o brasil na pré-história

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O Brasil antes do Brasil Quando os europeus nem pensavam em aportar por aqui, nosso território já era ocupado por diversas sociedades organizadas que pouco a pouco se tornam mais conhecidas DÉBORA DIDONÊ [email protected] Colaborou DECA PINTO Infografia ALESSANDRO MEIGUINS, SATTU E LUIZ IRIA Os sítios arqueológicos Vestígios de civilizações que aqui viveram há milhares de anos, além de ossadas de animais hoje extintos, estão espalhados pelo país Local: Monte Alegre, PA Descoberta: conjunto de 14 sítios com pinturas rupestres de cerca de 10 mil anos em grutas e paredões a céu aberto MONTE ALEGRE Local: São Raimundo Nonato, PI Descoberta: restos de carvão fossilizado, o registro mais antigo do homem nas Américas, de mais de 40 mil anos TOCA DO BOQUEIRÃO DA PEDRA FURADA Local: Lagoa Santa, MG Descoberta: cerca de 500 esqueletos humanos, além do crânio de Luzia, o mais antigo das Américas, com 11,5 mil anos LAPA VERMELHA Local: Rio Claro, SP Descoberta: vestígios líticos (artefatos de pedra produzidos pelo homem) com mais de 14 mil anos ALICE BOER Local: Iranduba, AM Descoberta: vestígios de habitações em torno de uma praça central e vala defensiva construída há mil anos HATAHARA Local: Ilha do Marajó, PA Descoberta: vestígios de mais de 30 aterros que serviam como palafitas e peças de cerâmica marajoara com mais de mil anos CAMUTINS Local: Parque Indígena do Xingu, MT Descoberta: depressões terrestres indicando que conjuntos de aldeias se ligavam por largas estradas há 1,1 mil anos ALDEIA KUIKURO DE IPATSE Local: Florianópolis, SC Descoberta: com 30 metros de altura e 200 de diâmetro, o maior depósito de conchas e ossadas do mundo, com mais de 3,7 mil anos SAMBAQUI GAROPABA DO SUL Local: Ilha do Cardoso, SP Descoberta: um dos mais antigos do país, com 8 mil anos, construído em terra firme e ocultado pelas variações do nível do mar SAMBAQUI SUBMERSO IPATSE Local: Chapada Diamantina, BA Descoberta: esqueleto completo de uma preguiça-gigante, de 11 mil anos, além de ossos de outros animais, como o mastodonte GRUTA ALAGADA DO POÇO AZUL Capa História A pré-história do Brasil e do mundo Europa, Ásia e África Brasil e América PALEOLÍTICO MESOLÍTICO PALEOÍNDIO ARCAICO FORMATIVO OU HORTICULTOR ANCESTRAIS Vive o homem de Toumai, a mais antiga espécie anterior à humana, encontrada no deserto do Chade, na África Central 7 milhões* DUAS PERNAS A espécie humana está desenvolvida. O Homo sapiens arcaico adquire posição ereta e usa as mãos para produzir ferramentas 200 mil anos FOGO Vive onde hoje é o Piauí, e lá acende fogueiras, o “homem de Pedra Furada”, o mais antigo das Américas 40 mil anos CAÇA E FOGO Adaptado à natureza, o homem usa o fogo para espantar animais. É coletor e caçador e fabrica objetos de pedra lascada TRAL 12 mil anos ARTE O homem domestica animais e desenvolve a agricultura. Também produz peças com preocupação estética, como a cerâmicaRAL 7 mil anos ANIMAIS Nômades dividem espaço com grandes animais. Onde hoje é Minas Gerais viveu a mulher chamada por estudiosos de Luzia 11 mil anos SEDENTARISMO A agricultura se desenvolve, e os territórios são ocupados com obras como estradas e barragens 4 mil anos ERA GLACIAL O frio em áreas de glaciações leva o homem a se refugiar em cavernas e a usar o fogo para obter aquecimento e luz 9 mil anos METAIS A técnica da metalurgia com ferro e bronze é usada, por exemplo, para conter enchentes entre o povo mesopotâmico TECNOLOGIA Sociedades seminômades aprimoram técnicas de caça, pesca e moradia, como os povos dos sambaquis 2 mil anos GLOBALIZAÇÃO Os europeus buscam novas terras. A esquadra de Colombo chega à América em 1492 e a de Cabral, ao Brasil em 1500 500 anos ESCRITA A escrita surge na China, com símbolos pictóricos; no Egito, com os hieróglifos; e, na Mesopotâmia, em forma cuneiforme DE CHADE, NA ÁFRICA CENTRAL 5 mil anos 11,5 mil anos * Datação em A. P. (antes do presente) NEOLÍTICO

