Segundo Manolo Camero:
As gravadoras impunham aos seus vendedores e promotores o objetivo de alcançar um número x de execuções de tal sucesso nas rádios, como uma meta a ser cumprida. Em busca desse objetivo, os promotores realizavam parcerias e “barganhas” em rádios onde encontravam “uma abertura mais fácil” de exposição de seus produtos.[…] O maior fenômeno de vendas no Brasil foi um grupo chamado “Os Menudos”. […] O que antes levava três
69 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 216-217. 70 Váleria Colela, em entrevista feita em 14/072010.
69
anos para aparecer, hoje em dia, passava três anos para quase morrer, foi
uma inversão. 71
Sobre esse fenômeno, o historiador e crítico Zuza Homem de Mello ressalta:
A reposição tem que ser constante porque o desgaste é muito grande. E por que o desgaste é muito grande? Exatamente por que ele se baseia numa canção. A canção que é repetida ad nauseum se desgasta muito mais do que uma canção que não é repetida. É lógico! [...] Então o foco na canção determina uma necessidade de reposição imediata. 72
Esse novo panorama das gravadoras, relatado por Midani, foi real dentro da
Warner Communications a partir da fusão da gravadora com a editora norte-
americana de revistas e livros Time Inc. no início da década de 1990. Steve Ross,
presidente da Warner e do novo conglomerado Time Warner, veio a falecer, tendo
como seu sucessor Jerry Levin, um executivo da Time Inc. Esse, por sua vez,
nomeia como presidente da Warner Music, a despeito de outros diretores do selo
que já eram da companhia há mais de trinta anos e eram do ramo da música, um
executivo que nada tinha a ver com essa área, Bob Morgado, tendo sido apenas um
funcionário público responsável pelo controle dos orçamentos da cidade de Nova
York. E da mesma forma que este, o presidente do conglomerado nomeou para
outros postos dos setores de cinema e TV o mesmo perfil de executivos. Esse fato
causou um choque entre a antiga diretoria da Warner e os novos tecnocratas,
apelido dado por Midani aos advogados, contadores e auditores que assumiram
postos na companhia, ocasionando a saída da maioria dos antigos diretores, além
de causar atritos com os artistas.73
Todos esses problemas foram afetando a empresa, que despencou de 24%
de participação no mercado para 11%, e a divisão de música foi vendida pela terça
parte de seu valor, em 2003. Sobre essa a mentalidade dos novos diretores, relata
Manolo Camero:
O executivo ganha no lucro. O bônus é quanto a companhia vai dar. Ele não pensa em cinco anos na frente, muito menos em 10 anos! Porque ele nem sabe se vai estar lá, tem sempre a dança das cadeiras, então é um imediatismo, é uma coisa muito forte nas gravadoras. – Eu quero ter lucro, porque eu tenho um percentual no lucro. [...] Em 90 foi muito mais forte porque a ampliação do mercado, o mercado ficou mais forte, a partir dessa
71 Manolo Camero, em entrevista feita em 27/07/2010. 72 Zuza Homem de Mello, em entrevista feita em 29/07/2010. 73 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 228-230.
70
época. [...] Sim, é o auge. Os comandantes eram com características bem diferentes, nisso ele tem razão. Eu não chamaria de tecnocratas não, mas os comandantes eram homens voltados para o lucro, eu não acho que isso seja tecnocrata, mas é quase uma coisa robotizada. - Deixa eu ver, o que vende, vou por aí e não quero saber de mais nada, e todos eles tinham o amém da matriz.74
Refletindo acerca desse assunto: se o produto passa a ser apenas a
canção, a sua matriz, o artista, passa a ser secundária. O que importa é o fluxo
dinâmico e ininterrupto. Essa “máquina” passa a funcionar muito mais rapidamente e
em escala verdadeiramente industrial. Essa nova indústria controlada por cabeças
que pensavam a música apenas como produto, cujo único objetivo era o máximo
lucro, iria atingir, na década de 1990, seu auge, para na década seguinte, decair. Foi
justamente pelo fato de ter inserido a canção de trabalho na filosofia de consumo da
música popular mundial, que essa mesma indústria irá assistir, a partir da década de
1990, seus lucros escoarem pela rachadura que a Internet veio a causar a essa
indústria, ao inventar a troca de arquivos p2p, ou a própria pirataria.
74 Manolo Camero, em entrevista feita em 27/07/2010.
71
5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho, percebeu-se que as entrevistas deveriam ser
conduzidas de forma a se buscar dois objetivos: obter dados para a construção do
cenário e da comprovação da efervescência desse mercado no Rio de Janeiro na
década de 1980 e as razões do seu declínio, para que se pudesse, de fato, estudar
todo o seu ciclo. Esse olhar global do assunto foi se tornando cada vez mais
imprescindível e interessante, pois na medida em que informações e detalhes acerca
da trajetória surgiam, mais elos da história se formavam. Dessa maneira, foi se
percebendo que o resgate da trajetória desde o início era fundamental para se
encontrar as pistas que levariam à compreensão das razões pelas quais esse
mercado não se sustentou na virada de 1990. Dessa forma, a pesquisa se tornou
mais ampla do que se imaginava, abarcando desde a entrada do jazz no país.
