o auto da barca do inferno - gil vicente

46
AUTO DA BARCA DO AUTO DA BARCA DO INFERNO INFERNO GIL VICENTE GIL VICENTE

Upload: vestibular

Post on 31-May-2015

68.441 views

Category:

Education


5 download

DESCRIPTION

by Etapa Vestibulares

TRANSCRIPT

Page 1: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

AUTO DA BARCA AUTO DA BARCA DO INFERNODO INFERNO

GIL VICENTEGIL VICENTE

Page 2: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Guimarães: onde tudo começou

• Nasceu lá o ‘Pai do teatro português?’

• Origem de Portugal?!

Page 3: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Gil Vicente

• Pai do teatro português

• Nascimento (?)– Guimarães (mais provável)– Barcelos– Lisboa

• entre 1465/1470

Page 4: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Gil Vicente: ourives?

• Segundo Cleonice Berardinelli:– 1509 - Gil Vicente nomeado ourives da rainha D.

Leonor (viúva de D.João II);

• Segundo um pesquisador, o ofício foi herdado do pai (segundo o costume da época);

• Seria um homônimo?

Page 5: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Momento histórico

• Segunda metade do XV a primeira do XVI – ‘século de ouro’;

• Transição da Idade Média para Renascimento;

• Expansão marítima e estabelecimento do império.

Page 6: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Teatro popular de Gil Vicente

• Tipos de encenações na Idade Média:–Religiosa ou litúrgica: mistérios, milagres e

moralidades;

–Profana (pro - fora fanum – templo): farsas, arremedos e momos;

• Influência de Juan del Encina

Page 7: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Teatro popular de Gil Vicente

• 46 peças – Português, castelhano e bilíngües

• Classificação própria– Moralidades, comédias e farsas.

Caracterizadas principalmente pela sátira

Page 8: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Principais obras• Auto da Índia

• Quem tem Farelos?

• Trilogia das Barcas– Auto da barca do inferno

– Auto da barca do purgatório

– Auto da barca da Glória (Céu)

• Auto da alma

• Farsa de Inês Pereira

• Velho da horta

• A Floresta dos Enganos

Page 9: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Características

• Dramatiza preceitos morais– critica vícios e costumes da sociedade portuguesa;

• Castigat ridendo mores

• Função pedagógica e moralizadora

Page 10: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Traços estilísticos

• ‘Auto’ – tradição medieval;

• Em versos: predominantemente em redondilhas maiores;

• Não adere à Medida Nova.

Page 11: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Linguagem

• Rica e variada;

• Enraizada nas tradições populares:– termos chulos (palavrões);– frases feitas (provérbios); – ditados populares;– trocadilhos;– falares regionais;

Page 12: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Trilogia das barcas

• Cenário comum:

– duas embarcações na praia do Purgatório: uma para o

Paraíso, outra para o Inferno;

• Argumento:

– antítese salvação-condenação.

Page 13: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Auto da Barca do Inferno

• Estrutura:– ato único;

– subdivisão em cenas:• unidade: Anjo e Diabo

• Cenário: – ancoradouro

Page 14: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Personagens• Tipos sociais;

• Ausência de caracterização psicológica

ATENÇÃO: possível paralelo com os personagens de Memórias de um sargento de milícias

Page 15: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• Fidalgo: nobreza

• Parvo: ingenuidade

• Sapateiro: desonestidade

• Corregedor (juiz)

• Procurador (advogado)

• O enforcado

Personagens e críticas

justiça?

Page 16: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• Frade e amante: hipocrisia clerical

• Alcoviteira: prostituição

• Cavaleiros da Ordem Cristo: defensores de Deus

• Onzeneiro: agiotagem

• Judeu: execrado até pelo Diabo

Personagens e críticas

Page 17: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• irônico;

• debochado;

• ‘advogado de Deus’;

• condena o que há de errado na sociedade.

Diabo

Page 18: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• acostumado ao luxo;

• símbolos terrenos: cadeira, manto, pajem;

• consegue o que o dinheiro pode comprar.

Fidalgo

Page 19: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Anjo: Que mandais?Fidalgo: Que me digais?

pois parti tão sem aviso,se a barca do paraísoé esta em que navegais.

Anjo: Esta e; que lhe buscais?Fidalgo: Que me deixeis embarcar;

sou fidalgo de solar,é bem que me recolhais

Anjo: Não se embarca tiranianeste batel divinal

Fidalgo: Não sei por que haveis por mal.que entre minha senhoria.

Anjo: Pra vossa fantasiaMui pequena é esta barca.

Fidalgo: Para senhor de talnão há aqui mais cortesia?

Page 20: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Venha prancha e atavio!Levai-me desta ribeira!

Anjo: Não vindes vós de maneirapara entrar neste navio.Essoutro vai mais vazio:a cadeira entrará,e o rabo caberáe todo o vosso senhorio.