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Page 1: O brasil na pré-história

O Brasil antes do BrasilQuando os europeus nem pensavam em aportar por aqui, nosso território já era ocupado por diversas sociedades organizadas que pouco a pouco se tornam mais conhecidas DÉBORA DIDONÊ [email protected] Colaborou DECA PINTO

Infografia ALESSANDRO MEIGUINS, SATTU E LUIZ IRIA

Os sítios arqueológicosVestígios de civilizações que aqui viveram há milhares de anos, além de ossadas de animais hoje extintos, estão espalhados pelo país

Local: Monte Alegre, PADescoberta: conjunto de 14 sítios com pinturas rupestres de cerca de10 mil anos em grutas e paredões a céu aberto

MONTE ALEGRE Local: São Raimundo Nonato, PI Descoberta: restos de carvão fossilizado, o registro mais antigo do homem nas Américas, de mais de 40 mil anos

TOCA DO BOQUEIRÃO DA PEDRA FURADA

Local: Lagoa Santa, MGDescoberta: cerca de 500 esqueletos humanos, além do crânio de Luzia, o mais antigo das Américas, com 11,5 mil anos

LAPA VERMELHA

Local: Rio Claro, SPDescoberta: vestígios líticos (artefatos de pedra produzidos pelo homem) com mais de 14 mil anos

ALICE BOER

Local: Iranduba, AMDescoberta: vestígios de habitações em torno de uma praça central e vala defensiva construída há mil anos

HATAHARA

Local: Ilha do Marajó, PADescoberta: vestígios de mais de 30 aterros que serviam como palafitas e peças de cerâmica marajoara com mais de mil anos

CAMUTINS

Local: Parque Indígena do Xingu, MTDescoberta: depressões terrestres indicando que conjuntos de aldeias se ligavam por largas estradas há 1,1 mil anos

ALDEIA KUIKURO DE IPATSE

Local: Florianópolis, SCDescoberta: com 30 metros de altura e 200 de diâmetro, o maior depósito de conchas e ossadas do mundo, com mais de 3,7 mil anos

SAMBAQUI GAROPABA DO SUL

Local: Ilha do Cardoso, SPDescoberta: um dos mais antigos do país, com 8 mil anos, construído em terra firme e ocultado pelas variações do nível do mar

SAMBAQUI SUBMERSO IPATSE

Local: Chapada Diamantina, BADescoberta: esqueleto completo de uma preguiça-gigante, de 11 mil anos, além de ossos de outros animais, como o mastodonte

GRUTA ALAGADA DO POÇO AZUL

CapaHistória

A pré-história do Brasil e do mundo

Europa, Ásia e África Brasil e América

PALEOLÍTICO MESOLÍTICO

PALEOÍNDIO ARCAICO FORMATIVO OU HORTICULTORANCESTRAISVive o homem de Toumai, a mais antiga espécie anterior à humana, encontrada no deserto do Chade, na África Central

7 milhões*

DUAS PERNASA espécie humana está desenvolvida. O Homo sapiens arcaico adquire posição ereta e usa as mãos para produzir ferramentas

200 mil anos

FOGOVive onde hoje é o Piauí, e lá acende fogueiras, o “homem de Pedra Furada”, o mais antigo das Américas

40 mil anos

CAÇA E FOGOAdaptado à natureza, o homem usa o fogo para espantar animais. É coletor e caçador e fabrica objetos de pedra lascadaTRAL

12 mil anos

ARTEO homem domestica animais e desenvolve a agricultura. Também produz peças com preocupação estética, como a cerâmicaRAL

