o anarquismo enquanto um programa progressivo de pesquisa em economia política

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O anarquismo enquanto um programa progressivo de pesquisa em economia política  por Peter J. Boettke  A teoria econômica, desde seu primeiro tratamento sistêmic o em  Uma Investigação sobre a  Natureza e as Causas da Riqueza das Nações  de Adam Smith, tem claramente enfatizado  os benefícios mútuos do comércio voluntário. Ao se especializar na produção e oferecer os  bens e serviços para troca com outros, tanto os indivíduos quanto a sociedade ficarão em  melhor situação. A fonte da riqueza não são os recursos naturais que jazem na terra ou as  conquistas de terras estrangeiras, mas uma expansiva divisão do trabalho guiada pela troca  voluntária. Smi th havia estab ele cido uma presunção em rel ão ao volun tar ism o na  inte raçã o humana em bases cons eque ncia list as. A liberdade individual não era ape nas  correta de uma perspectiva moral, mas produziria maiores benefícios sociais também. No  entanto, desde o pri ncí pio da economia se arg umentou qu e estes ben efí cio s da troca  voluntária só poderiam ser realizados se a presunção em relação ao voluntarismo fosse  suspensa a fim de cri ar as instit uiç ões gov ernamentai s neces rias para for necer o  framework dentro do qual a troca voluntária pode ser realizada. 1 Precisamente qu ant o a presunção em relaçã o ao voluntarismo precis ar ia ser  suspensa a fim de fornecer o framework para a troca voluntária tem sido uma das questões  mais contestadas na economia desde o final do século XIX. A teoria dos bens públicos, do  mo nop ólio e das fal has de merca do tod as con tri buíram pa ra exp andir a aceita ção da  coerção e para qualifica r a presunção em  relação ao voluntarismo entre os economistas do  mainstream. É impor tan te lembrar qu e ca da um desses arg umento s par a qua lif icar a  presunção suscitou contra-arg umentos por parte de economistas que demonstraram que os  chama dos bens públicos po dem , na ver dade, ser for ne cid os de for ma pri va da, que o  monopólio não é uma consequência natural da tro ca vol untária, mas o resul tad o da  intervenção governamental e que as falha de mercado são, elas mesmas, na raiz, causadas  pelas falhas legais e não a consequência da troca irrestrita. Embora a linha dominante de  pe squ isa tenha pr essionado con tra a pre sun ção de volun tar ism o, uma ou tra linha de  pesq uisa sugere que a pres unçã o deveria ser defendida mais consistente ment e se se  quiser atingir uma ordem social pacífica e próspera. É esta linha alternativa de pesquisa que eu quero enfatizar em meus comentários  aqui. Como explicarei, minha ênfase será no que eu chamarei de 'anarquismo analítico  1 Con for me Adam Smi th esc rev eu em   A Riqueza das Nações: "O comércio e as manufaturas  raramente podem florescer por muito tempo em um estado que não goze de uma administração regular  da justiça... no qual a fidelidade nos contratos não seja garantida pela lei e no qual não se possa supor que a autoridade do Estado seja regularmente empregada para urgir o pagamento das dívidas por parte  de todos aqueles que têm condições de pagar. Em suma, o comércio e as manufaturas raramente  podem florescer em qualquer país em que não haja um certo grau de confiança na justiça do Governo."  (1776:445) 1

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O anarquismo enquanto um programa

progressivo de pesquisa em economia

política por Peter J. Boettke

A teoria econômica, desde seu primeiro tratamento sistêmico em

Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações de Adam Smith, tem claramente enfatizado

os benefícios mútuos do comércio voluntário. Ao se especializar na produção e oferecer os bens e serviços para troca com outros, tanto os indivíduos quanto a sociedade ficarão em melhor situação. A fonte da riqueza não são os recursos naturais que jazem na terra ou as

conquistas de terras estrangeiras, mas uma expansiva divisão do trabalho guiada pela troca voluntária. Smith havia estabelecido uma presunção em relação ao voluntarismo na interação humana em bases consequencialistas. A liberdade individual não era apenas correta de uma perspectiva moral, mas produziria maiores benefícios sociais também. No entanto, desde o princípio da economia se argumentou que estes benefícios da troca voluntária só poderiam ser realizados se a presunção em relação ao voluntarismo fosse suspensa a fim de criar as instituições governamentais necessárias para fornecer o framework dentro do qual a troca voluntária pode ser realizada.

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Precisamente quanto a presunção em relação ao voluntarismo precisaria ser suspensa a fim de fornecer o framework para a troca voluntária tem sido uma das questões

mais contestadas na economia desde o final do século XIX. A teoria dos bens públicos, do monopólio e das falhas de mercado todas contribuíram para expandir a aceitação da coerção e para qualificar a presunção em relação ao voluntarismo entre os economistas do mainstream. É importante lembrar que cada um desses argumentos para qualificar a presunção suscitou contra-argumentos por parte de economistas que demonstraram que os chamados bens públicos podem, na verdade, ser fornecidos de forma privada, que o monopólio não é uma consequência natural da troca voluntária, mas o resultado da intervenção governamental e que as falha de mercado são, elas mesmas, na raiz, causadas pelas falhas legais e não a consequência da troca irrestrita. Embora a linha dominante de pesquisa tenha pressionado contra a presunção de voluntarismo, uma outra linha de pesquisa sugere que a presunção deveria ser defendida mais consistentemente se se quiser atingir uma ordem social pacífica e próspera.

