o ateu

Upload: renata-da-matta

Post on 09-Jan-2016

10 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Jean Marie reserva-se o direito de não apenas descrer do Criador, mas também de influenciar os outros com seus escritos, nos quais expõe sua absoluta descrença na vida além da morte. Vítima da obsessão, não percebe a tragédia que se aproxima e que mudará seu modo de pensar. Neste romance, Antônio Carlos traz conta mais uma passagem de sua missão com a médium Vera Lúcia.Autor Espiritual: Antônio CarlosAutor: Vera Lúcia Marinzeck de CarvalhoEditora: Petit

TRANSCRIPT

O ATEUROMANCE DO ESPRITOAntnio Carlos

PSICOGRAFIA DA MDIUMVera Lcia Marinzeck de Carvalho

O QUE LEVA ALGUM A NO ACREDITAR EM DEUS?Jean Marie - o Ateu, como conhecido na intimidade - e seus amigos so farristas que vivem apenas o presente, para as festas e os prazeres mundanos. Residentes na Toca - propriedade outrora conhecida como Fazenda So Francisco -, transformaram o lugar em palco de festejadas reunies, onde a falsa alegria convive com o vcio e a chantagem. Jean Marie reserva-se o direito de no apenas descrer do Criador, mas tambm de influenciar os outros com seus escritos. Alheio s sedues do ambiente onde vive, o Ateu quer apenas explorar os corruptos. Perseguido por um esprito que deseja vingar-se, pressente o perigo: uma terrvel ameaa ronda a Toca...

(...) Jos, Gerald e Anatlio levaram o homem, que estava assustado e com medo. Jac, Hugo e Jean Marie seguiram atrs. Tiraram o casaco e a camisa do homem; amarraram-no com os braos para cima, suspenderam-no a alguns centmetros do cho. Esse castigo j fora aplicado outras vezes na Toca. A primeira vez foi a uma senhora fofoqueira que veio chantagear Jean Marie: ela queria dinheiro para no contar ao monsenhor as estranhas festas que aconteciam na Toca e tambm que, na sua opinio, o grupo era seguidor do diabo. Levou uma grande surra. Dois ladres tambm foram castigados e um jovem que insistia em perseguir Caterine. Jos deu a Jean Marie uma faixa grossa de pano molhado e ele bateu nas costas do homem por trs vezes. Perdo, senhor, perdo! No fiz por mal - rogou o homem desesperado. Forar algum no um mal? - perguntou Jean Marie. Sei que as senhoras tm encontros... - respondeu o homem. Encontros com quem querem, aqui ningum forado. No entendo por que ela gritou tanto - falou o homem. Deixe, Jean Marie, que eu bata nele - pediu Anatlio nervoso e indignado. Ser castigado para aprender a no forar uma mulher (...)VERA LCIA MARINZECK DE CARVALHO nasceu em So Sebastio do Paraso (MG). E casada, me de trs filhos e trabalha ao lado do marido, alm de dedicar-se casa esprita que freqenta, na qual colabora na rea de assistncia espiritual e social. Em 1975, pela primeira vez, entrou numa casa esprita: l, segundo recorda, encontrou respostas para suas dvidas, incentivo para desenvolver a mediunidade e estudar as Obras Bsicas de Allan Kardec.Sua trajetria de sucesso iniciou-se em 1990, quando Reconciliao, romance do Esprito Antnio Carlos, sua primeira obra psicografada, foi publicada pela Petit Editora. Em 2008, a pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", realizada pelo Ibope por solicitao do Instituto Pr-Livro, classificou Violetas na janela, de autoria do Esprito Patrcia, psicografado por Vera Lcia - mais de 1,5 milho de exemplares vendidos desde o seu lanamento, em 1993 -, em nono lugar entre os 30 livros preferidos dos brasileiros.

ROMANCE DO ESPRITOAntnio CarlosPSICOGRAFIA DA MDIUMVera Lcia Marinzeck de Carvalho

SUMRIOA tocaA festaBrbaraAs chantagensO passadoA premonioO retorno de EstevoConversasParisInvernoO assassinatoTristezasDecisesO socorro a Jean MarieA volta do grupoReencarnaes de Jean MarieReencontro

