o advogado da vida

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Quando começa o direito à vida? Essa pergunta fica quase impossível de ser respondida quando o médico Arthur Galanidel é preso por supostamente realizar abortos ilegais em sua clínica, inclusive em uma menor de idade. O advogado David é escalado para defender o caso, sofrendo a pressão da imprensa e da sociedade, que discutem se uma mulher tem ou não o direito de abortar e se o médico é ou não um criminoso. Será que David conseguirá convencer os jurados a inocentar o médico? Em quais situações é permitido a uma mãe optar por dar ou não à vida a seu filho? Neste emocionante thriller jurídico, as perseguições, tramas e provas são misturadas a todo momento, criando um romance fantástico, de tirar o fôlego. Tudo isso para, no final das contas, o caso ser julgado por sete jurados que decidirão onde começa e até onde vai o mais fundamental dos direitos: o direito à vida.

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S ã o P au l o 2012

COLEÇÃO NOVOS TaLENTOS Da LITERaTURa BRaSILEIRa

JEAN POSTAI

O ADVOGADO DA VIDA

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CAPÍTULO 1

A clínica

Com seus cabelos grisalhos decorrentes da idade, Patrick Dalmolin sabia se vestir com muita elegância, o que lhe permitia ser um autêntico bon vivant: um solteiro convicto, apreciador de vinhos, de carros caros e de mulheres interessantes, necessaria-mente nessa ordem. O contato com o mundo dos famosos, no qual eventualmente era convidado para festas regadas a drogas e com a presença dos mais belos exemplares do sexo feminino, lhe permitia ter uma vida interessante e invejada por muitos homens.

Quando Patrick estacionou seu carro num canto escuro da Rua XV de Novembro, parecia levar uma vida extremamente pacata e tranquila. Eis que uma de suas estagiárias, com quem por vezes saía, o avisou que um dos maiores médicos obstetras do país poderia ajudá-lo a resolver um problema que há muito o insti-gava. Tratava-se do Dr. Arthur Galanidel, um médico que Patrick pouco conhecia, mas que já tinha realizado o parto dos filhos de diversas atrizes, cantoras e mulheres ricas em geral.

A estagiária de Patrick havia descoberto, por meio de um contato dele, que a conceituada clínica do Dr. Arthur ia além do simples acompanhamento e trabalho de parto das grávidas. O lo-cal era, portanto, perfeito: Patrick estava onde queria estar e sabia, por meio de informação confiável, que o local era extremamente discreto e muito bem indicado. Não apenas por sua estagiária, mas também por pessoas cuja opinião considerava bem mais.

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Some-se a isso o fato de o médico sempre estar nas festas das celebridades e que até mesmo algumas destas, mais jovens, nasceram de suas mãos, e tem-se então um local extremamente recomendado para o objetivo de Patrick.

Quem o acompanhava era Alana, sua companheira de anos. Ela ostentava uma barriga aparentando uns cinco meses, o que a deixava tranquila, já que o bebê não havia se desenvolvido com-pletamente. E aquele provavelmente seria o último local que teria que ir grávida acompanhada de Patrick, o que a deixava ainda mais calma.

Patrick saiu do carro, correu para o outro lado, e abriu a porta para a mulher sair:

– Obrigada, querido – respondeu Alana, ironicamente, com um leve sorriso no rosto.

Ele então pegou em sua mão e, como um autêntico gentleman, elegante e prestativo, a conduziu em direção à clínica, que ficava num belo prédio branco com um discreto letreiro feito de pedras nobres.

– Não vá se apaixonar por mim, ok? – falou Patrick.– É uma verdadeira tentação. Você, como homem fiel, se-

ria um sonho para qualquer mulher – respondeu rispidamente Alana, trocando farpas com ele.

– Está tudo certo com você?– Comigo sim, espero que com você também – respondeu ela.– Ok. Vamos lá.O casal subiu vagarosamente os quatro degraus para a entrada

da clínica e atravessou a porta de vidro.O sol da manhã, com o frio leve do começo de inverno, tor-

nava aquele dia agradável para se sair à rua: nem muito quente nem exageradamente frio, com uma temperatura gostosa, inco-mum para a cidade em que viviam.

