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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL Deusa Maria dos Santos O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - BPC: As condições de vida dos usuários no Município de Macau/RN Natal/RN 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Deusa Maria dos Santos

O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - BPC:

As condições de vida dos usuários no Município de Macau/RN

Natal/RN

2005

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DEUSA MARIA DOS SANTOS

O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - BPC:

As condições de vida dos usuários no Município de Macau/RN

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, como exigência para a obtenção do Título

de Mestre em Serviço Social.

Orientadora: Profª Drª Denise Câmara de

Carvalho.

Natal/RN

2005

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Santos, Deusa Maria dos. O Benefício da Prestação Continuada – BCP: as condições de vida dos usuários no Município de Macau/RN / Deusa Maria dos Santos. - Natal, RN, 2005. 139 f.: il. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Denise Câmara de Carvalho. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço social. 1. Assistência Social - Idosos - Dissertação. 2. Prestação Continuada -Benefício – Dissertação. 3. Portadores de deficiência - Idosos - Dissertação. 4. Necessidades humanas - Dissertação. I. Carvalho, Denise Câmara de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 364.4-053.9

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Aos meus amados pais,

Raimundo e Menininha (em memória).

Minha eterna saudade.

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Os seres humanos nunca estiveram tão

próximos uns dos outros e tão distantes entre

si. Dois homens separados por milhares de

quilômetros podem se comunicar a um simples

toque de uma tecla; uma notícia corre o mundo

em segundos; mas a distância social entre uma

minoria da humanidade e a maioria restante

aumenta cada vez mais, a ponto de parecer

dividir os homens em duas espécies diferentes.

(Emir Sader)

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho um dia já foi sonho; um sonho que outrora me parecia

distante, e, muitas vezes, quase impossível. Mas, felizmente, esse sonho

tornou-se realidade, e abriu precedentes para a realização de outros novos.

É de suma importância ressaltar que a concretização do mesmo é

resultado de muitas contribuições que começaram desde a minha formação

enquanto pessoa com o apoio decisivo dos meus pais, até o meu feliz ingresso

na universidade, onde tive a oportunidade de conhecer pessoas admiráveis e

inteligentes que me ensinaram a enfrentar desafios, com suas experiências, e

me inspiraram a conquistar os meus ideais. A estas, venho agora depositar o

meu mais estimável reconhecimento. No limite deste espaço, agradeço

particularmente:

Ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social, pela oportunidade;

À CAPES, pela oportunidade da bolsa;

Aos professores do Mestrado em Serviço Social, responsáveis pelo

crítico e rico aprendizado; e, em especial, Profª Drª Célia Nicolau, Profª Drª

Severina Garcia e Profª Drª Izete Dantas, pelo incentivo e apoio;

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À minha orientadora, Profª Dra. Denise Câmara de Carvalho, pela

orientação indispensável;

Aos sujeitos da pesquisa – usuários do BPC – pela imprescindível

colaboração e receptividade;

Aos amigos e colegas da minha estimável turma de Mestrado, em

especial, a Rose, Rita, Valéria, Ilena e Regina.

À Francisco Silva Bezerra de Deus, de outros tempos, por propiciar o

meu ingresso no universo acadêmico;

À Chaguinha e D. Maria, amigos e conterrâneos, pela maravilhosa

acolhida;

À minha querida amiga Patrícia, irmã de estima;

Ao meu querido e amado irmão, Francisco Antônio, pelo incentivo, apoio

e amizade, sempre presentes.

À minha amada filha, Sarah, razão de força e alegria.

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LISTA DE SIGLAS APAE – Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais API – Programa de Atenção à Pessoa Idosa BPC – Benefício de Prestação Continuada COEGEMAS – Colegiado Estadual de Gestores Municipais da Assistência Social CORDE – Coordenadoria Nacional Para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CRESS – Conselho Regional de Serviço Social DATAPREV – Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social FEB – Força Expedicionária Brasileira LBA – Legião Brasileira de Assistência LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPS – Instituto Nacional da Previdência Social INSS – Instituto Nacional do Seguro Social IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada PPD – Pessoa Portadora de deficiência PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil REVAS – Revisão de Avaliação Social RMV – Renda Mensal Vitalícia SETHAS – Secretaria do Estado de Trabalho, Habitação e Assistência Social

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................12

1 - A ASSISTÊNCIA SOCIAL E O ATENDIMENTO ÀS NECESSIDADES

HUMANAS

1.1 Necessidades Humanas: básicos e mínimos sociais........................19

1.2 Estado e Proteção Social no Brasil...................................................23

1.3 LOAS: A Assistência como um Direito?............................................30

1.4 A Assistência no contexto neoliberal: universalidade versus

seletividade e focalização..................................................................33

2 - O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

2.1 Emergência e Trajetória....................................................................49

2.2 Regulamentação e Efetivação: limites e perspectivas......................52

2.3 Renda Mensal Vitalícia: um auxílio à velhice e a invalidez..............60

2.4 Usuários do BPC: pessoas idosas e portadoras de deficiência.......65

3 - A PERCEPÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS DO BPC, FACE ÀS SUAS CONDIÇÕES DE VIDA

3.1 A caracterização dos beneficiários em Macau..................................77

3.2 As condições de vida dos beneficiários e suas famílias...................89

3.3 O BPC na ótica dos beneficiários e responsáveis............................96

3.4 Iconografia.......................................................................................108

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................119

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REFERÊNCIAS...............................................................................................123

APÊNDICE.......................................................................................................128

ANEXOS..........................................................................................................135

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RESUMO

A pesquisa em questão compreende um estudo sobre as condições de vida dos usuários do Benefício de Prestação Continuada no Município de Macau/RN. O BPC foi previsto na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Mas, só teve sua concessão a partir de janeiro de 1996. Este benefício consiste no repasse de um salário mínimo vigente às pessoas idosas e portadoras de deficiência, cujas famílias se enquadram no critério de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Trata-se de uma política de renda mínima que se rege pelo princípio da menor elegibilidade. O espaço temporal compreendido abrangeu os idosos e portadores de deficiência que recebem o BPC entre o período de 1996 a 2004. Através do estudo quanti-qualitativo, buscou-se apreender e analisar criticamente a realidade da vida desses usuários. Para tanto, fez-se necessário realizar o perfil dos beneficiários, bem como sua caracterização sócio-econômica. Os resultados revelam as precárias condições de vida dos idosos e portadores de deficiência após a concessão do BPC, e apresentam a interpretação que os mesmos fazem desta política;Assim identifica-se a premência de serem revistos os critérios de elegibilidade dos beneficiários, objetivando uma política pública de atendimento integral às necessidades básicas do ser social. Unitermos: Benefício de Prestação Continuada, assistência social,

necessidades humanas, idosos e portadores de deficiência.

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ABSTRACT

This rescearch comprises a study of the life condictions of the users of the Continuous Installment Allowance in the city of Macau, RN. This benefit has been predicted by the Federal 1988 Constitution and regulated by the Social Assistance Organic Law (LOAS), but it has been carried out only since january 1996. It consists of an amount of half a minimum salary given to old-age and handicapped peoplewhose families mathch the per capita income criterion of less than 0,25 minimum salary. It is a least-income policy relud by the principle of the smallest elegibility. The study focused on aged or handicapped people who were receiving the BPC from 1996 to 2004. Through a quatitative analysis, the life reality of these users has been critically examined. In order to achieve this, it has been necessary to trace their social and economical profile. The research revealed the precarious life conditions of the aged and handicapeed people after they were given the BPC, as well as their interpretation of this politcal directive, and also the need for revision of the eligibility criteria so that a public policy of integral service to the basic needs of the social being can be accomplished.

Keywords: BPC, social assistance, humam needs, aged and handicapped

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INTRODUÇÃO

O trabalho em questão compreende um estudo sobre as condições de

vida dos usuários do Benefício de Prestação Continuada no Município de

Macau. Tal benefício consiste na transferência de um salário mínimo mensal,

destinado aos idosos e portadores de deficiência que não têm condições de

prover o seu sustento, ou, de tê-lo, provido por sua família. Embora este

benefício tenha sido previsto na Constituição de 1988, compondo os direitos e

objetivos da assistência social que passa a constituir pela primeira vez como

um dever do Estado, só foi regulamentada em 1993, por meio da Lei Orgânica

da Assistência Social – LOAS, e efetivado a partir de 1996, sob a

responsabilidade do governo Federal, por intermédio do Ministério da

Previdência e Assistência Social.

O Benefício de Prestação Continuada se torna bem mais seletivo que

seu antecessor: a Renda Mensal Vitalícia – RMV, benefício previdenciário

que implementou-se em 1975 e continuou até 1996. Seu critério de

aquisição é bem mais excludente evidenciando o contexto em que se insere

de desresponsabilização e minimização do Estado e sua conseqüente

parceria com a rede de solidariedade para o atendimento aos segmentos

mais espoliados da população.

Ainda que excludente, quando assume como critério de seleção uma

renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo por pessoa, o BPC tem como

característica certa regularidade, diferenciando-se das demais ações

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conferidas à assistência, constituindo-se em um direito reclamável, embora

restrito.

Em 1996, foram destinados R$ 177 milhões para o benefício o que faz

o governo achar que os gastos estavam além do previsto. Algumas medidas

provisórias, convertidas em Lei1 também visaram restringir o benefício,

modificando a LOAS nos pontos: a adoção de um conceito de família mais

excludente - o conceito de família previdenciária, contrariando o caráter das

garantias da assistência social; estabelecimento de medidas restritivas, com

a extinção das equipes multidisciplinares de avaliação, deixando a seleção a

critério do médico perito do INSS; antecipação da revisão dos benefícios,

prevista para ocorrer apenas dois anos após seu início.

Diante dessas considerações, surgem os seguintes

questionamentos: até que ponto o Benefício de Prestação Continuada

contribui para o provimento das necessidades dos idosos e portadores

de deficiência de baixa renda do Município de Macau/RN? Que mudanças

ocorreram nas condições de vida da população usuária dessa política, a

partir de sua concessão?

A assistência social no Brasil tem se mostrado como um mecanismo

econômico e político que assiste o trabalhador que tem pouca importância

para o capital; ou seja, o que não tem a sua carteira assinada: o trabalhador

desempregado, os indigentes, os portadores de situação específica.

No contexto do neoliberalismo, a assistência social concretiza-se

oficialmente como uma política para os excluídos, não se colocando como

garantia de direitos universais. Com a naturalização da pobreza, considera-

1 Medida Provisória n° 1.473/97; Medida Provisória n° 1.599-04 de 5/3/98; Lei n° 9.720 de 30.11.98.

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se, na atualidade, natural que a sociedade de mercado tenha um

contingente de indivíduos excluídos do seu processo globalizante, conforme

nos apontam estudos de Carmelita Yazbek, Alba Pinho de Carvalho, Aldaíza

Sposati, Potyara Pereira, Ana Lígia Gomes, Ozanira Silva e Silva, entre

outros.

Cabe observar que a assistência social não tem dado conta de

amortecer os impactos negativos da sociedade capitalista neoliberal sobre

as populações, uma vez que aumenta cada vez mais os índices de pobreza,

bem como o número de pedintes nas ruas.

Diante da crescente situação de miséria da população, segundo

dados do Instituto de Pesquisas Aplicadas – IPEA 23 milhões de brasileiros

encontram-se vivendo abaixo da linha de pobreza, os programas

desenvolvidos pela assistência têm se mostrado ineficientes ao seu

enfrentamento efetivo. Decerto que não cabe à assistência social acabar

com a pobreza, pois esta, diante de sua complexidade, requer profundas

mudanças no âmbito estrutural da sociedade tanto na esfera econômica

como política, social e ideológica. No entanto, esperam-se que os recursos

destinados ao combate da pobreza tenham uma representatividade maior,

abrangendo cada vez mais um número significativo de brasileiros; não

apenas os que se encontram em situações extremas de vulnerabilidade.

É imprescindível que através da Política de Assistência Social se

desenvolvam estratégias implementadoras de políticas públicas

universalizantes, mesmo dentro da conjuntura capitalista neoliberal. Deve-

se exigir, que no processo de operacionalização da política, ações que dêem

acesso aos indivíduos a uma melhor qualidade de vida, para que suas

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necessidades básicas possam ser atendidas. Desta forma, para que esses

segmentos, idosos e os portadores de deficiência, vislumbrem participar de

um processo de conquista da sua cidadania.

Ao fazermos esta reflexão, consideramos importante apreender e

analisar as condições de vida dos idosos e portadores de deficiência usuários

do Benefício de Prestação Continuada do Município de Macau/RN.

Faz-se importante também salientar que as motivações para este estudo

originam no curso de graduação quando das visitas domiciliares feitas aos

usuários da Associação de Orientação aos Deficientes – ADOTE, a partir da

experiência de estágio curricular em Serviço Social pela Universidade Federal

do Rio Grande do Norte. O interesse pelo tema e pelo Município a ser

trabalhado intensificou-se com a experiência adquirida com o processo da 4ª

Revisão do BPC2, ocorrida de setembro a dezembro de 2004, no qual fomos

selecionados para realizar visitas domiciliares no município de Macau com o

objetivo de avaliar se o beneficiário tinha superado as condições que deram

origem a concessão do benefício.

A relevância do problema consiste em analisar as condições de vida dos

beneficiários do BPC naquele município uma vez que se observou o estado de

vida degradante daquela população. Diante desse quadro surge a seguinte

indagação: esta política está provendo, de fato, o sustento do idoso e do

portador de deficiência de baixa renda; ou seja, esta política está atingindo o

objetivo para o qual foi proposta? o BPC estabelece como critério para a sua

aquisição do mesmo, que as famílias da pessoa idosa e/ou portadora de

deficiência tenham uma renda per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário

2 O Benefício de Prestação Continuada deve ser revisado a cada 2 (dois) anos para a avaliação da

continuidade das condições que lhe deram origem. Artº 21 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

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mínimo. Mas, até que ponto o benefício é destinado ao atendimento de toda a

família? Ou só ao atendimento às necessidades do beneficiário?

Nesta direção, a nossa proposta de estudo teve como objetivo investigar

e analisar até que ponto o Benefício de Prestação Continuada atinge o objetivo

de prover o sustento das necessidades dos idosos e portadores de deficiência

usuários desta política no Município de Macau/RN, através da apreensão das

suas condições de vida.

A fim de atingir os objetivos propostos neste pesquisa, realizou-se o

levantamento bibliográfico e a revisão da literatura buscando aprofundar as

categorias de análise deste estudo: Benefício de Prestação Continuada,

assistência social, necessidades humanas, idosos e portadores de deficiência.

A pesquisa documental efetivou-se em órgãos e instituições como o

IBGE, INSS e Secretaria de Assistência Social do Município para adquirir

dados que viessem a embasar a apreensão do objeto.

Com base nos dados coletados no Instituto Nacional do Seguro Social –

INSS constatamos que O Benefício de Prestação Continuada atendia a 347

usuários: 313 portadores de deficiência e a 34 idosos. A partir de uma amostra

de 11% do total de usuários (347) – delineamos o nosso universo de pesquisa,

seguindo o princípio de que para as populações finitas de até 1000 (mil)

pessoas, 11% é representativo de uma dada população. Assim sendo, o nosso

universo foi representado por 34 (trinta e quatro) pessoas portadoras de

deficiência e 04 (quatro) pessoas idosas. O universo foi acrescido das

entrevistas junto a duas assistentes sociais, uma da área da assistência no

município e a outra responsável pelo BPC no INSS, totalizando 40 entrevistas.

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Foram entrevistadas, ainda, uma assistente social da área da

assistência, e outra assistente social responsável pelo BPC no INSS,

totalizando 40 entrevistas.

Os entrevistados foram definidos de forma aleatória, com base nas listas

cadastrais que nos foram fornecidas pelo INSS, com os endereços dos

usuários.

A pesquisa assumiu uma perspectiva qualitativa, porém sem

rechaçarmos os dados quantitativos que permitiram a análise do objeto em

suas múltiplas determinações. O tipo de abordagem metodológica pretendida

circunscreveu-se como estudo de caso, uma vez que teve como foco a análise

de situações concretas nas suas particularidades objetivando a investigação do

objeto de estudo e a exposição dos resultados que dão contorno à realidade

vivenciada pelos usuários do BPC.

Para realização da pesquisa, utilizou-se a técnica da entrevista semi-

estruturada, assim como a técnica da observação, junto aos usuários do BPC

através de visitas domiciliares, fazendo uso do gravador. É importante ressaltar

que a identificação dos nomes dos entrevistados foi resguardado, optando-se

pelo uso de nomes fictícios. Apresentamos, ainda, no final do terceiro capítulo

uma representação iconográfica que teve a autorização prévia dos

entrevistados.

O espaço temporal compreendido neste estudo abrangeu os idosos e

portadores de deficiência que receberam o BPC entre o período de 1996 a

2004. Este recorte justifica-se pelo fato de haver, neste espaço de tempo,

maior possibilidade de constatação de possíveis alterações no modo de vida

dos usuários, uma vez que entre o período de concessão do benefício (1996)

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até o ano de 2002 transcorreram 08 anos. Os resultados da pesquisa serão

apresentados em três capítulos que abordarão as categorias que deram

sustentação a pesquisa: benefício de prestação continuada, necessidades

humanas, assistência social, idosos e portadores de deficiência.

No primeiro capítulo são abordadas as categoria assistência social e

necessidades humanas, destacando a compreensão à luz da concepção dos

autores que estudam a temática em torno da Seguridade Social. Destaca-se,

ainda, o papel da LOAS na implantação da Assistência Social como Direito

Social de Cidadania e as respostas que o Estado brasileiro vem dando

historicamente a esta questão. Discorre-se, também, sobre a Assistência Social

e Seguridade no contexto neoliberal.

O segundo capítulo tem-se como indicação de análise a categoria

central que envolve esta pesquisa: o Benefício de Prestação Continuada. Sua

emergência e trajetória; seus limites e perspectivas e finalmente sobre os

segmentos atendidos pelo BPC: idosos e portadores de deficiência.

No terceiro e último capítulo, apresenta-se a análise e os resultados da

pesquisa realizada junto aos usuários no Município de Macau. Como tem se

manifestado as condições de vida dos beneficiários e que respostas que o

município e o estado tem dado à situação de vulnerabilidade social dessas

famílias. Buscou-se assim articular as reflexões que perpassaram toda a

pesquisa, permitindo que o objeto se fizesse revelar.

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1 – A ASSISTÊNCIA SOCIAL E O ATENDIMENTO ÀS NECESSIDADES HUMANAS

1.1 – Necessidades Humanas: básicos e mínimos sociais

Os “mínimos sociais” se constituem como medida cuja existência

reporta-se à época em que as sociedades passaram a dividir-se em classes.

É importante destacar que a provisão de mínimos de subsistência sempre

fez parte da pauta de regulação dos diferentes modos de produção – sejam

eles escravistas, feudais ou capitalista -, assumindo sempre uma postura

emergencial e isolada para com os efeitos da pobreza e da miséria,

conforme Pereira (2002).

É pertinente ressaltar que, no contexto atual, tem sido referenciada

comumente a discussão sobre os mínimos sociais, seja no campo

institucional, na literatura da área e, sobretudo, na legislação social. A

própria LOAS, em seu artigo 1º (primeiro), faz referência aos mínimos

sociais, ao mesmo tempo em que se refere ao provimento das necessidades

básicas através de um conjunto de ações articuladas tanto de iniciativa

pública, como da sociedade com o intuito de garantir o suprimento dessas

necessidades. Com efeito, tal vinculação tem gerado no plano político-

decisório, interpretações distorcidas e conturbadas, onde busca-se identificar

o mínimo com o básico, como se ambos fossem termos equivalentes.

Ambos têm diferenças marcantes do ponto de vista conceitual e político, tal

como explicita Pereira (2002:26):

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Mínimo e básico são, na verdade, conceitos distintos, pois enquanto o primeiro tem a conotação de menor, de menos, em sua acepção mais ínfima, identificada com patamares de satisfação de necessidades que beiram a desproteção social, o segundo não. O básico expressa algo fundamental, principal, primordial, que serve de base de sustentação indispensável e fecunda ao que ela se acrescenta.

O mínimo pode pressupor, conforme a ideologia neoliberal, supressão

ou cortes de atendimento; o básico requer investimentos de peso em

políticas públicas a partir das quais serão prestados atendimentos com

caráter de qualidade.

Infelizmente, na literatura acadêmica ainda existem muitas

imprecisões e ambigüidades acerca dessa temática. Na maioria das vezes, o

termo necessidades humanas é mencionado de forma genérica e relativa,

dificultando seu significado, sobretudo, no que concerne aos conteúdos e

particularidades desse conceito. Daí a existência de correntes de

pensamento, como por exemplo a corrente liberal, que rejeitam a idéia de

que existam necessidades humanas básicas comuns a todos, de forma que

tais necessidades poderiam servir de base para o planejamento das ações

no âmbito das políticas públicas.

Com base nessa tendência, têm proliferado interpretações de

necessidades sociais que sistematicamente as confunde com outras noções,

tornando-as inespecíficas. E, como já foi mencionado, a inespecificidade das

necessidades determina formas de satisfação confusas e voluntaristas que

não concretizam direitos.