A TOCAGargalhadas alegres ecoavam pelo corredor. Ao abrir a porta da biblioteca, Jean Marie foi aclamado por trs mulheres que ali estavam trabalhando, fazendo cpias de um texto escrito por ele.- Voc foi novamente fantstico, Ateu! Este artigo est muito bom! - elogiou Anne, entusiasmada.Jean Marie era chamado carinhosamente por alguns amigos de Ateu, mas isso somente entre eles. Ele havia escrito aquele texto noite, de umas vinte linhas somente, que motivava quem o lesse a pensar: "Onde estaria Deus que no fazia nada para ajudar nos lares onde havia escassez de alimentos? Estaria escondido ou participando de homenagens e no via crianas passando fome, frio e recebendo maus-tratos? Ser que Deus via essas cenas? Se via, por que no fazia nada? Como entender este fato? Ser que a divindade conivente com esses acontecimentos?"Joana leu o artigo em voz alta e exclamou:- Se Deus existe e consente com essas injustias, Ele um brbaro!Jean Marie sentiu-se orgulhoso de seu trabalho, olhou para o espelho que decorava uma das paredes e se admirou. Passou a mo nas suas sobrancelhas, acertando-as. Tinha estatura e peso medianos, lbios finos, nariz perfeito, olhos pequenos, os cabelos rareavam e a testa era grande. Ao seu lado estava um desencarnado que sorria orgulhoso, sentia que os elogios eram para ele, o verdadeiro autor da obra-prima. Passou a mo tambm nas suas sobrancelhas. Seu aspecto era muito diferente do encarnado que obsediava: era alto, forte, mos enormes, cabeleira farta e olhos grandes."Somos iguais somente na descrena", pensou o espectro rindo. Voc est muito bem, Jean Marie. Continua bonito como sempre! - afirmou Anne. Seu artigo est muito bom - disse Brbara. - Eu tambm queria obter estas respostas. Onde est Deus quando calamidades acontecem? Onde Ele estava quando, ainda menina, era estuprada de trs a cinco vezes por dia pelos seus representantes?Brbara se exaltou e Joana mudou de assunto.- Ateu, seu administrador quer falar com voc.- Problemas? - perguntou Anne. - Ser que temos problemas na Toca? Amo este lugar! Nossa Toca! Moradia e abrigo dos diversos animais que somos ns. Lembra-se, Ateu, quando Estevo se referiu sua casa como toca? Disse que ramos diferentes bichos e que os animais tinham tocas. Todos gostaram do nome. Devemos nos preocupar? No se preocupem, no deve ser nada srio - respondeu Jean Marie. - Voltem ao trabalho, minhas queridas. Quero que Michel distribua esses artigos antes da festa. uma injustia voc no poder assinar esta obra maravilhosa! - lamentou Joana. No posso correr o risco - explicou Jean Marie. - Um artigo atesta, assinado, seria minha condenao. E concordo com vocs: est muito bem-feito. Onde est Caterine? Se preparando para receber o seu amante - respondeu Joana. O monsenhor de novo? Ele deve estar realmente apaixonado! - comentou Jean Marie. Tomara que ela o faa sofrer! - exclamou Brbara. Vou ver o que Gerald quer, meu administrador no deve me esperar; ele tem muito o que fazer.Ele saiu, a biblioteca era a primeira porta depois das salas; no corredor havia muitas portas, a que ele acabara de fechar e as dos oito quartos. E na frente do corredor, esquerda, estava o salo onde aconteciam as festas. direita, a sala de estar que se comunicava com a sala de jantar, aps a adega e a cozinha. A casa era realmente acolhedora."Foi uma boa idia t-la reformado", pensou Jean Marie. "Fiz um salo das muitas salas existentes: sala de leitura, de bordado e pintura, estudo e msica. Ficou timo esse salo, perfeito para nossos encontros festivos."Jean Marie foi varanda, viu Gerald no portozinho, direita do jardim que dava acesso s casas dos empregados e foi ao seu encontro. Ele gostava do seu administrador que trabalhava ali desde o tempo de seu pai. Cuidava de tudo com dedicao. Quer falar comigo, Gerald? Algum problema com a fazenda? No, senhor, est tudo certo com a propriedade - respondeu Gerald. Percebendo que seu patro estava atento, criticou-o: - Se o senhor gastasse com seus hspedes e festas o que rende a fazenda, j estaria arruinado, mas administrando como faz, ela est bem. No vou arruinar a fazenda, Gerald. Primeiro porque voc a administra muito bem. Alm disso, tenho outra fonte de renda: os livros que escrevo so bem aceitos.Jean Marie falou com ironia, mas Gerald no percebeu. "Meus escritos no me rendem quase nada, mas melhor ele acreditar que sim", pensou ele. Senhor Jean Marie, seus pais no iriam gostar de ver como est vivendo. Que a Fazenda So Francisco virou um lugar de orgias. Eles esto mortos, Gerald. Mas o que quer falar comigo? - perguntou o proprietrio. sobre as festas - respondeu o administrador. - Na sexta-feira o senhor dar mais uma. Queria pedir que impea os convidados de irem s casas dos empregados, atrs de alguma mulher. Na ltima, isso aconteceu. Foi desagradvel!-Vou tomar providncias, pode ficar sossegado. Tranqilize todos; pea, porm, que tranquem as portas.Gerald despediu-se e Jean Marie atravessou o jardim."Ele timo administrador", pensou, "por isso me fao de surdo quando me critica. At esqueo que a Toca teve outro nome. Seria ironia este lugar ter nome de um santo!"Quando a propriedade passou a ser dele, a primeira coisa que fez foi dar todos os quadros de santos e imagens s suas irms. Deu tambm a elas as jias de sua me. Mandou tirar a placa de madeira fixada no porto onde estava escrito "Fazenda So Francisco", alegando que ia restaur-la, mas a mandou para a lareira numa noite fria. Senhor, a carruagem do monsenhor est chegando! Vi-a na curva - disse Gerald, que veio atrs dele no jardim. - Devo receb-lo? Faa como sempre, Gerald - respondeu Jean Marie. Isso um horror, ouviu, menino! - exclamou Gerald indignado. Cuidado, Gerald, gosto de voc, um velho empregado, mas no admito interferncias. O que tem de mais receber aqui um representante da Igreja?- No me julgue mais tolo do que sou, menino Jean Marie. Temo em pensar o que pode acontecer nessas visitas do monsenhor. Quem ele vem ver? O senhor que no , e, como no mora sozinho, fico a pensar: ser que ele vem ver alguma das mulheres? As senhoras Brbara, Caterine, Maurcia, Anne e os senhores Estevo e Jac esto sempre aqui e no sabemos se moram ou no na fazenda, os outros nem sei, vo e voltam. Aqui nem parece mais um lar, mas uma hospedaria.A carruagem do monsenhor passou pelo porto, Jean Marie ouviu o sino tocar duas vezes, olhou para o empregado e aconselhou: Gerald, no seja inconveniente, pode ser perigoso - Jean Marie advertiu-o. Foi somente um desabafo, temo pelo senhor, que para mim ser sempre um menino. Como sempre, serei discreto. melhor!Jean Marie ajudou o monsenhor a descer e Gerald sorriu gentilmente cumprimentando-o.- Jean Marie - disse o monsenhor -, trouxe o vinho que comprou. Como o entregador deixou sua encomenda junto com a da igreja, me prontifiquei a lhe entregar.-Agradeo a gentileza! Gerald, coloque o vinho na adega. Gerald foi pegar o barril e o monsenhor falou baixinhoa ele: Estou fazendo um trabalho espiritual com esse grupo, quero salvar suas almas! Sim, senhor - respondeu Gerald. Por favor, monsenhor, entremos.Na sala de estar a empregada, rapidamente, veio servir um conhaque, muito apreciado pela visita. Obrigado pelo presente - agradeceu Jean Marie. Tenho de arrumar desculpas para vir aqui e... - falou o monsenhor.- Que so geniais! - interrompeu Jean Marie. - Mas, por favor, no quero prend-lo, esteja vontade, no a deixe esperar mais. No mesmo local!O monsenhor sorriu, esvaziou o copo e saiu apressado. Caterine o recebia em seu quarto. Os aposentos eram poucos para tantos hspedes. Ele tinha seu quarto, Caterine dividia o seu com Anne; Joana e Maurcia ocupavam outro, Brbara dormia sozinha num quarto pequeno e quando recebia mais visitas ela ia para o aposento de Joana e Maurcia. Jac e Estevo tinham os seus quartos, mas acomodavam algum quando a casa hospedava o restante do grupo.Jean Marie nem viu o monsenhor ir embora. A tarde, ao ouvir o barulho de uma carruagem, foi ao jardim. A propriedade ficava perto da cidade: somente dez minutos de carruagem ou cinco minutos a cavalo. A estrada era a continuao de uma rua. O porto abriu e ele viu o casal amigo chegar. Louco, querido! - exclamou Francesca saudando-o. - Tudo pronto para a festa? Quase tudo. Fizeram boa viagem? - perguntou Jean Marie.O casal, Francesca e Victor, desceu, eram jovens ainda, elegantes e bonitos. Uma empregada veio para levar a bagagem, e outro, a carruagem para o lado esquerdo do jardim, onde havia uma estrebaria.- Sim - respondeu Victor. - So oito horas de viagem, estamos cansados, mas felizes por estarmos aqui, neste recanto, na Toca querida.- E a famlia? - Jean Marie quis saber.Francesca e Victor eram casados, o nico casal do grupo.Todos bem - respondeu Victor. - As crianas arteiras ficaram com minha sogra, como sempre. Fez novo artigo? Estamos curiosos para l-lo. Fiz, as garotas esto copiando. Vo descansar, logo serviremos o jantar - disse Jean Marie. tardinha, chegou o restante do grupo. Fizeram elogios ao texto que Jean Marie escreveu e combinaram que Michel distribuiria as cpias, na noite seguinte, em algumas casas.E, como sempre, o jantar foi animado.No outro dia, aps o desjejum, Jean Marie foi conversar com Michel. Esta noite distribua os panfletos, mas tenha cuidado, esteja atento, no entregue se perceber algum perigo. Devo viajar? - perguntou Michel. No, voc merece ficar para a festa, depois permanecer uns dias na Toca. Vamos esperar um tempo para distribu-los em outros locais. Devemos ser cautelosos. Suas prximas viagens sero somente para compras e vendas para a propriedade. Michel, quero lhe pedir um favor, na festa beba somente quando os convidados comearem a ir embora. Fique atento, no deixe que algum mais exaltado v importunar as empregadas na cozinha. Se isso acontecer, com jeito afaste-os, se no conseguir, faa o sinal costumeiro que virei em seguida. Quero tambm que receba as prendas enviadas pelos convidados e faa o de sempre. Usaremos somente parte do que nos enviarem para a festa, o restante ir para a despensa. Cumprirei suas ordens. Posso guardar para mim uma jarra do vinho bom que servido primeiro? Pode - concordou Jean Marie.A movimentao na casa era intensa. Em todas as festas era assim, e as reunies eram constantes, pelo menos duas vezes por ms, realizadas s sextas-feiras, e recebiam muitos convidados. Com o grupo reunido havia saraus, s quintas-feiras, jogos, e tudo era motivo para comemorar e beber. Essas festas quinzenais eram famosas, com mulheres bonitas, senhores abastados, e nesta viriam dois msicos famosos. Tudo tinha de dar certo.Depois que conversou com Michel, Jean Marie foi ao jardim falar com Jos, o jardineiro. Jos, sei que dorme cedo, mas gostaria que, na festa, voc ficasse no portozinho que d passagem s casas dos empregados, para impedir que convidados passem para l. Seja gentil, mas aja com firmeza: no deixe ningum passar. Se no conseguir impedir, v cozinha e avise Michel, eu irei imediatamente. Certo? Sim, senhor. No entendo como o senhor assim... Assim como? - perguntou Jean Marie. Est sempre fazendo festas - respondeu Jos - em vez de escolher uma boa moa para casar, e seus amigos so... irresponsveis. O senhor os financia e participa dessas orgias. Mas bom patro, se preocupa conosco e nos paga bem, no o entendo! Nunca me casarei, Jos - afirmou Jean Marie. - Estou com trinta e oito anos, velho para assumir um compromisso. No nasci para ser fiel, faria infeliz a moa com quem me casasse. No quero responsabilidades, gosto de viver assim. Mas os anos passam e a velhice vem - argumentou o jardineiro. Para que se preocupar com o futuro se o presente to bom! - exclamou Jean Marie. Senhor - chamou Michel -, o baro nos mandou prendas. Um empregado dele trouxe uma carroa com leites, aves, sacos de farinha, cereais e vinho.Ferno, o desencarnado, estava aborrecido com a interferncia dos dois empregados antigos no modo de vida que Jean Marie levava e reclamou:- Deve ser Frei Damio! Esse senhor est sempre se intrometendo. No sei como no se cansa! Tudo o que faz no d resultado.Jean Marie foi olhar a mercadoria que chegou. Michel foi separando-a, ele era empregado da fazenda, recebia seu ordenado diretamente de Gerald, o administrador, e para fazer o outro trabalho, distribuir os artigos, recebia parte. Para no desconfiarem dele, ele distribua em outros locais, cidades, quando fazia compras ou vendia os produtos da fazenda. Era apaixonado por Caterine e sentia muito cime do monsenhor."As festas me do lucro", pensou Jean Marie satisfeito, "a quinzenal abastece a minha despensa. Ainda bem que os convidados entendem que tm de colaborar. Agora me vem Jos com essa histria de me ver casado. Esses meus dois empregados antigos acham que podem me aconselhar. Casar, eu? Que horror! No o fao nem para ser sustentado! Ser que sou doente? No gosto de sexo nem de relacionamentos amorosos. Gosto de amigos."Jean Marie entrou na casa e encontrou Victor, que estava na sala de estar. Perguntou, estranhando: Victor, arrumado a essa hora? Encontro? Sim, Francesca foi buscar a baronesa - respondeu Victor. Victor, vocs no tm mesmo cimes um do outro? Parece que se amam mas... No diga "traem"! No voc, por favor! - interrompeu Victor. - Amo Francesca e ela me ama. Sei dos relacionamentos dela e ela tambm sabe dos meus, e at os facilita. Quando estamos em nossa casa, na cidade onde moramos, somos exemplares, mas aqui apimentamos o nosso relacionamento. No tramos, trair ser hipcrita, o que fazem o baro e a baronesa. Eles aparentam ser uma coisa, mas so outra. Francesca foi busc-la na sua carruagem. O baro no v nada de errado no fato de Francesca buscar sua esposa para um passeio. A baronesa, sabendo que temos poucos recursos financeiros, me presenteia com razoveis quantias. Victor, voc tem recebido dinheiro da baronesa, Francesca tambm recebe presentes de seus amantes e no tem contribudo com nada para nossa causa ou casa - queixou-se Jean Marie. Ateu, Francesca copia seus artigos! Voc sabe que vivemos com dificuldades, temos de sustentar nossa casa, trs filhos, sogra e recebo pouco pelo meu trabalho. Est bem, no hora para queixas. Victor, vou lhe perguntar uma coisa, s por curiosidade: por que ateu?Jean Marie pensava que para tudo havia uma causa. Uns pensamentos eram reflexos de outros. Uma concluso era resultado de estudos ou experincia. Os ateus eram pessoas inteligentes e para chegarem a essa concluso, de que nada existia alm de matria, quase sempre havia algum motivo. E naquele momento queria saber dos amigos o que eles pensavam."Para tudo, h motivo: at para a crena e a descrena", pensava ele.- Que pergunta estranha! - respondeu Victor admirado. - Acho que sou ateu por amizade. Gosto de voc, do grupo. Depois timo no ter medo do Inferno. Acreditar que ao morrermos acabamos um excelente motivo para aproveitarmos a vida! Escute! Francesca est chegando com a baronesa.Pegou o sino que estava sobre a mesinha central e tocou duas vezes. Era o sinal de que algum da casa estava recebendo visita ntima e que no deveria ser importunado. Por dez minutos, ningum saa dos aposentos e quem quer que estivesse pelos corredores entrava rapidamente em algum cmodo. E, para a visita sair, usava-se o mesmo mtodo, isso para evitar encontros constrangedores. Na porta do quarto que recebia o casal era colocada uma fita azul. Enquanto a fita estivesse na porta, ningum entraria no aposento. Escutando as vozes de Francesca e da baronesa, Jean Marie escondeu-se atrs de um biombo e Victor ficou sozinho. A baronesa entrou na saleta de estar, sorriu para o amante e Francesca passou diretamente, indo cozinha. O casal se dirigiu a um dos quartos. Jean Marie saiu de detrs do biombo e Francesca retornou sala. Francesca, o que fala para a baronesa sobre esses encontros? - perguntou Jean Marie curioso. Louco, querido, digo-lhe que infelizmente sei do grande amor que meu marido sente por ela, mas que impossvel no s a minha separao dele, porque temos filhos pequenos, mas tambm a dela porque, embora o baro seja um pssimo marido, nunca lhe daria a liberdade. Ela me fala que nesses encontros somente conversam e eu finjo que acredito. A baronesa tem me presenteado. Veja este anel, ela me disse que era de sua me, mas me recomendou no us-lo na frente do marido.- Voc no tem cimes mesmo? - indagou Jean Marie. No, meu Louco, no tenho. Victor me ama e eu o amo, mas esse amor teria acabado se tudo entre ns fosse certinho. Vocs dois vm aqui, fazem a colheita, recebem e vo embora. Louco! - exclamou Francesca indignada. - Por que fala assim comigo? Sabe quanto Victor recebe por ms daquele tio dele avarento? Se no fossem estes recursos, passaramos por dificuldades. Voc no quer que sua amiga verdadeira, a mais sincera, passe por necessidades, quer?Jean Marie gostava de fato de Francesca, ela era a nica que o chamava de Louco. Uma coisa era certa: os dois, ela e Victor, eram sinceros com ele. Por que ateia, Francesca? - perguntou, mudando de assunto. O qu? Por que sou ateia? Bem... - Francesca realmente estranhou a pergunta, pensou por uns instantes e respondeu: - Acho que porque gosto de voc, admiro-o por ser inteligente e talentoso. Voc deve estar perto. Nada sobrevive! No gosto da hipocrisia do clero e eles no podero me mandar para o Inferno. Vou agora biblioteca fazer cpias do artigo, vamos lev-las para distribuir na calada da noite em algumas casas na cidade em que moramos.Jean Marie ficou pensando:"E eu, por que sou ateu? Acho que porque detesto a autoridade da Igreja! O que a Inquisio fez, e ainda faz, bandidos da pior espcie no fazem. Eles pecam e no querem que ns pequemos. Fico trmulo s de pensar nisso. Quero, tenho de ser ateu!"