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Ao entrarem, um rápido bip soou.– Bom dia! Sejam bem-vindos à clínica do doutor Arthur.

Posso ajudar? – perguntou prontamente uma secretária loura, com uniforme na cor do letreiro da clínica.

– Olá! – respondeu Patrick com um largo sorriso. – Temos uma consulta marcada para às dez horas.

A secretária verificou no sistema do computador e pediu para os dois se sentarem e aguardarem nas confortáveis cadeiras de couro branco da sala, que por sinal estava muito bem decorada, com detalhes em madeira nas paredes e variadas orquídeas cuida-dosamente postadas nos cantos.

O cheiro da clínica era particularmente gostoso – flores fres-cas e nada mais – e chamou a atenção de Alana, que considerou o local autêntico e acolhedor.

Após esperar cerca de dez minutos e sendo os únicos clientes da sala, a secretária chamou-os novamente e pediu para entrarem por uma porta de madeira, para serem atendidos na sala de espera privada, o que surpreendeu o casal, já que o atendimento fora mais rápido do que esperavam.

Patrick ajudou Alana a se levantar e, com muita calma, con-duziu-a até à outra sala, na qual se sentaram novamente em uma das cadeiras de luxo.

Pela primeira vez naquele dia, Patrick pôde perceber um pou-co de nervosismo nos olhos e no jeito de sua companheira, que pareceu titubear em suas atitudes; havia também os dedos que não paravam de se mover e os lábios que se mordiam.

Mas eles estavam ali com um objetivo muito maior, e o medo era parte do desafio para conquistá-lo. Algumas fontes que fa-laram a Patrick sobre o que acontecia ali dentro eram bastante confiáveis: uma delas, inclusive, era uma atriz de quarenta e pou-cos anos que já havia saído com ele, e que perdera o bebê porque

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supostamente demorara para realizar a cesariana, pelo menos de acordo com informações que haviam saído nas revistas de fofoca.

Enquanto o frio na barriga de Patrick ficava cada vez maior após alguns minutos de espera, um médico com a sua idade, barba branca e um ar de intelectual chegou à sala de espera. Seu rosto já era conhecido das colunas sociais da cidade, pela amizade com pessoas famosas e ricas.

O homem tinha um belo sorriso, estava vestido todo de branco e era uma daquelas poucas pessoas cujo carisma já se evidencia no primeiro olhar, criando rapidamente uma sintonia com quem con-versava. Aproximou-se de Patrick e de Alana e logo foi dizendo:

– Olá, como estão vocês? Espero que bem. Sou o doutor Arthur – disse, gentilmente.

Patrick levantou-se da cadeira e o cumprimentou com um aperto de mão forte:

– Olá, doutor, me chame de Patrick! É um prazer conhecê--lo! Esta é minha esposa, Alana!

– Alana, que belo nome! Como você está? E o bebê... que maravilha! De quantos meses?

– Cinco meses! É uma menina, doutor; descobrimos há pou-co tempo. Vai se chamar... – olhou para Patrick com um sorriso envergonhado no rosto. – Rosana... como a avó!

– Muito bom! Fico feliz! Bom, me acompanhem até minha sala, por favor.

Dr. Arthur abriu então uma porta no meio do corredor ao lado da sala de espera e entrou, seguido pelos dois. Lá dentro, ha-via uma grande sala, com separações de vidro escovado e detalhes em madeira cuidadosamente esculpidos. O ambiente era deco-rado com materiais de primeiríssima qualidade, sendo os móveis feitos sob medida. Ok, já entendi. Lugar para gente com grana – pen-sou Patrick, enquanto analisava o ambiente.

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– Podem se sentar aqui por um instante – convidou o médico.Os dois se sentaram, com Alana tendo a mão sobre sua barri-

ga. Seu jeito continuava um pouco tenso, o que surpreendia até mesmo seu experiente companheiro.