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Com efeito, muitos atores (intelectuais políticos, gestores e executores), apoiados em diferenças pessoais e culturais, têm privilegiado o subjetivismo e o relativismo no trato das necessidades humanas básicas, abrindo, com isso, flancos para o domínio intelectual da chamada Nova Direita (neoliberais e neoconservadores), ao contribuírem para o seguinte entendimento: se não há necessidades comuns que sejam vivenciadas coletivamente e que não sirvam de parâmetro para a formulação e implementação de políticas públicas, não haverá melhor mecanismo para satisfazê-las do que o mercado. É o mercado que se apóia no individualismo possessivo, nas aspirações subjetivas de interesses e, por isso, está mais apto do que o Estado para atender demandas que nem sempre refletem necessidades sociais, mas preferências, desejos, vícios, compulsões, sonhos de consumo (PEREIRA, 2002:29)

Sendo assim, é o mercado que, apoiado no individualismo, nas

aspirações subjetivas de interesses, que na maioria das vezes não refletem

necessidades sociais e sim preferências, desejos, compulsões e sonhos de

consumo, deve suprir, de acordo com essa lógica, as necessidades dos

indivíduos.

O posicionamento aqui defendido contrapõe-se à lógica do mercado

que considera a sociedade como a soma aritmética dos indivíduos que a

compõe em detrimento de uma outra que tenha como parâmetro a defesa

das necessidades humanas sociais básicas, à qual defendemos.

Para que haja o suprimento dessas necessidades, faz-se necessário

que as políticas públicas estabeleçam articulações que visem a qualidade de

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vida dos segmentos vulnerabilizados socialmente. Para tanto, é necessário

que essas políticas produzam articulações positivas de modo que o usuário

tenha acesso a uma rede de proteção social básica. De modo que sua

adesão a um serviço, não o exclua de um outro. É o que acontece em

relação ao BPC, que não pode acumular-se a nenhum outro benefício no

âmbito da previdência social, salvo da assistência médica. O BPC somente

poderá acumular-se a outro, numa mesma família, se uma vez calculada a

renda per capita a distribuição for inferior a R$ 65 por pessoa. Para isto, o

beneficio já concedido será computado para o cálculo da renda per capita.

No caso de uma pessoa idosa que se candidate ao benefício, esta perderá o

direito se o esposo for aposentado, ainda que esta aposentadoria seja de um

salário mínimo.

Este exemplo mostra que existem algumas formas de elegibilidade de

programas de transferência de renda que, por serem guiados por critérios

tão rigorosos, acabam condicionando os seus beneficiários a perderem a

aquisição de outros benefícios que, se fossem acumulados, melhorariam as

suas condições de vida.

O nosso estudo, no entanto, defende que os benefícios, programas e

projetos devem articular-se de modo a alcançar a universalidade e eqüidade

a partir do levantamento das questões relacionadas às necessidades

humanas básicas, buscando sempre a otimização dos recursos para o

provimento dessas necessidades.

De acordo com Potyara Pereira (2002:31), a referência ao ótimo, em

relação aos mínimos sociais, não supõe a maximização da satisfação das

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necessidades humanas básicas, pois na sua abordagem a autora coloca

que:

Sendo o ótimo um conceito que depende do código moral de cada cultura, ele não pode ser sinônimo de máximo, porque este é um objetivo constantemente “em fuga” e, portanto, inalcançável; mas, poderá ser identificado com patamares mais elevados de aquisição de bens, serviços e direitos a partir do estabelecimento de provisões básicas (grifo nosso).

Segundo a mesma autora, essas aquisições irão propiciar aos

indivíduos capacidade de escolha e de decisão, no âmbito de sua própria

cultura, bem como condições de acesso aos meios pelos quais essa

capacidade pode ser adquirida. É o que Doyal e Gough (apud, PEREIRA)

chamam de ótimo de participação, que irão permitir-lhes alcançar o ótimo

crítico, que segundo os autores, consiste em propiciar aos indivíduos

condições de questionar suas formas de vida e de cultura, bem como de

lutar pela sua melhoria de vida.

Em suma, o básico é direito indispensável que tem que ser

perseguido visando, simultaneamente, a melhoria da qualidade dos serviços

públicos otimizando sempre as metas de satisfação dessas necessidades,

considerando que as necessidades humanas básicas consistem na

concretização dos direitos fundamentais por meio das políticas públicas.

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1.2 Estado e Proteção Social no Brasil

Para a reflexão e a discussão que envolve o Benefício de Prestação

Continuada e a apreensão das condições de vida dos seus usuários, faz-se

necessário retomar aspectos pertinentes à historicidade da proteção social,

partindo de questionamentos que propiciem o entendimento, a apreensão e

a análise de como se situa, nos dias atuais, o contexto do sistema de

proteção social, e como se vê refletido no Brasil.

Como se deu a proteção social no Brasil? Em que condições surge? A quem

se destina? Ela de fato existe? Quais os seus fundamentos? Que desafios

enfrenta a proteção social no nosso País?

Com base nestes questionamentos, cumpre-nos, inicialmente, recuperar de

forma mais geral, o panorama da proteção social na sua origem, e como

esta tem influenciado as políticas de proteção social no Brasil. Assim sendo,

faz-se necessário destacar como emerge a proteção social no mundo

contemporâneo, no Estado Capitalista.

O problema mais evidente do Estado contemporânea eclodiu com a

“questão social” na segunda metade do século XIX. Anteriormente, em 1601,

foi publicada oficialmente na Inglaterra a Nova Lei dos Pobres (Poor Law) -

conhecida também como lei “elisabetana” - que instituía uma taxa a ser paga

para o benefício dos pobres e um sistema de subsídios em dinheiro,

constituindo-se mais uma eliminação dos pobres do que da própria pobreza.

Até o início do século XIX a assistência era confiada às corporações de artes

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e ofícios que prestavam ações pontuais de cunho eminentemente

filantrópico.

A previdência social, então, se impôs como uma necessidade em face

dos riscos acarretados pela Revolução Industrial, cujos resultados trouxe

aos trabalhadores condições de pobreza e miserabilidade, relegando-os aos

aglomerados urbanos, privados dos laços de solidariedade que encontravam

na comunidade rural.

Surgida como efeito, a “questão social” representou o fim de uma

concepção orgânica da sociedade e do Estado e não permitiu que a

formação econômico-política pudesse ser assegurada pelo desenvolvimento

autônomo da sociedade com a simples garantia da intervenção política de

“polícia”. Em vez disso, houve a necessidade de uma interferência social que

determinasse as causas das divisões sociais e tentasse remedia-las

mediante adequadas intervenções de reforma social.

A primeira forma de proteção social institucionalizada foi o esquema

Bismarckiano de proteção social que existiu na Alemanha, entre 1883 e

1889, instituído pelo governo conservador do Chanceler Otto Bismarck, cuja

principal função era desmobilizar a classe trabalhadora, que se sentia

atraída pelos ideais socialistas da social-democracia alemã. Este esquema

contemplava o seguro saúde, o seguro acidentes de trabalho e a

aposentadoria, que vinculava-se exclusivamente ao trabalho e, por isso, só

atendia pessoas empregadas, mediante contrato e prévia contribuição. Em

1942, foi inaugurado na Grã-Bretanha o esquema beveridgiano de proteção

social que caracterizou-se por ser unificado e universal, baseado em outros

princípios e critérios, abrangendo não só trabalhadores, mas todos os que,

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por uma questão de direito, deveriam ter as suas necessidades básicas

satisfeitas. Trata-se, portanto, de um sistema de proteção social público que,

apesar de privilegiar o seguro social, possuía uma vertente não-contributiva

que se identificava com a assistência social (BOBBIO, 2000).

O modelo bismarckiano é identificado como um sistema de seguro

social que se destina a manter a renda dos trabalhadores em momentos de

risco social. O acesso a este tipo de seguro é condicionado a uma

contribuição anterior, e o montante das prestações é proporcional às

contribuições efetuadas. Já o sistema beveridgiano tem um cunho mais

assistencial, tendo como princípios que os direitos devem ser universais,

destinados a todos os cidadãos em condições de necessidade. No Brasil, os

princípios do sistema bismarckiano predominam na previdência social;

enquanto que o modelo beveridgiano predomina no sistema público de

saúde e de assistência social (POTYARA, 2002).

É importante ressaltar que no nosso País, a constituição de um

sistema de proteção social só ocorreu no período compreendido entre 1923

e 1943. A partir de 1923 foi lançada as bases para a futura política de

Seguro Social com instituição da Lei Eloy Chaves. Esta Lei beneficiava

setores específicos da força de trabalho englobando assalariados de

empresas a partir de quatro benefícios: medicina curativa; aposentadoria por

tempo de serviço, velhice ou invalidez; pensão para dependentes e auxílio

funeral. Esse seguro tinha princípio contributivo financiado por empregador,

empregado e Estado e exigia filiação obrigatória.

O contexto da época era marcado por grandes transformações

socioeconômicas no qual transitava do sistema agro-exportador para o

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modelo urbano industrial. Em 1930 acontece uma acelerada ampliação do

Seguro Social. As CAPs (Caixas de Aposentadorias e Pensões) deixam de

ter por âmbito as grandes empresas individualmente, para abrangerem as

Categorias de Profissionais, surgindo, então os IAPs (Instituto de

Aposentadorias e Pensões) que passam paulatinamente a englobar grande

parcela dos assalariados do setor privado e estatal (BOSCHETTI, 2003).

O Plano Beveridge teve forte influência na constituição da Seguridade

Social brasileira. Esta influência, entretanto, deu-se de forma lenta, parcial e

limitada, porque muito princípios bismarckianos foram mantidos e nem todos

os princípios beveridgianos foram devidamente incorporados, mesclando

sempre características dos dois modelos. O processo de ampliação da

cobertura e de expansão dos direitos, programas e serviços ocorreu

gradativamente e jamais chegou a assegurar direitos iguais para todos os

cidadãos.

De acordo com Boschetti:

Essa imbricação histórica entre elementos próprios à assistência e elementos próprios ao seguro social poderia ter provocado a instituição de uma de uma ousada seguridade social, de caráter universal, redistributiva, pública e com direitos amplos e fundados na cidadania. Não foi, entretanto, o que ocorreu, e a seguridade social brasileira, ao incorporar uma tendência de separação entre a lógica do seguro e a lógica da assistência, e não de reforço à clássica justaposição existente, acabou materializando políticas com características próprias e específicas que mais se excluem do que se complementam (2003, p.74).

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Desse modo, enquanto a previdência se destinaria aos trabalhadores

em condições de exercer atividade laborativa, e, assim, assegurar os direitos

contributivos, ficaria a cargo da assistência oferecer cobertura aqueles que,

por algum tipo de “incapacidade” seja em decorrência e/ou deficiência ou por

insuficiência de renda, não teriam acesso aos benefícios previdenciários.

É importante ter presente que o percurso da assistência, na história

da proteção social brasileira, sempre guardou estreita relação com a prática

da benemerência pela iniciativa de pessoas caridosas, sobretudo as ligadas

à Igreja, e, por instituições de caridade, que por uma questão moral,

prestava auxílio assistencialista aos segmentos fora do mercado de trabalho

quer seja por motivos doença, abandono, velhice e invalidez.

As características da prática assistencial, mediadas pelo favor e

clientelismo no contexto da participação do Brasil na Segunda Guerra

Mundial vão ganhar corpo institucional com a criação da Legislação

Brasileira de Assistência – LBA em 1942.

Sob a liderança da então primeira dama Darcy Vargas, a LBA tinha a

atribuição de organizar voluntários para assistir aos portadores de

deficiência, idosos e crianças carentes. Seu objetivo central consistia em dar

apoio às famílias cujos chefes haviam sido convocados pela Força

Expedicionária Brasileira – FEB, para atuarem na guerra. É pertinente

colocar que:

Na verdade, Getúlio cria uma instituição de bem-estar social para a atuação da primeira-dama. Ele institui a sua esposa na presidência da LBA com o objetivo de buscar legitimidade

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do seu governo mediante a tática do assistencialismo como mecanismo de dominação política (TORRES:2002, p. 86).

Como se pode observar, a pretensa proteção social brasileira pautada

em uma assistência social prestada aos desvalidos teve, ao longo de sua

história, como marcas registradas: a filantropia, o clientelismo e o

paternalismo personalista que reitera a dominação dos sujeitos e

caracteriza-se por ser um campo de ações fragmentadas e descontínuas,

pontuais, seletivas e emergenciais que são implementadas de acordo com

os interesses de cada governo e não pelo reconhecimento das necessidades

sociais básicas inerentes aos indivíduos.

Face ao exposto, fica claro que o Sistema de Proteção Social,

compreendido no período dos anos 1930 aos 1960, caracterizou-se como

sistema corporativista por não contemplar o conjunto dos trabalhadores

brasileiros, diferenciando-se, dessa maneira, do padrão universalista

predominantes nos países de capitalismo avançado.

No período da Ditadura Militar, efetivado com o golpe de 1964 e

caracterizado pela consolidação do capitalismo monopolista no Brasil, o

sistema de proteção social avançou rumo à consolidação e expansão

durante as décadas de 1970 e 1980. Neste contexto, os programas sociais

ampliaram-se como forma de compensação pela repressão aberta,

direcionadas aos movimentos sociais.

Ainda que o Estado tenha articulado as políticas sociais com o

objetivo de controle social, não impediu a rearticulação da sociedade civil,

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sobretudo a partir de meados da década de 1970, que tinha como elemento

mobilizador novas demandas pelo resgate da dívida social agravada durante

o período do regime militar, em um processo de ampliação da cidadania.

A dinâmica desse movimento gera como resultado o advento da

Constituição Brasileira de 1988 que constituiu um grande marco a conquista

de direitos do povo brasileiro, principalmente no campo da Seguridade

Social (saúde, previdência e assistência social). A Nova Constituição

demonstrou avanços expressivos, tais como:

Ampliação e extensão dos direitos sociais;

Universalização de acesso aos serviços sociais;

Seguridade Social mais abrangente nas áreas de saúde,

previdência e assistência social;

Estabelecimento de patamares mínimos de valores dos benefícios

sociais;

Direitos e garantias para os trabalhadores.

Outros benefícios estabelecidos garantiram: maior proteção aos

segurados de baixa renda e seus dependentes através do salário família;

reforço e proteção à maternidade estendendo para 120 dias a licença à

gestante; licença ao pai quando do nascimento do filho; a proteção ao

desempregado involuntário; reafirmação da aposentadoria por tempo de

serviço e as aposentadorias especiais, incluindo as dos funcionários

públicos.

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Em relação à organização das políticas, houve a descentralização

com forte indício de municipalização; a integração dos serviços e benefícios

sociais diante das demandas existentes; a participação popular nos

processos de decisão, implementação e controle dos programas sociais.

Todavia, esse processo de ampliação dos direitos sociais,

conquistados através do processo de redemocratização da sociedade

brasileira, passou a ser fortemente boicotado no decorrer dos anos de 1990,

quando o País investe na busca de sua inserção na chamada economia

globalizada, sob a orientação da ideologia neoliberal. No que se reporta ao

neoliberalismo, far-se-á uma reflexão no item 1.4, além de abordar-se sobre

este pensamento no decorrer e no avançar deste trabalho.

1.3 – LOAS: A Assistência como um direito social?

Ao instituir a assistência social como direito de cidadania, a nova

Constituição Federal a reconheceu como política pública, como direito do

cidadão e dever do Estado. De acordo com Carlos Nelson Coutinho (2000, p.

62) “Os direitos sociais são os que permitem ao cidadão uma participação

mínima na riqueza material e espiritual criada pela coletividade”. Dessa forma,

a assistência social que outrora era concebida como um dever moral para com

os pobres, foi colocada na pauta da agenda pública, com direito a definição de

diretrizes, regras, normas e princípios.

Coutinho coloca que a presença de tais direitos nas Constituições, e,

seu reconhecimento legal, não garante automaticamente a efetiva

materialização dos mesmos (2000, p.63). Como sabemos, para que aconteça a

concretização de um direito não basta que ele exista no papel, embora nas

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democracias, esta seja uma condição pela qual as pessoas passam a ter

condição de exigir o seu cumprimento. Historicamente no nosso País, o

reconhecimento legal de um direito não tem sido suficiente para concretizar as

ações que o tornaria legítimo.

A Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, regulamentada em 1993,

se caracteriza num dispositivo legal, regulamentador do direito à Seguridade

Social, entendendo-o como direito a todos aqueles que estejam em condições

de vulnerabilidade social, seja em decorrência de vulnerabilidade pelo ciclo de

vida (crianças, adolescentes e idosos), seja pelas condições de desvantagem

pessoal (pessoas com deficiência e doença), seja por vulnerabilidades diante

de situações circunstanciais e/ou conjunturais (fome, mendicância, trabalho

infantil, crianças e adolescentes vítimas de violência e de abuso sexual,

mulheres pobres chefes de família, mulheres vítimas de violência, entre outras

situações menos comuns.

A legislação que visa regulamentar a política da assistência social,

expressa nos artigos Art. 203 e 204 da última Constituição Federal Brasileira,

como política pública, preconiza uma instância legal, responsabilizando o

Estado na cobertura de medidas para a implementação dessa política,

buscando-se a ruptura com a instância moral da filantropia, clientelismo,

primeiro-damismo e assistencialismo; práticas enraizadas na cultura política

brasileira.

O sistema descentralizado e participativo idealizado prevê uma hierarquia

de competências nas três esferas de governo, tratados nos Artigos 11, 12, 13,

14 e 15 da LOAS de forma articulada, cabendo a coordenação e execução dos

programas, em suas respectivas esferas, aos Estados, ao Distrito Federal e

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aos Municípios, sem desconsiderar entretanto o princípio de autonomia, mas

alertando sobre o equívoco de superposição de programas e projetos nos

diferentes níveis. Na IV Conferência Nacional de Assistência Social realizada

em dezembro de 2003, afirmou-se a necessidade de construção das bases de

um novo pacto entre as três esferas de gestão da assistência social para que

de fato se assegure o caráter descentralizado e participativo de gestão.

Assim sendo, a via de acesso ao exercício dos direitos sociais expressa-

se na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que se caracteriza num

dispositivo legal, regulamentador do direito à Seguridade Social, entendendo-o

como direito a todos aqueles que estejam em condições de vulnerabilidade

social.

A promulgação da LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social – ( Lei

8.742 de 07/12/93 ) intencionou dar formatos mais concretos aos direitos

estabelecidos na Carta Constitucional, embora tenha demorado cinco anos

para ser sancionada. No entanto, os programas nela contidos para o

enfrentamento da pobreza não foram implantados.

A LOAS baseou-se, como já colocamos, no esquema beveridgiano de

proteção social: inaugurado na Grã-Bretanha, em 1942, caracterizou-se por

ser unificado e universal, baseado em outros princípios e critérios,

abrangendo não só trabalhadores, mas todos os que, por uma questão de

direito, deveriam ter as suas necessidades básicas satisfeitas. Trata-se,

portanto, de um sistema de proteção social pública que, apesar de privilegiar

o seguro social, possuía uma vertente não-contributiva que se identificava

com a assistência social.

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A LOAS é resultado de um amplo movimento da sociedade civil organizada, é resultado de mobilizações e negações que envolveram fóruns políticos, entidades assistenciais representativas dos usuários dos serviços de assistência social ( YAZBEK, 12:1995).

Na LOAS, conforme os seus princípios, a assistência social tem por

objetivos: a proteção à família, à maternidade, à infância à adolescência e à

velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção e

integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas

portadoras de deficiências e a promoção de sua integração à vida

comunitária.

O capítulo V da LOAS propõe o Benefício de Prestação Continuada,

sendo este a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de

deficiência e ao idoso com mais de 65 anos e que comprovem não possuir

meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família. São

propostos no mesmo capítulo, serviços enquanto atividades continuadas e

em redes voltadas à melhoria da qualidade de vida da população, programas

e projetos de enfrentamento da pobreza.

No entanto, é oportuno frisar que a concretização da assistência

social como direito requer o cumprimento de todas as requisições citadas.

As inovações na Lei, por si só, não são capazes de transformar as históricas

práticas de benemerência que têm marcado a proteção social brasileira ao

longo dos tempos. As novas propostas precisam ser incorporadas e

assumidas de fato por todas as esferas de governo.

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1.4 A assistência social no contexto neoliberal: universalidade versus

seletividade e focalização.

A assistência social, no contexto da LOAS, é trabalhada de acordo

com as expressões da questão social na realidade brasileira com toda a sua

complexidade e contraditoriedade.

Na conjuntura neoliberalizante, tomando-se como referência a

problemática da questão social em suas múltiplas expressões vai se

observar a assistência social emerge e passa a se caracterizar como ajuda,

benemerência, complementação sem a preocupação de resolver situações,

mas só amenizá-las ”(...) como um pronto socorro, que não tem a

preocupação com a doença, sua cura ou prevenção, mas com a redução,

ainda que precária e imediata, do ‘grau de gravidade’ da situação do doente”

(SPOSATI, 17: 1999).