Ireis lá mais espaçoso,vós e... Vossa senhoria,cuidando na tiraniado pobre povo queixoso;e porque, de generoso,desprezastes os pequenos,achar-vos-eis tanto menosQuanto mais fostes fumoso.

Page 21: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• juros exorbitantes (onze por cento);

• símbolo terreno – bolsão;

• “meu parente” = lado do mal.

Onzeneiro

Page 22: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Onzeneiro: Para onde caminhais?Diabo: Oh! Que má-hora venhais,

onzeneiro meu parente!

Como tardastes vós tanto?Onzeneiro: Mais quisera eu lá tardar.

Na safra do apanharme deu saturno quebranto

Diabo: Ora mui muito me espantonão vos livrar o dinheiro.

Onzeneiro: Nem tão só para o barqueironão me deixaram nem tanto.

Diabo: Ora entrai, entrai aqui!Onzeneiro: Não hei eu i de embarcar!Diabo: Oh! Que gentil recear,

e que coisas para mi!...

Page 23: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Onzeneiro: Inda agora faleci,deixai-me buscar batel.

Diabo: Pesar de João Pimentel!Por que não irás aqui?

Onzeneiro: E para onde é a viagem?Diabo: Para onde tu hás-de ir;

estamos para partir,não cures de mais linguagem.

Onzeneiro: Mas para onde é a passagem?Diabo: Para a infernal comarca.Onzeneiro: Disse, não vou em tal barca.

Estoutra tem avantagem.(...)

Page 24: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Onzeneiro: Hou-lá! Hou demo barqueiro! Sabeis vós no que eu me fundo?Quero lá tornar ao mundoe trazê-lo meu dinheiro;que aqueloutro marinheiro,porque me vê vir sem nada,dá-me tanta borregadacomo arrais lá do Barreiro.

Diabo : Entra, entra e remarás!Não percamos mais maré!

Onzeneiro: Todavia...Diabo: Por força é,

que te pês, cá entrarás!Irás servir Satanáspois que sempre te ajudou.

Onzeneiro: Oh! Triste, quem me cegou?!Diabo: Cal’te, que cá chorarás.

Page 25: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• descompromisso;

• ingenuidade;

• inocência / criança.

Parvo

Page 26: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Parvo: Hou da barca!Anjo: Tu que queres?Parvo: Quereis-me passar além?Anjo: Quem és tu?Parvo: Não sou ninguém.Anjo: Tu passarás se quiseres;

porque em todos seus fazerespor malícia não erraste.Tua simpleza te bastepara gozar dos prazeres.Espera entanto por aí:veremos se vem alguémmerecedor de tal bemque deva entrar aqui.

Page 27: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• rouba e engana o próximo;

• símbolos do roubo: formas e tripeça.

Sapateiro

Page 28: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Sapateiro: mandaram-me vir assi...Mas – para onde é a viagem?

Diabo: Para a terra dos danados.Sapateiro: E os que morrem confessados

onde têm sua passagem?Diabo: Não cures de mais linguagem,

que esta é a tua barca, esta!Sapateiro: Renegaria eu da festa.

e da barca e da barcagem.

Como poderá isso ser,confessado e comungado?!

Diabo: Tu morreste excomungado,não no quiseste dizer.Esperavas de viver;calaste dez mil enganos;tu roubaste bem trinta anoso povo com teu mister.

Page 29: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Embarca, eramá para ti,que há já muito que te espero!

Sapateiro: Digo-te que re-não quero!Diabo: Digo-te que si, re-si!Sapateiro: Quantas missas eu ouvi

não me hão elas prestar?Diabo: Ouvir missa, então roubar –

é caminho para aqui.

Sapateiro: E as ofertas que darão?E as horas dos finados?

Diabo: E os dinheiros mal levados –que foi da satisfação?

Sapateiro: Oh! Não praza ao cordovão,nem à puta da badana,se é esta boa traquitanaem que se vê João Antão!

Ora juro a Deus que é graça!

Page 30: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• dançarino;

• espadachim;

• devasso;

• traz a amante.

Frade

Page 31: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Frade: Juro a Deus que não te entendo!E este hábito não me val’?

Diabo: Gentil padre mundanal,a Belzebu vos encomendo!

Frade: Corpo de Deus consagrado!Pela fé de Jesus Cristo,que eu não posso entender isto!Eu hei-de ser condenado?!

Um padre tão namoradotanto dado à virtude!Assim Deus me dê saúdeque estou maravilhado!

Diabo: Não façamos mais detença.Embarcai e partiremos:tomareis um par de remos.

Frade: Não ficou isso na avença.

Page 32: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Diabo: Pois dada está já a sentença!

Frade: Por Deus! Essa seria ela?

Não vai em tal caravela

minha senhora Florença.

Como?! Por ser namorado

e folgar com uma mulher

se há um frade de perder

com tanto salmo rezado?!

Diabo: Ora estás bem aviado!

Frade: Mas estás bem corrigido!