– Bem, vocês marcaram uma consulta hoje para, acredito, es-tudar as possibilidades de parto da senhora Alana, correto? Recebi seu e-mail detalhado e os seus exames e já analisei o caso.

– Exato, doutor – respondeu Alana. – Bem... acho que po-demos ser diretos. Não sei o que está havendo, mas sinto fortes dores na minha barriga, e os médicos a que fui antes falaram que é uma gravidez de sério risco, então estou preocupada. Muito preocupada.

– Muito bem... – iniciou o doutor Arthur, enquanto esfre-gava os dedos da mão direita sobre o queixo. – Vamos direto ao ponto. Venha até aqui um instante, por favor. Quero examiná-la rapidamente.

O médico então a conduziu para uma pequena sala ao lado, separada por uma parede de concreto bege, onde pediu para a mulher deitar-se, enquanto começou a fazer seu trabalho.

Enquanto isso, Patrick se esforçava para ficar calmo, evitando olhar para o médico e para Alana, tentando não demonstrar o que realmente estava sentindo com aquela situação toda.

– Muito bem, Alana, sente dores aqui? – apontou o médico, com um aparelho em mãos.

– Não, nessa região não...– E aqui? Um pouco mais acima...– Sim, é exatamente aí que sinto fortes dores, doutor...– Ok – respondeu o médico, retirando o aparelho. – Com

este exame e com os outros que você me trouxe, o seu diagnós-tico é muito simples, até por que você já foi avaliada por outros dois médicos especialistas. Me acompanhe, por favor.

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Alana se levantou com a ajuda do apoiador da cama e dirigiu--se até a cadeira novamente, com Patrick. Após sentar-se, notou que o semblante do Dr. Arthur havia mudado. De um senhor sorridente e simpático, rapidamente tornara-se sério, sem qual-quer vestígio de alegria, até que começou a falar:

– Alana, eu já havia analisado detalhadamente os exames médicos que vocês tinham me enviado por e-mail. Eles são completíssimos.

O casal assentiu, aparentando nervosismo.– E... bem, como você deve ter lido nos laudos médicos an-

teriores, sua gravidez é de sério risco. Acredito que isso não seja novidade para vocês – falou o médico, olhando-os diretamente nos olhos e demonstrando total franqueza.

– Sim, doutor, por isso viemos aqui, com alguém que é refe-rência na área.. Estamos preocupados, como pode ver.

– Pois bem, Alana... – continuou o médico. – Pelos laudos anteriores e pelo simples exame que fiz agora...

Respirou fundo... mas sentiu que deveria continuar. Era sua função de médico ser forte nessas horas, mas mesmo após décadas de experiência ainda se sentia nervoso em situações como aquela: dar notícias desagradáveis nunca fora sua especialidade.

– Pelo exame que fiz agora, não é muito difícil diagnosti-car a doença de sua filha e acredito que você já sabia. Assim... pelos exames que recebi, e pelos exames você fez em nosso laboratório antes dessa consulta e que chegaram até mim... bem... tenho que dizer que sua filha corre sérios riscos de morte ao nascer.

O médico então abaixou um pouco sua cabeça, parecendo se culpar por ter de revelar uma notícia tão drástica.

– Provavelmente seu bebê não resistirá por mais do que... algumas semanas... eu... sinto muito – continuou ele.

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Curiosamente, Alana esforçou-se para parecer realmente aba-lada com a notícia do médico, mas não aparentou mais nervosis-mo do que tivera quando entrou na sala.

Mesmo assim, enquanto Patrick a consolava e lhe dava um abraço, colocando sua cabeça sobre seus ombros, Alana recordou--se das aulas de teatro que fizera na adolescência, e conseguiu chorar com uma decepção assustadora, digna das melhores atrizes.

– Mas... como assim... como sofre sério risco? Meu Deus, sempre a imaginei nascendo... forte... saudável... – falava, enquan-to seu rosto ficava cada vez mais vermelho, e as lágrimas saíam aos montes, escorrendo pelo rosto.

