o benefício da dúvida - ferreira gullar

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  • 7/23/2019 o Benefcio Da Dvida - Ferreira Gullar

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    So Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 2006

    FERREIRA GULLAR

    O benefcio da dvida

    Difcil lidar com donos da verdade. No h d!vida de "ue #odos n$s nosa%oiamos em algumas cer#e&as e #emos o%inio formada so're de#erminadosassun#os( inevi#vel e necessrio. Se somos, como creio "ue somos, serescul#urais, vivemos num mundo "ue cons#rumos a %ar#ir de nossas e)%eri*nciase conhecimen#os. + a"ueles "ue no chegam a formular claramen#e %ara si o"ue conhecem e sa'em, mas h ou#ros "ue, %elo con#rrio, #*m o%iniesformadas so're #udo ou "uase #udo. -# a nada de mais( o %ro'lema "uando o

    cara se convence de "ue suas o%inies so as !nicas verdadeiras e, %or#an#o,incon#es#veis. Se ele se defron#a com ou#ro im'udo da mesma cer#e&a, armaseum 'arraco.

    De "ual"uer maneira, se se #ra#a de um indivduo "ual"uer "ue se /ulga dono daverdade, a coisa no vai alm de algumas discusses acaloradas, "ue %odem a#chegar a ofensas %essoais. %ro'lema se agrava "uando o dono da verdade #eml'ia, carisma e se considera salvador da %#ria. De%endendo das circuns#ncias,ele %ode em%olgar milhes de %essoas e se #ornar, vamos di&er, um f3hrer.

    -s %essoas necessi#am de verdades e, se surge algum di&endo as verdades "ueelas "uerem ouvir, ado#amno como lder ou %rofe#a e %assam a %ensar e agirconforme o "ue ele diga. +i#ler foi um e)em%lo "uase inacredi#vel de um ldercarism#ico "ue levou uma na4o in#eira ao es#ado de hi%nose e seus asseclas 5

    %r#ica de crimes es#arrecedores.

    - loucura #ornase l$gica "uando a verdade #ornase indiscu#vel. oi o "ueocorreu #am'm duran#e a 7n"uisi4o8 %ara salvar a alma do desgra4ado, ossacerdo#es e)igiam "ue ele admi#isse es#ar %ossudo %elo dia'o( se no admi#ia,

    era #or#urado %ara confessar e, se confessava, era "ueimado na fogueira, %ois s$assim sua alma seria salva. udo mui#o l$gico. : os in"uisidores, donos daverdade, no duvidavam um s$ momen#o de "ue agiam conforme a von#ade deDeus e fa&iam o 'em ao #or#urar e ma#ar.

    oi #am'm em nome do 'em ; des#a ve& no do 'em es%iri#ual, mas do 'emsocial ; "ue os fan#icos seguidores de Pol Po# levaram 5 mor#e milhes de seusirmos. s comunis#as do

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    in#erior do %as. >uem no o'edeceu foi e)ecu#ado e os "ue o'edeceram, aochegarem ao cam%o, no #inham casa onde morar nem o "ue comer e, assim,morreram de inani4o. :n"uan#o isso, Pol Po# e seus seguidores vi'ravamcheios de cer#e&a revolucionria.

    ? inconce'vel o "ue os homens %odem fa&er levados %or uma convic4o e, dasconvic4es humanas, como se sa'e, a mais %oderosa a f em Deus, fale ele

    %ela 'oca de @ris#o, de Auda ou de Buhammad. Por"ue vivemos num mundoinven#ado %or n$s, ve/o Deus como a mais e)#raordinria de nossas inven4es.Sei, %orm, "ue, %ara os "ue cr*em na sua e)is#*ncia, ele foi "uem criou a #udoe a #odos, es#ando fora de discusso #an#o a sua e)is#*ncia "uan#o a sua infini#a

    'ondade e sa%i*ncia.

    - convic4o na e)is#*ncia de Deus foi a 'ase so're a "ual se cons#ruiu acomunidade humana desde seus %rim$rdios, a ins%ira4o dos sen#imen#os evalores sem os "uais a civili&a4o #eria sido invivel. :m #odas as religies,Deus significa amor, /us#i4a, fra#ernidade, igualdade e salva4o. No o's#an#e,

    %ode o amor a Deus, a f na sua %alavra, como / se viu, nos em%urrar %ara ain#olerncia e %ara o $dio.

    No fcil crer fervorosamen#e numa religio e, ao mesmo #em%o, ser #oleran#ecom as demais. -s circuns#ncias his#$ricas e sociais %odem %ossi'ili#ar oconvvio en#re %essoas de cren4as diferen#es, mas, numa si#ua4o como do

    rien#e Bdio ho/e, difcil man#er esse e"uil'rio. -li, %ara grande %ar#e da%o%ula4o, o confli#o %ol#ico e mili#ar ganhou o as%ec#o de uma guerra religiosae, assim, %ara eles, o seu inimigo #am'm inimigo de seu Deus e a sua lu#acon#ra ele, sagrada. No /us#o di&er "ue #odos %ensam assim, mas essa visoina'alvel %ode ser facilmen#e mani%ulada com o'/e#ivos %ol#icos.7sso a/uda a en#ender %or "ue algumas carica#uras %u'licadas inicialmen#e num

    /ornal dinamar"u*s e re%u'licadas em ou#ros /ornais euro%eus %rovocaram af!ria de milhares de mu4ulmanos "ue chegaram a %edir a ca'e4a docarica#uris#a. Se da %ar#e dos manifes#an#es houve uma rea4o e)agerada ; "ueno acei#a descul%as e #oma a irrefle)o de alguns /ornalis#as como a hos#ilidadede %ovos e governos euro%eus con#ra o isl , da %ar#e dos /ornais e docarica#uris#a houve cer#a im%rud*ncia, #omada como insul#o 5 cren4a de milhesde %essoas.

    Bas no cansamos de nos es%an#ar com a rea4o, 5s ve&es sem limi#es, a "ue as%essoas so levadas %or suas convic4es. : isso me fa& achar "ue um %ouco ded!vida no fa& mal a ningum. -os messias e seus seguidores, %refiro oshomens #oleran#es, %ara "uem as verdades so %rovis$rias, fru#o mais doconsenso "ue de cer#e&as in"ues#ionveis.