É esta linha alternativa de pesquisa que eu quero enfatizar em meus comentários aqui. Como explicarei, minha ênfase será no que eu chamarei de 'anarquismo analítico

1 Conforme Adam Smith escreveu em A Riqueza das Nações: "O comércio e as manufaturas raramente podem florescer por muito tempo em um estado que não goze de uma administração regular da justiça... no qual a fidelidade nos contratos não seja garantida pela lei e no qual não se possa supor que a autoridade do Estado seja regularmente empregada para urgir o pagamento das dívidas por parte

de todos aqueles que têm condições de pagar. Em suma, o comércio e as manufaturas raramente podem florescer em qualquer país em que não haja um certo grau de confiança na justiça do Governo." (1776:445)

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positivo' e no potencial evolutivo destas ideias enquanto um programa progressivo de pesquisa em economia política no cenário contemporâneo da ciência social.

O ANARQUISMO ENQUANTO UMA IDEIA HISTÓRICA NA ECONOMIA POLÍTICA

A ideia de que a presunção voluntária deveria ser mantida de uma maneira consistente e firme não esteve ausente da economia política. Foi, no entanto, consistentemente argumentado pelo mainstream do pensamento político e econômico como sendo uma ideia impraticável. Em

Leviatã, Thomas Hobbes argumentou que a ordem social na ausência de um governo efetivo recairia em uma guerra de todos contra todos e a vida seria desagradável, brutal e curta. John Locke não foi tão pessimista em seus julgamentos da sociedade sem um estado, mas ele argumentou que tal estado natural não seria tão efetivamente organizado quanto uma sociedade governada de forma justa. Como já vimos,

Adam Smith argumentou que o comércio e a manufatura não poderiam florescer fora de um estado de governo justo e, ao passo que David Hume tenha argumentado que deveríamos modelar todos os políticos como se fossem patifes, ele ainda insistiu que um governo efetivo era necessário para realizar o sistema de 'propriedade, contrato e consentimento'.

Em histórias do pensamento político e econômico, frequentemente passamos pelos escritores anarquistas rápido demais. Existem, no entanto, algumas boas razões para isso. Escritores anarquistas sempre foram figuras minoritárias e escritores anarquistas frequentemente ficaram de lirismos sobre mundos de pós-escassez e populados por espíritos humanos transformados. Mas nem todo pensador anarquista na história da economia política deveria ser tão facilmente repudiado. A discussão do anarquismo histórico pode ser dividida em três principais categorias:

1. Utópico - seguindo a tradição do

Inquérito acerca da justiça política (1793) de William Godwin.

2. Revolucionário - seguindo a tradição de Mikhail Bakunin e da Primeira Internacional, 1864-76.

3. Analítico - na tradição de Por uma nova liberdade (1973) de Murray Rothbard e As Engrenagens da Liberdade (1973) de David Friedman.

Para meus presentes propósitos eu limitarei minha discussão ao anarquismo analítico. As 2

razões para isto são claras. Por mais historicamente importante que seja o anarquismo utópico e revolucionário, ambas as tradições são decididamente desprovidas de conteúdo econômico, ao passo que o anarquismo analítico está fundamentado no raciocínio econômico.

Thomas Carlyle descreveu o

laissez faire como 'anarquismo com um guarda'. Rothbard e Friedman foram os primeiros economistas modernos a se perguntarem se os

2 Rothbard e Friedman não emergiram do nada e existem diversos precursores de suas posições na

história do liberalismo clássico e do movimento anarquista individualista do final do século XIX. Um excelente recurso para aqueles interessados em estudar a rica história do anarquismo é provido por Bryan Caplan e pode ser encontrado em http://econfaculty.gmu.edu/bcaplan/anarfaq.htm

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serviços do guarda precisavam vir de um fornecedor monopolista. Ao contrário de autores anarquistas anteriores, Rothbard and Friedman evitaram cair em suposições sobre pós-escassez ou sobre a transformação benevolente do espírito humano. Em vez disso,

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em um mundo de escassez, populado por atores autointeressados, Rothbard e Friedman argumentaram que não apenas a ordem social poderia ser alcançada em um mundo sem

um guarda fornecido pelo governo, mas, de fato, a paz e a prosperidade seriam atingidas também.

O desafio que Rothbard e Friedman representaram para o mainstream da filosofia política e da economia pública não atraiu a atenção que merecia, mas foi reconhecido por duas grandes figuras - Robert Nozick na filosofia política e James Buchanan na economia pública. Nozick (1974) argumentou, usando o estilo de raciocínio da mão invisível que está

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intimamente associado à disciplina da economia, que, se se começa em um mundo de anarquismo, pode-se derivar um estado mínimo sem violar os direitos dos indivíduos devido ao caráter de monopólio natural da lei e da ordem. Nozick, em um sentido fundamental, remontou ao argumento de Locke e argumentou que a sociedade civil era possível ausente o estado, mas que certos bens e serviços exigidos para uma ordem social mais próspera só poderiam ser fornecidos por um fornecedor monopolista. Buchanan (1975), por outro lado,

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fiou-se na teoria do contrato social para escapar do estado de natureza anarquista e, ao fazê-lo, explicitamente remontou ao argumento de Hobbes de que, ausente um soberano, a ordem social seria deficiente, na melhor das hipóteses.