O médico olhava para ela e para Patrick:– Veja... você ainda pode ter esse bebê... já vimos vários mila-

gres acontecerem aqui na clínica, com casos que pareciam perdi-dos, mas que nos surpreenderam. Você ainda pode ter esse bebê, mas... pela doença que tem... ele infelizmente não terá muito tempo de vida.

Alana limpou suas lágrimas, mas o rosto continuava encharcado:

– Mas qual o procedimento para ter esse bebê? Deus, como posso tê-lo? – disse a jovem mulher, olhando profundamente nos olhos do médico.

Dr. Arthur começou a falar:– O que nós fazemos aqui são diversas sessões com o objetivo

de tranquilizar a mãe do bebê... Acreditamos que o lado psico-lógico também é importante, e por isso contamos com profis-sionais especializados para seu caso. No âmbito do nascimento do bebê, propriamente dito, garanto a você que faremos o que pudermos para que ele nasça com o mínimo possível de seque-las. Entretanto, isso não retira a doença da qual ele é portador... Quero que entenda que, assim que nascer, o relógio de vida dele

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será muito mais rápido do que o nosso... A estimativa de vida é de muito pouco tempo.

– E de quanto em quanto tempo serão as consultas psicológi-cas? – perguntou Patrick, parecendo não se importar muito com as últimas palavras do médico.

Não esperava alguma resposta diferente, algo que traria à tona o que realmente queria ouvir. Embora tivesse estudado, antes daque-la consulta, todos os métodos e procedimentos corretos que um médico da área deve realizar, Patrick ainda queria ouvir da boca do doutor o que era possível fazer para ajudá-los como casal.

Tanto sabia que não se espantou com uma resposta padro-nizada do Dr. Arthur, que não revelava muito e era repassada a todos os seus pacientes.

Entretanto, algo veio na mente de Patrick, como um instinto do qual não pudesse abdicar, e então fez uma pergunta que não havia planejado fazer quando chegou ao consultório.

Patrick esperou a resposta da pergunta anterior e, como uma criança que faz perguntas quase por instinto, sem pensar na res-posta que pode obter, indagou:

– Doutor, e se nós não quisermos ter este bebê?O silêncio tomou conta da sala. Até Alana, cuja expressão era

de dor e de sofrimento, rapidamente tornou-se séria, embora já soubesse que aquela pergunta, em algum momento, poderia ser feita pelo seu companheiro.

O Dr. Arthur, que até então buscava responder às pergun-tas, como sempre fazia com seus pacientes, olhou para Patrick. Esperou alguns segundos, como que pensando na melhor respos-ta que poderia dar; analisou o casal e falou:

– Como assim, Patrick? Pode repetir?Patrick então continuou com seu atrevimento. Estava indo

em águas nas quais não esperava navegar:

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– Bem... quero dizer... estamos lhe perguntando sobre o pro-cedimento para termos esse filho, certo?

– Certo – respondeu o médico.– Pois bem – engoliu em seco e tomou força para continuar

com sua linha de raciocínio. Um erro ali e poderia colocar tudo a perder. – Conforme o senhor atestou, e outros médicos espe-cialistas também confirmaram, nosso bebê não tem condições de sobreviver muito tempo. Isso é certo? Quero dizer, a Medicina dá certeza de que isso vai acontecer?

– Bem, Patrick... já houve casos parecidos em que o bebê sobreviveu por alguns anos, ao invés de algumas semanas, mas nunca, em toda a minha carreira, vi um caso em que o bebê te-nha sobrevivido além disso... Quero dizer, é certo pela Medicina atual que o bebê terá um tempo de vida drasticamente reduzido. E que, enquanto estiver vivo, sofrerá bastante. Isso é inerente à doença da qual ele sofre.

