o ao de ao à e o são adeus súbito um pianista vivia ... · os bombeiros envia-dos ao local...

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Óbito. Aos 41 anos, morreu o pianista Bernardo Sassetti. O músico caiu de uma falésia no Guincho enquanto fotografava. O alerta foi dado na quinta-feira à tarde, pelas 15.00, por um habitante local que ligou para o 1 12 quando avistou um corpo junto às rochas de uma falé- sia, na praia do Abano, no Guincho, em Cascais. Os bombeiros envia- dos ao local necessitaram de três horas para recolher o corpo, devido ao estado do mar e por se tratar de uma escarpa com mais de 20 me- tros. O corpo foi entregue pelas autoridades ao Ministério Público (MP) e depois identificado. O MP instaurou um inquérito à morte do pianista. A data eo local do funeral ainda não são conhecidos, mas realizar-se-ão duas cerimónias fúnebres, uma privada e outra pública O adeus súbito de um pianista que vivia a música com entusiasmo JOÃO MOÇO "Quando me entusiasmo nin- guém me pára." três anos, era Bernardo Sassetti que afirmava es- tas palavras numa entrevista ao DN. E, na verdade, se algo caracte- rizava o percurso do pianista e compositor, era o seu permanen- te entusiasmo. Da música partia para a fotografia, da qual era um apaixonado, para o cinema, o tea- tro, a literatura e até o bailado. Não se restringiu às fronteiras do jazz, que era sua formação, e dividiu es- túdio e palcos com artistas como Carlos do Carmo, Sérgio Godinho ouDaWeasel. Ontem chegou uma notícia triste. O Ministério Público (MP) instaurou um inquérito à morte do músico, cujo corpo foi encontrado na quinta-feira, sem vida, na praia do Abano, no Guin- cho. Sassetti terá caído de uma fa- lésia enquanto fotografava. Bisneto de Sidónio Pais, presi- dente da I República, e sobrinho- -neto do compositor Luís de Frei- tas Branco, o pianista nasceu em Lisboa a 24 de junho de 1970 e era casado com a atriz Beatriz Batar- da, com quem teve duas filhas. Co- laborava permanentemente com outros artistas, inclusivamente com a mulher, com quem mante- ve um projeto em que a Menina do Mar, de Sophia Mello Breyner, se cruzava com o seu piano. Apesar de se ter celebrizado no jazz, a sua formação começou na música clássica, e aos nove teve como professores de piano Maria Fernanda Costa e António Mene- res Barbosa. Cedo despertou tam- bém em si um interesse pelo cine-

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Page 1: o ao de ao à e o são adeus súbito um pianista vivia ... · Os bombeiros envia-dos ao local necessitaram de três horas para recolher o corpo, devido ao estado do mar e por se tratar

Óbito. Aos 41 anos, morreu o pianista Bernardo Sassetti. O músicocaiu de uma falésia no Guincho enquanto fotografava. O alerta foidado na quinta-feira à tarde, pelas 15.00, por um habitante local queligou para o 1 12 quando avistou um corpo junto às rochas de uma falé-sia, na praia do Abano, no Guincho, em Cascais. Os bombeiros envia-dos ao local necessitaram de três horas para recolher o corpo, devidoao estado do mar e por se tratar de uma escarpa com mais de 20 me-tros. O corpo foi entregue pelas autoridades ao Ministério Público(MP) e depois identificado. O MP já instaurou um inquérito à mortedo pianista. A data e o local do funeral ainda não são conhecidos, masrealizar-se-ão duas cerimónias fúnebres, uma privada e outra pública

O adeus súbitode um pianistaque vivia a músicacom entusiasmo

JOÃO MOÇO

"Quando me entusiasmo nin-guém me pára." Há três anos, eraBernardo Sassetti que afirmava es-tas palavras numa entrevista aoDN. E, na verdade, se algo caracte-rizava o percurso do pianista e

compositor, era o seu permanen-te entusiasmo. Da música partiapara a fotografia, da qual era umapaixonado, para o cinema, o tea-tro, a literatura e até o bailado. Nãose restringiu às fronteiras do jazz,que era sua formação, e dividiu es-túdio e palcos com artistas como

Carlos do Carmo, Sérgio GodinhoouDaWeasel. Ontem chegou umanotícia triste. O Ministério Público(MP) instaurou um inquérito à

morte do músico, cujo corpo foiencontrado na quinta-feira, semvida, na praia do Abano, no Guin-cho. Sassetti terá caído de uma fa-lésia enquanto fotografava.