A discussão do anarquismo analítico na literatura acadêmica deixou de existir após Nozick e Buchanan. O argumento de Nozick sobre a inevitabilidade lógica de um estado

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mínimo através de um processo de mão invisível foi tomado como prova da falha do argumento de Rothbard e Friedman em relação ao anarco-capitalismo. A discussão acadêmica na filosofia política passou da justificação de um estado mínimo para se os

3 As diferenças entre Rothbard e Friedman são significantes, mas não cruciais para minha discussão aqui. Rothbard se apoiava no raciocínio econômico para explicar a operação da livre sociedade, mas ele extraía a justificativa normativa da teoria de direitos naturais. Friedman, por outro lado, não recorria a um raciocínio embasado em direitos, mas, em vez disso, apresenta seu trabalho como uma defesa utilitarista do anarquismo. O que eu estou focando é no raciocínio econômico por trás de cada pensador, não no impulso normativo de seus escritos. 4 O momento destas obras é significante, assim como é o fato de que elas emergiram nos EUA em vez de no Reino Unido ou em outro lugar. O surgimento do estado de bem-estar/guerra nos EUA no final dos anos 1960 e começo dos 1970 forneceu o pano de fundo histórico. Nas mãos de Rothbard e Friedman, o anarquismo era uma alternativa viável ao estatismo da era da Guerra do Vietnã. Buchanan

e Nozick buscaram prover um argumento para a necessidade do estado, mas um que pudesse ser efetivamente restringido para minimizar a coerção introduzida na ordem social pelo estado. 5 Nos termos da literatura moderna da economia pública, Nozick argumentou que a lei e a ordem representavam uma externalidade de rede. Tyler Cowen (1992) e Cowen e Dan Sutter (1999) usam esse argumento da externalidade de rede para sugerir que o anarquismo só poderia funcionar se imitasse o estado enquanto um fornecedor monopolista natural de lei e ordem e, portanto, deixasse de ser 'anarquia'. Cowen, e Cowen e Sutter fornecem uma nova reviravolta na teoria da mão invisível de Nozick da emergência do estado que desafia as conclusões libertárias radicais de Rothbard e Friedman. No entanto, Caplan e Stringham (2003) fornecem um contra-argumento a Cowen e Cowen e Sutter. 6 Um pequeno séquito libertário continuou a trabalhar no framework de Rothbard e Friedman, mas sua influência nas discussões profissionais foi limitada. Os argumentos de Nozick e Buchanan, por outro

lado, atraíram uma atenção considerável nas literaturas mainstream da filosofia, da política e da economia.

Anarchy, State and Utopia de Nozick de fato ganhou o National Book Award for Philosophy

and Religion de 1975 e Buchanan recebeu o Prêmio Nobel de Ciência Econômica de 1986.

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argumentos de Nozick contra a justiça distributiva funcionavam como um argumento contra as noções Rawlsianas dominantes de distribuição justa. A vasta maioria dos filósofos políticos ficaram do lado de Rawls nessa questão, mas mesmo para aqueles que ficaram do lado de Nozick, a questão continuava sendo se ele havia estabelecido limites apropriados sobre o estado redistributivo. A obra de Buchanan, da maneira em que se relaciona a esta

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discussão, teve seu maior impacto no esforço de fornecer um argumento analítico para a restrição do crescimento do governo. Buchanan distinguia entre o estado protetor, o estado produtivo e o estado redistributivo. O argumento contra Rothbard e Friedman feito por Buchanan tinha a intenção de estabelecer a necessidade do estado protetor (sistema de cortes e segurança doméstica e nacional) e a desejabilidade do estado produtivo (bens públicos tais como estradas e bibliotecas). Mas Buchanan alertou sobre a expansão do estado via rent-seeking através do estado redistributivo. O enigma na obra de Buchanan passou de escapar do anarquismo para efetivamente construir restrições de nível constitucional ao governo, de modo que o estado protetor e produtivo pudesse ser estabelecido sem desencadear as tendências destrutivas de rent-seeking do estado redistributivo. Como um estado mínimo pode ser mantido em cheque e não evoluir para um 8

estado máximo? O anarquismo representa um lado do dilema social, com o Leviatã representando o outro.

Pesquisadores no campo da economia política têm buscado fornecer uma resposta para o paradoxo do governo conforme colocado por Buchanan. A tentativa mais notável está provavelmente na obra de Barry Weingast (1995) sobre o que ele chama de 'federalismo preservador do mercado'. Weingast argumenta que o paradoxo da governança pode ser resolvido através de uma estrutura federalista em que a autoridade política está descentralizada, a regulamentação econômica está limitada ao nível local e a concorrência entre diferentes níveis de governo é garantida. Em tal estrutura política, um mercado comum, raciocina Weingast, é cultivado e a expansão dos mercados (e, com isso, a correspondente divisão do trabalho) provém. As instituições políticas de restrição constitucional e a organização do federalismo, em que a ambição política de alguns é

jogada contra a ambição de outros através do design estrutural, leva ao crescimento econômico e ao desenvolvimento das nações. Quando esta estrutura quebra e as ambições de alguns são realizadas às custas de outros (por exemplo, os fenômenos de

rent-seeking dos benefícios concentrados nos bem-organizados e bem-informados e dos custos dispersos sobre os desorganizados e mal informados) o crescimento econômico é

7 Não foram feitos trabalhos o suficiente, em minha opinião, para dar seguimento à última seção de Anarchy, State and Utopia. Contudo, vide Boettke (1993: 106-31), em que a discussão de Nozick sobre

comunidades descentralizadas é empregada para examinar a reestruturação das sociedades pós-comunistas. 8