Na introdução desta pesquisa, foi apresentada uma hipótese acerca da
consequente perda de espaços do Brazilian jazz na virada da década de 1990. Essa
hipótese dizia que a estratégia mercadológica que as gravadoras multinacionais
passaram a aplicar no mercado fonográfico brasileiro a partir da segunda metade da
década de 1980 teria enfraquecido o mercado do Brazilian Jazz em ascensão.
Os entrevistados, quando questionados acerca da colocação de André
Midani sobre a mudança de estratégia das gravadoras e seu impacto, foram
unânimes quanto à percepção de um fluxo cada vez mais crescente do produto
“descartável” no mercado fonográfico brasileiro a partir da segunda metade da
década de 1980. Esse fenômeno de entrada do descartável foi apontado no capítulo
anterior, “A evolução do mercado fonográfico no Brasil”, como sendo exatamente a
consequência decorrente dessa mudança de estratégia das multinacionais, na
direção de lucros mais rápidos, que irá encontrar seu auge na década de 1990.
Todos os entrevistados se referiram a um momento em que se pôde perceber, na
vida diária, uma penetração muito grande de produtos musicais descartáveis, de
pouca elaboração e de rápido consumo. Uns nomearam esse momento de
mediocridade como nunca havia acontecido antes no país.
Houve também uma concordância generalizada acerca da perda de
espaços na programação das rádios, e, posteriormente, esse fator foi relacionado
diretamente com a mudança das estratégias das gravadoras. Primeiramente, todos
72
os entrevistados relataram, sem hesitação, que ouviam a produção de Brazilian jazz
nas rádios que abriam espaço para essa música, não só em programas
especializados, como na programação diária na década de 1980 no Rio de Janeiro.
Relataram também, que na virada de 1990, isso foi se tornando mais raro, inseridos
em programas dedicados ao gênero, circunscritos mais a rádios de cunho cultural,
de menor audiência.
Sobre a relação com a indústria fonográfica, sua operacionalidade foi, por
conseguinte, explicada na fala do Sr. Manolo Camero, no capítulo 4, p.68-69. Com o
aumento da velocidade e do volume de lançamentos das gravadoras nesse período,
teria havido uma saturação no mercado, de tal forma que o espaço na programação
das rádios ficou supervalorizado, passando a ser negociado com as gravadoras
através de acordos financeiros, dos quais não fazia parte a música do Brazilian jazz,
por não possuir apelo popular.
O ciclo de sobrevivência das casas noturnas no Rio de Janeiro nas
décadas de 1980 e 1990 também foi analisado no capítulo 4. Percebeu-se que o
movimento inicial da criação desses espaços esteve relacionado, na maioria das
vezes, a parcerias entre músicos e empresários, num esforço conjunto. Outro
detalhe é que o interesse de ambos estava relacionado com a vontade de oferecer
espaços para o jazz na noite da cidade, observando paralelamente, que havia uma
demanda de mercado. Essa demanda foi comprovada com o sucesso desse gênero
no mercado, ainda que relativamente curto. Analisando os dados, o mercado de
casas noturnas ligadas ao Brazilian jazz, se dá entre meados de 1981 e 1996.
Impulsionado pela qualidade musical, movimentado pelo Free Jazz
Festival, pela dedicação dos sujeitos envolvidos, e, principalmente, ainda inserido
num período em que a produção ainda encontrava espaços na mídia popular – rádio
e TV principalmente – o Brazilian jazz encontrou seu auge entre os anos de 1984 e
1987. Após esse período, um conjunto de fatores passa a impactar esse mercado
que seguia em ascensão.
Foi visto que as casas noturnas do gênero que faziam parte desse
mercado e surgiram nessa época, se sustentaram até meados de 1990, sendo que
as mais representativas foram as mais longevas, como o Jazzmania, que fechou
suas portas em 1996, funcionando então por 13 anos e o Mistura Fina, a mais
longeva, que manteve suas atividades até 2002, funcionando portanto, por 18 anos.
Ambas, porém, foram diversificando sua programação inicial voltada para o jazz,
73
como solução dentro de um mercado que dava sinais de saturação, tanto pelo
número de ofertas de casas noturnas, quanto pela falta de diversificação musical.
Esses dados mostram que o mercado só irá suportar essas duas casas como
representantes do gênero, após o seu esvaziamento, por serem as mais tradicionais.
Foi visto que também o Free Jazz Festival vai diversificando sua
programação a partir da segunda metade da década de 1990, em busca de um
público mais jovem.
Mais um dado é importante nesse momento: o Plano Collor impacta
fortemente a economia no ano de 1990, causando prejuízos a produtores e uma
retração generalizada no mercado de forma geral, impactando enormemente o plano
cultural, com a suspensão de patrocínios e investimentos na área. O Plano Collor
também teve reflexos na participação do Brazilian jazz na indústria fonográfica nesse
momento, pois, se anos antes, apesar da galopante inflação, as multinacionais eram
relutantes em assumir os riscos de uma produção de música instrumental, nesse
ano essa perspectiva é praticamente nula, devido a incerteza do momento e a
necessidade de retorno imediato em meio a um mercado aterrorizado com as
incertezas financeiras.