Ao longo de sua história, o conjunto de ações denominadas de

assistenciais, embora nasçam de demandas sociais identificadas como

necessidades ou privações e, objeto de intervenção estatal, não é

reconhecido como direito. Constituem-se como ações concebidas como

ajuda às necessidades e privações, atribuídas à vida individual de cada

necessitado, e não campo de responsabilidade social do Estado,

permanecendo como uma situação de ambigüidade entre a caridade pública

e privada. Sujeita, portanto, à invisibilidade, seja pelo lado do Estado seja

pelo lado da filantropia privada, campo em que surge.

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Realizada pelo Estado com a mediação da filantropia, a assistência

social institucionalizou-se e formatou-se como prática descontínua e

desarticulada, com financiamento incerto e instável, para atender de modo

precário a uma determinada parcela de necessitados – em geral, àqueles

sem trabalho e incapacitados por determinadas contingências, como a

infância e a velhice, ressaltando-se a doença e invalidez. Sua concepção e

operacionalização foram sempre presididas pelo modelo político

patrimonialista-clientelista, afirmando o controle e a dominação dos sujeitos.

Com a Constituição de 1988, como já foi mencionado neste estudo, a

assistência social é declarada como direito social, campo da

responsabilidade pública, da garantia e certeza da provisão. É anunciada

como um direito sem contrapartida, para atender a necessidades sociais, as

quais, tem primazia sobre a rentabilidade econômica. Para tanto, é definida

como política de seguridade, estabelecendo objetivos, diretrizes e

financiamento, organização da gestão, a ser composta por um conjunto de

direitos.

A assistência social constitui-se em um direito do cidadão, dever do

Estado, e tem de ser prestada a quem dela necessitar. Em verdade, essa

inscrição formal enseja uma profunda e radical ruptura em relação à

tradicional condição da assistência social, que transita do campo do dever

moral de ajuda, para a obrigação legal do direito.

No entanto, a forma em que o país se insere no contexto global

associado a seus desajustes internos, a efetivação dessas leis torna-se

quase que totalmente inviáveis. Sobretudo quando o Brasil passa a

incorporar as proposições neoliberais que começam a nortear e embasar o

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processo de globalização da economia. Tais proposições nascidas no pós-

guerra na região da Europa e da América do Norte surgiram como

alternativa à crise do padrão do Estado intervencionista. O Caminho da

Servidão de Friedrick Hayek escrito em 1994 traduziu a origem do

pensamento neoliberal. “Seu propósito era o combate ao Keynesianismo e o

solidarismo reinantes e preparar as bases para outro tipo de capitalismo,

duro e livre de regras” (ANDERSON, 09:1995).

O argumento de Hayek era que o igualitarismo promovido pelo Estado

de Bem-Estar destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da

concorrência da qual dependia a vitalidade de todos. Argumentava que a

desigualdade é um valor positivo.

Nos anos de 1970, quando o capitalismo avançado entra numa

profunda recessão, o neoliberalismo é assumido de fato desarticulando o

poder dos sindicatos, e impondo a política de ajuste monetário.

No final da década de 1980, mais precisamente em novembro

de1989, realizou-se uma reunião entre os membros dos organismos

internacionais como o Fundo Monetário Internacional – FMI, Banco Mundial,

funcionários do governo americano e economistas latino-americanos. O

objetivo era avaliar as reformas econômicas empreendidas na América

Latina. Esta reunião ficou conhecida como Consenso de Washington. Suas

recomendações, obedecidas mais tarde pelos países subalternizados pela

dívida externa, abrangem reformas estruturais para a estabilização da

economia, tais como: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma

tributária, liberalização financeira e comercial, investimento direto

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estrangeiro, privatizações, terceirizações, desregulação, etc (ANDERSON,

1995).

Aos poucos, os países do mundo capitalista passam a adotar tais

medidas. No Brasil, o governo de Collor, na década de 1990, tratou de dar o

ponta pé inicial e, assume, explicitamente, o neoliberalismo como alternativa

de desenvolvimento, e adota uma agenda pública que prioriza o econômico,

a dívida externa e a inflação. Seu governo se desempenha com êxito

quanto à desregulamentação, liberação de importações e privatizações, etc.

Agia de forma a retardar a regulamentação da Constituição de 1988. “A

Constituição de 1988 é assumida como entrave à governabilidade, passando

a ser considerada inviabilizadora do Estado, principalmente no que se refere

aos direitos sociais conquistados” (SILVA, 55:1995).

Uma das características básicas da trajetória das políticas sociais nos

governos subseqüentes foi o enfraquecimento da dimensão pública, o que

podemos também denominar de Estado mínimo. As reformas sociais de

cunho neoliberal têm privilegiado, sobretudo, na conjuntura dos anos de

1990, as ações públicas voltadas para o atendimento dos pobres e

miseráveis.

Inserindo-se de forma subalternizada nessa dinâmica do capital, o

Brasil como os demais países do Terceiro Mundo enlaçados pela dívida

externa, tem se submetido ao programa de ajuste imposto, principalmente

aos países latino-americanos pelas instituições internacionais: FMI (Fundo

Monetário Internacional), BIRD ( Banco Internacional de Reconstrução e

Desenvolvimento), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), etc. Tal

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ajuste prescreve o reordenamento das relações entre os países centrais e

periféricos (ANDERSON, 1995).

Em decorrência dessas determinações, observa-se a intensificação

da retração do Estado na efetivação de políticas sociais, entendendo estas

como um conjunto de ações desenvolvidas pelo Estado nas áreas de saúde,

educação, assistência social, bem como programas sócio-assistenciais

destinados a determinados segmentos da população, como: a mulher, a

criança, o portador de deficiência, o idoso, etc. Sendo desenvolvidos,

sobretudo, em países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, que

apresenta políticas sociais focalistas de caráter não universal.

Na atual configuração do Estado brasileiro, os gastos públicos ficam

subordinados a interesses econômicos da nova ordem do capital

dificultando, dessa forma, a efetivação das políticas sociais. Prioriza-se a

economia, no sentido de torná-la competitiva dentro da economia mundial.

Ao mesmo tempo em que o Brasil vai se ajustando a esse processo de

forma subordinada, observa-se também a complexificação da questão

social, sendo esta, um dos saldos negativos gerados pela sociedade

capitalista e seu modo de produção entre países e grupos subalternizados.

Carvalho conceitua a questão social como “a materialização histórica das

desigualdades numa dada sociedade e as respostas engendradas pelos

sujeitos a essas desigualdades” (1998:13). A questão social envolve todas

as mazelas decorrentes das desigualdades, com sérias implicações para os

trabalhadores de baixa renda, formais e informais; bem como para os grupos

vulneráveis que vagueiam à margem da sociedade (negros, homossexuais,

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a mulher, a criança, o portador de deficiência, entre outros), causando-lhes

precárias ou nenhuma condição de sobrevivência.

Dentro desse contexto, e reportando-o para a conjuntura brasileira,

tendo em vista que todos esses processos têm implicações mais sérias

principalmente em países de Terceiro Mundo, encontra-se um Estado

provedor de políticas públicas destinadas a indivíduos que se encontram

abaixo da linha de pobreza. “São políticas casuísticas, inoperantes,

fragmentadas, sem regras estáveis ou reconhecimento de direitos” (Yazbek,

07: 1995). Isto se dá num contexto em que cada vez mais aumenta-se a

demanda de indivíduos que dependem de serviços públicos.

Essa postura de retração do Estado para com as políticas sociais,

como se sabe, deriva das determinações impostas pelo Consenso de

Washington aos países subordinados seu programa de ajuste que abrange:

privatizações, redução com gastos públicos, disciplina fiscal, desregulação,

terceirizações, etc. Diante desse quadro são reduzidas as chances de

financiamentos dos serviços públicos o que afeta decisivamente a obtenção

desses serviços como direitos e exercícios de cidadania.

Na década de 1970, sob a égide do regime militar, houve uma

abstração gradativa dos gastos com o social. A prioridade naquele momento

estava voltada, de forma vigorosa, para o crescimento econômico via

“milagre brasileiro”. Na década seguinte, a luta pela democratização impôs

que os temas sociais ganhassem terreno na agenda política de reformas

democráticas.

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O início da década de 1980 representou uma certa e necessária

ascensão no campo das políticas sociais sob a sombra do Welfare State3

europeu. Admitia-se, inclusive, sua existência aqui no Brasil quando se

avaliava a presença do Estado na efetivação de programas e políticas

sociais nas áreas de saúde, previdência, educação, assistência social e

habitação.

Algumas teses apontam uma parcial ineficiência do alcance dessas

políticas. Pois o Brasil, ao contrário dos países europeus, não adotou a

regulação Keynesiana da economia (Estado intervencionista) que garantia um

mínimo padrão de vida que viabilizasse a reprodução da classe trabalhadora e

regulava a economia de mercado de modo a assegurar o pleno emprego

implementando políticas sociais universais na busca da fidelidade das massas

e a legitimação da ordem burguesa.

O Brasil, então, não vivenciou um Estado de Bem-estar de forma

plena, tendo em vista sua condição subalternizada de Terceiro Mundo no

contexto internacional.

É inegável que a necessidade de retornar as questões sociais no cenário

da democratização torna-se comprometida pela crise que assola o país na

segunda metade dos anos 80 onde havia altos índices inflacionários e pela

volumosa dívida externa. Esta, já reflexo em âmbito nacional, do crescimento

do capital estrangeiro designada também como “milagre econômico” no

período do autoritarismo militar. Dentro do contexto internacional a crise

3 - O “welfare state” ou Estado de bem-estar social foi a forma assumida pelo Estado capitalista

nos países do chamado 1º mundo, baseados no princípio de que os governos são responsáveis pela garanti de um mínimo de padrão de vida que viabilizasse a reprodução da classe trabalhadora. Então o Estado regulava a economia de mercado de modo a assegurar o pleno emprego e políticas sociais universais na busca da submissão das massas e conseqüente legitimação da sua órdem.

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estrutural do capital no início dos anos 70 eclode como um dos fatores, a crise

do petróleo em 1973 e a queda da taxa de lucro da produção industrial põem

em cheque o padrão de acumulação taylorista/fordista que de acordo com

Antunes (37:2000):

Consistia em um sistema produtivo, que vigorou na grande indústria ao longo praticamente de todo o século XX, baseava-se na produção de mercadorias (...) racionalizando ao máximo as operações realizadas pelos trabalhadores, combatendo o ‘desperdício’ na produção, reduzindo o tempo e aumentando o ritmo de trabalho (...) estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo produtor dos veículos. Esse processo produtivo caracterizou-se pela mescla da produção em série fordista com o cronômetro taylorista”. (ANTUNES. 36-37:2000).

A Alemanha e o Japão tornam-se países fortes economicamente e os

EUA deixam de ser a única potência econômica. Daí surge intensa

concorrência por novos mercados aumentando a competitividade

intercapitalista. Adota-se então o toyotismo japonês baseado na

flexibilização da produção e das relações de trabalho. “A competitividade

intercapitalista impõe a exigência de qualidade dos produtos para garantir a

rentabilidade da produção em um contexto de globalização da produção e

dos mercados” (IAMAMOTO, 31:1998).

Diante desse contexto, a sociedade brasileira lutava pela

“democracia”, pelo resgate do social e pela participação popular numa nova

Constituição. “O ideário marcado pelo ‘tudo pelo social’ é comprometido pelo

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agravamento da crise econômica e, conseqüentemente pela incapacidade

de investimento do Estado, fazendo com que o discurso permaneça

distanciado das metas” (SILVA, 48:1995).

Todavia, paralelo a esse processo de crise sobressai o discurso da

“cultura da crise” onde a burguesia busca camuflar a dicotomia entre as

classes, bem como os projetos societais antagônicos, deixando a entender

que para retomar o crescimento econômico seria necessário o sacrifício de

todos os segmentos da sociedade, como se a crise afetasse

homogeneamente a todos. Tal discurso almejava reelaborar a hegemonia

do capital.

Segundo Ana Elizabete Mota: “Na atual conjuntura, a burguesia para

universalizar a sua ordem é necessário formar uma cultura geradora de

consentimento das classes, isto é, constituidora de hegemonia” (2000:47).

É apropriando-se do discurso da crise que a cúpula dos líderes

políticos do Brasil busca alianças políticas para a retomada do crescimento

econômico com o objetivo de inserir o país na economia globalizada, mesmo

que, para isto, o prejuízo recaia sobre o segmento mais desfavorecido da

sociedade através do solapamento das políticas sociais, do arrocho salarial,

da desregulamentação dos direitos sociais.

As condições sociais foram, a medida em que a crise se agravava,

deteriorando-se, alicerçada na própria cultura como forma de consenso e

participação das classes no enfrentamento da crise gerando um

compromisso involuntário por parte dos quase futuros assistidos sociais.

Enfim, a população brasileira, seria assistida socialmente se as políticas

sociais garantidas constitucionalmente, fossem efetivadas à risca.

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2 – O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

2.1. A emergência e trajetória

Com a Constituição de 1988, como já nos referimos neste trabalho, foi

previsto Benefício de Prestação Continuada - BPC, que constitui um salário

mínimo mensal, destinado às pessoas idosas de 65 anos ou mais e às

pessoas portadoras de deficiência física ou psíquica, incapacitadas para vida

independente e para o trabalho que não tenham condições de prover o

próprio sustento, ou, de tê-lo provido por sua família. Trata-se de um

Programa Federal de renda mínima, cuja característica principal é de ser

uma pensão não contributiva. Que atende aos segmentos, que se encontram

duplamente afetados, tanto pela deficiência ou idade, quanto pelo alto nível

de pobreza. Em ambos os casos, devem pertencer a famílias com renda

mensal inferior a ¼ do salário mínimo vigente o que equivale a uma quantia

inferior a R$ 65 por membro familiar, no período em que foi realizada a

pesquisa.

Como já foi mencionado na introdução deste estudo, o Benefício de

Prestação Continuada, só foi regulamentado em 1993, por meio da Lei

Orgânica da Assistência Social – LOAS, integrando-se à Política Nacional de

Assistência, mas somente foi efetivado a partir de 02 de janeiro de 1996,

determinado pelo Decreto 1.774, de 08.12.95 sob a responsabilidade do

Governo Federal, por intermédio do Ministério da Previdência e Assistência

Social.

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O Benefício de Prestação Continuada também direciona-se aos

portadores de doenças crônicas e doença mental (autismo, depressão em

estágio avançado), Aids, câncer, AVC, entre outras, apesar deste fato não

ser muito difundido. Isto é, desde que seja atestado que o candidato à

concessão do benefício esteja incapacitado para o trabalho e encontre-se

dentro dos critérios de renda estabelecidos.

O Benefício de Prestação Continuada é completamente custeado pela

União através do Fundo Nacional de Assistência Social do atual Ministério

do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (antigo Ministério da

Assistência Social). Tem como principal fonte de financiamento a

Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, com um

percentual de 88,73%; Recebe ainda como fonte recursos ordinários 7,67%;

e financiamento do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza 2,94%.

O fato de podermos acessar um benefício não contributivo, ou seja,

um benefício que não esteja vinculado às relações trabalhistas, constitui um

marco significativo e inaugural na esfera da proteção social brasileira.

É importante observar que essa forma não contributiva só surgiu no

nosso país tardiamente, ou seja, meio século em relação a outros países,

como a França (1940), a Alemanha (1960) e a Bélgica (1970).

O montante de recursos destinado ao BPC tem aumentado a cada

ano. Isto é bom, apesar de estar muito longe do ideal devido ao contexto de

miserabilidade em que se encontra o beneficiário. A impossibilidade de se

acumular o benefício a outra renda complementar regular, coloca o

beneficiário numa situação de sobrevivência mínima. Um fator considerado

positivo é o aumento de recursos financeiros destinados ao benefício que

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cresce a cada mês, já que seu alcance depende da decisão do requerente e

do preenchimento dos critérios para o acesso ao mesmo.

Ainda que excludente, quando assume como critério de seleção que a

família tenha uma renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo por

pessoa, o BPC tem como característica a regularidade, diferenciando-se das

demais ações conferidas à assistência, constituindo-se em um direito

reclamável, embora restrito. Se um portador de deficiência ou uma pessoa

idosa com idade igual ou superior a 65 anos tentar requerer o benefício junto

ao INSS e se enquadrar nos critérios de aquisição, automaticamente ele terá

a sua aquisição aprovada e concedida.

A continuidade do benefício como provisão certa e garantida não o

abstém do caráter focalista e seletivo reforçado pelo enxugamento do

Estado para com as políticas públicas. Ou seja, o diferencia, mas não

resolve a situação de exclusão na qual estão inseridos os beneficiários

cobertos pelo BPC.

Algumas medidas foram tomadas, no âmbito governamental, a fim de

retardar o início da efetivação do BPC. Com intenção de tomar medidas

financeiras e administrativas aferiram um novo prazo protelatório de um ano.

Em dezembro de 1994 foi expedido o Decreto nº 1.330 que propunha o

adiamento por mais um ano, sendo este revogado no início do governo de

Fernando Henrique Cardoso.

Houve, ao longo de oito anos, um significativo crescimento do número

de beneficiários do BPC. Os dados oficiais demonstram que esse aumento

quintuplicou no período compreendido de dezembro de 1996 a julho de

2004, tal como mostra a tabela a seguir:

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TABELA I

EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE BENEFICIÁRIOS DO BPC – Brasil (1996 á julho de 2003)

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/DATAPREV. Preparado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social da PUC-SP.

Nota: todos os dados se referem ao mês de dezembro, à exceção de 2003 que se refere a julho.

No ano de 2004, foram concedidos na Região Nordeste um total de

743.679 benefícios. Desse total foram destinados 455.109 benefícios para

as pessoas portadoras de deficiência e 288.570 para os idosos.

Até novembro de 2004 foram concedidos no Estado do Rio Grande do

Norte 26.614 benefícios para as pessoas portadoras de deficiência e 7.209

para as pessoas idosas totalizando 33.823 benefícios que tiveram um custo

de R$ 88.502005 sendo R$ 71.542.362 com benefícios B87 (referente ao

portador de deficiência) e R$ 16.959.643 com benefícios B88 (referente às

pessoas idosas), conforme os dados da DATAPREV.

Período PPD % Idosos % Total Evolução % Ano

1996 304.227 88 41.992 12 346.219 - -

1997 557.088 86 88.806 14 645.894 299.675 46,40

1998 641.268 76 207.031 24 848.299 202.405 23,86

1999 720.274 70 312.299 30 1.032.573 184.274 17,85

2000 806.720 67 403.207 33 1.209.927 177.354 14,66

2001 870.072 65 469.047 35 1.339.119 129.192 9,65

2002 976.257 63 584.597 37 1.560.854 221.735 14,21

2003 1.001.123 61 633.564 39 1.634.687 73.833 4,52

2004 1.126.721 62 945.961 41 2.072.682 43.799 2,32

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O BPC é concedido a todas as pessoas incapacitadas para a vida

independente e para o trabalho, que comprovem não possuir meios de

prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Conforme

dispõe a LOAS, são contemplados: os portadores de deficiência,

independente da idade; pessoas idosas com 65 anos ou mais; brasileiros,

inclusive indígenas não amparados por nenhum Sistema de Previdência

Social; estrangeiros naturalizados e domiciliados no Brasil, não cobertos por

sistema de previdência do país de origem; e os abrigados em instituições

públicas e privadas no âmbito nacional que comprove carência econômica

na forma da lei.

É importante ressaltar, como nos referimos anteriormente, que o BPC

tem como característica a regularidade, o que o diferencia das outras ações

conferidas à assistência o que o constitui como um direito reclamável ainda

que bastante restrito, ou seja, nesta condição o beneficiário tem a

oportunidade de lutar para que o seu benefício seja concedido, como já

fizemos referência ao longo deste estudo.

Cerca de 70% dos recursos do Fundo Nacional da Assistência Social

– FNAS são destinados ao BPC. Ainda assim, o seu alcance é restrito se

levarmos em conta a existência no país de 19.580.228 (Dados do

Síntese/dataprev/INSS/MPAS) pessoas com renda familiar per capita inferior

a ¼ do salário mínimo (dados do IBGE), enquanto que o BPC atinge apenas

7,17% desse universo.

Ao observarmos esses dados percebemos que a proteção social do

BPC não atinge grande relevância, principalmente pela seletividade imposta

pelos critérios de aquisição do mesmo, destacando-se a per capita familiar

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inferior a ¼ do salário mínimo, a idade (com relação aos idosos) e o conceito

limitado de deficiência, uma vez que, não poderá ser qualquer deficiência,

mas uma deficiência que incapacite para a vida independente e para o

trabalho.

A seletividade do BPC deixa de fora muitos indivíduos que poderiam

enquadrar-se como beneficiário quando atribui a família o papel de

provedores limitando, assim, o direito da pessoa ao benefício.

Outro ponto seletivo do BPC está no fato deste não poder acumular-

se a nenhum outro benefício no âmbito da seguridade social, salvo da

assistência médica. O BPC somente poderá acumular-se a outro, numa

mesma família, se uma vez calculada a renda per capita a distribuição for

inferior a R$ 65 por pessoa. Para isto, o beneficio já concedido será

computado neste cálculo. Este item torna-o arbitrário, pois a Constituição

não assegura o benefício para a família e sim para a pessoa.