Este volume é dedicado a abordar a efetividade do esforço de Buchanan e seus colegas em fornecer o exemplo para se sair do anarquismo, e os artigos podem ser divididos em dois campos. O primeiro campo contesta a proposição de que o estado anarquista seria tão indesejável quanto Buchanan e seus colegas descrevem. O segundo campo argumenta que o esforço por parte de Buchanan e seus colegas de escapar do anarquismo não é tão sólido quanto se concluiu na época em que estas obras primeiro apareceram. Eu estou enfatizando um caminho a frente ligeiramente diferente para a pesquisa sobre anarquia do que contestar tanto a descrição Hobbesiana quanto a efetividade do contrato constitucional, embora minhas simpatias intelectuais caibam nestas contestações. Eu discuti isso pela

primeira vez na minha época de estudante (Boettke, 1987), enquanto comentava sobre a contribuição de Buchanan para a economia política e para a economia Austríaca em celebração ao professor ter ganho o Prêmio Nobel.

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retardado. O trabalho de Weingast, embora faça um argumento convincente a favor da importância do federalismo fiscal e de uma estrutura constitucional de governo limitado como responsáveis pelo tremendo crescimento experimentado entre as democracias ocidentais, também sugere que esta estrutura organizacional é efêmera na melhor das hipóteses e quebrará em tempos de crise. O federalismo preservador do mercado quebra

conforme a autoridade delineada é violada e a regulamentação econômica se torna centralizada. Os laços que atam as mãos dos governantes são quebrados e os limites

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sobre o governo abrem caminho para um aumento tanto na escala quanto no escopo do governo. O poder estatal, em vez de restringido, agora é desatado.

Não há dúvida de que a estrutura governamental importa para a interação econômica. Uma estrutura estatal que alinha incentivos para minimizar a predação tem melhor desempenho economicamente do que uma que forneça incentivos para a predação por parte dos poderosos sobre os mais fracos. Mas também é o caso de que o governo, por sua própria natureza, é predatório e, assim, será usado por alguns para explorar os outros, quando quer e onde quer que o poder coercitivo do governo seja estabelecido. Em um sentido fundamental, o governo só pode ser restringido se as pessoas a quem o governo é estabelecido para governar possam se coordenar em torno de normas de governança que são auto-impositivas. Este é o poder por trás da ideia de que uma sociedade livre funciona

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melhor onde a necessidade de um policial é menor. Nenhuma amarra é forte o suficiente para atar as mãos de um governante, pelo menos não por qualquer duração de tempo. Um governo que é forte o suficiente para atar suas próprias mãos é, quase por definição, forte o suficiente para quebrar estas amarras a qualquer momento que seus governantes julgarem necessário. A busca por restrições constitucionais que atarão eternamente os governantes é em vão, embora possa ser um exemplo de uma nobre mentira.

A discussão em economia política constitucional é abstrata e normativa em intenção. O ideal de um governo limitado que cultiva uma economia de mercado é um referencial normativo contra o qual economias políticas do mundo real são julgadas. Este exercício normativo emergiu como relevante de forma prática na sequência do colapso do comunismo na Europa Central e Oriental e na antiga União Soviética no final da década de 1980 e começo da década de 1990. A fase inicial de transformação começou com o reconhecimento de que economias socialistas eram economias de escassez e, assim, os primeiros movimentos políticos tinham que estar focados em conseguir os preços certos. A liberdade de contrato tinha que se tornar a regra para as interações econômicas, de modo que os preços de mercado pudessem se ajustar para coordenar compradores e vendedores. Mas conseguir os preços certos se provou mais difícil do que simplesmente liberar o processo de comércio. Para que uma economia de mercado opere, as regras que fornecem segurança aos participantes do mercado devem ser instanciadas. A discussão da transformação passou para um foco de

conseguir as instituições certas. As instituições eram definidas como regras, tanto de facto quanto de jure, e sua aplicação. Mas, uma vez que as regras de jure são muito mais fáceis de identificar e manipular, o foco da literatura

9 Um dos ensaios mais sinceros que eu já li na literatura acadêmica foi escrito por Robert Higgs e é intitulado 'Can the Constitution Protect Property Rights During National Emergencies?'. 'A resposta', afirma Higgs, 'é não'. 'O registro histórico é bastante claro; e em relação a esta questão, não há

qualquer razão para supor que o futuro diferirá do passado.' (1988:369). 10 Esse aspecto de coordenação da governança constitucional é explorado em Liberalism, Constitutionalism and Democracy (1999).

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era principalmente nos setores oficiais tais como o sistema judicial ou o aparato regulatório. Isto foi infeliz porque, na prática, a aceitação das regras

de jure é restringida pelas normas e convenções de facto que governam a vida cotidiana em qualquer dada sociedade. A

dificuldade de fazer com que as instituições 'pegassem' nas sociedades em transformação se provou muito mais difícil do que meramente manipular as instituições formais de

governança. Para que as regras peguem, elas devem ser, em medida considerável, auto-impositivas. Assim, entramos no atual estágio da discussão da análise de transição, em que o foco é em conseguir a cultura certa. A discussão em torno de capital social, confiança e sociedade civil toda se relaciona à ideia de que você precisa de algum conjunto subjacente de valores compartilhados, que residem na moralidade cotidiana das pessoas, que legitimem certas estruturas e padrões institucionais de intercurso social e, em última análise, permitam que os ganhos da cooperação pacífica sejam realizados.