A FESTAComo sempre, tudo foi muito bem organizado e, na sexta-feira, s sete horas da noite, eles esperavam tranqilamente os convidados chegarem. Vieram casais e alguns homens sozinhos que no queriam que as esposas participassem. Aparentemente era uma festa como muitas outras, comes e bebes vontade, servidos pelos empregados; msica e pares danando. S que, durante a festa, desapareciam alguns casais do salo, eles iam aos quartos e todos sabiam: "fita azul" no era para importunar. Havia trocas de casais, muita orgia e bebedeira, mas o forte eram as conversas. E o assunto da noite era o artigo que muitos receberam.- Eu tambm recebi - afirmava Jean Marie.Eloqente, conduzia o assunto de forma sutil defendendo suas idias, falando de maneira diferente a cada um dos seus diversos convidados. Ao baro, por exemplo, que j era ateu, disse: Eu admiro o autor desses artigos, gostaria de cumpriment-lo e t-lo entre meus convidados. Ele foi genial desta vez! No vimos quem o entregou ou deixou em nosso jardim. Voc tem razo, ele inteligente! Se eu descobrir quem , aviso-o - respondeu o baro.J ao conde, que estava em dvida se aceitava ou no o atesmo, ele opinava:-Estes artigos me fizeram pensar. No que os acate, mas fiquei pensando por que temos crianas passando fome? Por que seu filho, conde, sofre aquelas crises? Voc e sua esposa so pessoas boas e honradas. No h explicaes! Se Deus fosse mesmo justo, no deixaria seu filho sofrer assim. Revolto-me com este fato. E quem nos d explicaes? Ningum. Por qu? Simples, porque no h explicaes!O conde escutou atento e acabou por concordar com ele.- Voc tem razo, ningum nos esclarece. A resposta que tive a essas indagaes foi: porque Deus quer!-E isso resposta? Deus quer! Que ser cruel esse Deus?! - exclamou Jean Marie escandalizado. - Ainda no aceitei o atesmo, mas, escutando-o, j estou me convencendo.Jean Marie passava as festas conversando, ficava atento ao discurso do outro e, ao invs de convencer, terminava o dilogo como se fora convencido.Jean Marie conversava com uma senhora quando viu Michel lhe acenar, foi rpido ver o que seu empregado queria.- Venha biblioteca, senhor - disse Michel. Jean Marie o seguiu e o empregado lhe sussurrou: A senhora Brbara feriu o baro, esto a dentro. Volto para o meu posto? Sim - respondeu Jean Marie.Jean Marie entrou na biblioteca e fechou a porta. Anatlio, que tambm pertencia ao grupo, tentava acalmar Brbara, que tremia e estava com os olhos arregalados. Anatlio sabia que no podia aproximar-se dela, por isso lhe dizia baixinho:- Calma, querida! Calma, eu estou aqui! Eu a protejo!O baro estava sentado em cima de uma das escrivaninhas; tinha um corte na testa que sangrava e estava atordoado. Rpido, Jean Marie inteirou-se da situao, aproximou-se de Brbara e falou enrgico: Pare com isso! Volte ao seu estado normal! Sacudia-a pelos braos. Ela suspirou e se acalmou. Jean Marie? - exclamou ela.- Sim, sou eu! Preste ateno: v com Anatlio ao meu quarto e fique quieta l. Entendeu?- Sim! - falou Brbara baixinho.- Anatlio - ordenou Jean Marie dirigindo-se ao amigo -, leve-a para o meu aposento, pegue uma camisa e um casaco meu, traga-os aqui, feche a porta do meu quarto e coloque a fita azul na porta. Depressa!- Vou deix-la sozinha? - perguntou Anatlio.- Ela ficar melhor sozinha - afirmou Jean Marie. Anatlio pegou no brao de Brbara e eles saram rapidamente da biblioteca.- Essa mulher louca! - exclamou o baro. Ela doente! Desculpe-a! Como ela pde recusar voc?! Como sabe? Estava aqui? - perguntou o baro. No, mas Brbara assim mesmo, recusa sempre o homem que ela ama, parece que se pune. Que estranho! - o baro falou compassado, com voz de bbado. H tempos ela apaixonada por voc - mentiu Jean Marie. Mas eu no a quero! louca! Entendo-o! Vou estancar esse sangue. Farei um curativo agora mesmo.Abriu uma gaveta e pegou o que precisava. Comeou a limpar o ferimento. Enquanto fazia o curativo, falava exaltando as qualidades do baro."Ainda bem que ele bebeu muito e no est sentindo dor", pensou Jean Marie.Anatlio chegou com as roupas, Jean Marie ajudou o baro a trocar a sua, suja de sangue, pelas dele limpas.- Anatlio, por favor, leve as roupas do baro cozinha e pea a uma empregada para lav-las para que no manchem.Anatlio saiu e Jean Marie falou: Voltemos ao salo, amigo baro. Para todos diremos que voc foi abrir uma janela da biblioteca e uma parte dela, que estava solta, caiu em sua testa. Ela me acertou com aquela estatueta. Quase me mata! Voc ir tomar providncias, no ?Jean Marie ficou srio e falou lamentando: A pobrezinha est doente, no tem ningum. Vou lev-la ao mdico novamente. Vamos, amigo, a festa est muito boa. Vou chamar Anne para lhe fazer companhia. Aquela inglesa? Prefiro Francesca.Voltaram ao salo. Depois de repetir a mentira por umas trs vezes explicando o porqu do ferimento, esqueceu o baro, que foi se refugiar nos braos de Joana.-Jean Marie, voc se lembra de Mauricie? Retornou nossa ptria e eu o trouxe festa - falou um dos seus convidados habituais.O anfitrio o cumprimentou: Seja bem-vindo minha casa. Quando retornou? Pretende ficar? Faz uma semana que voltei, vim somente para rever meus pais. Vou residir em Londres - respondeu Mauricie. Voc estava em Londres? No, fiz uma longa viagem para a ndia. ndia e seus mistrios! - exclamou Jean Marie. - Gostou da viagem? Por que demorou tanto tempo? L, permaneci estudando, meu caro Jean Marie. Foi uma viagem encantadora, onde aprendi muito. Sou outra pessoa com esses conhecimentos. Que conhecimentos so esses? - perguntou Jean Marie interessado. Foram muitos, mas o principal sobre reencarnao - respondeu Mauricie. O fenmeno que tenta explicar que nascemos muitas vezes e que podemos ser at animais? - perguntou Jean Marie sorrindo. , mais ou menos isso - respondeu Mauricie. - A crena que o esprito pode animar animais chama-se metempsicose, mas ns, meu caro Jean Marie, no nascemos em corpos de animais. A vida um crculo, nossa alma, esprito, no morre. Vivemos aqui, vestindo este corpo de carne e ossos e, quando ele morre, vivemos em outros lugares e voltaremos, no futuro, a ter outro corpo, isto a reencarnao. Estou admirado! Voc inteligente e de formao catlica, estranho voc acreditar nesse fato! - exclamou Jean Marie. Nada h de estranho - respondeu Mauricie. - Ns temos obrigao de procurar respostas para o que no entendemos. Na noite passada recebemos em nossa casa um artigo que indaga onde est Deus, que no v as crianas passando fome. A resposta simples: Deus est em todos os lugares e dentro de ns. Pela reencarnao, uma pessoa que peca, ao morrer, no sofre pela eternidade, mas sim por algum tempo e depois volta a encarnar, tem outra oportunidade de viver em outro corpo fsico e sua vida ser o reflexo do que fez no passado, pode ser de coisas boas ou ruins. Voc no acha essas idias mirabolantes demais? pior que esses artigos! Muito confuso! - exclamou Jean Marie. O senhor ateu? - perguntou Mauricie. - O senhor j notou que todos os que se dizem ateus tm um forte motivo para ser? Eu no sou ateu, sou catlico - Jean Marie respondeu depressa. O ateu - falou Mauricie tranqilamente -, no acreditando em Deus, deve pensar que algo, uma coisa, como se fosse um objeto ou uma mquina. Ser que os ateus acham que somos somente aquilo que recebemos pela hereditariedade? Voc, por exemplo, um talentoso escritor, de quem recebeu esse dom? Existe algum escritor em sua famlia? No, no h ningum - respondeu Jean Marie incomodado. Voc herana de si mesmo. Somos a bagagem de diversas existncias. Cuidado, amigo - alertou Jean Marie -, ao expor suas opinies. Tudo o que se diferencia do que prega o clero perigoso. Atenderei ao seu conselho - respondeu Mauricie. -Voc uma pessoa confivel, hospitaleira e com certeza posso falar dos conhecimentos que adquiri e que me fizeram sair do atesmo, principalmente pela compreenso da lei do carma e da reencarnao. Esses conhecimentos so antigos...Jean Marie viu novamente Michel lhe acenando, desta vez parecia nervoso, pediu licena a Mauricie e foi atender o empregado.Ferno, o esprito, sorriu satisfeito e resmungou:"No quero ms influncias sobre Jean Marie. Se o senhor Frei Damio pediu a esse indiano para falar de reencarnao a ele,tenho de ficar atento e impedi-lo."Jean Marie aproximou-se de Michel e perguntou: O que aconteceu desta vez? Anatlio est provocando o baro.Jean Marie olhou para o local indicado e viu o amigo conversando com o baro e mais trs pessoas. Ele se aproximou rpido do grupo, encostou em Anatlio, ficou na frente dele e sorrindo falou ao grupo:- Por favor, tomemos mais vinho. Essa maravilhosa bebida nos foi oferecida pelo baro e vocs sabem, o nosso amigo baro tem muito bom gosto. Brindemos! - e falou baixinho para Anatlio: - Saia daqui! No converse com o baro!Anatlio, aborrecido, afastou-se e o grupo alegre foi se servir de vinho. Jean Marie no viu mais Mauricie e os ltimos convidados saram de madrugada. Cansado, Jean Marie foi para seus aposentos e encontrou Brbara dormindo num colcho no cho. Deitou-se em sua cama e dormiu.Ferno era um desencarnado que obsediava todo o grupo, principalmente Jean Marie, a quem influenciava a escrever, pois ele era mdium intuitivo1. Estava sempre perto deles, e Frei Damio, a 1. Jean Marie no sabia desse seu dom medinico. Esse fato no depende de um encarnado saber ou no, ele tem. O leitor poder compreender melhor esse processo lendo O Livro dos Mdiuns, de Allan Kardec, Segunda Parte, Captulo 15, "Mdiuns intuitivos." (Nota do Autor Espiritual)

quem ele se referira, fora um padre. Os dois se conheceram quando estavam encarnados. Simpatizavam um com o outro e ambos, de certa forma, sofreram com a Inquisio. Damio perdoou, compreendeu, e na condio de desencarnado passou a ajudar os envolvidos nessa perseguio, principalmente as vtimas que, marcadas pela dor, se sentiam injustiadas e resolviam revidar. Damio gostava de Ferno e queria alert-lo do mal que estava fazendo. Ferno no se vingava dos carrascos, daqueles que por muitos motivos agiram com crueldade infringindo o sexto mandamento: no matars. Queria desmascarar o clero e tinha motivos para estar perto de Jean Marie.Frei Damio de fato estava presente na festa e tentava amenizar os efeitos provocados pela eloqncia de Jean Marie, influenciado por Ferno. Acompanhou o conde quando ele foi embora e Ferno foi junto. O conde pensava revoltado:"A Igreja rica, os padres poderosos, mas eles no seguem os ensinamentos de Jesus. Por que eu tenho de seguir?"- Conde, Frei Damio esforou-se muito para tentar sugestion-lo, aconselhando-o. Os seguidores de Jesus so aqueles que vivem se baseando no que ele ensinou. Eles podem ser padres ou no. H pessoas que abusam em todos os lugares."Meu filho sofre muito! Se Deus realmente existisse no ia deixar meu menino sofrer assim", pensava o conde.- Necessitamos compreender para no nos revoltarmos. Voc escutou de Mauricie que nascemos muitas vezes em vrios corpos. Se voc entender este fato real, compreender que existe causa para todas as dores.Mas o conde tinha tomado muito vinho e queria dormir. Ferno riu, depois falou a Damio: No adianta, frei, o conde est convencido! Ferno, por que faz isso? Eles sofrero, ningum feliz afastado do Criador. Voc sabe que sobrevivemos morte do fsico. Gosto do senhor - disse Ferno quero continuar a respeit-lo, por isso, por favor, no se intrometa em nossas vidas. Sobrevivi, no acabei junto do meu corpo, mas no vi Deus, portanto Ele no existe. Devo e quero alertar o maior nmero de pessoas para no acreditar no clero. Voc continua vivo, est aqui na espiritualidade h muito tempo, sabe que voltamos a vestir outro corpo fsico. Deus no uma pessoa, o princpio de tudo. Voc acha que tudo que acontece na Terra, no universo, obra do acaso? Que no h ningum que organize tudo isso? Deus existe! Frei Damio - replicou Ferno - minha briga no com Ele, esse Criador estranho, com os padres. Eu os odeio! E no gosto do que eles pregam. Se o clero afirma que Deus existe, eu nego. Contradigo tudo o que eles falam. Voc afirmou que gosta de mim, me respeita, e fui um sacerdote - falou Frei Damio. O senhor diferente, no foi como a maioria. No deveramos deixar o mal sobressair nem julgar todas as pessoas pelos maus atos de alguns. Existem bons sacerdotes! E ningum representante direto ou imediato do Criador. H muito que compreender. Como me explica o fato de Deus deixar que errem em Seu nome? - perguntou Ferno com um sorriso cnico. Voc sabe que todos temos o livre-arbtrio, fazemos o que queremos e que os atos praticados a ns retomam. Somos livres, mas nossas obras nos pertencem - respondeu Frei Damio. Ser mesmo que existe o retomo? - Ferno perguntou deixando de rir. Voc ainda duvida? Foi comigo ver a situao dos padres inquisidores, aqueles que conhecemos. Viu quanto eles sofrem no umbral, cercados de desafetos, por aqueles que no os perdoaram e que tambm padecem pelo remorso. Por tudo o que viu que lhe peo, deixe Jean Marie em paz. No estou prejudicando nem ele nem ningum do grupo, eles esto contentes e se afinam. "Ela" vive muito bem, me aceita porque quer. No adianta voc ter influenciado aquele Mauricie, o indiano, para conversar com "ela". Jean Marie, "ela", me deve e eu, como credor, acho justo cobrar. No quero mais conversar com o senhor.Ferno voltou para a casa de Jean Marie. Ficou l vam-pirizando as pessoas e obsediando Jean Marie, fazendo-o de instrumento para divulgar sua mgoa. Os dois se afinavam. J Frei Damio prosseguiu tentando alertar os que saram da festa convencidos de que Deus realmente no existia e que o clero era oportunista. Jean Marie e Ferno sabiam como convencer as pessoas, exaltavam o orgulho, davam muita importncia aos que os escutavam. Usavam muitas frases como: "Por que Deus no prova a voc que existe?", "Por que isso acontece com voc?", "No merece! Se os representantes de Deus fazem, por que ns no podemos?", "Por que no conosco?", "A vida uma s! Devemos aproveitar".Jean Marie acordou no outro dia, sbado, s onze horas. Brbara j tinha se levantado. Foi sala de refeio tomar seu desjejum. Os empregados limpavam a casa, a baguna ainda era visvel. Encontrou somente Francesca, que acabara de tomar seu caf e que o cumprimentou sorridente dizendo:- Bom dia, Louco! A festa, como sempre, foi maravilhosa. Vou sair com a baronesa para que Victor a encontre no bosque. Mais tarde terei um encontro, na hospedaria, com um amigo do conde. Darei desculpa de que irei comprar alguma jia, espero ganhar uma.Jean Marie no respondeu, estava com dor de cabea. Tomou seu desjejum e depois foi verificar como estava sendo feita a limpeza da casa.