Existe também um caráter contraditório, pois a renda de um idoso

beneficiário não computa na aquisição de um outro benefício para outra

pessoa idosa, podendo-se assim acumular-se dois benefícios em uma

mesma residência desde que sejam ambos para pessoas idosas. Ao

contrário ocorre quando um dos cônjuges é aposentado pela previdência.

Neste caso, o outro passa a não se encaixar nos critérios de aquisição do

benefício, uma vez que este benefício não pode ser acumulado a outro de

regime contributivo previdenciário.

O caráter seletivo da assistência social estabelece como critério para

a aquisição de benefícios as situações agudas. Para a criança ter acesso ao

programa do leite é necessário que se encontre em determinado estado de

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desnutrição. Ora, quantas crianças não atingem esse grau, mas sofrem

privações alimentares.

É absolutamente notório que os critérios de seletividade deixam à

margem um contingente bastante considerável de pessoas que, diante das

necessidades, poderiam inserir-se em tais programas.

O critério da renda per capita torna-se o mais excludente quando

inclui a família para o cálculo da renda. Para o candidato ao benefício ser

incluído no programa é necessário que o mesmo prove o baixo nível de

pobreza da sua família, além da sua própria. Segundo Sposati (2004:127) O

usuário vem sendo duplamente vitimizado: ”Não basta o fato de ser idoso ou

deficiente; são necessárias duas exclusões, além da sua, a da família”.

A Segunda Conferência Nacional de Assistência Social ocorreu em

dezembro de1997, após dois anos de adiamento sob a alegação de que era

muito cedo para avaliar a implantação da política. As mobilizações e

resistências traduzidas na organização das conferências municipais e

estaduais em maior número, em relação as anteriores, levaram o governo a

rever a decisão de adiamento e foi então possível a Conferência, com

expressivo debate público, acumulação de forças e enfrentamento das

progressivas iniciativas de desmonte de uma política em impreciso processo de

construção.

Essas manifestações de caráter político tiveram o mérito de impedir que

progredissem ainda mais os retrocessos em relação à concessão do BPC,

tendo como exemplos: a desvinculação do salário mínimo, tentativas de

suspensão, congelamento da idade, etc.

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As conferências têm se constituído em momentos significativos de

denúncia e combate às iniciativas de descumprimento da LOAS, como também

às omissões e protelamentos à sua efetivação. Possui ainda o mérito de

contribuir, sobremaneira, para a publicização da política e para o crescimento

qualitativo e quantitativo dos Conselhos de Assistência, instrumentos

imprescindíveis do sistema.

Por fim, observam-se durante os anos de 1997 a 1998, iniciativas que

por um lado consolidam, quanto a alguns aspectos o sistema descentralizado e

participativo, registrando-se além da existência de significativo número de

conselhos, fundos e planos a aprovação de Norma Operacional Básica para a

assistência social; no final do ano de 1999 registrava-se a existência de 27

conselhos estaduais com os respectivos fundos e planos e 4.231 conselhos

municipais, 3.964 fundos e 3.674 planos municipais, conforme dados do

Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS.

No tocante ao conteúdo, aprova-se, em 1998, um documento que

consubstancia uma política nacional; mas de outra parte dar-se seqüência ao

desmonte: reduzem-se os quadros de funcionários das secretarias de

assistência social; acentuam-se os cortes orçamentários, sobretudo em relação

à crise existente do órgão gestor. Com a conseqüente limitação dos

programas, busca-se, inclusive, empréstimos de agências internacionais para

financiar programas emergenciais, como o combate ao trabalho infantil. O

orçamento disponível que é ínfimo e ainda sofre cortes e contingenciamentos,

permanece comprometido em mais de 70% com a manutenção do Benefício de

Prestação Continuada. Logo tem-se o comprometimento da Política Nacional

que se torna apenas uma carta de intenções, posto que não se realiza sem o

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financiamento de serviços, programas e projetos, para enfrentamento das

crescentes e mais agudas expressões da exclusão.

2.2 Regulamentação e efetivação

A regulamentação do BPC através da LOAS se processa, em um

contexto de reestruturação da ordem capitalista e efetivação do projeto

neoliberal. Ao mesmo tempo em que se percebia uma abertura aos direitos

sociais, estes eram tolhidos por significativas revisões. Neste sentido,

observa-se uma grande distância entre o que foi escrito na Carta

Constitucional e na LOAS e o que se tornaram ações realizadas.

(...) a LOAS seria um ordenamento jurídico que mais contém potencialidades do que garantias, exceto quanto ao Benefício de Prestação Continuada. Os demais direitos seriam tão somente declaratórios, sendo o BPC a única provisão certa e garantida, constituindo-se em um direito reclamável (GOMES, 2001: 114).

Como já mencionamos, a continuidade do benefício como uma renda

garantida não o abstém do caráter focalista e seletivo, ou seja, o diferencia,

mas não resolve a situação de exclusão a qual estão inseridos os usuários

do BPC.

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Por determinação do Decreto nº 1.744, aqui já explicitado, ficaram

estabelecidos alguns pontos referentes a concessão, revisão, manutenção e

suspensão do BPC:

Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa

portadora de deficiência ou idoso, a família cuja renda mensal per

capita seja inferior a ¼ do salário mínimo;

O benefício não pode ser acumulado pelo beneficiário com

qualquer outro no âmbito da Seguridade Social ou de outro

regime, salvo o da assistência médica;

O Benefício de Prestação Continuada não é aposentadoria nem

renda mensal vitalícia. Será revisto a cada dois anos para

avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem;

O benefício não está sujeito a descontos de qualquer

contribuição, nem gera direito a abono anual (13º salário);

O benefício é intransferível, não gerando direito a pensão, mas,

gera pagamento de resíduo a herdeiros e sucessores;

A situação de internado de curta ou longa duração não prejudica

o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício;

O benefício será devido a mais de um membro da mesma família,

enquanto estiver atendendo ao contido no parágrafo 3º do artigo

20 da LOAS (renda familiar per capita inferior a ¼ do salário

mínimo);

Os programas voltados a integração da pessoa portadora de

deficiência serão devidamente articulados com o Benefício de

Prestação Continuada;

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O benefício deverá ser suspenso ou cessado se comprovada

qualquer irregularidade;

Verificada a irregularidade, será concedido ao interessado o prazo

de trinta dias para prestar esclarecimentos e produzir, se for o

caso, prova cabal da veracidade dos fatos alegados;

Apresentada a defesa, no prazo legal, esta será avaliada e

realizados os encaminhamentos pertinentes, pelo INSS;

Se forem cumpridas as exigências apontadas no indeferimento,

será concedido/mantido o benefício. Se não suprida, será aberto

prazo de 30 dias para interposição de recursos à junta ou turmas

de julgamento do CRPS.

O Decreto nº 1.744 inclui, ainda, para fins de enquadramento, além da

condição de incapacidade para a vida independente e para o trabalho, as

expressões severa e profunda. O que demonstra a intenção de restringir

mais ainda o acesso ao benefício.

O mesmo decreto exige que se prove a inexistência de renda

enquanto que a LOAS requer apenas a comprovação da renda per capita de

¼ do salário mínimo.

A Resolução do INSS, nº 435, estabelece que os laudos de avaliação

de deficiência emitidos pelo SUS e por outras entidades amparadas por lei

se submeta à perícia do INSS.

Chegou a ser enviado para o Congresso Nacional, dentro do

esquema da Reforma da Previdência Social, uma proposta de desvinculação

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do salário mínimo com o intuito de o transformar em um “auxílio”. No

entanto, movimentos de resistência, com destaque para a intervenção do

Conselho Nacional de Assistência Social, fez com que o Congresso

desconsiderasse a proposta.

No final do ano de 1997, no contexto do ajuste fiscal, o governo tentou

suspender o pagamento do benefício enquanto fosse feita uma auditoria

com o intuito de corrigir possíveis fraudes e contraria à Constituição Federal

no quesito da progressiva redução da idade para a concessão dos

benefícios às pessoas idosas deixando permanecer a idade em 70 anos.

Como conseqüência da reação da sociedade e da repercussão na mídia, o

governo voltou atrás na decisão mas impediu a redução da idade para 65

anos, conforme preconiza a lei, reduzindo e mantendo a idade de 67 anos.

Nota-se que várias restrições, têm contribuído para seletividade do

BPC, inclusive as ações administrativas. Explicita Gomes, que:

Nesse e em outros aspectos, os atos administrativos que tão-somente têm atribuição de viabilizar a garantia formal assumem o papel de restringir o acesso ao direito. Isso acontece particularmente no INSS, no qual se constata que a burocracia dar suas interpretações arbitrárias e muito próprias aos princípios da lei (2001, p.13).

Em 1996, foram destinados R$ 177 milhões para o benefício o que fez o

governo achar que os gastos estavam além do previsto. Algumas medidas

provisórias, convertidas em lei também visaram restringir o benefício,

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modificando a Loas em alguns pontos como a adoção de um novo conceito

de família4 ainda mais excludente. O conceito de família previdenciária,

contrariando o caráter das garantias da assistência social. Um outro ponto

foi o estabelecimento de medidas restritivas como a extinção das equipes

multidisciplinares de avaliação, deixando a seleção a critério do médico

perito do INSS. Acontecendo também a antecipação da revisão dos

benefícios, prevista para ocorrer apenas dois anos após seu início. Já o

Decreto nº 3.298 de 20.12.199 determinou um conceito mais abrangente de

pessoa portadora de deficiência:

(...) como sendo aquela pessoa que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gera incapacidade para desempenho de atividades dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

Como já foi colocado neste trabalho, para efeito de concessão e

avaliação do Benefício de Prestação Continuada a pessoa portadora de

deficiência é aquela cujo nível de incapacidade impede para a vida

independente e para o trabalho.

Com relação à pessoa idosa, no início da concessão dos benefícios

de acordo com o art. 20 da LOAS, só tinha direito ao benefício a partir de 70

anos. A Medida Provisória nº 1.599.39 de 11.12.97, transformada em Lei nº

4 Medida provisória nº 1.473-34, de 11.08.97 – Transformada em Lei nº 9.720, em 30.11.98

alterou o conceito de família passando a considerar o “conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213, de 24.07.91, desde que vivam sobre o mesmo teto”, assim entendido: o cônjuge, o(a) companheiro(a), os pais, os filhos e irmãos e os comparados a essas condições, não emancipados e menores de 21 anos ou inválidos.

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9.720, em 30.11.98, alterou o Art. 38 da LOAS, fixando a idade em 67 anos

a partir de 1º de janeiro de 1998. Com o Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741 de

03.10.2003 a idade para requerer o BPC passa a ser de 65 anos,

estabelecendo, ainda, que o BPC já concedido a um idoso não será

computado na renda familiar para conceder o BPC a outro idoso que viva

sobre o mesmo teto.

Podemos observar que as alterações ocorridas na trajetória do

benefício deram-se de diferentes formas no sentido de restringi-lo ainda

mais com exceção da medida tomada para a redução da idade da pessoa

idosa. As diferentes determinações internacionais via Consenso de

Washington5 têm conseguido, entre outras coisas, interferir nas políticas

sociais de maneira a desviá-las de seus objetivos, como é o caso da LOAS,

reduzindo progressivamente o seu alcance. Isto se traduz na formulação e

execução dos benefícios, dado o seu grau de seletividade, abrangendo

apenas situações de vulnerabilidades.

À medida que se faz as constatações do processo de criação do

Benefício de Prestação Continuada, situando os avanços e retrocessos da

sua implementação, tornam-se evidentes os critérios de seletividade para o

idoso e para o portador de deficiência ter acesso ao BPC, e as dificuldades

que permeiam todo o processo de aquisição deste benefício.

Em continuidade a análise da documentação referente a Lei de

Assistência Social, apreende-se das informações que a partir de 1999, foi

implementada a revisão do BPC previsto no art. 21 da Lei nº 8.742/93

5 Reunião ocorrida na estação de Mont Pèlerim, na Suíça onde foram deliberados os ditames

para implantação do neoliberalismo impondo aos países subdesenvolvidos um programa de ajuste que abrange: privatizações, redução com gastos públicos, disciplina fiscal, desregulação, terceirizações, etc.

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(LOAS), cujo objetivo é constatar se permaneceram as mesmas condições

do início da concessão do benefício. E ainda, com relação ao portador de

deficiência, fica a cargo do INSS, por meio de perícia médica verificar se há

incapacidade para vida independente e para o trabalho. Cabe ao INSS, por

intermédio de sua agência, a decisão final sobre o cancelamento ou

manutenção do BPC.

Desde a sua concessão, o BPC passou por constantes etapas de

revisão que mais visavam o cancelamento do que a concessão de novos

benefícios. A primeira revisão imposta pela Medida Provisória destinada aos

portadores de deficiência atingiu pouco mais de 10% do total dos benefícios

concedidos a esse segmento, não gerando impacto relevante no número de

cancelamentos. Contudo, a restrição imposta de que somente os peritos do

INSS poderiam emitir laudos resultou em impactos significativos,

apresentando, em 1998, um crescimento de cessações de benefícios de

quase 40%. Daí em diante, afetando novos ingressos, em vista da natureza

da avaliação médico-pericial estabelecida. Em 1996, foram concedidos aos

portadores de deficiência cerca de 377 mil benefícios, reduzidos em 2000

cerca de 140 mil, consumando-se uma queda de quase 60% (GOMES,

2001).

Considerando o seu caráter seletivo, cobrindo apenas necessidades

meramente biológicas, como o ato de alimentar-se, por exemplo, o BPC, na

maioria das vezes, não tem sequer cumprido esse papel por ser o

beneficiário quase sempre provedor único ou parcial de toda família.

A Revisão do Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS a

cada dois anos atende a determinação do artigo 21 da LOAS. O processo de

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revisão realizado em todo território nacional avalia por etapas os benefícios

com mais de dois anos de concessão.

O primeiro processo de revisão do BPC teve início em outubro 1999 e

incluiu 458.024 benefícios concedidos no período de janeiro de 1996 a abril

de1997.

O segundo processo de revisão teve início em dezembro de 2000 e

foram incluídos 452.926 benefícios concedidos no período de maio de 1997

a dezembro de 1998.

O terceiro processo incluiu cerca de 320.241 benefícios concedidos

no período de 01.01.1999 a 31.07.2000. Teve início em julho de 2002,

totalizando desta forma 1.231.191 benefícios revisados nas três etapas.

O quarto processo de revisão foi realizado de janeiro a dezembro de

2004 avaliando os benefícios concedidos no período de 01.08.2000 a

30.11.2001.

A Revisão do Benefício de Prestação Continuada no Rio Grande do

Norte é realizada em parceria entre a Secretaria de Estado, do Trabalho, da

Habitação e da Assistência Social – SETHAS, INSS, DATAPREV e

Colegiado Estadual de Gestores Municipais da Assistência Social –

COEGEMAS. O Conselho Regional de Serviço Social – CRESS também é

parceiro no processo, atuando nos aspectos que envolvem a valorização do

profissional da Assistência Social.

No RN foram revisados na primeira etapa do processo de revisão

12.716 benefícios emitidos entre 02.01.96 a 30.04.97.

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Na segunda etapa foram revisados os emitidos entre 01.05.97 a

31.12.98, totalizando 9.760 benefícios.

A terceira etapa teve 3.209 benefícios, emitidos entre 01.01.99 a

31.07.00 e revisados.

Na quarta e última etapa que teve início em janeiro de 2004,

compreenderam 2.190 benefícios emitidos entre 01.08.200 a 31.10.2001,

totalizando, em todas as etapas ocorridas no Estado, 27.875 benefícios,

conforme dados da DATAPREV.

No Município de Macau, lócus específico do nosso trabalho, o acesso a

esse benefício tem sido cada vez mais restringido em virtude dos constantes

cortes através dos processos de revisão. Em dezembro de 2002, havia no

município de Macau 351 usuários do Benefício de Prestação Continuada.

Dentre estes, 336 eram benefícios concedidos às pessoas portadoras de

deficiência e 15 concedidos às pessoas idosas, totalizando 351 beneficiários no

município. Ao passo que em dezembro de 2004, esse total era de 347

usuários, sendo 313 portadores de deficiência e 34 idosos.

O processo de revisão do benefício tem dois focos de análise: o social

e o médico pericial.

O foco social é realizado por meio de visita domiciliar de um

assistente social, com o objetivo de colher informações sociais, pessoais,

culturais e da comunidade sobre o nível de pobreza e vulnerabilidade e o

impacto dessas situações na vida do idoso, ou o agravamento da

incapacidade para a vida independente e para o trabalho das pessoas

portadoras de deficiência.

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Já o foco médico-pericial avalia o enquadramento do beneficiário aos

critérios legais estabelecidos pela LOAS, sob a responsabilidade do INSS.

Ambas as avaliações são realizadas através de instrumentos criados

para esta finalidade, são eles:

Formulário “Composição do Grupo e Renda Familiar do

Beneficiário”;

Formulário “Informações Sociais Complementares sobre o

Beneficiário e seu Núcleo Familiar”;

Tabela de dados de “Avaliação Social”;

Relatório Mensal com os dados dos beneficiários revisados

no município.

Tais informações são sistematizadas no Programa REVAS, que além

de determinar a manutenção ou não do benefício, subsidia o planejamento

de ações e serviços para idosos e portadores de deficiência na área da

assistência social.

A avaliação social contempla alguns aspectos como: situação familiar

(situação de abandono, velhice dos pais, etc.); oferta de serviços

comunitários (inexistência, insuficiência ou inadequação de serviços);

carência econômica; idade; Análise da história da deficiência (congênita ou

adquirida); labor e potencial para o trabalho (fora da idade laboral, sem

qualificação, nunca trabalhou, etc.).

No início do processo de concessão utilizou-se um instrumental para

auxiliar a avaliação das condições de deficiência denominado, acróstico

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avaliemos que consiste em uma tabela de dados para avaliação da

deficiência: instrumento auxiliar para o preenchimento da conclusão da

perícia médica. Este estabelece um conjunto de indicadores técnicos para o

enquadramento da deficiência visando orientar a emissão do laudo. Tais

indicadores dispostos em forma de acróstico, denominado “avaliemos”,

prescrevem um teste de elegibilidade, com rigorosa pontuação, destinada a

avaliar a deficiência a partir de critérios exclusivamente médicos e físicos.

Tal acróstico surgiu no início da concessão como um quarto subsídio,

posteriormente foi instituído pela Resolução/INSS Nº 435/97 instrumento

auxiliar, com a observação de que não substituiria o laudo de avaliação,

ainda naquele momento assistido por dois profissionais.

Contudo, na prática, o acróstico foi adotado como instrumental de

enquadramento, até porque os processos obedecem ao critério de

pontuação da tabela, sendo o laudo tão somente uma conclusão resumida.

De fato, há limitações por parte deste tipo de instrumental, já que corre o

risco de nem sempre dar conta da diversidade das situações, especialmente

quando tratado por profissionais não especializados e que não acompanham

a problemática da deficiência. Decerto, trata-se de um instrumento para

guiar os peritos do INSS, acostumados a lidar com situação de invalidez e

incapacidade para a vida laboral dos segurados.

A partir da Revisão prevista na LOAS, surgiu um outro acróstico

denominado de social - tabela de dados para avaliação da condição social

da pessoa portadora de deficiência e da pessoa idosa. Sua função no

procedimento de revisão, no caso da pessoa portadora de deficiência, é

impedir que haja somente a avaliação médica, o que seria do ponto de vista

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legal uma irregularidade, já que estes beneficiários acessaram o benefício

quando vigorava a avaliação através de equipe multidisciplinar. Em outras

palavras, por ora, este acróstico social funciona para restabelecer, apenas

na revisão, as mesmas regras pelas quais o benefício foi concedido, e,

portanto, assim deve ser revisado. Quanto ao acróstico para as pessoas

idosas, seu objetivo é oportunizar a pesquisa de dados, sem qualquer

interferência na manutenção ou cancelamento do benefício.

A nossa avaliação e análise do processo de revisão do BPC é que ele

consiste em um instrumento que segrega e humilha o beneficiário; uma vez

que o mesmo é submetido por uma segunda vez a comprovar a sua

condição de pessoa miserável, sujeitando-o a uma situação de pavor ou

medo de perder aquela que consiste em única provisão regular e garantida

da família. Pois, como bem sabemos, ainda que sua renda venha a alterar-

se no período compreendido entre a concessão e a revisão, ela nunca vem a

aumentar de modo a alterar significativamente as condições de vida

daquelas famílias. Altera para efeito de calculo da renda per capita, mas não

agrega melhoria no seu modo de viver.

2.3 Renda Mensal Vitalícia: um auxílio à velhice e à invalidez

Anterior ao Benefício de Prestação Continuada existia a Renda

Mensal Vitalícia – RMV, criada em dezembro de 1974, prevista na Lei nº

6.179, a qual instituiu o amparo previdenciário para maiores de 70 anos de

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idade e para inválidos definitivamente incapacitados para o trabalho que,

num ou noutro caso, não exercessem atividade remunerada, não auferissem

rendimento sob qualquer forma, superior ao valor da renda mensal fixada

(metade do salário mínimo), não fossem mantidos por pessoa de quem

dependessem obrigatoriamente e não tivessem outro meio de prover ao

próprio sustento. Os idosos com mais de 70 anos e portadores de deficiência

eram amparados desde que se enquadrassem em umas das três situações

seguintes: 1) Tenham sido filiados ao regime do INPS, em qualquer época,

por pelo menos 12 meses consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade

de segurado; ou 2) Tenham exercido atividade remunerada atualmente

incluída no regime do INPS ou do Funrural, mesmo sem filiação à

Previdência Social, no mínimo de 5 anos, consecutivos ou não; ou ainda 3)

Tenham ingressado no regime do INPS após completar 60 anos de idade

sem direito a benefícios regulamentares.