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Este rápido desvio pelos últimos 15 anos de economia política de transição demonstra que nos movemos do ideal normativo para descrição das condições subjacentes necessárias para realizar esse ideal. O mundo social não é tão maleável que possamos impor qualquer ordem social que desejemos onde quer e quando quer que queiramos. 12

Mas há um outro lado dessa evolução de interesses intelectuais. Precisamente porque nossa capacidade de impor exogenamente a estrutura institucional que governará efetivamente a sociedade se provou ser tão fraca, devemos abrir nossa análise para a evolução das regras de jogos de conflito para jogos de cooperação. Em vez de projetar configurações institucionais ideais que possamos impor exogenamente sobre o sistema e, assim, fornecer o ambiente institucional 'correto' dentro do qual o comércio e a manufatura possam florescer, temos que examinar a criação endógena de regras por parte dos próprios participantes sociais. A ciência e a arte da associação são de auto-governança e não necessariamente de artesanato constitucional. E aqui jaz a contribuição que a pesquisa contemporânea sobre o anarquismo pode fazer para a economia política moderna.

A ECONOMIA POLÍTICA POSITIVA DO ANARQUISMO O foco na criação endógena de regras em sociedades comerciais começou a receber atenção mais séria durante o final da década de 1980. Para nossos propósitos os estudos mais importantes foram conduzidos por Bruce Benson (1990) e Avner Greif (1989). Benson forneceu um exame da lei mercante e de como um corpo de leis que governavam as

transações comerciais de comerciantes em um cenário internacional havia se desenvolvido espontaneamente para fornecer segurança para a expansão do comércio. O desenvolvimento do comércio internacional e a expansão da divisão do trabalho não exigiram instituições governamentais, mas, em vez disso, se desenvolveram na base da

11 Uma outra literatura significativa que emergiu é a sobre a construção do estado e, em particular, a ideia da capacidade de governo de uma sociedade. Esta literatura está sumarizada em Fukuyama (2004). Esta literatura se encaixa na minha descrição entre conseguir as instituições certas e conseguir a cultura certa. É uma tentativa de esclarecer o que é exigido do aparato da administração pública em economias de transição e menos desenvolvidas para que alcancem o sucesso, ao passo que deixam a questão da moralidade subjacente de lado. No final da análise, contudo, se reconhece que a

moralidade subjacente das pessoas em exame é a restrição que, em última análise, determina o sucesso ou a falha do esforço de construção do estado. 12 Vide Boettke (2002:248-65)

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criação endógena de regras pelas partes comerciais, conforme elas buscavam minimizar os conflitos e realizar os ganhos da troca. O trabalho de Greif explicou como parceiros comerciais funcionavam na Europa medieval sem a santidade de contratos executados pelo governo. Greif fornece um relato histórico detalhado e usa as lentes analíticas da teoria dos

jogos moderna para analisar como mecanismos de reputação facilitam a cooperação entre

comerciantes fora da imposição estatal. O argumento de Benson é um em que o auto-interesse guia o desenvolvimento de um corpo de leis não estatais com o qual as partes concordam de maneira que possam realizar os ganhos da troca mesmo entre indivíduos socialmente distantes. Greif, por outro lado, mostra como mecanismos de reputação podem servir para garantir a cooperação entre comerciantes que estão socialmente próximos. O trabalho de Greif não é tão otimista quanto o de Benson quanto a capacidade do auto-interesse em gerar regras endógenas de intercurso social uma vez que nos movamos para além de cenários de pequenos grupos, em que mecanismos de reputação são efetivos.

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Benson e Greif são apenas dois exemplos proeminentes de uma literatura que parecia explodir sobre questões de auto-governança no final da década de 1980 e nos anos 1990. O estudo de Janet Landa sobre redes comerciais, o estudo de Lisa Bernstein sobre as regras extralegais que governam o comércio na indústria de diamantes e o exame de Robert Ellickson sobre a resolução de conflitos entre rancheiros e fazendeiros no Condado de Shasta, CA todos apontam para um reconhecimento crescente entre cientistas sociais de que a cooperação avançada sem comando pode de fato ocorrer e realmente ocorre em uma variedade de cenários sociais. A ordem social não é necessariamente um produto das instituições governamentais; em vez disso, a paz e a prosperidade podem emergir fora da estrutura da imposição estatal.

Poderia ser útil nos lembrarmos do enigma original com o qual começamos esse capítulo. A economia, desde sua fundação, demonstrou que a riqueza e a harmonia de interesses na sociedade são realizadas através de trocas voluntárias. No entanto, a principal linha de pensamento ficou presa em um dilema porque, a fim de realizar os ganhos da troca, noções de meu e seu tinham que ser estritamente definidas e aplicadas por agências estatais que exigiam o uso da coerção para assegurar os fundos necessários para fornecer estes serviços. A literatura que eu apontei acima demonstra que a linha principal

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de pensamento comete um erro de super-pessimismo com relação à capacidade das regras de boa conduta de emergirem naturalmente através do intercurso social.