BRBARASbado foi, para eles, um dia de ressaca e, por isso, dormiram muito. Jean Marie voltou para o seu quarto aps o almoo e dormiu a tarde toda. No viu Brbara nem Anatlio.No domingo, todos levantaram cedo para ir missa. Eram maantes para eles esses cultos, mas tinham medo de afrontar a Igreja, aparentemente todos eram catlicos. Na igreja fingiam orar, seguindo apenas os rituais, distrados ou prestando ateno nos outros. O monsenhor celebrou a missa. Caterine tambm fingia orar e nem olhou para o celebrante. O grupo era educado, sabia se portar bem quando necessrio. Retornando casa, Jean Marie ficou na varanda e pediu que Anatlio ficasse para conversarem.- Anatlio, voc ia agredir o baro?- Voc achou isso, quando pediu que eu me afastasse? Nunca faria um ato assim! Estava conversando com aqueles dois convidados quando o baro se aproximou e participou da conversa, falvamos de uma caada. No entendi o seu receio. No faria algo que nos prejudicasse.Jean Marie lembrou que estava tendo uma conversa interessante com Mauricie, quando Michel o alertou. Desculpe-me, Anatlio - disse Jean Marie. - Achei que pelo fato de o baro ter importunado Brbara voc poderia ser indelicado com ele. O que aconteceu na biblioteca? Estava na festa atento aos convidados, quando vi Brbara entrar na biblioteca e o baro ir atrs. Pressentindo que poderia acontecer algo desagradvel, entrei na biblioteca, mas no deu tempo. Brbara acertou a estatueta na testa dele. Os dois gritaram, no sabia a quem acudir quando voc entrou. Est sempre atento a Brbara, no ? - perguntou Jean Marie. - Anatlio, esquea esse amor, ele o far sofrer. Est aqui conosco por causa dela ou concorda com nossas idias? Claro que sim, Ateu - respondeu Anatlio sorrindo. - Sou ateu! Quanto a amar Brbara, no consigo esquec-la. J sofro, amigo.Jean Marie olhou para ele e concluiu consigo: "Anatlio no ateu, est aqui por amar Brbara e tambm por ser o terceiro filho. Esse costume injusto em que somente o primeiro filho recebe ttulo e herana o fez um nascido em lar de nobres sem possuir bens. E como no gosta de trabalhar, uniu-se a ns e mora aqui. Viver s minhas custas bem mais fcil".-Voc est duvidando? - perguntou Anatlio estranhando o que disse seu anfitrio. - Sou ateu desde que conversei com voc a primeira vez. Ouvi falar de seu livro, achei coerente. Ainda bem que aceitei seu convite para conhecer a Toca. Estou muito bem aqui!-Acredito! - afirmou Jean Marie. - Voc inteligente demais para crer em tantas tolices. Pense, amigo, em como lidar com esse seu sentimento. Brbara nunca ir quer-lo como homem.-Ela ama voc! Sim, verdade, Brbara o ama! Brbara gosta de mim como amigo - elucidou Jean Marie. - Ns dois nunca seremos um casal. Agora, me faa um favor, v cham-la, quero conversar com ela. Deve estar no quarto, no foi missa. Estava indisposta - explicou Anatlio. - Vou bater na porta, se entro sem bater no quarto dela capaz de me acertar com algum objeto.Quando Brbara estava no quarto, colocava na porta a fita azul, avisando para nenhum homem entrar. Jean Marie ficou esperando, viu Michel passando pelo jardim, acenou para que viesse falar com ele. Michel, desta vez no houve excesso, no ? Algum foi incomodar os empregados? No, senhor, os empregados no foram incomodados - respondeu Michel. Por que me chamou a segunda vez? Anatlio no estava discutindo com o baro - Jean Marie quis saber. No estava? Melhor assim. Desculpe-me, mas achei que os dois discutiam, falavam acenando - explicou Michel. No precisa se desculpar. Se achou que discutiam, agiu certo. No quero brigas em minha casa. Michel, voc gosta de trabalhar comigo? Gosto sim, senhor - respondeu o jovem empregado. - Ganho bem, viajo conhecendo lugares. Admiro seus artigos. Voc os entende? - perguntou Jean Marie. Acho que sim, so simples. Se o senhor quer saber, sou ateu! Por qu? Por qu? No sei. Tenho que saber para ser? - perguntou Michel.-No.Jean Marie entendeu que Michel se dizia ser ateu, mas nem sabia ao certo o que era realmente ser atesta. Com certeza, na primeira dificuldade clamaria por Deus e oraria. Voc e Caterine ainda esto juntos? - indagou Jean Marie. Estamos sim, senhor. Ela amante do monsenhor, mas gosta de mim. Um dia ficar somente comigo.Michel sorriu, era um jovem bonito, um empregado fiel. Talvez amasse realmente Caterine, mas sabia que, como era acostumada ao luxo, no ficaria com um simples empregado. A no ser que ela estivesse economizando para isso.- Pode ir, Michel - falou Jean Marie.Brbara aproximou-se, sentou no banco ao lado de Jean Marie, olhou-o e rogou:- Desculpe-me! Brbara, voc no pode agir assim, agredindo pessoas. J pensou se tivesse matado o baro? O golpe com aquela estatueta poderia bem ter causado um ferimento mortal. Estaramos seriamente complicados se isso ocorresse. Se no quer que ningum mexa com voc, evite as ocasies. J lhe pedi que no auge da festa voc se retirasse, mas no para a biblioteca e sim para o quarto e que trancasse a porta. Eu ia me retirar - Brbara tentou explicar -, mas resolvi pegar um livro para ler antes de ir para o quarto. Porque com o barulho da festa no ia conseguir dormir. O baro tentou me abraar, beijar e me disse palavras obscenas. Fiquei em pnico e nem vi o que fiz. Isso grave, Brbara - disse Jean Marie. - Aqui na Toca reina a devassido, difcil para qualquer um de ns viver de modo diferente. Ainda bem que o baro no se ofendeu; tambm estava bbado. Voc est aborrecido comigo? - perguntou Brbara baixinho. Brbara, estamos a ss, porque no me conta o que lhe aconteceu? Sei pouca coisa sobre voc. Lembro bem de quando a encontrei. Estava viajando de carruagem e, ao passar por um lago, a vi, era uma menina, estava sentada numa pedra olhando as guas. Mandei o cocheiro parar, me aproximei de voc, indaguei seu nome, voc me olhou e respondeu baixinho: "Brbara". Senti que estava muito triste. Perguntei: "Voc quer que eu a leve para sua casa?" "No tenho para onde ir", respondeu. Pensei que fora expulsa de casa por ter se envolvido com algum homem que a teria abandonado, ento ofereci: "Venha comigo, cuido de voc!" Nunca esqueci o seu olhar de medo. Tentei tranqiliz-la: "No sou nenhum estuprador, pode confiar". Ofereci-lhe minha mo, voc a apertou e veio comigo. No disse uma palavra durante o trajeto. Acomodei-a no quarto dos fundos, dei a chave para trancar a porta e, desde ento, permaneceu conosco. Deve fazer uns doze anos que veio para a Toca. Voc ajuda no meu trabalho, a organizar a casa, no se envolveu com ningum e de vez em quando fala dos estupros. Voc sabe que Anatlio a ama, no ?Brbara permaneceu quieta, de cabea baixa, escutando-o. Jean Marie pensou que a amiga no ia responder, mas ela falou baixinho: Sei que Anatlio me ama, mas j expliquei a ele que no quero me relacionar com ningum. Sou grata a voc, Jean Marie, muito grata. Naquele dia em que nos encontramos, no sabia o que iria fazer, sentia muito medo. No tinha escolha: ou ia com voc ou me atirava no lago para morrer. Naquele momento decidi acompanh-lo e, se voc me estuprasse, eu o mataria e a mim tambm. A Toca foi uma bonana para mim. Fui bem tratada e respeitada, todos me entenderam. Recebi auxlio de voc, que ateu, e, no entanto, foram religiosos os meus carrascos. Eu o admiro, amo-o e no quero prejudic-lo. Vou ser mais atenta. Voc no me ama, Brbara - afirmou Jean Marie. -Acho que gosta de mim como de um pai que a protege. Por que no me fala tudo o que lhe aconteceu? Talvez melhore essa sua rejeio.Brbara ia se exaltar, responder como sempre: "E que no foi com voc! Ser estuprada trs a cinco vezes por dia". Mas, desta vez, ela resolveu desabafar, olhou para o amigo e sentiu seu carinho. Falou compassadamente:- Morava perto de um convento, meu pai era um pequeno avicultor, eu era a filha mais velha, tinha seis irmos. Minha me ficou muito doente e meu genitor endividou-se. Os padres do convento emprestaram dinheiro a ns e no conseguimos pagar. Minha me melhorou, mas a dvida nos preocupava, amos perder tudo do pouco que tnhamos. Ento, o padre superior do convento disse ao meu pai que eu teria de ir trabalhar l para pagar a dvida. Achei que iria trabalhar mesmo, despedi-me de todos e nunca mais os vi. No convento, fui levada para um quartinho numa parte isolada, onde aconteceu o que falei. Foi um horror! Era bem alimentada, parecia que queriam me ver nutrida como um animal. Saa do quarto somente de vez em quando, era levada por um deles ao jardim para tomar sol e respirar ar puro. Um dia, um dos padres me contou que minha me estava bem e que eles disseram aos meus pais que eu fora embora para longe com uma senhora bondosa.Brbara fez uma pausa para enxugar o rosto molhado de lgrimas. Jean Marie sentiu vontade de pedir-lhe para parar, mas achou que a amiga tinha de falar, segurou sua mo e ela continuou:- Fiquei grvida. Com trs meses tomei ervas para abortar e senti muitas dores. Estava me recuperando quando um dia, ao ser levada para tomar sol, consegui pegar um pau e bati com fora na cabea do padre que me vigiava, deixei-o cado. Rapidamente, fui para o ptio, passei pela estrebaria, peguei um cavalo, sa escondida e na estrada galopei, me distanciei rapidamente do convento. No sabia para onde ir, passava de uma estrada a outra. noite, parei para descansar e o cavalo fugiu. Quando o dia amanheceu, andei sem rumo, vi