– Exato, doutor. É nisso que penso, no sofrimento do bebê, e também no nosso, confesso – disse, olhando para Alana. E conti-nuou: – O que quero dizer é que se esse bebê irá falecer dentro de alguns meses e irá sofrer enquanto estiver vivo... será que real-mente precisamos ter essa criança?

Foi a segunda pergunta bombástica de Patrick, e Alana já não mais precisava fingir qualquer nervosismo, pois realmente estava sentindo isso: afinal, o que Patrick estava fazendo? Como ele ti-nha coragem de perguntar tudo aquilo naquele momento?

Mas o que aconteceu em seguida surpreendeu demais a mu-lher. O Dr. Arthur não contestou veementemente as perguntas feitas: ao contrário, manteve sua expressão intacta, como se já tivesse ouvido aquilo centenas de vezes antes.

– Patrick, você está sugerindo... abortar esse bebê?Não houve tempo para pensar muito:

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– Sim, doutor, eu gostaria. E para isso eu e minha esposa con-versamos muito, sobre não ter essa criança, sobre eu não ser pai dessa criança. Acredito que se alguém nasce para sofrer... então não tem sentido o nascimento desse ser humano.

Nem Patrick acreditava na maneira como estava falando, e em como o Dr. Arthur parecia concordar, ao invés de negar pronta-mente. Estava conseguindo um resultado muito melhor apenas de improviso, simplesmente sendo ousado e falando o que vinha à mente.

– Olhe...– respondeu o Dr. Arthur retirando seus óculos – o que vocês estão falando é algo muito delicado. O aborto é algo extremamente sério, que precisa ser muito bem pensado – olhou para Alana enquanto continuou a falar. – Acredito que deve ser uma decisão conjunta, tomada entre a mãe da criança e o pai, após refletirem muito sobre o assunto. Vocês estarão retirando a vida de alguém que amam, pensem nisso!

– Sim, doutor, sabemos disso – respondeu uma Alana que fi-nalmente havia percebido aonde Patrick estava querendo chegar. Falou como uma mulher decidida sobre o que fazer. – Sei que precisamos pensar bem, mas não queremos sofrer, e não quero que meu filho nasça para sofrer também. Estou convicta disso.

Patrick então emendou:– Exato, doutor, eu acredito que precisamos tomar uma de-

cisão. O aborto dessa criança seria um alívio para nós e para ela mesma também, que evitaria chegar ao mundo para apenas... sofrer.

O médico pensou por alguns segundos, até que respondeu:– Muito bem– respondeu o doutor. – Olhem, fico até co-

movido com o caso de vocês; é uma doença realmente rara e é comprovado que o nascimento da criança importa em fortes dores que acabam ocasionando a morte do bebê, tempos depois.

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Talvez, veja, é uma opinião muito controversa no campo da medi-cina e isso é ilegal em nosso país, mas talvez realizar o aborto seja realmente uma alternativa mais humana nesse caso, eu tenho que admitir.

A isca estava para ser lançada. Todos os laudos médicos com-provavam que a criança tinha a doença incurável, toda a reação emotiva dos pais, o contato com o deputado, que acabou por conseguir a consulta naquela clínica mesmo não sendo o casal membro de qualquer família rica ou influente, tudo aquilo fora feito para conseguir o resultado que queriam, e permitir que Patrick fizesse a pergunta derradeira, que culminaria com o seu objetivo final.

Foi quando Patrick questionou:– E como podemos fazer esse procedimento de aborto?Ajeitou-se na cadeira novamente, aguardando ansiosamente

por uma resposta, enquanto o médico rapidamente respondeu, quase cortando a fala do outro:

– Nós não costumamos fazer esse tipo de procedimento aqui nesta clínica, senhor Patrick. Sabemos que é ilegal. Se é justo ou não, são outros quinhentos. Mas sabemos que é ilegal – respon-deu secamente.

Mas Alana passou à frente de Patrick e, antes mesmo que este pudesse contestar o que Arthur falara, disse:

– Doutor... o senhor sabe quem nos indicou... e acredito que saiba o porquê.