Esse quadro se refere especificamente ao ano de 1990, tendo sido
relatado pelos entrevistados, que depois, no ano seguinte, a situação vai se
equilibrando novamente. Para o Brazilian jazz, o plano Collor representa uma cisão,
pois foi o ano de suspensão do Free Jazz Festival, o que foi suficiente para impactar
o mercado do Brazilian jazz no Rio de Janeiro. A partir do ano seguinte, o panorama
para esse mercado parece ser outro, as casas passam, gradativamente, a não
conseguir mais se sustentar com o gênero, mudando de perfil, ou fechando suas
portas. A mais longeva, o Mistura Fina, foi a única que conseguiu se manter, porque
buscou apoio e patrocínio de empresas, como de companhias aéreas, marcas de
whisky e outros.
Esse estudo analisou um gênero musical de grande elaboração artística,
inserido na esfera da chamada “música criativa”, que teve alguns espaços
específicos na cidade do Rio de Janeiro que chegaram a configurar um mercado
promissor na década de 1980, com uma sobrevivência média em torno de quinze
anos, compreendendo, portanto, de meados de 1980 à metade de 1990.
Conclui-se que somente nessa época, ou seja, até meados de 1990, foi
possível existir um mercado de música jazzística tão efervescente no Brasil. A partir
74
de meados de 1990, a dominação da música pop americana através da expansão
da indústria fonográfica, que vinha crescendo desde a década de 1970 em escala
global, encontra seu auge. Depois desse período, a nova mentalidade de
operacionalização da indústria fonográfica impossibilitou o desenvolvimento de
produtos que não davam retorno imediato. E o jazz e a música instrumental não
davam o retorno imediato que a canção mostrou nessa época ser capaz de dar. O
Brazilian jazz estava inserido na esfera do “produto cultural”, e não do produto “de
massa”, e, como característica intrínseca das relações de produção e consumo de
objetos culturais, sua operacionalização não se insere num mercado de extrema
velocidade de consumo e produção. Em outras palavras, ele não se insere no
mercado do descartável.
E se ele não se inseriu nesse mercado fonográfico brasileiro desse
momento, ele não foi o único. A MPB e outros gêneros de música brasileira
elaborada também foram impactados pela mudança da indústria fonográfica nesses
meados da década de 1990, de forma irreversível, até os anos 2000, quando a
indústria fonográfica se vê dissolvida impactada pela Internet. A partir da segunda
metade da década de 1990, o Brasil começa a sofrer um processo tão intenso de
massificação de produtos descartáveis, que os espaços, digamos dos produtos
culturais, vão se tornando cada vez mais alternativos.
Dessa forma, a hipótese de que a mudança de estratégia que as grandes
gravadoras multinacionais passaram a aplicar no mercado fonográfico brasileiro na
virada dos anos 1990 impactou de fato o mercado de Brazilian jazz, se comprova
como um dos fatores que levaram a desaceleração desse mercado, uma vez que de
fato, excluiu essa produção da programação das rádios, principal canal de
divulgação do mercado da música da época. Somam-se a esse momento, o impacto
do Plano Collor e os sucessivos fechamentos das casas noturnas a partir de 1990, já
não conseguindo se sustentar no mesmo modelo de música ao vivo que vinham
operando.
Somente nos anos 2000, com a segmentação que a Internet vem
instaurar, com o investimento de algumas gravadoras no gênero, como a Biscoito
Fino e a Delira Música, com a Lei Rouanet e as políticas públicas tratando a música
instrumental como projeto especial dando incentivos fiscais, é que o mercado de
música instrumental pôde se movimentar novamente.
75
E o panorama atual aponta para um caminho mais promissor que o de
1980, na medida em que torna mais acessível à população a fruição desses
produtos, através da realização de festivais de música (neles incluído o jazz e a
música instrumental em geral) com entrada gratuita ou a preços acessíveis a
população, em locais de fácil acesso ou em regiões do interior, contribuindo assim
para a formação de público, fator fundamental para a consolidação de um gênero
musical.
76
REFERÊNCIAS
ANTOLOGIA: Prêmio Torquato Neto. Rio de Janeiro: RioArte, 1984. BASTOS, Marina Beraldo; PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo. O desenvolvimento histórico da “música instrumental”: o jazz brasileiro. SIMPÓSIO DE PESQUISA EM MÚSICA, 2., 2005, Curitiba. Anais... Curitiba: DeArtes-UFPR, 2005. CALLADO, C. O jazz como espetáculo. São Paulo: Perspectiva, 2007. CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. 3.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo : Atlas, 1991. GODOY, A. O nascimento da música instrumental brasileira. Revista Comunicação & entretenimento da USP, São Paulo, ano 12, n. 3, p. 92, set./dez. 2007. GUIMARÃES, Celso. Banda black Rio: transformações do samba na década de 1970. In: CONGRESSO DA ANPPOM, 17., 2007, São Paulo. Anais... São Paulo, 2007 MAZZOLA, Marco. Ouvindo estrelas: autobiografia. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007. MELLO, Zuza de homem de. Música nas veias. São Paulo: Editora 34, 2007. MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. MORELLI, Rita C.L. Indústria fonográfica: um estudo antropológico. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 2009. MOTTA, Nelson. Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. MOURA, Paulo. Paulo Moura: biografia. Disponível em: http://www.paulomoura.com/sec_biografia.php. Acesso em: 05 ago. 2010. MULLER, Daniel Gustavo Mingotti. A experiência do selo Som da Gente. In: CONGRESSO INTERNO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNICAMP, 9., 2001, Campinas. Anais... Campinas: UNICAMP, 2001. PIEDADE, A.T. de Camargo. Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades. In: CONGRESSO DA ANPPOM, 15., 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2005.