Também chamado de auxílio previdenciário, a RMV equivalia, na

época, à metade do salário mínimo vigente no país, não sendo admitido

ultrapassar 60% do referido salário.

Com a Constituição Federal de 1988, ficou proibida a fixação dos

benefícios em valores inferiores ao salário mínimo; somente a partir de 1991,

com a regulamentação da previdência social pela Lei 8.213, a Renda Mensal

Vitalícia teve seu valor alterado para um salário mínimo.

A Renda Mensal Vitalícia aparece num contexto político econômico de

crise e esgotamento do chamado milagre brasileiro e da lenta e gradual

distensão do regime militar, no governo Geisel, no que se operava a política

social do controle da política, como objeto de legitimação do governo da

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ditadura (Vieira, 1997). Destinou-se assim, a um significativo contingente de

trabalhadores rurais e urbanos, no caso de idosos e inválidos, os quais,

ainda que tivessem direito, não tinham acesso à previdência social pelo seu

caráter não universal.

Desse modo, a instituição da Renda Mensal Vitalícia passa a compor

um certo aparato assistencial da previdência, que pode ser atribuída a certa

complacência ou flexibilidade de um sistema contributivo, que se deslocava

da lógica restrita do seguro, estendendo um braço assistencial para amparar

a velhice e a invalidez com um auxílio, por princípio e valor diferenciado dos

demais aposentados.

Como vemos, por sua concepção e por seu conteúdo, A Renda

Mensal Vitalícia era considerada um auxílio, uma ajuda, um amparo, uma

concessão. Não identificada no campo do direito, ainda que se constituísse

em uma garantia prevista em lei. A RMV, por ser dirigida aos pobres,

àqueles que não tinham como prover o seu sustento, era considerada como

benefício do campo assistencial entendido como concessão e não direito,

dissociada do típico modelo do sistema de seguro brasileiro. Foi este

concepção que, posteriormente, extinguiu a Renda Mensal Vitalícia nas

disposições da Lei Orgânica da Assistência Social, ao regulamentar o

Benefício de prestação Continuada, posto assim como seu substituto.

Embora sem a exigência tipicamente contributiva, há que se notar a

sua clara relação com o trabalho, já que seus destinatários teriam de, em

quaisquer das situações para comprovar sua condição de ex-trabalhador ou

ex-filiado ao regime, além da incapacidade laboral, posta pela situação de

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velhice ou invalidez. Então a contrapartida é o trabalho e a situação de

pobreza.

Do ponto de vista da concepção, como já referimos, embora ambos

tenham sido previstos em lei, portanto garantias formais, carregam

significados e princípios diferentes, o que nos leva a afirmar que o BPC é

reconhecido explicitamente como um direito social, enquanto a RMV exige

contribuição, ainda que diferenciada, em dois casos, ou comprovação de

exercício anterior de alguma atividade laboral do regime previdenciário. O

fato do benefício, ter migrado para o campo do direito constitucional, como é

o caso do BPC, que não necessita ter contribuído previamente na condição

de trabalhador constitui um grande avanço, que é sem dúvida um marco da

proteção social brasileira.

Um aspecto importante que reforça a diferença de concepção é que a

RMV embora prevista em Lei não tinha fonte de custeio definida o que não

acontece com o BPC.

Ressalta uma entrevistada que a RMV, proporcionava cobertura

àquelas doenças definitivamente incapacitantes para o trabalho, destinando-

se à incapacidade adquirida pelo exercício do trabalho, enquanto o BPC

avalia pela funcionalidade, atendendo-se ao exame do grau de incapacidade

naquele momento, o que não significa necessariamente que tal situação seja

definitiva, bem como abrange a incapacidade congênita, adquirida, orgânica.

A respeito do conteúdo, temos que ambos repassam uma renda,

sendo que dos seus 21 anos de existência, durante 17 anos, a RMV foi

estipulada em metade do salário mínimo, em consonância com o princípio

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de certo auxílio insuficiente, e o BPC foi desde então previsto na

Constituição com o valor de um salário mínimo.

Uma particularidade observada em relação aos dois benefícios é que

ambos, nos seus processos de regulação e concessão, passaram por

momentos distintos de maior ou menor alcance, de compressão e

descompressão de acesso em razão das dadas conjunturas político-

econômicas que definiam e subordinavam a concessão a alegada

disponibilidade orçamentária.

Em relação aos destinatários, a Renda Mensal era devida às pessoas

inválidas incapacitadas para o trabalho e aos idosos com mais de 70 anos; o

BPC é devido às pessoas portadoras de deficiência incapacitante para a

vida independente e para o trabalho e aos idosos, inicialmente com 70 anos,

sendo que a partir de 1998 a idade foi reduzida para 67 anos.

Quanto aos critérios de elegibilidade, os dois benefícios eram

destinados aqueles sem condições de prover o seu sustento, ou de tê-lo

provido por sua família, atribuindo à família a responsabilidade primeira pela

manutenção da pessoa.

Contudo, temos algumas diferenças: para a comprovação da

necessidade, a RMV não definia explicitamente um corte de renda, muito

menos per capita. Embora na prática possamos inferir que era de meio

salário mínimo, a renda admitida. Isto porque a RMV não impedia o acesso

do beneficiário que auferisse alguma renda, desde que esta não

ultrapassasse o seu valor, que inicialmente correspondeu a meio e depois a

um salário mínimo.

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O BPC define um seletivo e excludente corte de renda per capita, no

valor de um salário mínimo, exige por decreto, a comprovação da

inexistência de renda por parte do candidato, juntamente com a

responsabilização da família de modo mais amplo e rigoroso, ou seja: toda a

família participa do cômputo da renda para definir a elegibilidade do

beneficiário.

Por outro lado a RMV possuía uma vinculação mais estreita com o

trabalho pois destinava-se além dos idosos, aos incapacitados para o

trabalho em razão de algum tipo de deficiência física ou mental ou doenças

adquiridas que fossem incapacitantes. Nesse caso tratavam-se de

beneficiários em idade laboral, os quais encontravam-se definitivamente

incapacitados para o trabalho mas não necessariamente para a vida

independente.

O BPC trata, além da situação de velhice, da condição de deficiência

incapacitante para a vida independente e para o trabalho,

independentemente da idade, ou seja, alcança beneficiários de qualquer

faixa etária indiscriminadamente, mesmo que nunca tenham trabalhado,

como é o caso de crianças e adolescentes.

Assim, se a renda alcançava mais pessoas em situação de invalidez,

agregando algumas doenças que afetam a capacidade laboral, mas não

necessariamente impossibilitando uma vida independente, segundo o

critério, o Benefício de Prestação Continuada, por um lado, alargava o

alcance para as pessoas portadoras de deficiência, e, por outro, restringia ao

qualificar com rigor o tipo de deficiência.

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Ainda que se tenha apontado a existência de critérios mais rigorosos

e seletivos para o BPC, não estaria no seu alcance a todos os portadores de

deficiência, independentemente da sua vinculação com o trabalho a sua

maior cobertura e por outro lado a partir de 1998, com o ingresso dos idosos

de 67 anos, em vez de 70, não estaria aí uma maior extensão do benefício?

Certamente a renda mensal atingia maior cobertura quanto aos

critérios de renda, enquanto o BPC é nesse ponto, por demais seletivo. Uma

outra questão a ressaltar é que uma vez concedida, a RMV não estabelecia

formalmente a obrigatoriedade de revisões periódicas do benefício, até

porque a situação de invalidez deveria ser definitiva. No caso do BPC, a

revisão é formalmente prevista a cada dois anos, a fim de verificar tanto a

situação de deficiência como da permanência da situação da renda para

ambos os segmentos.

2.4. Usuários do BPC: pessoas idosas e portadoras de deficiência

Os destinatários do BPC, as pessoas idosas acima de 65 anos e as

portadoras de deficiência, constituem segmentos que vivem em situação de

vulnerabilidade social; seja pela situação da deficiência, seja pela idade que

estão. Em ambos os casos, a situação se agrava pelas precárias condições

de sobrevivência decorrente da renda per capita que alinha-se à situação

crítica de extrema pobreza.

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Somente a partir da década de 1970 é que a sociedade começa a

acordar para a problemática da pessoa portadora de deficiência, dando

início aos movimentos em defesa dos direitos desse segmento. Tais

movimentos se consolidaram e ganharam espaço na década de 1980

apoiados pelos organismos internacionais. A caracterização do que se

entende por deficiência tem sido alvo discussões e controvérsias, em virtude

da dificuldade de obter uma definição que contenha todos os aspectos

relevantes a esta complexa questão. Alguns países e entidades passaram a

preocupar-se com uma definição ou termo que abarcasse a realidade

concreta das pessoas deficientes. Com esse objetivo, a Organização das

Nações Unidas (ONU), bem como outras organizações internacionais

lançaram mundialmente o termo “pessoas deficientes”, com o intuito de

amenizar a imagem esteriotipada dessas pessoas, taxadas de “cega”,

“surda”, inválida”, “louco”, “aleijada”, “anormal” etc. A Declaração dos

Direitos das Pessoas Deficientes, aprovada pela Assembléia Geral da ONU,

em 9 de dezembro de 1975, proclama em seu artigo I, que o termo “pessoas

deficientes” refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si

mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou

social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, em suas

capacidades físicas ou mentais.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): “Considera-se pessoa

portadora de deficiência aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas

ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou

anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividades dentro

do padrão social considerado normal para o ser humano”.

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Algumas instituições e profissionais que trabalham com o tema em questão

passaram a utilizar o termo “portador de necessidades especiais” objetivando a

não discriminação, tendo em vista que a palavra “deficiente” se contrapõe a

palavra eficiente. O ser “capaz” contra o “não capaz”. Assim, atribui-se ao

termo “deficiente” uma terminologia muito marcante, taxativa e discriminatória.

Em contrapartida, o termo “portador de necessidades especiais”, engloba, além

das pessoas portadoras de deficiência, as pessoas portadoras de outras

necessidades tais como: as obesas, as super-dotadas e as portadoras de

determinadas doenças que requerem alguns cuidados específicos. Daí, a não

utilização do termo acima referido no corpo deste trabalho. Este requer a

terminologia específica, legal, levando-se em conta que o tema trabalhado

trata-se da Assistência Social expressa na Constituição Federal e sua

implicação na vida das pessoas impossibilitadas, por uma deficiência congênita

ou não, de exercer uma vida “normal” dentro dos padrões estabelecidos pela

sociedade.

Em 1989, foi instituída a Lei da Pessoa Portadora de Deficiência6, onde

ficam estabelecidas as normas gerais que asseguram o pleno exercício dos

direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência assim como

sua efetiva integração social. As normas desta lei visam garantir a este

segmento as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento nas mais

variadas áreas, dentre elas: Educação, Saúde, Formação Profissional e do

Trabalho, Recursos Humanos, Edificações.

6 A Lei nº7.853, de 24 de outubro de 1989 dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua

integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência –

CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a

atuação do Ministério Público, define crimes e dá outras providências.

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A luta para garantir os direitos dos portadores de deficiência tem

sensibilizado todos aqueles que lidam com esse segmento. A partir da Nova

Constituição, intensificou-se o movimento no sentido da inserção da pessoa

portadora de deficiência à sociedade, principalmente no que se refere às

questões ligadas ao acesso à educação ao trabalho, à saúde a previdência e a

assistência social. Isto fez da nossa Constituição Federal uma das mais

avançadas do mundo em relação aos direitos do portador de deficiência.

Deficiência exprime a idéia de limitação, portar uma deficiência e estar

sujeito a limites que vão desde os corporais, ligados a incapacidade física de

andar, executar determinados movimentos, à imperfeição corporal e estética,

que reduz possibilidades afetivas e sexuais, até as barreiras arquitetônicas que

dificultam e muitas vezes, impossibilitam a locomoção dessas pessoas,

limitando seu acesso a estabelecimentos públicos, pois embora hajam leis a

nível Federal (lei n 7.405) e Municipal (lei 4.090/92) referentes a esta causa,

bem como normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas

Técnicas (ABNT) que abrigam a adaptação dos edifícios e logradouros de uso

público para o acesso, circulação e utilização das pessoas portadoras de

deficiências, as mudanças vem se processando de forma tímida.

A perda de uma determinada capacidade seja ela de ordem física ou

mental acarreta muitas conseqüências negativas, dando origem a problemas

sociais, psicológicos, econômicos que certamente incide na qualidade de vida

da pessoa portadora de deficiência, que pode implicar na perda da auto-estima,

do status, restringindo suas capacidades ocupacionais que certamente

repercute no seu cotidiano aumentando, assim, as dificuldades de

sobrevivência.

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Estima-se que 10% da população brasileira são portadoras de algum tipo

de deficiência. Aproximadamente 26,6 milhões de brasileiros (levando-se em

conta que a população brasileira é de aproximadamente 183 milhões de

habitantes) com o seguinte perfil: 5% da população apresentam deficiência

mental; 2% deficiência física; 1,5% deficiência auditiva; 1% deficiência múltipla;

0,5% deficiência visual (dados da OMS).

Apresentamos a tabela com índices referentes à distribuição dos

beneficiários do BPC por tipo de deficiência, de acordo com os dados da

terceira etapa de revisão do Benefício de Prestação Continuada.

TABELA II

DISTRIBUIÇÃO POR TIPO DE DEFICIÊNCIA, DE ACORDO COM O RESULTADO DA

AVALIAÇÃO – BRASIL – 2003.

TIPOS DE DEFICIÊNCIA %

Deficiência mental 31 Deficiência múltipla (+ de uma deficiência) 20 Deficiência física (paralisia ou amputação dos membros) 17 Doença mental (quadros psiquiátricos) 12 Doenças crônicas e incapacidades (AIDS, câncer, AVC e outros)

10

Deficiência auditiva 5 Deficiência visual 5 TOTAL 100

Fonte: Ministério da Previdência e Assistência Social – 2002. Avaliação. Nota: Este resultado refere-se a 40 mil pessoas com deficiência.

Esta população, além da situação de limitação física ou mental e de

miserabilidade em que se encontram, deparam-se ainda, constantemente com

a discriminação e o preconceito; a começar dentro do próprio lar. A família,

com seus costumes e valores é a reprodução viva dos valores, que norteiam a

nossa sociedade. Neste sentido, pode incidir sobre o portador de deficiência as

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mais variadas manifestações, como: rejeição, segregação, superproteção,

paternalismo, piedade, etc. Culturalmente não se está preparado para receber

um filho portador de deficiência, “(...) não estão preparadas, principalmente

porque receberam toda carga ideológica que reina no interior da nossa cultura”

(RIBAS, 52:94).

A sociedade é permeada de valores que ressaltam o “belo”, o “perfeito”, o

“normal”, o “certinho” e as pessoas que não se enquadram nesses padrões

ficam, de certa forma, estigmatizadas e conseqüentemente marginalizadas.

Uma criança que nasceu cega, nunca enxergou e por isso não tem por que sofrer. Uma criança paraplégica, que sempre andou com aparelho ortopédico, dificilmente sofrerá por não andar sem ele. Somente a partir de uma certa idade, quando o mundo descobrir que ela é deficiente e começar a mostrar-lhe que ela é “diferente”, então sim esta criança se verá mal com a sua deficiência, e provavelmente sofrerá. Ninguém sofre com a deficiência, todos sofrem com o estigma. (idem, ibidem. p. 55)

Piorando a situação dessas pessoas, associa-se o preconceito ao fato

de a maioria dos portadores de deficiência encontrar-se na população de baixa

renda. Pois, as pessoas mais pobres estão mais sujeitas à falta de alimentos, à

falta de saneamento básico, aos acidentes de trabalho, e, conseqüentemente,

mais expostas a doenças, contaminações e acidentes que podem trazer como

conseqüência a aquisição da deficiência ou o nascimento de crianças

portadoras de deficiência.

Outro ponto importante é que, embora na atualidade a sociedade esteja

mais alerta para a problemática do portador de deficiência, embora haja muitas

palestras, conferências, seminários e todo um aparato legal que buscam

derrubar o preconceito e inserir a pessoa portadora de deficiência na

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sociedade, o que constitui um grande avanço em relação ao passado, a

verdadeira inserção caminha a passos lentos dada a conjuntura que nos cerca.

Tem-se, como exemplo, o projeto de inserção do portador de deficiência no

mercado do trabalho através do sistema de cotas estabelecidas por lei para

concursos públicos, que reservam um percentual de 3% (três por cento) das

vagas para a pessoa portadora de deficiência (Art 10 Lei Municipal n0 6.257/92)

e de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos,

proporcionalmente, para empresas com mais de 100 (cem) empregados (Art.93

Lei Municipal n0 8.213/91).

O mercado de trabalho se encontra saturado e, cada vez mais, exigente

diante da estrutura econômica e social excludente que requer alto grau de

competitividade, tornando-se aí segregativo para todos. A desvantagem do

portador de deficiência, nesse sentido, torna-se ainda mais acentuada. Embora

haja uma aparato legal, nem sempre a lei é cumprida. “Os empresários, em sua

maioria, garantem de antemão que as pessoas deficientes são, enfim,

trabalhadores que não correspondem as exigências do ritmo imposto pela

produtividade” (RIBAS p.85, 1998). Seguindo essa lógica preconceituosa,

consistem em acreditar que os portadores de deficiência são lentos e

ineficazes para o trabalho.

É preciso acabar com esse tipo de discriminação e pensar uma

sociedade melhor para todos, mas integrada, menos excludente, mais humana.

Para isso, é necessário que o Estado e todo o conjunto da sociedade se

empenhe nesse processo. O portador de deficiência é um ser humano que tem

necessidades básicas inerentes à condição humana que precisam ser supridas

tais como: saúde, alimentação, educação, trabalho, moradia digna, lazer, entre

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outras. É preciso que as políticas sociais saiam do assistencialismo e transitem

para o assistencial para que essas necessidades sejam cobertas de forma

universal. Consideramos de fundamental importância que o BPC amplie cada

vez mais o contingente de beneficiários, desvinculando o seu acesso ao critério

de renda per capita, estendendo-se de forma universal a todos aqueles que

possuam uma determinada deficiência que o incapacite para a vida laboral. É

necessário que a luta venha fazer parte do cotidiano de todos, contra a

discriminação dessas pessoas.

O outro segmento coberto pelo Benefício de Prestação Continuada são

as pessoas idosas. A Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, considera idosa a

pessoa maior de sessenta anos de idade. Todavia para fins de acesso ao BPC,

a idade mínima exigida inicialmente foi de setenta anos, a qual, a partir de

janeiro de 1998, passou a ser de 67.

Pelos dados do INSS, os cinco estados que apresentam os menores

índices de concessão do benefício destinados ao idoso, comparando a sua

respectiva população idosa, em ordem crescente são: Santa Catarina, Acre,

Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Paraná.

Como podemos perceber, os Estados que se encontram entre aqueles

que possuem os melhores níveis de desenvolvimento humano do PNUD –

Santa Catarina, Rio grande do Sul e Paraná – é aqueles que se colocam entre

os que possuem os mais baixos níveis – Acre e Rio Grande do Norte.

Isto demonstra que a população dos Estados cujos níveis de

desenvolvimento humano e patamares de longevidade são melhores, não

conseguem ter acesso ao benefício pela restrição da per capita familiar.

Enquanto a população dos estados que possuem os piores níveis de

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desenvolvimento humano atende ao per capita familiar, e não alcançam a

idade mínima exigida.

Vale registrar que segundo o IPEA, usando como fonte originária o

IBGE, as estimativas de esperança de vida ao nascer, no Brasil são

diversificadas de uma região para outra, localização domiciliar e sexo;

oscilando entre a mínima 58,4 anos para os homens rurais do Nordeste e a

máxima de 81 anos para as mulheres urbanas do Sul (IPEA, 1997:25).

Um acelerado crescimento demográfico tem mostrado uma inversão na

faixa etária da população. O Brasil já não tem mais sua população tão jovem.

Neste caso vem-se focalizando, através de ações governamentais e

filantrópicas, mais atenção ao idoso.

Assemelhando-se a outros países em desenvolvimento, o contexto da

realidade brasileira vem mostrando que o processo de envelhecimento na

nossa sociedade vem se intensificando. Tal fenômeno emerge num contexto

de profunda crise sócio-econômica em que os problemas sociais crescem

aceleradamente. Os países desenvolvidos possibilitaram avanços

consideráveis, no que diz respeito aos direitos de proteção social dirigidos à

população, incluindo, obviamente, a população idosa.

O Brasil tem apresentado um crescimento no número de idosos. A

sociedade tem mobilizado e demonstrado determinados avanços em relação a

este segmento. São exemplos a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do

Idoso que representa o “reconhecimento” da importância de proporcionar uma

melhor qualidade vida a essa população.