o lago, sentei-me numa pedra sem saber o que fazer, quando voc apareceu.Brbara deu por encerrada suas lembranas, ficou quieta com os olhos parados. Jean Marie perguntou: Voc no pensou em voltar para casa? Quando fugiu no quis ir para l? No quer saber de seus familiares? Quando fugi, sabia que o primeiro lugar em que me procurariam seria a minha casa e, se me encontrassem l, provavelmente me matariam, o que para mim seria um alvio. Os padres no iam querer que eu contasse o que me aconteceu no convento, e se eles soubessem que eu falara algo, com certeza eliminariam quem ficasse sabendo para que no espalhasse o que alguns deles me fizeram. Depois, estava desonrada, seria vergonha para a famlia, minhas irms no casariam. E se eu no morresse, no teria escolha, ou iria para um prostbulo ou para algum convento, dos dois preferia a morte. Convento? Ser que eles a mandariam para um convento sem ter vocao? - perguntou Jean Marie. Ora, vocao! - exclamou Brbara. - Num convento, podem-se contar nos dedos os que tm vocao; os que esto l porque querem realmente servir a Deus, os que so religiosos bondosos. Os que esto l por outros motivos so os maldosos. Numa noite, o superior estava comigo, implorei por misericrdia, pedi piedade em nome de Deus, ele riu e disse que esse Deus no teve piedade dele e que no adiantava eu pedir nada em Seu nome, porque no acreditava Nele. Ser, Brbara, que o superior era ateu? - perguntou Jean Marie admirado. No sei, foi o que ele me disse. No me lembro bem do que ele me falou, mas parece que os pais dele o venderam para um padre, que o estuprou. Ele cresceu, ficou no convento, no sabendo o que fazer para viver, tornou-se padre e, para se tornar superior, fez muitas coisas erradas, porque queria o poder. Recordo bem que ele no acreditava no Inferno e nem no Cu. Acho que isso explica atitudes erradas de certos padres - falou Jean Marie e mudou de assunto: - Voc quer que eu mande Michel at seus pais para saber deles? J fiz isso - respondeu Brbara. - Sabendo que Michel ia l perto em uma de suas viagens, pedi a ele que procurasse saber de minha famlia. Todos os meus irmos se casaram e tm filhos, minha me faleceu e meu pai casou-se novamente. Eles acham que morri, melhor que continuem acreditando nisso.Jean Marie suspirou, pensou que estava perdendo o controle da casa e dos amigos e, para se certificar, perguntou: Algum mais da casa sabe sua historia? J contei minha histria vrias vezes. Falar me d alvio, estou lembrando sempre disso. Recordar os momentos ruins reviv-los. Precisa recomear, Brbara. Voc precisa ter paz, ser feliz! Obrigada, Jean Marie. Agora, se me der licena, vou deitar, almoarei no quarto. Voc est sentindo algum mal-estar? - perguntou Jean Marie preocupado. No, meu amigo, sinto somente a minha velha dor interna - respondeu Brbara. Fique bem, por favor, por mim, por ns que a amamos - pediu ele. Tentarei, por voc - falou Brbara, ensaiando um sorriso que mais pareceu uma careta.Brbara levantou-se e entrou na casa. Jean Marie ficou pensando:"Como acreditar em Deus, num Criador que deixa que uns matem outros ou, pior, permite que faam o que fizeram com Brbara, que era uma jovenzinha? S se existisse mesmo essa 'tal' de reencarnao. A haveria uma explicao. O melhor pensar que morremos, acabamos e que Deus no existe. Assim, no somos responsveis. Brbara com certeza nunca esquecer o que lhe aconteceu e no se envolver com mais ningum. Como sexo complica a vida da gente! No sei por qu, no gosto de ter relaes sexuais com ningum. No vejo graa! Mas no tenho motivos como Brbara para no gostar, nunca ningum me forou, no me recordo de nada que pudesse ter me prejudicado. No me sinto homem como os outros. Sou o que sou e pronto, estou bem assim."Chamaram-no para o almoo. As pessoas acomodaram-se na sala de refeies. Jean Marie sentou-se cabeceira, como convinha ao anfitrio. Antes de mandar servir, ele falou: Vou aproveitar que estamos reunidos para conversar com vocs. sobre Brbara? Voc ficou muito bravo com ela? - interrompeu Maurcia preocupada. No, minha querida, no fiquei bravo com ela e nem esse o assunto, mas, j que foi mencionado, peo-lhes novamente que a protejam sempre. Quando houver algum excesso, interfiram, socorrendo-a. Quero lhes falar sobre as finanas. A vocs, que moram aqui, e aos que aqui se hospedam, lembro que todos devem cooperar. Voc no est bem financeiramente? - perguntou Joana, temerosa. Com a Toca, tudo bem - respondeu Jean Marie. - Com a renda que obtenho da propriedade, pago os empregados, que so muitos para nos atender. No posso tirar mais dinheiro do que a Toca rende, se o fizer, em um ano estaria arruinado. As festas e a mordomia em que vivemos so caras demais. Posso at sustent-los, mas me irrito com abusos. Vocs precisam colaborar mais! Eu e Victor - justificou-se Francesca - passamos somente alguns dias do ms aqui, e temos famlia. No motivo para no cooperar - opinou Caterine. -Vocs vm aqui, se divertem e obtm desse lazer muitas coisas. No tanto, a baronesa no dispe de muito - falou Victor. Voc, Louco, tem razo, devemos colaborar mais. Fique com este anel.Francesca estendeu a mo com o anel para Jean Marie, achando que ele no o aceitaria, era a jia que a baronesa lhe dera e pedira que no usasse por ali. Mas Jean Marie pegou-o, iria guard-lo. O casal amigo estava muito abusado. Eles eram os que menos contribuam. Vou pedir s minhas Mimis para nos mandarem mantimentos e vinho - disse Estevo. - E depois vou lhe dar um dinheiro que ganhei de outra Mimi. Estevo, voc no tem jeito - falou Joana rindo. -Chama todas as suas senhoras amantes de Mimi. Se um dia me chamar assim, quebro sua cabea. Chamo-as assim para no errar o nome - respondeu Estevo.Comearam a rir comentando fatos engraados.- Voltemos ao assunto! - gritou Jean Marie que, depois de todos ficarem quietos, continuou a falar: - Quero que contribuam, e ainda hoje, tenho pouco dinheiro no cofre. No falta muito para o inverno e com as temperaturas muito baixas no h como fazermos festas, e preciso de dinheiro, tambm porque dentro de dez dias irei a Paris, l devo ir a duas festas, onde falarei de minhas obras. Por falar em obra, quando vai escrever outro livro? - perguntou Anne. J estou escrevendo, devo trabalhar mais nele no inverno - respondeu o anfitrio. - No mude de assunto, por favor. Eu vou contribuir, Ateu - disse Caterine. - Irei com voc a Paris, mas ficarei somente uma semana. O monsenhor no quer que me afaste por muito tempo. melhor fazer o que ele quer. Tem nos rendido bastante esse meu amante. Voc, Caterine, a que mais tem contribudo - falou Jean Marie. - Quem ir comigo a Paris? Vou ficar hospedado, como sempre, na casa da Emlia, estou planejando ficar uns quarenta dias. Emprestando minha casa j contribuo, no ? - perguntou Emlia.Jean Marie olhou para Emlia, lembrou que a conheceu numa festa e ela o convidou a se hospedar em sua casa. Quando ele aceitou e foi, ela explicou que necessitava de dinheiro: ele pagou a hospedagem e tambm a convidou a visitar a Toca. Emlia sabia de fatos importantes e obscuros de certas pessoas e esses conhecimentos lhe rendiam alguma soma.- Ora - falou Joana -, voc, Emlia, viva, herdou somente aquela casa de seu marido. Se no fosse Jean Marie ajud-la, com certeza j a teria vendido. Hospeda-nos, mas, para comer l, temos de comprar os alimentos. Voc deveria escolher melhor seus amantes, est agora envolvida com um homem casado que nem dinheiro tem. Gosto dele - respondeu Emlia -, mas no dispenso os convidados das festas. Vou tentar contribuir mais. Basta! - exclamou Jean Marie batendo a mo na mesa. - Vou mandar servir o almoo. O que tinha para falar j falei, quero resultados.Ficaram quietos e, com certeza, como das outras vezes, uns contribuiriam, outros se esquivariam de faz-lo. Estavam acostumados quelas cenas. Sempre que Jean Marie achava que abusavam de sua hospedagem, ele exigia contribuio. Ele tinha dinheiro, e todos do grupo sabiam que vinha de uma fonte perigosa: a chantagem.Almoaram e o grupo se dispersou. Francesca e Victor saram para seus encontros e Jean Marie entrou no quarto em que estavam alojados, que era o de Brbara. Fechou a porta, pegou no bolso um molho de chaves e, em cada uma, havia uma marca."Tive uma boa idia quando dei a cada um deles um ba para guardar seus pertences ntimos e fiz uma cpia das chaves para mim. Aqui esto os bas de Francesca e Victor."Os bas no eram grandes, eram mais caixas de madeira. Abriu o de Francesca, continha cartas do baro e de outros dois amantes e algumas jias."Francesca no guarda dinheiro, com certeza gasta tudo o que ganha."Abriu a caixa de Victor, tinha pouca coisa: algum dinheiro e um retrato pequeno, pintado a leo, dos trs filhos."Que crianas lindas! E aqui est o ba de Brbara. No deve ter nada, mas como estou olhando vou abrir."Nos pertences de Brbara, havia somente duas folhas de papel, seus artigos com sua letra, uma flor murcha que ele lhe havia dado, um leno seu e um frasco de veneno."Brbara pensa realmente que me ama!"Saiu daquele quarto e entrou no que Emlia dividia com as outras. No encontrou nada. No quis ver os outros. Foi se reunir ao grupo, a maioria de seus amigos estava no salo esperando os convidados para o sarau e para conversarem. A tarde e a noite foram agradveis, divertiram-se como sempre.