77
RAFAELLI, José Domingos. A história do samba jazz. Disponível em: http://ensaios.musicodobrasil.com.br/josedomingosraffaelli-historiadosambajazz.htm. Acesso em: 12 ago. 2010. REIS, Ana Carla Fonseca; MARCO, Kátia de (Org.). Economia da cultura: idéias e vivências. Rio de Janeiro: e-Livre, 2009. Disponível em: http://www.gestaocultural.org.br/pdf/economia-da-cultura.pdf. Acesso em: 15 jul. 2010.
78
GLOSSÁRIO
Mercado fonográfico – mercado de produção e circulação de música, que
sobrevive a base de lançamentos fonográficos, seja em qualquer suporte: vinil,
CD, K-7, etc.
Música instrumental – termo que designa uma execução musical a base só de
instrumentos musicais, sem a presença do canto.
Brazilian jazz – termo escolhido para designar o gênero de música popular
brasileira, em sua maioria instrumental, que adota a improvisação na mistura de
elementos do jazz com elementos de várias vertentes da música brasileira.
Gravadoras Multinacionais – conglomerados de comunicação de atuação global
atuantes na indústria fonográfica.
79
APÊNDICE A – Roteiros das entrevistas
Entrevista 1 – Délia Fischer
1. Como foi seu envolvimento com a música instrumental e o Brazilian jazz?
2. Houve uma geração de grandes músicos que, em sua maioria, com o
crescimento da bossa nova, foi morar fora do país, entre as décadas 60 e 70.
Como era o espírito dessa geração de músicos da década de 80, ou seja, havia
ainda esse pensamento de deixar o país, ou o pensamento era mais
nacionalista?
3. Qual era o panorama do mercado do Brazilian Jazz no Rio de Janeiro na década
de 80; ou seja, qual era a trajetória de trabalho comum a esses músicos?
4. Como era, na sua percepção, a recepção do público e qual era esse público?
5. Havia interesse crescente por parte das gravadoras na década de 80? Era difícil
gravar seu trabalho?
6. Na sua opinião, qual foi a importância do Festival Free Jazz para o Brazilian
Jazz?
7. Por que, na sua opinião, houve uma diminuição abrupta desse mercado?
8. Em que momento você percebe que começa uma diminuição?
Entrevista 2 – Marcos Ariel
1 Seu primeiro disco, Bambu, foi lançado logo no início da década de 80, em 1981,
recebeu o prêmio Chiquinha Gonzaga em 1983, e em 1986 já era lançado na
França. Como foi a sua formação musical na década de 70 e quais foram suas
influências para que você já tivesse, nessa época, o domínio dessa linguagem
que seria o novo “jazz brasileiro”?
2 Como você analisa o crescimento do mercado de Brazilian Jazz, ao longo da
década de 70, ou seja, já havia oferta artística e público consumidor para esse
mercado nessa época?
3 Em que ano foi inaugurado o Jazzmania? Qual o perfil do público da casa no
começo?
80
4 O mundo assiste, hoje em dia, à uma revolução na indústria fonográfica. Você
lançou 12 discos no Brasil, entre 1981 e 1996; como era o comportamento do
produtor fonográfico nesse mercado, ou seja, havia interesse por parte das
gravadoras, e de que forma se tornava possível, se gravar um disco de Brazilian
Jazz?
5 Como você analisaria o mercado do Brazilian Jazz, ou seja, por onde ele começa
a surgir, que rádios o sustentam e que casas noturnas o divulgam?
6 Você participou do Free Jazz em 1986 e 1987, no Rio e em São Paulo. Qual foi,
na sua opinião, a importância do Free Jazz para o crescimento do mercado do
Brazilian Jazz?
7 No final da década de 80, depois do êxito do disco“Terra de índio” nos Estados
Unidos, você parte para Los Angeles, onde continua sua carreira. Nessa mesma
época, muitos outros músicos brasileiros, que alcançaram projeção no exterior,
também se mudam. Isso aconteceu, com esse mesmo perfil, no final da década
de 60, com o sucesso da bossa nova, quando grandes músicos brasileiros
também foram morar no exterior, e a bossa nova ganhou o mundo, mas perdeu
aqui muitos de seus grandes nomes. Qual foi o fator mais importante, que mais
influenciou a sua saída nessa época?