7 mil anos

ANIMAISNômades dividem espaço com grandes animais. Onde hoje é Minas Gerais viveu a mulher chamada por estudiosos de Luzia

11 mil anos

SEDENTARISMOA agricultura se desenvolve, e os territórios são ocupados com obras como estradas e barragens

4 mil anos

ERA GLACIALO frio em áreas de glaciações leva o homem a se refugiar em cavernas e a usar o fogo para obter aquecimento e luz

9 mil anos

METAISA técnica da metalurgia com ferro e bronze é usada, por exemplo, para conter enchentes entre o povo mesopotâmico

TECNOLOGIASociedades seminômades aprimoram técnicasde caça, pesca e moradia, como os povos dos sambaquis

2 mil anos

GLOBALIZAÇÃOOs europeus buscam novas terras. A esquadra de Colombo chega à América em 1492 e a de Cabral,ao Brasil em 1500

500 anos

ESCRITAA escrita surge na China, com símbolos pictóricos; no Egito, com os hieróglifos; e, na Mesopotâmia, em forma cuneiforme DE CHADE, NA ÁFRICA CENTRAL

5 mil anos11,5 mil anos

* Datação em A. P. (antes do presente)

NEOLÍTICO

Page 2: O brasil na pré-história

CapaHistória

A força femininaVestígios de 2 mil anos atrás encontrados na Ilha de Marajó revelam sociedade de linhagem materna

Moradias nas alturasElevações construídas há 9 mil anos sinalizam como civilizações da Amazônia se adaptavam à natureza

Cuidar da plantação também era atribuição das mulheres. Já conhecedoras de técnicas de cultivo e manejo, elas ainda tinham a responsabilidade de transformar a mandioca, planta venenosa, em produtos como farinha e tapioca

TrAbAlHo AgríColAArTIsTAs dE prIMEIrAO artifício da cerâmica se concentrava nas mãos das mulheres, responsáveis por toda a produção, da escolha da argila à modelagem. Elas dominavam técnicas de queima, feita em fornos montados em valas, além da pintura dos objetos

rITo dE pAssAgEMJovens de famílias abastadas passavam por um ritual no início da adolescência. Para a cerimônia, tinham os corpos pintados e usavam uma tanga de cerâmica decorada com traços referentes aos genitais. Mulheres idosas ou casadas usavam tangas lisas

As marajoaras viravam artesãs ainda crianças, orientadas por familiares. A presença de um contingente de mão-de-obra experiente, que incluía figuras na chefia do processo, demonstra que já havia excedente de alimentos, graças às roças cultivadas nas aldeias

produção orgAnIzAdA

Mesmo com a aldeia localizada em uma região alta e livre de alagamentos, a terra ficava bastante úmida com as cheias. Os montículos serviam para conter o excesso de água e impedir que a umidade atingisse as cabanasconstruídas sobre a estrutura

doIs AndArEs

A formação das aldeias e a quantidade de pessoas envolvidas nas construções indicam que havia uma divisão de tarefas nítida nessa sociedade. Pessoas com maior poder assumiam posição de comando no trabalho, e a elas eram reservados os maiores montículos

HIErArquIA dEfInIdA

As construções eram finalizadas em curto espaço de tempo. Um grande número de homens se mobilizava na comunidade para levantar cada montículo. A terra utilizada na obra era retirada de uma área próxima e transportada em cestos de palha

EM MuTIrão

Com cerca de 2 metros de altura e 20 de comprimento, os montículos eram erguidos com dois tipos de matéria-prima, terra preta e cacos de cerâmica – restos de vasos e objetos de uso doméstico geralmente sem decoração –, dispostos em camadas intercaladas

pAlAfITA dE TErrA

Montículos eram parte importante de celebrações na aldeia. Num deles foi encontrado um sepultamento coletivo com corpos cobertos pela estrutura de terra e cerâmica

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Page 3: O brasil na pré-história

CapaHistória

Engenharia praieiraHá 10 mil anos, nômades se fixaram à beira-mar, marcando sua cultura com edifícios de conchas