Bisneto de Sidónio Pais, presi-dente da I República, e sobrinho--neto do compositor Luís de Frei-tas Branco, o pianista nasceu emLisboa a 24 de junho de 1970 e eracasado com a atriz Beatriz Batar-

da, com quem teve duas filhas. Co-laborava permanentemente comoutros artistas, inclusivamentecom a mulher, com quem mante-ve um projeto em que a Menina doMar, de Sophia Mello Breyner, se

cruzava com o seu piano.Apesar de se ter celebrizado no

jazz, a sua formação começou namúsica clássica, e aos nove tevecomo professores de piano MariaFernanda Costa e António Mene-res Barbosa. Cedo despertou tam-bém em si um interesse pelo cine-

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ma, tendo mesmo sido um dosmúsicos mais ativos a compor pa-ra a Sétima Arte portuguesa.

Aliás, foi num ciclo dedicado aAlfred Hitchcok promovido pelaCinemateca Portuguesa que, naaltura com apenas 12 anos, a suarelação com o cinema nasceu: "Foinesse ciclo que comecei a aperce-ber-me da importância da músicano cinema", disse o próprio Ber-nardo Sassetti ao DN na altura emque lançava a banda sonora deUm Amor de Perdição, filme deMário Barroso.

Aos 17 anos inicia-se no jazz, to-cando no quarteto de Carlos Mar-tins (com quem colaborou commuita regularidade) e no MoreirasJazztet. Depois de ter lançado emnome próprio os álbuns Salsetti(1994) e Mundos (1996), mudou--se para Londres, onde gravou umdisco com o trompetista GuyBarker que chamou a atenção dorealizador Anthony Minghella,que o convidou para participar nofilme O Talentoso Mr. Ripley.

Em 2002, de volta a Portugal,Bernardo Sassetti inicia uma novafase na sua carreira com o álbum

Nocturno, gravado já com o seutrio (Alexandre Frazão na bateria e

Carlos Barretto no contrabaixo) e

que foi distinguido com o primei-ro Prémio Carlos Paredes. Segui-ram-se outros discos, como índigo(2004), Ascent (2005) ou Alice(2005) . Esta foi a sua primeira ban-da sonora editada em disco. Atéessa altura, já tinha composto mú-sica para outros filmes, como Qua-resma, de José Álvaro Morais, OMi-lagre Segundo Salomé, de MárioBarroso, ou A Costa dos Murmú-rios, de Margarida Cardoso.

Dos vários artistas com quemtrabalhou, Mário Laginha foiaquele com quem manteve umaparceria mais regular. Ambos par-ticiparam no projeto 3 Pianos

(juntamente com Pedro Burmes-ter) , que ainda no final do ano pas-sado os levou a São Paulo, no Bra-sil. Com Laginha lançou ainda umálbum conjunto em 2003, sem es-

quecer a homenagem a José Afon-so com Grândolas (2004), além do

espetáculo Trago Fado nos Senti-dos, um tributo a Amália Rodri-gues, que passou pela Casa da Mú-sica e pela Aula Magna.

Aliás, o fado era uma das suasoutras paixões. Em 2008 partici-pou no concerto Vadios, de Ca-mané, no CCB, e em 2010 gravouum disco em parceria com Carlosdo Carmo, um sucesso de vendase que valeu aos dois artistas umadistinção da Sociedade Portugue-sa de Autores para a canção Retra-to, da sua autoria.

O seu fascínio pela imagem te-ve reflexo na sua discografia atra-vés de Unreal: Sidewalk Cartoon(2006) e Motion (2011), que o mo-tivou mesmo a realizar curtas-me-tragens recorrendo à fotografia. Omúsico ia editar um livro de foto-grafia e estava a preparar um filme.

Ainda em 2011, Bernardo Sas-setti percorreu o País com a Com-panhia Nacional de Bailado a pro-pósito do espetáculo Uma Coisaem forma de assim.

Apesar de ainda não ter sidoanunciada a data e o local do fune-ral, sabe-se que realizar-se-ãoduas cerimónias fúnebres, umapública e outra privada. Quanto ao

inquérito do MP, é um procedi-mento habitual nestas situações.

DISCOGRAFIA SELECIONADA

Poucos são capazesde ser tão marcantesmúsica Falava-se (e justamente)de Bernardo Sassetti como umnome do jazz. Mas mais do queum dos melhores músicos do jazzfeito em Portugal, era mesmo umdos melhores músicos que o nos-so tempo conheceu. Não apenaspela forma como dialogava com o

piano, mas sobretudo pelo modocomo, não acreditando na (velha)

noção de que havia fronteiras en-tre géneros na música, a sua obraalcançava outra visão e ia mais

longe. Bem mais longe. Tem notá-vel discografia em terreno jazzísti-co. Mas foi sua alguma da melhormúsica que o cinema portuguêsconheceu nos últimos anos {Aliceé uma obra-prima). E basta escu-tar colaborações em disco comCarlos do Carmo ou Sérgio Godi-nho (no melhor tema do seu últi-mo disco) para reconhecer aquiuma "voz" que soube, como pou-cas, ser marcante no nosso tempo.NUNO GALOPEM