O Dr. Arthur olhou firme para Alana por alguns segundos, tentando decifrar algo de incomum ou estranho em sua fala, mas não conseguiu: à sua frente, apenas um casal desesperado, que fora levado a ele através de um influente contato em comum.

Finalmente, para a surpresa dos dois, Arthur respirou fundo e mordeu a isca:

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– Veja, Alana, nós... devo admitir que nós fazemos esse pro-cedimento aqui na clínica em casos muito especiais, para pessoas muito indicadas, mas quero lhe dizer que é algo extremamente delicado e discreto. Quero dizer, fazemos apenas para pessoas que conhecemos e confiamos plenamente. No caso de vocês, por se-rem amigos de longa data de um grande compadre meu, o depu-tado Ferreira, e pela doença rara e dolorosa do bebê... – pausou novamente sua fala por mais alguns segundos e respirou fundo, até que disse – eu posso realizar essa cirurgia tão delicada, caso vocês tenham certeza do que estão fazendo.

Patrick quase pulou da cadeira de tanto alívio, mas seu cora-ção continuava disparado.

– Doutor... – disse Alana –, o que eu mais queria na vida era ter um belo bebê com meu esposo... um filho que eu pudesse acariciar, dar de mamar, ver crescer, se desenvolver, estudar, ter uma vida. Mas sabemos que não é o que vai acontecer com este filho que tenho aqui – disse, apontando para sua barriga.

– Alana, nós realizamos o procedimento de aborto, mas com algumas severas condições, que preciso que entendam. A primei-ra delas é que não assinamos qualquer tipo de contrato, de cirur-gia ou de risco, sobre o procedimento que fazemos.

– Certo – respondeu secamente Patrick, concordando com estranha rapidez.

O médico continuou falando:– A segunda é que queremos absoluta discrição. Vocês deve-

rão dizer a parentes e conhecidos que perderam o filho por cau-sas naturais. A princípio, negaremos qualquer indicação à nossa clínica, de que realizamos qualquer procedimento. O horário no qual fazemos a cirurgia, a maneira e onde ocorre, tudo isso é algo secreto, e não comentamos ou admitimos em hipótese alguma. Como vocês sabem, a lei não permite o aborto no seu caso, por

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questões religiosas, em minha opinião. Mas tenho a crença de que em situações especiais ele deve ocorrer, como no caso de vocês. Por isso o realizamos aqui, mas, volto a dizer, negaremos veemen-temente e não comentaremos sobre isso em nenhuma situação posterior, entendem isso?

– Sim, claro... entendo perfeitamente – respondeu Patrick. Alana concordou e disse:

– Mas, doutor... tenho um pouco de medo, como funciona o procedimento? É seguro?

– Alana, é bastante seguro. Nossa clínica conta com profis-sionais muito capacitados, com materiais de primeiríssima quali-dade, e até hoje não tivemos qualquer tipo de problema. Minha única preocupação é com relação à discrição, pois não queremos perder a confiança de nossos pacientes, ou de pessoas que foram nossos pacientes. Por isso, vocês precisam entender que, após a cirurgia, não manteremos contato, negaremos qualquer acusação de que isso ocorreu, além de não assinarmos qualquer contrato ou documento sobre a cirurgia. A legislação é complicada e dú-bia sobre isso, e há toda uma questão moral que defendemos aqui, razão pela qual já fizemos esse procedimento inclusive em mu-lheres cujos bebês não apresentavam qualquer doença ou risco de vida para a mãe.. Você entende bem isso?

A vontade de Patrick naquele momento era de sorrir. Tinha finalmente conseguido o que queria, após tanto tempo para ob-ter uma consulta “especial” com aquele médico.

– Claro, doutor, entendemos muito bem isso. Discrição e... bem... nenhuma garantia legal, simplesmente porque, sabemos, isso é ilegal em nosso país.

– Correto – respondeu o médico. – Peço que, antes da ci-rurgia, vocês pensem muito bem se querem realmente realizá-la. Por isso, sugiro marcarmos uma consulta para daqui uma semana,