8 O ano de 1990 sofreu, com o Plano Collor, um “baque” muito forte em todos os
setores da economia, e também na música. Você acha que ele teria “atingido em
cheio” o Brazilian Jazz, diminuindo consideravelmente o poder de consumo do
público, e ajudando a minar esse mercado?
9 O empresário André Midani, em seu livro, Música, ídolos e Poder, do vinil ao
download, afirma que a substituição de produtores sensíveis à qualidade musical
por tecnocratas na direção das gravadoras, teria sido um ponto crucial para a
mudança do mercado brasileiro de música. Segundo André Midani, nesse
momento, na virada da década de 90, em busca de lucros maiores, as
gravadoras partem para uma estratégia mais agressiva no mercado brasileiro,
massificando produtos de fácil consumo nas rádios, como o pagode e o axé, e
diminuindo os espaços para outros gêneros de melhor qualidade. Era perceptível
esse fenômeno no final da década de 80?
81
10 Nessa época, segundo André, as rádios escolhiam sua programação pela
qualidade musical. Como era a participação do Brazilian Jazz e em que momento
a Rádio Globo FM diminui o espaço do Brazilian Jazz de sua programação?
11 O Free Jazz seguiu década de 90 adentro, diversificando cada vez mais sua
programação, porém, as casas noturnas que apresentavam esse gênero foram
mudando suas programações e fechando suas portas uma a uma. A quê, na sua
opinião, se deve esse fenômeno?
12 Você teve três programas de jazz na Rádio Globo FM entre 1996 e 1998. Como
era a audiência? Como você percebe o mercado do Brazilian Jazz, nessa
década?
Entrevista 3 – Valéria Colela
1 Em que período você produziu o Moraes Moreira? Como vc analisaria o
crescimento da indústria fonográfica nesse período?
2 E no período do Roupa Nova?
3 O Brazilian jazz foi um gênero de música, em sua maioria instrumental, que teve
um grande crescimento e um mercado efervescente no Rio de janeiro na década
de 80. Você acha que o combustível que o rock brasileiro deu para a indústria
fonográfica nessa época, beneficiou a produção de MPB de forma geral, e
consequentemente a do Brazilian jazz?
4 Quais você via mais representativos e de que forma a gravadora veiculava estes
artistas?
5 Como você percebia esse momento: essa produção tocava nas rádios? Quais?
Em que momento deixou de tocar?
6 Haviam várias casas de shows no Rio de Janeiro, na década de 80, cuja
programação era referencialmente jazzística, como o Jazzmania, que foi a
primeira, e muitas outras, que vieram a seguir. Em 1985, nasce o Free jazz, no
Rio e em São Paulo. Como você analisa o impacto do Free Jazz nessas casas
noturnas do Rio de Janeiro, que exibiam artistas de jazz, tanto brasileiros quanto
internacionais?
7 No final da década de 80, porém, a programação dessas casas começa a se
diversificar, trazendo também artistas da MPB, de notoriedade para sua
82
programação. Porque vc acha que ficou difícil manter uma programação
essencialmente jazzísitica por mais tempo?
8 O empresário André Midani, em seu livro, Música, ídolos e Poder, do vinil ao
download, afirma que a substituição de produtores sensíveis à qualidade musical
por tecnocratas na direção das gravadoras, teria sido um ponto crucial para a
mudança do mercado brasileiro de música. Segundo André Midani, nesse
momento, na virada da década de 90, em busca de lucros maiores, as
gravadoras partem para uma estratégia mais agressiva no mercado brasileiro,
massificando produtos de fácil consumo nas rádios, como o pagode e o axé, e
diminuindo os espaços para outros gêneros de melhor qualidade. Era perceptível
esse fenômeno no final da década de 80?
9 O ano de 1990 sofreu, com o Plano Collor, um “baque” muito forte em todos os
setores da economia, e também na música. Você acha que ele teria “atingido em
cheio” o Brazilian Jazz, diminuindo consideravelmente o poder de consumo do
público, e ajudando a minar esse mercado?
Entrevista 4 –Cláudio Daueslberg
1 Como foi seu envolvimento com a música instrumental e o Brazilian jazz?
2 Qual era o panorama do mercado do Brazilian Jazz no Rio de Janeiro na década
de 80?
3 Como era o comportamento do produtor fonográfico nesse mercado, ou seja,
havia interesse por parte das gravadoras, e de que forma se tornava possível, se
gravar um disco de Brazilian Jazz?
4 Nessa época, segundo André Midani, as rádios escolhiam sua programação mais
pela qualidade musical do que por acordos com as gravadoras. Como era a
participação do Brazilian Jazz e em que momento a Rádio Globo FM diminui o
espaço do Brazilian Jazz de sua programação?
5 Na sua opinião, qual foi a importância do Free Jazz para o mercado do Brazilian
Jazz?
6 O Free Jazz seguiu década de 90 adentro, diversificando cada vez mais sua
programação, porém, as casas noturnas que apresentavam esse gênero foram
83
mudando suas programações e fechando suas portas uma a uma. A quê, na sua
opinião, se deve esse fenômeno?