Grande parcela da população brasileira sobrevive em precárias

condições, em um contexto de aprofundamento da política neoliberal que

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fragiliza o Estado no que se refere à efetivação de políticas públicas. É nesse

quadro que encontramos pessoas envelhecendo precocemente, ao mesmo

passo em que vão sendo excluídas.

O crescimento do número de idosos é um fenômeno mundial: uma em

cada dez pessoas está acima de 60 anos. Segundo a Organização das Nações

Unidas – ONU, no ano 2000 o número de pessoas idosas no mundo chegou a

590 milhões, tendo uma estimativa para o ano de 2025 de um 1 bilhão e 100

milhões de idosos. Haverá, na metade deste século, mais de dois bilhões de

pessoas com mais de100 anos.

Segundo estimativas do IBGE, o país tem envelhecido a passos largos:

na década de 90 atingiu o percentual de 8,3% de pessoas idosas e no ano de

2025, segundo projeções, haverá 34 milhões de idosos. Assim, assumirá a

posição do sexto país do mundo em números de idosos.

No Brasil, os programas sociais para idosos começaram a ser

implantados, mais precisamente, na década de 1960. No entanto, somente no

ano de 1990 são criados conselhos e comissões para orientar a administração

pública com propostas de ações, visando a melhoria da qualidade de vida

relacionada à pessoa idosa.

A Legião Brasileira de Assistência – LBA, o Serviço Social do Comércio

– SESC e as Universidades para a Terceira Idade foram pioneiras no trabalho

com a pessoa idosa. Estes programas atendiam idosos com perfis sócio-

econômicos diferenciados. A LBA atendia os setores das classes populares

com massiva participação de idosos do sexo feminino, uma vez que as

atividades desenvolvidas nesses programas envolviam trabalhos manuais,

bailes, passeios, ginástica, aulas e conferências.

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Com a aprovação da Política Nacional do Idoso7, aponta-se as

competências dos órgãos e entidades públicas, nas diferentes áreas que

devem ser implantadas e/ou implementadas pelo Estado e pela sociedade civil,

com o objetivo de garantir ao idoso o que lhe é de direito. A política propõe que

a sociedade passe a conceber uma nova postura frente à velhice, exigindo,

assim, mais competência nas pesquisas, estudos, recursos, planejamento e

avaliação, como também a organização de uma infra-estrutura básica que

venha a atender as demandas relativas ao idoso, que venha os oferecer

proteção e inclusão.

A aprovação do Estatuto do Idoso8 em outubro de 2003 teve por objetivo

regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60

(sessenta), reafirmando as políticas referentes aos direitos básicos da pessoa

idosa, tais como: saúde, educação, trabalho, previdência social, assistência

social, cultura, esporte, lazer, acesso à justiça, à cidadania, à liberdade, à

dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Em seu Artigo 2º, o Estatuto estabelece que:

O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para a preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (Lei nº 10.741/2003).

A população idosa usuária do BPC tem crescido a cada ano, sobretudo

após o advento do Estatuto do Idoso que reduziu a idade de 67 para 65 anos.

7 Política Nacional do Idoso, Lei nº 8.842/94.

8 Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003.

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A tendência é este número aumentar cada vez mais, conforme ilustra a tabela

a seguir:

TABELA III

EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE BENEFICIÁRIOS DO BPC IDOSOS – BRASIL (1996 A

JULHO/2003).

Período Beneficiários Evolução % Ano

1996 41.992 - 0

1997 88.806 46.814 52,71

1998 207.031 118.225 57,10

1999 312.299 105.268 33,71

2000 403.207 90.908 22,55

2001 469.047 65.840 14,04

2002 584.597 115.550 19,77

2003 633.564 48.967 7,73

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/DATAPREV. Preparado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social da PUC-SP.

O fato de ter sido instituído no Brasil políticas referentes à pessoa em

condição de idade já avançada, por si só, já constitui um grande avanço no que

se refere à proteção social deste segmento. No entanto, o fato da existência

destas leis especificas não tem garantido de forma ampla e eficiente, o seu

cumprimento. Já que os governos não assumiram, de fato, a velhice como um

setor essencial a ser assistido e/ou atendido devidamente no que diz respeito

aos investimentos e ações mais ampliadas, como forma de dar cobertura às

reais necessidades.

O atendimento aos idosos, assim como ao portador de deficiência, pela

Assistência Social, não tem sido capaz de alterar as condições de vida desses

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usuários, que continuam marginalizados pela pobreza e a mercê de precários

atendimentos na esfera da assistência e principalmente na esfera da saúde

pública.

Para que a população brasileira que se encontra em situação de

vulnerabilidade social, tais como os idosos e as pessoas portadoras de

deficiência, sejam protegidas são necessários grandes investimentos que

prezem pela qualidade dos serviços destinados à população, tanto nas esferas

Municipais, Estaduais e Federais para que as leis sejam, de fato, efetivadas.

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3 – A PERCEPÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS DO BPC, FACE ÀS SUAS CONDIÇÕES DE VIDA

3.1 A caracterização dos beneficiários em Macau

A pesquisa junto aos usuários foi realizada no Município de Macau.

Fundada em 1847, a cidade de Macau tem uma extensão territorial de 835

km2, equivalente a 1,58% da superfície do Estado do Rio Grande do Norte e,

conforme a divisão territorial do Brasil, pertence a mesoregião Central Potiguar,

inserida na microrregião Macau. O município limita-se ao norte com o Oceano

Atlântico; ao sul com os municípios de Pendências, Afonso Bezerra e Alto do

Rodrigues; ao leste com os municípios de Guamaré e Pedro Avelino, ao oeste

com o município de Carnaubais.

Trata-se de um município de médio porte, com 25.554 habitantes. Sua

distância em relação à capital é de 178km. Rico em ocorrências minerais, o

município ocupa um dos primeiros lugares da América Latina na produção de

sal marinho. Sendo produtor também de petróleo e gás natural. A pesca

artesanal também faz parte da economia do município em menor escala.

É de suma importância ressaltar que embora Macau ocupe o primeiro

lugar na produção nacional de sal marinho e seja produtor de petróleo,

recebendo da Petrobrás os royalties equivalente a R$ 1.719.124,96 mensais:

só no ano de 2004 recebeu o montante de R$ 10.800.000,00 (Fonte:

assessoria de imprensa da Petrobrás), isso não tem se revertido em melhorias

para a população, havendo precariedade no atendimento dos serviços

essenciais, como saúde, educação, assistência, entre outros. O Índice de

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Desenvolvimento Humano – IDH é de 0,690, abaixo da média nacional que é

de 0,792.

A periferia do Município, onde se concentra a maioria dos beneficiários do

BPC, é composta pelos bairros do Valadão, Porto de São Pedro, Maruim e

Porto de Pescaria. Nos dois últimos, aglomeram-se os bolsões de pobreza

mais visíveis do município. Reside, nestes locais, uma população que vive nas

situações mais abruptas da miséria humana; onde lhes faltam comida, saúde,

educação de qualidade, um teto decente para morar, condições sanitárias

condignas com a sobrevivência humana; onde reina o analfabetismo e com ele

a esperança de uma vida melhor. Neste contexto, muitos chefes de família

entregam-se ao álcool enquanto seus filhos adolescentes se entregam às

drogas e à prostituição.

Diante dessa realidade, vale salientar que essa população vivencia o

desespero do dia-a-dia de uma vida de carências, enquanto os representantes

do poder público parecem desconhecer o quadro de miserabilidade que reina

nos arredores da cidade. De acordo com o usuário “(...) quando um prefeito se

elege nesta cidade, minha filha, a primeira providência que eles toma é

comprar uma mansão bonita em Natal” (Severino Melo, 74 anos). O pai de

outro usuário nos informou que na saúde, em determinado período “(...) falta

remédio, luva, seringa e outras coisas pra atender os paciente no hospital”

(Manoel Garcia, 43 anos).

Por tratar-se de um Município produtor de petróleo, sal marinho e gás

natural, existem muitas empresas instaladas na região, o que favorece uma

grande circulação de pessoas na cidade. Observa-se que há uma maior

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proliferação do uso de drogas e da prostituição, se compararmos a outros

municípios do Estado.

O Município de Macau não tem uma zona rural propriamente dita. Os seus

distritos compreendem, na sua maioria, praias de pescaria como Diogo Lopes,

Barreiras e Soledade. Estas comunidades, que têm suas populações entre dois

(02) e quatro (04) mil habitantes, sobrevivem basicamente da pescaria

artesanal.

Todos os programas existentes no município na área da assistência social,

como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI; Agente Jovem;

Programa de Atenção à Pessoa Idosa – API, são financiados pelo Governo

Federal, ficando a cargo da Secretaria de Assistência Social do município

apenas ações pontuais como a distribuição de enxovais de recém-nascido e de

cestas básicas, conforme nos foi informado pela assistente social desta

secretaria. A prefeitura não dispõe de um programa próprio de apoio à pessoa

portadora de deficiência. Apenas é parceiro de uma organização não-

governamental (ONG): a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais –

APAE, que atua nesta área, disponibilizando professores e fornecendo

combustível para o transporte dos usuários. Isso demonstra que o poder

público investe minimamente na qualidade dos serviços prestados à população.

Não se denota uma ação efetiva da Prefeitura junto às populações que

sobrevivem precariamente, sem emprego ou com trabalho precarizado. Como

nos mostra Yasbek:

Os impactos destrutivos do sistema vão deixando

marcas exteriores sobre a população empobrecida: o

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aviltamento do trabalho, o desemprego, a debilidade

da saúde, o desconforto, a moradia precária e

insalubre, a alimentação insuficiente, a ignorância, a

fadiga, a resignação, são alguns sinais que anunciam

os limites da condição de vida dos excluídos e

subalternizados da sociedade (YAZBEK, p. 61,

1999).

Lembra ainda esta autora que a questão da naturalização da pobreza pela

sociedade coloca cada vez mais os que vivem esta experiência num lugar

social que se define pela exclusão. Essa realidade é observada nas periferias

do Município de Macau, em especial. É o que vem sendo evidenciado pelos

beneficiários do Benefício de Prestação Continuada – BPC, que se encontram

expostos a três frentes de exclusão retratadas pelo estigma da pobreza, da

deficiência e da idade avançada.

Diante dessas considerações, buscamos caracterizar os sujeitos da

pesquisa situando o local de moradia, dados de identificação, escolaridade,

ocupação e renda.

Na introdução deste trabalho observamos que no Município de Macau o

Benefício de Prestação Continuada – BPC, atende a um total de 347

beneficiários, sendo 313 portadores de deficiência e 34 idosos. Em virtude das

dificuldades de acesso aos usuários (endereços não encontrados, localizações

dificultosas), e da limitação de tempo para a realização das entrevistas aos

347, definimos uma amostra de 11% representativa desta população. Tendo

assim um universo de 38 usuários: 34 portadores de deficiência ou seus

responsáveis e 04 idosos, respectivamente. Além dos 38 participantes,

entrevistamos uma assistente social responsável pelo BPC no INSS, e uma

outra da Secretaria de Assistência Social do município com o objetivo de

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apreender a percepção da mesma, no que se reporta ao BPC. O entendimento

de uma das assistentes sociais, em relação ao BPC é de que o benefício

atende ao provimento das necessidades básicas dos usuários. Assim se

expressando:

O BPC trata-se de um benefício assistencial

não contributivo para idosos e portadores de

deficiência considerados carentes. E em razão

disto, considero que atende as necessidades,

sim, tanto de idosos como de portadores de

deficiência. (...) o BPC é positivo porque sua

cobertura que é dada desde o nascimento,

diferentemente da Renda Mensal vitalícia, sua

antecessora, que era dada somente depois dos

dezoito (18) anos (assistente social do INSS).

Comparando esta posição sobre o BPC e, as observações realizadas

junto aos sujeitos pesquisados, percebemos que este entendimento

distanciava-se do que constatamos ao longo da pesquisa. A mesma

compreendia o BPC no que ele apresenta de avanço em relação à Renda

Mensal Vitalícia, mas, sem observar as limitações dos critérios de seletividade.

As entrevistas com as assistentes sociais, não nos permitiu coletar informações

objetivas sobre o benefício e as condições de vida dos usuários, que

permitissem aprofundar a análise sob uma perspectiva da observação e de

experiência do técnico, do seu parecer. Neste sentido, objetivamos enfatizar as

observações junto aos beneficiários do BPC.

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O processo de investigação nos conduziu, inicialmente, a caracterização

dos usuários. Prosseguimos a análise com o processo de exposição do

desvendamento das suas condições de vida, das contradições que se

apresentam no dia-a-dia dos que vivem deste benefício.

Assim sendo, para a caracterização dos usuários do BPC, tomou-se

como referência os dados obtidos com base nas entrevistas realizadas junto

aos 38 beneficiários que participaram como sujeitos desta pesquisa.

Verificou-se, inicialmente, que a população beneficiária concentra-se

principalmente na zona urbana, 82%; enquanto que 18% residem nos distritos

do município, conforme demonstra o gráfico nº 1:

Gráfico 1

No que tange ao fato da maioria desta população está concentrada na

zona urbana (82%), não significa, necessariamente, que disponham de mais

equipamentos comunitários tais como hospitais, escolas,praças, entre outros,

ou que disponham de melhores condições de vida. Concentrados,

principalmente, na periferia do município, nos bairros de Porto de São Pedro,

Valadão, Maruim e Porto de Pescaria, estes beneficiários sobrevivem em

82%

18%

Distribuição por Zona

Zona Urbana

Zona Distrital

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precárias condições de vida, com privações alimentares, em habitações

deterioradas, sem saneamento, em ruas enlamaçadas, com esgotos e lixo a

céu aberto (ver iconografia), sem equipamentos comunitários nas proximidades

que pudessem facilitar e melhorar as suas vidas.

Os bairros acima citados caracterizam-se por concentrar a população de

baixa renda, com a existência de grande demanda e ausência de ações no

campo da saúde, educação e assistência social.

Com relação aos beneficiários moradores da zona distrital (18%), estes

residem nas localidades de Barreiras e Diogo Lopes que ficam à 25km da sede

do município. A distância entre as duas localidades é de 2km. Ambas

apresentam características naturais e econômicas similares. Tratam-se de

comunidades de nativos que sobrevivem da pesca, sobretudo da pesca da

sardinha, e da extração de mariscos e crustáceos (búzio, ostra, caranguejo,

camarão e lagostas) existentes em abundância na região. Suas populações

giram em torno de 4 mil habitantes em cada comunidade.

Nestas pequenas e belas comunidades, cercadas por marés, mangues,

praias e coqueiros, a atividade pesqueira associada ao espírito de

solidariedade de seus membros faz com que os moradores tenham condições

de vida menos ruim do que os moradores de periferia da cidade. Os

pescadores dividem, muitas vezes, parte do produto da pesca com os seus

compadres e vizinhos que não tem, por hora, como se alimentar. O fato,

também, de Barreiras e Diogo Lopes terem uma extensão territorial menor

facilita o acesso dos beneficiários e suas famílias aos equipamentos

comunitários existentes na comunidade, tais como postos de saúde, escolas,

etc.

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Observou-se, assim, que os beneficiários moradores dessas comunidades

dispõem de realidades menos sofridas que os moradores da periferia da sede

do município, conforme acima mencionado.

Com relação a distribuição dos beneficiários por sexo, percebeu-se um

equilíbrio numérico, uma vez que 55% dos beneficiários entrevistados são do

sexo masculino, enquanto 45% são do sexo feminino, de acordo com o gráfico

nº 2:

Gráfico 2

No que se refere ao estado civil, de acordo com a pesquisa, dos 38

beneficiários entrevistados, 28 declararam-se solteiros, 5 são viúvos, 3

declararam-se separados e apenas 2 encontram-se casados, conforme ilustra

o gráfico a seguir:

Gráfico 3

45%

55%

Distribuição por sexo

Feminino

Masculino

28

2 5 3

05

1015202530

Estado civil

Série2

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A maioria de solteiros, em relação ao estado civil dos beneficiários,

justifica-se, principalmente, por haver um maior número, entre os entrevistados,

de pessoas portadoras de deficiência mental. Não foi registrado na pesquisa

nenhum caso de pessoas portadoras de deficiência mental ou múltipla, com

estado civil casado.

Entre os 5 viúvos entrevistados, 4 eram idosos acima de 65 anos que

foram contemplados pelo Benefício de Prestação Continuada, que fazem parte

como sujeitos em nossa pesquisa. Entre os casados e separados

encontravam-se beneficiários portadores de deficiência do aparelho locomotor

(deficientes físicos) e portadores de doenças crônicas.

No que se refere aos tipos de deficiências, constatou-se entre os 38

entrevistados que 14 são portadores de deficiência mental, 8 são portadores de

deficiência do aparelho locomotor e o restante estão divididos em partes iguais

entre deficiência visual e auditiva, doença mental e doenças crônicas, tal como

expõe o gráfico 4:

Gráfico 4

14

3

8

3 3 3 4

02468

10121416

1

Be

ne

fic

iári

os

Deficiências

Tipos de deficiência Def. mental

Def. múltipla

Def. locomotora

Def. visual ouauditiva

Doença mental

Doenças crônicas

Sem deficiência

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Para efeito de esclarecimento, faz-se necessário colocar que a coluna azul

do gráfico acima, com o título “sem deficiência” faz referência aos 4 (quatro)

beneficiários idosos, acima de 65 anos, participantes da amostra dos 38

entrevistados contemplados na nossa pesquisa; mas, não portam nenhum tipo

de deficiência.

De acordo com a caracterização dos beneficiários, constatou-se que o

seu nível de escolaridade é extremamente baixo. Dos 38 entrevistados, 26

(vinte e seis) não sabem ler nem escrever; 8 (oito) entrevistados cursaram, até

a 5ª série, dentre estes, a predominância é dos que cursaram até a 3ª série; 3

(três) beneficiários foram um pouco mais além, cursando até a 8ª série do

ensino fundamental, e apenas 1(um) conseguiu alcançar e concluir o ensino

médio (antigo 2º grau), conforme demonstra o gráfico 5:

Gráfico 5

Cabe frisar que são muitos os determinantes que contribuem para o baixo

nível de escolaridade dessa população. Dentre eles, podemos destacar: as

limitações impostas pela deficiência; a baixa escolaridade dos pais; o

despreparo das escolas no que se refere à inclusão dos portadores de

26 8

3 1

Escolaridade

Não alfabetizados

Até a 5ª série

Até a 8ª série

Até o 2ª grau

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deficiência; a ausência do poder público em relação à educação; a dificuldade

de acesso às unidades de ensino (barreiras arquitetônicas), entre outros.

Dos resultados referentes à ocupação dos pais ou responsáveis pelos

portadores de deficiência, constatou-se que dos 38 entrevistados 10 (dez) são

donas de casa ou do lar e vivem basicamente dos cuidados com o filho(a)

portador de deficiência; 8 (oito) são pescadores; 9 (nove) realizam

esporadicamente biscates para complementar a renda familiar, não tendo

ocupação definida; 5 (cinco) são aposentados ou pensionistas e 6 (seis) são

beneficiários provedores das suas próprias famílias ou moram sozinhos,

portanto, não dispõem de pais ou responsáveis, de acordo com o gráfico a

seguir:

Gráfico 6

Faz-se importante ressaltar que não foi encontrado uma ocupação e/ou

profissão entre os usuários. A própria Lei estabelece que o BPC destina-se

“(...) a pessoa portadora de deficiência ou idoso com 65 anos ou mais e que

comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la

provida por sua família” (Art. 20 da LOAS). Como se pode observar, a Lei é

bastante clara quando vincula a aquisição do benefício à incapacidade

produtiva. Fica demonstrado, então, a ausência de ocupação/profissão entre os

0 5 10

1

10

5

8

6

9

Ocupação dos pais ou responsáveis

Biscateiro

Beneficiários

Pescador

Aposentado/pensionista

Do lar

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beneficiários entrevistados. Havendo a necessidade, neste caso, de

caracterizar a ocupação dos pais ou responsáveis pelos beneficiários, uma vez

que estes constituem peças chaves, pode-se assim dizer, na composição do

grupo familiar.

Como era de se esperar, os beneficiários do BPC no município de

Macau são provenientes de famílias de baixíssima renda. Tal como já foi

colocado neste trabalho, a Lei estabelece como critério para a aquisição do

BPC famílias com renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Em

conseqüência desse critério, dos 38 entrevistados em Macau, 20 (vinte)

sobrevivem apenas do Benefício de Prestação Continuada, o que significa que,

anteriormente, estas famílias não possuíam renda alguma. Dezesseis dessas

famílias tem uma renda de até 2 (dois) salários mínimos. Enquanto apenas 2

(duas) famílias detém uma renda de até 3 (três) salários mínimos ou mais,

conforme demonstra o gráfico nº 7:

Gráfico 7

É importante ter presente que as 16 (dezesseis) famílias que tem renda de

até dois salários mínimos, na sua maioria, o segundo salário não é nem regular

e nem completo (provenientes de biscates e de pescarias). O que significa

0 5 10 15 20

1 S/M (BPC)

Até 2 S/M

Até 3 ou +

20

16

2

Renda familiar

Série1

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dizer que o BPC constitui-se, quase sempre, como a única renda de caráter

regular e continuado dessas famílias.