Diabo: Devoto padre e marido,

haveis de ser cá pingado...

Page 33: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• prostituição;

• ‘oferecimento’ moças ao clero;

• feitiçaria.

Brísida Vaz

Page 34: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Brísida: Seisentos virgos postiços

e três arcas de feitiços

que não podem mais levar

Três armários de mentir

e cinco cofres de enleios,

e alguns furtos alheios,

assi em jóias de vestir;

guarda-roupa de encobrir,

enfim – casa movediça;

um estrado de cortiça

com dez coxins de embair.

Page 35: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

A mor cárrega que é:

essas moças que vendia

Daquesta mercadoria

trago eu muita, à bofé!

Diabo: Ora ponde aqui o pé.

Brísida: Hui! Eu vou pra o paraíso!

Diabo: E quem te disse a ti isso?

Brísida: Lá hei-de ir desta maré.

Page 36: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• segregação;

• suborno;

• símbolo: bode (contraponto “Cordeiro de Deus”).

Judeu

Page 37: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Judeu: Que vai lá, hou marinheiro?Diabo: Oh! Que má-hora vieste!Judeu: Cuja é esta barca que preste?Diabo: Esta barca é do barqueiro.Judeu: Passai-me, por meu dinheiro.Diabo: E esse bode há cá de vir?Judeu: O bode também há-de ir.Diabo: Oh! Que honrado passageiro!...

Judeu: Sem bode, como irei lá?Diabo: Pois eu não passo cá cabrões!Judeu: Eis aqui quatro tostões

e mais se vos pagará.Por vida do semifaráque me passeis o cabrão!Quereis mais outro tostão?

Diabo: Nem tu não hás-de vir cá.Judeu: Por que não irá o judeu

onde vai Brísida Vaz?

Page 38: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• não assume seus atos;

• julga com parcialidade;

• ignora a justiça;

• busca proveitos próprios;

• extorque os pobres;

• símbolo material: os processos.

Corregedor

Page 39: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

• eloqüência;

• aparatos;

• omisso;

• símbolo material: os livros.

Procurador

Page 40: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Corregedor: Oh! Renego da viagem

e de quem me há-de levar!

Há aqui meirinho do mar?

Diabo: Não há cá tal costumagem.

Corregedor: Não entendo esta barcagem,

nem hoc non potest esse.

Diabo: Se ora vos parecesse

que não sei mais que linguagem!...

Entrai, entrai, corregedor!

Corregedor: Hou! Videtis que petatis!

Super jure majestatis

tem vosso mando vigor?

Page 41: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Diabo: Quando éreis ouvidornon ne accepistis rapina?Pois ireis pela bolinaonde nossa mercê for.

Oh! Que isca esse papelpara um fogo que eu sei!

Corregedor: Domine, memento mei!Diabo: Non es tempus, bacharel!

Imbarquemini in batelquia judicastis malícia.

Corregedor: Semper ego in justiciafecit e bem por nível.

Diabo: E as peitas dos judeusque vossa mulher levava?

Corregedor: Isso eu não no tomava,eram lá percalços seus.

Page 42: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Enforcado

Diabo: Dava-te consolação

isso, ou algum esforço?

Enforcado: Com o baraço no pescoço

mui mal presta a pregação...

Ele leva a devoção,

que há de tornar a jantar...

Mas quem há de estar no ar

Aborrece-lhe o sermão.

Page 43: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Quem se salvará?

• Parvo (ingenuidade)

• Cavaleiros Cruzados (luta pela fé)

Page 44: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Diabo: Cavaleiros, vós passais

e não perguntais onde is?

Primeiro Cavaleiro: Vós, Satanás, presumis?

Atentai com que falais!

Segundo Cavaleiro: E vós, que nos demandais?

Sequer conhecei-nos bem:

morremos nas partes de além,

e não queirais saber mais.

Diabo: Entra cá! Que coisa é essa?

Eu não posso entender isto!

Primeiro Cavaleiro: Quem morre por Jesus Cristo

não vai em tal barca como essa!

Page 45: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Tornam a prosseguir, cantando, seu caminho direito à barca da glória, e tanto que chegam diz o ANJO:

Anjo: Ó cavaleiros de Deus,

a vós estou esperando,

que morrestes pelejando

por Cristo, Senhor dos Céus!

Sois livres de todo o mal,

santos por certo sem falha,

que quem morre em tal batalha

merece paz eternal.

E assim embarcam.

Aqui fenece a primeira cena.

Page 46: O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente

Vêm quatro fidalgos, Cavaleiros da ordem de Cristo que morreram nas partes da África. Vêm cantando a letra que se segue:

À barca, à barca segura,guardar da barca perdida:à barca, à barca da vida!

Senhores, que trabalhaisPela vida transitóriaMemórias, por Deus, memóriaDeste temeroso cais!À barca, à barca, mortais!Porém na vida perdidaSe perde a barca da vida.