7 Você manteve uma carreira instrumental com lançamentos no Brasil ao longo da
década de 90 e 2000; como você analisa o mercado do Brazilian jazz a partir de
90?
8 Por que, na sua opinião, houve uma diminuição abrupta desse mercado?
9 O empresário André Midani, em seu livro, Música, ídolos e Poder, do vinil ao
download, afirma que a substituição de produtores sensíveis à qualidade musical
por tecnocratas na direção das gravadoras, teria sido um ponto crucial para a
mudança do mercado brasileiro de música. Segundo André Midani, nesse
momento, na virada da década de 90, em busca de lucros maiores, as
gravadoras partem para uma estratégia mais agressiva no mercado brasileiro,
massificando produtos de fácil consumo nas rádios, como o pagode e o axé, e
diminuindo os espaços para outros gêneros de melhor qualidade. Era perceptível
esse fenômeno no final da década de 80?
10 O ano de 1990 sofreu, com o Plano Collor, um “baque” muito forte em todos os
setores da economia, e também na música. Você acha que ele teria “atingido em
cheio” o Brazilian Jazz, diminuindo consideravelmente o poder de consumo do
público, e ajudando a minar esse mercado?
Entrevista 5 – Jurim Moreira
1 Você participou ativamente como baterista do mercado fonográfico na década de
80, gravando com artistas representativos da MPB em diversas gravadoras.
Como você vê esse período da indústria fonográfica no Brasil?
2 Você integrou em 87, a excelente Banda Zil, um dos grupos representativos do
Brazilian jazz na década de 80. Como era esse mercado, ou seja, por onde ele
começa a surgir, que rádios o sustentam e que casas noturnas o divulgam?
3 Por qual razão o CD da Banda Zil não foi lançado no Brasil, em 92?
4 Na sua opinião, qual foi o impacto do Free Jazz nesse mercado?
5 Como era o comportamento do produtor fonográfico nesse mercado, ou seja,
havia interesse por parte das gravadoras, e de que forma se tornava possível, se
gravar um disco de Brazilian Jazz?
84
6 Nessa época, segundo André Midani, as rádios escolhiam sua programação mais
pela qualidade musical do que por acordos com as gravadoras. Como era a
participação do Brazilian Jazz e em que momento a Rádio Globo FM diminui o
espaço do Brazilian Jazz de sua programação?
7 O Free Jazz seguiu década de 90 adentro, diversificando cada vez mais sua
programação, porém, as casas noturnas que apresentavam esse gênero foram
mudando suas programações e fechando suas portas uma a uma. A quê, na sua
opinião, se deve esse fenômeno?
8 Você nunca se interessou em morar fora do país, como muitos grandes músicos
fizeram?
9 O empresário André Midani, em seu livro, Música, ídolos e Poder, do vinil ao
download, afirma que a substituição de produtores sensíveis à qualidade musical
por tecnocratas na direção das gravadoras, teria sido um ponto crucial para a
mudança do mercado brasileiro de música. Segundo André Midani, nesse
momento, na virada da década de 90, em busca de lucros maiores, as
gravadoras partem para uma estratégia mais agressiva no mercado brasileiro,
massificando produtos de fácil consumo nas rádios, como o pagode e o axé, e
diminuindo os espaços para outros gêneros de melhor qualidade. Era perceptível
esse fenômeno no final da década de 80?
10 O ano de 1990 sofreu, com o Plano Collor, um “baque” muito forte em todos os
setores da economia, e também na música. Você acha que ele teria “atingido em
cheio” o Brazilian Jazz, diminuindo consideravelmente o poder de consumo do
público, e ajudando a minar esse mercado?
Entrevistas 6 e 7 – Gilson Peranzzetta e Eliana Fonseca
(Essas entrevistas possuem apenas um roteiro. A entrevista de Eliana Fonseca
aconteceu conjuntamente com a do Gilson Peranzzetta, pelo fato dela estar
presente, informalmente, sem estar previamente programada)
1 Você gravou um cd de trio, ainda na década de 60, o Tema Três, lançado em 67.
Como foi seu envolvimento com a música instrumental e o Brazilian jazz?
85
2 Você passou praticamente metade da década de 70 fora do Brasil, e a outra
metade, você já estava com o Ivan Lins, aqui de volta. Como você via a indústria
fonográfica nessa época?
3 A década de 80 foi muito frutífera na sua carreira? Qual era o panorama do
mercado do Brazilian Jazz no Rio de Janeiro na década de 80?Quais foram as
condições de sua emergência?
4 Como era o comportamento do produtor fonográfico nesse mercado, ou seja,
havia interesse por parte das gravadoras, e de que forma se tornava possível, se
gravar um disco de Brazilian Jazz?
5 Nessa época, segundo André Midani, as rádios escolhiam sua programação mais
pela qualidade musical do que por acordos com as gravadoras. Como era a
participação do Brazilian Jazz e em que momento a Rádio Globo FM diminui o
espaço do Brazilian Jazz de sua programação?
6 Na sua opinião, qual foi a importância do Free Jazz para o mercado do Brazilian
Jazz?