Claro, podemos também cometer um erro de superotimismo e assumir que a ordem social emergirá na ausência de quaisquer regras que sejam. Mas não vivemos num mundo onde a maioria dos indivíduos são atomistas e desprovidos de sentimentos sociais e desejos de um pertencimento cooperativo. Em vez disso, somos criaturas sociais

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13 Contudo, vide Klein (1997), onde uma coleção de artigos transdisciplinar e em uma variedade de circunstâncias demonstra que a reputação e outros costumes sociais emergem para elicitar a boa conduta entre indivíduos mesmo na ausência de regras governamentais para proteger contra fraude ou roubo. 14 Contudo, vide The Limits of Government: An Essay on the Public Goods Argument (1991) de David Schmidtz, em que esta defesa padrão da coerção governamental com base em bens públicos é contestada. 15

O trabalho experimental na economia demonstrou repetidamente que conseguimos graus mais altos de cooperação entre comerciantes anônimos do que a racionalidade estrita, como assumida na teoria dos jogos, preveria. Vide Smith (2003) para uma visão geral deste trabalho. Claro, nosso sentido de

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descobrindo nosso caminho pelo mundo nos apoiando em redes familiares e, então, em redes mais extensas. Como Adam Smith colocou o enigma, o homem 'a todo momento necessita da ajuda e cooperação de grandes multidões, e sua vida inteira mal seria suficiente para conquistar a amizade de algumas pessoas' (1776:18). Esta cooperação entre atores anônimos fornece o mistério central na economia de sua encarnação clássica

até a contemporânea.16

Além do enigma teórico de como a cooperação entre estranhos pode emergir, há a questão prática de que, em muitos cenários diferentes, a suposição de uma dada estrutura institucional de governança funcional é simplesmente imprecisa. Para discutir estas

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questões eu focarei em três contribuidores a este volume, cujo trabalho sobre auto-governança toca diretamente nos temas que eu ressaltei como característicos do anarquismo enquanto um programa de pesquisa progressivo em economia política. A respeito disso, discutirei a obra de Edward Stringham (2002), Peter Leeson (2005) e Christopher Coyne (2005).

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pertencimento pode também ser uma maldição assim como uma benção. Esta é a grande tensão que Hayek ressaltou em seu trabalho tardio (por exemplo, 1979), em que somos biologicamente condicionados para a cooperação em pequenos bandos e, assim, temos uma tendência natural em direção à moralidade atávica, ao passo que para viver e prosperar na sociedade moderna temos que assumir uma abordagem menos atávica em relação à nossa interação com os outros. Desenvolver uma moralidade para a sociedade comercial moderna é, de fato, uma das tarefas mais desafiadoras da filosofia política. 16 Vide Seabright (2004) para uma discussão deste mistério central da vida econômica e como a pesquisa em economia e outras disciplinas está melhorando nosso entendimento sobre as instituições mediadoras que nos permitem realizar os ganhos da divisão do trabalho e da troca através de nossa cooperação com completos estranhos e, ainda assim, repelir a ruína completa pelo oportunismo. 17 Rajan (2004) discute isso com relação a países subdesenvolvidos e argumenta que modelos econômicos padrão são guias ruins para a política pública precisamente por causa disso. Ele pede por pesquisas que assumam a anarquia como o estado inicial e então explica como a cooperação social pode emergir em tais cenários. Francis Fukuyama (2004) também argumenta que os modelos econômicos padrão falham com base em assumir o que devem provar, em sua discussão da construção de instituições estatais e da melhoria de sua operação. Tanto Rajan quanto Fukuyama podem ser vistos como que estabelecendo a base de pesquisa para o 'anarquismo prático', mas a questão de se um governo funcional é necessário para realizar os benefícios de uma rede avançada de relações de troca deve permanecer aberta. 18 Não há nenhum substituto de se ler o original, então o leitor é encorajado a ler estas obras em vez de confiar no resumo superficial fornecido aqui, já que eu foco em certos aspectos de suas obras, em vez de em toda a complexa história que estes autores tecem. Meu propósito aqui é apenas olhar para suas obras como um convite para que outros sigam seu exemplo analítico e façam pesquisa teórica e

empírica sobre a elicitação da cooperação na ausência de situações governamentais reconhecidas e sob situações de anonimidade. Deixe-me ser claro sobre minha terminologia antes de proceder. Primeiro, por progressiva eu não quero dizer meramente progresso empírico, mas uma noção muito mais ampla que deve capturar a ideia de que uma ideia de pesquisa estimula outros a fazerem trabalhos sobre o mesmo tópico. Se um programa de pesquisa é progressivo, ele irá, por exemplo, gerar dez artigos de diferentes acadêmicos para cada artigo central escrito sobre o tópico. Ele levará outros a explorar o mundo empírico para ver o mecanismo em operação ou motivará outros a examinar a fundações lógicas dos mecanismos especificados. Segundo, por ausência de governo eu quero dizer tanto a ausência das instituições governamentais, quanto também situações em que não existe nenhum monopólio claramente reconhecido da coerção. Situações com governos competitivos são anárquicas, assim como situações onde não há nenhum governo sobre o qual se falar. Terceiro, o dilema social será limitado a situações de cenários de grandes grupos com indivíduos socialmente distantes

(estranhos) e não examinaremos a situação de como a cooperação social pode emergir entre membros familiares ou parentes próximos. Quarto, por cooperação social eu não quero dizer a completa ausência de violência ou comportamento desonesto, mas sim que a interação social é primariamente cooperativa

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EXCLUSÃO, INCLUSÃO E A ELICITAÇÃO DA

COOPERAÇÃO A PARTIR DO CONFLITO Realizar a cooperação entre estranhos é um dos mistérios centrais que a economia buscou explicar desde a fundação da disciplina. De fato, a palavra grega que significa troca - Katallaxy - tem um outro significado que se traduz como trazer um estranho à amizade. O registro histórico e antropológico está cheio de exemplos de como relacionamentos de troca entre facções beligerantes podem emergir para melhorar a situação destes antes inimigos e frequentemente resultam em inimigos se tornando aliados. Claro, também temos exemplos em que estranhos beligerantes falham em cooperar um com o outro por séculos e são, portanto, incapazes de realizar os benefícios cooperativos que seriam realizados se eles pudessem superar sua desconfiança do 'outro'.