AS CHANTAGENS

J[JJJean Marie l evantava cedo somente em ocasies raras, seu desjejum costumava ser s onze horas. E assim que tomou seu caf na segunda-feira, a empregada trouxe-lhe dois bilhetes e informou: O senhor Jacques est aqui, pediu para avis-lo do seu retorno assim que levantasse e de que vai embora aps o almoo. Ele j tomou o desjejum e est na biblioteca esperando pelo senhor. A senhora Francesca e o senhor Victor j partiram, deixaram este bilhete, e o senhor Estevo tambm viajou. Estevo partiu?! Para onde? - perguntou Jean Marie admirado.A empregada no respondeu, certamente no sabia, era melhor ler o bilhete. Curioso, abriu primeiro o de Estevo. Ele comunicava que resolvera, na noite anterior, viajar com uma de suas Mimis, ficaria doze dias na casa de campo dela, pois o marido se ausentara. E que depois iria a Paris se encontrar com ele.- Que menino sem juzo! - exclamou Jean Marie baixinho. A Mimi com quem Estevo fora viajar era uma senhoracharmosa com filhos casados, o marido era um senhor sistemtico e arrogante, que com certeza no aceitaria uma traio."Se Estevo tivesse me contado, eu teria tentado impedi-lo de fazer essa viagem perigosa. Tomara que no acontea nada de ruim a esse garoto", pensou.O bilhete do casal foi Francesca quem escreveu. Nele se despedia e informava que o casal voltaria Toca para outros encontros quando ele estivesse em Paris.- No mencionou contribuio! J esqueceram o assunto - lamentou aborrecido.Foi biblioteca e, de fato, Jacques o esperava. Saudou-o contente: Jean Marie, como est voc? Tudo certo na Toca? Tudo bem - respondeu o anfitrio. - E com voc? Com as esposas? Tudo certo - falou Jacques bem-humorado. - Estou vindo da casa da segunda, parto hoje para ver a terceira e a primeira ficar para o ms que vem. Jacques, como d conta de trs esposas? - perguntou Jean Marie rindo. No daria se tivesse que atur-las juntas. Morando cada uma em cidade diferente e longe tem dado certo, vejo uma de cada vez. J os filhos me preocupam, so oito. Ainda bem que esto crescendo. Vim falar de negcios, trouxe a colheita.Jacques chamava o resultado das chantagens de colheita. Era fcil para Jean Marie saber de certos assuntos que as pessoas no queriam que viessem a pblico. Ele e Jac planejavam como extorquir e Jacques executava os planos deles, ameaava a vtima e recebia o dinheiro. Tudo muito sigiloso. Jacques vinha Toca raramente e s o fazia em dia de pouco movimento. Assim, somente algumas pessoas sabiam do envolvimento dele com o grupo.Jacques abriu uma caixa e comeou a prestar contas a Jean Marie.- Esta quantia recebi da... essa outra daquele... Confira e me d a minha parte.- Jacques, vamos parar um pouco com as chantagens-falou Jean Marie determinado.- Est louco? No consigo viver sem essas comisses!-Jacques exclamou preocupado.- J pensou em trabalhar? - perguntou Jean Marie. Est me ofendendo! Pois no trabalho? Executo com perfeio e habilidade o servio para voc. No podemos parar. No iremos parar - afirmou Jean Marie. - Disse somente para fazer um intervalo. Voc devolveu, como mandei, os documentos ao senhor Mori? Espero que tenha devolvido. Vou a Paris e vamos nos encontrar l, ele com certeza me falar. No vou mais chantage-lo. Ele j nos deu o bastante. Cumpro suas ordens - respondeu Jacques srio sem conseguir esconder seu descontentamento. - No sei por que s vezes voc tem escrpulos. No chantageamos os bons nem os honestos. Jacques, no podemos ultrapassar o limite que estipulamos. No exigir demais nem deixar de cumprir com a palavra. Devemos ser cuidadosos. Ningum gosta de despender dinheiro para ficar livre de ameaas. O que fazemos perigoso. Sua porcentagem alta, se voc gasta muito com os filhos e as esposas deve se organizar e economizar. Por que no coloca seus filhos para trabalhar? No tenho coragem de coloc-los para trabalhar - respondeu Jacques. - No desejo v-los envolvidos em algo perigoso, no quero que faam o que fao. Mas vou tentar seguir seus conselhos. Planejo casar as duas filhas mais velhas, uma tem dezesseis e a outra, catorze. O meu primognito seguir a carreira militar. Vou me organizar e gastar menos. Aqui est a sua parte! - Jean Marie falou pausadamente. - Vamos deixar de incomodar por trs ou quatro meses. Depois, voltaremos a chantagear outras pessoas, umas duas Mimis de Estevo. No tem como tirar muito dinheiro de mulheres - falou Jacques. - Elas normalmente no dispem de muito. Podemos chantagear o conde Luigi, ele riqussimo. complicado! - exclamou Jean Marie. - No temos provas concretas e ele muito importante. No o suficiente para enfrentar a Igreja. Ele participa de certas orgias e cultos. E dizem que os participantes dessa seita adoram as foras malficas.Jac entrou na biblioteca, cumprimentou Jacques, participou da conversa e conferiu resultados. Jac ajudava os dois nas chantagens. Estava falando a Jacques - explicou Jean Marie - que chantagear o conde Luigi pode ser muito perigoso. Concordo com voc - disse Jac. - Temos de planejar muito bem e ser s por uma vez. O conde influente e perverso. Como sabe que ele perverso? - perguntou Jacques. Trata muito mal seus empregados, no tem piedade de ningum. J casou trs vezes e duas de suas esposas tiveram mortes muito estranhas. E quem participa dos cultos ao demnio so normalmente pessoas cruis. Esses cultos so inadmissveis! - exclamou Jean Marie. Cultos so cultos! - replicou Jac. - Existem os que tentam elevar as pessoas, alertando-as a fazerem o bem e outros, como os que o conde pratica, que incentivam a maldade. Se Deus no existe, demnios tambm no! Eles so os demnios! - afirmou Jacques. - Os freqentadores desse culto so os diabos na Terra. Por isso devemos ser cautelosos! - opinou Jac. - Vou planejar tudo sem esquecer os detalhes. E Jean Marie tem razo, se fizermos bem-feito e sem exagero no mataremos a galinha dos ovos de ouro. Um pouco aqui, outro ali e estaremos sempre com os nossos cofres cheios. Qual a ordem? - perguntou Jacques. Extorquir somente o senhor Fourier, a mesma quantia, e devolver-lhe as cartas comprometedoras. Fique com o dinheiro todo, para voc passar esses meses. Volte Toca daqui a noventa dias. Nesse tempo, Jac e eu resolveremos o que fazer.- Est bem - concordou Jacques.-Jacques, voc no teme ser assassinado ou chantageado? - perguntou Jac. No. Vocs dois so inteligentes e planejam muito bem essas extorses. Envio as cartas e nelas h os locais certos para eu receber o dinheiro. Poucos sabem quem sou, fui intermedirio direto somente em chantagens a duas mulheres e elas no tm por que falar. Agiram errado e pagaram por isso. Sou esperto, fao bem as colheitas. Se algum me chantagear por causa de minhas trs mulheres, no ligo, se alguma ficar sabendo e quiser a separao, acharei at bom e, se der, arrumo outra para ficar no lugar. Se me matarem, acabou, passei pela vida e nada restou. O bom de ser ateu isso: no temer castigo nem necessitar fazer sacrifcios para ter boa vida no Cu. Viver na iluso da matria maravilhoso! Voc j pensou se estivermos errados? - perguntou Jac rindo. No pensei nem vou pensar. Realmente no acredito em nada - afirmou Jacques.- Desde quando, Jacques, voc pensa assim? - Jac quis saber.- Nunca fui religioso. Estava casado com a primeira das minhas esposas quando vim trabalhar com Jean Marie como secretrio. Lembro que a Toca no estava bem financeiramente e que vocs dois sabiam de atos escusos que pessoas endinheiradas cometiam e resolveram chantage-las. Idia brilhante! Eu participei, deu certo, passei a viajar, conheci as outras duas mulheres, que se tornaram, por documentos falsos, minhas legtimas esposas. E, desde ento, estou muito bem. Antes, sentia arrepio em pensar que tudo o que gostava de fazer era pecado e, quando entendi que o pecado no existe, tornei-me incrdulo. Acho que sou o mais ateu de todos.Riram. Acertaram mais alguns detalhes e Jacques pediu: Jean Marie, agora posso almoar na cozinha? Quero partir logo. Fique vontade - respondeu Jean Marie.Jacques saiu, Jac e Jean Marie continuaram conversando. Voc confia em Jacques? - perguntou Jac. Mais ou menos. Ele tem muitos gastos. Ordenei que entregasse os documentos ao senhor Mori, mas acho que no o fez. Como disse que vou encontrar o senhor Mori em Paris e que certamente ele me dir se ainda est ou no sendo chantageado, Jacques certamente vai lhe entregar os documentos. Voc desconfia dele? Ns somos farristas - respondeu Jac. - Temos muitos defeitos, mas gostamos um do outro e somos, de certa forma, honestos. Jacques estranho, no participa da nossa amizade. No tem interesse nem de perguntar como temos passado. Voc concorda com ele que o atesmo nos faz viver na iluso? - Jean Marie quis saber a opinio do amigo. Iluso? - Jac riu. - Acho que somos realistas. Iludidos so os que acreditam no Cu e no Inferno. O Cu e o Inferno podem ser lugares um pouco diferentes do que dizem. Sofrimentos e gozos eternos so muito chatos. Pode haver mistrios! Mistrios! Se eles existem devem ser desvendados. Nada existe depois da morte - Jac suspirou. Voc no a esqueceu? - perguntou Jean Marie. No! E detesto a morte! Vocs nunca ficaram juntos e, se ela estivesse viva, talvez no fosse quer-la, ela seria uma mulher velha. No sei explicar esse sentimento - falou Jac. - Gostei de sua me quando ramos jovens. Ela foi obrigada a casar com seu pai. Era honesta, nunca traiu o marido. Somente tivemos um beijo de amor. Nunca mais gostei de outra mulher, por isso no casei, no quis ser desonesto com ningum, no seria capaz de fingir amar. Preferi ficar sozinho. Raramente via sua me e, quando ela morreu, senti