Noções cartográficasMarcas de estradas de 1,1 mil anos atrás remetem a uma civilização bem organizada na região do Xingu Havia de oito a 12 aldeias em

um conjunto de quase 30 mil quilômetros quadrados: umaou duas principais, várias secundárias e de cinco a dez menores. Como numa confederação, cada grupo e cada aldeia tinham um líder com o mesmo poder dos demais

ALDEIA MULTICÊNTRICA

As estradas serviam de comunicação entre aldeias e conjuntos. Com até 50 metros de largura e, em média, 5 quilômetros de extensão, seguiam a direção dos pontos cardeais, sempre mantendo distâncias similares

MALHA VIÁRIA

BLOQUEIO PODEROSO

Em áreas ao lado das aldeias havia mosaicos de roças de mandioca, árvores frutíferas e vegetação secundária. As matas altas ficavam mais distantes. Como acreditavam ter parentesco com a floresta, os xinguanos desmatavam apenas o necessário para os assentamentos

AUTO-SUSTENTÁVEIS A localização das aldeias era determinada pelo sol e também seguia os pontos cardeais. As entradas formais ficavam a leste e a oeste. As casas dos caciques, ao norte e ao sul. De pontos intermediários partiam estradas secundárias

UM LUGAR AO SOL

Chamadas de paliçadas, estas barreiras eram utilizadas para demarcar território e como defesa contra inimigos

Durante a construção dos sambaquis, mortos eram enterrados junto com seus objetos pessoais em covas delimitadas por toras de madeira. Os corpos formavam uma das camadas do monumento. No fim do ritual funerário, era erguida uma base em que se acendia uma fogueira

MONTANHA DE CORPOS

Cada comunidade construía seus sambaquis para atender a demandas específicas. Um monumento podia dobrar de tamanho rapidamente com o objetivo de demarcar o território. Cumprida essa função, continuava a subir até que servisse, por exemplo, de mirante à beira-mar

DIFERENTES UTILIDADES

Sambaquis de uma mesma época e tamanhos diversos indicam que grupos mais populosos e com mais prestígio dispunham de edificações maiores. Com novas camadas acrescentadas a cada geração, podiam chegar a 30 metros de altura e 200 de diâmetro

PROVA DE RIQUEZA

Com o domínio de tecnologias de pesca, como a construção de embarcações, os sambaquieiros conseguiam buscar alimentos em alto-mar. Artefatos como anzóis e flechas feitos com ossos e lanças de pedra lascada eram utilizados para a captura de animais marinhos

FRUTOS DO MAR

A edificação reunia restos de animais marinhos, como peixes, tubarões e arraias, objetos utilizados no cotidiano, como lâminas de machado, agulhas e anzóis, e ossadas humanas. Tudo era coberto por conchas, moluscos e areia e sustentado por toras

MATERIAIS DIVERSOS

construção dos sambaquis

fogueira do ritual

Page 4: O brasil na pré-história

Quando os bichos dominavamMamíferos gigantes ocuparam todo o país há 30 milhões de anos e foram extintos pelo calor

CapaHistória

Um dos maiores mamíferos americanos, a espécie Eremotherium rusconii chegava a pesar mais de 5 toneladas e a medir 6 metros de comprimento. Com garras potentes e sem inimigos naturais, só foi extinta após 300 mil anos

PREGUIÇA-GIGANTE

A megafauna da pré-história brasileira era formada por 150 tipos de animais. Um dos maiores, o tigre-dentes-de-sabre, pesava cerca de 400 quilos. A anta, de porte médio, estava entre os mais caçados

FAUNA ANTIGA

Os habitantes mais antigos do Brasil, como Luzia, de 11,5 mil anos, conviveram por pelo menos 2 mil anos com animais de grande porte, em uma paisagem de cerrados, bem diferente da existente hoje

HOMENS E BICHOS

Apesar de caçarem animais de grande porte, os primeiros grupos de humanos do Brasil não foram responsáveis pelo extermínio deles. Isso ocorreu ao fim da era glacial, 10 mil anos atrás, devido ao impacto das mudanças climáticas

SÓ PARA ALIMENTAÇÃO

ossos da patada preguiça