7 O Free Jazz seguiu década de 90 adentro, diversificando cada vez mais sua
programação, porém, as casas noturnas que apresentavam esse gênero foram
mudando suas programações e fechando suas portas uma a uma. A quê, na sua
opinião, se deve esse fenômeno?
8 Você manteve uma carreira instrumental com lançamentos no Brasil ao longo da
década de 90 e 2000; como você analisa o mercado do Brazilian jazz a partir de
90?
9 Por que, na sua opinião, houve uma diminuição abrupta desse mercado?
10 O empresário André Midani, em seu livro, Música, ídolos e Poder, do vinil ao
download, afirma que a substituição de produtores sensíveis à qualidade musical
por tecnocratas na direção das gravadoras, teria sido um ponto crucial para a
mudança do mercado brasileiro de música. Segundo André Midani, nesse
momento, na virada da década de 90, em busca de lucros maiores, as
gravadoras partem para uma estratégia mais agressiva no mercado brasileiro,
massificando produtos de fácil consumo nas rádios e diminuindo os espaços para
outros gêneros de melhor qualidade. Era perceptível esse fenômeno no final da
década de 80?
86
11 O ano de 1990 sofreu, com o Plano Collor, um “baque” muito forte em todos os
setores da economia, e também na música. Você acha que ele teria “atingido em
cheio” o Brazilian Jazz, diminuindo consideravelmente o poder de consumo do
público, e ajudando a minar esse mercado?
Entrevista 8 – Mike Ryan
1 Você é australiano, músico de jazz, e Doutor em ethnomusicologia. Chegou no
Rio de Janeiro em 1985. Como você via o crescimento da música instrumental
brasileira nesse período?
2 Muitos espaços surgiram para o Brazilian jazz no Rio de Janeiro nesse período.
O mercado cresce e seu público se expande. Como você acha que esse novo
público se relacionava com essa música?
3 Na década de 80, a indústria fonográfica continua a crescer em número de
vendagem, alavancada também pelo surgimento do rock brasileiro. Você acha
que esse crescimento alavancado beneficiou também o mercado fonográfico do
Brazilian jazz?
4 Como você analisaria o mercado do Brazilian Jazz, ou seja, por onde ele começa
a surgir, que rádios o sustentavam e que casas noturnas o divulgavam?
5 O Free Jazz Festival foi de uma importância muito grande para a interação entre
a música brasileira e a o jazz norte-americano. Como você vê o impacto do Free
jazz para o mercado do Brazilian jazz?
6 Em que aspectos você acha que o mercado do jovem Brazilian jazz era
semelhante, e em que aspectos era particularmente diferente, dos mercados de
jazz em outras partes do mundo, como Austrália ou Europa?
7 O empresário André Midani, em seu livro, Música, ídolos e Poder, do vinil ao
download, afirma que a substituição de produtores sensíveis à qualidade musical
por tecnocratas na direção das gravadoras, teria sido um ponto crucial para a
mudança do mercado brasileiro de música. Segundo André Midani, nesse
momento, na virada da década de 90, em busca de lucros maiores, as
gravadoras partem para uma estratégia mais agressiva no mercado brasileiro,
massificando produtos de fácil consumo nas rádios, como o pagode e o axé, e
diminuindo os espaços para outros gêneros de melhor qualidade. Era perceptível
esse fenômeno no final da década de 80?
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8 Nessa época, segundo André, as rádios escolhiam sua programação pela
qualidade musical. Como era a participação do Brazilian Jazz e quais seus
músicos mais representativos?
9 O Free Jazz seguiu década de 90 adentro, diversificando cada vez mais sua
programação, porém, as casas noturnas que apresentavam esse gênero foram
mudando suas programações e fechando suas portas uma a uma. Na sua
opinião, porque houve esse brusco esvaziamento a partir da década de 90?
10 Você acha que o Plano Collor em 1990 está ligado a isso?
11 Você acha possível esse mercado do Brazilian jazz se reaquecer, angariando um
novo público e reconquistando um espaço ao lado do choro e do samba?
Entrevista 9 – Manolo Camero
1 O Brazilian jazz foi um gênero de música, em sua maioria instrumental, que teve
um grande crescimento e um mercado efervecente no Rio de janeiro na década
de 80. Nessa época, o senhor era presidente da RCA...gravadora que investiu no
Duo Fênix. Por que razão a indústria fonográfica começa a se interessar e a
investir nesse gênero?
2 O investimento chegava a se pagar? Havia investimento em marketing para esse
gênero?
3 Qual era a expectativa das gravadoras com relação a esse mercado?
4 Nessa época, essa produção de música instrumental tocava em rádios como a
Globo FM, por exemplo. Esse fato realmente alavancava as vendas?Em no
momento em que deixou de tocar, prejudicou?
5 O empresário André Midani, em seu livro, Música, ídolos e Poder, do vinil ao
download, afirma que a substituição de produtores sensíveis à qualidade musical
por tecnocratas na direção das gravadoras, teria sido um ponto crucial para a
mudança do mercado brasileiro de música. Segundo André Midani, nesse
momento, na virada da década de 90, em busca de lucros maiores, as
gravadoras partem para uma estratégia mais agressiva no mercado brasileiro,
massificando produtos de fácil consumo nas rádios e diminuindo os espaços para
outros gêneros de melhor qualidade. O senhor concorda com essa afirmação?