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ftft, ~¦ ¦ReaçoesEra um ser completo, frágil.Quase de outro planeta quevinha à Terra inspirar-nos.Um grande amigo e umartista inesquecível.Tudo no Bernardo mereceser recordado"

CARLOS MARTINSMÚSICO

"Encaro esta morte comperda, com estupefação.O Bernardo Sassetti eraum enorme amigo e um

músico maravilhoso.É uma coisa estúpidade todo"

MÁRIO LAGINHAMÚSICO

"Na minha opinião, o maiorcompositor de música con-temporânea portuguesa eum ser humano verdadeira-mente extraordinário com

quem se podia partilharmuitas aventuras"

MARCO MARTINSCINEASTA

"A solo ou acompanhado,sobressaía sempre o seu vir-tuosismo, quer interpretasse

composições suas ou deoutros, nas suas inúmeras

atuações em Portugale no mundo"

CAVACO SILVAPRESIDENTE DA REPÚBLICA

"Um músico superior, abso-lutamente. Tínhamos umagrande admiração mútua.Era uma pessoa que, em ter-mos humanos, era absoluta-mente cativante. É tão triste

que uma pessoa com aquelaenergia de viver morra"

SÉRGIO GODINHOMÚSICO

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MEMÓRIA

A minhaprimeiraentrevista

JOÃO

MOÇO

Jornalista

I ra eu um adolescente— em pleno Alentejo quan-

I do surge a oportunidadede entrevistar Bernardo Sas-setti e Mário Laginha parauma rádio local de Odemira.Celebrava-se o 25 de Abril.O nervosismo era criado pelopeso da responsabilidade.Afinal, aquela ia ser a minhaprimeira entrevista. Nemimaginava que faria mais.Até mesmo com ele. Mas umahora de conversa mais tarde

os nervos desapareceramcompletamente. O BernardoSassetti tinha essa capacida-de de falar com um miúdo de17 anos com a mesma atitudesincera que voltei a sentiranos mais tarde quando játrabalhava no DN. Desde esse25 de abril de 2006, as conver-sas repetiram-se. E eu sempreadmirado com o seu entu-siasmo em todos os projetosem que se envolvia. O Bernar-do deixou uma obra inigualá-vel e hoje guardo em casa um

"pedaço" um pouco mais úni-co do que os outros todos. Nu-ma das nossas conversas, pas-sou-me para as mãos um CDcom a música do filme ComoDesenhar Um Círculo Perfei-to. Pouco depois, estava eu à

porta da sua casa, chama-meà janela e passa-me uma có-

pia do que seria o artworkàeum disco que nunca foi edita-do. Precisamos de toda a mú-sica que nos deixou. E hoje só

consigo dizer: "Obrigado,Bernardo."

de dois álbuns

em nome pró-

prio nos anos

90 (Sassetti,de 1994, e

Mundos, de

1996),

> 2002 Depois

'NOCTURNO'

Bernardo Sassetti regressou aosdiscos com Nocturno, gravado com

o seu trio, formado ainda porAlexandre Frazão e CarlosBarretto. 0 disco valeu-lhe o

Prémio CarLos Paredes e é, até

hoje, a edição da Clean Feed commaiores vendas.

'MÁRIO LAGINHA &BERNARDOSASSETTT>2003Trabalhou ati-vamente como pianistaMário

Laginha,sendo que este foi o primeiro áLbum

que Lançaram a quatro mãos. Alémde composições da autoria de cada

um dos músicos, o disco contémainda um tema e BiLly Atrayom. Um

ano depois gravaram juntos o disco

Grândolas, uma homenagem a

José Afonso.

'ASCENT'>2005Trabalho em

que as verten-tes jazzísticaecLássica se

unem. Além

doseutrio.no|

disco colabo-

raram ainda Ajda Zupancic (vioLon-

ceLo) e Jean François Lezé (vibrafo-

ne). Alguns dos temas integradosem Ascent foram compostos origi-nalmente para a banda sonora do

filme A Costa dos Murmúrios

(2004), realizado por MargaridaCardoso e com Beatriz Batarda.

'ALICE'> 2005 Banda

sonora da

longa-metra-gem reaLizada

por Marco

Martins, é até

hoje um dos

seus álbuns "^mais aplaudidos. No disco, o pianis-ta contou com as participações de

Rui Rosa (clarinete) e Yuri Daniel

(contrabaixo). Esta foi a primeirabanda sonora da sua autoria edita-da em CD. Seguiram-se Um Amorde Perdição, Second Life e da peçade teatro Dúvida-1964.

'CARLOS DO CARMO /BERNARDOSASSETTT> 2010 Disco

gravado comCarLosdo

Carmo, alémde versões de

temas de

José Afonso, Jacques Brel,Fausto ou Sérgio Godinho, o álbumcontém ainda a canção Retrato,um original da autoria de BernardoSassetti com poema de Mário

Cláudio. O tema foi distinguido com

prémio de Melhor Canção na galada SPA.

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