Em algum nível, podemos argumentar que a realização da cooperação social é o resultado de um delicado ato de equilíbrio. A maioria dos economistas postula que este

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ato de equilíbrio é realizado através de um governo efetivo protegendo contra o comportamento predatório. Sim, a natureza humana inclui uma propensão a 'negociar, permutar e trocar', mas ela também inclui um lado oportunista que quando perseguido desinibidamente leva ao 'estupro, pilhagem e saque' que definem muito da história humana. Instituições governamentais, se argumenta, exogenamente impõem a ordem sobre o que, de outra forma, seria uma situação caótica. A lei e a ordem nos permitem refrear nossa natureza oportunista e realizar nossa natureza cooperativa. Mas esta solução é pouco satisfatória por uma variedade de razões. Primeiro, instituições governamentais não emergiram historicamente como uma consequência de um contrato social, mas, ao invés disso, através da revolução e da conquista. O governo, em suma, não é uma instituição que apela para o nosso lado cooperativo, mas para o lado oportunista de nossa natureza. Segundo, sabemos que a cooperação em anonimidade que define a divisão do trabalho moderna ocorreu na ausência do governo e não por causa do governo. O comércio entre indivíduos em cenários domésticos e exteriores não exige fiscalização governamental para emergir e se desenvolver. Terceiro, nas situações prementes do final do século XX, com relação ao colapso do comunismo na Europa Central e Oriental e da antiga União Soviética, à falha do planejamento de desenvolvimento na África e na América Latina e à situação

pós-conflito dos países do Oriente Médio, não podemos assumir um estado funcional.

e que emergem mecanismos efetivos que penalizam o comportamento antissocial de modo que uma norma cooperativa, ao invés de uma norma de conflito, domina o intercurso social. 19 A ideia de que nossa ordem social é um delicado ato de equilíbrio é explorada em Seabright (2004). Como ele coloca: 'A natureza não conhece nenhum outro exemplo de tão complexa dependência mútua entre estranhos'. A divisão complexa do trabalho que define a sociedade moderna deve ser protegida contra nossa natureza oportunista. Nossas instituições devem tornar possível para que tratemos completos estranhos como se fossem amigos honoráveis. Há um delicado ato de equilíbrio entre nossas naturezas oportunista e cooperativa, mas precisamos de instituições robustas que afastem nosso lado oportunista e encorajam nosso lado cooperativo. 'Em outras palavras, os participantes

precisam ser capazes de confiar uns nos outros - especialmente naqueles que não conhecem. A cooperação social depende de instituições que tenham exatamente tal propriedade de robustez' (2004:2;5).

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O trabalho de Stringham, Leeson e Coyne aborda estas situações, cada um de sua própria maneira. O trabalho de Stringham foca no desenvolvimento de complicados arranjos financeiros, tais como bolsas de valores, na ausência do controle governamental. Ela examina tanto episódios históricos em Amsterdam e Londres, assim como situações contemporâneas tais como a República Tcheca. Mercados de ações são um excelente caso

para estudar para ressaltar as questões de auto-governança. Negociantes são convidados a comprometerem capital para um investimento que será saldado apenas no futuro, de modo que o nível de confiança exigido é muito mais alto do que seria exigido para trocar bens atuais por moeda em um mercado de rua. Para nossos presentes propósitos, o que é importante é o mecanismo que Stringham descobriu que fez com que estes episódios históricos trabalhassem para elicitar a cooperação entre estranhos na ausência do controle governamental. Ele postula que, em situações de lidar com estranhos, uma série de arranjos "de clube" emergem, que buscam identificar diferentes características e empregar táticas de exclusão para eliminar potenciais e reais negociantes desonestos. A

auto-governança de arranjos financeiros complicados, em outras palavras, é possível porque a organização adota 'mecanismos de Stringham' para excluir trapaceiros. Ao postular uma situação em que uma variedade de negociantes entra no mercado, mas examinando os critérios de 'exclusão' adotados pelo 'clube' de negócios, Stringham ressalta como apenas aqueles negociantes que podem ser confiados de fato passarão pelo limite dos critérios e serão aceitos. Se voltarmos à alegação de que a ideia chave em realizar a cooperação social é, de alguma forma, conseguir instituições que façam os indivíduos tratarem os estranhos como se eles fossem amigos honorários, então o que Stringham faz é mostrar como, em situações de negociantes anônimos, organizações comerciais adotarão regras que restringem a filiação, de modo que os negociantes sejam menos anônimos e, assim, a reputação e a punição multilateral serão suficientes para garantir a cooperação ao invés do oportunismo.