muito. Tenho certeza de que continuaria a am-la, mesmo sendo velhinha. Fico confuso quando penso nisso, um amor alm do corpo! Ser que voc no fez desse amor um escudo para no se envolver com ningum? - perguntou Jean Marie. Pode at ser. s vezes penso que seria muito bom continuar existindo para que, ao morrer, pudssemos reencontrar com as pessoas que amamos. Como seria bom me reencontrar com ela! E, se tivermos outras existncias, viveremos juntos. Acreditar nisso consolador! Voc queria realmente que existisse isso? Esses reencontros e continuar vivendo? - perguntou Jean Marie admirado. Sim, queria, e, se pudesse acreditar, iria mudar minha maneira de viver, no faria nada de errado. J errei muito! Gosto de voc, meu amigo e no acho que esteja errado - opinou Jean Marie. Obrigado, Jean Marie, tambm gosto de voc. Mas como no erro? s vezes acho que no fiz nada certo. No constitu um lar, no casei porque sempre amei sua me. E, em vez de trabalhar, passei a me embriagar e a jogar; nas cartas, perdi a pequena fortuna que meus pais adquiriram com trabalho honesto. Estava pobre, quando me trouxe para morar aqui. Ajudou-me muito. Acho tambm que agimos errado chantageando, vivendo na devassido. Voc infeliz? - Jean Marie quis saber. Sou e no sou - respondeu Jac. - Se penso muito, sinto-me infeliz, se me divirto, sou feliz. Acho que j estou velho e no quero ficar me lamentando. Quero lhe dizer que no vou a Paris, ficarei aqui e aproveitarei para planejar o melhor modo de chantagear o conde Luigi. Jac, voc precisa de dinheiro? Quer algo? No quero que passe por necessidades. No, obrigado, no preciso de nada. O que posso querer mais? Voc me d teto, comida, roupas e no contribuo. Como no? o mentor das chantagens! - exclamou Jean Marie sorrindo. Que ttulo deprimente!Bateram porta. Era Jacques que, entrando na biblioteca, avisou: J almocei e vou partir. Que pressa! - falou Jac. Quero partir logo, chegar noite na minha segunda casa. Voltei aqui porque me esqueci de lhe falar que encontrei com seu irmo, Jean Marie. Eu estava num restaurante, quando ele entrou e me cumprimentou. Perguntou por mim? - quis saber Jean Marie. No, somente me indagou se continuava trabalhando na Fazenda So Francisco. Demorei uns segundos para lembrar que antes nossa Toca era chamada assim. Respondi que no, e ele se afastou. Estava muito elegante. Perguntei discretamente ao garom como seu irmo estava. Depois de uma boa gorjeta, ele me contou que seu irmo e famlia freqentam o lugar, que esto todos bem, os seus sobrinhos casaram-se e suas duas irms esto bem tambm. J vou, Michel j trouxe minha carruagem. Adeus!Jacques saiu e Jac perguntou para Jean Marie. Seus irmos nunca o procuraram? No, e nem eu a eles. Separamo-nos realmente. Meu irmo e minhas irms so muito diferentes de mim. So certinhos, casaram, tiveram filhos e no me desculparam pelo que lhes fiz. Fiz e no me arrependo. No fui honesto na partilha dos bens. Eu sempre morei com os meus pais e, quando meus irmos se casaram, vinham visitar-nos raramente. Mame faleceu e, seis meses depois, papai tambm morreu. Organizei os papis e falsifiquei documentos. Ao abrirmos o testamento, eles se assustaram ao ver que papai havia deixado a Toca para mim, para meu irmo uma casa em Paris e para elas somente jias e quadros de santos. No entenderam e desconfiaram, mas como no puderam provar, tiveram de aceitar. Brigaram comigo e nunca mais nos vimos. No gosto deles e nem eles de mim, se tivesse de procur-los, seria para dar a eles o que justo, mas, como no quero fazer isso, melhor que fiquem longe. Ser que seus pais no aprovariam sua atitude? - perguntou Jac. - Os outros filhos afastaram-se e voc cuidou deles. Seu pai deveria ter feito o testamento, no fez. Voc agiu certo, fazendo-o por ele. Papai me dizia que a Toca, a Fazenda So Francisco, era minha, mas no fez testamento nem passou para o meu nome. Quando queremos algo, devemos faz-lo e no deixar para depois ou para os outros fazerem. Voc agiu certo falsificando o testamento. Seus irmos esto bem financeiramente e fizeram bons casamentos. Mesmo se eles no tivessem bem, a vida dos espertos. s vezes sinto falta deles - queixou-se Jean Marie. -Queria rever meus sobrinhos. Uma filha de meu irmo casou-se no ms passado e no fui convidado. melhor voc esquecer seus parentes - aconselhou Jac. - Eu tenho alguns parentes, mas como se no os tivesse, eles sentem vergonha de mim. Eles no me fazem falta e tambm os seus no devem lhe fazer. Jean Marie, voc minha famlia, gosto de voc como se fosse meu filho.-Vou esquec-los - afirmou o proprietrio da casa. - Lembrei deles porque Jacques me deu notcias. Falando em Jacques, vou ver se ele foi embora e o que fez.Jean Marie foi estrebaria e ele j tinha partido. Perguntou a Michel se o amigo fizera algo diferente.- O senhor Jacques deu uma quantia de dinheiro a Joo para ele ir entregar um envelope para ele.- Voc ouviu onde e para quem? - perguntou Jean Marie.- Claro que sim, at anotei, ia depois levar ao senhor. Aqui est o papel. Joo partir logo mais. Quer conversar com ele?-No!Pegou o papel, leu e pensou sorrindo:"Jacques no devolveu as provas para o senhor Mori. Como eu disse que iria saber, ele est devolvendo agora, pagou para Joo, meu empregado, entreg-las. No posso mesmo confiar em Jacques, tenho de ficar atento." O senhor Jacques - falou Michel - recomendou a Joo que colocasse esses documentos numa certa caixa no jardim do endereo que anotei e que tivesse muita cautela pra ningum ver. Tudo bem Michel, continue atento e me conte tudo o que for vendo e ouvindo por aqui.Jean Marie saiu da estrebaria e, no jardim, encontrou com Gerald, seu administrador, que aps cumpriment-lo falou: Senhor, estava sua procura. O que aconteceu? - quis saber.- A carroa do orfanato est aqui. As irms esto lhe pedindo alguns alimentos e tambm se algum pode ir l para consertar o telhado e verificar o poo d'gua, parece que no est tendo gua suficiente, acho que deve aumentar a corda e talvez fazer outro suporte. Existem tarefas que as freiras no conseguem fazer comentou Jean Marie. - Tudo bem, Gerald, pea para trs empregados irem l e fazer os consertos e no esquea que eles devem levar as ferramentas, porque elas no tm nenhuma por l. V com Michel nossa despensa e pegue os alimentos de que as freiras necessitam.-O senhor bondoso ajudando-as! - exclamou Gerald.-Elas sabem que podem contar com o senhor. Socorre-as sempre.- Voc sabe quantas crianas no momento esto abrigadas l?- Dizem que moram quarenta e seis crianas e oito freiras-respondeu Gerald. - Vou agora chamar Michel e cumprir suas ordens. As irms de caridade mandaram lhe dizer que oram muito para o senhor e para todos da casa. Desperdcio de tempo! - resmungou Jean Marie. O qu? - perguntou Gerald, que no ouviu. Disse que elas deveriam orar menos e agir mais. Fazer algo para ter o que comer. Se o senhor me permite, vou organizar para elas uma horta e uma criao de animais, para que possam trabalhar e assim se alimentar melhor. tima sugesto! - exclamou Jean Marie. - Tem a minha permisso. Tente conseguir alguns voluntrios e que os empregados da Toca possam ir algumas horas por semana para ajud-las. Comece j, organize tudo para que elas continuem o trabalho.-Obrigado, senhor - falou Gerald emocionado. Por que me agradece? O senhor est fazendo bem s crianas rfs e eu fico comovido. As freiras gostam do senhor e da senhora Brbara, ela vai l duas vezes por semana e ensina as crianas a bordar, a pintar e a cozinhar. A senhora Anne tambm vai ao orfanato, no com tanta freqncia, e ensina ingls s crianas.Jean Marie se despediu e entrou na casa para almoar. E, como sempre, a conversa era animada durante as refeies. Ateu, amanh cedo vou viajar - comunicou Cirano. - Vou participar de uma caada com uns amigos. Recebi uma carta de um deles me convidando. Nossa! Essa casa ficar vazia! - comentou Anne. Tenha cuidado, Cirano - pediu Jean Marie. Cuidado? Por que est me recomendando cautela? - perguntou Cirano. Ora, em caadas sempre existem perigos! - respondeu Joana. - So armas, cavalgadas, sempre bom ter cuidado.Jean Marie aprovou a resposta de Joana. Sentia-se angustiado e no sabia por qu. Olhou para o amigo, Cirano era bissexual e tinha alguns envolvimentos com outros homens. Quando Jean Marie o conheceu em Paris, ele dizia estar apaixonado e veio Toca atrs dele. Como no fora correspondido, tornaram-se amigos. Cirano morava na Toca, mas viajava muito. Ele usava muitos anis, tinha bom gosto e estava sempre bem vestido.- Ateu - disse Cirano -, quero lhe entregar a minha contribuio. Aqui est uma quantia em dinheiro e tambm coloquei em seu armrio um traje muito bonito para usar em uma das festas em Paris. Quero que v elegante. A roupa era minha e adaptei-a para voc. Obrigado, Cirano - respondeu Jean Marie. - Confio no seu bom gosto, vou usar a roupa numa das festas. Quanto tempo pretende ficar fora? Isso vai depender de muitas coisas, se gostar, fico mais; se no, volto em dez dias, a tempo de ir com voc a Paris. Escrevo para informar.- Boa viagem e tima caada! - desejaram todos. Tudo parecia certo, mas Jean Marie estava inquieto, noconseguiu participar da conversa."Ser", pensou, "que estou ansioso por Estevo ter ido viajar com uma de suas Mimis, cujo marido perigoso? Ou por Jacques ter mentido e por no poder mais confiar nele? Ser a caada de Cirano? Pelo casal estar viajando? Por ter recebido notcias de meus irmos? Parece que no nada disso! Vou me deitar, fazer minha sesta e me sossegar."Jean Marie estava inquieto porque Ferno que estava inquieto.