6 Se positivo, como foi essa estratégia?
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7 O ano de 1990 sofreu, com o Plano Collor, um “baque” muito forte em todos os
setores da economia, e também na música. De que forma ele afetou o mercado
fonográfico?
8 O Senhor acha que o pagamento do “jabá”, o qual as gravadoras eram
submetidas a pagar para que as rádios tocassem suas produções, teria excluído
produções de menor investimento da programação das rádios, a partir da década
de 90?
9 Na sua opinião, por que o mercado de Brazilian jazz se desestruturou a partir da
década de 90?
Entrevista 10 – Zuza Homem de Mello
1 Houve no Brasil, na década de 80, um mercado de música instrumental – cujo
embrião se deu na década de 60, com os trios e conjuntos instrumentais da
bossa nova - que floresceu na década de 70 com o surgimento de novas
experimentações musicais nas mãos de Hermeto e Egberto, por exemplo, e teve
seu auge nos anos finais de 80 com o amadurecimento desse mercado que
daqui prá frente, denomino de Brazilian jazz. Como você vê essa trajetória do
Brazilian jazz?
2 Você levou ao ar, por 11 anos consecutivos, o “Programa do Zuza”, programa
diário na Rádio Jovem Pan, “sem nenhum preconceito de gênero musical, que
tocava de Charlie Parker a Tonico e Tinoco”. Qual era a participação do Brazilian
jazz na programação?
3 Como era a receptividade do público-ouvinte da rádio com esse gênero?
4 Na década de 80, no Rio de Janeiro, muitas casas noturnas foram importantes no
ciclo da cadeia produtiva desse mercado. Isso se deu dessa forma também em
São Paulo?
5 Você foi curador de todas as 15 edições do Free Jazz. Como você analisa o
impacto do Free jazz no mercado do Brazilian jazz?
6 O empresário André Midani, em seu livro, Música, ídolos e Poder, do vinil ao
download, afirma que a substituição de produtores sensíveis à qualidade musical
por tecnocratas na direção das gravadoras, teria sido um ponto crucial para a
mudança do mercado brasileiro de música. Segundo André Midani, nesse
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momento, na virada da década de 90, em busca de lucros maiores, as
gravadoras partem para uma estratégia mais agressiva no mercado brasileiro,
massificando produtos de fácil consumo nas rádios, e diminuindo os espaços
para outros gêneros de melhor qualidade. O que você acha dessa afirmação do
André Midani?
7 O ano de 1990, parece ser um marco divisor na música brasileira em geral.
Houve o Plano Collor com todas as suas dramáticas consequências para a
cultura do país. Foi também um ano em que não houve o Free jazz. Como você
vê esse momento?
8 Na sua opinião, porque há o esvaziamento desse mercado na virada dos anos
90?
9 O que faltou para esse mercado se consolidar?
10 Como você vê esse mercado hoje?
Entrevista 11 – Pedro Paulo Machado
1 O Brazilian jazz foi um gênero de música, em sua maioria instrumental, que teve
um grande crescimento e um mercado efervescente no Rio de janeiro na década
de 80.Quando surgiu o Mistura Fina? Em que ano fechou?
2 Como era o faturamento da casa na primeira fase, em Ipanema? E depois, na
Lagoa?
3 Quais critérios você priorizava na escolha do artista para se apresentar na casa?
4 As gravadoras participavam na produção de shows de artistas nacionais?
5 Haviam várias casas de shows no Rio de Janeiro, na década de 80, cuja
programação era referencialmente jazzística. Chegava a existir um”clima” de
concorrência?
6 A década de 80 foi melhor que a de 90, em termos de faturamento?
7 No final da década de 80, porém, a programação dessas casas começa a se
diversificar, trazendo também artistas da MPB, de notoriedade para sua
programação. Porque ficou difícil manter uma programação essencialmente
jazzísitica por mais tempo?
8 Você sentiu muito forte o baque do Plano Collor, em 1990?
9 Porque o Mistura fechou?
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10 Em 1985, nasce o Free jazz, no Rio e em São Paulo. Como você analisa o
impacto do Free Jazz nessas casas noturnas do Rio de Janeiro, que exibiam
artistas de jazz, tanto brasileiros quanto internacionais?
11 O empresário André Midani, em seu livro, Música, ídolos e Poder, do vinil ao
download, afirma que a substituição de produtores sensíveis à qualidade musical
por tecnocratas na direção das gravadoras, teria sido um ponto crucial para a
mudança do mercado brasileiro de música. Segundo André Midani, nesse
momento, na virada da década de 90, em busca de lucros maiores, as
gravadoras partem para uma estratégia mais agressiva no mercado brasileiro,
massificando produtos de fácil consumo nas rádios, como o pagode e o axé, e
diminuindo os espaços para outros gêneros de melhor qualidade. Era perceptível
esse fenômeno no final da década de 80?
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ANEXO A - Termos de consentimento livre e esclarecido