Com relação às 2 (duas) famílias que têm renda igual ou superior a 3

(três) salários mínimos, presumimos que no ato de concessão desses

benefícios a renda familiar das mesmas condizia com os critérios estabelecidos

em lei.

Apreender as condições de vida dos beneficiários e suas famílias

constitui-se o foco de nossa pesquisa. A medida em que a caracterização dos

beneficiários e suas famílias vai se dando a revelar, apresentamos no item a

seguir às percepções dos entrevistados e análise das contradições que se

fazem presentes na cotidianidade dos beneficiários do BPC.

3.2 As condições de vida dos beneficiários e suas famílias

Como já observamos neste trabalho, são poucos os estudos que vêm se

desenvolvendo sobre o Benefício de Prestação Continuada. Neste sentido,

procuramos apreender e analisar as condições de vida dos portadores de

deficiência e idosos usuários do BPC no Município de Macau/RN, tendo em

vista evidenciar a situação de extrema pobreza dessas famílias e dar

visibilidade ao processo de funcionamento do BPC neste município –

avanços e retrocessos.

Investigamos até que ponto este benefício atinge o objetivo de prover o

sustento das necessidades básicas de seus usuários, tais como moradia

alimentação, saúde e lazer. Enfatizou-se na pesquisa a apreensão da visão

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que os beneficiários têm sobre o BPC e a análise da importância deste

benefício para os usuários e suas famílias.

O tipo de estudo em questão trata-se de um estudo de caso, onde se

deseja analisar situações concretas nas suas particularidades, objetivando a

exploração e o aprofundamento dos resultados que dão contorno a realidade

do nosso objeto.

As técnicas de observação e as entrevistas junto aos usuários foram

realizadas no período de março a abril de 2005, através de visitas domiciliares

na sede e nos distritos do município.

Embora mantendo prioridade para a manifestação direta do beneficiário,

a maioria das entrevistas foram realizadas diretamente com os responsáveis

pelos beneficiários por impossibilidade de manifestação do mesmo.

Ao retomarmos o fio condutor deste estudo de desvendamento das

condições de vida dos beneficiários do BPC, constatamos que estes são

provenientes de famílias que têm em média cinco membros. A escolaridade

varia de não alfabetizado até a 5º série, tendo apenas 3 casos acima desta

série, e 1 (uma) exceção de ingresso no nível médio, conforme já mencionado

no perfil do beneficiário.

Dos 4 idosos beneficiários entrevistados no município, todos são

analfabetos. De acordo com o Censo 2000, ainda existe no Brasil 5,1 milhões

de idosos analfabetos. Ao compararmos com o índice nacional de alfabetização

que é de 87,2%, podemos observar que os idosos encontram-se em grande

desvantagem.

Com exceção de 1(um) idoso que tem como sua curadora uma senhora de

família razoavelmente abastada, os demais são provedores de suas famílias

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constituídas de filhos adultos desempregados e, na sua maioria, com netos,

vivendo em precárias condições de vida. Em relação a esta constatação,

Berzins (1996: p.30) nos mostra que:

A crise econômica e de desemprego que o país

vem sofrendo nas últimas décadas tem

provocado alterações nas condições de vida das

famílias brasileiras. Muitos filhos casados e com

suas famílias têm voltado a morar com seus pais,

por não terem condições de arcar com as

despesas do orçamento. Como resultado desta

crise econômica os pais/avós têm se

responsabilizado pelo orçamento ou auxílios aos

filhos e netos, participando com uma elevada

contribuição no orçamento familiar.

Associada à realidade sócio econômica, visivelmente precária, esses

idosos ainda encontram-se com sua capacidade funcional relativamente

comprometida, enfrentando problemas de saúde, tendo que se submeter ao

precário sistema de saúde do município. Sem uma renda suficiente e sem a

presença efetiva do poder público local, os beneficiários sofrem com privações

de uma alimentação adequada e de medicamentos.

Os resultados desta pesquisa evidenciam que os usuários do Benefício

de Prestação Continuada, pessoas idosas e pessoas portadoras de deficiência

no município de Macau, convivem com a pobreza em moradias com péssimas

condições de conservação, com, em média, 4 cômodos, afastadas do centro da

cidade. Dentre os 38 entrevistados, 6 moravam em residências que não

possuíam sequer unidades sanitárias (banheiros). Este grave fator faz com que

os beneficiários e seus familiares percam a sua dignidade enquanto pessoas

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humanas, colocando-os em comparação aos animais irracionais, quando estes

são obrigados a fazerem as suas necessidades fisiológicas em valas e buracos

próximos às suas casas. Diante de tal constatação, fica evidenciado a

insuficiência da renda do BPC, que em alguns casos, não cobre minimamente

o nível da sobrevivência biológica desses beneficiários:

Ah, minha filha, eu já tive muita vontade de

construir um banheirozinho prá acabar com essa

agonia. É muito ruim não ter um banheirinho, né?

mas o dinheiro da aposentadoria dele só dá mesmo

pra gente fazer a feirinha da gente” (Celeste

Medeiros, 36 anos).

Este depoimento da mãe de um usuário deixa claro, a condição de

miserabilidade dessas famílias e ausência de políticas públicas na área de

habitação de interesse social no município.

É oportuno frisar que as condições de saúde, assim como as condições

sanitárias, não são muito favoráveis. Muitos portadores de deficiência que não

tem acesso a tratamento de habilitação e reabilitação. Entre os beneficiários

sujeitos de nossa pesquisa, 24 fazem algum tipo de acompanhamento médico.

Todos, sem exceção, fazem esse acompanhamento na rede pública, seja no

posto de saúde do município, ou em Natal. No entanto, em relação à

medicação dos 38 entrevistados, 23 informaram que necessitam comprar

medicamentos pelo fato de não conseguir gratuitamente na rede pública; os 8

entrevistados restantes informaram que têm acesso a medicação gratuita na

rede pública. Cabe ressaltar, que a medicação disponível na rede pública

refere-se à medicação de atenção básica; a medicação de ordem mais

complexa, como os psicotrópicos, por exemplo, tão necessários aos portadores

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de deficiências e doenças mentais, como é o caso da maioria dos beneficiários,

não são facilmente encontrados na rede pública do município.

Assim, os beneficiários do município de Macau têm a sua renda ainda mais

subtraída no final do mês, pela necessidade de comprar medicamentos para

tratamento de saúde. “(...) todo mês eu tenho que tirar um pedaço desse

benefício pra comprar meu remédio, porque toda vez que eu vou no posto

nunca tem. Esse remédio que eu compro, Gardenal, não é muito baratinho,

não!” (Maria da Paz, 45 anos, portadora de doença mental).

É lícito supor que se houvesse em Macau uma verdadeira articulação entre

as políticas públicas, sobretudo, entre a educação, saúde e assistência, tal

como preconiza um dos princípios da Política Nacional de Assistência Social

quando estabelece que deve haver “Universalização dos direitos sociais, a fim

de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas

públicas” (PNAS, outubro de 2004), o usuário do BPC, no município de Macau,

e com certeza em outros municípios do Estado do Rio Grande do Norte, não

seria tão penalizados, ainda que sua renda fosse por demais restrita.

A situação econômica dessas famílias é de uma precariedade alarmante.

São famílias provenientes de uma situação de indigência (renda per capita

inferior a ¼ do salário mínimo) e tem, hoje, o benefício como única renda de

caráter regular ou, quando muito, está somada a alguma proveniente do

trabalho informal (pescarias e biscates), tal como já foi referenciado. Dos 38

entrevistados, 23 informaram que enfrentam problemas de endividamento,

principalmente na mercearia do bairro.

(...) todo mês quando eu recebo o dinheiro eu tenho

que fazer uma feirinha na bodega que eu já tô

devendo, aí eu pago um pedaço, mas sempre fica o

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resto, junto com a feira, pra eu pagar o outro mês.

Fico lisa, lisa e assim vou passando até quanto

Deus quiser (Josefa Ferreira, 54 anos).

Dado o caráter e objetivos da nossa pesquisa, considera-se oportuno

indagar a estes beneficiários se os mesmos já haviam passado algum tipo de

privação ou necessidade após a concessão do benefício. Dentre os 38

entrevistados 23 informaram que já haviam, sim, passado algum tipo de

necessidade após o benefício; 9 disseram que não passaram, e 6 não

responderam. Dos 23 que nos informou que haviam passado necessidade, 18

eram necessidades de alimentação, ou seja, passaram ou ainda estão

passando fome. “Ave Maria, minha filha, tem dia aqui que eu passo é de fome,

sem botar comer nenhum na minha boca” (José Enedino, 76 anos).

Outros depoimentos demonstraram que as privações alimentares são mais

suscetíveis em casos de doenças na família, quando surge a necessidade de

comprar medicamentos para realizar o tratamento:

Pelas condições de saúde, sim, às vezes a gente

tem passado até fome. Quando acontece de

adoecer uma pessoa, aqui em casa, a gente corre

atrás de um e de outro, e nada! Aí o jeito é tirar do

comer mesmo e, ainda, dar graças a Deus! (D Célia

Farias, 49 anos, mãe de um beneficiário).

Este depoimento, mais uma vez, evidencia a necessidade de articulação

entre as políticas públicas, para que essas ações não sejam efetivadas de

forma isoladas, tornando em uma espécie de caridade, determinadas ações

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que, articuladas umas às outras, poderiam produzir um resultado, de fato,

satisfatório entre o público alvo dessas políticas. Sobre esse contexto Renato

Janine Ribeiro acrescenta:

Assim se mede a distância que vai da sociedade ao

social: este adjetivo indica tanto as carências

quanto o socorro que, sem lhes pôr fim, apenas as

minora. Fica na esfera do paliativo. A caridade

pode ter mudado de alcance nas últimas décadas,

mas permanecem alguns de seus traços

essenciais. Estes são os que determinam uma

hierarquia na sociedade como sendo desejada por

Deus, determinada pela natureza (...) ou, pelo

menos, como resultado normal do jogo das

relações sociais de mercado (2000, p. 20).

Concordamos com o referido autor quando o mesmo enfatiza que as ações

do poder público agem apenas como um paliativo sem a intenção de

erradicação do problema, naturalizando a pobreza e a miséria como algo

determinado por um ser supremo ou como resultado normal do sistema

vigente.

Prosseguindo com a nossa reflexão acerca das condições de vida dos

usuários do BPC em Macau, constatamos que essa população além das

privações alimentares, do enfrentamento de um sistema de saúde precário e de

condições financeiras negativas, não dispõe de cultura e lazer. Questionamos

os usuários e seus responsáveis se eles tinham acesso a algum tipo de lazer.

Dos 38 entrevistados, 29 afirmaram que não. Os 9 usuários restantes que

deram respostas positivas informaram que somente têm acesso ao lazer no

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período de carnaval e iam a praia uma vez ou outra devido a distância que esta

tem em relação à sede do município.

Diante da dura realidade da vida desses beneficiários, onde percebeu-se

que inexiste a satisfação das suas necessidades básicas elementares; pois

vivenciam a supressão de condições mínimas de sobrevivência, dentro de um

patamar de dignidade humana. Assim a possibilidade de uma vida digna dá

lugar à pobreza e à miséria. A resignação predomina, e, lamentavelmente,

nada mais lhes restam além da fé (presente em muitas entrevistas) de

vivenciar uma realidade favorável em uma outra dimensão: “(...) eu vivo muito

aperriada aqui, só com esse dinheirinho, mas a gente só veve como Deus quer,

né? Se ele achar que eu mereço, ele vai guardar um lugazinho pra mim! (D.

Rosa, 56 anos, portadora de doença crônica).

Considerando a reflexão de Nietzsche:

Os sofredores devem ser amparados por uma

esperança, a qual não pode ser contestada por

qualquer realidade, que não pode ser extinta por uma

realização: uma esperança de outro mundo.

Exatamente por causa dessa capacidade, ou seja, de

entreter os infelizes, a esperança era considerada

pelos gregos como o mal de todos os males, como o

mal pérfido por excelência (1895, p. 44).

Partindo desse entendimento, Ribeiro (2000, p.20) afirma que o

pensamento tradicional dominante “(...) determina uma hierarquia na sociedade

como sendo desejada por Deus, determinada pela natureza”.

Quando os beneficiários e/ou seus responsáveis passam a naturalizar as

suas péssimas condições de vida como uma situação determinada por um “ser

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supremo”, eles deixam de acreditar na possibilidade de mudanças dentro dos

limites da vida real, e, conseqüentemente, desistem de lutar por uma vida mais

justa; de lutar pelos seus direitos, cobrando do poder público, ações efetivas.

Embora não queiramos nos aprofundar nesta polêmica, não iremos nos eximir

de expor o nosso posicionamento acerca desta questão. Acreditamos que essa

fé histórica que produz resignação ao longo dos tempos é coadjuvante, entre

outros processos, da produção dos maiores índices de pobreza e desigualdade

social do mundo. O Brasil apresenta um dos maiores índices de desigualdade

social do mundo. Segundo o Instituto de Pesquisas Aplicadas – IPEA, em

2002, os 50% mais pobres detinham 14,4% do rendimento e o 1% mais ricos,

13,5%.

Com o intuito de captar a expressão concreta dessas desigualdades

através da análise das condições de vida dos usuários do BPC, prossegue-se a

percepção dos beneficiários sobre suas vidas após a concessão deste.

3.3 O BPC na ótica dos beneficiários e responsáveis A visão que o beneficiário tem sobre sua vida após a concessão do

benefício; qual a importância que este benefício representa para ele e sua

família; o que ele interpreta por Benefício de Prestação Continuada são

aspectos que serão tratados neste item. Entendeu-se que a expressão de

percepção do beneficiário e/ou seu responsável é de fundamental importância

para a compreensão da contribuição do BPC para a qualidade de vida dos

mesmos.

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Com base no roteiro de pesquisa, questionamos os beneficiários ou

responsáveis se houve mudanças após a concessão do benefício e quais

mudanças foram verificadas por eles, em suas vidas. A grande maioria

demonstrou que as condições melhoraram depois do benefício, conforme os

depoimentos a seguir:

A mudança foi total, eu vivia dependendo dos outros.

Morava de favor com uma prima minha, era terrível,

eu sofria muito. Depois desse benefício, eu passei a

ter condições de morar só. Aí a coisa melhorou um

pouquinho (José Bento, 37 anos, portador de doença

crônica).

Um outro entrevistado acrescenta:

Houve muita mudança, muita mesmo. A mudança

que mudou foi que agora eu tenho como comprar um

bocadinho pra comer com os meus filhos que antes

eu não tinha com que comprar (Augusta, 35 anos,

mãe de um beneficiário).

Observa-se em algumas falas que o nível de satisfação dos beneficiários

está diretamente ligado ao grau de vulnerabilidade que os assolava

anteriormente. Percebe-se que essas pessoas se encontravam em estado de

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desespero ou de indigência, dependendo exclusivamente de outras pessoas,

ou ainda, havia aqueles que não tinham, com quem contar:

Eu não tinha condição de nada, renda de nada, não

tinha ajuda de família nem de ninguém, então ele

chegou numa hora boa (Gustavo, 43 anos, portador

de deficiência física).

A entrevistada Maria de Lourdes, 54 anos, portadora de doença mental,

retrata a situação vivenciada antes do benefício:

Graças à Deus as coisa mudou assim, depois desse

benefício, porque antes eu não tinha com quê

comprar nada na minha vida, viu? Meu esposo

trabalhava assim... como pescador, mas ele não

sentava um centavo na minha mão. Pegava o

dinheiro somente pra tomar cachaça. Vivia muitas

vezes à custa da minha mãe que era aposentada.

Jesus levou ela, aí foi que a coisa piorou.

O depoimento da entrevistada a seguir revela uma certa indignação

diante do que recebeu. Mesmo parecendo contraditório, é mais uma expressão

de resignação ao dizer:

Mudou muita coisa depois desse benefício, porque

triste de mim se não fosse ele, né? Porque é com

essa mixaria que eu compro meu remédio porque eu

não posso trabalhar. Minha felicidade foi ele, esse

dinheiro. Porque como era que eu ia comprar agora o

meu remédio, diga aí, agora como é que eu estava.

Não sei não, eu estava sofrendo no mundo, não é?

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(Suzana Martins, 41 anos, portadora de doença

crônica).

Com efeito, alguns depoimentos expressam total insatisfação com a

insuficiência da renda: “Para mim não mudou nada, ficou a mesma coisa.

Porque nem uma casa eu possuo que eu não tenho condições de possuir”

(Geralda, 37 anos mãe de um beneficiário). As declarações demonstram que o

destino do dinheiro é somente para a alimentação: “Não mudou nada com esse

benefício, mulher, porque a roupa é os outros que dá, o calçado é os outros

que dá!” (Augusta, 35 anos, mãe de beneficiário)

A pesquisa revelou que o destino do benefício no município de Macau é

usado preponderantemente para a aquisição de alimentos, seguido pelos

gastos com remédios, e, em menor escala, com água, luz e gás de cozinha.

Conforme demonstra o gráfico a seguir:

Gráfico 8

O restrito critério de elegibilidade para a aquisição do BPC que é

destinado as famílias em estado de indigência, com renda per capita inferior a

¼ do salário mínimo, deixa claro que a utilização da renda do benefício será

destinada, quase que exclusivamente, para suprir a carência da alimentação.

0

5

10

15

20

25

30

Destino do BPC

Série1

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Os dados mostram que essas famílias vivem apenas no nível da

sobrevivência biológica; considerando que o BPC cobre minimamente as suas

necessidades de alimentação. Ao refletir sobre esse assunto, Potyara Pereira

(2002, p.58) coloca em evidência que as necessidades alimentares, “Estas em

nada diferiam das necessidades animais e, portanto, não exigem para o seu

atendimento nada mais do que um mínimo de satisfação, como prega a

ideologia liberal”. Muitas vezes não chega a suprir, com eficiência, nem mesmo

as necessidades de alimentação, como vê-se expresso na fala da entrevistada

Dona Geralda, 66 anos, mãe de um beneficiário:

O dinheiro desse benefício só dá pra comer mesmo. A

casa tá quase caindo na nossa cabeça e a gente não

tem condições de ajeitar. Hoje em dia tudo é caro, né?

O que é que eu posso fazer com um salário desse...

não dá, minha filha, não dá nem pra comer. Tem dia

que eu não como porquê não chega. Eu digo a

verdade! É porque não dá. Muitas vezes a gente só

come o feijão com o arroz porque não dá pra comprar a

mistura.

A pesquisa revelou que o Benefício de Prestação Continuada, direito

garantido constitucionalmente ao beneficiário idoso e ao portador de

deficiência, tem se destinado ao provimento da família como um todo. Com

efeito, este fato tem interferido para o não acesso do beneficiário ao seu

benefício (pois depende da renda familiar) mesmo sendo destinatário legal

desta política, portanto, incidindo de forma desfavorável nas suas condições de

vida. Mostra-nos Sposati (2004, p.126) que “O acesso ao BPC, vinculado

operativamente a renda per capita da família, restringe o direito individual do

cidadão”. E isto é facilmente justificável pelo critério de elegibilidade

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estabelecido para a aquisição do benefício (famílias cuja renda per capita é

inferior a ¼ do salário mínimo). sendo assim, fica evidente a sua distribuição

para a família como um todo, tal como demonstra o gráfico a seguir:

Gráfico 9

Como na maioria dos casos, essas famílias dispõem do BPC como única

renda regular e garantida. Ao indagarmos os beneficiários sobre a destinação

do benefício, ou seja, a quem o benefício sustenta, dentre os 38 entrevistados,

30 responderam que o benefício “sustenta” toda família; 5 responderam que

sustenta apenas ao beneficiário e 3 informaram que não sustenta ninguém,

pois o dinheiro é pouco. As falas abaixo justificam, respectivamente, os dados

expostos no gráfico:

A ninguém, ninguém! Uma galinha eu não sustento.

Não dá pra sustentar nem eu!” (Josiel, 74 anos,

beneficiário idoso).

A entrevistada Francisca Oziel, 37 anos, mãe de uma usuária acrescenta:

0 10 20 30

A família

Usuário

Ninguém

30

5

3

Destinação do BPC

Série1

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Esse benefício é pra sustentar ela, porque se fosse pra sustentar todo não dá. Eu não vou dizer que esse benefício dá pra sustentar a família que eu vou ta mentindo, né?

Observa-se, ainda, que a fala a seguir diz do destino do benefício:

atender a necessidade básica primeira do ser social – alimentação.

É como eu tô dizendo a senhora, são três pessoas, eu,

ele (usuário), o primo dele que mora comigo, que é

meu neto também, e esse meu filho aqui que mora em

Pendências, mas tá desempregado que, vez por outra

ele ta por aqui com a mulher e os filhos, quando chega

nós come tudo junto (Maria Pacheco, 67 anos, avó de

um beneficiário)

Esse benefício sustenta a nós todos, a gente come

numa panela só (Geralda, 66 anos, mãe de um

beneficiário).