O PASSADO

Frei Damio encontrou Ferno, o esprito obsessor, sentado na varanda, pensativo. Preocupado? - perguntou Frei Damio. Poderia me poupar de ironia - respondeu Ferno. - O senhor sabe bem o que acontece. L meus pensamentos eo de todo o grupo. No sou irnico, voc sabe bem disso. Realmente sei o que o preocupa, no indaguei com inteno de lhe falar: eu o avisei. Perguntei com carinho. Por que o senhor vem aqui ou se preocupa comigo? - perguntou Ferno. - Eu o trato mal. Voc no me trata mal - respondeu Frei Damio. - Discordamos porque temos vises diferentes. Diante de uma dificuldade, agimos de modo diverso. Voc se sentiu ofendido e eu no. No o entendo! Como pode no se sentir ofendido ao receber uma maldade que muito o prejudicou? - Ferno falou indignado. Ser mesmo que me prejudicou? No me senti prejudicado. A maldade que recebi no me fez uma pessoa m, recebi dores, somente, e elas passaram. Se me preocupo com voc porque a maldade que recebeu o tomou vingativo, com mpetos de agir erradamente. Se isso aconteceu, a sim, a maldade que recebeu realmente o prejudicou muito, o tomou mau. O senhor fala difcil - disse Ferno. Mas voc me entende, inteligente, teve mais estudos do que eu. Foi mdico. pena dizer que foi, poderia continuar sendo. Jurei que usaria a medicina para sanar dores e no para provoc-las. Perdi o direito de clinicar. Quem lhe tirou esse direito? - indagou Frei Damio. Quem? Acho que eu mesmo! - exclamou Ferno. Voc no deve se punir, Ferno. Entenda os acontecimentos, esquea os fatos ruins.Ferno suspirou, o passado veio sua mente e falou recordando:- Como posso esquecer o passado? Antes no era amargo, eles que me fizeram assim. Estudei Medicina e tinha muitos sonhos. Quis ser um bom mdico. Casei apaixonado e tudo para mim estava bem. Embora Isabel, minha esposa, fosse geniosa, combinvamos e tivemos filhos sadios e bonitos. Estudei e trabalhei muito e, de fato, tornei-me um bom mdico e antes isso no tivesse acontecido. Atendi um monsenhor, uma pessoa importante na Inquisio e, como ele se curou, passei a ser mdico dos padres importantes. Todos temiam a Inquisio, eu tambm e Isabel mais ainda. Com esses novos pacientes, passei a ser bem remunerado. Eles eram para mim doentes como os outros. At que o monsenhor quis que eu atendesse os perseguidos, no para cur-los, mas para que no morressem nas sees de tortura, pois ele os queria vivos para padecer nas fogueiras. Foi, para mim, um horror! Eu me odeio por no ter tido a coragem de dizer no. Isabel se apavorou e foi ela que no me deixou recusar. Minha esposa me dominava. Ela sentia, como todos, medo dos inquisidores; mas, gananciosa, queria dinheiro, e pelo servio que prestava ganhava muito bem. Tomamo-nos ricos e eu, muito infeliz-Desencarnei sentindo muito remorso e como di esse sentimento! O Inferno com o fogo com certeza prefervel. Isabel desencarnou e logo reencarnou. Eu fiquei, resolvi fazer algo para combater esses abusos e estou fazendo.- Voc, Ferno, j pensou que esse algo que faz uma maldade? - perguntou Frei Damio.- Como? - Ferno respondeu indignado. No devemos justificar nossos atos colocando a culpa em outros. Entendo que voc obedeceu Inquisio por medo. Era casado, tinha filhos, uma profisso, e se Isabel, sua esposa, o incentivou, voc a atendeu porque quis. Todos ns temos o livre-arbtrio. Somente ns somos responsveis pelos nossos erros. Ela me obrigou e sou eu que tenho culpa? Somente eu tenho de pagar? - Ferno perguntou olhando srio para Frei Damio.- Cada um tem suas responsabilidades! Estou entendendo, o senhor est aqui para me pedir de novo que eu a abandone, no ? Que pondere - respondeu Frei Damio. - Que analise os acontecimentos. Isabel no estudou, casou-se com voc amando-o.O perodo em que viveram na Espanha foi muito complicado. Ela era muito catlica e acreditava que o clero estava agindo corretamente. A riqueza foi bem-vinda, pensava nos filhos. No quis prejudic-lo. Incentivou-o, primeiro, porque pensava que voc, trabalhando para o bem de Deus, agia como um de Seus servos. Segundo, achava-o muito sentimental, dominvel, ou seja, que no tinha personalidade e ela tinha de decidir por voc. Isabel no compreendeu que agia errado. Confiava na Igreja e no a questionava. Quando desencarnou teve medo de voc e quis reencarnar logo.- E a est o Jean Marie, a antiga Isabel! - exclamou Ferno sorrindo irnico.- Voc tem influenciado... Ferno o interrompeu: Respondo ao que me disse: o livre-arbtrio! No sou responsvel por aquilo que ele faz, como ela no foi em relao quilo que fiz- O que me diz agora, Frei Damio? Voc est errando! Pago com a mesma moeda! Pior! - respondeu o frei. - Quando ela tentou influenci-lo, estava encarnada, acreditava que agia para o seu bem e o da famlia, sentia medo justificvel da Inquisio. Agora, voc est desencarnado, e sabe bem o que est fazendo. No fao nada de mais - Ferno falou cnico. Vingana contra o qu, meu amigo? Contra o clero? Combatemos atitudes incorretas com bons atos. Voc, agindo assim, piora a situao. Reclama de maldades de outros em vez de agir bondosamente. Agindo com imprudncia s aumenta o saldo negativo que essas aes provocam. Diz que no aceita o que alguns padres fizeram e, em vez de incentiv-los a acertos, os confunde mais. Voc quer combater erros com crticas, tentando desmoraliz-los. Esabe porque no consegue? Porque a Igreja no so as pessoas, elas passam e a instituio fica e por qu? Porque pessoas bondosas fazem parte dela! Lembre-se sempre disso Ferno: ensinando o certo que combatemos o erro. No apontando, criticando como voc est fazendo, tentando desacredit-los, combatendo uma idia com outra to errnea quanto a deles, mas sim mostrando que tudo deve ser feito com amor; exemplificando, no bem realizado, o erro se tomar acerto.- O senhor me critica muito - lamentou Ferno. No minha inteno - respondeu Frei Damio olhando-o com carinho. O senhor disse que Isabel me achava sem personalidade e, pelo visto, o senhor tambm acha. Quer me impor seu modo de pensar. Quero somente que analise seus atos. Tudo tem causas. Para todos os atos h reaes - falou Frei Damio. Ento me responda: por que o senhor foi torturado? Por que teve uma morte terrvel? Por que no me conta o que lhe aconteceu? Sabendo dos fatos, saberei se foi merecido ou no. Optei por ser padre - disse Frei Damio sem se alterar - porque queria muito servir a Deus e ajudar o prximo. Gostava de orar, ler e meditar sobre o Evangelho. Tinha vocao e queria ser um bom sacerdote, e fui. Somente anos depois, no convento, questionei atitudes de alguns membros da Igreja. Por que matar em nome de Deus? O sexto mandamento no era para todos e em todas as situaes? A explicao que recebi que estavam evitando que almas fossem para o Inferno, forando suas converses, no entanto, isso no me convenceu. Tambm vi que muitos dos torturados e mortos nem eram hereges. Estava muito confuso quando conheci voc, que me curou de uma dor de estmago, nos tomamos amigos. Resolvi, depois de muito meditar, enfrentar meus superiores, pelo menos alert-los de que agiam de modo errneo e no fui compreendido. Com os mtodos deles, quiseram me fazer voltar razo, fui preso e maltratado. A dor fsica no foi maior que a moral, a de estar sendo torturado pelos que podiam e deveriam suavizar dores. Resolvi seguir meus princpios de ser um bom sacerdote, ento resisti e morri em paz. E aqui, do outro lado, na espiritualidade, vi que estava certo. A Inquisio foi, um equvoco dos homens. Pedi para trabalhar ajudando os envolvidos nesse grande equvoco, obtive permisso, e aqui estou, tentando auxiliar as vtimas e carrascos. Ento, se voc no fez nada de errado nessa existncia, recebeu as dores da tortura e a morte indigna por reao a atos maldosos do passado? - perguntou Ferno com ironia. Poderia ser assim - respondeu Frei Damio tranqilamente mas no foi. Sofremos de fato por reaes imprudentes. Tudo o que fazemos, atos bons ou no, nos pertence e um dia o retomo vem. Maldade negativo que traz o negativo da dor. Porm, sofre-se tambm por outros motivos. Sofremos ao ver um ser amado sofrer. Padece-se por lutar por um ideal. J entendi, o senhor sofreu por no compactuar com os errados! - Ferno falou sorrindo. Foi mais ou menos isso. Optei por ser um bom sacerdote e para conseguir isso, sofri e cresci muito com essa experincia. Meu sofrimento foi uma lio preciosa. Afirmo com toda a certeza que, se no tivesse defendido meu ideal, compactuando com atitudes contrrias, sofreria muito mais. No tinha nessa minha ltima encarnao dbitos a serem pagos, ou seja, reaes negativas. Sofri, sim, a tortura me causou dores alucinantes, mas foi somente no corpo fsico. A crueldade que recebi no me tomou mau, no fez mal ao meu esprito. isso que quero que entenda. complicado! - exclamou Ferno, agora srio. - No consigo entender por que no quer desmascarar os sacerdotes. Voc confunde os sacerdotes com a Igreja. Ser cristo no fazer atos puramente externos. Existem muitos sacerdotes bons mas voc v somente os que esto temporariamente usufruindo do poder religioso. Por que eles sobressaem mais! - Ferno quis saber. Na Terra, o mal ainda tem esse poder - respondeu Frei Damio. - Aparece mais que o bem. A maldade escandaliza e ns ainda gostamos dos escndalos. Voc sabe que muitos padres e freiras foram torturados e mortos? E a maioria era de boas pessoas.Os dois ficaram quietos por instantes e Ferno perguntou curioso:- Por que o senhor me visita? Por que est tentando me ajudar sem que eu lhe pea ajuda? Agora que me contou o que lhe aconteceu, admiro-o mais, porm no entendo como pode perdoar e continuar amando, a ponto de auxiliar. Tento somente seguir os ensinamentos de Jesus. De fato, estou sempre com voc, mas tenho estado com muitos outros. Tento fazer alguns perdoar, outros, pedir perdo e motivar muitos a ser bons religiosos. Tarefa difcil! - exclamou Ferno. certo que escutamos a quem queremos, afinamo-nos com as idias que nos convm. A Igreja tem um poder que exerce atrao em muitas pessoas. Por que, Ferno, voc no consegue ver as atitudes boas? Por que esse negativismo para ver somente atos errados? Agindo assim, voc tambm um plo negativo. Somente a luz ilumina. Uma treva a mais no meio de outras, tudo continua escuro. Experimente acender uma luz nas trevas para ver o que acontece. Existe mais algum motivo para o senhor me visitar? - perguntou Ferno. - O senhor a nica pessoa que se interessa por mim. Meus filhos no se interessaram em saber de mim, meus pais esto reencarnados. Por que me pergunta isso? - Frei Damio quis saber. Porque, como j vi e comprovei, a reencarnao existe e, quando nos vimos, tornamo-nos amigos; tive a sensao de que foi um reencontro. No gosto quando o senhor me atrapalha nem quando tenta me converter, porm gosto do senhor. Ser que esse carinho foi por alguma ligao de nosso passado? Em nossa encarnao anterior, estivemos juntos - respondeu Frei Damio. - Morvamos na Espanha, na zona rural, num local isolado. Fui o seu pai. ramos felizes, e muito catlicos; eu orava sempre, reunia a famlia e orvamos. Quando havia missa na cidadezinha prxima, fazia questo de ir. Acalentei o sonho de ser sacerdote, no fui porque no tive condies. ramos pobres e meu pai fez com que me casasse muito jovem. Senti-me frustrado por no ter sido um padre. Fui genitor de dez filhos e voc foi um deles, era inteligente e desde pequeno queria ser mdico; tambm no foi, mas sim lavrador como eu. Desencarnamos, tivemos o merecimento de ser socorridos e retornar pela reencarnao ao plano fsico, tendo possibilidades de concretizar nossos sonhos. Fui um sacerdote e voc, mdico. No passado tivemos uma boa relao como pai e filho e, ao nos reencontrarmos, nos tomamos amigos. Eu continuo amando-o como pai. uma histria! - Ferno exclamou suspirando. S que verdadeira! - afirmou o amigo sacerdote. Aquietaram-se por momentos e Frei Damio perguntou: Por que est preocupado? No sabe? Est perdendo o controle da situao, no ? A chantagem algo perigoso. Agora sou eu que no entendo voc, Ferno! Por que est angustiado? No deveria se importar com o grupo nem com Jean Marie, a Isabel do seu passado. Por que deveria se preocupar com eles? No me preocupo com eles, mas com a nossa causa - respondeu Ferno. Ser mesmo? Conte-me o que o preocupa de fato. Faz tempo que eles chantageiam. Surgiu algo novo nessas extorses? Quando comearam a chantagear, achei a idia boa - respondeu Ferno. - Como Jacques diz: eles no chantageiam pessoas honestas. Arruinados, eles no teriam como espalhar o atesmo e combater os abusos do clero. Mas agora eles esto planejando extorquir o Conde das Trevas, assim que os desencarnados chamam o conde Luigi. Tentei ir casa desse conde, mas no consegui nem entrar no porto da propriedade, espritos trevosos o protegem. Esse homem - falou Frei Damio - bem merece o ttulo de Conde das Trevas. No o conheo, mas ouvi comentrios na Colnia onde moro; que ele chefe de uma organizao em que encarnados e desencarnados se unem para adorar o materialismo, que eles dizem ser o demnio. Todos os componentes desse grupo, vestidos do corpo fsico ou no, so espritos adversrios do bem. E seres assim so cruis, a maioria sdica, e no tm nenhum escrpulo. Mas no so hipcritas! - manifestou Ferno. - Seguem o mal e no escondem esse fato. Agem na maldade em nome do diabo. Contenha sua mgoa, meu filho - pediu Frei Damio. -Mal mal, no importam as desculpas que dem ao comet-lo. Mas nisso voc tem razo, eles so maus e se envaidecem desse fato. Muito pior so aqueles que fazem crueldade em nome de Deus! - Ferno exclamou com raiva. Por que no pede a Jean Marie para no chantagear o conde? - falou o frei mudando de assunto. J fiz isso, ele somente adiou a ao para planej-la melhor. Cirano teve uns encontros amorosos com um dos membros da seita e, atento, sem que ningum percebesse, escutou conversas e ficou sabendo onde se reuniam e um pouco do que faziam. Embora no existam provas, esses dados deixaro, com certeza, o conde furioso. Tenho medo de que ao ser chantageado no fique passivo como os outros. Jean Marie no me atende, no est aceitando meu conselho desta vez. Ele tem o seu livre-arbtrio - falou Frei Damio. - Se o atende nas suas idias atestas por afinidade, todos do grupo as aceitam porque lhes convm. Por ter sofrido quando desencarnado, Jean Marie reencarnou sentindo ainda muita mgoa da Igreja, em que tanto confiou e qual pensou ter servido com lealdade. Ele agora no lembra do passado, de suas outras existncias, mas o sentimento de revolta o acompanhou e isso o fez ser ateu. Concordo com voc, esse esprito genioso, de vontade firme e faz somente o que quer. O senhor poderia me aconselhar... - pediu Ferno. Venha comigo, deixe-os e... Esses conselhos no! Por favor! Voc age igual a Jean Marie e no pode se queixar dele - falou o antigo sacerdote. - Quer somente receber conselhos que lhe sejam favorveis. Quer escutar de mim o qu? Como fao para impedi-los de chantagear o Conde das Trevas? Tente influenci-los, se esforce para que Jean Marie desista de todas as chantagens. O senhor me ajudaria? - perguntou Ferno. Como? Eles me repelem, se escutarem algum, ser voc. Eles no me atendem, o nico que consigo influenciar jean Marie. Pensava que ele era um boneco, que estivesse nas minhas mos, mas vejo que no. O senhor tem razo, ele me ouve quando lhe convm. Frei, tenho pensado que todos aqui na Toca, inclusive eu, temos motivos para sermos ateus. Como gostaria de ter a certeza de que Deus existe! Quem Deus para o senhor?O sacerdote tranqilamente respondeu, explicando com serenidade: Deus a inteligncia suprema, causa primria de todas as coisas.2 Deus,

2. A resposta inicial que Frei Damio deu a Ferno est contida em O Livro dos Espritos, de Allan Kardec, que foi escrito muitos anos depois. Os espritos, indagados pelo codificador da Doutrina Esprita, deram essa resposta. Estudiosos no plano espiritual detinham esse conhecimento fazia muito tempo. A questo a de nmero um, da Primeira Parte do Captulo Primeiro. A indagao : O que Deus? (Nota do Autor Espiritual)

meu filho, no uma pessoa, luz, tudo, est em todos os lugares e dentro de ns. Antes de voc procurar Deus exteriormente, deve procur-Lo dentro de voc, que O encontrar. Ningum pode achar o Criador externo sem encontr-Lo primeiro dentro de si. E depois que encontrarmos Deus em ns, O encontraremos em toda a parte, numa flor, numa rvore, no nosso prximo, at onde no parece existir. Deus est presente em ns, mas somos ns que s vezes no conseguimos senti-Lo. Em muitas pessoas, a impresso que tenho a de que Deus est dentro delas mas guardado em uma rocha, em outras numa caixa de madeira, ou em vidros; e em algumas em cristais translcidos. Por que isso no explicado a todos? Por que deixar mistrios que no se entendem? - Ferno quis saber. Est programado um grupo de espritos reencarnar para organizar um estudo que explicar com simplicidade e clareza o que foi complicado pelos homens.Seria bom entender tudo o que me deixa confuso! - exclamou Ferno. - Tenho a mesma dvida de Joana, ela diz que no aceita a histria de Ado e Eva. Afirma que ateia por isso. O senhor hoje est dispondo de seu temp