O trabalho de Peter Leeson olha para este processo pelo outro lado. Ele não aborda questões de clubes comerciais, tais como bolsas de valores, mas foca, em vez disso, em como completos estranhos sinalizam a potenciais parceiros comerciais que vale a pena para eles aceitá-los em seus relacionamentos comerciais. Stringham olhou para o comportamento daqueles que aceitam novos parceiros comerciais; Leeson olha para o comportamento daqueles que querem se juntar ao círculo de comércio. A este respeito, os

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'mecanismos de Leeson' focam na inclusão, ao invés de na exclusão. A norma para lidar com estranhos é a desconfiança e, assim, a exclusão, então novos comerciantes devem sinalizar para os outros que eles possuem as características para superar esta distância natural. Somos diferentes o suficiente para que os ganhos do comércio sejam significantes, mas similares o suficiente para que a confiança possa ser assegurada na interação - promessas serão feitas e mantidas. O trabalho de Leeson vem tanto em exercícios teóricos que exploram a sinalização e o comprometimento, mas também em narrativas históricas que discutem a lei mercante, o comércio na África pré-colonial e o comércio internacional moderno. Na ausência de qualquer governo definido, Leeson mostra que a cooperação social é de fato possível e que o voluntarismo pode florescer.

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Leeson focou sua pesquisa naquelas situações em que um significado estrito de reputação e uma punição multilateral não seriam suficientes porque o grupo comercial é grande e anônimo demais e, ainda assim, a cooperação é elicitada através do processo de sinalização e comprometimento.

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O trabalho de Chris Coyne é diferente tanto do de Stringham quanto do de Leeson e foca, em vez disso, nas situações do que eu chamarei de 'anarquia prática'. Seu foco é em áreas devastadas pela guerra, onde o conflito é a norma e a questão é: como elas se movem do conflito para a cooperação e realizam a paz e a prosperidade? Ele examina as

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intervenções militares dos EUA na era pós Segunda Guerra Mundial e julga o sucesso ou

falha, do ponto de vista do interventor. Ele descobre que a ordem social autossustentada é, na verdade, bastante elusiva. Um dos entendimentos importantes do trabalho de Coyne é o reconhecimento do 'lado negro' da cooperação, assim como o 'lado positivo'. O estoque de capital social pode, de fato, nos fornece a confiança de pano de fundo necessária para realizar os ganhos da troca com os outros. Mas o capital social também pode nos unir em grupos que tentam explorar outros para o nosso ganho privado. Ao separar precisamente quando o capital social é produtivo, quanto ele é destrutivo e como se mover ao longo do espectro que vai do conflito à cooperação, Coyne está avançando nosso entendimento das condições sociais necessárias para realizar uma ordem pacífica e próspera em face do jugo governamental disfuncional ou completamente ausente.

Todos os três pesquisadores estão avançando o corpo da literatura existente sobre a natureza e a significância do anarquismo como um ponto de partida para a pesquisa na economia política. Seu trabalho convida outros a explorar a economia política de ordens sem estado e como a cooperação social através da divisão do trabalho pode ser realizada através de regras de auto-governança, em vez de pelo governo estatal. A arte da associação voluntária se move do pensamento positivo ideológico para o foco de um programa de pesquisa científica e, ao fazê-lo, remonta ao enigma central da economia política desde sua fundação.

CONCLUSÃO Eu argumentei que a economia política nasceu de um mistério e um enigma. O mistério é como uma complexa divisão do trabalho entre indivíduos socialmente distantes emerge e serve como a base da riqueza da civilização moderna? Ao explorar este mistério, os economistas vieram a ressaltar os benefícios mútuos da troca voluntária e sua natureza auto reforçadora. Contudo, isto criou um sério enigma para os economistas. Havia uma presunção em relação ao voluntarismo nos assuntos humanos, mas no reconhecimento de que nossa natureza está dividida entre uma natureza cooperativa e uma natureza

oportunista, devemos descobrir uma maneira de refrear nosso lado oportunista se esperamos realizar os frutos de nosso lado cooperativo. Ao passo que nossa natureza cooperativa está refletida em nossa propensão para negociar, permutar e trocar (que nenhuma outra espécie de fato exibe), nosso lado oportunista é revelado na natureza beligerante testemunhada ao longo da história humana. A economia política resolveu o enigma sugerindo que poderíamos sacrificar, de uma forma pequena, a presunção de

21 Em relação a isto, Coyne (2005) está levando a sério a admoestação de Rajan (2004) de que economistas parem de assumir o funcionamento em plano de fundo de direitos de propriedade respeitados impostos pelas cortes e mercados desenvolvidos. Ao invés disso, Coyne está examinando

os 'mecanismos' através dos quais, começando em uma área devastada pelo conflito, a cooperação pode emergir através das escolhas dos indivíduos e as dificuldades confrontadas por atores externos (por exemplo, intervenção militar estrangeira) para se impor uma ordem cooperativa.

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voluntarismo a fim de criar um governo que refreasse nosso lado oportunista e permitisse que nosso lado cooperativo florescesse. Assim nasceu o argumento a favor de um governo limitado, mas efetivo, que foi o centro do pensamento liberal clássico desde John Locke, David Hume e Adam Smith até escritores mais contemporâneos tais como Frank Knight, Ludwig von Mises, F. A. Hayek, Milton Friedman e James Buchanan.

Esta solução, eu argumentei, deve ser considerada deficiente por uma variedade de razões. Em vez disso, o tipo de explorações neste livro deve ser encorajado pelos acadêmicos que entendam o mistério central da vida econômica e sejam mais otimistas de que o enigma da governança possa ser resolvido de uma maneira voluntarista, em vez de através da natureza coercitiva do estado. O trabalho ao longo destas linhas é não apenas valioso em um nível teórico fundamental, mas também de significância prática também, conforme tentamos lutar com as grandes transformações sociais de nossa era.

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