Em relação à visão que o beneficiário tem sobre o benefício, indagamos

sobre o que eles entendiam por Benefício de Prestação Continuada. Dos 38

entrevistados, temos que: 21 responderam que era uma ajuda do governo, 4

responderam que era um direito, 3 informaram que era uma aposentadoria,

outros 3 expressaram que se tratava de uma ajuda divina e 7 não souberam

responder:

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Gráfico 10

Conforme pode-se constatar, a maioria dos beneficiários concebe o

benefício como um ajuda do governo, observando-se que o termo ajuda tem

uma representação simbólica no imaginário desses usuários; foi construído ao

longo de nossa formação histórica através da nossa cultura patrimonialista

permeada pelas relações de favor e compadrio, conforme podemos observar

na fala do beneficiário: “Eu acho que é uma ajuda do governo pra essas

pessoa que são doente e não consegue trabalhar” (Josiel, 74 anos,

beneficiário). Para estes usuários o trabalho é a referência. Este é o meio de

acesso; quem não pode trabalhar deve receber o benefício: “É uma ajuda muito

grande porque eu não posso trabalhar” (Roberto Carlos, 32 anos, portador de

deficiência física).

Considerando a fala a seguir, percebemos que na opinião da mãe de um

usuário o BPC extrapola o caráter de ajuda, constituindo-se em uma “bondade

do governo” associada ao seu eterno sentimento de gratidão:

Eu acho que foi uma bondade do governo, de quem

deu esse benefício. Eu fiquei maravilhada quando

chegou. Pra mim foi tudo na minha vida, mulher,

21

4 3

3 7

Significado do BPC para o usuário

Ajuda do governo

Um direito

Aposentadoria

Ajuda divina

Não sabe

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porquê ele deu uma ajuda. Esse sacrifício que eu tinha

de levantar e não saber o que ia fazer pra almoçar,

essas coisas assim, sabe? Essas pessoas assim tem

que comer umas coisinhas mais forte por causa dos

remédio controlado que eles tomam. Eu dei muitas

graças à Deus. Aí eu acho assim, né? Eu devo isso a

essa pessoa que fez, ao governo que teve a idéia de

fazer essa caridade muito grande, eu devo tudo a essa

pessoa que fez isso. Eu acho que foi no governo de

Fernando Henrique que apareceu esse benefício, não

foi? Isso pra mim tem sido tudo na minha vida, que

Deus me livre de faltar um negócio desse, eu não sei o

que será da minha vida até porque ele precisa de tudo,

né? (D. Aurinda, 61 anos, mãe do beneficiário).

Sobre o significado e a visão que se tem do benefício, observa-se

através dos discursos apresentados que o benefício é a representação da

caridade. Tal como expressa Maria Ozanira da Silva e Silva (2004, p. 73): “O

benefício era visto não como uma política de Estado, mas, sobretudo, como ato

pessoal do governante, movido pela vontade (...) estabelecendo uma confusão

entre o público e o privado”. É oportuno frisar que para eles a definição de

ajuda nem sempre se coloca em oposição ao direito: “Eu acho que é uma ajuda

do governo, é um direito que os governante tem que dar pra essas pessoas,

né?” (Rita Barros, mãe de um beneficiário)

Ainda quando o usuário afirma que o benefício é um direito, sua

interpretação consiste em enquadrar-se dentro dos critérios estabelecidos para

a aquisição do mesmo; significa para este ter precisão de acessar o benefício.

A noção de direito é esvaziada do seu conteúdo de

medida de justiça e igualdade – capaz de dar cobertura

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a um conjunto de necessidades sociais universais e

viabilizado e através de políticas constituídas por um

conjunto de provisões, contemplando o direito a uma

renda suficiente. Não se trata pois, da medida de um

padrão ético, civilizatório. (GOMES, 99:2001).

O depoimento que mais chamou atenção, porém, foi o da mãe de um

beneficiário onde ela expressava o seguinte pensamento:

O que eu entendo é que pra mim esse benefício foi

uma benção que veio do céu e outra que eu

entendo é que veio da parte dele (beneficiário)

porque ele é assim, né? Porque se ele não fosse

assim eu não tinha esse benefício hoje” (D.

Margarida, 44 anos).

O que percebe-se no discurso da entrevistada é que ela parece

manifestar uma espécie de gratidão a uma divindade pelo fato do filho ser

portador de deficiência e por esta razão poder acessar o benefício. Esta

colocação nos leva imediatamente a indagar até onde a violência da miséria,

da ignorância, da alienação do mundo e de si mesmo pode levar um indivíduo.

O que está implícito na fala da mãe do usuário não está desvinculado do

contexto relacionado ao grau de vulnerabilidade que se encontrava a família

antes de adquirir o benefício, passando pelo rigoroso processo seletivo do mais

miserável entre os miseráveis.

Dessa maneira, ao questionarmos os usuários ou responsáveis sobre

“qual a importância do BPC para suas famílias”, fica evidenciado o vínculo que

as respostas tinham com a situação anterior: “Ave Maria! Triste de nós se não

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fosse esse benefício, sem esse dinheiro eu não sei o que seria de nós. Nós já

passamos muitas necessidades, com o benefício melhorou uma coisinha”

(Maria da Paz). Para Marx (2002, p. 100) “Após o alimento, as duas maiores

necessidades humanas são o vestuário e a habitação”.

No entanto, a pesquisa revelou que a importância do benefício para os

seus usuários, dado as circunstâncias, está em mais de 50% das entrevistas

unicamente relacionado às necessidades de alimentação.

Como nos acrescenta a entrevistada:

A importância é essa, minha filha, é receber e ajudar

a comer o pão pra não morrer de fome e não pedir

esmola na rua porque antes de receber esse

benefício eu pedia esmola pra ele (o beneficiário)

comer porque só o meu era pouco, aí depois quando

começou a receber esse dinheirinho aí eu deixei de

tá assim, né? E com o dinheiro dele junta com o meu

e dá pra comprar umas coisinhas. Não é muito não,

mas ajuda! (Francisca Avelino 63 anos, avó do

beneficiário).

Percebemos que dentre os entrevistados emerge uma certa capacidade

crítica ao mencionar que apesar do benefício constituir-se como uma renda por

demais significativa, eles reconhecem a insuficiência do mesmo, por exemplo:

“Que é pouco, é, mas eu acho que é muito importante, porque ela tem como

sobreviver, comprar as coisinhas pra ela” (Elisabete, 24 anos, mãe de uma

beneficiária). Para estas famílias que sobreviviam sem uma renda de caráter

continuado, o benefício chega como um alento em suas vidas; ainda que este

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não dê cobertura às suas necessidades de forma condigna. Significa para os

mesmos o conforto de uma renda certa e garantida “É uma ajuda muito grande,

é pouco, mas, todo mês tem” (Glória, 28 anos, mãe de um beneficiário).

Observa-se que o caráter de regularidade da renda interfere de forma positiva

nas condições de vida dos usuários, se comparada à sua condição anterior. A

importância do benefício significa dispor de um orçamento, ainda que não

possibilite suprir todas as suas necessidades, conforme demonstra as

seguintes falas:

Ah! Tem muita importância porque desse dinheiro, eu

compro remédio, compro alimentação, pago minha

água, pago a minha luz num sacrifício danado. Às

vezes eu deixo de comprar um pedacinho de carne e

como só feijão com arroz pra poder pagar a água e a

luz. Às vezes compro os remédios fiado pra pagar no

outro mês... pago um pedacinho aqui, outro aquolá... e

assim eu vou vivendo até quando Deus quiser” (D.

Socorro, 54 anos, portadora de câncer).

É importante ressaltar que durante o processo desta pesquisa houve

casos em que os beneficiários se intimidavam, desesperados, com a nossa

presença, temendo ser a revisão do benefício que ocorre a cada dois anos, tal

como já foi colocado neste trabalho. Observemos a fala a seguir:

Eu nunca quero que corte meu benefício (chorando).

Meu marido me deixou sem nada, me trocou por outra

por causa da minha doença, porque eu não podia mais

fazer as coisas em casa. Esse benefício é tudo na

minha vida, é muito importante porque com esse

benefício eu como, eu compro meu medicamento, pago

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a água e a luz. Mesmo, assim, às vezes eu fecho a

minha porta e vou lá pra casa da minha mãe porque

não tenho o que comer aqui” (D. Nazaré, 44 anos,

portadora de doença crônica).

Essas falas expressam que o Benefício de Prestação Continuada

constitui uma política de renda mínima numa perspectiva liberal, e, portanto,

traduz-se em um mínimo de subsistência, seletiva, atendendo de forma

precária uma das necessidades básicas dos indivíduos – a alimentação.

Como já foi visto neste trabalho, básico expressa algo fundamental,

principal, primordial. Sendo assim, se restringe unicamente a satisfação das

necessidades alimentares (mínimas), sem levar em consideração as demais

necessidades como a moradia digna, acesso aos equipamentos de saúde,

boa educação, ou seja, a esfera social e cultural dessas pessoas.

Esses usuários do Benefício de Prestação Continuada, sujeitos de nossa

pesquisa, residentes no Município de Macau/RN, sobrevivem precariamente.

No dizer de José de Souza Martins (2002), no limiar do processo de

exclusão/inclusão precarizado

Observa-se, assim, ao longo deste trabalho e do que apreendemos, que

para estes que nada tinham, o pouco significa muito; ainda que suas

necessidades não sejam supridas, ainda que o benefício não venha a alterar

significativamente o seu modo de vida.

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3. 4 ICONOGRAFIA

Para efeito de conclusão deste capítulo, realizou-se uma leitura

iconográfica, ou seja, representou-se através da imagem de vinte e três (23)

fotografias, um pouco do ambiente e da situação vivenciada pelos usuários do

Benefício de Prestação Continuada no Município de Macau.

As imagens dos usuários e suas moradias foram fotografadas pela

própria pesquisadora com o consentimento prévio dos beneficiários e/ou

responsáveis. Em função da ética profissional e do respeito para com os

sujeitos de nossa pesquisa, estes foram devidamente consultados e orientados

acerca do direito de aceitar ou recusar nossa solicitação.

O estudo iconográfico, logo apresentado, encontra-se sistematizado em

quatro (04) categorias: A cidade de Macau e comunidades; Aspectos físicos

dos bairros; Condições estruturais das habitações; Beneficiários: idosos e

portadores de deficiência.

A cidade de Macau e comunidades

Foto: internet

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Vista aérea de Macau

Distrito de Diogo Lopes

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Diogo Lopes

Distrito de Barreiras

FOTOS: Getúlio Moura

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Aspectos físicos dos bairros

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Condições estruturais das habitações

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Beneficiários: idosos e portadores de deficiência

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa buscou apreender a analisar as condições de vida

vivenciadas pelos usuários do Benefício de Prestação Continuada no Município

de Macau/RN. Dessa forma, procurou-se investigar os condicionantes que

envolviam o cotidiano dos idosos e portadores de deficiência titulares desse

benefício, a fim de apropriar-se de sua forma de vida.

Tal como já foi evidenciado neste trabalho, o BPC foi previsto na

Constituição de 1988, compondo os direitos e objetivos da assistência social

que passa a constituir pela primeira vez como um dever do Estado. Só foi

regulamentada em 1993, por meio da Lei Orgânica da Assistência Social –

LOAS, integrando-se à Política Nacional de Assistência tendo sua

concessão a partir do ano de 1996.

A continuidade do benefício enquanto provisão certa e garantida não

o abstém do caráter focalista e seletivo reforçado pelo enxugamento do

Estado para com as políticas públicas; ou seja, o diferencia, mas não resolve

a situação de exclusão a qual estão inseridos os beneficiários cobertos pelo

BPC.

A seletividade do BPC deixa de fora muitos indivíduos que poderiam

enquadrar-se como beneficiário quando atribui a família como provedores

destes limitando, assim, o direito da pessoa ao benefício.

Outro ponto seletivo do BPC estar no fato deste não poder acumular-

se a nenhum outro benefício no âmbito da seguridade social, salvo da

assistência médica. Este ponto é atribuído também à família, pois mesmo

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que haja numa mesma família dois portadores de deficiência ou um idoso e

portador de deficiência, somente um terá acesso ao benefício. Este item

torna-o arbitrário, pois a Constituição não assegura o benefício para a família

e sim para a pessoa.

Pode-se observar que as alterações ocorridas na trajetória do

benefício deram-se de diferentes formas no sentido de restringi-lo ainda

mais. As diferentes determinações internacionais via Consenso de

Washington têm conseguido, entre outras coisas, interferir nas políticas

sociais de maneira a desviá-las de seus objetivos, como é o caso da LOAS,

reduzindo progressivamente o seu alcance. Isto se traduz na formulação e

execução dos benefícios, dado o seu grau de seletividade, abrangendo

apenas situações de vulnerabilidades. “Configura-se em direito de provisão

mínima de sobrevivência, posto que permite o acesso aos mínimos vitais, ou

seja, às necessidades de alimentação” (GOMES, 2001:132).

O BPC é a primeira política de renda mínima não contributiva que

independe da condição de vínculo com o trabalho; no entanto, depende da

condição de renda familiar. Como foi demonstrado, o BPC tem como

característica a regularidade, o que o diferencia das outras ações conferidas

à assistência o que o constitui como um direito reclamável ainda que

bastante restrito embora tenha ainda como característica o seu caráter

restrito e seletivo. Portanto, é excludente quando assume como critério de

seleção, indivíduos pertencentes a famílias que tenham a per capita inferior

a ¼ do salário mínimo. Em conseqüência disso, corroboramos com Sposati

quando coloca que:

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Para ser incluído, o requerente precisa mostrar a

miserabilidade da sua família, além da sua

miserabilidade. Necessita ser duplamente vitimizado.

Não basta uma exclusão ser idoso ou com

deficiência; são necessárias duas exclusões, ou seja,

além da sua, a da família. (SPOSATI, p. 127, 2004)

O Benefício de Prestação Continuada trata portanto, de um

direito inserido na concepção liberal em que a responsabilidade é atribuída à

família, sendo o papel do Estado subsidiário.

Ficou evidenciado, nesta pesquisa, que o seu caráter seletivo cobre

apenas necessidades meramente biológicas, como o ato de alimentar-se,

por exemplo. O BPC, na maioria das vezes, não tem sequer cumprido esse

papel devido o seu caráter de rendimento mínimo e por ser o beneficiário,

quase sempre, provedor único ou parcial de toda família. Este fator deixa

claro que o destino do benefício naturalmente se distribui para o provimento

da família como um todo, já que a maioria das famílias dispõe do benefício

como única renda de caráter regular e continuado, o que vem dificultando

ainda mais o acesso do beneficiário ao beneficio.

Diante dessa realidade, ficou constatado que as condições de vida

dos beneficiários são precarizadas, desprovidas da possibilidade de uma

vida digna. Trata-se de indivíduos que, além da sua condição de

vulnerabilidade pelo fator da idade avançada ou da deficiência, ainda

sobrevivem numa situação de extrema pobreza ou miséria. A fome, a

carência, a insuficiência, a precariedade, ainda assim, o benefício “É tudo na

vida”; é tudo para aqueles que o pouco é muito, para quem nada possui. É

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neste contexto que o direito torna-se desprovido da noção de igualdade e

justiça social dentro de um padrão civilizatório, vinculando-se por excelência

aos princípios da caridade humanitária. A discriminação e o preconceito, em

relação ao portador de deficiência e ao idoso, caminham juntos.

Ao revelar as precárias condições de vida dos beneficiários, esta

pesquisa possibilita o levantamento de subsídios que podem contribuir com as

reflexões acerca do Benefício de Prestação Continuada, constituindo, assim, a

síntese das indagações e considerações sobre esta temática.

Espera-se que este estudo possa contribuir como subsídio para novas

pesquisas e principalmente que possa trazer elementos de reflexão na

construção de critérios menos excludentes, que venham contemplar o ser

social numa perspectiva de totalidade.

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APÊNDICE

Roteiro de entrevista para o beneficiário portador de deficiência

IDENTIFICAÇÃO Beneficiário: Sexo: Idade: Responsável: Grau de escolaridade: Profissão: COMPOSIÇÃO FAMILIAR

Grau de parentesco

Sexo Idade Escolaridade Ocupação Renda

Beneficiário R$ 260,00

CONDIÇÕES DE MORADIA Zona Urbana ( ) Zona distrital ( ) A residência localiza-se em uma área de: Difícil acesso ( ) localizada em morro ( ) favela ( ) A residência é própria ou alugada? Se alugada, dá para pagar com a renda do benefício? Observar as características do domicílio: Quantos cômodos? Quantos dormitórios? Possui energia elétrica? De que material é feito o telhado? As paredes? O piso? OFERTA DE SERVIÇOS COMUNITÁRIOS A comunidade oferece sistema de transporte gratuito, como o senhor (a) faz para se locomover? Tem posto de saúde nas proximidades? Serviços de atenção à pessoa portadora de deficiência? Escolas adaptadas para receber portadores de deficiência?

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CONDIÇÕES SANITÁRIAS Qual a forma de abastecimento de água? A água é tratada? Como é o escoadouro: rede de esgoto ( ) fossa rudimentar( ) vala ( ) rio/lago/mar ( ) Possui banheiro com vaso sanitário? O que é feito com o lixo: enterrado ( ) coletado por serviço de limpeza ( ) jogado em terreno baldio ( ) queimado ( ) jogado em rio/lago/mar CONDIÇÕES DE SAÚDE É portador de que tipo de deficiência? À deficiência é congênita ou foi adquirida? Quais problemas de saúde o senhor (a) enfrenta? Faz algum tratamento médico? Como se dá o acesso a assistência médica? Tem acesso a medicação gratuita ou há necessidade de comprar? O município oferece serviço de habilitação e reabilitação? Há necessidade de obtenção de órteses/próteses (cadeira de rodas, aparelho auditivo, muletas, bengalas, próteses dos membros, etc). A renda do benefício é suficiente para adquirir tais recursos? SITUAÇÃO ECONÔMICA O benefício é a única renda de caráter continuado recebido pela família? Existe alguma atividade produtiva que auxilia na complementação da renda familiar? Obtém ajuda financeira de familiares ou terceiros? Há problemas de endividamento? Tem passado algum tipo de necessidade? Quais? CULTURA E LAZER Participa de atividades culturais? Quais? Realiza passeios, viagens? Se não, por quê? Lança mão de quais recursos para se distrair, aliviar as tensões? IMPORTÂNCIA DO BPC NA VIDA DOS USUÁRIOS A partir da concessão do benefício, que mudanças foram verificadas em sua vida? Adquiriu algum bem material? O dinheiro do benefício é usado, preponderantemente, para que?

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A quem o benefício sustenta? O que é o Benefício de Prestação Continuada para o senhor (a)? Qual a importância do BPC para a família?

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Roteiro de entrevista para o beneficiário idoso

IDENTIFICAÇÃO Beneficiário: Sexo: Idade: Responsável: Grau de escolaridade: Profissão: COMPOSIÇÃO FAMILIAR

Grau de parentesco

Sexo Idade Escolaridade Ocupação Renda

Beneficiário R$ 260,00

CONDIÇÕES DE MORADIA Zona Urbana ( ) Zona distrital ( ) A residência localiza-se em uma área de: Difícil acesso ( ) localizada em morro ( ) favela ( ) A residência é própria ou alugada? Se alugada, dá para pagar com a renda do benefício? Observar as características do domicílio: Quantos cômodos? Quantos dormitórios? Possui energia elétrica? De que material é feito o telhado? As paredes? O piso? OFERTA DE SERVIÇOS COMUNITÁRIOS A comunidade oferece sistema de transporte gratuito para a pessoa idosa, como o senhor (a) faz para se locomover? Tem posto de saúde nas proximidades? Serviços de atenção à pessoa idosa, tais como grupos de convivência, abrigos, etc? Alfabetização de adultos?

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CONDIÇÕES SANITÁRIAS Qual a forma de abastecimento de água? A água é tratada? Como é o escoadouro: rede de esgoto ( ) fossa rudimentar( ) vala ( ) rio/lago/mar ( ) Possui banheiro com vaso sanitário? O que é feito com o lixo: enterrado ( ) coletado por serviço de limpeza ( ) jogado em terreno baldio ( ) queimado ( ) jogado em rio/lago/mar CONDIÇÕES DE SAÚDE Quais problemas de saúde o senhor (a) enfrenta? Faz algum tratamento médico? Como se dá o acesso à assistência médica? Tem acesso a medicação gratuita ou há necessidade de comprar? Há necessidade de obtenção de órteses/próteses (cadeira de rodas, aparelho auditivo, óculos, muletas, bengalas, próteses dos membros, etc). A renda do benefício é suficiente para adquirir tais recursos? SITUAÇÃO ECONÔMICA O benefício é a única renda de caráter continuado recebido pela família? Existe alguma atividade produtiva que auxilia na complementação da renda familiar? Obtém ajuda financeira de familiares ou terceiros? Há problemas de endividamento? Tem passado algum tipo de necessidade? Quais? CULTURA E LAZER Participa de atividades culturais? Quais? Realiza passeios, viagens? Se não, por quê? Lança mão de quais recursos para se distrair, aliviar as tensões? IMPORTÂNCIA DO BPC NA VIDA DOS USUÁRIOS A partir da concessão do benefício, que mudanças foram verificadas em sua vida? Adquiriu algum bem material? O dinheiro do benefício é usado, preponderantemente, para quê? A quem o benefício sustenta? O que é o Benefício de Prestação Continuada para o senhor (a)? Qual a importância do BPC para a família?